PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 595.170-0/6 - SÃO PAULO Apelante : José Sales de Almeida Apelada : Bacita Albito Hati LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. CARÊNCIA DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE DE PARTE. CONTRATO DE LOCAÇÃO FORMALMENTE EM ORDEM. AÇÃO PROPOSTA PELA LOCADORA. PRELIMINARES REJEITADAS. O contrato foi regularmente assinado pelo Locatário, pelo Fiador, pela mandatária da Locadora e por duas testemunhas. Encontra-se formalmente em ordem e apto para instruir a execução. Para a locação do imóvel não se exige a prova da propriedade. A locadora é parte legítima para propor a Ação de Execução. O falecimento de seu marido não alterou o ajuste locatício porque ele não teve ali participação. NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. Todas as questões suscitadas no incidente receberam a devida apreciação. MULTA MORATÓRIA. Trata-se de previsão que pode não se concretizar no mundo dos fatos. Seu objetivo principal é infundir na vontade do inquilino e impeli-lo a pagar os aluguéis e encargos até os respectivos vencimentos. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A Lei nº 8.078/90 não estende seus dispositivos às relações locatícias diante das normas próprias da Lei nº 8.245/91. A multa moratória de 10% estabelecida no contrato não é abusiva. SUB-ROGAÇÃO. A fiança foi prestada em caráter solidário. O direito do Apelante de exigir do afiançado o reembolso do que despender para pagamento da dívida decorre da lei. ARTIGO 1.531 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. A pretensão de incidência do artigo 1.531 do Código Civil, confronta-se com a injustificada mora do Apelante e de seu afiançado desde (o longínqüo mês de) abril de 1997 que, por isso, ensejaram a propositura da ação. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. As razões não são suficientes para alijar o conteúdo da sentença, e podem evidenciar o propósito de procrastinar ou, quem sabe, de utilização da -1- PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA Justiça para alcançar propósitos não aclarados. Com isto, ficam a tênue fio da litigância de má-fé. Voto nº 4.645 Visto. JOSÉ SALES DE ALMEIDA opôs Embargos à Execução que lhe move BACITA ALBITO HATI, partes qualificadas nos autos, argüindo, preliminarmente, carência da ação e ilegitimidade de parte. No mérito alegou excesso de execução e ilegalidade da cláusula contratual que estabeleceu a multa de 10%. Alternativamente pleiteou a concessão do direito de subrogação. BACITA ALBITO HATI apresentou impugnação. Seguiu-se a entrega da prestação jurisdicional: "... JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os embargos, e subsistente a penhora, para excluir do cálculo (fls. 20/21 – dos autos da execução), com seus reflexos, o aluguel atualizado o mês de junho de 1997. Condeno, o embargante no pagamento das custas (se houver) e despesas processuais. Outrossim, pagará o embargante honorários advocatícios que arbitro em R$1.500,00 ..." (folha 52 – Destaque do original). JOSÉ SALES DE ALMEIDA opôs Embargos de Declaração que foram rejeitados. Em seguida, interpôs recurso. Argüiu preliminarmente: a) nulidade da sentença uma vez que não foram apreciados o pedido de redução da multa moratória e a questão da sub-rogação. b) carência da ação porque "... não há na presente demanda o título executivo a propiciar o válido e regular andamento do feito ..." (folha 70). -2- PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA c) ilegitimidade de parte porque "... a figura do polo ativo da presente demanda deve ser o Espólio ..." (folha 71). No mérito aduziu que devem ser excluídos os alugueres dos meses de abril e maio de 1997, e que "... seja aplicada a Apelada a penalidade do artigo 1531 do Código Civil ..." (folha 73). BACITA ALBITO HATI contrariou as razões sustentando o acerto da decisão (folhas 75/78). É o relatório, adotado no mais o da r. sentença. O contrato de locação foi firmado em 20 de janeiro de 1996 entre BACITA ABITO HATI, representada no ato por BORDIGNON IMÓVEIS LTDA., administradora do imóvel conforme "Instrumento Particular de Administração de Imóveis e de Prestação de Serviços" (folhas 33/35), e IRANILDO ARAUJO DOS SANTOS. Como fiador e principal pagador compareceu JOSÉ SALES DE ALMEIDA. O ajuste foi regularmente assinado pelo Locatário, pelo Fiador, pela mandatária da Locadora e por duas testemunhas. Encontra-se formalmente em ordem e apto a instruir a execução. "O contrato de locação, em si, acrescido do pacto adjeto de fiança e dos demais atos praticados pelas partes envolvidas no negócio jurídico material subjacente, é título executivo extrajudicial, de acordo com o artigo 585, IV, do Código de Processo Civil 1". "Omisso o seu nome no instrumento contratual, mesmo assim é do proprietário a legitimidade para propor ação revisional do aluguel, se demonstrar que o documento foi firmado por mandatário, com poderes para administrar, mas sem suprimir o direito de uso, gozo e fruição da coisa locada2". Para a locação de imóvel não se exige a prova da propriedade. BACITA ABITO HATI é locadora e parte legítima para propor a Ação de Execução. O 1 - 2ºTACivSP - Ap. c/ Rev. 455.467 - 3ª Câm. - Rel. Juiz MILTON SANSEVERINO - J. 21.5.96. 2 - 2ºTACivSP - AI 333.542 - 7ª Câm. - Rel. Juiz GARRIDO DE PAULA - J. 5.11.91. -3- PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA falecimento de seu cônjuge, que não participou do contrato, não altera o ajuste locatício. Como bem observado pelo r. Juízo: "... O instrumento do contrato de locação foi efetivamente firmado em nome da embargada como locadora, de modo que o falecimento do seu cônjuge não tem o condão de alterar a relação 'ex locato' em tela. A lei não exige a qualidade de proprietário como pressuposto necessário para que se dê imóvel em locação ...". "... A embargada que sustenta, no âmbito do inventário, a qualidade de inventariante, deverá, certamente, prestar contas da sua administração. E não é dado ao mero inquilino imiscuir-se nestas questões ..." (folha 50 – Grifou-se). A sentença não é nula. Todas as questões levantadas nos Embargos à Execução receberam a devida apreciação. Disse o Apelante: "... pretendeu o Apelante a manifestação do Judiciário a multa fixada no contrato de 10%, quando o arito 52, parágrafo 1º do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11/09/1999, que fixa a multa contatual no percentual de 2% e também pretendeu ver esclarecida a questão inerente a subrogação ..." (folha 67). "... Resta evidente que o Juízo 'a quo' não prestou a completa Tutela Jurisdicional pleiteada, requerendo a anulação da sentença ..." (folha 69). O r. Juízo consignou: "... A multa de moratória, embora prevista no contrato, não foi reclamada (...) assim não haveria, como não há, qualquer motivo para ser enfrentada pela sentença (...) E ainda que houvesse necessidade de se discutir a matéria, não teria razão o embargante, porque a relação de locação não se confunde com as relações de consumo ...". "... Da mesma forma não há razão alguma para a sentença tratar da 'sub-rogação', visto que, no caso de -4- PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA pagamento pelo fiador, decorre da lei ..." (folha 61 – Grifou- se). Contrato é um acordo de vontades, escrito ou não, que, conforme a lei, tem por finalidade adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. É ato jurídico (negócio jurídico) que reclama os requisitos de validade do artigo 82 do Código Civil. Constitui lei entre as partes (pacta sunt servanda). A liberdade dos contratantes sobre a criação ou a estipulação de vínculos obrigacionais, está subordinada às normas jurídicas e ao interesse coletivo. Quando alguém abona obrigação de outrem para com o seu credor, caso o devedor não a cumpra ou possa cumpri-la, dá-se o contrato de fiança, que é acessório, distinto da locação, mas não exclui a responsabilidade do garante pelas obrigações resultantes desses contratos. A responsabilidade do fiador restringe-se aos termos do contrato. O Recorrente não nega que assinou o pacto adjeto de garantia ao contrato de locação, nem questionou seu conteúdo. A fiança foi prestada em caráter solidário. O direito do Apelante de exigir do afiançado o reembolso do que despender para pagamento da dívida decorre da lei3. A multa moratória foi objeto de livre entendimento pelas partes e consta de forma expressa no contrato de locação (folha 7 – apenso). É previsão que pode não se concretizar no mundo dos fatos. Seu objetivo principal é infundir na vontade do inquilino e impeli-lo a pagar os aluguéis e encargos até os respectivos vencimentos. O valor (da multa moratória) é mantido nos 10% livremente pactuado. A Lei nº 8.078, de 19904, não estende seus dispositivos às relações locatícias diante das normas próprias da Lei nº 8.245, 1991. 3 - Código Civil, artigos 913 e 985, inciso III. 4 - Código de Defesa do Consumidor. -5- PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA “Não se aplica o Código do Consumidor aos contratos de locação de imóveis, inteiramente regulada por lei especial - Lei nº 8.245/91. Locatário não é consumidor do produto imóvel. Diferentemente, as disposições contratuais que se submetem à vontade das partes, que por outro lado estão sujeitos às normas e princípios da Lei nº 8.245/91, estabelecem que o locatário é o que obtém para si o uso da coisa locada por tempo determinado ou indeterminado, a título oneroso, contra o pagamento de renda mensal, estabelecida na forma da lei e do contrato entre as partes 5”. "A multa moratória é livremente contratada e perfeitamente delineada no pacto locatício, cuja exigência, em caso de impontualidade na solução do débito, é juridicamente viável e, portanto, perfeitamente admissível em execução, visto incidir automaticamente, sem necessidade de outro processo para verificação de seu cabimento 6". O Apelante sustenta que não são devidos os alugueres dos meses de abril e maio de 1997: "... os meses de abril e maio de 1997, também devem ser excluídos da presente demanda, por aplicação da interpretação restritiva, e se alguma dúvida surgir deve ser sempre resolvida a favor do fiador ..." (folha 72). A Embargada demonstrou que os alugueres dos meses de abril e maio de 1997 foram pagos com cheque devolvido por falta de provisão de fundos (folha 36 verso). Pouco importa que tenha sido de emissão de terceiros; o cheque assim viciado não serviu de efetivo pagamento, nem veio a ser tempestivamente coberto. A inadimplência restou configurada em face da confissão, não afastada pelo absurdo argumento de que: "... não se constata nenhuma ressalva de que a quitação foi obtida com o cheque de fls. 36 (...) se alguma dúvida surgir deve ser sempre resolvida a favor do fiador ..." (folha 72). 5 - 2º TACivSP - Ap. s/ Rev. 498.486 - 3ª Câm. - Rel. Juiz RIBEIRO PINTO - J. 18.11.97. 6 - 2ºTACivSP - Ap. s/ Rev. 554.817-00/7 - 3ª Câm. - Rel. Juiz MILTON SANSEVERINO - J. 31.8.99. -6- PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DÉCIMA CÂMARA Não há dúvida sobre o crédito da Exeqüente, amparado pelo contrato de locação e reforçado pelas infundadas razões desenvolvidas pelo Apelante. Os alugueres e encargos do período de abril de 1997 a abril de 1998, à exceção do vencido em julho de 1997, considerado quitado pelo r. Juízo, devem ser pagos pelo Apelante. "A posição do credor é especialíssima, pois para fazer valer seu direito, nada tem que provar, já que o título executivo de que dispõe é prova cabal de seu crédito e razão suficiente para levar a execução forçada até as últimas conseqüências. Ao pretender desconstituílo, diante da presunção legal de legitimidade que o ampara, incumbe ao devedor embargante, todo o ônus da prova 7". A pretensão de incidência do artigo 1.531 Código Civil confronta-se com a injustificada mora Apelante e de seu afiançado, desde o longínqüo mês abril de 1997 que, por isso, ensejaram a propositura ação. do do de da "A sanção do artigo 1531 do Código Civil só é aplicável em caso de demonstração de má-fé do credor8". "A aplicação do artigo 1531 do Código Civil, dada a gravidade da penalidade, exige a demonstração de má-fé9". As razões não são suficientes para alijar o conteúdo da sentença e podem evidenciar propósito de procrastinar ou, quem sabe, de utilização da Justiça para alcançar propósitos não aclarados. Com isto, ficam a tênue fio da litigância de má-fé. Em face ao exposto, rejeitada a matéria preliminar, nega-se provimento ao recurso. IRINEU PEDROTTI Relator 7 - 2º TACivSP - Ap. c/ Rev. 477.769 - 2ª Câm. - Rel. Juiz ANDREATTA RIZZO J. 23.6.97. 8 - 2ºTACivSP - Ap. c/ Rev. 587.667-00/0 - 1ª Câm. - Rel. Juiz MAGNO ARAÚJO - J. 18.9.2000. 9 - 2ºTACivSP - Ap. s/ Rev. 589.675-00/0 - 11ª Câm. - Rel. Juiz MENDES GOMES - J. 31.7.2000. -7-