PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPÉIA: modificações pós Tratado de Lisboa. Aline Rodrigues Cunha Belo Horizonte 2009 Aline Rodrigues Cunha O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPÉIA: modificações pós Tratado de Lisboa. Monografia apresentada à disciplina Monografia II do curso de Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Comunitário. Orientador: Professor Fernando Horta Tavares Belo Horizonte 2009 Aline Rodrigues Cunha O controle da aplicação do Princípio da Subsidiariedade no âmbito da União Européia: modificações pós Tratado de Lisboa Monografia apresentada à disciplina Monografia II do curso de Direito da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. ___________________________________________________________________ Professor Fernando Horta Tavares - Orientador PUC Minas ___________________________________________________________________ Zamira Assis - Examinadora PUC Minas ___________________________________________________________________ Talita Viza Dias - Examinadora PUC Minas Belo Horizonte, 06 de novembro de 2009 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por me ajudar nas minhas buscas e conquistas, por estar incondicionalmente ao meu lado, ouvindo as minhas orações, me dando forças para prosseguir e sempre me abençoando, mesmo nos momentos, que, por ventura, me esqueço que posso contar com o Seu apoio. Aos meus pais pela confiança e incentivo; à minha irmã e madrinha Genilce pelos conselhos que tanto me ajudaram durante a minha readaptação após o intercâmbio; ao meu irmão Genilton por seus ensinamentos e dicas valiosas imprescindíveis para que eu compreendesse sobre os passos a serem dados na confecção do presente estudo; ao meu irmão Alisson pelo apoio mesmo estando distante. Ao meu namorado Marco Aurélio por ser tão presente em toda a minha vida acadêmica, pelo apoio, pela cumplicidade, pela alegria e pelo estímulo que me dá para prosseguir. À minha amiga Brenda por ser um dos meus grandes pilares de apoio durante esses 5 anos de convívio acadêmico. Agradeço também a PUC Minas e a Secretaria de Relações Internacionais pelo grande crescimento pessoal e profissional que me proporcionaram através do programa de Intercâmbio Universitário. Aos professores e funcionários da Universidad de Castilla-La Mancha do campus de Cuenca, que me receberam com muito carinho, principalmente aos bibliotecários que foram imprescindíveis para a busca de todo o material que embasou esse estudo. Ao meu orientador, Professor Fernando Horta Tavares, pela dedicação e pelo comprometimento com o ensino universitário brasileiro, sem dúvida uma das pessoas que considero um exemplo profissional a ser seguido. A todos que, de alguma forma, contribuíram para construção dessa monografia. RESUMO O princípio da subsidiariedade foi introduzido no Direito Comunitário Europeu como cláusula geral pelo parágrafo 2° do artigo 3-B do T ratado da União Européia, com o objetivo de que as decisões fossem tomadas em um nível mais próximo o possível dos cidadãos, de modo a harmonizar a atuação da União Européia com a dos Estados membros. No entanto, surgem dificuldades de aplicação do princípio da subsidiariedade devido a sua dupla interpretação, o qual poderia ser utilizado como meio de justificação da atuação discricionária da Comunidade, motivo pelo qual são criados meios de controle do princípio, disciplinado tanto no Protocolo número 30 do Tratado de Amsterdã, quanto no recente aprovado Tratado de Lisboa, o qual traz um viés mais democrático. Com base nisso, o presente trabalho tem como objetivo analisar o controle da aplicação do princípio da subsidiariedade no âmbito da União Européia, bem como as recentes mudanças a este respeito trazidas pelo Tratado de Lisboa. Palavras-chave: União Européia. Princípio da Subsidiariedade. Controle político. Controle jurídico. Tratado da União Européia. Tratado de Lisboa. LISTA DE SIGLAS BENELUX – Área de Livre Comércio entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo CECA – Comunidade Européia do Carvão e do Aço CEE – Comunidade Econômica Européia CEEA – Comunidade Européia de Energia Atômica COSAC - Conferência de Órgãos Especializados em Assuntos Comunitários EURATOM - Comunidade Européia de Energia Atômica OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico OECE – Organização Européia de Cooperação Econômica TCE – Tratado da Comunidade Européia TUE – Tratado da União Européia TFUE – Tratado de Funcionamento da União Européia SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................7 2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA UNIÃO EUROPÉIA ...................................................................................................10 3 ASPECTOS GERAIS DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE ...........................15 3.1 Definição ............................................................................................................15 3.2 Evolução histórica do Princípio da Subsidiariedade .....................................18 4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPÉIA................................................................................................................23 4.1 Domínio de aplicação do princípio da subsidiariedade.................................23 4.2 Requisitos de aplicação do princípio da subsidiariedade.............................27 5 O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA SUBSIDIARIEDADE ANTES DO TRATADO DE LISBOA ......................................................................................30 5.1 Controle político da aplicação do Princípio da Subsidiariedade ..................30 5.2 Controle jurídico do Princípio da Subsidiariedade ........................................34 5.2.1 Possíveis recursos interpostos ao Tribunal de Justiça da Comunidade Européia ...................................................................................................................37 6 MUDANÇAS RELATIVAS AO CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO TRATADO DE LISBOA....................................................41 6.1 Delimitação de competências no Tratado de Lisboa .....................................42 6.2 As modificações relativas ao controle da aplicação do princípio da subsidiariedade no Tratado de Lisboa ..................................................................44 7 CONCLUSÃO ........................................................................................................51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................53 7 1 INTRODUÇÃO Atualmente, a União Européia é formada por 27 Estados-membros, cada um com suas especificidades históricas, culturais, religiosas, linguísticas e sociais, tanto que a União possui 23 línguas oficiais e de trabalho. Além de seus membros existem, ainda, 04 países candidatos a integrarem a União Européia, como Croácia, Turquia, Islândia e Antiga República Iugoslava da Macedônia, e 05 países que são candidatos em potencial, como Albânia, Bósnia e Hezergovina, Kosovo, Montenegro e Sérvia. Dessa forma, a União Européia retrata a união de uma heterogeneidade de países do continente europeu sob uma organização comum, tanto que seu lema é: “unidos na diversidade”. Em meio a essa pluralidade de interesses, deflagrou-se durante o processo de construção da União Européia o desafio de construir uma União o mais próximo possível dos cidadãos para permitir o amplo exercício da cidadania, da democracia e viabilizar a atuação da União em harmonia com os interesses pluralistas dos Estados-membros. Diante desse desafio surgiu a questão sobre como se compatibilizar a atuação da União e dos Estados-membros no que diz respeito ao exercício de competências. Para responder a essa questão, foi trabalhado no contexto comunitário europeu o princípio federalista da subsidiariedade, o qual é introduzido como cláusula geral no Tratado da União Européia, assinado em 07 de fevereiro de 1992 na cidade de Maastrichit, que entrou em vigor em 01 de novembro de 1993. Pelo princípio da subsidiariedade a União Européia tem o dever de apoiar e atuar para estimular os Estados-membros na realização dos objetivos comunitários que estes não puderem alcançar com eficácia. Nesse contexto, Leal (2001) ressalta que o princípio da subsidiariedade passa a constituir-se como base para a manutenção da estrutura comunitária ao possibilitar a articulação da Comunidade e de seus Estados-membros de modo a barrar as disputas de soberanias. No mesmo sentido, Carneiro (2007) sintetiza que o objetivo último do princípio da subsidiariedade é garantir a efetivação do Estado Democrático de Direito nos 8 Estados-membros, de modo a viabilizar a participação ampla dos cidadãos no processo de construção da integração regional. Entretanto, da interpretação do princípio da subsidiariedade surge o problema de que o mesmo pode ser utilizado tanto para justificar a atuação da União Européia quanto para limitar a sua atuação. Visto de outro ângulo, o mesmo princípio pode ser empregado tanto para articular a relação entre Comunidade e Estados-membros, como para justificar um abuso de autoridade exercido por parte da União Européia. Nesse sentido, acrescenta Baracho (1997) que: A conciliação e harmonização da exigência legítima da autoridade, sua necessidade e a existência de várias autoridades políticas, bem como o pluralismo das organizações sociais e comunitárias, levam a indagações práticas sobre a aplicabilidade do princípio da subsidiariedade, quando não se pleiteia sacrificar a liberdade de autonomia, o bem comum ou o interesse geral. (BARACHO, 1997, p. 59) Assim, para limitar uma possível atuação arbitrária dos órgãos da União Européia, é imprescindível que haja um controle da aplicação do princípio da subsidiariedade. Com esse fim, foram inseridos no Protocolo número 30 do Tratado de Amsterdã (1997) mecanismos de controle da aplicação do princípio, tanto a partir de um controle a priori realizado pelas instituições comunitárias durante o processo de constituição das normas de direito comunitário, quanto de um controle a posteriori ou jurídico realizado pelo judiciário quando este é acionado pela pretensão de tutela jurisdicional dos afetados pela incorreta aplicação do princípio. No entanto, os mecanismos de controle criados não eram suficientes, pois davam pouca abertura para a participação democrática das instancias de competência local. Com o objetivo de ampliar a participação democrática nos mecanismos de controle do princípio da subsidiariedade, foi aprovado em 13 de dezembro de 2007 e ratificado em 03 de novembro de 2009 o Tratado de Lisboa. Tratado este que traz em seu Protocolo número 2 alterações que conferem aos Parlamentos Nacionais um papel mais significativo no controle a priori do princípio, bem como conferem legitimidade ao Comitê das Regiões para interposição de recurso contra ato legislativo que viole o princípio da subsidiariedade. 9 Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar o controle do princípio da subsidiariedade, bem como das modificações trazidas a este respeito pelo Tratado de Lisboa. Estudo este que tem sua relevância embasada na carência de abordagem do tema pela literatura, uma vez que o Tratado de Lisboa foi recentemente ratificado. Portanto, espera-se que este estudo possa, primeiramente, verificar o que é o princípio da subsidiariedade, como este se insere no contexto da União Européia e como este se aplica no âmbito da União Européia. Após, pretende-se comparar o controle de sua aplicação antes e após as modificações implementados pelo Tratado de Lisboa. 10 2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A CRIAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA UNIÃO EUROPÉIA Em meados do século XX começaram a ser traçados os primeiros contornos do processo de integração dos Estados europeus, o qual, após um longo período de sedimentação, resultou na assinatura do Tratado Constitutivo da União Européia em 1992 na cidade de Maastricht, nascendo, então, uma União Econômica e Monetária entre os Estados europeus. Apesar da União Européia ser concebida no período pós-guerra, a idéia sobre uma integração dos Estados europeus, surge entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, quando se sobressaem duas propostas. A primeira foi formulada pelo Conde Richard Coudenhove Calergie, que, em sua obra intitulada “Paneuropa” (1923), defende como via para saída da decadência econômica da Europa a criação de estruturas que superem sua divisão política criando uma união paneuropeia, mediante a cessão de soberanias livremente consentidas pelos parlamentos dos Estados participantes. Já a segunda proposta, foi lançada em 1929 por Aristide Briand, Ministro das Relações Exteriores da França, que propunha a criação de uma “união européia" a nível intergovernamental. Entretanto, em função da depressão econômica mundial de 1929, combinada com o nacionalismo exacerbado e com o auge dos regimes totalitários, o projeto do ministro francês não encontra adeptos. Tais propostas são deixadas de lado, até que são retomadas na segunda metade do século XX como meio de reestruturação da Europa que se encontrava devastada pela Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, os Estados europeus foram marcados por um profundo declínio econômico, em que a falta de recursos financeiros impossibilitava a satisfação da demanda populacional por bens de consumo e, com maior impacto, a reconstrução da economia, de modo que a Europa fragilizada encontrava-se propícia a uma expansão socialista. Entretanto, no intuito de coibir um possível expansionismo soviético, os Estados Unidos da América lançam o Plano Marshall, pelo qual seriam enviados recursos aos países europeus que se agrupassem numa organização econômica, a 11 qual teria finalidade de assegurar que as medidas de reconstrução da Europa fossem assumidas em comum pelos países ajudados. Da exigência norte-americana, cria-se em 1948 a Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), convertida em 1960 na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Assim, os países europeus passam a enxergar na possibilidade de cooperação a saída para a reconstrução de suas economias, afinal como diz Baracho (1997): “Além dos governos e nações, surgem na vida da humanidade necessidades que não podem ser apenas consideradas isoladamente pelos Estados, desde que é necessária a coordenação de esforços” (BARACHO, 1997, p.35). Dessa necessidade de cooperação tem-se em 1944, antes mesmo do Plano Marshall, a criação da área de livre comércio denominada BENELUX entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Mas, o grande impulso ao processo de integração dos Estados europeus veio no discurso pronunciado pelo ex - primeiro ministro britânico W. Churchil em setembro de 1946 na Universidade de Zurich, no qual defendia a criação progressiva dos chamados “Estados Unidos da Europa”. Por conseguinte, em maio de 1948 celebrou-se na cidade de Haya uma conferência de caráter privado organizada pelo Comitê de coordenação dos movimentos para uma Europa Unida, ou Movimento Europeu, chamada “Congresso Europeu”, no qual são traçadas as correntes de opinião federalista e unionista que estruturaram o desenvolvimento do processo de construção da União Européia. Pela corrente federalista, defendia-se a criação de uma Federação européia dotada de competências políticas, econômicas e sociais a partir da transferência de parte das soberanias nacionais pelos Estados participantes. Ao passo que pela corrente unionista defendia-se a criação de uma União Européia a partir de uma estrutura intergovernamental com a criação de instancias de coordenação das políticas nacionais, sem que os Estados membros abrissem mão de parte de sua soberania. Como uma “solução” para as divergências apresentadas pelas correntes federalista e unionista foi concebido em 5 de maio de 1949 o Conselho da Europa, cujo objetivo era promover a proteção aos direitos humanos a partir da cooperação internacional entre os Estados europeus, de modo a buscar de uma união mais estreita entre estes. 12 Segundo Borchardt: Os Estatutos do Conselho da Europa não fazem qualquer referência à criação de uma federação ou união, nem prevêem qualquer transferência ou exercício em comum de partes da soberania nacional. Todas as decisões sobre questões importantes são tomadas por unanimidade. (BORCHARDT, Klaus-Dieter, 2000, p. 7). Assim, o Conselho da Europa foi capaz de canalizar a cooperação entre os Estados europeus para a realização de convênios internacionais em matérias jurídicas, econômicas e sociais, bem como para criar um sistema de garantia de valores políticos fundamentais a partir da celebração do Convenio Europeu de Direitos Humanos de 1950. Com o impulso dado pelo Conselho da Europa para o processo de integração dos Estados europeus, o então ministro de relações exteriores francês R. Schuman apresenta em 9 de maio de 1950 uma declaração preparada pelo primeiro ministro francês Jean Monnet, a qual arquitetava um projeto de integração européia chamado funcionalismo europeu. Esse projeto se inscrevia dentro das correntes federalista e unionista e trazia um plano para o processo de construção de uma “união européia”, partindo do rompimento da rivalidade franco-alemã1 através de uma união da produção de carvão e aço desses Estados sob uma autoridade comum. Dessa idéia foram realizadas negociações que culminam com a assinatura em Paris no dia18 de abril de1951, do Tratado Constitutivo da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), o qual abriu as portas á uma integração comunitária entre França e Alemanha juntamente com a Itália, a Bélgica, os Paises Baixos e Luxemburgo. Posteriormente, os ministros de relações exteriores dos seis Estados que formavam a CECA, com o intuito de estenderem sua integração ao setor da energia nuclear e ao estabelecimento de uma união econômica, assinaram em Roma em 1957 o Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia (CEE) e o Tratado 1 Segundo Patrício (2006), no período entre 1850 a 1945 as relações em torno do eixo franco-alemão foram marcadas por rivalidades que se concentram na questão siderúrgica e na pujança econômico da região do Ruhr, Alsácia Lorena e Sarre. Rivalidades essas que alimentavam o medo europeu de um novo conflito após a segunda guerra mundial envolvendo os dois países. A solução vista por Jean Monet como caminho para a pacificação foi criar uma integração entre França e Alemanha, fazendo com que o carvão e o aço, umas das principais matérias primas para a expansão bélica, fossem colocadas sob um controle comum. Por conseguinte, o Tratado de Paris assinado em 1951 além de constituir a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, deu inicio a construção União Européia. 13 de Constituição da Comunidade Européia de energia Atômica (CEEA ou EURATOM), cujo objetivo era estabelecer um mercado comum e desenvolver a indústria nuclear de fins pacíficos. Em 1977 a CEE ganha novos adeptos, como Grã-Bretanha, Irlanda, Dinamarca, Portugal e Espanha. Nove anos depois o Ato Único Europeu revisa os Tratados então vigentes e aborda questões de integração política. Até que em 1992 foi assinado em Maastrichit o Tratado Constitutivo da União Européia (TUE), criando-se uma União Econômica e Monetária baseada em um pilar comunitário ou supranacional, constituído pelos Tratados da CEE e CECA, e em dois pilares de cooperação constituídos pela Política Exterior de Segurança Comum e Política Policial e Judicial em matéria penal. No entanto, durante o processo de criação da União Européia, foram acusadas várias falhas em sua estrutura, tanto pelo crescimento das competências comunitárias em detrimento das competências das esferas locais de poder, como pelo déficit democrático incompatível com as exigências de uma União, a qual se inspira em “valores fundamentais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, democracia, a igualdade e o Estado de direito.” (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia alterado pelo Tratado de Lisboa, 2007). Por esse motivo, a construção de uma união que viabilize o exercício da cidadania pelos cidadãos europeus, bem como que possa funcionar em harmonia com os interesses pluralistas dos Estados-membros, passou a ser uma preocupação constante no processo de integração europeu. Nesse contexto, para diminuir seu déficit democrático, a União Européia tem empenhado esforços para realizar alterações que a permita aproximar em maior grau as suas instituições dos seus cidadãos. Uma dessas alterações foi a introdução no artigo 3°-B do TUE do princípio da subsidiarieda de como clausula geral, com o fim de articular a atuação da União Européia e a satisfação dos interesses dos Estados-membros consubstanciados na vontade dos seus cidadãos. Outra tentativa de buscar avanços democráticos foi a aprovação do Tratado Constitucional em 2004, o qual aproximava mais do cidadãos o sistema de tomada de decisões. No entanto, o tratado não chegou a entrar em vigor, uma vez os referendos realizados na França e nos Países Baixos no ano de 2005 demonstraram uma resistência a ratificação da chamada Constituição da União Européia. 14 Aproveitando-se das negociações que levaram a cabo a aprovação do Tratado Constitucional de 2004, o Conselho Europeu convocou uma Conferência Intergovernamental para a redação de um novo Tratado de reforma. Com o objetivo de reforçar a democracia na União Européia, de tornar suas instituições mais transparentes e eficazes, em 13 de dezembro de 2007 foi aprovado o Tratado de Lisboa, o qual foi ratificado em 03 de novembro de 2009, entrando em vigor em 01 de dezembro do mesmo ano, o qual será abordado mais adiante no que diz respeito as modificações realizadas no controle do princípio da subsidiariedade. 15 3 ASPECTOS GERAIS DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE 3.1 Definição Etimologicamente, o termo subsidiariedade tem origem no vocábulo latino subsidium, que significa ajuda, reforço, estímulo, encorajamento, que, segundo Fausto de Quadros (1995), se traduz numa idéia permeada pelo dever da sociedade/comunidade “superior” ou “maior” em apoiar e estimular as sociedades/comunidade “inferiores” ou “menores” para a realização de uma atividade que essas reputem necessária. Isso, com o fim de ajudar as sociedades “inferiores” a alcançarem os seus objetivos com maior eficácia, sejam esses objetivos políticos, sociais ou econômicos. Mas antes de passar para a análise do termo subsidiariedade se faz necessário ressaltar que por sociedade/comunidade “superior” ou “maior” entendese o conjunto formado pelas chamadas sociedades/comunidades “inferiores” ou “menores”. As quais podem ser ilustradas na estrutura federativa brasileira, respectivamente, pela figura da República Federativa do Brasil que, nos termos do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, é formada pela união indissolúvel das comunidades “menores”, quais sejam, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Já no Direito Internacional, a sociedade “superior” ou “maior” consubstanciase em uma Organização Internacional, como a União Européia, constituída por um conjunto de sociedades “inferiores” ou “menores” de 27 Estados-membros europeus que se integram com fins econômicos, políticos e sociais. Feitos esses esclarecimentos, Lázaro (2001), partindo da raiz etimológica do princípio, aponta que o termo subsidiariedade dá lugar a três idéias diferentes chamas pela autora de algo secundário, supletivo e complementário. Pela idéia de secundário, faz-se referência a algo acidental em respeito a algo principal. Já pela idéia de supletivo e complementário advém a interpretação de que existem dois níveis hierarquicamente distintos de repartição de tarefas, cujo “superior” tem papel de suplementar ou complementar as tarefas que não podem ser realizadas pelo “inferior” suficientemente, de forma que: 16 […] como ayuda, la subsidiariedad constituye un mecanismo de reforzamiento de la comunidad inferior. La instancia superior viene a complementar y apoyar una acción, restaurar la capacidad de un grupo social no suficientemente capaz por si sólo de ejercer con eficacia sus competencias. (LÁZARO, 2001, p. 35) Nesse sentido acrescenta Baracho (1997): A complementaridade e a suplementariedade não são sempre dissociáveis. A suplementariedade é o que se acrescenta, entende-se que ela representa a questão subsidiária, destinada suplementariamente a desempatar os concorrentes. [...]. A subsidiariedade, implica, nesse aspecto, em conservar a repartição entre duas categorias de atribuições, meios, órgãos que se distinguem uns dos outros por suas relações entre si.(BARACHO, 1997, p. 24) Assim, o princípio da subsidiariedade é empregado quando há uma repartição de competências e/ou atribuições entre distintos níveis de poder, de modo que, como explica Quadros (1995): Parece não ser possível negar-se, atendendo ás próprias raízes do seu conceito na História, que o principio da subsidiariedade vem a levar a cabo uma repartição de atribuições entre a comunidade maior e a comunidade menor, em termos tais que o principal elemento componente do seu conceito consiste na descentralização, na comunidade menor, ou nas comunidades menores, das funções da comunidade maior. (QUADROS,1995, p. 17) Convém ressaltar que o princípio da subsidiariedade é ambivalente, pois pode ser lido tanto sob o aspecto positivo, quanto sob o aspecto negativo, de modo que pode ser utilizado tanto para justificar, quanto para limitar a ação da sociedade “superior”. Sob o aspecto negativo, explica Lázaro (2001) que o princípio se apresenta como uma garantia à autonomia dos membros da sociedade “inferior”, de forma a limitar a intervenção do poder político “superior” no âmbito das competências próprias das esferas locais de poder. Para tanto, antes que haja uma intervenção, tanto no âmbito legislativo, quanto no âmbito executivo local, deve-se verificar as necessidades da sociedade como um todo, ordenar os fins parciais e os fins totais a serem atingidos respeitando as proporções entre estes e atuar nas insuficiências das sociedades inferiores, seja na tomada de uma decisão, seja na execução ou concretização dessa decisão, na medida do que seja necessário para atingir os objetivos locais. 17 Como explica Baracho (1997), o princípio da subsidiariedade em seu sentido negativo deve ser interpretado como inerente à preservação das individualidades das sociedades que estão em nível hierárquico inferior, de forma que: [...] a definição de subsidiariedade, nas diversas formas de atividades sociais, não pode ter como meta destruir ou absorver os membros do corpo político, mas desenvolvê-los e propiciar que possam agir em clima de liberdade criativa. (BARACHO, 1997, p. 46) No que diz respeito ao aspecto positivo do princípio, sempre que a autoridade “superior” for mais eficaz para alcançar um determinado objetivo, sua intervenção tanto na tomada de decisões para atingir este fim, quanto para concretizá-lo, estará justificada. No entanto, deve-se ter cuidado para que o aspecto positivo não deforme o princípio da subsidiariedade no sentido de retirar a autonomia das sociedades “inferiores”, motivo pelo qual deve ser aplicado respeitando o equilíbrio entre as necessidades locais e a intromissão da sociedade “superior” somente naquilo que for preciso para a realização dos objetivos locais, conforme as circunstancias apresentadas no caso concreto. Segundo Lázaro (2001): Se trata, por tanto, de un principio flexible que puede ser interpretado de dos formas opuestas entre sí, pero que, en todo caso, busca un equilibrio entre injerencia y no-injerencia, autoridad y libertad atendiendo a las circunstancias concretas. (LÁZARO, 2001, p.44) Dessa forma, a autora acima mencionada define o principio da subsidiariedade como: [...] una regla de buen sentido que obliga a la instancia más extensa a no suplir la otra de menor àmbito hasta que no se demuestre la incapacidad de esa última para llevar a cabo una determinada acción u obtener el efecto pretendido, pero que también obliga a actuar a la primera cuando se constate esa incapacidad. (LÁZARO, 2001, p.33) Em atenção à preservação da autonomia das sociedades “inferiores”, Quadros (1995) assim explica: Daqui resulta que a comunidade maior só poderá realizar uma dada actividade das atribuições da comunidade menor se esta, havendo a 18 necessidade de a realizar, não for capaz de a realizar “melhor”. (QUADROS, 1995, p.17/18) Assim, a partir dos conceitos e esclarecimentos aqui apresentados, pode-se definir o princípio da subsidiariedade como um mecanismo aplicado à repartição de competências de modo a disciplinar a intervenção da “sociedade superior” nos âmbitos legislativo e executivo locais, mas somente naquilo que a “sociedade inferior” se manter inerte ou não puder realizar de forma suficiente ou eficaz para alcançar os objetivos comuns dos indivíduos. Tendo em vista que se prima pela atuação das esferas de poder locais na medida em que estas, por estarem mais próximas aos indivíduos que as constitui, têm maior capacidade de harmonizar os interesses conflitantes na busca da realização de seus fins. 3.2 Evolução histórica do Princípio da Subsidiariedade A formulação da idéia de subsidiariedade acompanha a evolução da ciência política, tanto que, para alguns autores como Quadros (1995), encontra seus primeiros traços no pensamento de Aristóteles, que em sua obra “A Política” descreve uma sociedade composta por grupos sociais superpostos em que cada um exerce uma tarefa específica, seja de artesãos, governantes ou comerciantes, atendendo, na medida do possível, suas próprias necessidades. Mas, esses grupos sociais são, isoladamente, incapazes de suprir todas as suas necessidades, motivo pelo qual precisam da pólis, ou Estado-cidade, para suprir suas insuficiências e permitir a realização dos seus fins. Entretanto, o poder da pólis deve ser limitado de tal forma que não permita anular a capacidade de atuação dos grupos sociais nos âmbitos em que é suficiente. Apesar do filósofo grego ser visto por alguns autores como o precursor da idéia do princípio da subsidiariedade, deve-se ressaltar que a sociedade pensada por Aristóteles não comporta o conceito do principio em tela. Afinal, segundo Arruda Aranha e Pires Martins (2003), o mencionado filosofo defende a existência de uma sociedade estratificada, na qual são cidadãos apenas os homens livres, nascidos na polis, excluindo, dessa forma, as mulheres, os escravos e estrangeiros, sendo que 19 dos homens livres considerados cidadãos, somente os que gozavam de ócio para participar da vida pública poderiam integrar a administração, a justiça ou a assembléia governante, uma vez que o trabalho manual “embrutece a alma e torna o indivíduo incapaz da prática de uma virtude esclarecida.” (ARANHA; ALVIN, 2003, p. 224), de modo que não será capaz de agir visando o bem comum. Tendo em vista que o princípio da subsidiariedade tem como finalidade permitir o acesso mais amplo dos cidadãos no processo de tomada de decisões, o mesmo não se enquadra num conceito de sociedade excludente e estratificada que admite, inclusive, a existência de escravidão, em que o chamado “bem comum” é definido por um grupo restrito de cidadãos, se afastando das demais pessoas que a compõe. Dessa forma, os objetivos da sociedade acabariam por expressar os objetivos dos grupos de governantes, não cabendo, portanto, na concepção de polis aristotélica a idéia de subsidiariedade. Seguindo a ordem cronológica, vários autores apontam traços da construção da noção de subsidiariedade em Santo Tomás de Aquino, o qual ao utilizou o pensamento aristotélico para justificação do cristianismo. Assim, como explica Baracho (1997), a compreensão aristotélica de cidadão é substituída por Tomás de Aquino pela entidade cristã “pessoa”, de modo que cada pessoa é responsável pelo seu destino, mas é incapaz de realizar a sua felicidade, fazendo-se necessário o poder político como simples meio a serviço da sociedade. Mas, segundo Lázaro (2001), é Althusius2 o pai da subsidiariedade, pois é o primeiro autor federalista e o primeiro que descreve uma sociedade subsidiária, a qual é construída por contratos políticos, em que os grupos sociais menores se 2 Considerado um dos precursores do federalismo, Althusius foi um jurista alemão reconhecido pela sua principal obra Politica Methodicae Digesta, atque Exemplis Sacris et Profanis Illustrata cuja primeira edição foi publicada em 1903. Em sua obra, o jurista cria um modelo federalista de organização da sociedade chamado “associação simbiótica” no qual descreve uma sociedade formada por pessoas que vivem juntas e unidas por um contrato de união institucionalizado. Nessa sociedade. a vida em conjunto possui uma harmonia, chamada por Althusisus de “simbiose”, na qual as pessoas se unem para satisfazer seus interesses comuns, de modo que a soberania é exercida por todos os seus membros em conjunto. Friedrich e Carney (1964) na tradução resumida da terceira edição da obra Politica Methodice Digesta, explicam que na teoria da “associação simbiotica” cada nivel de sociedade é precedida por outra maior que a abarca. No entanto, cada sociedade “menor” preserva sua autônomia, de modo que a sociedade “maior” contribuirá com a sociedade “menor” naquilo que esta não puder realizar sozinha em função de seu pequeno tamanho. Pensamento este que se traduz na idéia de subsidiariedade. 20 integram com outros grupos que cedem parte de suas liberdades para a formação de um grupo maior, sem, contudo, abrir mão se sua autonomia. Por conseguinte, a teoria althusiana influenciou nos séculos XVII e XVIII autores como Thomas Hobbes e John Locke, os quais entendiam que a sociedade necessitava de uma autoridade porque os homens não conseguiam por si mesmos conservar a sua autonomia, de modo que o Estado, de forma suplementar, atenderia a essa carência. Mais à frente no século XIX, surge a corrente liberal constituída por teóricos como Tocqueville e Hegel, a qual defende a não intervenção do Estado nas sociedades locais, de modo que a atuação do Estado se restringiria à realização dos direitos próprios dos indivíduos de forma subsidiária. Afinal, a sociedade liberal do século XIX tem como objetivo o indivíduo. Nesse sentido, Jonh Stuart Mill diz que o governo, como se infere do princípio da subsidiariedade, deve interferir somente nas tarefas que o indivíduo não é capaz de realizar. Por sua vez, Proudhon e Taine recuperam a importância dos grupos sociais e perpetuam a idéia de atuação subsidiária do Estado, ainda que num sentido mais amplo que o pensado pela corrente liberal, afinal trata-se não só de realizar os fins individuais, mas os da sociedade. Ao final do século XIX e início do século XX, o princípio da subsidiariedade também é trabalhado na Doutrina Social da Igreja Católica, que, para Quadros (1995), foi a primeira construção dogmática da idéia da subsidiariedade como princípio da Filosofia Social, de modo que o número 79 da Encíclica de Pio XI do Quadragésimo Anno consta ser injusto confiar à comunidade maior o que as comunidades menores podem realizar, pois “o fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros e não destruí-los ou absorvê-los” (Encíclica do Quadragésimo Anno, apud, QUADROS, 1995, p. 14). Nesse aspecto Lázaro (2001) complementa ao dizer que a encíclica citada traz apenas o aspecto negativo da subsidiariedade, devendo ser lida em conjunto com a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, a qual, embora não mencione expressamente o princípio da subsidiariedade, trata da possibilidade da intervenção dos poderes públicos onde sejam necessários num sentido positivo do princípio. A partir dos ensinamentos dos textos pontifícios, o princípio da subsidiariedade passa a ser utilizado como instrumento pelos governantes na 21 medida em que é vinculado à organização da sociedade, permitindo, dessa forma, a atuação do Estado para efetivação das necessidades das sociedades. Já na corrente corporativista de R. de La Tour du Pin, que depois inspirou regimes ditatoriais como o de Salazar, o princípio da subsidiariedade serve as corporações nas instancias intermediárias que configuram a relação entre as mesmas e com os indivíduos procurando transformar a concepção do princípio em sistema de representação do indivíduo e das associações que estes integram. No entanto, tal teoria é utilizada para justificar regimes totalitários que afirmam, como pontua Baracho (1997), que o indivíduo nada pode ser sem as corporações, as quais representam o interesse do Estado que aparece em cena como o detentor de autoridade. Entretanto, o princípio da subsidiariedade foi desvirtuado para explicar o intervencionismo do Estado em detrimento dos indivíduos, maquiando a atuação subsidiária do Estado frente às corporações, as quais nada mais são que agentes ligadas á manutenção dos interesses de um poder político totalitarista. Atualmente, nas sociedades constituídas sob a ordem democrática, o princípio se manifesta em regimes federalistas de organização do Estado, na medida em que as autoridades locais possuem autonomia de atuação na consecução do interesse local, contribuindo, por conseguinte, para realização do interesse geral, de modo que cabe ao ente federativo superior intervir quando tais interesses não possam ser realizados pelos entes federativos inferiores. Ademais, se manifesta nos movimentos de integração de Estados. No que tange a União Européia, a idéia de não sacrificar a individualidade dos Estados frente à integração aparece no discurso de Jean Monet citado por Quadros (QUADROS, 1995, p. 24) ao defender que “a Europa não se fará sem os Estados e muito menos contra os Estados”. Para Quadros (1995), a primeira tentativa de introduzir o princípio no Direito Comunitário concretiza-se nos artigos12° e 16° do Relatório Tindemans, no Projeto de Tratado da União Européia cujo preâmbulo dispunha que os Estados membros decidiam “confiar a órgãos comuns, de harmonia com o princípio da subsidiariedade, só os poderes necessários ao bom desempenho das tarefas que eles podem realizar de forma mais satisfatória do que os Estados considerados isoladamente” (QUADROS, 1995, p.28). 22 Após, o princípio foi integrado no artigo 130°- R, n° 4, do Tratado da CEE pelo artigo 25° do Ato Único Europeu, até que o Tratado da União Européia, que institui a Comunidade Européia, inclui no seu artigo 3° - B, § 2° uma cláusula geral sobre o princípio da subsidiariedade com o objetivo de que as decisões comunitárias fossem tomadas ao nível mais próximo dos cidadãos. Portanto, “às federações e à sociedade internacional, aplica-se o princípio de subsidiariedade, objetivando a integração, sem reduzir as potencialidades dos entes circunjacentes.” (Baracho, 1997, p. 34). 23 4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO ÂMBITO DA UNIÃO EUROPÉIA Embora o princípio da subsidiariedade tenha sido abordado durante a construção da União Européia, seja de forma implícita ou explícita, o mesmo só foi abrangido pelo Direito Comunitário a partir de sua inclusão como norma geral no Tratado da União Européia aprovado pelo Conselho Europeu de Maastrichit de 9 e 10 de dezembro de 1991, entrando em vigor em fevereiro de 1992. O princípio da subsidiariedade é mencionado já no preâmbulo do Tratado da União Européia, o qual dispõe: Resolvidos a continuar o processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos, de acordo com o princípio da subsidiariedade. (QUADROS, 1995, p. 35) Mas foi o artigo 3°-B, § 2° do mencionado Tratado, incluído no artigo 5° do Tratado da Comunidade Européia pelo Tratado de Amsterdã de 1997, que se consagrou o princípio da subsidiariedade como norma de obrigatória observância e cumprimento geral, cujo texto normativo preceitua: A Comunidade actuará nos limites das atribuições que lhes são conferidas e dos objectivos que lhe são cometidos pelo presente Tratado. Nos domínios que não seja das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros, e possam pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário. A acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objetivos do presente Tratado. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de Amsterdã, 1997). Assim, para estudar a aplicação do princípio da subsidiariedade, como disposto no artigo 3°-B, § 2°, cabe dividi-lo quant o ao domínio e aos requisitos de sua aplicação. 4.1 Domínio de aplicação do princípio da subsidiariedade 24 O artigo3°-B, §2° divide-se em dois elementos. O pr imeiro elemento diz respeito ao fragmento “Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas (...)”, pelo qual se faz necessário esclarecer o que se entende por competências exclusivas e não exclusivas da Comunidade. Nesse aspecto cabe ressalvar que, como explica Mangas (2005), ao aderir a União Européia, cada Estado membro passa a se integrar ao Direito Comunitário de modo que seu ordenamento jurídico interno deva se relacionar com aquele. Para tanto, os Estados membros aceitam as normas comunitárias e assumem a obrigação de dar plena efetividade as mesmas, de forma que “flexibilizam” a sua soberania em função da supranacionalidade da Comunidade Européia ao atribuir-lhe competências para que esta possa realizar seus objetivos comuns. Objetivos esses que se sintetizam na promoção do progresso econômico, social e político de seus povos respeitando os direitos da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito, os direitos sociais, visando o aprofundamento da solidariedade entre os povos, respeitando suas especificidades histórico-culturais. No entanto, o que se atribui às Instituições Comunitárias não são as competências nacionais propriamente ditas, mas o exercício das mesmas em matéria legislativa, executiva, judicial e regional. Dessa forma, o exercício de competência atribuído à Comunidade tem finalidade, procedimento e efeito distinto, uma vez que não se tratam de competências nacionais, pois essas não se perdem, de modo que podem voltar para os Estados membros. Tampouco se esgotam com a adesão à União Européia, tendo em vista que podem ocorrer posteriores reformas aos Tratados. Portanto, quando se falar em atribuição de competências pelos Estados membros à Comunidade, deve-se ler atribuição do exercício de competências. Voltando à repartição de competências, pelo princípio de atribuição de competências consagrado no artigo 5° in fine do Tratado da Comunidade Européia (TCE), a Comunidade deverá atuar dentro dos limites das competências e objetivos dispostos nos Tratados. Dessa forma, Lázaro (2001) esclarece que no âmbito da União Européia segue-se o método funcionalista, o qual se caracteriza pela atribuição de competências pelos Estados membros à Comunidade por meio dos Tratados para a 25 consecução dos objetivos previstos nestes, de modo que as competências não atribuídas seguem dentro da esfera nacional. Assim, os Tratados não tratam de matérias de competência da União Européia, uma vez que impõe os objetivos a alcançar, as ações a realizar e as funções a serem cumpridas, o que não permite distinguir claramente quais competências seriam comunitárias e quais seriam nacionais. Nesse sentido, Del Pozo complementa: [...] la técnica empleada por los Tratados obedece a consideraciones funcionales o teleológicas y no a criterios materiales. La competencia no se cede a una Comisión en cierta materia, sino que se residencia en sede comunitaria para desempeñar una función o conseguir un fin. (DEL POZO apud LÁZARO, 2001, p. 123). Destarte, tem-se que o princípio da subsidiariedade deve ser aplicado nas atribuições que não são de competência exclusiva da Comunidade, sendo que a distribuição de competências se dá pelo método funcionalista nos moldes traçados pelos Tratados. Assim, cabe abordar a definição das competências exclusivas e não exclusivas da Comunidade. No que tange às competências exclusivas da Comunidade, explica Lázaro (2001) que no ordenamento jurídico comunitário não há uma lista enumerativa de tais competências, tampouco há um critério claro que permita delimitá-las. Isso ocorre por uma opção dos fundadores da Comunidade, os quais preferiram não estabelecer limites bem definidos, com o objetivo de permitir uma progressiva expansão no campo de atuação comunitária. Noutras palavras: La idea de establecer una lista de competencias de la Comunidad fue descartada durante la negociación del Tratado de Maastrichit. La mayoría de los Estados miembros había subrayado la dificultad de este ejercicio y la necesidad de conservar un sistema evolutivo. (…) A pesar de que la existencia de una lista enumerativa de las competencias comunitarias y de las competencias estatales permitiría determinar sin dificultad el ámbito de aplicación del principio de subsidiariedad, también acabaría con el potencial expansivo del sistema europeo, congelando las competencias pertenecientes a cada nivel y obligando a revisar los Tratados cada vez que las circunstancias socio-económicas lo requieran. Además, es difícil que se puedan separar de forma radical los distintos dominios de competencia con vistas a asegurar el objetivo primordial de la Comunidad que es la realización de un mercado interior. (LÁZARO,2001, p. 128/129) Segundo Lázaro (2001), as competências exclusivas da Comunidade estariam definidas nas áreas que os Tratados dispusessem sobre a transferência de 26 competências à Comunidade de modo que excluísse a atuação unilateral de qualquer dos Estados membros, mesmo quando a Comunidade não a exercitasse efetivamente. Nesse caso, qualquer atuação dos Estados membros seria vista como contrária aos objetivos do Tratado, salvo quando, mediante autorização das instituições comunitárias, seja permitido aos Estados atuarem de forma delegada em determinados aspectos da competência exclusiva da Comunidade. Desse modo, o princípio da subsidiariedade exclui em sua aplicação a competência exclusiva da Comunidade, uma vez que se trata de competência própria que afasta a competência dos Estados membros. Quanto à competência dos Estados membros, entende-se pelo principio da atribuição de competências consagrado no artigo 5°, § 1° do TCE, que todas as competências não atribuídas à Comunidade, seja nos Tratados, seja implicitamente pelo exercício das mesmas, permanecem na esfera de atuação nacional. Afinal, a competência estatal é a regra, enquanto a comunitária é exceção. Nesse sentido, Quadros (1995) entende que como o artigo 3-B, §2° não fala em atribuições exclusivas dos Estados,“deve-se entender que todas as atribuições não sejam exclusivas da Comunidade são concorrentes entre ela e os Estados e que, em relação a elas, é dada a prioridade a actuação dos Estados” (QUADROS, 1995, p.38), sendo que as atribuições concorrentes serão exercidas “ou pelos Estados ou pela Comunidade, mas só poderão ser prosseguidos por esta se os Estados não forem capazes de exercê-la em determinadas condições”, assim “as atribuições em causa não podem ser exercidas simultânea e conjuntamente pelos Estados e pela Comunidade” (QUADROS, 1995, p. 39). Dessa forma, o autor esclarece que não há atribuições partilhadas, pois não são distribuídas simultaneamente entre a Comunidade e os Estados membros, isso porque não há o exercício conjunto e simultâneo daquelas por estes. Por sua vez Lázaro (2001), ao contrário de Quadros, entende que a atuação prioritária é da Comunidade em caso de competência concorrente. Nesse sentido explica a autora: A pesar de la idea equivocada que puede resultar del vocablo <<concurrentes>>, no se trata de dominios competenciales donde tanto la Comunidad como los Estados miembros pueden intervenir indistintamente. En realidad, aquí la intervención comunitaria está privilegiada Como ya hemos puesto de manifiesto anteriormente, existe más bien una competencia potencial o virtualmente exclusiva de la Comunidad, es decir, en tanto en cuanto la Comunidad no interviene en un determinado dominio, 27 que no esté previsto en los Tratados como de su competencia exclusiva, los Estados están habilitados para actuar. Una vez que la Comunidad interviene, la acción de los Estados queda excluida. (LÁZARO, 2001, p. 139) Nesse aspecto a autora se contradiz, afinal a própria entende que a atuação Comunitária é exceção enquanto a atuação dos Estados é regra, uma vez que, como disposto no preâmbulo do TUE, a União Européia prima pela tomada de decisões o mais próxima dos cidadãos quanto possível, pois há uma preocupação com a participação democrática na construção do processo de integração. Portanto, quando a competência não for exclusiva da Comunidade aplica-se o princípio da subsidiariedade reservando aos Estados a atuação prioritária. 4.2 Requisitos de aplicação do princípio da subsidiariedade O segundo elemento a ser analisado, diz respeito ao trecho do artigo 3°-B, §2° do Tratado da União Européia, pelo qual “[...] a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da ação prevista, ser melhor alcançados à nível comunitário.” (União Européia, 1991) Conforme Quadros (1995), esse fragmento exprime a idéia nuclear do princípio da subsidiariedade de que a comunidade maior só deve intervir quando puder atuar de melhor forma do que a comunidade menor, de modo que “a necessidade da prossecução daquela atividade e a maior eficácia da comunidade maior nessa prossecução são o dois requisitos da concretização e da aplicação do princípio da subsidiariedade” (QUADROS, 1995, p. 18). No entanto, há uma elevada subjetividade ao definir o que seria “maior eficácia”, ou “suficiência” nos termos mencionados, motivo pelo qual é imprescindível definir critérios para que Comunidade demonstre que sua atuação é necessária, que a atuação dos Estados não é suficiente e que os objetivos do Tratado podem ser melhor alcançados por ela. Com a finalidade de definir os critérios de aplicação do princípio e assegurar o seu cumprimento por parte das Instituições Comunitárias, foi incluído no texto do 28 Tratado aprovado em Amsterdã em 1997 o Protocolo número 30 relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Assim, em seu apartado 3 e 4, o protocolo aborda que o princípio da subsidiariedade ao ser aplicado, tanto negativamente, quanto positivamente, deve observar os objetivos enunciados no Tratado. Para tanto, qualquer proposta de texto legislativo comunitário deverá conter em seus motivos que obedece ao princípio da subsidiariedade e justificar as razões pelas quais se conclui que um determinado objetivo será mais bem alcançado a nível comunitário. Noutro giro, o artigo 3-B, §2° do Tratado União Eur opéia diz que se aplica o princípio da subsidiariedade quando os objetivos do Tratado podem ser melhor alcançados à nível comunitário “devido à dimensão ou aos efeitos da ação prevista”. Nesse sentido, explica Lázaro (2001): [...] si la medida se adopta por los Estados individualmente, se servirán para ello de sus propios procedimientos y afectará únicamente a sus ciudadanos; si , por el contrario, es la Comunidad quien toma la decisión, lo hará en conformidad con el correspondiente procedimiento previsto en los Tratados y se aplicará al conjunto de los ciudadanos europeos. (LÁZARO, 2001, p. 144) Por conseguinte, questiona a autora se a comunidade poderá intervir somente se o objetivo não puder ser realizado pelos Estados membros separadamente ou quando este não possa ser alcançado nem separadamente, nem em cooperação. Em resposta, a autora se baseia em alguns trabalhos do Conselho Europeu que legitimavam a intervenção da comunidade quando os Estados membros, atuando em separado, não podiam atender a um objetivo do Tratado. No entanto, se a Comunidade intervém, numa ação realizada à nível nacional de forma insuficiente por um ou alguns Estados, sua decisão geral afetaria também aos Estados membros que fossem capazes de atingir os objetivos do Tratado por si mesmos. Assim, a Comunidade estaria invadindo a atuação estatal suficientemente realizada infringindo, por conseguinte, o objetivo do Tratado de que as decisões comunitárias sejam tomadas a um nível tão próximo quanto possível dos cidadãos. Por esse motivo, entende Quadros (1995) que [“...] em princípio, a Comunidade só deve intervir, em detrimento dos Estados, quando a acção prevista tenha dimensão e produza efeitos numa escala tendencialmente comunitária.” (QUADROS, 1995, p.46), ou seja: 29 Isto significa que, uma vez comprovada a insuficiência de alguns Estados para realizarem a acção proposta, perante a suficiência da maior parte deles para o efeito, a Comunidade deve começar por encorajar e ajudar os primeiros, de modo que eles adquiram a suficiência necessária para o prosseguimento, por eles próprios da acção pretendida. Só no caso de persistir, num segundo momento, a insuficiência daqueles Estados, e se a sua participação na acção pretendida for indispensável à sua concretização, é que se justificará que a Comunidade substitua aos Estados através da via da subsidiariedade. (QUADROS, 1995, p.47) Logo, deve-se atender a especificidade de cada caso concreto para definir quando a dimensão e os efeitos da ação em questão justificam a aplicação do princípio da subsidiariedade e, consequentemente, a atuação da Comunidade. Destarte, a aplicação do princípio da subsidiariedade envolve a interpretação subjetiva de seus requisitos conforme o caso concreto, motivo pelo qual a sua aplicação deve estar sujeita a controle em respeito ao seu fim democrático, para, então, fiscalizar que o mesmo não se torne meio para sacrificar a autonomia dos Estados membros. 30 5 O CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA SUBSIDIARIEDADE ANTES DO TRATADO DE LISBOA Como visto anteriormente, ao se aplicar o Princípio da Subsidiariedade, devese ter cautela em definir se os objetivos dos Tratados Constitutivos da União Européia podem ser realizados de melhor modo ou com maior suficiência pela Comunidade, afinal tal definição comporta elevada subjetividade, o que poderia justificar uma atuação discricionária de suas instituições. Para limitar uma possível atuação discricionária da Comunidade, é imprescindível que haja um controle da aplicação do princípio da subsidiariedade. No entanto, o Tratado da União Européia, mesmo após as modificações trazidas pelos Tratados da Comunidade Européia, Amsterdã e Nice, não estabelece um órgão incumbido da correta aplicação do Princípio da Subsidiariedade, nem mesmo um procedimento específico de controle, de modo que o controle da aplicação do princípio da subsidiariedade é relegado às instituições comunitárias. Assim, em um primeiro momento se faz um controle político realizado pela Comissão, Conselho da União Européia e Parlamento Europeu, quando da tomada de decisões e elaboração de normas. Para, então, proceder-se a um controle de caráter jurídico pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, o qual, mediante provocação, será incumbido de verificar se houve correto cumprimento da aplicação do Princípio da Subsidiariedade. 5.1 Controle político da aplicação do Princípio da Subsidiariedade O controle político do princípio da subsidiariedade também pode ser chamado de controle a priori, uma vez que é realizado em um primeiro momento por três instituições comunitárias: a Comissão, o Conselho e o Parlamento. Afinal, são essas as instituições encarregadas da elaboração de normas no contexto legislativo da União Européia, de forma que lhes incumbe a verificação da aplicação do princípio em tela no exercício de suas atribuições. 31 Mas, antes de falar do controle político propriamente dito, é necessário abordar rapidamente como essas instituições participam no processo legislativo comunitário. A Comissão atua no processo legislativo da União Européia como força impulsora, uma vez que é encarregada da iniciativa legislativa comunitária, pois cabe a ela realizar a proposta de lei ao Parlamento e ao Conselho da União Européia. Por sua vez, o Parlamento irá proceder com o controle democrático das propostas realizadas pela Comissão. Por fim, cabe ao Conselho da União Européia a responsabilidade de aprovar as normas comunitárias, sendo que, em algumas matérias, o Parlamento comparte dessa competência legislativa. Dessa forma, a Comissão tem a iniciativa de propor a legislação comunitária, motivo pelo qual recai sobre essa instituição a obrigação primeira de realizar o controle político da aplicação do princípio da subsidiariedade. Nesse sentido, compreende Lázaro (2001): Una responsabilidad particularmente importante recae sobre esta institución. Por un lado, la Comisión gozará prácticamente del monopolio de iniciativa en la mayor parte de los dominios de competencia comunitaria, lo que le confiere un papel central en el proceso legislativo comunitario. Por otro, se trata de la institución mejor equipada para recabar la información necesaria en orden a determinar la oportunidad de una intervención de la Comunidad. Es lógico, por tanto, esperar que la Comisión desempeñe un rol preeminente en la aplicación del principio de subsidiariedad. (LÁZARO, 2001, p. 164) Para tanto, o Protocolo número 30 que versa sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade, refere em seu apartado 9 sobre a conduta a ser seguida pela Comissão ao exercer seu direito e iniciativa para propor legislação ao Conselho da União Européia e ao Parlamento Europeu. Assim, cabe à Comissão realizar consultas, salvo em casos confidenciais; fundamentar a pertinência de suas propostas ao princípio da subsidiariedade e apresentar anualmente ao Conselho Europeu, ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade, o qual será enviado ao Comitê das Regiões e ao Comitê Econômico e Social. Em atendimento ás determinações do Protocolo número 30 acima expostas, explica Lázaro (2001), que antes de exercer a iniciativa legislativa, a Comissão deve examinar cuidadosamente tanto a eficiência como o alcance de sua intervenção, bem como de que qualquer carga financeira ou administrativa que recaia sobre a 32 Comunidade e sobre os Estados membros deva ser reduzida ao mínimo e ser proporcional aos objetivos que se pretende alcançar. Para isso, a Comissão pode realizar consultas aos Estados membros, publicar documentos de consulta e consultar aos instrumentos de orientação elaborados pelas demais instituições comunitárias. Ademais, a Comissão deve justificar todas as suas propostas de lei à luz do princípio da subsidiariedade, expondo suas fundamentações de forma clara e objetiva para assegurar que sejam bem entendidas pelos seus destinatários e pelas demais instituições comunitárias. A Comissão também deverá apresentar anualmente um relatório sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade. A elaboração de tal relatório foi estabelecida pelo Acordo Institucional de 21 de dezembro de 1993, sendo que o mesmo deveria ser apresentado ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Européia, devendo o Parlamento organizar um debate político tendo o relatório como objeto. Posteriormente, o protocolo número 30 amplia no sentido de que esse relatório deve ser apresentado às instituições mencionadas e enviado ao Comitê das Regiões e ao Comitê Econômico e Social. Assim, verificada a eficiência e a necessidade da intervenção da Comunidade, suas implicações para os Estados membros e realizadas as consultas necessárias para confirmar tal verificação, a Comissão irá realizar ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Européia a proposta legislativa fundamentada na observância do princípio da subsidiariedade. Por sua vez, cabe a essas duas últimas instituições proceder á uma revisão da correta aplicação do princípio em questão. Nesse aspecto, o apartado 11 do Protocolo número 30 dispõe que: Na plena observância dos processos aplicáveis, o Parlamento Europeu e o Conselho procederão a uma análise, que faz parte integrante da análise global das propostas da Comissão, da coerência dessas propostas com o disposto no artigo 3º-B do Tratado, quer se trate da proposta inicial da Comissão ou das alterações que nela tencionem introduzir. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de Amsterdã, 1997) De tal modo, o Conselho da União Européia específico para debater a matéria da legislação proposta pela Comissão procederá ao seu exame com base no parágrafo segundo do artigo 3°-B do Tratado da U nião Européia, dessa forma os 33 Estados membros nele representados deverão ter em conta a sua capacidade de atuação individual para conferir se a intervenção da Comunidade se faz oportuna e necessária. Por conseguinte, o Conselho da União Européia poderá rechaçar a proposta legislativa da Comissão, bem como aprová-la ou emendá-la, sendo que em todos esses casos deverá justificar sua decisão expondo de forma clara e inequívoca suas razões. Nos casos em que a matéria exija a sanção do Parlamento Europeu para a aprovação de leis comunitárias, seja pelo instituto da codecisão, seja pelo da cooperação, cabe ao Conselho informá-lo sobre a posição tomada a respeito da aplicação do princípio da subsidiariedade através de uma nota justificativa, como disposto no apartado 12 do Protocolo número 30, segundo o qual: No decurso da aplicação dos processos previstos nos artigos 189º-B e 189ºC do Tratado, o Parlamento Europeu será informado da posição do Conselho relativamente à aplicação do artigo 3º-B do Tratado, através de uma nota justificativa em que se apresentam os motivos que levaram o Conselho a adoptar a sua posição comum. O Conselho informará o Parlamento Europeu das razões pelas quais considera que uma proposta da Comissão não é compatível, no todo ou em parte, com o artigo 3º-B do Tratado. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de Amsterdã, 1997) Por fim, o Parlamento Europeu intervém no controle da aplicação do princípio da subsidiariedade tanto ao compartir com o Conselho da União Européia a competência legislativa, quanto ao exercer o controle democrático das instituições, de modo a acompanhar o processo legislativo desde a sua proposição pela Comissão. Segundo o artigo 54 do Regulamento Interno do Parlamento Europeu: 1. Durante el examen de una propuesta legislativa, el Parlamento deberá considerar especialmente si la propuesta respeta al principio de subsidiariedad […]. 2. Si el Parlamento llegar a la conclusión de que no se respeta debidamente el principio de subsidiariedad […], pedirá a la Comisión que introduzca las modificaciones necesarias en su propuesta. (UNIÃO EUROPÉIA apud LÁZARO, 2001, p. 170) Assim, o Parlamento Europeu, em um primeiro momento, verifica se a proposta legislativa da Comissão atende ao princípio da subsidiariedade, caso contrário, pede à Comissão que realize as modificações necessárias. 34 Já quando comparte da competência legislativa do Conselho da União Européia, cabe ao Parlamento verificar se houve correta aplicação do princípio da subsidiariedade, bem como examinar se a intervenção da Comunidade se faz necessária para realização dos objetivos do Tratado com maior eficácia, para então sancionar a lei comunitária elaborada, devendo sempre motivar a sua decisão, afinal como diz Baracho (1997), “O princípio da subsidiariedade é uma garantia contra a arbitrariedade, procura inclusive suprimi-la. É necessário que toda autoridade investida de funções deva justificar seus atos no exercício de suas funções.” (BARACHO, 1997, p 30). No entanto, se após a aprovação das normas comunitárias, ainda houver algum vicio na aplicação do princípio da subsidiariedade, restará ao poder judiciário da União Européia proceder ao controle da aplicação do mesmo. 5.2 Controle jurídico do Princípio da Subsidiariedade Após o controle político realizado pela Comissão, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Européia, resta ao Tribunal de Justiça das Comunidades Européias, em última instancia e mediante provocação, a função de assegurar a correta aplicação do princípio da subsidiariedade. Afinal, essa é a instituição comunitária incumbida de garantir a interpretação e aplicação uniforme do Direito Comunitário pelos Estados membros e pelas demais instituições que compõem a União Européia. Entretanto, a competência do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias para a realização do controle da correta aplicação do princípio da subsidiariedade não se restringe somente à determinação de sua função institucional de uniformizar a aplicação do Direito Comunitário, mas também ao fato de que o princípio em tela é abordado pelo ordenamento comunitário como uma regra obrigatória de direito, de modo que sua aplicação é suscetível de ser discutida por este Tribunal. Nesse sentido, explica Quadros (1995): Quer pela colocação sistemática do artigo 3°-B, par .2, quer pelo ser teor, percebe-se que o princípio da subsidiariedade nos surge aí como uma regra 35 de Direito, e como uma regra obrigatória, e não apenas como um princípio político ou como uma simples norma programática. Foi essa também a posição adoptada no citado Relatório Medina Ortega, onde se definiu aquele princípio como uma “norma jurídica de grau constitucional”, posição que veio a ser sufragada pela Resolução do Parlamento Europeu, também já citada, que foi aprovada com base naquele Relatório. Por isso, a aplicação daquele princípio vai ficar sujeita ao controlo dos dois Tribunais Comunitários. (QUADROS, 1995, p.56/ 57) Dessa forma, pode-se dizer que o princípio da subsidiariedade é dotado de justiciabilidade 3, uma vez que o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias tem a competência para interpretá-lo e aplicá-lo. Seguindo essa linha de raciocínio, Lázaro (2001) explica a introdução dessa justiciabilidade em um plano comunitário normativo quando, no Acordo Interinstitucional de 25 de outubro de 1993, foi estabelecido que o Tribunal de Justiça será encarregado de decidir as questões acerca da aplicação do princípio da subsidiariedade em todas e em cada uma das fases do procedimento legislativo comunitário, mediante processo comunitário normal. Entendimento esse que foi reforçado pelo Conselho de Edimburgo e finalmente pelo apartado 13 do Protocolo Número 30 pelo qual “A observância do princípio da subsidiariedade será reanalisada de acordo com as regras constantes do Tratado.” (UNIÃO EUROPÉIA, 1997), admitindo, então, que as questões de verificação e aplicação do princípio sejam submetidas ao controle de Tribunal de Justiça das Comunidades Européias. No entanto, como salienta a mencionada autora, os critérios de aplicação princípio da subsidiariedade são abstratos e carregam consigo um caráter discricionário ao ser aplicado pelas instituições comunitárias, afinal as mesmas fazem uma análise valorativa ao determinar se os objetivos pretendidos não podem ser alcançados de maneira suficiente pelos Estados membros, bem como se a Comunidade é mais eficaz para este fim. Por esse motivo, "[...] la cuestión de justiciabilidad no es tanto si él debe controlar la aplicación de principio, sino más bien cómo y en qué medida realizará o debe realizar esta función.” (LÁZARO, 2001, p. 175). Em termos de jurisdição, se exclui da abrangência do exercício do controle judiciário os Tratados que não introduzem em seu corpo o princípio da subsidiariedade como aplicável à matéria da qual trata. Desse modo: 3 Nas palavras de Lázaro (2001), justiciabilidade é um termo objetivo empregado para fazer referência a capacidade de um Tribunal interpretar e decidir sobre uma determinada questão ou direito material. 36 [...] este control no se extiende, por una parte, ni a las disposiciones relativas a la Política Exterior y de Seguridad Común, ni las de Cooperación en los ámbitos de Justicia Interior, y por la otra, ni al Preámbulo, ni a las Disposiciones Comunes, Igualmente quedan excluidos los ámbitos cubiertos por el Tratado CECA y por el Tratado EURATOM […] (LÁZARO, 2001, p. 175) Outra questão seria verificar em qual medida se deve realizar o controle jurídico do princípio da subsidiariedade, tendo em vista que o mesmo é carregado de caráter discricionário e eminentemente político. (grifo nosso) Ao fazer alusão aos dizeres do Conselho Europeu, Lázaro (2001) explica que o princípio da subsidiariedade é um conceito dinâmico, “que permite que la acción comunitária se extienda o sea discontinua cuando circunstancias específicas así lo requieran” (LÁZARO, 2001, p. 179), de modo que possibilita ao Tribunal realizar um controle amplo do princípio. No entanto, ao fazê-lo, o Tribunal correria o risco de interferir na esfera decisória das outras instituições comunitárias vez que, ao decidir os conflitos suscitados a luz do referido princípio, o mesmo procederia com uma valoração de fundo político ao decidir se a atuação os Estados membros será suficiente para o alcance dos objetivos pretendidos e se os mesmos poderiam ser mais bem alcançados pela atuação da Comunidade. Tal interferência provocaria um risco de quebra da separação de poderes no âmbito comunitário e como salienta a autora: En una sociedad democrática el papel que deben jugar el poder judicial con respecto al legislador tiene que ser por naturaleza limitado. Si transgredimos esta regla, podemos desembocar en el denominado gobierno de los jueces, bajo el cual serán los tribunales y no los órganos políticos los que decidan lo que debe hacerse y lo que no debe hacerse en nombre del interés general. (LÁZARO, 2001, p. 187) Para tanto, Lázaro (2001) sugere ao Tribunal que, ao realizar uma valoração tão subjetiva, recorra á técnica da “revisão limitada de legalidade” utilizada para o controle dos poderes discricionários das instituições comunitárias em matérias como a delimitação e atribuição de competências, bem como para a aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual enseja um grande nível de discricionariedade, tanto que configura juntamente com o princípio da subsidiariedade no mencionado Protocolo número 30. Nesse contexto, explica a autora: 37 Un poder discrecional es, según su constante jurisprudencia, esencialmente un poder político, lo que significa que el legislador goza de un amplio margen de apreciación, no sólo en la elección de los instrumentos a utilizar, sino también en la consideración de los hechos o circunstancias que deben tenerse en cuenta. En definitiva, la función de un órgano jurisdiccional alcanza a valorar la oportunidad de la decisión adoptada; valoración que, en el caso del Tribunal de Justicia, deberá tener en cuenta el carácter evolutivo de la construcción europea. (LÁZARO, 2001, p. 177/178) Partindo da premissa de que ao Tribunal compete somente anular as decisões tomadas pelas demais instituições comunitárias sem, contudo, modifica-las ou substituí-las, ao proceder com a “revisão delimitada de legalidade” o Tribunal, em conformidade com o parágrafo 2° do artigo 3-B do Tr atado da União Européia, verificaria, primeiramente, se a Comunidade estaria atuando conforme os objetivos e dentro dos limites das competências a ela atribuída pelos Tratados. Após, realizaria um exame sobre o domínio da aplicação do princípio, de modo a examinar se a ação pretendida se encontra afastada do âmbito de competências exclusivas da Comunidade. Em caso de resposta negativa, passaria a análise objetiva da atuação “suficiente” dos Estados membros e da “eficácia” da Comunidade para a realização dos fins do Tratado. Desse modo, o Tribunal somente anularia a norma comunitária por desrespeito ao princípio da subsidiariedade quando for demonstrada de forma clara que houve extrapolação de competência pela Comunidade, quando configurado abuso de poder por este ente político, e quando houver erro manifesto na aplicação objetiva dos requisitos necessários de “suficiência” dos Estados membros e “eficácia” da Comunidade. (grifo nosso) 5.2.1 Possíveis recursos interpostos ao Tribunal de Justiça da Comunidade Européia Para que o jurisdicionado provoque o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia e consiga a obtenção da tutela pretendida para verificação do ato legislativo em desconformidade com o princípio da subsidiariedade, é necessário 38 conhecer dos meios disponíveis para fazê-lo, sendo os principais meios o recurso de anulação, a exceção de ilegalidade, recurso por omissão e questões prejudiciais. Segundo Quadros (1995), consiste o recurso de anulação o meio ideal para se proceder com o controle jurídico do princípio da subsidiariedade. Tal recurso é regulado no artigo 230 do Tratado da Comunidade Européia, modificado pelo Tratado de Nice, da seguinte forma: O Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos adoptados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, dos actos do Conselho, da Comissão e do BCE, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos actos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. Para o efeito, o Tribunal de Justiça é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação do presente Tratado ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um EstadoMembro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado que Institui a Comunidade Européia modificado pelo Tratado de Nice, 2002) Assim, o recurso de anulação pode ser interposto pelos Estados membros, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão frente às decisões tomadas pelas instituições comunitárias que violarem o princípio da subsidiariedade, como disposto na norma legal do parágrafo 2° do art igo 3°-B do Tratado da União Européia, recepcionado no artigo 5 do Tratado da Comunidade Européia. Além dos demandantes privilegiados elencados supra, complementa o presente artigo em seu parágrafo 3°: Qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor, nas mesmas condições, recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado que Institui a Comunidade Européia modificado pelo Tratado de Nice, 2002) Dessa forma, o direito de interpor o presente recurso se estende aos demandantes ordinários, quais sejam as pessoas físicas e jurídicas, sendo que os entes locais e regionais entram no conceito de pessoa jurídica como legitimados para interposição do recurso de anulação. Para tanto, o recurso de anulação deve ser interposto no prazo de dois meses a contar da publicação do ato, da sua notificação ao recorrente, ou do dia que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato. 39 Quando a comunidade estiver atuando através de um regulamento e o prazo para interposição do recurso de anulação estiver espirado, salienta Quadros (1995) que a Exceção de Ilegalidade também pode ser utilizada para o controle da aplicação do princípio em tela. Segundo o artigo 241 do Tratado da Comunidade Européia: Mesmo depois de decorrido o prazo previsto no quinto parágrafo do artigo 230.o, qualquer parte pode, em caso de litígio que ponha em causa um regulamento adoptado em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho ou um regulamento do Conselho, da Comissão ou do BCE, recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do artigo 230.o para arguir, no Tribunal de Justiça, a inaplicabilidade desse regulamento. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado que Institui a Comunidade Européia modificado pelo Tratado de Nice, 2002) Noutro giro, quando o princípio da subsidiariedade justifica a intervenção da Comunidade, mas suas instituições se abstém de pronunciar-se, segundo Quadros (1995), é cabível o recurso por omissão nos termos do artigo 232 do Tratado da Comunidade Européia, pelo qual: Se, em violação do presente Tratado, o Parlamento Europeu, o Conselho ou a Comissão se abstiverem de pronunciar-se, os Estados-Membros e as outras instituições da Comunidade podem recorrer ao Tribunal de Justiça para que declare verificada essa violação. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado que Institui a Comunidade Européia modificado pelo Tratado de Nice, 2002) O recurso por omissão só será admissível quando a instituição demandada ficar inerte após ter sido previamente convidada a pronunciar-se. Assim, cabe o presente recurso para que o Tribunal, no caso de aplicação do princípio da subsidiariedade, declare se há omissão quando seja necessária a atuação da Comunidade para realização dos objetivos do Tratado ou declare que não há omissão quando couberem aos Estados membros a atuação e quando estes puderem realizá-la de forma suficiente e eficaz, sem a necessidade de intervenção da Comunidade. No entanto, salienta Lázaro (2001), que o princípio da subsidiariedade não constitui uma causa autônoma de motivação da omissão, motivo pelo qual pode ser invocado no presente recurso em apoio a outra disposição do Tratado que imponha a obrigação de pronunciar-se dirigida às instituições comunitárias ou aos Estados membros. 40 Por fim, nos termos do artigo 234 do Tratado da Comunidade Européia, o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia pode ser consultado em caso de dúvidas sobre a aplicação do Direito Comunitário através das questões prejudiciais, pela qual: O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação do presente Tratado; b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade e pelo BCE; c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados por acto do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno,esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado Institui a Comunidade Européia modificado pelo Tratado de Nice, 2002) Dessa forma há possibilidade de que um juiz nacional, de ofício ou mediante requerimento das partes, se dirija ao Tribunal de Justiça da Comunidade Européia para que este se pronuncie, à luz do princípio da subsidiariedade, sobre a validade de um ato ou decisão a ser tomada no curso de um processo pendente de seu julgamento. 41 6 MUDANÇAS RELATIVAS AO CONTROLE DA APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA SUBSIDIARIEDADE NO TRATADO DE LISBOA Após várias negociações, em 13 de dezembro de 2007 os Estados membros da União Européia firmaram o Tratado de Lisboa, o qual modifica os Tratados da União Européia e o da Comunidade Européia, cujo texto busca construir uma Europa mais transparente e democrática. Com esse objetivo, foi conferido aos Parlamentos nacionais um aumento significativo de seu papel no procedimento legislativo comunitário, de modo que a tomada de decisões seja o mais próximo possível dos cidadãos europeus. Por conseguinte, os Parlamentos nacionais passaram atuar como “guardiões” da aplicação do princípio da subsidiariedade, tanto que no protocolo número 2 do Tratado de Lisboa, relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade, foi criado um novo mecanismo de controle para aplicação dos referidos princípios pelo qual os Parlamentos nacionais se tornaram os protagonistas na verificação de que a atuação comunitária esteja justificada frente às possibilidades de atuação à nível nacional, regional ou local. No entanto, as modificações introduzidas pelo Tratado de Lisboa não trazem em si um conteúdo inteiramente novo, pois representam um reflexo das negociações realizadas para aprovação do Tratado Constitucional em 2004, as quais tiveram como base a necessidade de realizar avanços democráticos no sistema de tomada de decisões, bem como a necessidade de adaptar o sistema institucional da União Européia para a adesão de novos Estados membros sem afetar a eficiência de seu funcionamento para os próximos anos. Tais negociações culminaram na aprovação do Tratado que estabeleceu uma Constituição para a União Européia em 29 de outubro de 2004, firmado na cidade de Roma, no entanto a chamada Constituição Européia não chegou a entrar em vigor, uma vez que sua ratificação foi rechaçada nos referendos celebrados na França e nos Países Baixos no ano de 2005. Superada a resistência à Constituição da União Européia, com o fim de resgatar os trabalhos para correção do déficit democrático, o Conselho Europeu em de 21 e 22 de junho de 2007 convocou uma Conferência Intergovernamental para a redação de um novo Tratado de reforma. 42 Em resultado, foi elaborado um projeto que respeitou, em grande parte, o conteúdo do Tratado Constitucional de 2004, sendo alguns de seus aspectos renegociados, até que em 13 de dezembro de 2007 foi aprovado o Tratado de Lisboa, recentemente ratificado em 03 de novembro de 2009. 6.1 Delimitação de competências no Tratado de Lisboa Antes de passar para o ponto sobre a sistemática do controle do princípio da subsidiariedade adotada no Tratado de Lisboa, é necessário ressaltar que dentre as inovações deste, um dos aspectos mais marcantes foi estabelecer uma nova matéria sobre a repartição de competências entre a União Européia e os Estados membros, a qual também foi reflexo do Tratado Constitucional da União Européia com pequenas modificações. Como discorrido no capítulo sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade, os Tratados da União Européia não traziam um rol taxativo elencando as competências dos entes comunitários em atenção ao método funcionalista. Por este método a Competência da União Européia se restringia ás que lhe foram conferidas pelos Estados membros nos tratados. Dessa forma, o não engessamento das competências conferia uma adaptabilidade á União Européia com o objetivo de permitir uma progressiva expansão no campo de atuação comunitária. Por outro lado, a não delimitação das competências provocava uma incerteza quanto ao campo de atuação dos entes comunitários em respeito ao princípio da subsidiariedade. Nesse sentido esclarece Luzzáraga e LLorente (2008): Este sistema presenta la ventaja de la adaptabilidad a las circunstancias cambiantes pero el problema de la oscuridad y la dificultad de que los ciudadanos puedan percibir con claridad << quién hace qué>> en este sistema político. La determinación del responsable de las actuaciones políticas añade un valor importante a la democracia del sistema, en la medida en que los ciudadanos sólo podrán controlar políticamente a sus gobernantes si conocen el alcance y el contenido de sus responsabilidades. (LUZÁRRAGA, Francisco Aldecoa; LLORENTE, 2008, p. 181) Com o objetivo de aclarar o sistema comunitário de competências, a Convenção realizada após a aprovação do Tratado de Niza, elabora um catálogo de 43 competências da União Européia e estabelece seus níveis de atuação conforme os objetivos determinados, sem abrir mão do dinamismo e da flexibilidade do método funcionalista. Assim, a Constituição da União Européia e, em reflexo, o Tratado de Lisboa introduz as distintas categorias de competências, sua definição e enumeração, dando relevo aos princípios que delimitam e norteiam seu exercício. Dessa forma, o artigo 5 do tratado da União Européia reformado pelo Tratado de Lisboa regula o princípio de atribuição de competências como fonte das competências da União Européia e sua delimitação, bem como os princípios da proporcionalidade e subsidiariedade que dizem respeito ao exercício das mesmas. Já o Título I do Tratado de Funcionamento da União Européia (TFUE) determina os domínios, as delimitações e o exercício das competências existentes, bem como as divide em exclusivas, em que somente a União poderá legislar; compartidas, em que tanto a União quanto os Estados membros podem legislar, sendo que estes somente exercerão sua competência quando a União não o fizer; ações promovidas pela União de apoio, coordenação ou complemento da ação dos Estados, sem substituir a competência destes. Por conseguinte o Tratado de Funcionamento da União Européia prossegue listando os âmbitos de atuação a que corresponde a cada categoria, sendo as exclusivas dispostas no artigo 3, as compartidas no artigo 4 e as ações de apoio, coordenação e complemento no artigo 6. Também complementa no artigo 4 o dispositivo sobre a competência residual da categoria compartida, de modo que toda competência que não seja exclusiva, de apoio, coordenação ou complementação será compartida. Ademais, traz o artigo 5 uma exceção a respeito do pilar comunitário intergovernamental relativo a Política Exterior e Segurança Comum, cuja competência para coordenação será dos Estados membros, uma vez que neste âmbito não há cessão de exercício de competências para a União, mas uma cooperação entre os membros desta. Por fim o Tratado de Funcionamento da União Européia insere em seu artigo 352 uma cláusula que permite à União atuar em âmbitos não previstos no tratado quando houver necessidade. Ou seja: Artigo 352° 1. Se uma acção da União for considerad a necessária, no quadro das políticas definidas pelos Tratados, para atingir um dos objectivos 44 estabelecidos pelos Tratados, sem que estes tenham previsto os poderes de acção necessários para o efeito, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu, adoptará as disposições adequadas. Quando as disposições em questão sejam adoptadas pelo Conselho de acordo com um processo legislativo especial, o Conselho delibera igualmente por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de Lisboa, 2007) O artigo 352 ressalta, ainda, que as propostas nele baseadas estão sujeitas ao princípio de subsidiariedade, devendo as mesmas serem enviadas aos Parlamentos Nacionais. Assim, o Tratado de Lisboa não só define as competências dos entes comunitários como as divide em categorias e faz uma enumeração das mesmas, sem, contudo, abrir mão da flexibilidade inerente ao avanço da União Européia. Nas palavras de Luzzáraga e LLorente (2008): La categorización y elaboración de un catálogo contribuye a eliminar el déficit democrático de la Unión en la medida en que aporta claridad y transparencia y permite a los ciudadanos y a las instituciones nacionales el ejercicio del control político. (LUZÁRRAGA, Francisco Aldecoa; LLORENTE, 2008, p. 187) Portanto, ao adotar o método federal de determinação e delimitação de competências, a União Européia facilita o controle das ações comunitárias pelos cidadãos, sem engessar a sua atuação de forma a permitir a sua adaptação a novos contextos. 6.2 As modificações relativas ao controle da aplicação do princípio da subsidiariedade no Tratado de Lisboa Durante o projeto do Tratado de Lisboa foram resgatados do Tratado Constitucional com algumas modificações dois Protocolos relacionados entre si, quais sejam: o Protocolo número 1, referente ao papel dos Parlamentos Nacionais na União Européia, e o Protocolo número 2, relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, os quais conferem aos Parlamentos Nacionais papel primordial no controle da aplicação do princípio da subsidiariedade. 45 Com relação aos Parlamentos Nacionais, a União Européia reconhece no Protocolo número 1 supra mencionado, a importância dos mesmos como meio de controle de seus respectivos governos no que diz respeito às atividades comunitárias. Tanto que desde 1989 os Parlamentos Nacionais se reúnem semestralmente com o Parlamento Europeu na Conferência de Órgãos Especializados em Assuntos Comunitários (COSAC), na qual é permitido o intercambio de informações sobre políticas comunitárias e nacionais, de modo a manter um diálogo permanente entre essas instituições. Tendo em vista os objetivos de intensificar o diálogo entre os Parlamentos Nacionais e Europeu, o Tratado da União Européia assinado em Maastricht em 1992, introduziu um Protocolo sobre o papel dos Parlamentos Nacionais, destacando os documentos que deveriam ser enviados aos deputados nacionais, dentre eles as propostas legislativas, sendo aberto aos Parlamentos Nacionais a possibilidade de as discutirem e enviar seus pareceres sobre as mesmas ao Parlamento Europeu para finalidades consultivas. Assim, no contexto das reformas comunitárias para diminuir o déficit democrático da União Européia, o Tratado de Lisboa amplia o papel dos Parlamentos Nacionais, de modo que os mesmos passam a participar em todo o procedimento de controle do princípio da subsidiariedade. No que tange ao Protocolo número 1, seu artigo 2 estabelece que os projetos de atos legislativos dirigidos ao Parlamento Europeu e ao Conselho deverão ser enviados aos Parlamentos Nacionais para que tome conhecimento da atividade legislativa comunitária. Desse modo, a função de enviar à estes os projetos de ato legislativo recairá a Comissão ou aos Parlamentos Europeus, quando a proposta para o ato legislativo seja de iniciativa respectiva dessas instituições. Recairá, ainda, ao Conselho, quando a iniciativa for de um grupo de Estados membros, do tribunal de Justiça, do Banco Central Europeu ou do Banco Europeu de Inversões. Após tomar conhecimento das propostas de atos legislativos comunitários, os Parlamentos Nacionais poderão emitir um parecer quanto à aplicação do princípio da subsidiariedade, conforme o texto artigo 3 que dispõe: Os Parlamentos nacionais podem dirigir aos Presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão um parecer fundamentado sobre a conformidade de determinado projecto de acto legislativo com o princípio da subsidiariedade, nos termos do Protocolo relativo à aplicação dos princípios 46 da subsidiariedade e da proporcionalidade. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de Lisboa, 2007) Assim, o protocolo relativo ao papel dos Parlamentos Nacionais enuncia a participação desses na verificação da correta aplicação do princípio da subsidiariedade em projetos de atos legislativos mediante parecer. Já o Protocolo número 2 estabelece dois mecanismos complementares de controle da aplicação do referido princípio, um mecanismo prévio ou político e um mecanismo posterior ou judicial. Pelo mecanismo de controle prévio, o protocolo número 2 complementa o primeiro ao discipliná-lo no enunciado de seus artigos 2 e 3. Assim, dispõe que os projetos de atos legislativos enviados aos Parlamentos Nacionais deverão ser fundamentados em conformidade com a aplicação do princípio da proporcionalidade e da subsidiariedade. Ademais, traz uma inovação ao Protocolo número 30 do Tratado de Amsterdã, ao determinar em seu artigo 5 que os projetos sejam acompanhados de uma ficha que conterá vários dados que permitirão verificar se os mesmos observam os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade. Dessa forma as fichas deverão conter: [...] elementos que permitam avaliar o impacto financeiro do projecto, bem como, no caso das directivas, as respectivas implicações para a regulamentação a aplicar pelos Estados-Membros, incluindo, nos casos pertinentes, a legislação regional. As razões que permitam concluir que determinado objectivo da União pode ser melhor alcançado ao nível desta serão corroboradas por indicadores qualitativos e, sempre que possível, quantitativos. Os projectos de actos legislativos têm em conta a necessidade de assegurar que qualquer encargo, de natureza financeira ou administrativa, que incumba à União, aos Governos nacionais, às autoridades regionais ou locais, aos agentes económicos e aos cidadãos, seja o menos elevado possível e seja proporcional ao objectivo a atingir. (UNIÃO EUROPÉIA, Tratado da União Européia modificado pelo Tratado de Lisboa, 2007) Recebido o projeto de ato legislativo, os Parlamentos Nacionais verificarão se os mesmos cumprem com os princípios da proporcionalidade e subsidiariedade. Em caso negativo, conforme o artigo 6 do Protocolo número 2, qualquer Parlamento Nacional, ou qualquer Câmara desses, poderá dirigir aos Presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão um parecer fundamentado que exponha os motivos pelos quais o projeto não obedece aos mencionados princípios. Se o projeto 47 de ato legislativo for de iniciativa de um grupo de Estados membros, do Tribunal de Justiça, do Banco Central Europeu ou do Banco Europeu de Investimentos, o Presidente do Conselho enviará o parecer, no primeiro caso, aos Governos desses Estados ou, nos demais casos, às respectivas instituições ou órgãos. Para exercer a faculdade de emitir o parecer, os Parlamentos Nacionais ou suas Câmaras, terão o prazo de oito semanas contadas a partir do envio do projeto de ato legislativo, prazo este que era de seis semanas no Tratado Constitucional, o qual foi aumentado em virtude da possibilidade de que os Parlamentos consultem nesse transcurso os seus Parlamentos regionais com competência legislativa, o que alonga significativamente o esforço para a realização do parecer. Uma vez enviados os pareceres ao respectivo destinatário, se inicia a possibilidade de bloqueio da iniciativa de ato legislativo. Desse modo, dispõe o artigo 7 do Protocolo número 2 que os pareceres serão levados em conta no procedimento legislativo comunitário surtindo efeitos conforme a quantidade de votos que estes representam, afinal, cada Parlamento Nacional dispõe de dois votos, sendo sua repartição realizada conforme o sistema parlamentar nacional, de modo que nos bicamerais cada Câmara terá direito a um voto. Nesse caso, se os pareceres fundamentados na inobservância do princípio da subsidiariedade representarem, ao menos, um terço do total de votos atribuídos aos Parlamentos Nacionais o projeto será reanalisado, sendo que nos casos relativos ao espaço, segurança e justiça previstos no artigo 61-I do Tratado sobre o Funcionamento da União Européia, tal reanalise será feita mediante quorum mínimo de um quarto. Feito isso, a instituição comunitária da qual partiu a iniciativa do projeto poderá mantê-lo, alterá-lo ou até retirá-lo por decisão fundamentada. Dessa forma, os pareceres emitidos pelos Parlamentos Nacionais funcionam como simples recomendações, as quais não vinculam o procedimento comunitário de tomada de decisões, tanto que um projeto de ato legislativo pode ser mantido em detrimento da opinião em contrário manifesta em mais de um terço dos pareceres. Por não provocar o afastamento ou rechaço dos projetos legislativos, tal procedimento foi chamado pelos doutrinadores espanhóis de tarjeta amarrilla, afinal, apesar se sua aparente ineficiência, a mesma apresenta uma advertência de grande repercussão política na tomada de decisões pelas instituições comunitárias, como esclarece Luzzárraga e Llorente (2008): 48 A pesar de la ambigüedad de esta disposición en términos jurídicos, tendría suficiente repercusión política, ya que ningún gobierno se atrevería a aprobar semejante propuesta contra la opinión manifiesta de su Parlamento Nacional. Ese procedimiento ha sido conocido por los comentaristas como <<tarjeta amarilla>>, ya que da a los Parlamentos Nacionales la posibilidad de advertir sobre el riesgo para el principio de subsidiariedad pero no de bloquear directamente una propuesta. (LUZÁRRAGA, Francisco Aldecoa; LLORENTE, 2008, p.188) Segundo Hortal (2008), devido á demanda dos Países Baixos, defensores de um controle mais rígido do princípio da subsidiariedade, o procedimento chamado tarjeta amarilla se tornou alvo de várias críticas, motivo pelo qual foi complementado pela Convenção Intergovernamental de 2007, a qual acrescentou o parágrafo 3 ao artigo 7° do Protocolo número 2. Esse dispositivo p revê que se os pareceres fundamentados sobre a inobservância do princípio em questão representar pelo menos a maioria simples dos votos atribuídos aos Parlamentos Nacionais, a proposta de ato legislativo deverá ser reanalisada, e em conformidade com os parágrafos anteriores, a mesma poderá ser mantida, alterada ou retirada. Se a Comissão decidir manter a proposta, deverá demonstrar as razões pela qual entende que a mesma obedece ao princípio da subsidiariedade em parecer fundamentado. Por conseguinte, o parecer da Comissão deverá ser remetido ao Legislador da União, composto pelo Parlamento Europeu e Conselho, juntamente com os pareceres dos Parlamentos Nacionais para que aquele pondere sobre a compatibilidade da proposta legislativa com o princípio da subsidiariedade. No entanto, se por maioria de 55% dos membros do Conselho ou por maioria dos votos expressos no Parlamento Europeu, o Legislador da União considerar que a proposta de ato legislativo não é compatível com o princípio em tela, a análise da mesma será bloqueada. Este incremento trazido pelo parágrafo 3 foi uma novidade instituída no Tratado de Lisboa sem qualquer correspondência ao Tratado Constitucional, a qual trouxe um novo procedimento de controle do princípio da subsidiariedade chamado por Luzzárraga e Llorente (2008) de tarjeta naranja, uma vez que dota os pareceres negativos dos Parlamentos nacionais de maior efetividade. Já Nanclares (2008) vai mais além ao intitular o procedimento de tarjeta roja uma vez que os pareceres emitidos pelos Parlamentos Nacionais poderão obstar determinados projetos de ato legislativo realizados em desatenção ao princípio da subsidiariedade. Nesse sentido diz o autor: 49 Esto ya no es un sistema de tarjeta amarilla a la Comisión, sino claramente la posibilidad de poder recibir tarjeta roja y además sin posibilidad de revisión o anulación por ningún <<comité de competición>>. (NANCLARES, 2008, p. 287) Ademais, o Tratado de Lisboa amplia o controle jurídico do princípio da subsidiariedade no artigo 8 do protocolo número 2 ao criar um novo recurso por violação do princípio da subsidiariedade em ato legislativo, com mecanismo semelhante ao recurso de anulação, cujos legitimados para interposição são os Estados membros, seja por iniciativa própria ou em nome de seu Parlamento Nacional ou Câmara, bem como o Comitê das Regiões em relação aos atos legislativos, cuja adoção dependa de consulta do referido órgão em conformidade com determinação expressa no Tratado sobre o Funcionamento da União Européia. No que tange a ampliação do controle jurídico do principio em tela, deve-se destacar que o Tratado de Lisboa confere papel mais significativo a outra instituição local, qual seja o Comitê das Regiões. Cumpre destacar que o Comitê das Regiões foi constituído pelo TUE, assinado em Maastricht, como órgão consultivo composto por representantes das coletividades regionais e locais dos Estados-membros da União Européia, os quais são eleitos por um mandato de quatro anos mediante decisão unânime do Conselho a proposta dos respectivos Estados-membros. Não obstante serem nomeados por decisão do Conselho, seus membros exercerão suas atividades com absoluta independência e no interesse geral da União Européia. Desse modo, o Comitê das Regiões, como ensina José Manuel Sobrino Heredia (1997), constitui um amalgama dos interesses locais e regionais que permite apresentar pareceres com base nessas perspectivas sobre as propostas legislativas formuladas no âmbito da União Européia. Por esse motivo, a introdução de um mecanismo de controle jurídico do princípio da subsidiariedade pelo Comitê das Regiões como parte legítima para interposição de recurso contra ato legislativo por violação do princípio da subsidiariedade, representa a resposta a uma demanda das regiões que vem desde Maastricht, pela qual se oferece uma atenção maior ao interesse geral da União Européia, levando-se em consideração os pontos de vista locais e regionais representados no Comitê das Regiões. 50 Assim, o Tratado de Lisboa dá mais um passo para a diminuição do déficit democrático comunitário, de modo que permite que tanto a tomada de decisões quanto o controle dessas sejam realizados em um nível mais próximo dos cidadãos. 51 7 CONCLUSÃO Com o intuito de tornar a União Européia mais democrática, o princípio da subsidiariedade foi instituído como princípio geral do Direito Comunitário para permitir uma harmonização entre a atuação da União e a dos Estados membros, de forma a limitar o exercício de competências da União Européia para que essa não invadisse as esferas locais de tomada de decisões. Assim, a partir da instituição do princípio da subsidiariedade a atuação da União Européia somente se daria nas competências que lhe são exclusivas, quando fosse necessária e mais eficaz que a atuação dos Estados membros para a realização dos objetivos dos Tratados. No entanto, o princípio da subsidiariedade pode ser lido tanto de uma perspectiva negativa, quanto positiva, permitindo justificar a atuação discricionária da Comunidade maior. Tal duplicidade gerou a necessidade de que a União Européia instituísse meios de controle do princípio da subsidiariedade. Para tanto, o protocolo número 30 do Tratado de Amsterdã disciplina esse controle durante o procedimento de tomada de decisões, atribuindo à Comissão, como impulsora do processo legislativo comunitário, o principal papel na realização do controle político do princípio da subsidiariedade. Após, o controle do princípio passa pela verificação do Parlamento da União Européia e do Conselho, sendo relegado em ultima ratio ao Tribunal de justiça da Comunidade Européia para a realização do controle jurídico da aplicação do princípio em questão. Apesar do protocolo número 30, o controle do princípio da subsidiariedade compartia de um déficit democrático comum na União Européia, uma vez que era necessário modifica-lo de modo a permitir que as decisões fossem tomadas o mais próximo possível dos cidadãos. Como fruto dessa necessidade, foi aprovado em 2004 o Tratado Constitucional, o qual não chegou a ser ratificado, entretanto, as sementes por ele plantadas deram ensejo a novas negociações das quais nasce em 13 de dezembro de 2007 o Tratado de Lisboa. Assim, aproveitando dos avanços do Tratado Constitucional, o Tratado de Lisboa traz várias modificações quanto à aplicação e ao controle do princípio da subsidiariedade, vez que, além de introduzir uma nova matéria sobre a repartição de 52 competências, atribui aos Parlamentos Nacionais o papel de “guardiões” do controle da aplicação do referido princípio, de modo a torná-lo mais próximo dos cidadãos. Outra conquista do Tratado de Lisboa foi permitir a participação dos Parlamentos regionais na realização do controle pelos Parlamentos nacionais, bem como admiti-los como legitimados ativos para interposição de recurso por violação do princípio da subsidiariedade. Portanto, o tratado de Lisboa não só traz mudanças significativas para o controle do princípio da subsidiariedade como o torna um instrumento do avanço democrático pretendido pela União Européia permitindo-se aproximar a União e suas instituições dos cidadãos. 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia - 3ª ed. – São Paulo, Moderna: 2003, p. 224-225. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1997. BOCHARDT, Klaus-Dieter. O ABC do Direito Comunitário. 5ª ed. Luxemburgo: Serviço de Publicações das Comunidades Européias, 2000. CARNEIRO, Cynthia Soares. O direito da integração regional. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. CARNEY, Frederick S. The Politics of Johannes Althusius. An abridged translation of the Third Edition of Politica Methodice Digesta, atque Exemplis sacris et profanes illustrata. 1964. 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