Segurança Alimentar e Nutricional e construção de tecnologias sociais em educação alimentar e nutricional: notas sobre um projeto de pesquisa e extensão Profª Drª Lígia Amparo S. Santos Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura Universidade Federal da Bahia Limeira – SP Agosto 2013 PONTO DE PARTIDA • O reconhecimento do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), conciliando a situação de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) aos princípios inerentes à titularidade dos direitos humanos. • Compreensão de que a experiência de insegurança alimentar constitui-se em uma condição de violação do DHAA, solicitando investimentos ao seu enfrentamento nas diferentes dimensões. • A Educação Alimentar e Nutricional (EAN) constitui uma estratégia preconizada pelas políticas públicas em alimentação e nutrição, sendo considerada como um importante instrumento para promoção de hábitos alimentares saudáveis. • Desenvolvida sob a ótica de SAN, destaca-se na necessidade de superar a visão dietista e contemplar as dimensões econômica, política, ambiental, cultural e antropológica da alimentação (Costa e Bógus, 2012). PONTO DE PARTIDA • Entretanto, os avanços nas formulações das políticas publicas em alimentação e nutrição estão distantes das práticas desenvolvidas no campo acadêmico e profissional. CONTEXTO DO ESTUDO • SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: CONSTRUINDO TECNOLOGIAS SOCIAIS EM EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL EM DOIS BAIRROS POPULARES NA CIDADE DE SALVADOR E SANTO ANTONIO DE JESUS-BAHIA, financiado pela FAPESB • Objetivo =» desenvolver e avaliar estratégias de Educação Alimentar e Nutricional com base nos princípios teóricometodológicos construídos em uma perspectiva “inovadora” e no conceito de Tecnologias Sociais em comunidades periféricas urbanas, com vistas a contribuir para promoção da alimentação adequada e saudável, da SAN e do reconhecimento da titularidade do DHAA. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS DO ESTUDO • Estudo de natureza qualitativa, exploratório-descritivo, baseando-se em três perspectivas teórico metodológicas: – a pesquisa de intervenção (FÁVERO, 2011), – os estudos etnográficos (GEERTZ, 1989) – a pesquisa avaliativa por triangulação de métodos (MINAYO, ASSIS & SOUZA, 2006). • Busca-se compreender e interpretar os processos de ensino-aprendizagem provocados pelas estratégias de EAN desenvolvidas, bem como avaliar a pertinência e os efeitos da intervenção. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS DO ESTUDO • Conformou-se em três etapas: construção, realização e avaliação de experiências educativas em EAN em três grupos sociais das comunidades estudadas, assumindo como pressuposto que se trata de um processo em fluxo, não se configurando como sequência linear de etapas. • Agentes Comunitários de Saúde, Beneficiários do Programa Bolsa Família, e escolas do ensino básico nas comunidades trabalhadas. Refletindo sobre alguns processos e resultados • A construção dos princípios teórico-metodológicos que nortearam o estudo. • A breve reflexão sobre as experiências em curso. A construção dos princípios teóricometodológicos que nortearam o estudo Em que medida os princípios construídos para as atividades educativas correspondem ao ideário das políticas públicas formuladas? PRINCIPIOS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS ADOTADOS • O conceito de tecnologias sociais para educação alimentar e nutricional • A adoção da perspectiva crítica das ciências da nutrição. O conceito de tecnologias sociais para educação alimentar e nutricional • Construção coletiva e não transferência de tecnologias. • Base na sustentabilidade ambiental, inclusão social e direito às diferenças. A adoção da perspectiva crítica das ciências da nutrição A ciência da nutrição como uma construção histórica e social e não como algo neutro acabado a ser “repassado” contrapondo a normatividade e prescritividade. O caráter interdisciplinar assumindo as demais áreas do conhecimento como centrais e não apenas a biomedicina, a exemplo das ciências sociais e humanas. O reconhecimento da comensalidade como objeto de saberes: o comer como um ato ao mesmo tempo biológico e cultural, O seu caráter socializador e marcador de identidades alimentares contrapondo idéia de uma possível “dieta universal”. A adoção da perspectiva crítica das ciências da nutrição A relação dos sujeitos com o comer e a comida sob a perspectiva histórica, social, econômica e cultural em que se estabelece também na relação entre os sujeitos e a natureza e entre os próprios sujeitos. Reconhecimento da dimensão do gosto, sabor e do prazer em comer como fundamentais para práticas alimentares adequadas e saudáveis. Reconhecimento da construção social e histórica da concepção de alimentação saudável. • Contextualização do conceito de alimentação saudável construido a partir da interação de saberes como os populares e científicos, entre os noções globais e locais. PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS ADOTADOS • Inspiração no metódo de alfabetização de Paulo Freire =» exploração do universo alimentar dos participantes e temas geradores no campo da alimentação e nutrição. • Inspiração na aprendizagem significativa de David Ausubel e a relação entre conhecimentos novos e os conhecimentos prévios existentes na rede cognitiva dos sujeitos. • O recurso do diálogo como elemento fundante da atividade educativa =» pressuposto ontológico da existência humana, e o fundamento do encontro dos sujeitos. PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS ADOTADOS • O processo de ensino-aprendizagem das ciências da nutrição e da concepção de alimentação saudável não como memorização de regras de uma ciência pronta e prescritiva e sim a compreensão conceitual e crítica dos conhecimentos trabalhados. • Interação entres os saberes científicos, populares e artisticos. • Adoção da problematização e da valorização do pensamento divergente. • Processos de EA não apenas focados nos conhecimentos e nos aspectos comportamentais, mas também nos atitudinais, afetivos e sensoriais. • O uso da arte como instrumento educativo – produções cinematográficas, fotográficas, literárias, dentre outras formas de expressão. NOTAS SOBRE AS EXPERIÊNCIAS Em que medida as experiências construídas correspondem aos princípios desenhados? Introdução Subprojetos e sujeitos envolvidos: Formação em Alimentação e Nutrição Agentes Comunitários de Saúde Conversando sobre Comida Beneficiários do Programa Bolsa Família Projeto interdisciplinar “Dia de Feira” Escolares FORMAÇÃO EM ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE EM UM DISTRITO SANITÁRIO DA CIDADE DE SALVADOR- BAHIA Objetivo Geral da Formação Ampliar os conhecimentos que cercam a alimentação e nutrição de modo a qualificar a prática educativa dos ACS neste campo na direção da ampliação da SAN e da promoção da saudável e da saúde. Desenho da proposta metodológica Este trabalho acontecerá em etapas: Fase Exploratória Fase de Formação (e ação) Fase de Avaliação 3 meses 6 meses 12 meses Desenho da proposta metodológica FASE EXPLORATÓRIA • Produzir de reflexões no grupo –mediadores e ACS - que subsidiassem o processo de formação sobre: – O lugar do tema Alimentação e Nutrição na construção dos sujeitos, na formação profissional e atuação do ACS: a relação dos sujeitos com o comer e os desafios da prática. – As práticas alimentares na comunidade do bairro; • Construir coletivamente os objetivos e temas prioritários no processo formativo. Desenho da proposta metodológica - Sobre os conteúdos Alimentação saudável: comer, alimentar e nutrir • Construção de conceitos que cercam o tema comer, alimentar e nutrir • A comensalidade no espaço familiar com a referência do “saudável”. • A relação do enfoque na família com as fases do curso/ciclo da vida. • • Alimentação saudável nas situações patológicas: hipertensão, diabetes e obesidade, dislipidemia. Alimentação saudável e as situações de insegurança alimentar. Promoção da alimentação saudável • Estratégias educativas nas práticas do ACS • A construção de um plano de ação. Considerações teórico-metodológicas Metodologia da intervenção Pautada nos princípios do “método” de alfabetização proposto por Paulo Freire considerando a escolha de uma palavra ou tema gerador 1. PESQUISA DO UNIVERSO VOCABULAR 2. TEMAS/ PALAVRAS GERADORAS 3. DEBATES “SITUAÇÕES EXISTENCIAIS PROVOCADORAS” 4. ELABORAÇAÕ DO PLANO DE PALAVRA = FICHA DE DESCOBERTA A escolha do tema gerador O feijão foi eleito como tema, por considerar seu valor sociocultural e ao mesmo tempo nutricional no bojo das práticas alimentares do brasileiro e do bairro estudado. O feijão como tema gerador Produção e comercialização de alimentos Estudo dos nutrientes FEIJÃO Modos de preparo Alimentação e Nutrição Patologias associadas a alimentação Percurso Metodológico Ampliando conceitos em alimentação e nutrição: refletindo sobre a realidade de bairro Aprofundamento dos temas e subtemas: o que preciso saber? Desenho de estratégias educativas junto aos agentes: o que fazer? família, curso da vida, alimentação saudável Avaliação da intervenção 1º dia Abertura do evento – Retomada dos pontos discutidos anteriormente. A CONSTRUÇÃO DO PRATO: FEIJÃO NOSSO DE CADA DIA: PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DOS ALIMENTOS. 2º dia FEIJÃO E A SUA COMPOSIÇÃO NUTRICIONAL: O ESTUDO DOS NUTRIENTES. PREPARANDO O FEIJÃO COMPONDO E RECOMPONDO REFEIÇÕES A REFEIÇÃO E AS SITUAÇÕES ESPECIAIS: PATOLOGIAS E SITUAÇÕES SOCIAIS 3º dia ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DOS ACS JUNTO A COMUNIDADE: O DIÁLOGO ELABORAÇÃO DE UM PLANO DE AÇÃO. AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE. Avaliação da intervenção - Avaliação imediata: “O que brotou em mim?” - Este exercício permitiu trabalhar noções de cuidado, humanização e conhecer a mudança na percepção sobre o Diálogo tema alimentação e nutrição do primeiro ao último dia de formação. Avaliação Preliminar da atividade: alguns aspectos -A contextualização da formação dentro da realidade local -A relação de confiança e o estabelecimento de relações mais “horizontais” Diálogo -A valorização pelos sujeitos do conhecimento prévio e das experiências vivenciadas -A abordagem participativa Projeto: Conversando sobre comida Proposta: - Partilhar saberes e prática alimentares por meio de rodas de conversas com moradores do bairro, mediadas pela Equipe do NEPAC e pelos ACS - Este projeto nasce da perspectiva de dar continuidade ao programa de formação em alimentação e nutrição desenvolvido junto aos ACS. - Consistirá na realização de “rodas de conversa” nas casas, praças, igrejas ou em outros espaços institucionais da comunidade. Projeto “DIA DE FEIRA” - um experiência interdisciplinar em Educação Alimentar e Nutricional em uma Escola Municipal de Salvador - BA PROJETO DIA DE FEIRA Objetivo: Refletir junto a comunidade escolar à respeito da alimentação e nutrição, utilizando como um tema gerador feira livre desse bairro. Projeto interdisciplinar – temática da feira, alimentação e nutrição será trabalhada nas disciplinas e em atividades em paralelo; Construção participativa: Estudantes do 8º e 9º anos; Professores de disciplinas distintas; Coordenadora Pedagógica; Gestora Escolar; UFBA – professores e estudantes de graduação e de pós-graduação em Nutrição; Pais e responsáveis. Projeto Dia de Feira - Metodologia Educ. Física Artes História Línguas Estrangeiras Geografia Matemática Aprender a Ser Alimentação Saudável Aprender a Comer Língua Portugues a Ciências Cultura Baiana Conteúdos/Disciplinas Professores Escola Municipal UFBA/NEPAC FEIRA Oficina Gincana Culminância – Final da 4º unidade Seminário Impressões da avaliação com os Professores – ao final da 4ª unidade letiva - Contextualização: a feira como tema central – valorização de vivências do bairro e dos alunos – pode contribuir para a aprendizagem significativa dos alunos; - Tema Alimentação e Nutrição como tema curricular/pedagógico e do projeto Dia de Feira são relevantes: oportunizam a formação crítica dos estudantes quanto ao consumo de alimentos, os interesses mercadológicos que estes possuem e o impacto destes sobre o biológico para a população infanto-juvenil; - Relação disciplinas e projeto: possibilidades de harmonizá-los, ainda que em alguns momento de forma não tão clara com alguns conteúdos pontuais; - Quanto à perspectiva interdisciplinar: importante para que os alunos entendam que os conhecimentos estão interligados. Porém, o diálogo entre os professores enfrenta dificuldades para planejar, executar e avaliar. Impressões da avaliação com os alunos – ao final da 4ª unidade letiva - Aumento da frequência e participação nas aulas; - Ampliação do diálogo entre os sujeitos; - Trabalho individual X Trabalho em Grupo: Melhoria na relação e aproximação com os colegas e com os professores. - Teoria X Prática: Melhoria no aprendizado; - Aula contextualizada: Sentimento de pertencimento no tema (Identidade) =» um novo olhar para a feira. Tecendo algumas considerações finais • Os modos de interação da universidade com a sociedade através da pesquisa e extensão • Sobre as metodologias de estudos de pesquisa e extensão • O desafio dos estudos sobre A&N e EAN sob a ótica da SAN Os modos de interação da universidade com a sociedade através da pesquisa e extensão • Como confrontar as relações assimétricas entre universidade e sociedade? • Como incluir projetos desta natureza no processo de formação nos currículos formais, para além de projetos de iniciação científica e de extensão “extracurriculares”?. • Como garantir a sustentabilidade, continuidade e multiplicação de experiências desta natureza em outras realidades sociais? Os modos de interação da universidade com a sociedade através da pesquisa e extensão • O confronto com a realidade social como meio de enfrentamento das dicotomias tais como universidade/comunidade, pesquisadores/comunidade = sujeitos e objetos, saberes acadêmicocientíficos/saberes populares – e outros saberes. • O que seria de fato, na prática cotidiana, a indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão? Como apreendê-la rompendo as barreiras e ao mesmo tempo reconhecendo os limites?. Sobre as metodologias de estudos de pesquisa e extensão • Como dar conta de apreender as experiências e vivências dos sujeitos, em particular nos seus processos de aprendizagem em torno da alimentação e nutrição? • Ou seja, como dimensionar a aprendizagem? Como construir indicadores pertinentes ao campo que envolvem a educação, para além de mensurar as mudanças comportamentais? Sobre as metodologias de estudos de pesquisa e extensão • Seria possível “multiplicar” estes estudos considerando que as práticas educativas se constituem em ações geradoras de acontecimentos no mundo real que não podem ser controlados como no caso dos experimentos laboratoriais? • Trata-se de uma natureza de estudos que exigem dos pesquisadores a disposição de lidar com o ineditismo da experiência humana e em estar implicado com a sua prática de pesquisa. • Estamos desenvolvendo tecnologias sociais em EAN? O desafio dos estudos sobre A&N e EAN sob a ótica da SAN • A complexidade e multidimensionalidade do tema da alimentação e nutrição. • O caráter interdisciplinar e transversal na medida que “atravessa“ as ações de saúde nos seus mais diversos campos. • O desafio da integralidade e intersetorialidade – SAN, SISAN, SUS da formulação das políticas às práticas cotidianas locais. • O desafio da superação das dicotomias biológico x social, natureza x cultura, individual x coletivo, ciências sociais e humanas x ciências da saúde no confronto com a realidade concreta. O desafio dos estudos sobre A&N e EAN sob a ótica da SAN • Pautar-se em uma perspectiva abrangente para além do comer correto está o pensar corretamente sobre o comer e o nutrir. • Pensar corretamente o comer envolve também compreender o contexto em que se dá o ato de comer dos sujeitos. • Assim a dimensão do direito a alimentação envolvendo todo o processo desde a produção até o consumo dos alimentos, a sustentabilidade ambiental, a dimensão cultural, a subjetividade, e o revisitar as ciências da nutrição enquanto um constructo sociocultural. • Tais questões devem estar envolvidas não como capítulos do processo formativo, mas aproveitando a capacidade interdisciplinar e transversal do tema da alimentação e nutrição. • A relevância de não negligenciar o saber biomédico, as especificidades das patologias, da compreensão dos aspectos médico-nutricionais. Por fim... • Como construir conceitos e práticas mais pertinentes à realidade e experiência de cada grupo social que faça interação entre o global e o local? • Mas afinal, o que seria segurança alimentar e nutricional para o bairro trabalhado? • O que seria alimentação saudável para esta comunidade? OBRIGADA!