Página 6
São Paulo, terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Especial
Fotos: Divulgação
Gastar menos energia
é melhor ação contra
aquecimento global
A meta internacional de manter o aquecimento global
abaixo dos 2ºC pode não ser cumprida se o foco das
ações for apenas na implantação de tecnologias de
emissões negativas de carbono. Procurar gastar menos
energia “suja”, como petróleo, carvão, e priorizar o uso
eólico, solar e de biomassa são as melhores alternativas
Hérika Dias/Agência USP de Notícias
O
alerta consta do estudo "Biophysical and economic
limits to negative CO2 emissions", publicado no dia
7 de dezembro, na revista especializada Nature
Climate Change. “As emissões negativas são tecnologias
que permitem você remover da atmosfera o gás carbônico
e outros gases do efeito estufa que já foram lançados na
atmosfera”, explica o professor José Moreira, do Instituto de
Energia e Meio Ambiente (IEE) da USP, coautor do estudo
que foi liderado pelo professor Pete Smith, da Universidade
de Aberdeen (Reino Unido).
Uso eólico priorizado e menos energia suja são melhores
alternativas ao aquecimento.
acordo global em Paris este mês para avançar nesse sério
problema”, afirma Pete Smith. O professor da Universidade
de Aberdeen disse ainda que as tecnologias de emissões
negativas têm limitações significativas e é preciso investir
em pesquisa e desenvolvimento para tentar superar essas
limitações.
“Nossa recomendação é de que continuem os esforços de
mitigação, ou seja, de procurar gastar menos energia que
não sejam sujas, do tipo eólica, solar e biomassa (como a
cana-de açúcar) as quais agregam pouco gás carbônico na
atmosfera, comparado com os combustíveis fósseis, porque
não é confiável acreditar, nesse momento, que a ciência
pode usar essas emissões negativas em grande escala no
futuro”, complementa Moreira.
A discussão de formas de conter o aquecimento global
é importante, principalmente após a COP 21, na França.
De 30 de novembro a 12 de dezembro, lideranças de 196
países do mundo discutiram um acordo mundial para
conter o aquecimento global abaixo dos 2ºC até ao final do
século. Esse limite de 2ºC foi acordado pela primeira vez
em Copenhague, em 2009 e, depois, aprovado na Cúpula
do Clima em Cancún, em 2010.
Segundo o professor Moreira, a preocupação dos cientistas
é de que alguns políticos mundiais estejam “se esforçando
pouco” em diminuir as emissões de gás carbônico, principal
responsável pelo aumento da temperatura terrestre. “Isso
pode ser consequência da crença de alguns dos tomadores de decisão em avaliações científicas de que se poderá
usar, no futuro, tecnologias de emissões negativas de gás
carbônico para evitar o aquecimento do planeta”.
Por isso, a pesquisa apresentada na Nature Climate Change
demonstra os impactos das tecnologias de emissões negativas sobre o uso da terra, emissões de gases de efeito de
estufa, uso da água, refletividade da Terra e esgotamento
de nutrientes do solo, além dos requisitos de energia e de
custos para cada tecnologia.
“A mensagem-chave do nosso estudo é que não devemos
contar ainda com estas tecnologias não amplamente comprovadas para salvar nosso futuro. Em vez disso, cortes
rápidos e agressivos nas emissões de gases de efeito estufa
são necessários agora. A janela de oportunidade está se
fechando rapidamente, por isso é imperativo obter um
O efeito estufa é um fenômeno natural de aquecimento
térmico da Terra, ele é ocasionado pela ação de gases que
compõem a atmosfera (gás carbônico, metano, óxido nitroso,
entre outros). Eles impedem que parte da energia do sol
absorvida pela Terra durante o dia seja emitida de volta
para o espaço e, assim, contribuem para a manutenção da
temperatura média terrestre.
Moreira destaca que são poucas as opções de tecnologias
de emissões negativas. As abordadas no estudo foram: o
florestamento e reflorestamento (plantar mais árvores para
absorver gás carbônico), uso de produtos químicos para
absorver gás carbônico do ar, aumento da produção de
biocombustíveis (com a captura do gás carbônico liberado
durante o seu processamento e, em seguida, armazenamento
permanente abaixo do solo), trituração de rochas que, naturalmente, absorvem gás carbônico, espalhando-as sobre
os solos para que elas removam o gás mais rapidamente.
O estudo aponta que muitas dessas ações podem ser
inviáveis em grande escala e geram potenciais impactos ambientais, econômicos e de energia. Moreira dá o exemplo da
produção de biocombustível com a captura do gás carbônico
liberado durante o seu processamento e armazenamento
abaixo do solo. Apesar de ser uma fonte alternativa e renovável para a produção de energia, o seu processo pode
causar riscos que ainda não
estão totalmente avaliados.
“O bioetanol utilizado no
Brasil é um exemplo desse
tipo de combustível. Se o
bioetanol fosse adotado por
todos os países, precisaríamos
de uma quantidade enorme de
cana-de-açúcar para atender a
demanda e com isso deslocaríamos culturas alimentares,
deixando de produzir milho,
trigo e gerar um problema de
não atender as necessidades
básicas da população em relação à alimentação”, disse o
professor, ele ainda ressalta
que mais estudos são necessários para confirmar ou negar
esses riscos.
Partículas da atmosfera amazônica são líquidas
Valéria Dias/Ag. USP de Notícias
O estado físico das partículas da atmosfera amazônica
são líquidas em 80% do tempo. Mas elas deixam de ser
líquidas para se tornarem sólidas quando massas de ar
vindas de Manaus contendo poluição urbana encontram
essas partículas. É o que mostra um estudo publicado na
revista Nature Geosciences, na edição desta segunda, 7 de
dezembro. O trabalho também aponta para a necessidade
de alteração dos modelos climáticos globais, pois eles são
baseados na realidade das florestas boreais da Finlândia, no
norte europeu, e não levam em conta as particularidades
do bioma amazônico.
“Antigamente pensava-se que essas partículas eram
sólidas e que as reações que elas participavam com
os gases da atmosfera ocorriam entre o meio sólido e
o gasoso. O fato de elas serem líquidas muda todos os
mecanismos químicos de reação entre elas e os gases
atmosféricos”, destaca o professor Paulo Artaxo, do
Instituto de Física (IF) da USP e um dos coordenadores
do estudo GoAmazon2014/15.
O trabalho contou com a participação de uma grande
equipe envolvendo pesquisadores da USP, da Universidade
de Harvard, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), da Universidade do Estado da Amazônia
(UEA) e de outras instituições, e integra o Programa LBA
Outra tecnologia de emissão negativa de carbono que
possui limitações de uso são os produtos químicos para
absorver gás carbônico do ar. “Existe a tecnologia, mas
gasta-se muita energia para fazer isso, e se a fonte de
energia for petróleo ou carvão, por exemplo, o processo é
inútil, pois se tira gás carbônico e lança mais na atmosfera”,
conta o professor.
Modelos climáticos globais não levam em conta
particularidades da amazônia
— Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera
na Amazônia.
As partículas estudadas pelos cientistas são produzidas
por compostos orgânicos voláteis: os monoterpenos e o
isopreno. Eles são liberados pelas plantas naturalmente
dentro do seu metabolismo, exercem um papel fundamental na regulação do clima da região amazônica e estão ligados aos mecanismos de formação de nuvens e no
controle do balanço radioativo da atmosfera. O trabalho
elucida, pela primeira vez, os mecanismos de formação
dessas partículas, e seu estado sólido ou líquido.
Entretanto a concentração natural desses gases está
aumentando por causa da ação humana, como a queima
de combustíveis fósseis — petróleo e carvão, por exemplo
— e o desmatamento, que resultam no lançamento de mais
gases na atmosfera, como o gás carbônico. O excesso desses
gases na atmosfera faz com que parte dos raios solares não
consigam voltar para o espaço, provocando uma elevação
na temperatura de todo o planeta, o aquecimento global.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, que conta com a
participação de cientistas e técnicos para avaliar e relatar
as variações climáticas e impactos ambientais, desenhou
diferentes cenários para o aquecimento da Terra. Se nada
for feito e o mundo continuar no caminho atual, poderá
haver um aumento médio global da temperatura de 4ºC
até ao final deste século.
Devido às emissões de carbono feitas até o momento, a
temperatura média global subiu 0,85ºC. De acordo com o
IPCC, esse pequeno aumento causou grandes impactos: quase metade das calotas polares do Ártico derreteram, milhões
de hectares de árvores no oeste americano morreram devido
a pragas relacionadas com o calor e os maiores glaciares no
oeste da Antártida — com dezenas de milhões de metros
cúbicos de gelo — começaram a se desintegrar.
Download

Página 6