Mundo Basileia II O novo acordo de adequação de capital das instituições de crédito Inês Cruz Docente e membro do CC do ISFB da APB 64 Revisores & Empresas > Julho/Setembro Janeiro/Março 2006 2006 Mundo O primeiro acordo de adequação de capital das instituições de crédito, ainda em vigor, remonta a 1988 e foi concebido por um Comité de Bancos Centrais e de Entidades de Supervisão de vários países. Através deste acordo, procuraram aquelas entidades estabelecer pela primeira vez normas internacionais de alocação mínima de fundos próprios pelas instituições de crédito(1) de modo a que estas cobrissem, numa primeira fase, os riscos de crédito(2) e, posteriormente também, os riscos de mercado(3) inerentes à sua actividade. Contudo, desde então profundas transformações se têm vindo a operar no sistema financeiro mundial em resultado de uma sofisticação crescente de produtos bancários comercializados, dos avanços tecnológicos e de uma liberalização na banca sem precedentes. Por outro lado, o acordo de 1988, que veio a ser aplicado em mais de cem países, provou não ser inteiramente eficaz para fazer face às fases de instabilidade que entretanto ocorreram nos sistemas financeiros de alguns países (os “tigres” asiáticos, alguns países nórdicos, Argentina, etc.). Simultaneamente, os grandes bancos, internacionalmente activos começaram a desenvolver técnicas de medição e gestão dos riscos muito mais avançadas, levando em conta uma muito maior diferenciação entre os riscos e alocando fundos próprios (de forma económica e não regulamentar) em função do rating(4) atribuído aos seus devedores (ou grupos de devedores nomeadamente de retalho). Propostas e consultas Todos estes factos conduziram o Comité de Supervisão Bancária de Basileia a apresentar, a partir de Junho de 1999, propostas de revisão do actual acordo de adequação de capital das Instituições de crédito. Várias consultas foram feitas posteriormente junto das entidades supervisoras dos países mais industrializados e da comunidade bancária internacional, culminando a revisão em Junho de 2004 para vir a ser implementada em finais de 2006 no que se refere às metodologias de medição dos riscos menos avançadas e em finais de 2007 para as mais sofisticadas. São vários os benefícios do novo acordo de adequação de capital das instituições de crédito, comummente conhecido por Basileia II, nomeadamente uma maior sensibilidade aos riscos de crédito, aos riscos de mercado e, pela primeira vez, ao risco operacional(5) por parte dos requisitos de fundos próprios das instituições de crédito (Pilar 1), um reforço da supervisão dessas instituições por parte das entidades de supervisão (Pilar 2) e uma maior disciplina de mercado (Pilar 3) como resultado de uma maior divulgação de informação que é exigida às instituições de crédito no que se refere aos riscos associados à sua actividade. O novo acordo continua a basear-se no cumprimento de um rácio de solvabilidade mínimo de 8% dos activos patrimoniais e extrapatrimoniais ponderados pelo seu nível de risco. O que realmente muda com este novo regime prudencial é a definição da medida dos riscos, tornando o rácio mais sensível aos riscos de crédito, aos riscos de mercado e também agora ao risco operacional de cada instituição de crédito. Para isso, o acordo prevê várias Por essa razão a alocação de fundos próprios é mais sensível ao perfil de risco específico de cada instituição de crédito. Entre as modalidades do método dos ratings internos, a diferença reside no facto de, na versão simplificada, sómente a probabilidade de incumprimento dos devedores ser determinada internamente pelas instituições de crédito enquanto que na versão avançada todos os factores determinantes à ponderação/determinação do risco de crédito têm que ser apurados através dos modelos internos da instituição. De salientar que os bancos e outras instituições de crédito que adoptarem a abordagem do método dos ratings internos serão obrigados a implementar a versão avançada (IRB Advanced) no que “São vários os benefícios do novo acordo de adequação de capital das instituições de crédito, nomeadamente uma maior sensibilidade aos riscos de crédito, aos riscos de mercado e, pela primeira vez, ao risco operacional por parte dos requisitos de fundos próprios das instituições de crédito (Pilar 1), um reforço da supervisão dessas instituições por parte das entidades de supervisão (Pilar 2) e uma maior disciplina de mercado (Pilar 3) como resultado de uma maior divulgação de informação que é exigida às instituições de crédito no que se refere aos riscos associados à sua actividade.” metodologias de medição do risco, com diferentes graus de sofisticação, encorajando as instituições de crédito a migrarem progressivamente para as mais avançadas. Três formas de abordagem No caso do risco de crédito, as instituições de crédito poderão escolher entre a abordagem standard, a abordagem simplificada do método dos ratings internos (IRB Foundation) ou a abordagem avançada do método dos ratings internos (IRB Advanced). O que diferencia a abordagem standard da do método dos ratings internos é que os factores que influenciam a determinação do risco de crédito(6) (concretamente a probabilidade de incumprimento) são determinados na segunda por modelos internos e próprios de cada instituição de crédito(7). respeita à sua carteira de retalho (crédito a particulares e a pequenos negócios(8) e crédito hipotecário para habitação própria). No que toca ao risco operacional, as instituições de crédito também poderão escolher entre três metodologias de medição do risco e de cálculo de requisitos mínimos de fundos próprios: básica, estandardizada e a de medição avançada, sendo esta última, obviamente, a mais sofisticada uma vez que se baseia na recolha interna de perdas históricas resultantes de falhas humanas, nos sistemas informáticos, etc, pelas instituições e respectiva modelização nomeadamente das perdas pouco frequentes mas muito severas (por exemplo risco de terramoto). Esta última abordagem pode ser utilizada sómente após ter sido aprovada pelas Autoridades de Supervisão. Revisores & Empresas > Julho/Setembro 2006 65 Mundo Conclusões De tudo o que ficou dito, podemos concluir que as implicações de Basileia II para as instituições de crédito serão substanciais e em seguida listamos algumas delas: O nível de capital (fundos próprios) exigido dependerá dos métodos de medição de risco escolhidos; Haverá necessidade de novos sistemas de medição, de gestão e de reporte dos riscos; As bases de dados compiladas internamente serão cada vez mais importantes; Haverá (e já está a haver) mudanças organizacionais e de procedimentos; Novos perfis de recursos humanos serão (e já estão a ser) recrutados nomeadamente nas áreas da Estatística e da Matemática bem como analistas de sistemas; O esforço financeiro na implementação está já a ser significativo; A entidade de supervisão intervirá mais (por via do Pilar 2 de Basileia II) nomeadamente validando os modelos internos (metodologias mais avançadas), revendo as práticas de avaliação independente da atribuição de ratings internos pelos bancos aos clientes e reconhecendo as agências externas para efeito do método standard do risco de crédito; O mercado procurará transparência acrescida (Pilar 3 de Basileia II) sobre as actividades, riscos e resultados das instituições de crédito. O mercado procurará transparência acrescida sobre as actividades, riscos e resultados das instituições de crédito. 66 Revisores & Empresas > Janeiro/Março 2006 Para as empresas não financeiras Basileia II irá exigir a divulgação de maior volume de informação aos bancos de modo a permitir-lhes aferir mais adequadamente o risco da actividade das mesmas e tarifar de forma mais correcta os empréstimos concedidos e outros produtos comercializados. Notas (1) Nomeadamente capital, resultados internamente gerados e outros fundos de carácter mais permanente tais como passivos subordinados. (2) Ou seja, a possibilidade dos devedores não reembolsarem o capital e/ou juros na data do seu vencimento. (3) A possibilidade dessas instituições de crédito entrarem em perda nas suas posições em instrumentos financeiros detidos na carteira de negociação nomeadamente por se alterarem as taxas de juro de mercado e as cotações em bolsa. (4) Notação de risco. (5) Ou seja, possibilidade das instituições de crédito incorrerem em perdas resultantes de falhas nos seus procedimentos de controlo interno, nos seus sistemas informáticos, dos seus recursos humanos ou de causas externas como sejam terramotos, actos de terrorismo, etc). (6) “Probabilidade de incumprimento” e a “perda dado o incumprimento” (ou seja, quanto é que a instituição de crédito estima perder se o seu cliente falhar ao reembolso do capital emprestado e/ou dos juros vencidos; este último factor está afectado pelas garantias e colaterais que a instituição negociou com o seu cliente logicamente). (7) Mas que para poderem ser usados no cálculo dos fundos próprios da instituição têm que ser previamente validados pelas entidades de supervisão do país da sede e do país onde operam. (8) Ou seja, cujas exposições (créditos e compromissos extrapatrimoniais) não excedam 1 milhão de EUR e que não sejam geridas à partida de forma individual como se de exposições a médias e grandes empresas se tratasse BIBLIOGRAFIA – Bank of International Settlements, “International Convergence of Capital Measurement and Capital Standards: A Revised Framework “, Updated Version November 2005 – Instituto Superior de Gestão Bancária, “Análise Financeira de Bancos”, Setembro 2005 – SAP, “The SAP barometer of Information Strategies for Banks and Insurance Companies – Basel II impacts: challenges and opportunities, Cross European Survey – October 2002”