Sentir pesar ou amar o sofredor? - Dom José Antônio Peruzzo, Arcebispo de Curitiba (PR)
A temática da dor e do sofrimento é uma das mais recorrentes na
história do pensamento, da arte e dos questionamentos humanos. Assim
como o amor, também a dor encontra profundas e criativas expressões no
frasário sapiencial popular, nos provérbios, nas canções, nos romances, nas
páginas de filosofia... A causa, a fonte, o sentido, até o poder libertador do
sofrimento apresentam-se vigorosos nos parágrafos escritos com sabedoria e
profundidade. Mas, por outro lado, não passam desapercebidas as revoltas, as
angústias e inquietações, os cansaços. Até chegamos a reconhecer que a dor é
um dos mistérios da vida. Porém, os interrogativos permanecem.
O sofrimento nos coloca ante a crueza da finitude. Mas também nos
recorda a infinitude, quase como uma saudade do que nunca tivemos. É assim
que se pode entender o evangelista Marcos no Evangelho deste domingo
(26/7/15 - Mc 6, 30-34). Jesus se retirara com os discípulos para um lugar deserto. Buscavam descanso.
Precisavam disso. Foram de barco. Mas, ao desembarcar, “Jesus viu uma grande multidão e encheu-se
de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E começou a ensinar-lhes muitas
coisas”.
O que significa sentir compaixão? Havia sofrimento, desorientação, indiferença (sem pastor).
Não parece que se limitou a sentimentos pesarosos, como se apenas tivesse pena daquela gente muito
carente e sem rumo. O mero sentimento, ainda que nobre, é sempre fugaz. Parece-se com algo que passa
sem nada inspirar. Não move e nem comove. Seria uma comiseração refinada, mas sem efeitos, sem
aproximação, sem solidariedade, sem vigor interpelativo.
A experiência bíblica de compaixão é mais que uma elevada afeição humana. No Antigo
Testamento, era uma das mais pronunciadas características de Deus. Suas compaixões desdobravam-se
em respostas de aproximação reconciliadora ou libertadora. No caso de Jesus, suas atitudes
compadecidas davam a conhecer as inclinações de Deus em favor daquela gente. Se as multidões eram
como “ovelhas sem pastor”, a imagem está a referir indiferença e frieza ante sua situação. Os gestos do
Senhor compassivo recordavam-lhes que, embora em quadros difíceis, ainda assim eram preciosos aos
olhos do Pai.
Até vale um olhar para a origem etimológica. E aqui é muito pouco o apelo ao vocábulo
latinocom/passio (“padecer com”). É preciso um novo passo. Para “compaixão” é preciso ir até o grego
antigo. Lá a compaixão está ligada às disposições maternas de conservar a vida. Naquela língua os
termos “compaixão” e “útero” são equivalentes. Assim como o ventre materno acolhe a vida, envolve-a,
protege-a e a faz nascer, algo semelhante fez o Senhor ao aproximar-se daquelas “ovelhas sem pastor”:
suscitou-lhes a esperança com expressões de amor fraterno. Foi uma aproximação generativa, isto é,
gerou algo.
Quem olha para as manchetes, as escolhas e comportamentos atuais talvez se deixe convencer de
que a compaixão está a perder credenciais no elenco das qualidades humanas. Afinal, produtividade,
eficiência, competitividade afiguram-se “pobres” de atitudes compassivas. Entretanto, tendo chegado a
Curitiba há poucos meses, sem negar as durezas da grande metrópole, devo dizer, gratificado, que
encontro muitos testemunhos de compaixão solidária. E percebi que a graça faz um bem imenso não
apenas aos beneficiários. Parece que faz um bem maior aos compassivos.
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Sentir pesar ou amar o sofredor?