LEITURAS DO PISA: SENTIDOS SOBRE CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA DE CIÊNCIAS José Pedro Simas Filho Dados da Pesquisa: - Mestrado em Educação Científica e Tecnológica pelo PPGECT/UFSC - Orientação: Drª Suzani Cassiani (CED/UFSC) - Co-orientação: Drª Cristhiane Cunha Flôr (FE/UFJF) - Data da defesa: 29/06/2012 MOTIVAÇÕES... → Experiência docente; → Interesse pela pesquisa; → Entendimento sobre linguagem; → Formação continuada na Escola “Beatriz”; → Prática com leitura e escrita; → Participação nos grupos de pesquisa Observatório da Educação e DICITE; → Contato com Sistemas de Avaliação Educacional (ENEM e PISA). → Contato com referenciais: Análise de Discurso - Linha Francesa e Estudos CTS. Problema de Pesquisa: De que forma os estudantes leem e que sentidos produzem a partir dos textos de/sobre Ciência e Tecnologia, veiculados no PISA, em sala de aula de ciências? Objetivo Geral: Compreender que sentidos sobre Ciências e Tecnologias são produzidos pelos estudantes a partir da leitura de textos veiculados no PISA. Objetivos Específicos: ● Estabelecer alguns aspectos das condições de produção do PISA. ● Analisar, com base na Análise de Discurso de linha francesa, textos do campo da Ciência e Tecnologia veiculados no PISA. ● Investigar condições de produção estabelecidas em sala de aula de ciências frente à leitura de três textos do campo das Ciências e Tecnologias veiculados no PISA. Sobre a Análise de Discurso (AD): ● Linha Francesa - trabalhos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi; ● Referencial teórico-metodológico; ● Discurso: palavra em movimento, prática de linguagem, efeito de sentidos entre interlocutores. (ORLANDI, 2009) ● A linguagem é parte dos discursos, não é transparente, é permeada por relações de força. ● Funcionamento discursivo do texto: movimento de sentidos - tensão entre paráfrase e polissemia, é permeada de silêncios - condições de produção. ● Leitura: prática social, tornar possível o dizer na escola, circulação de sentidos, não é uma atividade neutra e de mera decodificação. Sobre o PISA: ● Programa Internacional de Avaliação de Estudantes; ● Órgãos responsáveis: OCDE e INEP; ● Relatórios – divulgação de dados e análises; ● Realizado em 65 países (PISA 2009); ● Jovens de 15 anos; ● Questão-chave: Até que ponto as escolas/sistemas educacionais estão preparando os estudantes para o futuro? ● Áreas avaliadas: leitura, matemática e ciências; ● Desenvolvimento de competências – letramento (ex: em ciências – capacidade de utilizar conhecimento científico, reconhecer questões científicas,...) ● Sistema de avaliação padronizado em larga escala; ● Estilo da prova: itens - texto-estímulo diferentes gêneros textuais; ● Questões fechadas e abertas; ● Provas de papel e lápis, com duração de 2h, mais 30 min para responder questionário socioeconômico (indicadores contextuais); ● Cada estudante responde apenas alguns itens/questões; ● Diretores respondem um questionário sobre as características da escola (30 min); ● 960 escolas brasileiras envolvidas e 20.127 estudantes (PISA 2009). As Condições de produção da Pesquisa: ● Realizada na Escola Beatriz de Souza Brito - Rede Pública Municipal de Florianópolis/SC; ● Envolveu 48 estudantes de duas turmas de 9º ano (8ª série) - faixa etária:15 anos. ● Atividades desenvolvidas: - Levantamento de documentos sobre o PISA (Relatórios); - Escolha dos textos e questões do PISA para utilização na pesquisa (atividade de leitura); - Confecção do questionário; - Coleta de “dados”; - Transcrição das respostas dos estudantes; - Realização das análises. ● Corpus de Análise: - Documentos – Relatórios do PISA. - Textos do PISA: 1- “A tecnologia cria a necessidade de novas regras” (PISA/2000); 2- “Ozônio” (PISA/2006); 3- “Mudança Climática” (PISA/2006). - Respostas dos estudantes para as questões do PISA. - Respostas dos estudantes para o questionário. Análises: I- Discursos de/sobre Ciência e Tecnologia que circulam em textos do PISA II- Como os Estudantes leram e responderam as questões do PISA? III- Para as Respostas dos Estudantes ao Questionário I- Discursos de/sobre Ciência e Tecnologia que circulam em textos do PISA ● EXEMPLO 1: Texto – A tecnologia cria a necessidade de novas regras - Ciência e tecnologia: são a mesma coisa; - Tecnologia como aplicação da ciência; - Personificação e poder da ciência; Presença de uma voz universal do conhecimento científico. “A CIÊNCIA tem tendência de andar adiante da lei e da ética. Isso se comprovou, de forma dramática, em 1945, no plano de destruição da vida, com a bomba atômica, e está acontecendo, agora, no lado criativo da vida com as técnicas para superar a infertilidade humana”. (grifos meus) ● EXEMPLO 2: Texto – Ozônio - Discurso da educação ambiental: ♦ fechamento de sentidos - silenciamento de aspectos políticos, históricos, ideológicos e econômicos; ♦ culpabilização quanto à destruição da camada de ozônio; ♦ discurso da catástrofe; “A atmosfera é um imenso reservatório de ar e um recurso natural precioso para a manutenção da vida na Terra. Infelizmente, as atividades humanas baseadas nos interesses nacionais/pessoais estão danificando esse recurso comum, principalmente destruindo a frágil camada de ozônio que funciona como um escudo protetor para a vida na Terra”. (grifos meus). II- Como os Estudantes leram e responderam as questões do PISA? A- Repetições ou paráfrases: ● A maioria das questões do PISA indicam que o sentido está no texto, pois requerem dos estudantes meras repetições mnemônicas, já que os mesmos devem localizar as informações no texto e transcrevê-las transparência da linguagem. ● Parecem inviabilizar o interdiscurso - o trabalho da memória não intervém nos gestos de interpretação dos estudantes e na constituição do(s) sentido(s). ● Trabalham numa perspectiva dos sentidos “cristalizados”, não possibilitando aos estudantes a produção de seus próprios textos e sentidos, inviabilizando que se constituam historicamente na relação com a leitura. EXEMPLO 1 – Texto: A tecnologia cria a necessidade de novas regras ● Questão 1: “Sublinhe a frase que explica o que os australianos fizeram para facilitar a tomada de decisão sobre como lidar com os embriões congelados que pertenciam ao casal morto no acidente aéreo” (grifo meu) - E39 - Os australianos criaram uma comissão para tratar do assunto. Na semana passada, esta comissão apresentou um relatório. Os embriões deveriam ser descongelados, dizia o resultado, porque a doação de embriões a outras pessoas requeria o consentimento dos doadores, e esse consentimento não havia sido dado. (grifos meus) ● Questão 2: “Cite dois exemplos do editorial que ilustram de que maneira a tecnologia moderna, como a tecnologia usada para a implantação de embriões congelados, cria a necessidade de novas regras”. (grifos meus) - E28 - Especificar o que deveria ser feito com os embriões se alguma coisa acontecer com o casal que deseja fazer a fertilização e o comparecimento ao tribunal de justiça para que se tenha uma autorização para usar os embriões de alguém que já está morto. (ex: marido). (grifos meus) B- Deslocamento polissemia: de sentidos ou EXEMPLO 2 – Texto: Mudança Climática Questão 2: Use a informação da Figura 1 para desenvolver uma argumentação em favor do ponto de vista de que os efeitos das atividades humanas no clima não constituem um problema. - E22 - Não há nada para se preocupar, tudo isso é invenção da mídia e dos cientistas. (grifos meus) Análises... - Exposição de uma controvérsia sobre a mudança climática; - Na mídia e na ciência não existe neutralidade. Interdiscurso: acionou outras leituras. - Funcionamento de um discurso polêmico. III- Para as Respostas dos Estudantes ao Questionário ● Objetivo - levantar alguns dos sentidos produzidos pelos estudantes na leitura dos textos e resolução das questões do PISA. ● Condições de produção da leitura dos estudantes - formações imaginárias (mecanismo de antecipação, relações de força e relações de sentido), histórias de leitura dos estudantes. ● Exemplos – questões 1 e 2. 1) O que você achou das questões? O que você acharia se as avaliações da escola fossem assim? Por quê? → Aspectos positivos (42%), negativos (50%), contradição (4%), não responderam (4%). → Favoráveis (54%), desfavoráveis (25%), não responderam (12,50%), as avaliações da escola são semelhantes ao PISA (6%), indiferentes (2,50%) -E-13: Importantes. Acharia legal porque incentiva bastante a leitura e a interpretação. (grifos meus) -E-24: Eu achei questões um pouco difíceis, pois tinha coisas que eu não lembrava. Se as avaliações da escola fossem assim eu iria classificar como difícil, pois a prova seria muito grande. (grifos meus) 2) Que assuntos são tratados nas questões? Você considera esses assuntos importantes? Por quê? → 17% dos estudantes se referiram aos assuntos camada de ozônio, tecnologia e mudanças climáticas. -E-25: Camada de ozônio, mudança climática e a tecnologia. Sim, na minha opinião esses assuntos são muito importantes pois nos ajudam a entender melhor os problemas atuais da sociedade. (grifos meus) → Polissemia nas respostas - memória discursiva: - assuntos científicos, aborto, meio ambiente, cadeia alimentar, assuntos relevantes, sobre substâncias, descobrimento da ciência, problemas do mundo, assuntos ambientais e tecnológicos, progressos da ciência. ● Algumas Considerações: - Contribuições da pesquisa: ● Compreender as relações discursivas entre interlocutores no meio escolar e no ensino/aprendizagem de ciências. ● Levantar reflexões sobre as relações entre a linguagem e o ensino de ciências. Através das análises feitas pude ter indícios sobre como os estudantes interagem com a leitura de textos de/sobre ciência e tecnologia e constroem sentidos. - Os sentidos produzidos pelos estudantes coloca em evidência que os mesmos não são resultado apenas do contexto da enunciação (condições imediatas da produção das leituras), mas de um contexto mais amplo (condições sócio-históricas e ideológicas) que envolvem o PISA e os sujeitos que realizam a avaliação. - O pressuposto do PISA: linguagem transparente - a leitura passa a ser concebida como uma mera decodificação onde os sentidos estão no texto, bastando os estudantes buscá-los e extraí-los, acertando dessa forma, as questões da avaliação. Os estudantes realizaram leituras parafrásticas - buscaram informações nos textos para responder as questões. - Também realizaram leituras polissêmicas deslocamentos de sentidos nas respostas, o que indica que se posicionaram enquanto leitores da ciência e da tecnologia, produzindo gestos de interpretação numa abertura para outras leituras. - É possível e necessário construir na escola um Projeto político-pedagógico que tenha a leitura como um eixo norteador do currículo, um compromisso de todas as áreas do conhecimento, contribuindo para uma educação mais crítica e transformadora. Referências Bibliográficas: - ALMEIDA, M. J. P. Discursos da Ciência e da escola: Ideologias e leituras possíveis. Campinas: Mercado de Letras, 2004. - ALMEIDA, M. J. P.; SILVA, H. C. da. Condições de Produção da Leitura Em Aulas de Física No Ensino Médio: Um Estudo de Caso. In: ALMEIDA, M. J. P. M. de; SILVA, H. C. da. (Org.). Linguagens, Leituras e Ensino da Ciência. 1 ed. Campinas: Mercado de Letras, 1998, v. , p. 131-162. - ALMEIDA, M. J. P.; CASSIANI, S.; OLIVEIRA, O. B. de. Leitura e Escrita em Aulas de Ciências: Luz, calor e fotossíntese nas mediações escolares. Florianópolis/SC. Letras Contemporâneas, 2008. BARROSO, M. F.; FRANCO, C. Avaliações Educacionais: O PISA e o Ensino de Ciências. XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física. Curitiba, 2008. Disponível em: <http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/epef/xi/sys/resu mos/T0103-2.pdf>. Acessado em: abril de 2010, Setembro de 2011 e Fevereiro de 2012. - CARVALHO, L. M. Governando a Educação pelo Espelho do Perito: Uma Análise do PISA como Instrumento de Regulação. Educação & Sociedade., Campinas, vol. 30, n. 109, p. 1009-1036, set./dez. 2009. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acessado em: março de 2012. - CASSIANI (DE SOUZA), S. Leitura e Fotossíntese: Proposta de ensino numa abordagem Cultural. Tese de Doutorado, FE – Unicamp, 2000. - CASSIANI, S.; Von LINSINGEN, I.; GIRALDI, P. M. Histórias de Leituras: produzindo sentidos sobre Ciências e Tecnologia. Pro-Posições, Campinas, v. 22, n. 1 (64), p. 59-70, jan./abr. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pp/v22n1/06.pdf>. Acessado em Outubro de 2011, Janeiro de 2012. - FERRERO, Emilia. La Internacionalización de la Evaluación de los Aprendizajes em la Educación Básica. Revista Avance y Perspectiva, Jan/Março 2005, p. 37-43. - FLÔR, C. C. Leitura e formação de leitores em aulas de Química no Ensino Médio. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica: Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2009. - FLÔR, C. C.; CASSIANI (de Souza) S. O que dizem os estudos da linguagem na educação científica? Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, p. 21-32, 2011. - FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p. - FREITAS, L. C. de. CICLO OU SÉRIES? O que muda quando se altera a forma de organizar os temposespaços da escola? GT 13 Educação Fundamental, 27ª Reunião Anual da ANPEd, Caxambu (MG). Nov./2004. - GIRALDI, P. M. Leitura e escrita no ensino de ciências: espaços para produção de autoria. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica: Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010. - INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICAS EDUCACIONAIS – INEP. Pisa 2000: Relatório Nacional. Brasília, 2001. Disponível em < http://www.inep.gov.br/download/internacional/pisa/PISA2000.p df >. Acessado em: maio de 2010 e março de 2011. - INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICAS EDUCACIONAIS – INEP. Pisa 2006: Relatório Internacional (Resumo). Disponível em <http://www.inep.gov.br/download/internacional/pisa/PISA2006 Resultados_internacionais_resumo.pdf > Acessado em: dezembro de 2010 e agosto de 2011. - LINSINGEN, I. Von. Perspectiva educacional CTS: aspectos de um campo em consolidação na América Latina. Ciência & Ensino: Unicamp, Campinas, v. 1, p. 1-16, 2007. Disponível em <http://www.ige.unicamp.br/ojs/index.php/cienciaeensino/article /view/150/108> . Acessado em: Agosto de 2011 e março de 2012. - LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária LTDA, 1986. - - - - ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÕMICOS. Conhecimentos e atitudes para a vida: resultados do PISA 2000 – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (tradução B & C Revisão de Textos S. C. Ltda). 1. Ed. Editora Moderna, 2003. ORLANDI, E. P. Discurso & Leitura. 6ª ed. São Paulo: Cortez; Campinas: UNICAMP. 2001. 118p. ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 5. ed. Campinas, SP/BRA: Editora Pontes, 2009 POSSENTI, S. O dado dado e o dado dado: o dado em análise do discurso. In: CASTRO, M.F.P. (Org.). O método e o dado no estudo da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, pp 195-208, 1996. THOMAS, H. Estructuras cerradas versus procesos dinâmicos: trayectorias y estilos de innovación y cambio tecnológico. IN THOMAS, Hernán. e BUCH, Alfonso. Actos, actores y artefactos: sociologia de la tecnologia. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2008, p. 217-262. MUITO OBRIGADO!!