SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: UM ESPAÇO DE FORMAÇÃO PARA LICENCIANDOS DE QUÍMICA E BIOLOGIA Josimar Ferreira de Jesus1*; Mariane Rocha Costa1; Ivete Maria dos Santos1; Thereza Angélica Santos Silva de Matos2 1 – Universidade Estadual de Santa Cruz – Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas – Rodovia Ilhéus-Itabuna Km-16 s/n – 45662-000, Ilhéus/BA. 2 – Centro Integrado Oscar Marinho Falcão – Avenida Itajuípe, s/n – Santo Antônio – 45602-380, Itabuna/BA. RESUMO O aumento no número de matrículas de alunos com deficiência em classes de ensino regular tem sido constante nos últimos anos. Esses alunos, que outrora estavam segregados das classes regulares, passam a integrar o universo dessas classes, atendendo a legislação que ressalta a obrigatoriedade em acolher e matricular alunos que apresentem necessidades educacionais especiais. Entretanto, vivenciamos a incapacidade exposta por alguns professores quanto ao processo de ensino e aprendizagem desses alunos, em especifico na área de Ciências da Natureza. Nessa perspectiva, este trabalho descreve o relato de experiência de licenciandos de Química e Biologia, bolsistas num Subprojeto Interdisciplinar em Educação Especial do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES), desenvolvido numa escola da rede pública do município de Itabuna-BA. O subprojeto propõe discutir a formação inicial de professores de Ciências frente a Educação Inclusiva. A partir das observações realizadas no atendimento especializado na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) os bolsistas vêm desenvolvendo ações no sentido de investigar metodologias que possibilitem a inclusão dos alunos com deficiência visual e auditiva nas aulas de ciências. A exemplo, podemos citar a utilização de materiais didáticos adaptados, a adaptação do laboratório de ciências, a exploração dos outros sentidos sensoriais, de maneira que os mesmos possam tornar-se sujeitos construtores do seu próprio conhecimento conjuntamente com os demais alunos. Percebe-se que o trabalho contribui para formação e valoração desses futuros profissionais, possibilitando a sensibilização dos demais atuantes no ambiente escolar quanto à diversidade presente nas salas de aula, além de auxiliar no desenvolvimento didático pedagógico, não apenas das disciplinas Química, Biologia e Ciências Naturais, mas de todo o currículo escolar. Palavras-chave: sala de recursos multifuncionais, formação inicial de professores, ensino de ciências 2 INTRODUÇÃO A busca e a legitimação pelo direito à educação tem sido uma tema amplamente discutido, por entender que essa seja uma das bases da constituição de uma sociedade. Um dos primeiros documentos a assegurar a necessidade de educação para todos foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, admitida pela Convenção Nacional Francesa em 1793. Após quase dois séculos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1947) garantia que toda pessoa tem direito à educação obrigatória e gratuita, pelo menos, na educação infantil, fundamental e média. Entretanto, percebe-se que ao longo da história as pessoas com algum tipo de deficiência ficaram excluídas desse direito. Nesse sentido, alguns movimentos surgem na tentativa de garantir o direito à educação para as pessoas com deficiência. O ápice desses movimentos deu-se com a Conferência Mundial de Educação Especial, na Espanha, em junho de 1994, onde foi elaborado a Declaração de Salamanca, que traçou os princípios políticos e práticas para uma educação para todos. No Brasil a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, nº 9394/1996), no capítulo V, nos Arts. 58 a 60 regulamenta a Educação Especial ressaltando a importância da inserção de pessoas com deficiência nas escolas de ensino regular, afirmando ser dever do Estado garantir o acesso ao ensino. Portanto, torna-se necessário atrelar à toda essa discussão a formação inicial de professores, tendo em vista a incapacidade exposta por alguns professores quanto ao processo de ensino e aprendizagem de alunos com deficiência, em especifico na área de Ciências da Natureza. Nessa perspectiva, este trabalho descreve o relato de experiência de licenciandos de Química e Biologia, bolsistas num Subprojeto Interdisciplinar em Educação Especial integrante do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES), desenvolvido numa escola da rede pública do município de Itabuna-BA, pioneira na educação de alunos com necessidades educacionais especiais. O trabalho em questão é de cunho qualitativo, considerando o ambiente como fonte direta dos dados, é rico em dados descritivos, focalizando a realidade (LUDKE; ANDRÉ, 1986). O nosso objetivo é dialogar a respeito da formação inicial desses futuros profissionais na perspectiva da Educação Inclusiva, permeada pela convivência com alunos com deficiência visual e auditiva no atendimento educacional especializado na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), entendendo ser este um espaço de formação. 3 Sala de Recursos Multifuncionais A implantação de Salas de Recursos Multifuncionais surgem a partir do Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, instituído pelo MEC/SECADI por meio da Portaria Ministerial nº 13/2007, integrante do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE e o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite. Esta medida tem como objetivo promover as condições de acesso, participação e aprendizagem dos estudantes público alvo da Educação Especial no ensino regular, possibilitando a oferta do atendimento educacional especializado de forma complementar ou suplementar à escolarização. O Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais constitui uma medida estruturante para a consolidação de um sistema educacional inclusivo que possibilite garantir uma educação de qualidade. O atendimento educacional especializado é necessariamente diferente do ensino regular, este é indicado para melhor suprir as necessidades e atender às especificidades dos alunos com deficiência. Ele inclui, principalmente, instrumentos necessários à eliminação das barreiras que as pessoas com deficiência têm para relacionar-se com o ambiente externo. Por exemplo: ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), do código Braille, uso de recursos de informática e outras ferramentas tecnológicas, além de outras linguagens que precisam estar disponíveis nas escolas comuns para que elas possam atender com qualidade aos alunos com ou sem deficiência. Porém, a inclusão de pessoas com deficiência em escolas de ensino regular não é uma tarefa simples. Maciel (2000) afirma que a inclusão dessas pessoas necessita que a escola e os professores, ao recebê-las, conheçam as especificidades de cada deficiência. Para isto, verifica-se a necessidade de adaptações de materiais e de algumas estratégias metodológicas para a educação do aluno com algum tipo de deficiência. Essas exigências são compatíveis com as aquisições e o desenvolvimento de habilidades e competências pertinentes aos diversos componentes curriculares, com vistas à formação acadêmica, pessoal e profissional dos alunos. A complexidade do currículo e o gradual aumento quantitativo e qualitativo das aprendizagens exigem linguagens e recursos específicos nas áreas de conhecimento contempladas, a exemplo de Física, Química e Matemática (RAPOSO; CARVALHO, 2005). Acreditamos que seja fundamental aos futuros profissionais perceber-se como aquele educador que precisa, na sua formação inicial, produzir a articulação crítica entre teoria e prática educativa; entre o ser e o fazer educativo, num processo que seja ao 4 mesmo tempo formativo e emancipador, crítico e compromissado. Dessa forma ressaltamos a importância do resgate da ação pedagógica, não apenas em seu espaço de autonomia, mas, e principalmente, seu caráter essencial de ação critico-reflexiva. Isso nos remete a um outro diálogo que melhor refletirá a ação docente, o qual dialogaremos no texto a seguir. Formação de professores para Educação Inclusiva A proposta das Diretrizes para a Formação de Professores para a Educação Básica (BRASIL, 2000) destaca o papel do professor tendo em vista à atual compreensão da educação, na qual possui foco na formação para o exercício pleno da cidadania. Dentre os delineamentos para a docência, está “assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos” (BRASIL, 2000, p. 5). Sendo assim, entende-se que a formação docente deve ser construída com uma realidade para além do teórico fundamental do currículo acadêmico, cabendo estudar e conhecer os diferentes modos pelos quais a educação deve se manifestar como prática social. Segundo Vilela-Ribeiro e Benite (2011, p. 242): A função do professor, enquanto agente sócia, denota a possibilidade de transformação e adequação da prática pedagógica aos diferentes espaços de trabalhos, inclusive atuação em espaços que trabalhem com as diferenças dos sujeitos, desempenhando o papel de traçar novos caminhos metodológicos, quando necessário, na tentativa de minimizar as diferenças e tornar possível o processo de ensino e aprendizagem das distintas pessoas. Contudo, a questão da aproximação teoria-prática não será efetivada sem que haja a articulação entre Universidade e Escola. De acordo com Dornelles e Bica (2012, p. 415) a “aproximação com o contexto escolar contribui para um maior conhecimento da realidade escolar e das potencialidades que a docência oferece, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades do ser professor [...]”. Para isto, é preciso que os agentes envolvidos na educação, seja de alunos com ou sem deficiência, organizem novos pressupostos que atendam as emergências da atual conjuntura do contexto educacional, tornando possível uma nova práxis pedagógica. A seguir delineamos uma dessas proposições. A Experiência do PIBID Interdisciplinar em Educação Especial O Subprojeto Interdisciplinar em Educação Especial integra o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES). O subprojeto abrange licenciados dos Cursos de Química, Biologia e Educação Física, sendo sete bolsistas de Química, sete de Biologia e oito bolsistas de Educação Física. Contudo, o trabalho em 5 questão relata uma experiência vivenciada por um grupo formado por bolsistas de Química e Biologia. Na composição do grupo estavam presentes alunos de graduação de Química e Biologia, duas professoras universitárias das respectivas áreas e as duas professoras da SRM, especializadas em deficiência visual e auditiva. O principal objetivo do subprojeto é discutir e empreender ações relativas a formação inicial desses profissionais frente a Educação Inclusiva. As atividades começaram a ser desenvolvidas no primeiro semestre de 2014 através da discussão de textos que destacavam os pressupostos que pudessem fundamentar o entendimento do grupo sobre a Educação Inclusiva. A partir dessas discussões foi possível compreender as especificidades da deficiência visual e auditiva, bem como os desafios encontrados na educação dos alunos com as tais deficiências. E ainda, nos sensibilizar a respeito das múltiplas diferenças biopsicossociais encontradas no atual contexto educacional. Vale ressaltar que paralelo aos estudos eram realizadas observações do atendimento educacional especializado na Sala de Recursos Multifuncionais, com o objetivo de propiciar aos licenciandos a oportunidade de conhecer as especificidades dos alunos atendidos. Atualmente, são atendidos onze alunos, sendo quatro com deficiência visual e sete com deficiência auditiva. A partir dos estudos e observações os bolsistas vêm desenvolvendo ações no sentido de investigar metodologias que possibilitem a inclusão dos alunos com deficiência visual e auditiva nas aulas de ciências; a exemplo disso podemos citar a utilização de materiais didáticos adaptados, a adaptação do laboratório de ciências. De modo geral, as ações desenvolvidas visam exploração dos outros sentidos sensoriais, de maneira que os alunos com deficiência possam tornar-se sujeitos construtores do seu próprio conhecimento, conjuntamente com os demais colegas. Para os alunos das licenciaturas envolvidas (bolsistas), têm sido uma oportunidade de interação e identificação maior com o futuro campo de atuação e com a própria profissão. Podemos constatar isso na fala de alguns discentes do Curso de Química: O projeto tem possibilitado uma visão mais sensível no que diz respeito a alunos com deficiência, pois permite o aprendizado de novas formas para poder conduzir os alunos até o conhecimento, com a utilização de metodologias específicas que permite promover a inclusão pela diferença e não pela igualdade. (Licenciando do Curso de Química) 6 O PIBID me trouxe um olhar mais cuidadoso e mais humano em relação a educação e o convívio social, mostrando novas perspectivas de como conviver com as diferenças, e isso é de grande importância para minha formação como docente onde me instiga a conhecer mais as dificuldades do outro incluindo as minhas e assim juntos criarmos possibilidades de diminui-las e/ou saná-las. (Licencianda do Curso de Química) Sendo assim, o depoimento dos licenciandos reafirmam a visão de Freire (1996, p. 52, grifo nosso) sobre a ação docente “como professor crítico, sou um ‘aventureiro’ responsável, predisposto à mudança, à aceitação do diferente”. Ao mesmo tempo, observamos também no relato de alguns bolsistas do Curso de Biologia a reafirmação das implicações que a convivência com o futuro campo de atuação profissional proporcionam a sua formação inicial: A minha vivência no projeto vem preencher uma lacuna no Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, uma vez que inexistem na grade curricular do curso disciplinas obrigatórias voltadas para a Educação Inclusiva e/ou Especial. Enquanto futuro professor, entendo que as experiências vivenciadas no PIBID, na sala de recursos multifuncionais, me possibilita pensar em propostas pedagógicas que atendam as especificidades dos alunos com deficiências. (Licenciando em Biologia) O PIBID é de grande relevância para a minha formação, pois tem me permitido conhecer meu futuro campo de atuação profissional, vivenciar as principais dificuldades enfrentadas pelas professoras supervisoras no atendimento de alunos com deficiência auditiva e visual na sala de recursos multifuncionais. Além disso, este programa tem me possibilitado desenvolver materiais didáticos adaptados para contribuir no processo de ensino e aprendizagem da disciplina escolar de Biologia. (Licencianda em Biologia) Nos possibilita compreender o caráter fundamental dessa relação entre o ensino superior e a educação básica como alternativa para o enfrentamento dos desafios impostos atualmente aos docentes e aos demais profissionais da educação, onde esses futuros profissionais podem experimentar a dinâmica do espaço escolar e as alternativas de atuação nos contextos educacionais que possivelmente se inseriram. CONSIDERAÇÕES O fazer pedagógico dos ambientes das Salas de Recursos Multifuncionais e do Ensino Regular, mediados pela contribuição do Subprojeto Interdisciplinar em Educação Especial, tendo como foco o ensino de Ciências, confirma a necessidade de permanente interjogo dialético entre os atores do processo de ensino e de aprendizagens, 7 numa concepção socio-humanística, consolidando, por conseguinte, as aprendizagens significativas, no respeito às diferenças, em defesa de ninguém de menos. Embora o subprojeto seja recente, a convivência com os alunos com deficiência e com as professoras da Sala de Recursos Multifuncionais tem propiciado aos licenciandos agregar novos conhecimentos que não são contemplados no currículo do curso de formação. Além disso, tem possibilitado desempenhar ações didáticopedagógicas que contribuem para formação e valoração desses futuros profissionais possibilitando a sensibilização da comunidade escolar quanto à diversidade presente na sala de aula. AGRADECIMENTOS Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) pelo financiamento desse projeto, em especial ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/Interdisciplinar em Educação Especial-UESC). Não poderíamos deixar de agradecer também ao Centro Integrado Oscar Marinho Falcão (CIOMF) pela concessão do espaço físico e parceria com este projeto. REFERENCIAS BRASIL. Lei n° 9394, de 23 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1996. BRASIL. Proposta de diretrizes para a formação inicial de professores da educação básica em cursos de nível superior. Brasília: Ministério da Educação, 2000. DORNELLES, C.; BICA, A. C. O PIBID como catalizador do diálogo entre a universidade e a escola. In: BICA, A. C.; DORNELLES, C.; MARRANGHELLO, G.F. (Org.). Articulações universidade-escola: perspectivas e possibilidades. Itajaí: Casa Aberta Editora, 2012. cap. 1, p. 23-30. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 5° ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra Ltda, 1975. LEITE, L.P. Educador especial: reflexões e críticas sobre sua prática pedagógica. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 10, n. 2, p. 131-142, 2004. MACIEL, M. R. C. Portadores de deficiência: a questão da inclusão social. São Paulo em Perspectivas, São Paulo, v. 14, n. 2, p 51-56, 2000. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e aprovada em Assembleia Geral da ONU no dia 10 de dezembro de 1947. Disponível em: http://www.dhnet.org.br.Acesso em: 25 out. 2014. 8 RAPOSO P. N.; CARVALHO, E. N. S. de. Inclusão de alunos com deficiência visual. Ensaios Pedagógicos: construindo escolas inclusivas. MEC. Brasília, 2005. UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf> Acesso em: 25 out. 2014. VILELA-RIBEIRO, E. 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