CPLP e a Viabilização das Relações de Desenvolvimento
JOSÉ GONÇALVES
A
evolução das relações econômicas entre membros da CPLP, apesar das porcent-
agens baixas, revelam alguns pontos de impacto considerável e possibilidades de
crescimento. Os pontos de impacto referem-se ao peso que essas relações possuem já
nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), que têm todos Portugal como
um de seus parceiros decisivos, tanto em comércio exterior como em investimentos.
No caso de Angola, as relações com o Brasil assumem novamente uma posição
importante, situando agora o Brasil entre os cinco maiores parceiros do comércio exterior angolano. As trocas entre os dois países em 2001 atingiram uma soma da ordem
dos 317 milhões de dólares americanos, ou seja, mais que duplicou em relação ao ano
anterior. Angola exportou petróleo no valor de 175 milhões e importou bens de
equipamento e de consumo no valor aproximado de 142 milhões.
O regresso deste país à paz e a dimensão de seus recursos naturais fazem dele um
elemento fundamental no aumento das trocas dentro da CPLP, fato a que se podem
acrescentar os efeitos de um possível acordo de livre comércio entre o Mercosul e a
África do Sul.
Efeitos externos
Vários itens para tal acordo estão sendo examinados e um alto funcionário do
Ministério do Comércio e Industria sul-africano declarou recentemente que mais para
final do ano em curso já se pode vislumbrar um perfil do futuro acordo.
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A África do Sul é o terceiro fornecedor de Angola, sendo a economia angolana
muito atraente para a sul-africana, em virtude da produção petrolífera e do potencial
agro-alimentar de Angola. Por outro lado, embora exista uma enorme disparidade nos
PIB dos dois países, Angola vem em segundo lugar nesta matéria entre os membros
da Comunidade de Desenvolvimento de África Austral (SADC), ela própria preparando
uma zona de livre troca na sua região.
A concretização do Acordo Mercosul-África do Sul e a zona de livre troca da SADC
podem confluir ambas para reduzir barreiras alfandegárias, melhorar as redes de
transporte no Atlantico Sul e estimular investimentos e transferências de tecnologia.
Este não é o único fator exterior à CPLP com impacto dentro dela. Todos os progressos que venham a ser alcançados nas negociações entre América Latina e a União
Européia, por um lado e entre África e a União Européia, por outro, facilitarão as
relações com Portugal, tanto do Brasil como dos PALOP.
Já referimos a posição portuguesa nas importações dos PALOP. No que respeita ao Brasil, as trocas em 2001 com Portugal somaram cerca de 705 milhões de dolares contra 549
milhões em 2000, sendo o saldo favorável ao Brasil da ordem dos 300 milhões em 2001.
Mais importantes que este movimento de export-import é o investimento português
no Brasil, que se tornou um dos mais importantes no final da década passada.
Tudo isto demonstra a existência de eixos de partida interessantes, pelo menos na
relação entre as três maiores economias da CPLP, podendo ser estimulados no sentido
do crescimento e da irradiação para as demais.
Desde já Cabo Verde parece manifestar tal interesse, julgando em função das
relações comerciais com Lisboa, do investimento angolano na distribuição de combustível e do aumento das importações brasileiras que, em 2001 ultrapassaram um
pouco os cinco milhões de dólares, montante apreciável para um país com a dimensão
cabo-verdiana.
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Um terceiro fator global incidirá nas perspectivas de relacionamento mais intenso entre as economias da CPLP: as negociações na Organização Mundial de
Comércio (OMC).
Neste quadro, as regras que vão reger a produção e as trocas no agro-industrial
serão relevantes para determinar o tipo de relacionamento Norte-Sul e os graus de
protecionismo (aberto ou camuflado).
A questão do protecionismo, de forma geral, estará presente em toda a negociação
da OMC, tanto em relação ao acesso de economias emergentes aos mercados do
Norte como às medidas de transição para economias pobres, que fazem parte dos 49
“países menos avançados” conforme classificação da ONU, entre os quais se encontram os cinco PALOP.
As patentes ocupam também – desde a reunião de Doha – um lugar de destaque
sendo de prever que se mantenham, pelo menos na área de produção de medicamentos, como outro ponto sensível para países como Brasil ou os PALOP.
Nessa base, os níveis de protecionismo econômico e os critérios da produção com
amplos efeitos sociais (caso das industrias farmacêutica ou alimentar) surgem como
temas de interesse estratégico capazes de suscitar consultas e até articulações em
debates na CPLP.
Num momento em que se redefinem regras para a economia mundial, tais articulações podem assumir, no curto prazo, mais importância que as trocas comerciais em si.
Entre África e Brasil a convergência de interesses na matéria está já demonstrada,
tanto no caso das patentes como das iniciativas, por mais equidade na produção e
comercialização de produtos agrícolas.
A CPLP teria aqui uma função importante na medida em que Portugal, membro da
União Européia, fica em boa posição como facilitador de contatos e de negociações
com uma instituição capital do sistema econômico mundial.
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Iniciativas internas
Estes três elementos endógenos à CPLP atuam em paralelo com a ativação de estímulos exógenos. Obviamente que se trata de “exogenidade” da Comunidade como
instituição mas também de cada uma das economias que dela fazem parte.
Se trata de reforçar a capacidade de troca entre os oito países e, ao mesmo tempo,
de cada um com o resto do mundo.
O fator linguístico facilita o contato entre os oito, até porque grande parte de nossos operadores econômicos só fala português ou tem conhecimentos rudimentares de
outras línguas. A entrada em vigor do Acordo Ortográfico é de natureza a facilitar
redação e validação de contratos.
Além disso, a língua comum torna possível trocar experiências eimplementar dispositivos em áreas institucionais promotoras de estabilidade,como garantir investimentos; evitar duplicação de impostos; harmonizar delegislações econômicas; combater a corrupção etc.
Neste último caso se trata de criar um ambiente de transparência indispensável até
do ponto de vista da mobilização das poupanças nacionais, evitando práticas como o
desvio de verbas ou sobre-faturamento. O funcionamento adequado de Tribunais de
Contas e de Inquéritos Parlamentares são matérias importantes que podem ser incorporadas nas vocações da CPLP.
Recentemente, Angola e Brasil iniciaram um processo de troca de experiências
entre Tribunais de Contas. Também entre Angola e Brasil funciona uma linha crédito
que permite o acesso de importadores angolanos ao mercado brasileiro e que é
responsável pela recuperação do comércio exterior entre os dois países.
A linha de crédito é um instrumento de grande alcance nas relações entre países
com estágios de desenvolvimento diferentes e, de sua gestão depende, em larga medida, o reforço do equipamento do beneficiário, a orientação futura da parceria e até
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extensão a outros países.
Um aspecto surge aqui como fundamental: a adequação dos regimes cambiais às
políticas de expansão. De fato, a conversibilidade da moeda e a saúde das reservas sempre representaram elemento capital no aumento das trocas e na atração de investimentos.
Várias economias da CPLP estão longe de tais critérios e só a correção de seus
grandes desequilíbrios macro-econômicos lhes permitirá sair dessa situação. Neste
detalhe, a capacidade da Comunidade será reflexo das medidas individualizadas dos
seus membros.
Mas no perfil socio-econômico de conjunto, a CPLP tem pela frente o desafio de
superar velhas formas designadas como cooperação - a cooperação tradicional,
herdeira dos períodos coloniais e a cooperação assistêncialista, impotente para gerar
riqueza - ambas reprodutoras de dependência e de "status quo".
Aproveitando os potenciais e assumindo função inovadora, a CPLP será parte dos
instrumentos constitutivos de relações e parcerias de desenvolvimento.
JOSÉ GONÇALVES | Economista | Doutorando da UFRJ com uma tese de estudo comparado Angola-Brasil
no domínio dos recursos hídricos. | Pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade
Cândido Mendes, Rio de Janeiro e do Centro de Estudos da Educação e Desenvolvimento, Cunene,
Angola. | Membro da Rede de Intercâmbio do Atlântico Sul.
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