A contribuição dos Jogos Digitais nos processos de aprendizagem Carla Alexandre1 (UFPE) Marcelo Sabbatini2 (UFPE) Resumo: Entre os muitos artefatos tecnológicos voltados à educação, os jogos digitais são um dos que mais promovem engajamento e motivação nos aprendizes. No entanto, questiona-se muito sobre a eficácia de sua utilização na construção do conhecimento. Assim, este artigo visa contribuir com a discussão acerca dos termos emergentes deste assunto. Muitos jogos, mesmo sem serem instrucionais, auxiliam os estudantes no desenvolvimento de certas habilidades e os colocam na experimentação de alguns conteúdos de forma mais lúdica, é a chamada aprendizagem periférica ou tangencial, ou disfarçada ou colateral. Palavras-chave: Aprendizagem periférica, jogos educativos e educacionais, gamificação. Abstract Among the many technological artifacts focused on education, digital games are one of the fastest promote engagement and motivation in learners. However, it is questioned a lot about the effectiveness of their use in the construction of knowledge. Thus, this article aims to contribute to the discussion about the emerging terms of this matter. Many games, even without being instructional, assist students in developing certain skills and put them on trial for some content more playful way, is called peripheral or tangential, or disguised or collateral learning. Keywords: peripheral gamification. Learning, Educational and educational games, 1 Carla ALEXANDRE, Mestranda em Educação Matemática e Tecnológica, Especialista em Informática aplicada à Educação e licenciada em Letras. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). [email protected] 2 Marcelo SABBATINI, Doutor em Teoria e História da Educação. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). [email protected] Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -1- Introdução Os jogos digitais têm sido um dos artefatos tecnológicos mais utilizados na contemporaneidade, eles prendem a atenção, engajam uma legião de usuários em suas ações, movimentam milhões de dólares em suas produções e comercializações, além de oferecer os mais diversos tipos, para todo o gosto, idade, tema, suporte, e tantas outras variáveis. Os games são, de fato, versáteis. De acordo com a coluna Economia Criativa do Sebrae3, o Brasil é o quarto maior mercado do mundo no segmento de jogos digitais, com 35 milhões de usuários e movimentou R$ 5,3 bilhões em 2012; um crescimento de 32% em relação a 2011. Todo esse consumo no Brasil resulta no interesse de diversos segmentos da sociedade, inclusive o da Educação. Dados como esse, nos fazem pensar sobre o tempo que os nossos jovens passam “se divertindo” em frente à tela, seja essa do tablet, do smartfone, da TV ou do computador. Uma pesquisa da Ipsos mostra que 30% da população brasileira possui console de games e que a média de jogo é de quatro horas e treze minutos por semana. Ou seja, é, muitas vezes, um tempo bem superior ao que os jovens passam lendo um livro ou fazendo uma pesquisa escolar, por exemplo. Esse pode ser um dos fatores que respondem ao porquê que os jogos digitais têm despertado o interesse de muitos educadores no que diz respeito às possibilidades de mudança em vários aspectos (motivação, desafio, tratamento didático dos conteúdos, etc.) já que as relações desencadeadas a partir da utilização didática deles cedem espaço para processos colaborativos que convergem na aprendizagem dos sujeitos que fazem a escola. Ramos (2010) diz que “pode-se inferir que a colaboração não se restringe à 3 http://www.sebrae.com.br/setor/economia-criativa Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -2- possibilidade de construir conhecimentos coletivos, mas ao exercício de habilidades e comportamentos sociais que aprimoram a formação do sujeito” (p.11). Diante desta fotografia de cenário, percebemos que este tem sido um tema tão atual para a educação, que mais do que nunca tenta transformar seus contextos de construção de conhecimento em um paradigma que envolva a diversão, a motivação e o engajamento dos alunos em seus processos de aprendizagem. Por isso, é ancorada nesta perspectiva que este artigo se fundamenta, pois pretendemos discutir alguns conceitos que surgiram no âmbito escolar a partir da utilização dos jogos digitais na educação, tais como gamificação da aprendizagem, jogos educativos e educacionais, bem como as novas visões de aprendizagem proporcionadas pelos jogos (aprendizagem paralela, tangencial, disfarçada ou periférica). 1. A (di/con) vergência entre a escola e os games: uma reflexão sobre conceitos Os jogos estão nas salas de aulas há bastante tempo, já que jogo não é apenas aquele digital, temos os jogos de palavras, de tabuleiro e uma imensa variedade. Porém, nunca se questionou tanto os ganhos qualitativos na aprendizagem quando a questão é o jogo digital na sala de aula. Um dos motivos pode estar na formação da nossa cultura de que o jogo está diretamente ligado a diversão, lazer, e entretenimento, e a escola, por sua vez, está culturalmente ligada a tarefa, obrigação e controle. Ou seja, são dicotômicos, e mesmo quando os jogos, sem serem os digitais, adentravam as aulas, eram enfatizados na perspectiva de trabalho em grupo, passatempo, afetividade, ludicidade e no desenvolvimento de algumas habilidades. E esses aspectos não eram, no passado, objetivos da escola. No entanto, a escola Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -3- mudou, e ainda vem mudando sua forma, melhor dizendo, suas formas, de construção de conhecimento, que hoje passa a incluir todos esses aspectos que os jogos permitem. Mas como aferir se esses aspectos de fato melhoram os ganhos na aprendizagem do sujeito? A aprendizagem relativa a conteúdos também se inclui aqui; esta vem sendo a questão propulsora de todas as dúvidas relativas aos games, além de passar também por questões adjacentes que revelam o sucateamento dos laboratórios de informática nas escolas, a questão da nossa formação enquanto educadores na utilização e na produção de artefatos tecnológicos que atendam a questões atuais e que atendam às expectativas dos alunos, e, por fim, a falta de conectividade, que não permite à escola trabalhos, de fato, compatíveis com a sociedade da informação. A criança e o jovem têm acesso à internet em todos os lugares através de um celular ou de uma lan house que cobra em média o valor de R$3,00, mas não é possível esse acesso na escola, o que a torna um lugar isolado. São muitos os desafios, não são pequenos, mas são possíveis. O primeiro passo dado foi pela sociedade, que apesar de dinâmica, sua cultura é sempre formalizada como algo cristalizado. Essas cristalizações não são postas aqui como algo negativo, mas como processos históricos da própria sociedade, que enxerga nos jogos uma forma de resgate do interesse dos alunos pela escola. Lynn Alves faz questionamentos bem pertinentes acerca desta mudança de cultura na escola: Quanto ainda precisamos caminhar para compreender que o lúdico deve estar presente nas situações de aprendizagem? Que a escola deveria se constituir um espaço de prazer? Que devemos nos aproximar do universo semiótico dos nossos alunos? (ALVES, 2012, p. 5). Outros educadores também trazem em seu discurso a necessidade de mudanças no sistema escolar, seja porque a escola já não atende ao mundo contemporâneo, seja porque não atende a essa geração de aprendizes. Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -4- A escola deve colocar a brincadeira no centro do desenvolvimento das crianças e dos jovens. Uma das formas de se priorizar a ludicidade na prática docente é usar os jogos digitais durante as atividades, pois eles trazem grande impacto na aprendizagem de conteúdos específicos. (Professor Luciano Meira durante o TED x UFF)4. Muito já se tem feito na relação jogos e escola, há uma infinidade de jogos disponíveis e gratuitos que objetivam “ensinar” alguma coisa. Entretanto, esses jogos com propósitos de ensino continuam a não engajar e a não motivar os alunos. Sua utilização nas salas de aula se esgotam facilmente; o fator “jogo” parece ser esquecido. Precisamos então conceituar o que seria um jogo e depois propor uma diferenciação entre jogos educativos e jogos educacionais. Encontramos amparo na filosofia de Joan Huizinga, em seu livro Homo Ludens (2000), que evidencia que a ação de “jogar” é inerente ao ser humano, fazemos isso o tempo todo, é muito interessante pensar que os muitos significados da palavra jogo não cabem dentro da própria palavra: pode ser uma linguagem, uma ação ou uma troca de olhares por exemplo. As grandes atividades arquetípicas da sociedade humana são, desde início, inteiramente marcadas pelo jogo. Como por exemplo, no caso da linguagem, esse primeiro e supremo instrumento que o homem forjou a fim de comunicar, ensinar e comandar. É a linguagem que lhe permite distinguir as coisas, defini-las e constatá-las, em resumo, designá-las e com essa designação elevá-las ao domínio que Fisher (1999) denominou de predisposição para a aprendizagem (learning mindset) e a sociedade oferece atividades que podem ser vistas com intervenções educacionais precoces: jogos, playgrounds, que têm a função de enriquecer o ambiente e facilitar o desenvolvimento da criança. Nesses contextos, ela busca ativamente a informação, realizando atividades que contribuem para a construção do seu conhecimento. (p.87). 4 http://ufftube.uff.br/video/3BKDNNHHR2DB/TEDxUFF--Luciano-Meira Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -5- O jogo cumpre o papel de representar alguma coisa e promover a luta por alguma coisa, ou seja, confere um “sentido” à ação. Poderíamos dizer que esse sentido é motivação e assim, elencamos com base em Huizinga (2000) alguns fatores básicos para classificarmos um jogo como tal: Quadro 1: características básicas de um jogo regras sentimentos ação livre JOGO Limitação de tempo evasão da vida real e espaço fim em si mesmo Fonte: Homo Ludens, Joan Huizinga. O jogo é conceitualizado com base nas características acima, vejamos como o filósofo traz em seu texto: O jogo é uma atividade voluntária realizada dentro de alguns limites de tempo e espaço, através de regras livremente consentidas, porém, obrigatórias, dotadas de um fim em si mesmo, guiadas por sentimentos de tensão, alegria e de uma consciência, de ser diferente da vida cotidiana. (HUIZINGA, 2000, p.24). Assim, uma análise não tão profunda de vários jogos tidos como educativos nos mostram a ausência das várias características básicas para nomear um jogo como tal. Ou seja, nem jogos são, poderíamos nomeá-los de atividades lúdicas. Mesmo os que se enquadram em todas essas características (figura 1) não conseguem “competir” com os jogos comerciais em seus cenários 3D, que além de possuírem uma narrativa tão imersiva (figura 2) dão Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -6- espaço à comercialização de tudo o que se pensar com o enredo do jogo (camisas, bonés, cadernos, etc). Não é tão difícil encontrarmos esses jogos “comerciais” ou “não educativos” atuando em sala de aula, promovendo de fato engajamento e criando motivação nos alunos (figura 3). Figura 1 (jogo educativo que ajuda a contar) Fonte: www.escolagame.com.br Figura 2 (Game Assassin’s Creed 4) Fonte: http://assassinscreed.ubi.com/ Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -7- Figura 3 (SimCity – um dos jogos mais utilizados em sala de aula para ajudar os alunos no planejamento e na resolução de problemas) Fonte: http://baixargamesgratuitos.blogspot.com.br/2013/04/download-simcity-5-pclimited-edition.html Cremos que o fato de os jogos educativos terem que cumprir o papel de ensinar algum conteúdo específico ao seu usuário é o que causa desengajamento; é como se fosse a própria sala de aula tradicional só que através da tela do computador. E não queremos aqui dizer que esta forma, ancorada na ensinagem, não funciona, apenas, reiteramos mais uma vez, que não leva em consideração a motivação do aluno. O fato de termos jogos comerciais auxiliando os alunos em sala não os fazem educativos, mas poderíamos nomeá-los de educacionais neste contexto de escola, especificamente. Porque apesar destas palavras parecerem sinônimas, educativo e educacional, nesta proposta de conceitualização podem adquirir outros sentidos. A palavra “educativo” – adjetivo formado por educar + sufixo ivo, que significa modo de ser, confere o sentido de: modo de educar, de instruir alguém. E quando passamos para a palavra educacional, também adjetivo formado por educação + al, temos uma conotação mais ampla que remete apenas ao que é pertinente à educação, sem focar no modo como isso deve ser feito. Isso justificaria os jogos que não são Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -8- educativos nas salas de aulas, auxiliando nos processos de aprendizagem dos alunos com mais engajamento, ludicidade e motivação. Em suma, os jogos educacionais não teriam o papel de ensinar algum conteúdo específico, enquanto os jogos educativos trazem essa premissa. Há ainda os jogos conversacionais (figura 4) que promovem diálogos sobre os conceitos e conteúdos nas salas de aulas a partir de suas representações 5. Um jogo pode ser conversasional mesmo que educacional ou educativo, no casa, a classifcação de conersacional não o torna excludente. Figura 4 (Imuno – mecânica clássica de tiro, mas com cenário do corpo humano em que se atira em vírus e bactérias sem ensinar os conceitos representados) Fonte: Joy Street 2 As aprendizagens oferecidas pelos jogos e a gamificação O que aprendemos e como aprendemos através dos jogos também são questionamentos comuns quando o assunto são os games na escola. Não é à toa que este linha de pesquisa tem crescido ano após ano em diversos campos das ciências (computação, humanas, linguística, etc.) e tem nos apontado 5 A OJE, Olimpíada de Jogos Digitais e Educação, utiliza o modelo de Jogos conversacionais em sua rede. Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação -9- caminhos para o entendimento desses processos. Muitos autores e pesquisadores (Marc Prensky, Jane Mcgonigal, Lynn Alves, Luciano Meira, entre tantos outros) têm-se dedicado a argumentar os ganhos em trabalhar com os jogos digitais, eles creem que as perdas são mínimas quando se é pensada na audiência atual de nossas aulas: crianças e jovens de uma geração altamente tecnológica. Ou seja, para esses aprendizes, aprender por meio de artefatos tecnológicos é tão natural quanto foi para nós fazer cópias imensas no caderno para melhorar a caligrafia. Prensky (2012) em seu livro Aprendizagem baseada em Jogos Digitais lista as dez principais diferenças da geração de jogos, que nos faz refletir sobre a nossa audência nas salas de aulas. 1. Velocidade twitch versus velocidade convencional. 2. Processamento paralelo versus processamento linear. 3. Primeiro os gráficos versus primeiro o texto. 4. Acesso aleatório versus passo a passo. 5. Conectado versus autônomo. 6. Ativo versus passivo. 7. Brincar versus trabalhar. 8. Recompensa versus paciência. 9. Fantasia versus realidade. 10. Tecnologia como amiga versus tecnologia como inimiga. (p. 83) Percebemos que as crianças que crescem rodeadas de tecnologia de fato aprendem diferente de nós, pensam diferente de nós. Ou seja, ensiná-los com antigas técnicas, de forma “mecânica e linear” não faz sentido para elas, não é do tempo delas. Vigotsky (2008) nos diz que “a experiência ensina à criança formas de agrupamento para a construção de conceitos” (p. 79), e a premissa de aprendizagem que os jogos digitais trazem, carrega essa conceituação baseada na experiência para a formação de complexos que se apoiarão nas conexões verdadeiras ou por semelhança ou em outras conexões observadas na prática para a formação de conceitos. Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 10 - Um dos termos emergentes do jogos é a aprendizagem disfarçada6 que surge (para os jogos) à medida que a diversão e/ou o desafio toma mais conta das atividades propostas pelo game do que os conteúdos inseridos neles; com isso não estamos dizendo que o usuário do game aprende sem perceber ou sem querer ou que o conteúdo é menos importante, mas enfatizamos que, nos jogos, o foco é outro, não é o conteúdo stricto sensu; transformando isso em metáfora não é a história em si, mas como contamos a história é que chama ou não a atenção dos espectadores. A “aprendizagem escolar7” não consegue motivar as pessoas de forma espontânea, em sua grande maioria. Don Taspocott utiliza o termo aprendizagem por transmissão em sua obra Growing Up Digital (1998) para se referir a métodos de exposição e avaliação parecidos com os da escola. É bastante importante ressaltar que a palavra aprendizagem aqui não está sendo posta com a complexidade que o fenômeno do aprender exige; há muitas teorias que discutem como ocorre esse processo, cremos que cada ser aprende de forma única e individual, e não estamos propondo esta discussão, mas sim como os jogos podem auxiliar o processo de aprender de cada um. De qualquer forma, sempre será complexa essa discussão e esperamos contribuir ao menos com as conceitualizações dos termos mais evidenciados a partir da utilização dos jogos nas salas de aula. Com uma experiência bem sucedida de games dentro da escola, e utilizando o modelo dos jogos conversacionais, Meira (2012) nos elucida sobre o termo aprendizagem periférica, que é uma aprendizagem não diretiva e não conceitualizadora de conteúdos do currículo escolar; este é o tipo de aprendizagem em que o aprendiz entra em contato com as disciplinas e com os conteúdos escolares de forma periférica, através dos jogos e suas representações, que são postas num ambiente colaborativo através de outro 6 Prensky atribui este termo a Doug Crokford. Entenda-se aqui por aprendizagem escolar aquela que está ancorada nos princípios da ensinagem, no qual o foco é o ensino de conteúdos que muitas vezes não fazem correlação com a vida do estudante. 7 Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 11 - processo utilizado na OJE8, que é a gamificação; e na sala de aula, com outras interações entre alunos e professores e outros objetos de aprendizagem, que aprende-se o conceito de forma mais significativa. Em outras palavras, a aprendizagem periférica não trata os conceitos de forma vertical, mas investe em cenários nos quais a aprendizagem possa ser mais lúdica e significativa. Outra aprendizagem bem difundida na literatura com a disseminação dos jogos digitais nas escolas é a aprendizagem tangencial que está mais ancorada, também, na facilitação dos processos de aprendizagem. Portnow (2008) diz que a aprendizagem tangencial baseia-se na ideia de assimilar melhor as informações que interessa, e que os jogos, de alguma forma, desperta o interesse por certos conteúdos. Mesmo que a aprendizagem não ocorra dentro do jogo, criam-se cenários e desperta o interesse voluntário para a pesquisa sobre determinado assunto. Um exemplo citado por este autor é sobre o game Assassin’s Creed, que com um vídeo no you tube, gerou mais de 23% de todos os comentários postos nesta rede. Dá para imaginar quantas pessoas 23% representa no you tube? E a maioria desses comentários fazia menção ao aprofundamento do tema a partir do jogo. O autor admite que esta é uma exceção e que a maioria dos jogadores não vão além dos jogos, por isso defende a construção de games pensados como divertidos e que não tentem ensinar algo específico, ou seja, que não sejam educativos. Pontua, ainda, que enquanto os pontos levantados na escola não forem os mesmos que interessam os alunos, não haverá engajamento. E ressalta que essa é uma das vantagens dos games, que os usuários se importam com o que fazem enquanto jogam, a diversão já está lá no jogo, na mecânica do jogo. A aprendizagem tangencial se daria na exposição das várias coisas num contexto no qual já se está engajado. 8 Vídeo explicativo sobre os processos da OJE em http://www.oje.inf.br/aracaju/app/index Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 12 - Vigotski (2008) nos coloca que em suas experiências o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero: Um professor que tenta fazer isso geralmente não obtém qualquer resultado, exceto o verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante à de um papagaio, que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo. (p. 104) A partir deste embasamento, vemos o quanto faz sentido as aprendizagens proporcionadas pelos jogos digitais, já que estas fogem dos ensinos diretos de conceitos. Outro processo dos games comerciais que ajudou a enfatizar essas aprendizagens descritas acima foi a gamificação9. É um termo que está sendo bastante difundido no cenário educacional e genericamente falando, gamificar seria aplicar características dos games a qualquer processo da vida real10, para que este se torne mais atraente (figura 5). O nosso interesse está no termo Gamificação da Aprendizagem, que também seria a utilização de elementos dos games (estratégias, mecânicas e pensamentos) com a finalidade de motivar os indivíduos à ação, auxiliar na solução de problemas e promover aprendizagens (Kapp, 2012 apud Fardo, 2013). 9 Gamification em inglês, atribuído ao britânico Nick Pelling. Entenda-se aqui que vida real refere-se a qualquer contexto fora do jogo, não queremos fazer distinção entre vida real e virtual, pois acreditamos que esta, na contemporaneidade, seja a extensão do real ou até mesmo sua representação. 10 Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 13 - Quadro 2 – Contexto de Gamificação Elementos dos games GAME Contextos diversos Interessante, controverso ou, no mínimo, redundante pensar que estamos refletindo sobre os processos de gamificação aplicados aos jogos; entretanto, apesar de não estarmos falando de jogos educativos, assim faria certo sentido gamificarmos “jogos” que não são motivadores e/ou divertidos, é o processo de aprender que está sendo gamificado (figura 6), o jogo per si já o é, e isso nos aponta um rearranjo na estrutura engessada do aprender na instituição escolar, que converge principalmente em médias para se passar de ano. Nesse sentido, a gamificação é uma forte aliada às práticas didáticas (vida real), pois torna o aprender mais significativo pelas conquistas vivenciadas nos jogos, e com isso consegue-se engajar, motivar e incentivar os estudantes em seus processos de construção de conhecimento, além de várias outras possibilidades: colaboração, interação, etc. O nosso objetivo aqui não é propor a gamificação da escola, mas refletir sobre esse processo e sobre como a sua utilização resgata a imagem de que aprender, independente do espaço, é algo prazeroso e transformador da repetição da rotina escolar. Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 14 - Figura 6 – Framework da JoyStreet11 para o processo de gamificação da aprendizagem Fonte: Joy Street Este exemplo demonstra bem como podemos implementar processos dos games a um outro contexto, transformando ou não o objeto em jogo. Isso porque a gamificação não traz a obrigatoriedade de transformar tudo em jogo, ou seja, podemos perceber características de jogos, mesmo sem o ser. Por fim, a gamificação não diferencia a aprendizagem do jogo, não há um juízo de valor entre seus pilares, não são coisas separadas, ao contrário, suas partes constituem cenários apropriados para a aprendizagem sem deixar de lado a diversão, a ludicidade e o engamento. 11 A Joy Street é a idealizadora e operadora da OJE e desenvolvedora da plataforma Lúdica de aprendizagem Plinks. www.joystreet.com.br Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 15 - Conclusão Gee (2010) afirma que sem aprendizagem não há divertimento e que um dos princípios da aprendizagem, que todos os bons jogos incorporam, é o fato de as pessoas terem prazer em aprender e isso faz com que continuem a jogar. Apesar de a esfera motivacional ser grande dentro do universo dos games, (o que me motiva, não é o que motiva o outro), o jogo promove essa motivação nas pessoas e esse engajamento deve ser potencializador de contextos de aprendizagem, por isso faz sentido utilizarmos um elemento da cultura moderna (os jogos) a favor de um novo cenário escolar, e que esse cenário escolar não seja limitado pelas paredes da sala de aula. A escola está se constituindo de novos pensamentos que consideram a aprendizagem em outros formatos que transcendem o espaço físico, o tempo, a serialização e a verticalidade dos conteúdos, a exemplo o mobile learnig. Cenário este que não exclui os games, pelo contrário, permite que o jogo seja acessado a qualquer tempo e lugar. O potencial dos jogos para os processos de aprendizagem é imenso, e está sendo explorado por pesquisadores das mais diversas áreas que buscam compreender o fenômeno enquanto objeto de pesquisa. Entendemos que os jogos tidos como educativos, ao focarem na aprendizagem diretiva e nos processos de ensino, fogem dos elementos dos games que provocam a imersão dos sujeitos (diversão, fim em si mesmo, ludicidade) e não mantêm o interesse dos alunos por muito tempo. Por isso, enfatizamos que os jogos que trabalham a aprendizagem como elemento constituinte dos jogos, com os processos de gamificação, tendem a engajar os alunos tanto quanto os jogos comerciais. A gamificação, por sua vez, é uma forte aliada a vários processos pedagógicos, visto que seu processo não torna obrigatória a transformação de Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 16 - tudo em jogo (podemos ter uma rede social gamificada, por exemplo12) A gamificação pode ser aplicada, por exemplo, à prática social, ao conteúdo escolar, à estrutura do processo em questão, às notas escolares e a várias outras coisas. Isso aumenta o interesse, estreita as relações entre professores, alunos e comunidade escolar e converge para a construção de conhecimentos sólidos, o desenvolvimento de habilidades e competências quando comparado a aulas ou espaços de aprendizagens em que os métodos são o da exposição sistemática e linear. Não atribuímos aos jogos e a gamificação da aprendizagem o poder de remediar a educação e resolver todos os seus entraves, mas atribuímos, quando trabalhados com propósitos transformadores da prática escolar, a inovação necessária para mudar aos poucos os contextos e as formas de se pensar educação no nosso país. Referências ALEXANDRE, Carla; PERES, Flavia. A Educação que motiva: o uso de rede social e jogos a favor da aprendizagem significativa. Revista Hipertextus. Recife, v. 7, 2011. ALVES, Lynn. Games, Colaboração e Aprendizagem. The Open University. Disponível em < http://oer.kmi.open.ac.uk/?page_id=1374 > Acesso em 02 de Stembro de 2013. FARDO, Marcelo. 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