Práticas autorais na web 2.0:
o estudo de caso de um blog
Authoring practices in web 2.0: a blog case study
Necyk, Barbara; MSc.; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
[email protected]
Marçal, Daniela; Esp.; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
[email protected]
Xavier, Guilherme; MSc.; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
[email protected]
Farbiarz, Jackeline Lima; PhD. ; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
[email protected]
Resumo
O uso de tecnologias de informação e de comunicação (TICs) em contextos pedagógicos
pressupõe a revisão de modelos e práticas pedagógicas. Trazendo como estudo de caso o
desenvolvimento e uso de um blog na disciplina de projeto da graduação em Design da PUCRio, pretende-se discutir as ações do professor na inserção de aplicativos online em sala de
aula presencial. Conclui-se que professores de design que atuam como proponentes e
mediadores de práticas pedagógicas online necessitam conhecer e potencializar o caráter de
autoria coletiva de tais práticas em contextos pedagógicos multiculturais e multimodais.
Palavras Chave: blog; autoria; práticas.
Abstract
The use of information and communication technologies (ICTs) in educational contexts
requires a review of pedagogical`s models and practices. The present case shows the
development and use of a blog in a design degree discipline at PUC-Rio. We intend to discuss
the teacher’s intervention in the inclusion of online applications in classroom attendance. We
conclude that design’s teachers that participate as a mediator and proponent of online
pedagogical practices need to know and enhance the collective authorship feature of such
practices in multicultural and multimodal pedagogical contexts.
Keywords: blog; authorship; practices.
Práticas autorais na web 2.0: o estudo de caso de um blog
Introdução
A era digital trouxe novas práticas de comunicação para o cenário contemporâneo.
Junto com o desenvolvimento de novas tecnologias foram disponibilizadas ferramentas que,
além de possibilitarem formas de comunicação rápidas e efetivas (encurtaram distâncias e
aproximaram territórios), contribuíram para uma reconfiguração da sociedade. Por esse viés,
nos sujeitos contemporâneos foram desenvolvidas características originadas nas práticas de
comunicação propostas pelos novos meios.
Essas práticas trouxeram conseqüências e impactos nas esferas sociais, culturais e
econômicas. Segundo Martín-Barbero (2008), estamos vivendo uma época de mudança nos
“códigos de conduta de um grupo ou um povo”, sendo que essa mudança ocorreria num
contexto no qual os meios de comunicação atuariam como mediadores das relações na
contemporaneidade.
A disciplina DSG 1006 e seu Blog: uma autoria coletiva
O curso de graduação em Design da PUC-Rio se encontra em processo de implantação
de um novo currículo desde 2007. Com previsão de formatura da primeira turma para o
segundo semestre de 2010, se observa que, para além das práticas de ensino planejadas
durante sua concepção, iniciativas de práticas de ensino independentes ancoradas em
tecnologias de informação e comunicação (TICs) vêem se consolidando, para potencializar a
interação professor-conteúdo-aluno também na esfera extra-classe. As TICs caracterizam-se
como recursos didáticos mediadores de dinâmicas de ensino desenvolvidas à distância em
disciplinas pertencentes à periodização regular do aluno.
Dentre as disciplinas que estão utilizando TICs, a disciplina de “Projeto avançado: uso e
impactos socioambientais” (DSG1006) usa um blog como recurso inserido em sua proposta
curricular. O blog tem sido experimentado como recurso facilitador para o alcance dos
objetivos da disciplina, por manter-se próximo do repertório dos alunos inscritos na
contemporaneidade.
Oferecida a partir do primeiro semestre de 2009, a disciplina apresenta uma carga
horária semestral de 150 horas. No primeiro semestre de 2010, ela está sendo desenvolvida
por seis turmas de aproximadamente 20 alunos cada. Eles são distribuídos em três salas de
aula que congregam uma média de 40 alunos, um supervisor, dois professores orientadores,
professores colaboradores, convidados palestrantes, estagiários docentes e monitores.
Os professores colaboradores e convidados palestrantes são alocados junto as turmas
para contribuir de maneira pontual ou sistemática na apresentação de temas e de dinâmicas
oriundas de diferentes especialidades. Visa-se, com isso, contribuir para a concepção, o
planejamento e o desenvolvimento dos projetos propostos pelos alunos da disciplina.
A criação do blog
No início do primeiro semestre de 2010, a supervisão da disciplina se reuniu com o
corpo docente para discutir questões vinculadas a objetivos, tema, metodologias e técnicas a
serem trabalhadas. Ficou acordado que os projetos a serem realizados deveriam partir de um
contexto em comum: a praia. As razões da escolha foram sintetizadas nos seguintes aspectos:
lugar rico em questões relativas a uso e impactos socioambientais; lugar de fácil acesso para
alunos residentes na cidade do Rio de Janeiro; lugar com o qual o carioca se identifica; lugar
de alta frequência.
O blog foi criado para a disciplina com a expectativa de ser testado em duas de suas
turmas que coabitam a mesma sala de projeto1. No momento de sua criação seus principais
objetivos eram:
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1. servir como canal de comunicação entre professores e alunos sobre as atividades a
serem desenvolvidas nas aulas, como, por exemplo, cronograma e tarefas;
2. funcionar como um ambiente congregador de dinâmicas presenciais e virtuais;
3. atuar como um ambiente de expressão do corpo discente, estimulando sua
participação crítica e seu envolvimento com a disciplina;
4. estabelecer o registro da experiência do semestre letivo para futuro instrumento de
análise da disciplina; e
5. servir como registro da pesquisa de campo de tese de doutorado da professora
Barbara Necyk.
Em momento posterior a sua criação, visualizou-se a possibilidade do blog ser um
elemento de comunicação entre as turmas, propiciador da integração entre o corpo docente e
discente e favorecedor da unidade da disciplina. Para o desenvolvimento dos novos objetivos
de integração e unidade, todos os professores da disciplina receberam um convite eletrônico
para postar no blog junto com instruções sobre como fazê-lo. Paralelamente, a dupla de
professores responsável pela criação do blog divulgou presencialmente a existência do blog
nas turmas, com o objetivo de incentivar seu uso. O uso do blog em mais turmas do que o
previsto partiu do pressuposto de que questões em comum entre as turmas poderiam encontrar
no blog da disciplina espaço ampliado para discussão e desenvolvimento e ainda favorecer a
integração entre as turmas.
Para a criação do blog, foi utilizado o editor WordPress. O blog foi abrigado em
domínio particular e foi desenvolvido um sistema de links entre o blog e as comunidades
virtuais da disciplina criadas no Orkut e no Facebook. A opção pelos links teve em vista
facilitar a notificação do aluno sobre qualquer novidade no próprio ambiente de redes sociais
no qual ele trafega comumente, atendendo assim a sua demanda pela inserção de práticas de
ensino em um repertório contemporâneo. Um dos cuidados na elaboração dos posts pelos
professores foi, na medida do possível, o respeito aos protocolos de escritura vigentes no
suporte virtual escolhido. A opção teve em vista que, embora o blog tenha uma finalidade
educacional, ele deve ser um ambiente onde os alunos se sintam confortáveis, como
usualmente se manteriam caso não estivessem associados ao contexto pedagógico.
Acreditava-se com isso favorecer a participação dos alunos.
A instalação do blog teve como situação facilitadora o fato do professor Guilherme
Xavier responsável por sua concepção, contar com recursos particulares de servidor apto a
permitir o uso do programa. Residindo na Locaweb, o blog foi instalado seguindo automações
características do serviço contratado, que admite também a instalação sem custo adicional de
bases de dados SQL (MySQL) para fóruns de debate (phpBB), ferramental wiki (de produção e
formatação colaborativa), além de sistemas de submissão e edição de álbuns de fotos
(ZenPhoto) e galerias de imagem (Gallery)2. Todos os softwares disponíveis são passíveis de
reconfiguração de suas características fundamentais, contando com vasto acervo de usuários,
que, em modo de colaboração, respondem por questões de uso e incrementam os sistemas
com aplicações adicionais, visando melhorias constantes.
A opção pelo desenvolvimento do blog para a disciplina levou em conta também a
facilidade de uso das plataformas de postagem de conteúdo disponíveis gratuitamente nos
blogs. A esse respeito, para a opção pelo blog como TIC a ser implantada na disciplina
DSG1006, foi considerado que o fenômeno blog ganhou visibilidade justamente por sua
informalidade e gratuidade, o que levou grandes empresas do setor da comunicação a
antecipar o poder da colaboração multiautoral já no início do nosso século. À guisa de
exemplo, o sistema de postagem Blogger, criado pela empresa americana Pyra Labs em 1999,
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foi adquirido pela Google em 2003. Embora o sistema Blogger disponha atualmente de
excelentes recursos de interação, foi considerado oportuno o uso de outra ferramenta de
postagem, conhecido como WordPress. O WordPress é considerado um gerenciador de
informação e conteúdo, pois além do sistema característicos de postagens hierarquizadas por
data, admite recursos diversos e amplificáveis (plug-ins)3.
Enquanto o Blogger é uma plataforma de uso, o WordPress é um aplicativo que
demanda instalação e configuração pontual para necessidades mais específicas.
Outro ponto de relevância considerado para seu uso foi a facilidade de manipulação de
conteúdo e distribuição de perfis entre os participantes (autores e leitores), além da recepção e
formatação de conteúdo estático permanente e, assim, amigável aos principais motores de
busca.
A instalação do blog levou em consideração recursos paralelos que auxiliassem em sua
rápida montagem e publicação. Por estar construído em um transparente esquema de
modelagem visual, o WordPress conta com otimização de sua configuração visual baseada
em drag'n drop4 de módulos (widgets) que permitem customização de seu funcionamento.
Exemplificando o uso do blog em sala de aula
No início do período letivo, o blog foi experimentado através do incentivo ao acesso de
posts sobre os acontecimentos ocorridos em sala, como, por exemplo, sobre um filme visto na
aula inaugural da disciplina. Ele também foi utilizado como canal para anúncio de tarefas a
serem cumpridas. Neste momento inicial, os alunos acessavam o blog com a finalidade de
busca de informação.
Ainda no primeiro mês, o blog passou a ser proposto com novos valores agregados. Em
sala de aula, foi solicitada uma tarefa cujo desenvolvimento dependia tanto de ações
presenciais quanto virtuais. No início da aula, a dupla de professores-orientadores anunciou
que a atividade a ser desenvolvida no dia seria guiada pelos seguintes passos:
1. aluno deve procurar laboratórios informatizados da PUC ou qualquer outra forma de
acesso on-line para acessar o blog da disciplina;
2. aluno deve acessar as três tarefas do blog dispostas na forma de posts que devem ser
lidos;
3. aluno deve cumprir as tarefas enumeradas no blog na forma de comentário;
4. aluno deve comentar não apenas os conteúdos apresentados na forma de posts mas
também a disponibilização da informação, primordialmente a relação verbo-visual,
desenvolvida para os sites vinculados as tarefas a serem desenvolvidas no blog;
5. aluno deve seguir o tempo determinado para as três tarefas e retornar à sala de aula
para debate.
Cada um dos posts estava relacionado a um dos temas transversais ao contexto da praia,
temática da disciplina, criados para o exercício. Os temas escolhidos foram:
Choque de ordem: O aluno deveria analisar matéria sobre o choque de ordem
publicado no site da Prefeitura do Rio de Janeiro, segundo sua dimensão social.
Representação visual: O aluno deveria analisar o trailer do filme de animação
intitulado Logorama, segundo sua dimensão simbólica.
Energia Nuclear: O aluno deveria analisar a matéria sobre o plano de emergência
em caso de acidente nuclear, publicada no site da EletroNuclear, segundo sua
dimensão física.
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O objetivo da tarefa era gerar subsídios para a conceituação do contexto da praia
vinculado à ênfase do uso e dos impactos socioambientais dos projetos a serem propostos.
Antes que os alunos retornassem à sala de aula, a dupla de professores orientadores e a
pesquisadora Daniela Marçal tinham acesso a algumas das respostas dos alunos5. Com o
retorno dos alunos à sala de aula, foi proposto um debate com ênfase nos comentários dos
alunos apresentados no blog. O debate foi aberto à participação de todos os alunos e mediado
pelos professores orientadores que direcionaram a discussão para a conceituação do contexto
da praia e sua associação com a disciplina. Foi interessante observar que diferente do que
aconteceu quando os alunos estavam atuando no espaço virtual, poucos alunos se
posicionaram durante o debate na sala de aula presencial. A atividade restringiu-se a um
pequeno grupo de alunos que apresentou seus pontos de vista e retomou constantemente a
palavra para defendê-los sempre que sentiam suas convicções ameaçadas. Foi identificado
certo desconforto dos alunos quando viram os seus comentários postados no blog projetados
na tela. Em linhas gerais, a projeção dos comentários não foi fator de incentivo à participação
no debate presencial.
Chamou-nos a atenção a constatação de que assim como os alunos assumiram
protocolos de escrita diferenciados quando em contato com diferentes conteúdos, gêneros ou
mídias no blog, eles também assumiram protocolos diferenciados quando suas intervenções
foram solicitadas em suportes diferentes. A tarefa leva-nos a inferir que a maioria se sentiu
mais confortável expondo pontos de vista no suporte virtual do que na dinâmica presencial.
Exemplificando o uso de imagens no blog
Ao término do debate, os alunos foram convidados a produzir banners para o cabeçalho
do blog. Essa atividade tinha como objetivo aumentar a relação de afeto entre o grupo de
alunos e o blog. As especificações do banner foram passadas para a turma que apresentou
respostas diversificadas. A produção do banner caracterizou-se como um exercício de
criatividade que teve por briefing a produção de imagens que se relacionavam com a
disciplina.
As imagens produzidas pelos alunos apontam, de maneira geral, a relação entre a
expectativa da aula e a visão do aluno sobre questões socioambientais. A seguir, alguns
exemplos:
Figura 1 - Banner digital produzido por aluno 1.6
Figura 2 - Banner digital produzido por aluna 2. 7
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Figura 3 - Banner digital produzido por aluno 3.8
Entendemos que os banners foram uma possibilidade de visualizar a interpretações dos
alunos quanto aos objetivos da disciplina. Esta tem, dentre suas premissas, trabalhar no
sentido de desconstruir noções generalistas e, por vezes, superficiais, quanto à questão
socioambiental. As várias abordagens verbo-visuais fornecem um quadro da diversidade
quanto ao assunto.
Análise da participação dos alunos
Nos comentários veiculados no blog sobre a tarefa proposta foi possível observar:
1. Momentos de intextualidade criados entre os comentários dos alunos, demonstrando
que eles alunos leram o que os outros escreveram e se posicionaram quanto aos comentários
anteriores.
“A iniciativa de tentar organizar a cidade é louvável, mas como algumas pessoas já
comentaram, faltou imersão no contexto.”
Aluna C
“Achei meio interessante quando a Flavia disse algo sobre costumes...”
Aluno D
2. Protocolos de escrita que tomaram por base não apenas o conteúdo mas também os
gêneros veiculados pelos sites. Assim, como resposta ao site que trabalhava com a questão do
“choque de ordem”, os alunos assumiram também uma postura analítica e crítica sobre a
questão e uma linguagem formal. No que tange aos comentários sobre a matéria da
EletroNuclear, os alunos resgataram a discussão sobre as formas de energia e se sentiram
compelidos a se posicionar sobre a existência de usinas nucleares. Já como resposta ao trailer
do filme de animação Logorama, houve a opção por um protocolo de escrita coloquial, mais
próximo da forma como se relacionam nos programas instantâneos, em outros blogs e redes
sociais. Esta opção foi representada por frases curtas próximas da oralidade.
“A fim de administrar certo lado anárquico da praia, a prefeitura resolveu botar
em ação o 'Choque de ordem'. Sem cair no pressuposto de julgar a iniciativa, e me
atendo meramente à notícia vinculada. Podemos dizer que essa não faz jus ao
ocorrido.”
Aluno A
3. Momentos hipermidiáticos nos quais os alunos apontam para endereços de outros
sites relacionados ao assunto tratado, incluindo os de músicas, filmes, quadrinhos e cultura
pop em geral. Neste caso, parece que a mídia “filme de animação on-line” dispara o diálogo
com diversas outras mídias.
“Já viram o clipe do Justice, 'DVNO'? Segue o mesmo propósito! Haha.”
Aluna E
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“Outra animação que também é uma crítica ferrenha não só ao consumismo mas à
própria espécie humana é o clipe “Do the evolution” do Pearl Jam
(http://www.youtube.com/watch?v=84-PMKUp-fc).”
Aluna C
“A música me lembrou Wall-E… Hahaha, Buy N Large!”.
Aluna F
4. Momentos de análise da relação verbo-visual na apresentação das informações pelos
sites disponibilizados nas tarefas.
“Considero as imagens no site insuficientes para o entendimento das áreas de
emergência para leigos e pessoas que não da região.”
Aluno G
Tecnologias de informação e comunicação como elemento
mediador em contextos pedagógicos
A incorporação do blog nas atividades presenciais da disciplina nos fez entender que é
premente ampliar nosso olhar sobre os diferentes protocolos de leitura e escrita ou, em linhas
gerais, de argumentação que estão se constituindo a partir das práticas propiciadas pelo uso de
novas tecnologias.
A sociedade contemporânea está se defrontando com uma sociedade plural que Canclini
(1997), identifica como híbrida, na qual ocorrem mesclas interculturais. O uso de TICs em
sala de aula está potencializando o convívio de culturas híbridas ao ampliar o leque de
contradições inerentes a presença de sujeitos distintos não mais apenas no espaço presencial,
mas também no espaço virtual9. Para além da intertextualidade observada na resposta da
tarefa realizada, foi possível conviver com propostas hipermidiáticas, por exemplo, que
ampliaram o leque das inserções culturais diversas10.
O blog potencializou a polifonia. Os alunos puderam participar da construção dos
espaços de ensino-aprendizagem, dialogando com os suportes, entre seus pares, e para além
dos suportes propondo a inclusão de outros universos midiáticos11.
Aparentemente, tendo em vista o exemplo único observado, os alunos se sentiram mais
a vontade no universo virtual do que no universo presencial. Lévy (1997) compreende o
termo cibercultura como “a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não
seria fundado nem sobre links territoriais (...), mas sobre o compartilhamento do saber, sobre
a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração”. Parece-nos que os
alunos preferiram uma interferência não-hierarquizada e colaborativa proposta na virtualidade
da experiência vivenciada na sala de aula presencial, cuja herança traz consigo práticas de
ensino hierarquizadas com saberes a serem aprendidos e não construídos na coletividade. O
exemplo nos possibilita questionar a eficácia de práticas de ensino que desconsiderem o
repertório contemporâneo dos alunos das novas gerações.
Uma característica presente no blog é o fato do suporte ampliar as possibilidades de uso
de uma linguagem multimodal. As diversas linguagens disponíveis podem ser entendidas
como complementares e esta característica intensifica as possibilidades de produção de
sentidos por parte do aluno. Os variados diálogos entre texto, imagem estática, imagem em
movimento e som, entre outros modos, apresentaram-se como diferentes formas de expressão
a serviço das práticas de ensino-aprendizagem e da construção do conhecimento.
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As TICS e a autoria em contextos pedagógicos
Diversas perspectivas em diferentes momentos históricos trouxeram variadas noções
sociais de autoria. O século XX propiciou o nascimento efetivo de um leitor não mais
receptáculo de informações, mas sim co-autor no processo de leitura. Independente da
perspectiva, certo é que o passar do tempo trouxe novas transformações tecnológicas e novas
revisões quer seja do papel do sujeito autor quer seja dos modos e condições de existência
social do discurso. O século XXI traz questões iniciadas na segunda metade do século XX
que extrapolam a morte do autor, antecipam a morte do livro e que acoplam aos sujeitos, aos
atos de leitura e aos modos e condições sociais os suportes de leitura ou as formas nas quais o
processo de leitura vai se efetivar.
Assim a atualidade traz consigo pelo menos o conceito de autoria compartilhada. Se o
senso comum aponta para uma definição de autoria que engloba pintores, compositores,
escultores, diretores cinematográficos e escritores, a despeito dos universos de criação
utilizarem procedimentos de produção diferenciados, novos autores invadem a cena
contemporânea em virtude de demandas propiciadas novamente pelos avanços tecnológicos.
O mercado editorial ampliou o número de sujeitos interventores no processo de produção, o
mercado cinematográfico também, e assim por diante.
Nas salas de aula inscritas na contemporaneidade quem são os autores na transmissão da
informação? Ao incorporarem TICs como recurso didático, os professores antes detentores do
conhecimento, em uma definição inicial de autoria, concretizam modelos pedagógicos que já
não permitem uma atitude cuja premissa maior é a manutenção da hierarquia. É certo que não
são as TICs que possibilitam modelos em que haja a predisposição para as autorias
compartilhadas, contudo, elas tornam visíveis tais conceitos quando, por exemplo, fica
disponível em um blog com possibilidade de acesso em tempo real e de construção
simultânea a sugestão da aluna C de consulta ao clipe “Do the evolution” do Pearl Jam.
Quando chegamos aos avanços no campo da comunicação, vemos as TICs como
polarizadoras de ações autorais envolvendo múltiplos sujeitos com repertórios culturais
diversificados. Como os professores de disciplinas de projeto como a DSG1006 podem
favorecer o desenvolvimento de projetos levando em conta as TICs? Sem dúvida há pelo
menos a possibilidade de ampliação do universo multicultural do aluno, uma vez que a ele é
oferecido um espaço onde o multiletramento é a palavra de ordem12. Estarão professores e
alunos preparados para o uso das TICs naquilo que elas potencializam quando associadas a
contextos pedagógicos? O desconforto dos alunos quando viram os seus comentários
postados no blog apresentados através de um datashow na sala de aula presencial nos leva a
crer que não. Eles sentiram suas autorias expostas e invadidas. A não percepção dos
professores de que os comentários dos alunos seguiram um protocolo de escrita
argumentativa desenvolvido para um suporte virtual também nos leva a crer que não. Como
autores do blog, os professores também se sentiram autores da definição dos usos das
dinâmicas propostas nos blogs, e, consequentemente, optaram por investir na integração de
universos inicialmente distintos. Como professores inscritos em modelos pedagógicos nos
quais parte deles a definição das práticas de ensino aprendizagem a serem desenvolvidas em
sala de aula, não lhes foi possível antecipar a resistência.
O blog produzido para a disciplina foi elaborado, desenvolvido e administrado por
designers – professores da disciplina – e alunos de graduação em Design. Para a escolha do
blog como a TIC a ser desenvolvida e para o seu desenvolvimento conceitual questões
relativas ao design da informação foram consideradas. Contudo, não se pode desconsiderar a
responsabilidade de mediação do designer em propostas de inclusão. Fazendo uso de um
olhar antecipado por Foucault (1979), podemos inserir o designer como mais um autor
participante dos modos de comunicação complexos instituídos socialmente, cujas ações
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interferem tanto nas formas de criação como de consumo das obras (práticas de ensino).
Parafraseando Bomfim, em uma de suas propostas de definição de Design, não seria o campo
tanto capaz de incorporar valores culturais da sociedade, confirmando-os nos objetos que
configura, quanto anunciador de novos caminhos, questionando e denunciando os valores
culturais vigentes? Logo, não seria o designer um sujeito participante da formação cultural da
sociedade, na medida em que os objetos de uso e os sistemas de informação que configura
correspondem a uma específica “(...) ação interpretativa, criadora, que permite diversas
formas de representação” (Bonfim, In: Couto e Oliveira, 1999)? Compactuando com os
pensamentos anteriores, é preciso considerar que o designer, como produtor de recursos
didáticos na contemporaneidade, precisa pensar de forma híbrida para poder tanto articular
novas práticas e combinações variadas de modos de significação, como possibilitar a criação
de diversos sentidos e a articulação de diferentes discursos que produzem novas convenções
(Fairclough, 1992).
As escolhas de práticas de ensino dos designers professores podem ser um convite para
uma convivência plural, multicultural e sem fronteiras. Quais os lugares do designer nessa
nova malha de relações? Tem ele consciência de que é mais um mediador nas relações sociais
contemporâneas?
Pensar a mediação sob a ótica do design é, sobretudo, pensar no meio, no outro, nos
suportes, nas formas, na relação e na produção de sentidos. É reconfigurar o conceito de
autoria. É refletir a respeito de sua própria postura frente à pluralidade de autorias. É entender
que há lugares concretos para sua atuação como mediador da construção de conhecimento e
da produção de sentido.
Ponto final
Percebemos que a participação dos alunos na disciplina DSG 1006 vem crescendo. Em
menos de um mês de existência o blog passou de uma rede de entrega para um ambiente de
cumprimento de tarefas e, posteriormente, ele virou produto de autoria coletiva de textos e
imagens partilhado tanto no espaço virtual quanto no presencial.
A publicação de uma produção inicialmente de autoria particular, o blog, requer um
processo de readaptação cultural, de obtenção de segurança por aqueles que administram
estas práticas. Acreditamos que a noção de pertencimento garante o envolvimento desejado.
Na medida em que TICs passem a se incorporar ao dia-a-dia universitário de forma
transparente, em um acordo entre professores e alunos quanto aos protocolos a serem
instituídos, estas tecnologias tenderão a atuar como instrumentos que podem ser aliadas ao
cumprimento do grande desafio de motivação que é o partilhar uma aula.
Como linha de pesquisa futura, pretendemos, investir em tarefas no blog que
incorporem a metodologia da prática projetual de Design, especificamente desta disciplina.
Acreditamos também que o blog é um recurso para o cumprimento da tão desejada integração
teórico-prática, buscada nos projetos de design.
Notas
1
O blog foi criado pelos próprios professores Barbara Necyk e Guilherme Xavier.
Consultar http://www.locaweb.com.
3
O WordPress utiliza linguagem PHP em base de dados MySQL que é comum para
comunidades de programação Open Source em resposta a linguagens e bases de dados
proprietárias e licenciamento GNU GPL (General Public License) versão 2.
4
Corresponde a ação de arrastar e soltar.
2
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5
A pesquisadora desenvolve dissertação de mestrado Mediações do design na construção de
sites infantis: ambientes de multiletramento.
6
Banner produzido pelo aluno Carlos Eduardo Fonseca V. Peixoto para o blog da disciplina
DSG 1006 – turma do primeiro semestre de 2010.
7
Banner produzido pela aluna Fernanda Costa Rangel Chaves para o blog da disciplina DSG
1006 – turma do primeiro semestre de 2010.
8
Banner produzido pelo aluno Tárik Tavares Quintañs para o blog da disciplina DSG 1006 –
turma do primeiro semestre de 2010.
9
Vide as diferentes soluções-banners propostas para o cabeçalho dos blogs, construídas a
partir de repertórios diversificados.
10
Vide comentário da Aluna C e comentário da aluna F.
11
Vide comentário da Aluna C.
12
Textos que apresentam duas ou mais modalidades semióticas em sua composição tomaram
o lugar das tradicionais práticas da escrita, provocando efeitos nos formatos e nas
características desses textos. Cope e Kalantzis (2000).
Referências
COPE; KALANTZIS. Multiliteracies: Literacy Learning and the design of social futures.
Nova York: Routledge, 2000.
COUTO, R. M. S. (Org.); OLIVEIRA, A. J. (Org.). Formas do Design: por uma
metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB, 1999.
CANCLINI, Nestor G. . Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.
FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1997.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1998.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2006.
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