MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA NASCIMENTO PONTIFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS CENTRO INTERDISCIPLINAR DE ATENÇÃO AO DEFICIENTE - CIAD O QUE FAZ SENTIDO? Pergunta carregada de sentidos, especialmente quando se trata de um trabalho com arte e inclusão, no qual o que faz sentido de fato, é a significância das atividades para quem delas participa. Aliás, a palavra inclusão traz em si muitas armadilhas, dissimulações, pré-conceitos e, ao mesmo tempo, possibilidades e desafios. Optei pelo desafio desde que decidi pela arte e pela docência e, fiz desta escolha, a possibilidade de ampliar horizontes, produzir, buscar e trocar conhecimento sem perder a alegria. Um dos grandes desafios que me movem é a inteireza do corpo, colocada do lado de fora pela maioria das instituições de ensino. Ainda não se aprendeu a ler os corpos, respeitá-los e aproveitar seu potencial. Tarefa, geralmente, restrita à Educação Física, como se as cabeças fossem apartadas do corpo e somente estas, utilizada para o aprendizado na Educação Formal. Basta pensarmos na arquitetura da maioria destes locais, suas instalações, acomodações e mobiliário, dos espaços destinados ao convívio, leitura, apresentações e brincadeiras. Assim, nestes trinta anos de docência, procurei fazê-lo de corpo inteiro. Este é o foco da proposta desenvolvida no CIAD – Centro Interdisciplinar de Atenção ao deficiente. Criado em 1991 e vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos comunitários da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, cujas instalações próprias localizam-se no Campus I. Trata-se de um Projeto de Extensão Universitária, com profissionais de diferentes áreas, entre as quais Saúde, Artes, Educação Física, Psicologia, Tecnologias, Profissionalização, Terapia com cães e Dança, atuando com projetos específicos. O atendimento acontece durante a semana nos períodos da manhã e da tarde e aos sábados pela manhã. Para dar suporte e atender também a demanda da pesquisa e da extensão, como formação complementar universitária, contamos com alunos dos mais diferentes cursos, estagiando com bolsa auxílio ou como voluntários. O objetivo principal do Projeto Arte na Diversidade é a inclusão e interação efetivas dos participantes. Para tanto, propomos atividades expressivas e culturais, que favoreçam o desenvolvimento cognitivo, social e expressivo do aluno, buscando adequações às necessidades individuais e superações através das diferentes linguagens artísticas. Outro objetivo é o acompanhamento dos estagiários, oferecendo aos mesmos, suporte teórico-metodológico. Neste espaço, convivemos com pessoas que buscam inteireza em seu mais amplo sentido. Convivemos ainda, com termos que se modificam constantemente, buscando adequar-se aos resultados de discussões, estudos e teorias. Porém, 1 parece-nos, não foram discutidos suficientemente e nem conseguem dar conta do que pretendem. É o caso de termos como: portadores de deficiência, deficiente, pessoas com deficiência, deficiência mental e/ou intelectual, responsabilidade social e inclusão. Todos trazem em si concepções, muitas vezes contraditórias, uma carga grande de pré-conceitos, mascaram situações e seus usos e interesses, são os mais variados possíveis. Como, por exemplo, responsabilidade social. È comum usá-lo para diferenciar determinadas empresas, que muitas vezes, apenas cumprem cotas1 obrigatórias pela legislação vigente, sem que condições sejam oferecidas para que, de fato, a inclusão2 ocorra. As condições de trabalho são comprometidas pelo despreparo da própria empresa, incluindo funcionários, além das barreiras sociais impostas a esta parcela da sociedade, desde o acesso à escolarização, aos meios de transportes adaptados e, como conseqüência, qualificação profissional deficitária, ocupações precárias e baixa remuneração (GARCIA, 2006) gerando humilhações e alta rotatividade nestas funções. No desenvolvimento do texto, adotarei o termo “pessoa com deficiência”, em consonância com Garcia, mas para evitar repetições, usarei também outras terminologias. Existe uma discussão a respeito de quais os termos mais adequados quando há referências às pessoas com deficiência. A legislação geralmente se utiliza de “pessoas portadoras de deficiência”, enquanto que, recentemente, tem se difundido o termo “pessoas com necessidades especiais”. Particularmente, creio que “pessoas com deficiência” seja a melhor maneira para nos colocarmos, pois, de um lado, valoriza o aspecto humano (pessoa e não “portadoras de alguma coisa”) e, de outro, deixa claro que existe uma deficiência, que deve ser sempre respeitada e considerada no debate sobre direitos e cidadania. (...) Recentemente vem sendo adotado o termo “deficiência intelectual” ao invés de “deficiência mental” para se referir às pessoas com algum tipo de déficit cognitivo. Essa tendência procura evitar o caráter pejorativo em geral associado à “deficiência mental”. Além de distinguir a deficiência da doença mental, isto é, uma pessoa com síndrome de down, por exemplo, de alguém com esquizofrenia ou outro problema psiquiátrico. GARCIA. 2006, p.02 Desenvolver projetos com pessoas com deficiência requer, primeiramente, conhecimento do objeto de trabalho profissional e, principalmente, acreditar nas potencialidades daqueles com quem se trabalha. Neste caso, a Arte é facilitadora e permite lidar com a diversidade, sem a preocupação da homogeneização. Ao contrário, é na pluralidade que se constroem conceitos, rompem-se barreiras e produzem-se novos sentidos. 1 Lei Federal 8213/91 que estipula cotas que variam de 2% a 5%, de acordo com o porte da empresa, a serem preenchidas por ”portadores de deficiência”. 2 Sugestões de leitura, cujas pesquisas são bastante esclarecedoras, encontram-se em artigos produzidos por Denise Teresinha da Rosa Quintão (Canoas – RS) Vinícius Gaspar Garcia (Campinas – SP), Luciene M. da Silva (Salvador – BA) Roberto Ciasca (2001)e Enicéia Gonçalves Mendes (São Carlos – SP). 2 Assumi a coordenação da área de artes no CIAD, em maio de 2006, após mudança na coordenação geral em janeiro do mesmo ano. O Projeto Arte na Diversidade atende duas instituições, sendo um grupo de adolescentes com diferentes limitações físicas e/ou intelectual e outro de adultos, com alto déficit cognitivo e idade entre 32 e 60 anos. O mesmo, é também desenvolvido com um grupo de mães. Como ocorre em qualquer local, mudanças trazem inseguranças e reações e, neste, não foi diferente. A transição se deu gradualmente e a seriedade e empenho da equipe, formada pela coordenação e estagiários, contribuíram para o crescimento visível dos grupos, especialmente o de adolescentes. Pouco comunicativos3 e sonolentos4, no início do processo, mas também agitados e reativos, foram os que mais evidenciaram mudanças de atitude de forma positiva. Uma das dificuldades para quem trabalha com estes grupos, é olhar para o aluno e ver nele possibilidades e não limitações. Por mais que digamos que não temos preconceitos, nem pré-julgamentos, estes se revelam ao longo do processo. Foi preciso, primeiro, trabalhar com a equipe, pois a cada atividade sugerida ouvia-se de alguns estagiários: “não vai dar certo”; “eles não conseguem”, “mexer com barro aqui?”, “nossa! Vai ser uma confusão”, “imagina! Costurar? Como?”. Ou ainda o oposto, acreditando-se que tudo pode, advindo desta, a inevitável sensação de frustração. Reações que exigiram estudo, discussões, pesquisa, mudança de atitude, autonomia e responsabilidade e, conseqüentemente, diminuição do número de estagiários. Os sistemas educacional e social brasileiros, contribuem enormemente com a concepção vigente, de que não se pode esperar muito dos que têm algum tipo de deficiência e, portanto, oferece-se pouco. Colocado desta forma sucinta, corre-se o risco do reducionismo, uma vez que o assunto é complexo e merece aprofundamento, mas não será possível neste texto. No entanto, é preciso deixar claro que convivemos cotidianamente com tais atitudes, nos diferentes âmbitos sociais e em especial na educação. Parte-se do princípio de que os alunos não serão capazes de aprender. Diante dessa crença, o professor não apresenta novos desafios. Não apresentando o novo conteúdo, os alunos não aprendem. Se o professor tiver a percepção de que a única possibilidade de se aprender um novo conhecimento é quando este é viabilizado ao aluno, este, certamente, não poderá transpor o limite imposto pelas crenças sociais que perpassam e se fortalecem na mente da sociedade. (...) Conforma-se com a dificuldade do aluno ou com o seu não aprendizado, convencendo-se de que “é assim mesmo”. Diante disso, as limitações são aceitas e o trabalho pedagógico parece tornar-se ineficaz, pois não se buscam outros recursos. Daí decorre outro problema, (...) nossa ineficiência pode colaborar com a disseminação da idéia de que a educação para essas pessoas parece ser desnecessária ou ineficaz. KASSAR. 2004, p.83 3 Muitos por dificuldade de comunicação, seqüelas na fala, timidez, um grau maior de comprometimento físico, ou ainda a reação natural pela perda do orientador. 4 Normalmente tomam medicamentos que os deixam bastante sonolentos, o que deve ser levado em consideração para a organização das atividades, sem no entanto, comprometê-las. 3 Outro complicador é que, geralmente, acredita-se que o conteúdo de artes seja apenas artes visuais, mais especificamente, desenho, pintura e modelagem, com um agravante: a crença de que se o aluno não sabe fazer, de acordo com a referência de quem orienta, então é melhor dar “modelo” para que este “aprenda”. Ou seja, a primeira barreira a ser rompida foi com a equipe. Iniciamos com o (re) conhecimento do próprio corpo, estimulando a percepção de como este reagia aos exercícios, alongamentos e automassagem. Desta forma, atividades corporais antecedendo as demais, ou integradas às mesmas, passam a fazer parte de nossa rotina e são cobras quando, por algum motivo, não fazemos. Paralelamente fomos estudando, discutindo, conhecendo os grupos, as limitações e nos surpreendendo a cada encontro com a disponibilidade e realizações destes. Os adolescentes se revelaram extremamente acolhedores, recebendo pessoas de outros lugares, incluindo dois cadeirantes.5 A chegada destes, deu outra movimentação ao grupo alterando a rotina, uma vez que foram necessárias adaptações entre todos os participantes. Havíamos iniciado construções tridimensionais e os alunos propuseram construir cidades, o que rendeu muitas semanas de envolvimento, trocas e descobertas. Um dos objetivos do semestre era trabalhar mais intensamente as mãos, iniciando pelos dedos até que todo tronco fosse utilizado. Com estas construções, as limitações físicas não foram empecilhos, ao contrário, busca constante de soluções criativas. Na seqüência, os dedos foram bastante estimulados e confeccionamos fantoches de dedo. Experiência indescritível, mas vale ressaltar alguns pontos, dentre os quais o início do uso espontâneo da fala, apesar da dificuldade de muitos. Abriram-se assim novas possibilidades e as atividades ganharam outro sentido. Havia uma divisória de meio corpo na sala e esta se transformou em cenário, espaço de apresentações tímidas, mas que ocorriam sistematicamente sem que precisássemos sugerir. A aprendizagem se baseia na atividade mental da pessoa que aprende, que deve fazer um esforço para conectar o que sabe com a nova informação que recebe. Essa atividade mental supõe a construção de significados por parte do aprendiz, que se baseiam no estabelecimento de conexões e relações entre os esquemas de conhecimento disponíveis e a nova informação. (...) A aprendizagem é, portanto, um processo dinâmico em que o aluno estabelece relações entre a informação disponível e vai construindo passo a passo, com avanços e retrocessos, uma espécie de modelo mental ou representação interna que reflete o que aprendeu e que lhe serve para recuperar a informação já estruturada e para conectar a nova informação. MARCHESI. 2006, p.32 Esse dinamismo do processo de aprendizagem, descrito por Marchesi, permeou as atividades e decidimos continuar com fantoches, os mais variados possíveis, de forma que utilizassem também as mãos e os braços. Fizemos fantoches com caixas de leite, com resultados fantásticos e mais fantásticos ainda, as soluções 5 Pessoas com deficiência física, muitas vezes seqüelas de outras patologias, que precisam de cadeira de rodas. Neste caso, o comprometimento é bem acentuado e os mesmo necessitam de ajuda na locomoção das cadeiras. 4 encontradas pelos alunos para driblar as próprias limitações e participar de todo o processo. Ocorreu o mesmo com os fantoches feitos de meias velhas nas quais pregamos botões, costuramos lãs e retalhos e, mais uma vez, descobrimos habilidades incríveis, possíveis pelas oportunidades oferecidas. Para Kassar (2004) sem a possibilidade de novos saberes, os alunos dificilmente terão como adquirir novos conhecimentos desfavorecendo assim, a superação de dificuldades. A esta altura, foi necessário construirmos um suporte para o cenário, que possibilitasse a participação de todos. As apresentações, agora já com pequenos roteiros elaborados em grupo, acontecem espontaneamente, nos mais diferentes locais, inclusive no bosque durante o pic-nic, com direito a “cesta do Zé Colméia”. O próximo passo foi o teatro de sombra, partindo das mãos até chegarmos a personagens. Outras atividades e técnicas se incorporaram, além de saídas para participação em eventos culturais. Com a possibilidade de opinarem, as atividades se tornaram significativas modificando comportamentos e freqüência dos alunos. Nos semestre posterior o foco foi nos pés, pernas, quadril até chegarmos ao corpo todo. Pode parecer estranho e fragmentado, pensar atividades por partes do corpo quando se quer a inteireza, mas é justamente para trazê-la que se pensou nesta seqüência. É preciso lembrar, que são pessoas com diferentes comprometimentos físicos e exigem atenção especial. Muitas vezes, se quer tocaram os próprios pés e, para muitos, este é o único espaço de vivenciarem tais atividades. É chegado o momento de irmos para a piscina e para alguns, a primeira vez. Assim como pela primeira vez, a nossa cadeirante quis ficar em pé, propósito colocado pela mesma, desde que começou a participar deste grupo. E, apesar de todas as impossibilidades, Já se sustenta na barra, por pequenos períodos, e deu alguns passos, com auxilio do andador, até a piscina. Local onde se sente eufórica e feliz por poder movimentar-se sozinha, uma vez que o meio líquido favorece a locomoção. Também já foi encaminhada para a hidroterapia, no Campus II. Não menos eufórica é a atitude daqueles que sonhavam em correr e se jogar na piscina. Neste espaço, temos uma grande área verde, com grande variedade de espécies e com isso, a presença de aves e insetos, que sempre participam das atividades. Estas vivências e experiências se refletem nas produções, sejam através dos jogos teatrais, pinturas, construções tridimensionais, brincadeiras ou desenhos. As propostas são sempre desafiadoras e a resposta é tão desafiante quanto o silêncio que aprendemos a cultivar, para reconhecer o som de alguns pássaros, ou ainda as explosões de alegria com as próprias superações. Assim, algumas dúvidas e receios iniciais da equipe, foram se transformando e exigindo revisões pessoais e de planejamento, que para EISNER (1997), não deve ser uma “receita”, mas proporcionar a alunos e professores, oportunidades de colocar seus objetivos e atividades, bem como ampliar o âmbito da experiência estética. Com mais autonomia os estagiários colocam que se sentem também com maior responsabilidade. Desta forma a equipe torna-se coesa na diversidade típica de suas formações e na pluralidade de idéias e contribuições. As leituras, especialmente de LOWENFELD & BRITTAIN (1970), BUITONI (1988) e MOREIRA (2002) trouxeram grande contribuição. Moreira apresenta o desenho infantil com 5 olhar cauteloso e chama nossa atenção para o desenho enquanto linguagem. Buitoni, instiga-nos com a narrativa do “Quintal Mágico”, codinome com que designa a Escola Infantil TE-Arte, local onde a criança aprende no contato direto com elementos da natureza, como a terra, a água e o fogo. Mesma natureza, apresentada por Lowenfel & Brittain com extrema participação no desenvolvimento dos sentidos e estes como base da aprendizagem. Sentidos, presentes em cada atividade proposta neste projeto de arte-educação, para que sejam significativas e produzam novos sentidos. A cada imagem produzida por uma pessoa, correspondem vivências e referências pessoais incorporadas e externadas através das linguagens verbal e não-verbais. Possível somente se estivermos de corpo inteiro, pensando, sentindo, cheirando, tocando, experienciando. Quando crianças pequenas brincam com massa de modelar, após explorar textura e maleabilidade da matéria, geralmente, fazem bolinhas que se unem formando alguma figura de referência das mesmas. Mas, uma criança6 de cinco anos só modelará a pata de um gato, sem a intervenção do adulto, se o conhecer bem perto, se o tiver tocado, abraçado, sentido seu pêlo e visto sua pata. Além disso, ao se comunicar e se relacionar com os demais, pode desencadear novos processos e encorajar outros em suas produções. Somente através dos sentidos a aprendizagem pode processar-se. Talvez isto pareça m enunciado óbvio: entretanto, suas implicações parecem ser ignoradas em nosso sistema educacional. É possível que a educação reflita, meramente, as mudanças em nossa sociedade, pois o homem parece estar cada vez confiando menos no contato sensorial, concreto, real, com seu meio.(...) Quanto mais as crianças sobem pela escada educacional, mais distantes se encontram da confiança em seus próprios sentidos e, então, grande parte da aprendizagem não só se torna substitutiva, mas também abstrata em sua natureza. (...) Não se trata apenas de uma questão da presença de sons ou de ter objetos acessíveis que 6 Criança que não participa das atividades do CIAD, mas estava no grupo num determinado dia e tem gato em casa. 6 possam ser vistos e tocados; é, sobretudo, a estimulação da interação da criança e do seu meio, através dos sentidos, que estabelece a diferença entre a criança que está ávida por explorar e investigar o seu ambiente e a que se retrai e se fecha em si mesma. LOWENFELD & BRITTAIN. 1970, p.24-26 Após receber a produção da criança, com seu gesto rápido na entrega dizendo: “a patinha do fumaça”, revi conceitos, planejamentos e aprendi com os detalhes das patas dos cães. O que faz sentido de fato? Qual é a espessura do fio que nos une, ou nos separa, do ensinar e do aprender? Quantos teóricos lidos e acreditar tê-los compreendido, mas diante da cena, fragmentos de seus escritos se fizeram sentir por inteiro. Se atentarmos para a educação formal, verificamos que a base para o desenvolvimento da aprendizagem assenta em 23 letras e 10 algarismos. Estes 33 símbolos ideais são manipulados e embaralhados, desde o jardim de infância até ao final da universidade. (...) Contudo, não é o conhecimento desses símbolos ou a habilidade para redistribuí-los que promove o crescimento mental, mas, também, o que eles representam. Estar capacitado par reunir determinadas letras na seqüência adequada para que se leia coelho não constitui uma compreensão do que seja um coelho. Para conhecer realmente um coelho, a criança deve poder tocá-lo, sentir o contato de sua pele, observar como mexe o focinho, alimentá-lo e aprender os seu hábitos. É a interação dos símbolos, do eu e do ambiente que fornece os elementos necessário aos processos intelectuais abstratos. Portanto, o crescimento mental depende das relações ricas e variadas entre a criança e o seu meio; tal relação é o ingrediente básico de qualquer experiência de criação artística.7 LOWENFELD & BRITTAIN. 1970, p.16-17 Neste sentido, vale destacar um dos objetivos do CIAD que é atuar como facilitador na inclusão social de pessoas com deficiência, cujos projetos nas diferentes áreas, buscam trazer motivação. Entre os quais, chamo a atenção para a parceria com uma equipe especializada em terapia com cães, que também possibilita este contato significativo e interativo apontado por Lowenfeld & Brittain. Outros projetos trazem grandes contribuições, mas descrevê-los implica perda do foco nas atividades artísticas e culturais, objeto deste texto. Assim retomo o mesmo explicitando parte das atividades desenvolvidas com familiares dos alunos que freqüentam diferentes projetos. Para algumas mães, o tempo que têm para si, é aquele em que aguardam seus filhos e podem conversar e tricotar, literalmente. Como ficam no CIAD, criou-se o Projeto Família que acompanha, orienta e promove encontros, do qual faz parte o projeto Arte na Diversidade. No período de transição, como nos demais grupos, surgiram dificuldades, solucionadas à medida que o trabalho foi se desenvolvendo e se tornando significativo para o mesmo. Havia um pai que participava, porém optou 7 Grifo da autora destacando o texto publicado em 1947, ano da 1º edição de “O Desenvolvimento da Capacidade Criadora” 7 pelo Projeto de Informática e atualmente o grupo com que trabalho, é formado somente por mães. O procedimento foi o mesmo dos demais, mas demos maior atenção ao re-conhecimento do corpo, ao aprendizado de automassagem e os benefícios da respiração e posturas corretas. No início nossas atividades centraramse em alongamentos, relaxamentos e massagens, dada a necessidade apontada e o desejo de melhor qualidade de vida. Estas mães se dedicam, em tempo integral, aos cuidados dos filhos, que em sua maioria com sérios comprometimentos, sem autonomia de locomoção, às vezes não conseguem se alimentar ou cuidar-se sozinhos. Geralmente estão acima do peso, por não poderem exercer atividade física e estas fazem esforço acima do normal, acarretando problemas de coluna e dores musculares. Vale lembrar que me sinto tranqüila em relação às atividades corporais, uma vez que minha formação profissional, além das artes visuais, inclui dança contemporânea e teatro, cuja base é o uso consciente do corpo como um todo. Também tenho conhecimento e prática do-in o que possibilita outras abordagens. Contamos ainda com profissionais da área da saúde que dão suporte, tanto à equipe quanto aos alunos e suas famílias. Uma vez aceito e assumido pelo grupo, o projeto ganhou características próprias e juntos criamos um espaço de trocas, vivências e produções, cujos frutos começam a ser colhidos. São visíveis as mudanças em relação a si mesmas, como por exemplo, a autoconfiança (re) conquistada, os cuidados consigo, tais como abaixar corretamente para levantar peso, passar batom, soltar os cabelos, colocar um salto, sair sozinha, sem o filho, para passear. Enfim, pequenos gestos e grandes transformações. Desde o início deste ano estamos organizando suas produções, fotografando e montando portfólios. Todas fazem algum tipo de artesanato para aumentar a renda familiar, quase sempre insuficiente para gastos com medicamentos, equipamentos, fisioterapia e acompanhamentos especializados. Participamos de eventos culturais, vamos ao cinema, exposições de arte, palestras e encontros específicos, além de textos, incluindo mitologia e arte, de interesse do grupo. As palavras, acredito, são quase sempre traiçoeiras, por não dizerem com fidelidade aquilo que se vivenciou. Não poderiam mesmo! São diferentes e têm outra função. Por isso existem outras formas de linguagens, com códigos específicos e, são intraduzíveis entre si. Portanto, cabe-nos o relato sucinto de experiências significativas que podem trazer novos sentidos e despertar o desejo, em algumas pessoas, de conhecer este lado, ainda obscuro, carente de espaços que lhe dêem oportunidades. Isto faz sentido? Aquilo que mestre Aristóteles falou: - Todo conhecimento passa antes pelos sentidos. (...) Não tenho certeza mesmo quase nunca do que faço. Porque o faço com o corpo. E você sabe, sensibilidade é traiçoeira. Às vezes tapa a visão. Eu sou demais coalescente às coisas. Manoel de Barros. 1996 8 Referências Bibliográficas BARROS, Manoel. Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. 3° edição. BUITONI, Dulcília Schroeder. 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