INTERDISCIPLINARIDADE: CONSTRUÇÃO EM UM PROCESSO CRIATIVO
Adriana Moreira Silva
Renata Bittencourt Meira
[email protected]
Universidade Federal de Uberlândia
Comunicação – Relato de Pesquisa
Esse trabalho expõe as reflexões de uma vivência interdisciplinar ocorrida no
projeto Ser e Conviver: a interdisciplinaridade na formação pessoal e social de
criança de 6 a 12 anos de idade e seus educadores. Tal vivência aconteceu tendo como
referência minhas experiências adquiridas na formação em Teatro, no curso de
Educação Artística, Habilidade em Artes Cênicas, que, inseridas em uma outra
proposta, une-se a Psicologia, em busca de construir e re-construir relações num
ambiente educativo.
A proposta foi organizada e orientada pela Profa. Dr. Carmem Lúcia Reis, do
instituto de Psicologia da UFU, que apresentou idéias voltadas para a formação de
sujeitos partindo dos elementos que o Teatro, as Artes Visuais e a Psicologia poderiam
oferecer. O foco do projeto fora as diferentes formas do individuo ser e conviver
consigo e com outras pessoas dentro de um contexto educacional, um centro de
formação na cidade de Uberlândia/MG.
As colocações dessa pesquisa refletiram sobre a interdisciplinaridade a partir da
práxis realizada e considerando aspectos comuns a essa prática, a interdisciplinaridade e
aos processos criativos. Sendo assim alguns aspectos foram selecionados por meio de
leituras sobre interdisciplinaridade e processo criativo, no âmbito das artes, da educação
e da psicologia. São eles: Investigação, Autoconhecimento e Intersubjetividade;
Ordenações; Percepção; Equilíbrio e Desequilíbrio; Atitudes e Ação; Integração e
Interação; Tensão Psíquica, Fantasia e Imaginação, Prática Atorial; Limites;
Potencialidades; Re-significar e Reelaborar; Formas; Seletividade; Elaboração e
Transformação.
Durante 6 meses, eu, juntamente com uma estagiária do curso de Psicologia tive
encontros semanais com o grupo de 6 educadores do centro de formação. Esses
educadores trabalham no centro de formação ministrando oficinas para as crianças de 6
a 12 anos de idade, com diferentes eixos temáticos, sendo eles: Língua e Linguagem,
Artes, Natureza e Sociedade, Expressão Corporal e Matemática.
Em nossos encontros com o grupo as diferentes formas dos sujeitos serem e
conviverem foram se construindo a partir da interdisciplinaridade que suscitava a cada
encontro questões, soluções, dificuldades e possibilidades para o grupo de educadores
para seu trabalho na instituição. Com isso o caráter das atividades dos encontros pautouse nas referências de atividades por mim vivenciadas ao longo do curso de Teatro em
disciplinas, projetos e oficinas e, daquelas vivenciadas estagiária da Psicologia ao longo
de sua formação acadêmica.
Os encontros ficaram divididos em dois momentos. O primeiro momento
voltado para a realização das atividades práticas, ligadas ao contexto teatral e um
segundo momento para as discussões, tendo como ênfase a construção da Psicologia em
torno de conversas reflexivas.
Para o desenvolvimento das ações a interdisciplinaridade foi se solidificando
como base para as novas possibilidades. Por isso, as situações, vivências e experiências
são pensadas a partir do meu campo de atuação, o Teatro.
Das referencias teatrais foram utilizados para a realização da primeira parte dos
encontros atividades de alongamento, aquecimento, sensibilização corporal e
improvisações que surgiram a partir de diferentes estímulos: música, palavras, objetos e
imagens. A primeira parte dos encontros constituiu-se, portanto, atividades corporais
que propiciaram aos educadores momentos de contato consigo mesmo, percebendo as
tensões, as facilidades, dificuldades corporais que podem ser despertados com a
sensibilização de seu próprio corpo e na relação com corpo do outro.
Na experiência no centro de formação, os processos corporais, somado às
conversas, desencadearam uma vivência diferente para os envolvidos, propiciando, um
aprendizado, um reconhecimento e um entendimento das relações por meio da prática.
Os educadores e nós estagiárias, nos apropriamos de tais momentos para a construção
diferenciada de relações entre as pessoas ligadas à instituição. O corpo é um elemento
comum nas abordagens teatrais e foi utilizado, nesse processo, como estímulo para a
formação de novas relações através da prática e dos diálogos verbais.
A intervenção junto aos educadores foi um trabalho que obteve resultados pela
prática interdisciplinar, visto que foi a partir dela que metodologias e pensamentos
foram sendo construídos. Isso significa que o processo com esse grupo foi
intrinsecamente construído pautando-se nas contribuições não somente da Psicologia ou
do Teatro, mas do diálogo que foi possível estabelecer entre essas áreas.
Nessa vivência, portanto, abriu-se mais uma possibilidade para o entendimento e
percepção dos indivíduos e do espaço que os cercava, através de um olhar imbuído de
contextos e percepções ligadas ao Teatro, mas que encontrou respaldo para ampliar os
limites de compreensão, principalmente, dos fatores educacionais e sociais que regem
instituições de ensino.
A interdisciplinaridade foi pensada a luz das considerações de Ivani Fazenda
que traz uma abordagem fenomenológica da interdisciplinaridade, na qual coloca em
destaque a questão da intencionalidade, a necessidade do autoconhecimento, da
intersubjetividade e do diálogo (FAZENDA, 1979). O saber é entendido como meio
para se ter acesso às atitudes reflexivas sobre o modo de agir de cada sujeito. Coloca
também em evidência que a pessoa é inserida em uma realidade social que possui
características
relevantes
para
a
construção
do
saber.
Nesse
sentido,
a
interdisciplinaridade traz também contribuições no plano educativo devido ao fato de
propor outras maneiras de entender a sociedade, outras abordagens da ação de formação
e, assim, outras visões de relações sociais.
Porém, considera o fato de no ensino brasileiro a interdisciplinaridade ainda ser
algo em construção, trazendo ainda nos PCNs, (2000) pontos contraditórios no que se
refere a sua aplicabilidade ao ensino médio, por exemplo. Ao falar sobre A reforma
curricular e a organização do Ensino Médio, a interdisciplinaridade é contextualizada
sob uma visão instrumental, isto é, quando se trata do contexto escolar a
interdisciplinaridade é utilizada para a solução de problemas emergentes no contexto em
que acontece.
Ao passo que, quando se refere às Diretrizes para uma pedagogia de qualidade,
a interdisciplinaridade é citada enquanto uma idéia que vai além da aproximação dos
conhecimentos, por isso, a importância de fortalecer as disciplinas, para que seja
possível a troca. PCN afirmam que a interdisciplinaridade não busca construir novas
áreas de conhecimento.
Quanto ao processo criativo, elementos norteadores dessa pesquisa têm-se como
referencia a autora Fayga Ostrower (1977) que traz suas considerações para além dos
conteúdos das Artes Visuais, permitindo que por meio de seus pensamentos o processo
criativo alcançasse outros campos do saber. Trazendo elementos como, a tensão
psíquica, o equilíbrio, a ordenação, a percepção, dentre outros, que acentuam pontes
convergentes entre o processo criativo e a interdisciplinaridade vivenciada por mim no
projeto Ser e Conviver.
Além da visão de Fayga são consideradas as contribuições da área da
Psicologia, tendo como base as idéias de Piaget e Vigotsky, no que se refere ainda a
criatividade e ao processo criativo. Piaget enfatiza que entender o processo criativo é
uma tentativa de esclarecer suas origens. O desenvolvimento da inteligência fornece
subsídios para uma constante criação, pois em cada estágio da vida a criança se depara
com algo que lhe é diferente, que não conhecia. Sendo assim, a infância é considerada
por Piaget como o período de maior criatividade do ser humano.
Japiassu (2001) à luz das considerações de Vigotsky sobre a criatividade na
educação afirma que a criatividade é a capacidade que os homens possuem de se
colocarem no mundo, tendo a possibilidade de transformar sua realidade. Sendo a
fantasia e a imaginação válvulas que o impulsionam em direção a criação. Portanto, a
Fantasia e Imaginação não são aspectos ligados ao irreal, estão relacionadas a todas as
atividades que o homem desenvolve ao longo de sua vida.
Desse modo, Vigotsky reflete sobre a capacidade criadora do homem no espaço
escolar. Nesse ambiente, os processos criadores acontecem principalmente no ato de
brincar, isto é, através de brincadeiras as crianças re-significam, reelaboram e
reconstroem novas formas de se perceber a realidade. “Não se deve esquecer que a lei
básica da criação artística infantil consiste em que seu valor não reside no resultado, no
produto da criação, mas no processo de criação em si” (JAPIASSU: 2001, p.56)
No teatro as discussões sobre processo de criativo ainda estão em construção,
mas ainda são levantados autores que se propõe a discutir o assunto direcionando-o para
o fazer teatral, por isso, aqui é pensado tendo em vista as considerações cênicas,
relevantes neste trabalho. Para Isaacsson (2006) o processo de criação do ator implica
em uma atitude do próprio interprete, o que significa fazer da experiência sensível um
avanço de conhecimento pra além do resultado artístico. Isso indica considerar que na
criação cênica o processo é visto enquanto uma possibilidade de investigação que
implica escolhas e direcionamentos. Trata-se de aguçar a percepção acerca de alguns
aspectos fundamentais para a criação de um estado criador, da adaptação, da memória,
do comprometimento com comunicação da forma, das resistências pessoais, da
capacidade de abandono e da relação que essas características possuem.
Machado (2006) concorda com vários autores aqui citados considerando a
criação como algo inerente ao ser humano, colocando o teatro como uma das formas
que eclodem esse processo. No teatro a criação abrange todos os elementos que
constituem o fazer teatral: a iluminação, o cenário, os figurinos, a sonoplastia, a
dramaturgia, a direção e o ator, ou intérprete. É na articulação e seleção das
características de tais elementos que o processo criativo configurará a obra teatral.
A partir dessas referencias foi possível promover uma discussão que nos
encaminha a perceber a interdisciplinaridade enquanto uma interdisciplinaridade
criativa ou processo interdisciplinar criativo, ou seja, existe uma relação entre esses
conceitos, percebidos e discutidos a partir de uma referencia particular sobre o Teatro.
O teatro pode ser entendido como uma ação coletiva que une em torno da
criação sujeitos com experiências diversificadas. O diálogo se estabelece a partir das
diferenças num objetivo comum de expressão estética. A interdisciplinaridade se propõe
justamente na busca pelo diálogo, e é exatamente nesse ponto que a criação se comunica
com a prática interdisciplinar.
O diálogo é um ponto de reflexão pertinente à prática teatral, não só em seu
processo de criação, mas também na relação entre palco e platéia condição necessária
para sua efetivação. Na proposta interdisciplinar analisada o diálogo não se configurou
de modo estético. Talvez, se a perspectiva da coordenação geral do projeto fosse o
Teatro no lugar da Psicologia, o diálogo estético poderia ser parte do processo. Entendese que levar o teatro como centro das atividades naquela instituição pressupõe encontrar
outro modo de dialogar com aquele espaço.
Por isso, a interdisciplinaridade criativa sugere um processo a partir de uma
visão que constrói gradativamente as etapas a serem vivenciadas pelos sujeitos. Sendo
importante ressaltar que cada prática é única, pois se trata de individualidades que se
relacionam constantemente. Sendo assim, nessa prática foi possível estabelecer eixos
comuns entre criação e a interdisciplinaridade, o que não significa que toda pratica
interdisciplinar perpasse pelos pontos aqui levantados.
Tendo em vista os aspectos pertinentes a interdisciplinaridade, bem como, ao
processo criativo, construiu-se um diálogo entre a criação e a prática interdisciplinar,
que reuniu conhecimentos do Teatro e da Psicologia. Portanto, esse trabalho discutiu a
práxis interdisciplinar enquanto uma proposta que perpassou pela lógica da criação, na
qual aspectos relevantes do ato de criar contribuíram nas novas formas de agir e pensar
dentro da instituição educacional e do projeto Ser e Conviver.
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