PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Faculdade Mineira de Direito
O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPÉIA:
modificações pós Tratado de Lisboa.
Aline Rodrigues Cunha
Belo Horizonte
2009
Aline Rodrigues Cunha
O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPÉIA:
modificações pós Tratado de Lisboa.
Monografia
apresentada
à
disciplina
Monografia II do curso de Direito da Faculdade
Mineira de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Área de Concentração: Direito Comunitário.
Orientador: Professor Fernando Horta Tavares
Belo Horizonte
2009
Aline Rodrigues Cunha
O controle da aplicação do Princípio da Subsidiariedade no âmbito da União
Européia: modificações pós Tratado de Lisboa
Monografia
apresentada
à
disciplina
Monografia II do curso de Direito da Faculdade
Mineira de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais.
___________________________________________________________________
Professor Fernando Horta Tavares - Orientador PUC Minas
___________________________________________________________________
Zamira Assis - Examinadora PUC Minas
___________________________________________________________________
Talita Viza Dias - Examinadora PUC Minas
Belo Horizonte, 06 de novembro de 2009
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por me ajudar nas minhas buscas e
conquistas, por estar incondicionalmente ao meu lado, ouvindo as minhas orações,
me dando forças para prosseguir e sempre me abençoando, mesmo nos momentos,
que, por ventura, me esqueço que posso contar com o Seu apoio.
Aos meus pais pela confiança e incentivo; à minha irmã e madrinha Genilce
pelos conselhos que tanto me ajudaram durante a minha readaptação após o
intercâmbio; ao meu irmão Genilton por seus ensinamentos e dicas valiosas
imprescindíveis para que eu compreendesse sobre os passos a serem dados na
confecção do presente estudo; ao meu irmão Alisson pelo apoio mesmo estando
distante.
Ao meu namorado Marco Aurélio por ser tão presente em toda a minha vida
acadêmica, pelo apoio, pela cumplicidade, pela alegria e pelo estímulo que me dá
para prosseguir.
À minha amiga Brenda por ser um dos meus grandes pilares de apoio durante
esses 5 anos de convívio acadêmico.
Agradeço também a PUC Minas e a Secretaria de Relações Internacionais
pelo grande crescimento pessoal e profissional que me proporcionaram através do
programa de Intercâmbio Universitário.
Aos professores e funcionários da Universidad de Castilla-La Mancha do
campus de Cuenca, que me receberam com muito carinho, principalmente aos
bibliotecários que foram imprescindíveis para a busca de todo o material que
embasou esse estudo.
Ao meu orientador, Professor Fernando Horta Tavares, pela dedicação e pelo
comprometimento com o ensino universitário brasileiro, sem dúvida uma das
pessoas que considero um exemplo profissional a ser seguido.
A todos que, de alguma forma, contribuíram para construção dessa
monografia.
RESUMO
O princípio da subsidiariedade foi introduzido no Direito Comunitário Europeu como
cláusula geral pelo parágrafo 2° do artigo 3-B do T ratado da União Européia, com o
objetivo de que as decisões fossem tomadas em um nível mais próximo o possível
dos cidadãos, de modo a harmonizar a atuação da União Européia com a dos
Estados membros. No entanto, surgem dificuldades de aplicação do princípio da
subsidiariedade devido a sua dupla interpretação, o qual poderia ser utilizado como
meio de justificação da atuação discricionária da Comunidade, motivo pelo qual são
criados meios de controle do princípio, disciplinado tanto no Protocolo número 30 do
Tratado de Amsterdã, quanto no recente aprovado Tratado de Lisboa, o qual traz um
viés mais democrático. Com base nisso, o presente trabalho tem como objetivo
analisar o controle da aplicação do princípio da subsidiariedade no âmbito da União
Européia, bem como as recentes mudanças a este respeito trazidas pelo Tratado de
Lisboa.
Palavras-chave: União Européia. Princípio da Subsidiariedade. Controle político.
Controle jurídico. Tratado da União Européia. Tratado de Lisboa.
LISTA DE SIGLAS
BENELUX – Área de Livre Comércio entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo
CECA – Comunidade Européia do Carvão e do Aço
CEE – Comunidade Econômica Européia
CEEA – Comunidade Européia de Energia Atômica
COSAC - Conferência de Órgãos Especializados em Assuntos Comunitários
EURATOM - Comunidade Européia de Energia Atômica
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OECE – Organização Européia de Cooperação Econômica
TCE – Tratado da Comunidade Européia
TUE – Tratado da União Européia
TFUE – Tratado de Funcionamento da União Européia
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................7
2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA
UNIÃO EUROPÉIA ...................................................................................................10
3 ASPECTOS GERAIS DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE ...........................15
3.1 Definição ............................................................................................................15
3.2 Evolução histórica do Princípio da Subsidiariedade .....................................18
4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO
EUROPÉIA................................................................................................................23
4.1 Domínio de aplicação do princípio da subsidiariedade.................................23
4.2 Requisitos de aplicação do princípio da subsidiariedade.............................27
5 O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA SUBSIDIARIEDADE ANTES
DO TRATADO DE LISBOA ......................................................................................30
5.1 Controle político da aplicação do Princípio da Subsidiariedade ..................30
5.2 Controle jurídico do Princípio da Subsidiariedade ........................................34
5.2.1 Possíveis recursos interpostos ao Tribunal de Justiça da Comunidade
Européia ...................................................................................................................37
6 MUDANÇAS RELATIVAS AO CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA
SUBSIDIARIEDADE NO TRATADO DE LISBOA....................................................41
6.1 Delimitação de competências no Tratado de Lisboa .....................................42
6.2 As modificações relativas ao controle da aplicação do princípio da
subsidiariedade no Tratado de Lisboa ..................................................................44
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................53
7
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, a União Européia é formada por 27 Estados-membros, cada um
com suas especificidades históricas, culturais, religiosas, linguísticas e sociais, tanto
que a União possui 23 línguas oficiais e de trabalho.
Além de seus membros existem, ainda, 04 países candidatos a integrarem a
União Européia, como Croácia, Turquia, Islândia e Antiga República Iugoslava da
Macedônia, e 05 países que são candidatos em potencial, como Albânia, Bósnia e
Hezergovina, Kosovo, Montenegro e Sérvia.
Dessa forma, a União Européia retrata a união de uma heterogeneidade de
países do continente europeu sob uma organização comum, tanto que seu lema é:
“unidos na diversidade”.
Em meio a essa pluralidade de interesses, deflagrou-se durante o processo
de construção da União Européia o desafio de construir uma União o mais próximo
possível dos cidadãos para permitir o amplo exercício da cidadania, da democracia
e viabilizar a atuação da União em harmonia com os interesses pluralistas dos
Estados-membros.
Diante desse desafio surgiu a questão sobre como se compatibilizar a
atuação da União e dos Estados-membros no que diz respeito ao exercício de
competências.
Para responder a essa questão, foi trabalhado no contexto comunitário
europeu o princípio federalista da subsidiariedade, o qual é introduzido como
cláusula geral no Tratado da União Européia, assinado em 07 de fevereiro de 1992
na cidade de Maastrichit, que entrou em vigor em 01 de novembro de 1993.
Pelo princípio da subsidiariedade a União Européia tem o dever de apoiar e
atuar para estimular os Estados-membros na realização dos objetivos comunitários
que estes não puderem alcançar com eficácia.
Nesse contexto, Leal (2001) ressalta que o princípio da subsidiariedade passa
a constituir-se como base para a manutenção da estrutura comunitária ao possibilitar
a articulação da Comunidade e de seus Estados-membros de modo a barrar as
disputas de soberanias.
No mesmo sentido, Carneiro (2007) sintetiza que o objetivo último do princípio
da subsidiariedade é garantir a efetivação do Estado Democrático de Direito nos
8
Estados-membros, de modo a viabilizar a participação ampla dos cidadãos no
processo de construção da integração regional.
Entretanto, da interpretação do princípio da subsidiariedade surge o problema
de que o mesmo pode ser utilizado tanto para justificar a atuação da União Européia
quanto para limitar a sua atuação. Visto de outro ângulo, o mesmo princípio pode ser
empregado tanto para articular a relação entre Comunidade e Estados-membros,
como para justificar um abuso de autoridade exercido por parte da União Européia.
Nesse sentido, acrescenta Baracho (1997) que:
A conciliação e harmonização da exigência legítima da autoridade, sua
necessidade e a existência de várias autoridades políticas, bem como o
pluralismo das organizações sociais e comunitárias, levam a indagações
práticas sobre a aplicabilidade do princípio da subsidiariedade, quando não
se pleiteia sacrificar a liberdade de autonomia, o bem comum ou o interesse
geral. (BARACHO, 1997, p. 59)
Assim, para limitar uma possível atuação arbitrária dos órgãos da União
Européia, é imprescindível que haja um controle da aplicação do princípio da
subsidiariedade.
Com esse fim, foram inseridos no Protocolo número 30 do Tratado de
Amsterdã (1997) mecanismos de controle da aplicação do princípio, tanto a partir de
um controle a priori realizado pelas instituições comunitárias durante o processo de
constituição das normas de direito comunitário, quanto de um controle a posteriori ou
jurídico realizado pelo judiciário quando este é acionado pela pretensão de tutela
jurisdicional dos afetados pela incorreta aplicação do princípio.
No entanto, os mecanismos de controle criados não eram suficientes, pois
davam pouca abertura para a participação democrática das instancias de
competência local.
Com o objetivo de ampliar a participação democrática nos mecanismos de
controle do princípio da subsidiariedade, foi aprovado em 13 de dezembro de 2007 e
ratificado em 03 de novembro de 2009 o Tratado de Lisboa. Tratado este que traz
em seu Protocolo número 2 alterações que conferem aos Parlamentos Nacionais um
papel mais significativo no controle a priori do princípio, bem como conferem
legitimidade ao Comitê das Regiões para interposição de recurso contra ato
legislativo que viole o princípio da subsidiariedade.
9
Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar o controle do princípio
da subsidiariedade, bem como das modificações trazidas a este respeito pelo
Tratado de Lisboa.
Estudo este que tem sua relevância embasada na carência de abordagem do
tema pela literatura, uma vez que o Tratado de Lisboa foi recentemente ratificado.
Portanto, espera-se que este estudo possa, primeiramente, verificar o que é o
princípio da subsidiariedade, como este se insere no contexto da União Européia e
como este se aplica no âmbito da União Européia. Após, pretende-se comparar o
controle de sua aplicação antes e após as modificações implementados pelo Tratado
de Lisboa.
10
2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA
UNIÃO EUROPÉIA
Em meados do século XX começaram a ser traçados os primeiros contornos
do processo de integração dos Estados europeus, o qual, após um longo período de
sedimentação, resultou na assinatura do Tratado Constitutivo da União Européia em
1992 na cidade de Maastricht, nascendo, então, uma União Econômica e Monetária
entre os Estados europeus.
Apesar da União Européia ser concebida no período pós-guerra, a idéia sobre
uma integração dos Estados europeus, surge entre a Primeira e a Segunda Guerra
Mundial, quando se sobressaem duas propostas. A primeira foi formulada pelo
Conde Richard Coudenhove Calergie, que, em sua obra intitulada “Paneuropa”
(1923), defende como via para saída da decadência econômica da Europa a criação
de estruturas que superem sua divisão política criando uma união paneuropeia,
mediante a cessão de soberanias livremente consentidas pelos parlamentos dos
Estados participantes.
Já a segunda proposta, foi lançada em 1929 por Aristide Briand, Ministro das
Relações Exteriores da França, que propunha a criação de uma “união européia" a
nível intergovernamental. Entretanto, em função da depressão econômica mundial
de 1929, combinada com o nacionalismo exacerbado e com o auge dos regimes
totalitários, o projeto do ministro francês não encontra adeptos.
Tais propostas são deixadas de lado, até que são retomadas na segunda
metade do século XX como meio de reestruturação da Europa que se encontrava
devastada pela Segunda Guerra Mundial.
Nesse contexto, os Estados europeus foram marcados por um profundo
declínio econômico, em que a falta de recursos financeiros impossibilitava a
satisfação da demanda populacional por bens de consumo e, com maior impacto, a
reconstrução da economia, de modo que a Europa fragilizada encontrava-se
propícia a uma expansão socialista.
Entretanto, no intuito de coibir um possível expansionismo soviético, os
Estados Unidos da América lançam o Plano Marshall, pelo qual seriam enviados
recursos aos países europeus que se agrupassem numa organização econômica, a
11
qual teria finalidade de assegurar que as medidas de reconstrução da Europa
fossem assumidas em comum pelos países ajudados.
Da exigência norte-americana, cria-se em 1948 a Organização Européia de
Cooperação Econômica (OECE), convertida em 1960 na Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Assim, os países europeus passam a enxergar na possibilidade de
cooperação a saída para a reconstrução de suas economias, afinal como diz
Baracho (1997): “Além dos governos e nações, surgem na vida da humanidade
necessidades que não podem ser apenas consideradas isoladamente pelos
Estados, desde que é necessária a coordenação de esforços” (BARACHO, 1997,
p.35).
Dessa necessidade de cooperação tem-se em 1944, antes mesmo do Plano
Marshall, a criação da área de livre comércio denominada BENELUX entre Bélgica,
Holanda e Luxemburgo. Mas, o grande impulso ao processo de integração dos
Estados europeus veio no discurso pronunciado pelo ex - primeiro ministro britânico
W. Churchil em setembro de 1946 na Universidade de Zurich, no qual defendia a
criação progressiva dos chamados “Estados Unidos da Europa”.
Por conseguinte, em maio de 1948 celebrou-se na cidade de Haya uma
conferência de caráter privado organizada pelo Comitê de coordenação dos
movimentos para uma Europa Unida, ou Movimento Europeu, chamada “Congresso
Europeu”, no qual são traçadas as correntes de opinião federalista e unionista que
estruturaram o desenvolvimento do processo de construção da União Européia.
Pela corrente federalista, defendia-se a criação de uma Federação européia
dotada de competências políticas, econômicas e sociais a partir da transferência de
parte das soberanias nacionais pelos Estados participantes. Ao passo que pela
corrente unionista defendia-se a criação de uma União Européia a partir de uma
estrutura intergovernamental com a criação de instancias de coordenação das
políticas nacionais, sem que os Estados membros abrissem mão de parte de sua
soberania.
Como uma “solução” para as divergências apresentadas pelas correntes
federalista e unionista foi concebido em 5 de maio de 1949 o Conselho da Europa,
cujo objetivo era promover a proteção aos direitos humanos a partir da cooperação
internacional entre os Estados europeus, de modo a buscar de uma união mais
estreita entre estes.
12
Segundo Borchardt:
Os Estatutos do Conselho da Europa não fazem qualquer referência à
criação de uma federação ou união, nem prevêem qualquer transferência ou
exercício em comum de partes da soberania nacional. Todas as decisões
sobre questões importantes são tomadas por unanimidade. (BORCHARDT,
Klaus-Dieter, 2000, p. 7).
Assim, o Conselho da Europa foi capaz de canalizar a cooperação entre os
Estados europeus para a realização de convênios internacionais em matérias
jurídicas, econômicas e sociais, bem como para criar um sistema de garantia de
valores políticos fundamentais a partir da celebração do Convenio Europeu de
Direitos Humanos de 1950.
Com o impulso dado pelo Conselho da Europa para o processo de integração
dos Estados europeus, o então ministro de relações exteriores francês R. Schuman
apresenta em 9 de maio de 1950 uma declaração preparada pelo primeiro ministro
francês Jean Monnet, a qual arquitetava um projeto de integração européia chamado
funcionalismo europeu.
Esse projeto se inscrevia dentro das correntes federalista e unionista e trazia
um plano para o processo de construção de uma “união européia”, partindo do
rompimento da rivalidade franco-alemã1 através de uma união da produção de
carvão e aço desses Estados sob uma autoridade comum.
Dessa idéia foram realizadas negociações que culminam com a assinatura
em Paris no dia18 de abril de1951, do Tratado Constitutivo da Comunidade Européia
do Carvão e do Aço (CECA), o qual abriu as portas á uma integração comunitária
entre França e Alemanha juntamente com a Itália, a Bélgica, os Paises Baixos e
Luxemburgo.
Posteriormente, os ministros de relações exteriores dos seis Estados que
formavam a CECA, com o intuito de estenderem sua integração ao setor da energia
nuclear e ao estabelecimento de uma união econômica, assinaram em Roma em
1957 o Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia (CEE) e o Tratado
1
Segundo Patrício (2006), no período entre 1850 a 1945 as relações em torno do eixo franco-alemão
foram marcadas por rivalidades que se concentram na questão siderúrgica e na pujança econômico da região do
Ruhr, Alsácia Lorena e Sarre. Rivalidades essas que alimentavam o medo europeu de um novo conflito após a
segunda guerra mundial envolvendo os dois países.
A solução vista por Jean Monet como caminho para a pacificação foi criar uma integração entre França
e Alemanha, fazendo com que o carvão e o aço, umas das principais matérias primas para a expansão bélica,
fossem colocadas sob um controle comum. Por conseguinte, o Tratado de Paris assinado em 1951 além de
constituir a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, deu inicio a construção União Européia.
13
de Constituição da Comunidade Européia de energia Atômica (CEEA ou
EURATOM), cujo objetivo era estabelecer um mercado comum e desenvolver a
indústria nuclear de fins pacíficos.
Em 1977 a CEE ganha novos adeptos, como Grã-Bretanha, Irlanda,
Dinamarca, Portugal e Espanha. Nove anos depois o Ato Único Europeu revisa os
Tratados então vigentes e aborda questões de integração política. Até que em 1992
foi assinado em Maastrichit o Tratado Constitutivo da União Européia (TUE),
criando-se uma União Econômica e Monetária baseada em um pilar comunitário ou
supranacional, constituído pelos Tratados da CEE e CECA, e em dois pilares de
cooperação constituídos pela Política Exterior de Segurança Comum e Política
Policial e Judicial em matéria penal.
No entanto, durante o processo de criação da União Européia, foram
acusadas várias falhas em sua estrutura, tanto pelo crescimento das competências
comunitárias em detrimento das competências das esferas locais de poder, como
pelo déficit democrático incompatível com as exigências de uma União, a qual se
inspira em “valores fundamentais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da
pessoa humana, bem como a liberdade, democracia, a igualdade e o Estado de
direito.” (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia alterado pelo Tratado de
Lisboa, 2007).
Por esse motivo, a construção de uma união que viabilize o exercício da
cidadania pelos cidadãos europeus, bem como que possa funcionar em harmonia
com os interesses pluralistas dos Estados-membros, passou a ser uma preocupação
constante no processo de integração europeu.
Nesse contexto, para diminuir seu déficit democrático, a União Européia tem
empenhado esforços para realizar alterações que a permita aproximar em maior
grau as suas instituições dos seus cidadãos. Uma dessas alterações foi a introdução
no artigo 3°-B do TUE do princípio da subsidiarieda de como clausula geral, com o
fim de articular a atuação da União Européia e a satisfação dos interesses dos
Estados-membros consubstanciados na vontade dos seus cidadãos.
Outra tentativa de buscar avanços democráticos foi a aprovação do Tratado
Constitucional em 2004, o qual aproximava mais do cidadãos o sistema de tomada
de decisões. No entanto, o tratado não chegou a entrar em vigor, uma vez os
referendos realizados na França e nos Países Baixos no ano de 2005 demonstraram
uma resistência a ratificação da chamada Constituição da União Européia.
14
Aproveitando-se das negociações que levaram a cabo a aprovação do
Tratado Constitucional de 2004, o Conselho Europeu convocou uma Conferência
Intergovernamental para a redação de um novo Tratado de reforma.
Com o objetivo de reforçar a democracia na União Européia, de tornar suas
instituições mais transparentes e eficazes, em 13 de dezembro de 2007 foi aprovado
o Tratado de Lisboa, o qual foi ratificado em 03 de novembro de 2009, entrando em
vigor em 01 de dezembro do mesmo ano, o qual será abordado mais adiante no que
diz respeito as modificações realizadas no controle do princípio da subsidiariedade.
15
3 ASPECTOS GERAIS DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
3.1 Definição
Etimologicamente, o termo subsidiariedade tem origem no vocábulo latino
subsidium, que significa ajuda, reforço, estímulo, encorajamento, que, segundo
Fausto de Quadros (1995), se traduz numa idéia permeada pelo dever da
sociedade/comunidade
“superior”
ou
“maior”
em
apoiar
e
estimular
as
sociedades/comunidade “inferiores” ou “menores” para a realização de uma
atividade que essas reputem necessária. Isso, com o fim de ajudar as sociedades
“inferiores” a alcançarem os seus objetivos com maior eficácia, sejam esses
objetivos políticos, sociais ou econômicos.
Mas antes de passar para a análise do termo subsidiariedade se faz
necessário ressaltar que por sociedade/comunidade “superior” ou “maior” entendese o conjunto formado pelas chamadas sociedades/comunidades “inferiores” ou
“menores”. As quais podem ser ilustradas na estrutura federativa brasileira,
respectivamente, pela figura da República Federativa do Brasil que, nos termos do
artigo 1º da Constituição Federal de 1988, é formada pela união indissolúvel das
comunidades “menores”, quais sejam, os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal.
Já no Direito Internacional, a sociedade “superior” ou “maior” consubstanciase em uma Organização Internacional, como a União Européia, constituída por um
conjunto de sociedades “inferiores” ou “menores” de 27 Estados-membros europeus
que se integram com fins econômicos, políticos e sociais.
Feitos esses esclarecimentos, Lázaro (2001), partindo da raiz etimológica do
princípio, aponta que o termo subsidiariedade dá lugar a três idéias diferentes
chamas pela autora de algo secundário, supletivo e complementário.
Pela idéia de secundário, faz-se referência a algo acidental em respeito a algo
principal. Já pela idéia de supletivo e complementário advém a interpretação de que
existem dois níveis hierarquicamente distintos de repartição de tarefas, cujo
“superior” tem papel de suplementar ou complementar as tarefas que não podem ser
realizadas pelo “inferior” suficientemente, de forma que:
16
[…] como ayuda, la subsidiariedad constituye un mecanismo de
reforzamiento de la comunidad inferior. La instancia superior viene a
complementar y apoyar una acción, restaurar la capacidad de un grupo
social no suficientemente capaz por si sólo de ejercer con eficacia sus
competencias. (LÁZARO, 2001, p. 35)
Nesse sentido acrescenta Baracho (1997):
A complementaridade e a suplementariedade não são sempre dissociáveis.
A suplementariedade é o que se acrescenta, entende-se que ela representa
a questão subsidiária, destinada suplementariamente a desempatar os
concorrentes. [...]. A subsidiariedade, implica, nesse aspecto, em conservar
a repartição entre duas categorias de atribuições, meios, órgãos que se
distinguem uns dos outros por suas relações entre si.(BARACHO, 1997, p.
24)
Assim, o princípio da subsidiariedade é empregado quando há uma
repartição de competências e/ou atribuições entre distintos níveis de poder, de modo
que, como explica Quadros (1995):
Parece não ser possível negar-se, atendendo ás próprias raízes do seu
conceito na História, que o principio da subsidiariedade vem a levar a cabo
uma repartição de atribuições entre a comunidade maior e a comunidade
menor, em termos tais que o principal elemento componente do seu
conceito consiste na descentralização, na comunidade menor, ou nas
comunidades
menores,
das
funções
da
comunidade
maior.
(QUADROS,1995, p. 17)
Convém ressaltar que o princípio da subsidiariedade é ambivalente, pois pode
ser lido tanto sob o aspecto positivo, quanto sob o aspecto negativo, de modo que
pode ser utilizado tanto para justificar, quanto para limitar a ação da sociedade
“superior”.
Sob o aspecto negativo, explica Lázaro (2001) que o princípio se apresenta
como uma garantia à autonomia dos membros da sociedade “inferior”, de forma a
limitar a intervenção do poder político “superior” no âmbito das competências
próprias das esferas locais de poder.
Para tanto, antes que haja uma intervenção, tanto no âmbito legislativo,
quanto no âmbito executivo local, deve-se verificar as necessidades da sociedade
como um todo, ordenar os fins parciais e os fins totais a serem atingidos respeitando
as proporções entre estes e atuar nas insuficiências das sociedades inferiores, seja
na tomada de uma decisão, seja na execução ou concretização dessa decisão, na
medida do que seja necessário para atingir os objetivos locais.
17
Como explica Baracho (1997), o princípio da subsidiariedade em seu sentido
negativo deve ser interpretado como inerente à preservação das individualidades
das sociedades que estão em nível hierárquico inferior, de forma que:
[...] a definição de subsidiariedade, nas diversas formas de atividades
sociais, não pode ter como meta destruir ou absorver os membros do corpo
político, mas desenvolvê-los e propiciar que possam agir em clima de
liberdade criativa. (BARACHO, 1997, p. 46)
No que diz respeito ao aspecto positivo do princípio, sempre que a autoridade
“superior” for mais eficaz para alcançar um determinado objetivo, sua intervenção
tanto na tomada de decisões para atingir este fim, quanto para concretizá-lo, estará
justificada.
No entanto, deve-se ter cuidado para que o aspecto positivo não deforme o
princípio da subsidiariedade no sentido de retirar a autonomia das sociedades
“inferiores”, motivo pelo qual deve ser aplicado respeitando o equilíbrio entre as
necessidades locais e a intromissão da sociedade “superior” somente naquilo que for
preciso para a realização dos objetivos locais, conforme as circunstancias
apresentadas no caso concreto.
Segundo Lázaro (2001):
Se trata, por tanto, de un principio flexible que puede ser interpretado de
dos formas opuestas entre sí, pero que, en todo caso, busca un equilibrio
entre injerencia y no-injerencia, autoridad y libertad atendiendo a las
circunstancias concretas. (LÁZARO, 2001, p.44)
Dessa
forma,
a
autora
acima
mencionada
define
o
principio
da
subsidiariedade como:
[...] una regla de buen sentido que obliga a la instancia más extensa a no
suplir la otra de menor àmbito hasta que no se demuestre la incapacidad de
esa última para llevar a cabo una determinada acción u obtener el efecto
pretendido, pero que también obliga a actuar a la primera cuando se
constate esa incapacidad. (LÁZARO, 2001, p.33)
Em atenção à preservação da autonomia das sociedades “inferiores”,
Quadros (1995) assim explica:
Daqui resulta que a comunidade maior só poderá realizar uma dada
actividade das atribuições da comunidade menor se esta, havendo a
18
necessidade de a realizar, não for capaz de a realizar “melhor”. (QUADROS,
1995, p.17/18)
Assim, a partir dos conceitos e esclarecimentos aqui apresentados, pode-se
definir o princípio da subsidiariedade como um mecanismo aplicado à repartição de
competências de modo a disciplinar a intervenção da “sociedade superior” nos
âmbitos legislativo e executivo locais, mas somente naquilo que a “sociedade
inferior” se manter inerte ou não puder realizar de forma suficiente ou eficaz para
alcançar os objetivos comuns dos indivíduos. Tendo em vista que se prima pela
atuação das esferas de poder locais na medida em que estas, por estarem mais
próximas aos indivíduos que as constitui, têm maior capacidade de harmonizar os
interesses conflitantes na busca da realização de seus fins.
3.2 Evolução histórica do Princípio da Subsidiariedade
A formulação da idéia de subsidiariedade acompanha a evolução da ciência
política, tanto que, para alguns autores como Quadros (1995), encontra seus
primeiros traços no pensamento de Aristóteles, que em sua obra “A Política”
descreve uma sociedade composta por grupos sociais superpostos em que cada um
exerce uma tarefa específica, seja de artesãos, governantes ou comerciantes,
atendendo, na medida do possível, suas próprias necessidades. Mas, esses grupos
sociais são, isoladamente, incapazes de suprir todas as suas necessidades, motivo
pelo qual precisam da pólis, ou Estado-cidade, para suprir suas insuficiências e
permitir a realização dos seus fins. Entretanto, o poder da pólis deve ser limitado de
tal forma que não permita anular a capacidade de atuação dos grupos sociais nos
âmbitos em que é suficiente.
Apesar do filósofo grego ser visto por alguns autores como o precursor da
idéia do princípio da subsidiariedade, deve-se ressaltar que a sociedade pensada
por Aristóteles não comporta o conceito do principio em tela. Afinal, segundo Arruda
Aranha e Pires Martins (2003), o mencionado filosofo defende a existência de uma
sociedade estratificada, na qual são cidadãos apenas os homens livres, nascidos na
polis, excluindo, dessa forma, as mulheres, os escravos e estrangeiros, sendo que
19
dos homens livres considerados cidadãos, somente os que gozavam de ócio para
participar da vida pública poderiam integrar a administração, a justiça ou a
assembléia governante, uma vez que o trabalho manual “embrutece a alma e torna o
indivíduo incapaz da prática de uma virtude esclarecida.” (ARANHA; ALVIN, 2003, p.
224), de modo que não será capaz de agir visando o bem comum.
Tendo em vista que o princípio da subsidiariedade tem como finalidade
permitir o acesso mais amplo dos cidadãos no processo de tomada de decisões, o
mesmo não se enquadra num conceito de sociedade excludente e estratificada que
admite, inclusive, a existência de escravidão, em que o chamado “bem comum” é
definido por um grupo restrito de cidadãos, se afastando das demais pessoas que a
compõe.
Dessa forma, os objetivos da sociedade acabariam por expressar os objetivos
dos grupos de governantes, não cabendo, portanto, na concepção de polis
aristotélica a idéia de subsidiariedade.
Seguindo a ordem cronológica, vários autores apontam traços da construção
da noção de subsidiariedade em Santo Tomás de Aquino, o qual ao utilizou o
pensamento aristotélico para justificação do cristianismo. Assim, como explica
Baracho (1997), a compreensão aristotélica de cidadão é substituída por Tomás de
Aquino pela entidade cristã “pessoa”, de modo que cada pessoa é responsável pelo
seu destino, mas é incapaz de realizar a sua felicidade, fazendo-se necessário o
poder político como simples meio a serviço da sociedade.
Mas, segundo Lázaro (2001), é Althusius2 o pai da subsidiariedade, pois é o
primeiro autor federalista e o primeiro que descreve uma sociedade subsidiária, a
qual é construída por contratos políticos, em que os grupos sociais menores se
2
Considerado um dos precursores do federalismo, Althusius foi um jurista alemão
reconhecido pela sua principal obra Politica Methodicae Digesta, atque Exemplis Sacris et Profanis
Illustrata cuja primeira edição foi publicada em 1903.
Em sua obra, o jurista cria um modelo federalista de organização da sociedade chamado
“associação simbiótica” no qual descreve uma sociedade formada por pessoas que vivem juntas e
unidas por um contrato de união institucionalizado. Nessa sociedade. a vida em conjunto possui uma
harmonia, chamada por Althusisus de “simbiose”, na qual as pessoas se unem para satisfazer seus
interesses comuns, de modo que a soberania é exercida por todos os seus membros em conjunto.
Friedrich e Carney (1964) na tradução resumida da terceira edição da obra Politica Methodice
Digesta, explicam que na teoria da “associação simbiotica” cada nivel de sociedade é precedida por
outra maior que a abarca. No entanto, cada sociedade “menor” preserva sua autônomia, de modo
que a sociedade “maior” contribuirá com a sociedade “menor” naquilo que esta não puder realizar
sozinha em função de seu pequeno tamanho. Pensamento este que se traduz na idéia de
subsidiariedade.
20
integram com outros grupos que cedem parte de suas liberdades para a formação
de um grupo maior, sem, contudo, abrir mão se sua autonomia.
Por conseguinte, a teoria althusiana influenciou nos séculos XVII e XVIII
autores como Thomas Hobbes e John Locke, os quais entendiam que a sociedade
necessitava de uma autoridade porque os homens não conseguiam por si mesmos
conservar a sua autonomia, de modo que o Estado, de forma suplementar, atenderia
a essa carência.
Mais à frente no século XIX, surge a corrente liberal constituída por teóricos
como Tocqueville e Hegel, a qual defende a não intervenção do Estado nas
sociedades locais, de modo que a atuação do Estado se restringiria à realização dos
direitos próprios dos indivíduos de forma subsidiária. Afinal, a sociedade liberal do
século XIX tem como objetivo o indivíduo. Nesse sentido, Jonh Stuart Mill diz que o
governo, como se infere do princípio da subsidiariedade, deve interferir somente nas
tarefas que o indivíduo não é capaz de realizar.
Por sua vez, Proudhon e Taine recuperam a importância dos grupos sociais e
perpetuam a idéia de atuação subsidiária do Estado, ainda que num sentido mais
amplo que o pensado pela corrente liberal, afinal trata-se não só de realizar os fins
individuais, mas os da sociedade.
Ao final do século XIX e início do século XX, o princípio da subsidiariedade
também é trabalhado na Doutrina Social da Igreja Católica, que, para Quadros
(1995), foi a primeira construção dogmática da idéia da subsidiariedade como
princípio da Filosofia Social, de modo que o número 79 da Encíclica de Pio XI do
Quadragésimo Anno consta ser injusto confiar à comunidade maior o que as
comunidades menores podem realizar, pois “o fim natural da sociedade e da sua
ação é coadjuvar os seus membros e não destruí-los ou absorvê-los” (Encíclica do
Quadragésimo Anno, apud, QUADROS, 1995, p. 14).
Nesse aspecto Lázaro (2001) complementa ao dizer que a encíclica citada
traz apenas o aspecto negativo da subsidiariedade, devendo ser lida em conjunto
com a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, a qual, embora não mencione
expressamente o princípio da subsidiariedade, trata da possibilidade da intervenção
dos poderes públicos onde sejam necessários num sentido positivo do princípio.
A
partir
dos
ensinamentos
dos
textos
pontifícios,
o
princípio
da
subsidiariedade passa a ser utilizado como instrumento pelos governantes na
21
medida em que é vinculado à organização da sociedade, permitindo, dessa forma, a
atuação do Estado para efetivação das necessidades das sociedades.
Já na corrente corporativista de R. de La Tour du Pin, que depois inspirou
regimes ditatoriais como o de Salazar, o princípio da subsidiariedade serve as
corporações nas instancias intermediárias que configuram a relação entre as
mesmas e com os indivíduos procurando transformar a concepção do princípio em
sistema de representação do indivíduo e das associações que estes integram. No
entanto, tal teoria é utilizada para justificar regimes totalitários que afirmam, como
pontua Baracho (1997), que o indivíduo nada pode ser sem as corporações, as
quais representam o interesse do Estado que aparece em cena como o detentor de
autoridade.
Entretanto, o princípio da subsidiariedade foi desvirtuado para explicar o
intervencionismo do Estado em detrimento dos indivíduos, maquiando a atuação
subsidiária do Estado frente às corporações, as quais nada mais são que agentes
ligadas á manutenção dos interesses de um poder político totalitarista.
Atualmente, nas sociedades constituídas sob a ordem democrática, o
princípio se manifesta em regimes federalistas de organização do Estado, na medida
em que as autoridades locais possuem autonomia de atuação na consecução do
interesse local, contribuindo, por conseguinte, para realização do interesse geral, de
modo que cabe ao ente federativo superior intervir quando tais interesses não
possam ser realizados pelos entes federativos inferiores.
Ademais, se manifesta nos movimentos de integração de Estados. No que
tange a União Européia, a idéia de não sacrificar a individualidade dos Estados
frente à integração aparece no discurso de Jean Monet citado por Quadros
(QUADROS, 1995, p. 24) ao defender que “a Europa não se fará sem os Estados e
muito menos contra os Estados”.
Para Quadros (1995), a primeira tentativa de introduzir o princípio no Direito
Comunitário concretiza-se nos artigos12° e 16° do Relatório Tindemans, no Projeto
de Tratado da União Européia cujo preâmbulo dispunha que os Estados membros
decidiam “confiar a órgãos comuns, de harmonia com o princípio da subsidiariedade,
só os poderes necessários ao bom desempenho das tarefas que eles podem realizar
de forma mais satisfatória do que os Estados considerados isoladamente”
(QUADROS, 1995, p.28).
22
Após, o princípio foi integrado no artigo 130°- R, n° 4, do Tratado da CEE pelo
artigo 25° do Ato Único Europeu, até que o Tratado da União Européia, que institui a
Comunidade Européia, inclui no seu artigo 3° - B, § 2° uma cláusula geral sobre o
princípio da subsidiariedade com o objetivo de que as decisões comunitárias fossem
tomadas ao nível mais próximo dos cidadãos.
Portanto, “às federações e à sociedade internacional, aplica-se o princípio de
subsidiariedade, objetivando a integração, sem reduzir as potencialidades dos entes
circunjacentes.” (Baracho, 1997, p. 34).
23
4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO
EUROPÉIA
Embora o princípio da subsidiariedade tenha sido abordado durante a
construção da União Européia, seja de forma implícita ou explícita, o mesmo só foi
abrangido pelo Direito Comunitário a partir de sua inclusão como norma geral no
Tratado da União Européia aprovado pelo Conselho Europeu de Maastrichit de 9 e
10 de dezembro de 1991, entrando em vigor em fevereiro de 1992.
O princípio da subsidiariedade é mencionado já no preâmbulo do Tratado da
União Européia, o qual dispõe:
Resolvidos a continuar o processo de criação de uma união cada vez mais
estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao
nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da
subsidiariedade. (QUADROS, 1995, p. 35)
Mas foi o artigo 3°-B, § 2° do mencionado Tratado, incluído no artigo 5° do
Tratado da Comunidade Européia pelo Tratado de Amsterdã de 1997, que se
consagrou o princípio da subsidiariedade como norma de obrigatória observância e
cumprimento geral, cujo texto normativo preceitua:
A Comunidade actuará nos limites das atribuições que lhes são conferidas e
dos objectivos que lhe são cometidos pelo presente Tratado.
Nos domínios que não seja das suas atribuições exclusivas, a Comunidade
intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na
medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser
suficientemente realizados pelos Estados-membros, e possam pois, devido
à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao
nível comunitário.
A acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os
objetivos do presente Tratado. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União
Européia modificado pelo Tratado de Amsterdã, 1997).
Assim, para estudar a aplicação do princípio da subsidiariedade, como
disposto no artigo 3°-B, § 2°, cabe dividi-lo quant o ao domínio e aos requisitos de
sua aplicação.
4.1 Domínio de aplicação do princípio da subsidiariedade
24
O artigo3°-B, §2° divide-se em dois elementos. O pr imeiro elemento diz
respeito ao fragmento “Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas
(...)”, pelo qual se faz necessário esclarecer o que se entende por competências
exclusivas e não exclusivas da Comunidade.
Nesse aspecto cabe ressalvar que, como explica Mangas (2005), ao aderir a
União Européia, cada Estado membro passa a se integrar ao Direito Comunitário de
modo que seu ordenamento jurídico interno deva se relacionar com aquele. Para
tanto, os Estados membros aceitam as normas comunitárias e assumem a obrigação
de dar plena efetividade as mesmas, de forma que “flexibilizam” a sua soberania em
função
da
supranacionalidade
da
Comunidade
Européia
ao
atribuir-lhe
competências para que esta possa realizar seus objetivos comuns. Objetivos esses
que se sintetizam na promoção do progresso econômico, social e político de seus
povos respeitando os direitos da pessoa humana, bem como a liberdade, a
democracia, a igualdade, o Estado de direito, os direitos sociais, visando o
aprofundamento da solidariedade entre os povos, respeitando suas especificidades
histórico-culturais.
No entanto, o que se atribui às Instituições Comunitárias não são as
competências nacionais propriamente ditas, mas o exercício das mesmas em
matéria legislativa, executiva, judicial e regional.
Dessa forma, o exercício de competência atribuído à Comunidade tem
finalidade, procedimento e efeito distinto, uma vez que não se tratam de
competências nacionais, pois essas não se perdem, de modo que podem voltar para
os Estados membros. Tampouco se esgotam com a adesão à União Européia, tendo
em vista que podem ocorrer posteriores reformas aos Tratados.
Portanto, quando se falar em atribuição de competências pelos Estados
membros à Comunidade, deve-se ler atribuição do exercício de competências.
Voltando à repartição de competências, pelo princípio de atribuição de
competências consagrado no artigo 5° in fine do Tratado da Comunidade Européia
(TCE), a Comunidade deverá atuar dentro dos limites das competências e objetivos
dispostos nos Tratados.
Dessa forma, Lázaro (2001) esclarece que no âmbito da União Européia
segue-se o método funcionalista, o qual se caracteriza pela atribuição de
competências pelos Estados membros à Comunidade por meio dos Tratados para a
25
consecução dos objetivos previstos nestes, de modo que as competências não
atribuídas seguem dentro da esfera nacional.
Assim, os Tratados não tratam de matérias de competência da União
Européia, uma vez que impõe os objetivos a alcançar, as ações a realizar e as
funções a serem cumpridas, o que não permite distinguir claramente quais
competências seriam comunitárias e quais seriam nacionais.
Nesse sentido, Del Pozo complementa:
[...] la técnica empleada por los Tratados obedece a consideraciones
funcionales o teleológicas y no a criterios materiales. La competencia no se
cede a una Comisión en cierta materia, sino que se residencia en sede
comunitaria para desempeñar una función o conseguir un fin. (DEL POZO
apud LÁZARO, 2001, p. 123).
Destarte, tem-se que o princípio da subsidiariedade deve ser aplicado nas
atribuições que não são de competência exclusiva da Comunidade, sendo que a
distribuição de competências se dá pelo método funcionalista nos moldes traçados
pelos Tratados. Assim, cabe abordar a definição das competências exclusivas e não
exclusivas da Comunidade.
No que tange às competências exclusivas da Comunidade, explica Lázaro
(2001) que no ordenamento jurídico comunitário não há uma lista enumerativa de
tais competências, tampouco há um critério claro que permita delimitá-las. Isso
ocorre por uma opção dos fundadores da Comunidade, os quais preferiram não
estabelecer limites bem definidos, com o objetivo de permitir uma progressiva
expansão no campo de atuação comunitária. Noutras palavras:
La idea de establecer una lista de competencias de la Comunidad fue
descartada durante la negociación del Tratado de Maastrichit. La mayoría
de los Estados miembros había subrayado la dificultad de este ejercicio y la
necesidad de conservar un sistema evolutivo. (…)
A pesar de que la existencia de una lista enumerativa de las competencias
comunitarias y de las competencias estatales permitiría determinar sin
dificultad el ámbito de aplicación del principio de subsidiariedad, también
acabaría con el potencial expansivo del sistema europeo, congelando las
competencias pertenecientes a cada nivel y obligando a revisar los Tratados
cada vez que las circunstancias socio-económicas lo requieran. Además, es
difícil que se puedan separar de forma radical los distintos dominios de
competencia con vistas a asegurar el objetivo primordial de la Comunidad
que es la realización de un mercado interior. (LÁZARO,2001, p. 128/129)
Segundo Lázaro (2001), as competências exclusivas da Comunidade
estariam definidas nas áreas que os Tratados dispusessem sobre a transferência de
26
competências à Comunidade de modo que excluísse a atuação unilateral de
qualquer dos Estados membros, mesmo quando a Comunidade não a exercitasse
efetivamente. Nesse caso, qualquer atuação dos Estados membros seria vista como
contrária aos objetivos do Tratado, salvo quando, mediante autorização das
instituições comunitárias, seja permitido aos Estados atuarem de forma delegada em
determinados aspectos da competência exclusiva da Comunidade.
Desse modo, o princípio da subsidiariedade exclui em sua aplicação a
competência exclusiva da Comunidade, uma vez que se trata de competência
própria que afasta a competência dos Estados membros.
Quanto à competência dos Estados membros, entende-se pelo principio da
atribuição de competências consagrado no artigo 5°, § 1° do TCE, que todas as
competências não atribuídas à Comunidade, seja nos Tratados, seja implicitamente
pelo exercício das mesmas, permanecem na esfera de atuação nacional. Afinal, a
competência estatal é a regra, enquanto a comunitária é exceção.
Nesse sentido, Quadros (1995) entende que como o artigo 3-B, §2° não fala
em atribuições exclusivas dos Estados,“deve-se entender que todas as atribuições
não sejam exclusivas da Comunidade são concorrentes entre ela e os Estados e
que, em relação a elas, é dada a prioridade a actuação dos Estados” (QUADROS,
1995, p.38), sendo que as atribuições concorrentes serão exercidas “ou pelos
Estados ou pela Comunidade, mas só poderão ser prosseguidos por esta se os
Estados não forem capazes de exercê-la em determinadas condições”, assim “as
atribuições em causa não podem ser exercidas simultânea e conjuntamente pelos
Estados e pela Comunidade” (QUADROS, 1995, p. 39).
Dessa forma, o autor esclarece que não há atribuições partilhadas, pois não
são distribuídas simultaneamente entre a Comunidade e os Estados membros, isso
porque não há o exercício conjunto e simultâneo daquelas por estes.
Por sua vez Lázaro (2001), ao contrário de Quadros, entende que a atuação
prioritária é da Comunidade em caso de competência concorrente. Nesse sentido
explica a autora:
A pesar de la idea equivocada que puede resultar del vocablo
<<concurrentes>>, no se trata de dominios competenciales donde tanto la
Comunidad como los Estados miembros pueden intervenir indistintamente.
En realidad, aquí la intervención comunitaria está privilegiada Como ya
hemos puesto de manifiesto anteriormente, existe más bien una
competencia potencial o virtualmente exclusiva de la Comunidad, es decir,
en tanto en cuanto la Comunidad no interviene en un determinado dominio,
27
que no esté previsto en los Tratados como de su competencia exclusiva, los
Estados están habilitados para actuar. Una vez que la Comunidad
interviene, la acción de los Estados queda excluida. (LÁZARO, 2001, p. 139)
Nesse aspecto a autora se contradiz, afinal a própria entende que a atuação
Comunitária é exceção enquanto a atuação dos Estados é regra, uma vez que,
como disposto no preâmbulo do TUE, a União Européia prima pela tomada de
decisões o mais próxima dos cidadãos quanto possível, pois há uma preocupação
com a participação democrática na construção do processo de integração.
Portanto, quando a competência não for exclusiva da Comunidade aplica-se o
princípio da subsidiariedade reservando aos Estados a atuação prioritária.
4.2 Requisitos de aplicação do princípio da subsidiariedade
O segundo elemento a ser analisado, diz respeito ao trecho do artigo 3°-B,
§2° do Tratado da União Européia, pelo qual “[...] a Comunidade intervém apenas,
de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos
da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados
membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da ação prevista, ser
melhor alcançados à nível comunitário.” (União Européia, 1991)
Conforme Quadros (1995), esse fragmento exprime a idéia nuclear do
princípio da subsidiariedade de que a comunidade maior só deve intervir quando
puder atuar de melhor forma do que a comunidade menor, de modo que “a
necessidade da prossecução daquela atividade e a maior eficácia da comunidade
maior nessa prossecução são o dois requisitos da concretização e da aplicação do
princípio da subsidiariedade” (QUADROS, 1995, p. 18).
No entanto, há uma elevada subjetividade ao definir o que seria “maior
eficácia”, ou “suficiência” nos termos mencionados, motivo pelo qual é imprescindível
definir critérios para que Comunidade demonstre que sua atuação é necessária, que
a atuação dos Estados não é suficiente e que os objetivos do Tratado podem ser
melhor alcançados por ela.
Com a finalidade de definir os critérios de aplicação do princípio e assegurar o
seu cumprimento por parte das Instituições Comunitárias, foi incluído no texto do
28
Tratado aprovado em Amsterdã em 1997 o Protocolo número 30 relativo à aplicação
dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
Assim, em seu apartado 3 e 4, o protocolo aborda que o princípio da
subsidiariedade ao ser aplicado, tanto negativamente, quanto positivamente, deve
observar os objetivos enunciados no Tratado. Para tanto, qualquer proposta de texto
legislativo comunitário deverá conter em seus motivos que obedece ao princípio da
subsidiariedade e justificar as razões pelas quais se conclui que um determinado
objetivo será mais bem alcançado a nível comunitário.
Noutro giro, o artigo 3-B, §2° do Tratado União Eur opéia diz que se aplica o
princípio da subsidiariedade quando os objetivos do Tratado podem ser melhor
alcançados à nível comunitário “devido à dimensão ou aos efeitos da ação prevista”.
Nesse sentido, explica Lázaro (2001):
[...] si la medida se adopta por los Estados individualmente, se servirán para
ello de sus propios procedimientos y afectará únicamente a sus ciudadanos;
si , por el contrario, es la Comunidad quien toma la decisión, lo hará en
conformidad con el correspondiente procedimiento previsto en los Tratados
y se aplicará al conjunto de los ciudadanos europeos. (LÁZARO, 2001, p.
144)
Por conseguinte, questiona a autora se a comunidade poderá intervir
somente se o objetivo não puder ser realizado pelos Estados membros
separadamente ou quando este não possa ser alcançado nem separadamente, nem
em cooperação.
Em resposta, a autora se baseia em alguns trabalhos do Conselho Europeu
que legitimavam a intervenção da comunidade quando os Estados membros,
atuando em separado, não podiam atender a um objetivo do Tratado. No entanto, se
a Comunidade intervém, numa ação realizada à nível nacional de forma insuficiente
por um ou alguns Estados, sua decisão geral afetaria também aos Estados membros
que fossem capazes de atingir os objetivos do Tratado por si mesmos. Assim, a
Comunidade estaria invadindo a atuação estatal suficientemente realizada
infringindo, por conseguinte, o objetivo do Tratado de que as decisões comunitárias
sejam tomadas a um nível tão próximo quanto possível dos cidadãos.
Por esse motivo, entende Quadros (1995) que [“...] em princípio, a
Comunidade só deve intervir, em detrimento dos Estados, quando a acção prevista
tenha dimensão e produza efeitos numa escala tendencialmente comunitária.”
(QUADROS, 1995, p.46), ou seja:
29
Isto significa que, uma vez comprovada a insuficiência de alguns Estados
para realizarem a acção proposta, perante a suficiência da maior parte deles
para o efeito, a Comunidade deve começar por encorajar e ajudar os
primeiros, de modo que eles adquiram a suficiência necessária para o
prosseguimento, por eles próprios da acção pretendida. Só no caso de
persistir, num segundo momento, a insuficiência daqueles Estados, e se a
sua participação na acção pretendida for indispensável à sua concretização,
é que se justificará que a Comunidade substitua aos Estados através da via
da subsidiariedade. (QUADROS, 1995, p.47)
Logo, deve-se atender a especificidade de cada caso concreto para definir
quando a dimensão e os efeitos da ação em questão justificam a aplicação do
princípio da subsidiariedade e, consequentemente, a atuação da Comunidade.
Destarte, a aplicação do princípio da subsidiariedade envolve a interpretação
subjetiva de seus requisitos conforme o caso concreto, motivo pelo qual a sua
aplicação deve estar sujeita a controle em respeito ao seu fim democrático, para,
então, fiscalizar que o mesmo não se torne meio para sacrificar a autonomia dos
Estados membros.
30
5 O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA SUBSIDIARIEDADE ANTES
DO TRATADO DE LISBOA
Como visto anteriormente, ao se aplicar o Princípio da Subsidiariedade, devese ter cautela em definir se os objetivos dos Tratados Constitutivos da União
Européia podem ser realizados de melhor modo ou com maior suficiência pela
Comunidade, afinal tal definição comporta elevada subjetividade, o que poderia
justificar uma atuação discricionária de suas instituições.
Para limitar uma possível atuação discricionária da Comunidade, é
imprescindível que haja um controle da aplicação do princípio da subsidiariedade.
No entanto, o Tratado da União Européia, mesmo após as modificações trazidas
pelos Tratados da Comunidade Européia, Amsterdã e Nice, não estabelece um
órgão incumbido da correta aplicação do Princípio da Subsidiariedade, nem mesmo
um procedimento específico de controle, de modo que o controle da aplicação do
princípio da subsidiariedade é relegado às instituições comunitárias.
Assim, em um primeiro momento se faz um controle político realizado pela
Comissão, Conselho da União Européia e Parlamento Europeu, quando da tomada
de decisões e elaboração de normas. Para, então, proceder-se a um controle de
caráter jurídico pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, o qual, mediante
provocação, será incumbido de verificar se houve correto cumprimento da aplicação
do Princípio da Subsidiariedade.
5.1 Controle político da aplicação do Princípio da Subsidiariedade
O controle político do princípio da subsidiariedade também pode ser chamado
de controle a priori, uma vez que é realizado em um primeiro momento por três
instituições comunitárias: a Comissão, o Conselho e o Parlamento. Afinal, são essas
as instituições encarregadas da elaboração de normas no contexto legislativo da
União Européia, de forma que lhes incumbe a verificação da aplicação do princípio
em tela no exercício de suas atribuições.
31
Mas, antes de falar do controle político propriamente dito, é necessário
abordar rapidamente como essas instituições participam no processo legislativo
comunitário.
A Comissão atua no processo legislativo da União Européia como força
impulsora, uma vez que é encarregada da iniciativa legislativa comunitária, pois cabe
a ela realizar a proposta de lei ao Parlamento e ao Conselho da União Européia. Por
sua vez, o Parlamento irá proceder com o controle democrático das propostas
realizadas pela Comissão. Por fim, cabe ao Conselho da União Européia a
responsabilidade de aprovar as normas comunitárias, sendo que, em algumas
matérias, o Parlamento comparte dessa competência legislativa.
Dessa forma, a Comissão tem a iniciativa de propor a legislação comunitária,
motivo pelo qual recai sobre essa instituição a obrigação primeira de realizar o
controle político da aplicação do princípio da subsidiariedade.
Nesse sentido, compreende Lázaro (2001):
Una responsabilidad particularmente importante recae sobre esta institución.
Por un lado, la Comisión gozará prácticamente del monopolio de iniciativa
en la mayor parte de los dominios de competencia comunitaria, lo que le
confiere un papel central en el proceso legislativo comunitario. Por otro, se
trata de la institución mejor equipada para recabar la información necesaria
en orden a determinar la oportunidad de una intervención de la Comunidad.
Es lógico, por tanto, esperar que la Comisión desempeñe un rol
preeminente en la aplicación del principio de subsidiariedad. (LÁZARO,
2001, p. 164)
Para tanto, o Protocolo número 30 que versa sobre a aplicação do princípio
da subsidiariedade, refere em seu apartado 9 sobre a conduta a ser seguida pela
Comissão ao exercer seu direito e iniciativa para propor legislação ao Conselho da
União Européia e ao Parlamento Europeu.
Assim, cabe à Comissão realizar consultas, salvo em casos confidenciais;
fundamentar a pertinência de suas propostas ao princípio da subsidiariedade e
apresentar anualmente ao Conselho Europeu, ao Parlamento Europeu e ao
Conselho um relatório sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade, o qual será
enviado ao Comitê das Regiões e ao Comitê Econômico e Social.
Em atendimento ás determinações do Protocolo número 30 acima expostas,
explica Lázaro (2001), que antes de exercer a iniciativa legislativa, a Comissão deve
examinar cuidadosamente tanto a eficiência como o alcance de sua intervenção,
bem como de que qualquer carga financeira ou administrativa que recaia sobre a
32
Comunidade e sobre os Estados membros deva ser reduzida ao mínimo e ser
proporcional aos objetivos que se pretende alcançar. Para isso, a Comissão pode
realizar consultas aos Estados membros, publicar documentos de consulta e
consultar aos instrumentos de orientação elaborados pelas demais instituições
comunitárias.
Ademais, a Comissão deve justificar todas as suas propostas de lei à luz do
princípio da subsidiariedade, expondo suas fundamentações de forma clara e
objetiva para assegurar que sejam bem entendidas pelos seus destinatários e pelas
demais instituições comunitárias.
A Comissão também deverá apresentar anualmente um relatório sobre a
aplicação do princípio da subsidiariedade. A elaboração de tal relatório foi
estabelecida pelo Acordo Institucional de 21 de dezembro de 1993, sendo que o
mesmo deveria ser apresentado ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União
Européia, devendo o Parlamento organizar um debate político tendo o relatório como
objeto.
Posteriormente, o protocolo número 30 amplia no sentido de que esse
relatório deve ser apresentado às instituições mencionadas e enviado ao Comitê das
Regiões e ao Comitê Econômico e Social.
Assim, verificada a eficiência e a necessidade da intervenção da
Comunidade, suas implicações para os Estados membros e realizadas as consultas
necessárias para confirmar tal verificação, a Comissão irá realizar ao Parlamento
Europeu e ao Conselho da União Européia a proposta legislativa fundamentada na
observância do princípio da subsidiariedade. Por sua vez, cabe a essas duas últimas
instituições proceder á uma revisão da correta aplicação do princípio em questão.
Nesse aspecto, o apartado 11 do Protocolo número 30 dispõe que:
Na plena observância dos processos aplicáveis, o Parlamento Europeu e o
Conselho procederão a uma análise, que faz parte integrante da análise
global das propostas da Comissão, da coerência dessas propostas com o
disposto no artigo 3º-B do Tratado, quer se trate da proposta inicial da
Comissão ou das alterações que nela tencionem introduzir. (UNIÃO
EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de
Amsterdã, 1997)
De tal modo, o Conselho da União Européia específico para debater a
matéria da legislação proposta pela Comissão procederá ao seu exame com base
no parágrafo segundo do artigo 3°-B do Tratado da U nião Européia, dessa forma os
33
Estados membros nele representados deverão ter em conta a sua capacidade de
atuação individual para conferir se a intervenção da Comunidade se faz oportuna e
necessária.
Por conseguinte, o Conselho da União Européia poderá rechaçar a proposta
legislativa da Comissão, bem como aprová-la ou emendá-la, sendo que em todos
esses casos deverá justificar sua decisão expondo de forma clara e inequívoca suas
razões.
Nos casos em que a matéria exija a sanção do Parlamento Europeu para a
aprovação de leis comunitárias, seja pelo instituto da codecisão, seja pelo da
cooperação, cabe ao Conselho informá-lo sobre a posição tomada a respeito da
aplicação do princípio da subsidiariedade através de uma nota justificativa, como
disposto no apartado 12 do Protocolo número 30, segundo o qual:
No decurso da aplicação dos processos previstos nos artigos 189º-B e 189ºC do Tratado, o Parlamento Europeu será informado da posição do
Conselho relativamente à aplicação do artigo 3º-B do Tratado, através de
uma nota justificativa em que se apresentam os motivos que levaram o
Conselho a adoptar a sua posição comum. O Conselho informará o
Parlamento Europeu das razões pelas quais considera que uma proposta
da Comissão não é compatível, no todo ou em parte, com o artigo 3º-B do
Tratado. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo
Tratado de Amsterdã, 1997)
Por fim, o Parlamento Europeu intervém no controle da aplicação do princípio
da subsidiariedade tanto ao compartir com o Conselho da União Européia a
competência legislativa, quanto ao exercer o controle democrático das instituições,
de modo a acompanhar o processo legislativo desde a sua proposição pela
Comissão.
Segundo o artigo 54 do Regulamento Interno do Parlamento Europeu:
1. Durante el examen de una propuesta legislativa, el Parlamento deberá
considerar especialmente si la propuesta respeta al
principio de
subsidiariedad […].
2. Si el Parlamento llegar a la conclusión de que no se respeta debidamente
el principio de subsidiariedad […], pedirá a la Comisión que introduzca las
modificaciones necesarias en su propuesta. (UNIÃO EUROPÉIA apud
LÁZARO, 2001, p. 170)
Assim, o Parlamento Europeu, em um primeiro momento, verifica se a
proposta legislativa da Comissão atende ao princípio da subsidiariedade, caso
contrário, pede à Comissão que realize as modificações necessárias.
34
Já quando comparte da competência legislativa do Conselho da União
Européia, cabe ao Parlamento verificar se houve correta aplicação do princípio da
subsidiariedade, bem como examinar se a intervenção da Comunidade se faz
necessária para realização dos objetivos do Tratado com maior eficácia, para então
sancionar a lei comunitária elaborada, devendo sempre motivar a sua decisão, afinal
como diz Baracho (1997), “O princípio da subsidiariedade é uma garantia contra a
arbitrariedade, procura inclusive suprimi-la. É necessário que toda autoridade
investida de funções deva justificar seus atos no exercício de suas funções.”
(BARACHO, 1997, p 30).
No entanto, se após a aprovação das normas comunitárias, ainda houver
algum vicio na aplicação do princípio da subsidiariedade, restará ao poder judiciário
da União Européia proceder ao controle da aplicação do mesmo.
5.2 Controle jurídico do Princípio da Subsidiariedade
Após o controle político realizado pela Comissão, pelo Parlamento Europeu e
pelo Conselho da União Européia, resta ao Tribunal de Justiça das Comunidades
Européias, em última instancia e mediante provocação, a função de assegurar a
correta aplicação do princípio da subsidiariedade. Afinal, essa é a instituição
comunitária incumbida de garantir a interpretação e aplicação uniforme do Direito
Comunitário pelos Estados membros e pelas demais instituições que compõem a
União Européia.
Entretanto, a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades
Européias para a realização do controle da correta aplicação do princípio da
subsidiariedade não se restringe somente à determinação de sua função
institucional de uniformizar a aplicação do Direito Comunitário, mas também ao fato
de que o princípio em tela é abordado pelo ordenamento comunitário como uma
regra obrigatória de direito, de modo que sua aplicação é suscetível de ser discutida
por este Tribunal.
Nesse sentido, explica Quadros (1995):
Quer pela colocação sistemática do artigo 3°-B, par .2, quer pelo ser teor,
percebe-se que o princípio da subsidiariedade nos surge aí como uma regra
35
de Direito, e como uma regra obrigatória, e não apenas como um princípio
político ou como uma simples norma programática. Foi essa também a
posição adoptada no citado Relatório Medina Ortega, onde se definiu
aquele princípio como uma “norma jurídica de grau constitucional”, posição
que veio a ser sufragada pela Resolução do Parlamento Europeu, também
já citada, que foi aprovada com base naquele Relatório. Por isso, a
aplicação daquele princípio vai ficar sujeita ao controlo dos dois Tribunais
Comunitários. (QUADROS, 1995, p.56/ 57)
Dessa forma, pode-se dizer que o princípio da subsidiariedade é dotado de
justiciabilidade 3, uma vez que o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias
tem a competência para interpretá-lo e aplicá-lo.
Seguindo essa linha de raciocínio, Lázaro (2001) explica a introdução dessa
justiciabilidade
em
um
plano
comunitário
normativo
quando,
no
Acordo
Interinstitucional de 25 de outubro de 1993, foi estabelecido que o Tribunal de
Justiça será encarregado de decidir as questões acerca da aplicação do princípio da
subsidiariedade em todas e em cada uma das fases do procedimento legislativo
comunitário, mediante processo comunitário normal. Entendimento esse que foi
reforçado pelo Conselho de Edimburgo e finalmente pelo apartado 13 do Protocolo
Número 30 pelo qual “A observância do princípio da subsidiariedade será
reanalisada de acordo com as regras constantes do Tratado.” (UNIÃO EUROPÉIA,
1997), admitindo, então, que as questões de verificação e aplicação do princípio
sejam submetidas ao controle de Tribunal de Justiça das Comunidades Européias.
No entanto, como salienta a mencionada autora, os critérios de aplicação
princípio da subsidiariedade são abstratos e carregam consigo um caráter
discricionário ao ser aplicado pelas instituições comunitárias, afinal as mesmas
fazem uma análise valorativa ao determinar se os objetivos pretendidos não podem
ser alcançados de maneira suficiente pelos Estados membros, bem como se a
Comunidade é mais eficaz para este fim. Por esse motivo, "[...] la cuestión de
justiciabilidad no es tanto si él debe controlar la aplicación de principio, sino más bien
cómo y en qué medida realizará o debe realizar esta función.” (LÁZARO, 2001, p.
175).
Em termos de jurisdição, se exclui da abrangência do exercício do controle
judiciário os Tratados que não introduzem em seu corpo o princípio da
subsidiariedade como aplicável à matéria da qual trata. Desse modo:
3
Nas palavras de Lázaro (2001), justiciabilidade é um termo objetivo empregado para fazer referência a
capacidade de um Tribunal interpretar e decidir sobre uma determinada questão ou direito material.
36
[...] este control no se extiende, por una parte, ni a las disposiciones
relativas a la Política Exterior y de Seguridad Común, ni las de Cooperación
en los ámbitos de Justicia Interior, y por la otra, ni al Preámbulo, ni a las
Disposiciones Comunes, Igualmente quedan excluidos los ámbitos cubiertos
por el Tratado CECA y por el Tratado EURATOM […] (LÁZARO, 2001, p.
175)
Outra questão seria verificar em qual medida se deve realizar o controle
jurídico do princípio da subsidiariedade, tendo em vista que o mesmo é carregado de
caráter discricionário e eminentemente político. (grifo nosso)
Ao fazer alusão aos dizeres do Conselho Europeu, Lázaro (2001) explica que
o princípio da subsidiariedade é um conceito dinâmico, “que permite que la acción
comunitária se extienda o sea discontinua cuando circunstancias específicas así lo
requieran” (LÁZARO, 2001, p. 179), de modo que possibilita ao Tribunal realizar um
controle amplo do princípio.
No entanto, ao fazê-lo, o Tribunal correria o risco de interferir na esfera
decisória das outras instituições comunitárias vez que, ao decidir os conflitos
suscitados a luz do referido princípio, o mesmo procederia com uma valoração de
fundo político ao decidir se a atuação os Estados membros será suficiente para o
alcance dos objetivos pretendidos e se os mesmos poderiam ser mais bem
alcançados pela atuação da Comunidade.
Tal interferência provocaria um risco de quebra da separação de poderes no
âmbito comunitário e como salienta a autora:
En una sociedad democrática el papel que deben jugar el poder judicial con
respecto al legislador tiene que ser por naturaleza limitado. Si transgredimos
esta regla, podemos desembocar en el denominado gobierno de los jueces,
bajo el cual serán los tribunales y no los órganos políticos los que decidan lo
que debe hacerse y lo que no debe hacerse en nombre del interés general.
(LÁZARO, 2001, p. 187)
Para tanto, Lázaro (2001) sugere ao Tribunal que, ao realizar uma valoração
tão subjetiva, recorra á técnica da “revisão limitada de legalidade” utilizada para o
controle dos poderes discricionários das instituições comunitárias em matérias como
a delimitação e atribuição de competências, bem como para a aplicação do princípio
da proporcionalidade, o qual enseja um grande nível de discricionariedade, tanto que
configura juntamente com o princípio da subsidiariedade no mencionado Protocolo
número 30.
Nesse contexto, explica a autora:
37
Un poder discrecional es, según su constante jurisprudencia, esencialmente
un poder político, lo que significa que el legislador goza de un amplio
margen de apreciación, no sólo en la elección de los instrumentos a utilizar,
sino también en la consideración de los hechos o circunstancias que deben
tenerse en cuenta. En definitiva, la función de un órgano jurisdiccional
alcanza a valorar la oportunidad de la decisión adoptada; valoración que, en
el caso del Tribunal de Justicia, deberá tener en cuenta el carácter evolutivo
de la construcción europea. (LÁZARO, 2001, p. 177/178)
Partindo da premissa de que ao Tribunal compete somente anular as
decisões tomadas pelas demais instituições comunitárias sem, contudo, modifica-las
ou substituí-las, ao proceder com a “revisão delimitada de legalidade” o Tribunal, em
conformidade com o parágrafo 2° do artigo 3-B do Tr atado da União Européia,
verificaria, primeiramente, se a Comunidade estaria atuando conforme os objetivos e
dentro dos limites das competências a ela atribuída pelos Tratados. Após, realizaria
um exame sobre o domínio da aplicação do princípio, de modo a examinar se a ação
pretendida se encontra afastada do âmbito de competências exclusivas da
Comunidade. Em caso de resposta negativa, passaria a análise objetiva da atuação
“suficiente” dos Estados membros e da “eficácia” da Comunidade para a realização
dos fins do Tratado.
Desse modo, o Tribunal somente anularia a norma comunitária por
desrespeito ao princípio da subsidiariedade quando for demonstrada de forma clara
que houve extrapolação de competência pela Comunidade, quando configurado
abuso de poder por este ente político, e quando houver erro manifesto na aplicação
objetiva dos requisitos necessários de “suficiência” dos Estados membros e
“eficácia” da Comunidade. (grifo nosso)
5.2.1 Possíveis recursos interpostos ao Tribunal de Justiça da Comunidade
Européia
Para que o jurisdicionado provoque o Tribunal de Justiça da Comunidade
Européia e consiga a obtenção da tutela pretendida para verificação do ato
legislativo em desconformidade com o princípio da subsidiariedade, é necessário
38
conhecer dos meios disponíveis para fazê-lo, sendo os principais meios o recurso de
anulação, a exceção de ilegalidade, recurso por omissão e questões prejudiciais.
Segundo Quadros (1995), consiste o recurso de anulação o meio ideal para
se proceder com o controle jurídico do princípio da subsidiariedade. Tal recurso é
regulado no artigo 230 do Tratado da Comunidade Européia, modificado pelo
Tratado de Nice, da seguinte forma:
O Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos adoptados em
conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, dos actos do Conselho,
da Comissão e do BCE, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos
actos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em
relação a terceiros.
Para o efeito, o Tribunal de Justiça é competente para conhecer dos
recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades
essenciais, violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica
relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um EstadoMembro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão.
(UNIÃO EUROPÉIA, Tratado que Institui a Comunidade Européia
modificado pelo Tratado de Nice, 2002)
Assim, o recurso de anulação pode ser interposto pelos Estados membros,
pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão frente às decisões
tomadas pelas instituições comunitárias que violarem o princípio da subsidiariedade,
como disposto na norma legal do parágrafo 2° do art igo 3°-B do Tratado da União
Européia, recepcionado no artigo 5 do Tratado da Comunidade Européia.
Além dos demandantes privilegiados elencados supra, complementa o
presente artigo em seu parágrafo 3°:
Qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas mesmas
condições, recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões
que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a
outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito. (UNIÃO
EUROPÉIA, Tratado que Institui a Comunidade Européia modificado pelo
Tratado de Nice, 2002)
Dessa forma, o direito de interpor o presente recurso se estende aos
demandantes ordinários, quais sejam as pessoas físicas e jurídicas, sendo que os
entes locais e regionais entram no conceito de pessoa jurídica como legitimados
para interposição do recurso de anulação.
Para tanto, o recurso de anulação deve ser interposto no prazo de dois meses
a contar da publicação do ato, da sua notificação ao recorrente, ou do dia que o
recorrente tenha tomado conhecimento do ato.
39
Quando a comunidade estiver atuando através de um regulamento e o prazo
para interposição do recurso de anulação estiver espirado, salienta Quadros (1995)
que a Exceção de Ilegalidade também pode ser utilizada para o controle da
aplicação do princípio em tela.
Segundo o artigo 241 do Tratado da Comunidade Européia:
Mesmo depois de decorrido o prazo previsto no quinto parágrafo do artigo
230.o, qualquer parte pode, em caso de litígio que ponha em causa um
regulamento adoptado em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo
Conselho ou um regulamento do Conselho, da Comissão ou do BCE,
recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do artigo 230.o para
arguir, no Tribunal de Justiça, a inaplicabilidade desse regulamento. (UNIÃO
EUROPÉIA, Tratado que Institui a Comunidade Européia modificado pelo
Tratado de Nice, 2002)
Noutro giro, quando o princípio da subsidiariedade justifica a intervenção da
Comunidade, mas suas instituições se abstém de pronunciar-se, segundo Quadros
(1995), é cabível o recurso por omissão nos termos do artigo 232 do Tratado da
Comunidade Européia, pelo qual:
Se, em violação do presente Tratado, o Parlamento Europeu, o Conselho ou
a Comissão se abstiverem de pronunciar-se, os Estados-Membros e as
outras instituições da Comunidade podem recorrer ao Tribunal de Justiça
para que declare verificada essa violação. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado que
Institui a Comunidade Européia modificado pelo Tratado de Nice, 2002)
O recurso por omissão só será admissível quando a instituição demandada
ficar inerte após ter sido previamente convidada a pronunciar-se.
Assim, cabe o presente recurso para que o Tribunal, no caso de aplicação do
princípio da subsidiariedade, declare se há omissão quando seja necessária a
atuação da Comunidade para realização dos objetivos do Tratado ou declare que
não há omissão quando couberem aos Estados membros a atuação e quando estes
puderem realizá-la de forma suficiente e eficaz, sem a necessidade de intervenção
da Comunidade.
No entanto, salienta Lázaro (2001), que o princípio da subsidiariedade não
constitui uma causa autônoma de motivação da omissão, motivo pelo qual pode ser
invocado no presente recurso em apoio a outra disposição do Tratado que imponha
a obrigação de pronunciar-se dirigida às instituições comunitárias ou aos Estados
membros.
40
Por fim, nos termos do artigo 234 do Tratado da Comunidade Européia, o
Tribunal de Justiça da Comunidade Européia pode ser consultado em caso de
dúvidas sobre a aplicação do Direito Comunitário através das questões prejudiciais,
pela qual:
O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação do presente Tratado;
b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições
da Comunidade e pelo BCE;
c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do
Conselho, desde que estes estatutos o prevejam.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer
órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se
considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao
julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se
pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo
pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam
susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno,esse órgão é
obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça. (UNIÃO EUROPÉIA,
Tratado Institui a Comunidade Européia modificado pelo Tratado de Nice,
2002)
Dessa forma há possibilidade de que um juiz nacional, de ofício ou mediante
requerimento das partes, se dirija ao Tribunal de Justiça da Comunidade Européia
para que este se pronuncie, à luz do princípio da subsidiariedade, sobre a validade
de um ato ou decisão a ser tomada no curso de um processo pendente de seu
julgamento.
41
6 MUDANÇAS RELATIVAS AO CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA
SUBSIDIARIEDADE NO TRATADO DE LISBOA
Após várias negociações, em 13 de dezembro de 2007 os Estados membros
da União Européia firmaram o Tratado de Lisboa, o qual modifica os Tratados da
União Européia e o da Comunidade Européia, cujo texto busca construir uma
Europa mais transparente e democrática. Com esse objetivo, foi conferido aos
Parlamentos nacionais um aumento significativo de seu papel no procedimento
legislativo comunitário, de modo que a tomada de decisões seja o mais próximo
possível dos cidadãos europeus.
Por conseguinte, os Parlamentos nacionais passaram atuar como “guardiões”
da aplicação do princípio da subsidiariedade, tanto que no protocolo número 2 do
Tratado de Lisboa, relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e
proporcionalidade, foi criado um novo mecanismo de controle para aplicação dos
referidos princípios pelo qual os Parlamentos nacionais se tornaram os protagonistas
na verificação de que a atuação comunitária esteja justificada frente às
possibilidades de atuação à nível nacional, regional ou local.
No entanto, as modificações introduzidas pelo Tratado de Lisboa não trazem
em si um conteúdo inteiramente novo, pois representam um reflexo das negociações
realizadas para aprovação do Tratado Constitucional em 2004, as quais tiveram
como base a necessidade de realizar avanços democráticos no sistema de tomada
de decisões, bem como a necessidade de adaptar o sistema institucional da União
Européia para a adesão de novos Estados membros sem afetar a eficiência de seu
funcionamento para os próximos anos.
Tais negociações culminaram na aprovação do Tratado que estabeleceu uma
Constituição para a União Européia em 29 de outubro de 2004, firmado na cidade de
Roma, no entanto a chamada Constituição Européia não chegou a entrar em vigor,
uma vez que sua ratificação foi rechaçada nos referendos celebrados na França e
nos Países Baixos no ano de 2005.
Superada a resistência à Constituição da União Européia, com o fim de
resgatar os trabalhos para correção do déficit democrático, o Conselho Europeu em
de 21 e 22 de junho de 2007 convocou uma Conferência Intergovernamental para a
redação de um novo Tratado de reforma.
42
Em resultado, foi elaborado um projeto que respeitou, em grande parte, o
conteúdo do Tratado Constitucional de 2004, sendo alguns de seus aspectos
renegociados, até que em 13 de dezembro de 2007 foi aprovado o Tratado de
Lisboa, recentemente ratificado em 03 de novembro de 2009.
6.1 Delimitação de competências no Tratado de Lisboa
Antes de passar para o ponto sobre a sistemática do controle do princípio da
subsidiariedade adotada no Tratado de Lisboa, é necessário ressaltar que dentre as
inovações deste, um dos aspectos mais marcantes foi estabelecer uma nova matéria
sobre a repartição de competências entre a União Européia e os Estados membros,
a qual também foi reflexo do Tratado Constitucional da União Européia com
pequenas modificações.
Como
discorrido
no
capítulo
sobre
a
aplicação
do
princípio
da
subsidiariedade, os Tratados da União Européia não traziam um rol taxativo
elencando as competências dos entes comunitários em atenção ao método
funcionalista. Por este método a Competência da União Européia se restringia ás
que lhe foram conferidas pelos Estados membros nos tratados.
Dessa forma, o não engessamento das competências conferia uma
adaptabilidade á União Européia com o objetivo de permitir uma progressiva
expansão no campo de atuação comunitária. Por outro lado, a não delimitação das
competências provocava uma incerteza quanto ao campo de atuação dos entes
comunitários em respeito ao princípio da subsidiariedade.
Nesse sentido esclarece Luzzáraga e LLorente (2008):
Este sistema presenta la ventaja de la adaptabilidad a las circunstancias
cambiantes pero el problema de la oscuridad y la dificultad de que los
ciudadanos puedan percibir con claridad << quién hace qué>> en este
sistema político. La determinación del responsable de las actuaciones
políticas añade un valor importante a la democracia del sistema, en la
medida en que los ciudadanos sólo podrán controlar políticamente a sus
gobernantes si conocen el alcance y el contenido de sus responsabilidades.
(LUZÁRRAGA, Francisco Aldecoa; LLORENTE, 2008, p. 181)
Com o objetivo de aclarar o sistema comunitário de competências, a
Convenção realizada após a aprovação do Tratado de Niza, elabora um catálogo de
43
competências da União Européia e estabelece seus níveis de atuação conforme os
objetivos determinados, sem abrir mão do dinamismo e da flexibilidade do método
funcionalista.
Assim, a Constituição da União Européia e, em reflexo, o Tratado de Lisboa
introduz as distintas categorias de competências, sua definição e enumeração,
dando relevo aos princípios que delimitam e norteiam seu exercício.
Dessa forma, o artigo 5 do tratado da União Européia reformado pelo Tratado
de Lisboa regula o princípio de atribuição de competências como fonte das
competências da União Européia e sua delimitação, bem como os princípios da
proporcionalidade e subsidiariedade que dizem respeito ao exercício das mesmas.
Já o Título I do Tratado de Funcionamento da União Européia (TFUE)
determina os domínios, as delimitações e o exercício das competências existentes,
bem como as divide em exclusivas, em que somente a União poderá legislar;
compartidas, em que tanto a União quanto os Estados membros podem legislar,
sendo que estes somente exercerão sua competência quando a União não o fizer;
ações promovidas pela União de apoio, coordenação ou complemento da ação dos
Estados, sem substituir a competência destes.
Por conseguinte o Tratado de Funcionamento da União Européia prossegue
listando os âmbitos de atuação a que corresponde a cada categoria, sendo as
exclusivas dispostas no artigo 3, as compartidas no artigo 4 e as ações de apoio,
coordenação e complemento no artigo 6. Também complementa no artigo 4 o
dispositivo sobre a competência residual da categoria compartida, de modo que toda
competência que não seja exclusiva, de apoio, coordenação ou complementação
será compartida.
Ademais, traz o artigo 5 uma exceção a respeito do pilar comunitário
intergovernamental relativo a Política Exterior e Segurança Comum, cuja
competência para coordenação será dos Estados membros, uma vez que neste
âmbito não há cessão de exercício de competências para a União, mas uma
cooperação entre os membros desta.
Por fim o Tratado de Funcionamento da União Européia insere em seu artigo
352 uma cláusula que permite à União atuar em âmbitos não previstos no tratado
quando houver necessidade. Ou seja:
Artigo 352° 1. Se uma acção da União for considerad a necessária, no
quadro das políticas definidas pelos Tratados, para atingir um dos objectivos
44
estabelecidos pelos Tratados, sem que estes tenham previsto os poderes
de acção necessários para o efeito, o Conselho, deliberando por
unanimidade, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento
Europeu, adoptará as disposições adequadas. Quando as disposições em
questão sejam adoptadas pelo Conselho de acordo com um processo
legislativo especial, o Conselho delibera igualmente por unanimidade, sob
proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu. (UNIÃO
EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de Lisboa,
2007)
O artigo 352 ressalta, ainda, que as propostas nele baseadas estão sujeitas
ao princípio de subsidiariedade, devendo as mesmas serem enviadas aos
Parlamentos Nacionais.
Assim, o Tratado de Lisboa não só define as competências dos entes
comunitários como as divide em categorias e faz uma enumeração das mesmas,
sem, contudo, abrir mão da flexibilidade inerente ao avanço da União Européia.
Nas palavras de Luzzáraga e LLorente (2008):
La categorización y elaboración de un catálogo contribuye a eliminar el
déficit democrático de la Unión en la medida en que aporta claridad y
transparencia y permite a los ciudadanos y a las instituciones nacionales el
ejercicio del control político. (LUZÁRRAGA, Francisco Aldecoa; LLORENTE,
2008, p. 187)
Portanto, ao adotar o método federal de determinação e delimitação de
competências, a União Européia facilita o controle das ações comunitárias pelos
cidadãos, sem engessar a sua atuação de forma a permitir a sua adaptação a novos
contextos.
6.2 As modificações relativas ao controle da aplicação do princípio da
subsidiariedade no Tratado de Lisboa
Durante o projeto do Tratado de Lisboa foram resgatados do Tratado
Constitucional com algumas modificações dois Protocolos relacionados entre si,
quais sejam: o Protocolo número 1, referente ao papel dos Parlamentos Nacionais
na União Européia, e o Protocolo número 2, relativo à aplicação dos princípios da
subsidiariedade e da proporcionalidade, os quais conferem aos Parlamentos
Nacionais papel primordial no controle da aplicação do princípio da subsidiariedade.
45
Com relação aos Parlamentos Nacionais, a União Européia reconhece no
Protocolo número 1 supra mencionado, a importância dos mesmos como meio de
controle de seus respectivos governos no que diz respeito às atividades
comunitárias. Tanto que desde 1989 os Parlamentos Nacionais se reúnem
semestralmente
com
o
Parlamento
Europeu
na
Conferência
de
Órgãos
Especializados em Assuntos Comunitários (COSAC), na qual é permitido o
intercambio de informações sobre políticas comunitárias e nacionais, de modo a
manter um diálogo permanente entre essas instituições.
Tendo em vista os objetivos de intensificar o diálogo entre os Parlamentos
Nacionais e Europeu, o Tratado da União Européia assinado em Maastricht em
1992, introduziu um Protocolo sobre o papel dos Parlamentos Nacionais,
destacando os documentos que deveriam ser enviados aos deputados nacionais,
dentre eles as propostas legislativas, sendo aberto aos Parlamentos Nacionais a
possibilidade de as discutirem e enviar seus pareceres sobre as mesmas ao
Parlamento Europeu para finalidades consultivas.
Assim, no contexto das reformas comunitárias para diminuir o déficit
democrático da União Européia, o Tratado de Lisboa amplia o papel dos
Parlamentos Nacionais, de modo que os mesmos passam a participar em todo o
procedimento de controle do princípio da subsidiariedade.
No que tange ao Protocolo número 1, seu artigo 2 estabelece que os projetos
de atos legislativos dirigidos ao Parlamento Europeu e ao Conselho deverão ser
enviados aos Parlamentos Nacionais para que tome conhecimento da atividade
legislativa comunitária. Desse modo, a função de enviar à estes os projetos de ato
legislativo recairá a Comissão ou aos Parlamentos Europeus, quando a proposta
para o ato legislativo seja de iniciativa respectiva dessas instituições. Recairá, ainda,
ao Conselho, quando a iniciativa for de um grupo de Estados membros, do tribunal
de Justiça, do Banco Central Europeu ou do Banco Europeu de Inversões.
Após tomar conhecimento das propostas de atos legislativos comunitários, os
Parlamentos Nacionais poderão emitir um parecer quanto à aplicação do princípio da
subsidiariedade, conforme o texto artigo 3 que dispõe:
Os Parlamentos nacionais podem dirigir aos Presidentes do Parlamento
Europeu, do Conselho e da Comissão um parecer fundamentado sobre a
conformidade de determinado projecto de acto legislativo com o princípio da
subsidiariedade, nos termos do Protocolo relativo à aplicação dos princípios
46
da subsidiariedade e da proporcionalidade. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da
União Européia modificado pelo Tratado de Lisboa, 2007)
Assim, o protocolo relativo ao papel dos Parlamentos Nacionais enuncia a
participação desses na verificação da correta aplicação do princípio da
subsidiariedade em projetos de atos legislativos mediante parecer.
Já o Protocolo número 2 estabelece dois mecanismos complementares de
controle da aplicação do referido princípio, um mecanismo prévio ou político e um
mecanismo posterior ou judicial.
Pelo mecanismo de controle prévio, o protocolo número 2 complementa o
primeiro ao discipliná-lo no enunciado de seus artigos 2 e 3. Assim, dispõe que os
projetos de atos legislativos enviados aos Parlamentos Nacionais deverão ser
fundamentados em conformidade com a aplicação do princípio da proporcionalidade
e da subsidiariedade.
Ademais, traz uma inovação ao Protocolo número 30 do Tratado de
Amsterdã, ao determinar em seu artigo 5 que os projetos sejam acompanhados de
uma ficha que conterá vários dados que permitirão verificar se os mesmos observam
os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade.
Dessa forma as fichas deverão conter:
[...] elementos que permitam avaliar o impacto financeiro do projecto, bem
como, no caso das directivas, as respectivas implicações para a
regulamentação a aplicar pelos Estados-Membros, incluindo, nos casos
pertinentes, a legislação regional. As razões que permitam concluir que
determinado objectivo da União pode ser melhor alcançado ao nível desta
serão corroboradas por indicadores qualitativos e, sempre que possível,
quantitativos. Os projectos de actos legislativos têm em conta a
necessidade de assegurar que qualquer encargo, de natureza financeira ou
administrativa, que incumba à União, aos Governos nacionais, às
autoridades regionais ou locais, aos agentes económicos e aos cidadãos,
seja o menos elevado possível e seja proporcional ao objectivo a atingir.
(UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de
Lisboa, 2007)
Recebido o projeto de ato legislativo, os Parlamentos Nacionais verificarão se
os mesmos cumprem com os princípios da proporcionalidade e subsidiariedade. Em
caso negativo, conforme o artigo 6 do Protocolo número 2, qualquer Parlamento
Nacional, ou qualquer Câmara desses, poderá dirigir aos Presidentes do Parlamento
Europeu, do Conselho e da Comissão um parecer fundamentado que exponha os
motivos pelos quais o projeto não obedece aos mencionados princípios. Se o projeto
47
de ato legislativo for de iniciativa de um grupo de Estados membros, do Tribunal de
Justiça, do Banco Central Europeu ou do Banco Europeu de Investimentos, o
Presidente do Conselho enviará o parecer, no primeiro caso, aos Governos desses
Estados ou, nos demais casos, às respectivas instituições ou órgãos.
Para exercer a faculdade de emitir o parecer, os Parlamentos Nacionais ou
suas Câmaras, terão o prazo de oito semanas contadas a partir do envio do projeto
de ato legislativo, prazo este que era de seis semanas no Tratado Constitucional, o
qual foi aumentado em virtude da possibilidade de que os Parlamentos consultem
nesse transcurso os seus Parlamentos regionais com competência legislativa, o que
alonga significativamente o esforço para a realização do parecer.
Uma vez enviados os pareceres ao respectivo destinatário, se inicia a
possibilidade de bloqueio da iniciativa de ato legislativo. Desse modo, dispõe o
artigo 7 do Protocolo número 2 que os pareceres serão levados em conta no
procedimento legislativo comunitário surtindo efeitos conforme a quantidade de votos
que estes representam, afinal, cada Parlamento Nacional dispõe de dois votos,
sendo sua repartição realizada conforme o sistema parlamentar nacional, de modo
que nos bicamerais cada Câmara terá direito a um voto.
Nesse caso, se os pareceres fundamentados na inobservância do princípio da
subsidiariedade representarem, ao menos, um terço do total de votos atribuídos aos
Parlamentos Nacionais o projeto será reanalisado, sendo que nos casos relativos ao
espaço, segurança e justiça previstos no artigo 61-I do Tratado sobre o
Funcionamento da União Européia, tal reanalise será feita mediante quorum mínimo
de um quarto. Feito isso, a instituição comunitária da qual partiu a iniciativa do
projeto poderá mantê-lo, alterá-lo ou até retirá-lo por decisão fundamentada.
Dessa forma, os pareceres emitidos pelos Parlamentos Nacionais funcionam
como simples recomendações, as quais não vinculam o procedimento comunitário
de tomada de decisões, tanto que um projeto de ato legislativo pode ser mantido em
detrimento da opinião em contrário manifesta em mais de um terço dos pareceres.
Por não provocar o afastamento ou rechaço dos projetos legislativos, tal
procedimento foi chamado pelos doutrinadores espanhóis de tarjeta amarrilla, afinal,
apesar se sua aparente ineficiência, a mesma apresenta uma advertência de grande
repercussão política na tomada de decisões pelas instituições comunitárias, como
esclarece Luzzárraga e Llorente (2008):
48
A pesar de la ambigüedad de esta disposición en términos jurídicos, tendría
suficiente repercusión política, ya que ningún gobierno se atrevería a
aprobar semejante propuesta contra la opinión manifiesta de su Parlamento
Nacional. Ese procedimiento ha sido conocido por los comentaristas como
<<tarjeta amarilla>>, ya que da a los Parlamentos Nacionales la posibilidad
de advertir sobre el riesgo para el principio de subsidiariedad pero no de
bloquear directamente una propuesta. (LUZÁRRAGA, Francisco Aldecoa;
LLORENTE, 2008, p.188)
Segundo Hortal (2008), devido á demanda dos Países Baixos, defensores de
um controle mais rígido do princípio da subsidiariedade, o procedimento chamado
tarjeta amarilla se tornou alvo de várias críticas, motivo pelo qual foi complementado
pela Convenção Intergovernamental de 2007, a qual acrescentou o parágrafo 3 ao
artigo 7° do Protocolo número 2. Esse dispositivo p revê que se os pareceres
fundamentados sobre a inobservância do princípio em questão representar pelo
menos a maioria simples dos votos atribuídos aos Parlamentos Nacionais, a
proposta de ato legislativo deverá ser reanalisada, e em conformidade com os
parágrafos anteriores, a mesma poderá ser mantida, alterada ou retirada.
Se a Comissão decidir manter a proposta, deverá demonstrar as razões pela
qual entende que a mesma obedece ao princípio da subsidiariedade em parecer
fundamentado. Por conseguinte, o parecer da Comissão deverá ser remetido ao
Legislador da União, composto pelo Parlamento Europeu e Conselho, juntamente
com os pareceres dos Parlamentos Nacionais para que aquele pondere sobre a
compatibilidade da proposta legislativa com o princípio da subsidiariedade.
No entanto, se por maioria de 55% dos membros do Conselho ou por maioria
dos votos expressos no Parlamento Europeu, o Legislador da União considerar que
a proposta de ato legislativo não é compatível com o princípio em tela, a análise da
mesma será bloqueada.
Este incremento trazido pelo parágrafo 3 foi uma novidade instituída no
Tratado de Lisboa sem qualquer correspondência ao Tratado Constitucional, a qual
trouxe um novo procedimento de controle do princípio da subsidiariedade chamado
por Luzzárraga e Llorente (2008) de tarjeta naranja, uma vez que dota os pareceres
negativos dos Parlamentos nacionais de maior efetividade.
Já Nanclares (2008) vai mais além ao intitular o procedimento de tarjeta roja
uma vez que os pareceres emitidos pelos Parlamentos Nacionais poderão obstar
determinados projetos de ato legislativo realizados em desatenção ao princípio da
subsidiariedade. Nesse sentido diz o autor:
49
Esto ya no es un sistema de tarjeta amarilla a la Comisión, sino claramente
la posibilidad de poder recibir tarjeta roja y además sin posibilidad de
revisión o anulación por ningún <<comité de competición>>. (NANCLARES,
2008, p. 287)
Ademais, o Tratado de Lisboa amplia o controle jurídico do princípio da
subsidiariedade no artigo 8 do protocolo número 2 ao criar um novo recurso por
violação do princípio da subsidiariedade em ato legislativo, com mecanismo
semelhante ao recurso de anulação, cujos legitimados para interposição são os
Estados membros, seja por iniciativa própria ou em nome de seu Parlamento
Nacional ou Câmara, bem como o Comitê das Regiões em relação aos atos
legislativos, cuja adoção dependa de consulta do referido órgão em conformidade
com determinação expressa no Tratado sobre o Funcionamento da União Européia.
No que tange a ampliação do controle jurídico do principio em tela, deve-se
destacar que o Tratado de Lisboa confere papel mais significativo a outra instituição
local, qual seja o Comitê das Regiões.
Cumpre destacar que o Comitê das Regiões foi constituído pelo TUE,
assinado em Maastricht, como órgão consultivo composto por representantes das
coletividades regionais e locais dos Estados-membros da União Européia, os quais
são eleitos por um mandato de quatro anos mediante decisão unânime do Conselho
a proposta dos respectivos Estados-membros.
Não obstante serem nomeados por decisão do Conselho, seus membros
exercerão suas atividades com absoluta independência e no interesse geral da
União Européia.
Desse modo, o Comitê das Regiões, como ensina José Manuel Sobrino
Heredia (1997), constitui um amalgama dos interesses locais e regionais que permite
apresentar pareceres com base nessas perspectivas sobre as propostas legislativas
formuladas no âmbito da União Européia.
Por esse motivo, a introdução de um mecanismo de controle jurídico do
princípio da subsidiariedade pelo Comitê das Regiões como parte legítima para
interposição de recurso contra ato legislativo por violação do princípio da
subsidiariedade, representa a resposta a uma demanda das regiões que vem desde
Maastricht, pela qual se oferece uma atenção maior ao interesse geral da União
Européia, levando-se em consideração os pontos de vista locais e regionais
representados no Comitê das Regiões.
50
Assim, o Tratado de Lisboa dá mais um passo para a diminuição do déficit
democrático comunitário, de modo que permite que tanto a tomada de decisões
quanto o controle dessas sejam realizados em um nível mais próximo dos cidadãos.
51
7 CONCLUSÃO
Com o intuito de tornar a União Européia mais democrática, o princípio da
subsidiariedade foi instituído como princípio geral do Direito Comunitário para
permitir uma harmonização entre a atuação da União e a dos Estados membros, de
forma a limitar o exercício de competências da União Européia para que essa não
invadisse as esferas locais de tomada de decisões.
Assim, a partir da instituição do princípio da subsidiariedade a atuação da
União Européia somente se daria nas competências que lhe são exclusivas, quando
fosse necessária e mais eficaz que a atuação dos Estados membros para a
realização dos objetivos dos Tratados.
No entanto, o princípio da subsidiariedade pode ser lido tanto de uma
perspectiva negativa, quanto positiva, permitindo justificar a atuação discricionária da
Comunidade maior. Tal duplicidade gerou a necessidade de que a União Européia
instituísse meios de controle do princípio da subsidiariedade. Para tanto, o protocolo
número 30 do Tratado de Amsterdã disciplina esse controle durante o procedimento
de tomada de decisões, atribuindo à Comissão, como impulsora do processo
legislativo comunitário, o principal papel na realização do controle político do
princípio da subsidiariedade. Após, o controle do princípio passa pela verificação do
Parlamento da União Européia e do Conselho, sendo relegado em ultima ratio ao
Tribunal de justiça da Comunidade Européia para a realização do controle jurídico
da aplicação do princípio em questão.
Apesar do protocolo número 30, o controle do princípio da subsidiariedade
compartia de um déficit democrático comum na União Européia, uma vez que era
necessário modifica-lo de modo a permitir que as decisões fossem tomadas o mais
próximo possível dos cidadãos.
Como fruto dessa necessidade, foi aprovado em 2004 o Tratado
Constitucional, o qual não chegou a ser ratificado, entretanto, as sementes por ele
plantadas deram ensejo a novas negociações das quais nasce em 13 de dezembro
de 2007 o Tratado de Lisboa.
Assim, aproveitando dos avanços do Tratado Constitucional, o Tratado de
Lisboa traz várias modificações quanto à aplicação e ao controle do princípio da
subsidiariedade, vez que, além de introduzir uma nova matéria sobre a repartição de
52
competências, atribui aos Parlamentos Nacionais o papel de “guardiões” do controle
da aplicação do referido princípio, de modo a torná-lo mais próximo dos cidadãos.
Outra conquista do Tratado de Lisboa foi permitir a participação dos
Parlamentos regionais na realização do controle pelos Parlamentos nacionais, bem
como admiti-los como legitimados ativos para interposição de recurso por violação
do princípio da subsidiariedade.
Portanto, o tratado de Lisboa não só traz mudanças significativas para o
controle do princípio da subsidiariedade como o torna um instrumento do avanço
democrático pretendido pela União Européia permitindo-se aproximar a União e suas
instituições dos cidadãos.
53
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