ÁREA TEMÁTICA: Ambiente e Sociedade MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ECONÓMICAS NA COSTA PORTUGUESA: PERCEPÇÕES DAS COMUNIDADES, JUSTIÇA SOCIAL E DEMOCRATIZAÇÃO SCHMIDT, Luísa Doutorada em Sociologia Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa [email protected] DELICADO, Ana Doutorada em Sociologia Instituto de Ciências Sociais– Universidade de Lisboa [email protected] GUERREIRO, Susana Licenciada em Psicologia Social e das Organizações Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa [email protected] GOMES, Carla Mestre em Gestão e Políticas Ambientais Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa [email protected] 2 de 19 Resumo O litoral português, onde se concentra mais de 80% da população e da produção de riqueza do país, é um dos mais vulneráveis da Europa no que respeita à erosão costeira. Queda de arribas, perda de areia das praias e recuo acentuado da linha de costa têm obrigado a avultados investimentos em infra-estruturas e medidas de protecção. Esta concentração populacional na zona litoral ocorreu em apenas algumas décadas, a um ritmo acelerado, perante um sistema institucional e de gestão que se revelou incapaz de restringir a proliferação de construções em áreas de risco. Actualmente, as populações e economias costeiras enfrentam dois enormes desafios: a crise climática e a crise económica. Nas próximas décadas, prevê-se que as alterações climáticas venham acentuar a perda de território pelo recuo da linha de costa, devido a um conjunto de factores, em particular a subida do nível médio do mar. Por outro lado, a crise económica pode inviabilizar a continuação de dispendiosas intervenções para conter o avanço do mar, incluindo a construção de esporões e paredões e o enchimento artificial das praias. Cada vez mais se ponderam estratégias alternativas de adaptação, inclusive a eventual deslocação de populações para áreas mais recuadas. A necessidade de tomar medidas mais drásticas, a génese ilegal de muitas das construções agora em risco na orla costeira, a diversidade de culturas e de modos de vida, assim como de interesses económicos, que nela convergem, fazem antever conflitualidades e problemas de justiça social.O desafio da sustentabilidade das zonas costeiras passa por criar processos de decisão e de gestão com a participação activa das populações locais e por uma abordagem inovadora face às estratégias de adaptação e ao seu próprio financiamento. Esta procura de modelos de gestão costeira mais sustentáveis não dispensa uma abordagem sociológica das problemáticas mencionadas. A partir de três casos de estudo na costa portuguesa – Vagueira, Costa da Caparica e Quarteira – nesta comunicação analisam-se os resultados de um inquérito aplicado a uma amostra representativa das populações aí residentes, bem como um conjunto de entrevistas realizadas aos stakeholders locais. Procuramos explorar as avaliações sobre os riscos costeiros e a disponibilidade dos actores locais para a participação em modelos alternativos de gestão e financiamento. Abstract The Portuguese coast, where more than 80% of the population and wealth are concentrated, is one of Europe's most vulnerable regarding coastal erosion. The fall of cliffs, loss of sand and sharp retreat of the shoreline have required significant investments in infrastructure and protection measures.This concentration of population on the coast happened in only a few decades at a fast pace, before the eyes of an institutional and management system that was unable to restrict the proliferation of buildings in risk areas.Currently, coastal populations and economies face two major challenges: the climate crisis and the economic crisis. In the coming decades, it is expected that climate change will accentuate the loss of territory through the retreat of the coastline due to a number of factors, particularly the rise in the average sea level. On the other hand, the economic crisis might prevent the continuation of costly interventions to contain the advance of the sea, including the construction of groynes and sea walls and artificial sand renourishments.Increasingly alternative strategies for adaptation are considered, including the possible relocation of people to more distant areas. The need to take more drastic measures, the illegal origin of many of the buildings now at risk in coastal areas, the diversity of cultures and lifestyles, as well as economic interests that converge on it, make us anticipate conflicts and problems of social justice .The challenge of sustainability in coastal areas is to create decision-making and management processes with the active participation of local populations and an innovative approach regarding adaptation strategies and their financing. This demand for more sustainable coastal management models does not exempt us from taking a sociological approach to the problems mentioned. Based on three case studies on the Portuguese coast - Vagueira, Costa da Caparica and Quarteira - this paper analyzes the results of a survey applied to a representative sample of people living there, as well as a set of interviews with local stakeholders. We explore the assessments on coastal risks and the availability of local actors to participate in alternative models of management and financing. Palavras-chave: Erosão costeira; percepção de risco; participação; financiamento Keywords: Coastal erosion; risk perception; participation; financing PAP0829 3 de 19 4 de 19 1. Introdução O fenómeno das alterações climáticas é um dos problemas mais graves com que se confrontam as sociedades actuais. Do vasto leque de impactos e grupos afectados, as comunidades costeiras são seguramente as que se encontram mais vulneráveis aos efeitos do avanço do mar. As alterações climáticas, por sua vez, têm vindo a acentuar os processos de erosão costeira – uma realidade já há muito conhecida das populações costeiras. Apesar destas problemáticas terem recebido, nos últimos anos, uma atenção considerável a nível internacional - com estudos tanto em países afluentes (Reino Unido ou Holanda) como em países em desenvolvimento (Caraíbas ou Pacífico) - em Portugal a literatura é ainda escassa ou mesmo inexistente. Assim, este estudo pretende contribuir para um maior conhecimento das percepções dos riscos costeiros e alterações climáticas, através do estudo de três populações costeiras que correspondem a alguns dos troços mais críticos em Portugal, quer em termos da sua vulnerabilidade, quer em termos da pressão urbana a que têm sido sujeitos. 2. Enquadramento A subida do nível do mar e o aumento dos riscos costeiros torna particularmente importante a implementação de medidas de adaptação (Nicholls & Lowe, 2004; Hadley 2009; Klein, Nichols & Nimura, 1999). De facto, caso não sejam tomadas medidas de adaptação adequadas, os impactos das inundações costeiras serão certamente agravados com a intensificação da ocupação em áreas costeiras, com reflexos a nível económico e social (Stern, 2006; Church et al., 2010). Estas medidas, por sua vez, têm de ser pensadas no contexto de realidades sociais que - como veremos nos casos de estudo aqui apresentados - são já de si complexas e frágeis devido à sua história recente de ocupação e crescimento abrupto, acompanhando, de certa forma, o processo de litoralização do país. Os aspectos sociais, económicos e políticos da gestão costeira no contexto das alterações climáticas e dos crescentes riscos costeiros têm vindo a receber grande atenção na literatura a nível internacional. Alguns estudos têm abordado a questão a um nível mais macro, centrando-se, por exemplo, nas respostas institucionais nos países da UE (O’Hagan & Ballinger, 2009; Nichols & Klein, 2005), enquanto outros estudam factores individuais como a percepção de risco e a tomada de decisão (Filatova, Mulder & van der Veen, 2010). Outro conjunto de estudos, particularmente relevantes para o nosso trabalho, abordam questões como a opinião pública sobre a gestão costeira (O’Connor, McKeena & Cooper, 2010), a percepção pública dos riscos costeiros e das alterações climáticas (Heinrichs & Peters, 2007) ou a percepção dos stakeholders acerca de cenários climáticos futuros (Lorenzoni, 2009) – uma abordagem mais sociológica, com metodologias diversas de auscultação dos stakeholders (com inquéritos e focus groups), muito semelhante à que adoptámos no projecto que aqui apresentamos. Em Portugal, apesar de existirem já alguns projectos de investigação em cursoestes encontram-se ainda numa fase inicial. De uma maneira geral, as ciências sociais estão sub-representadas nos projectos dedicados às zonas costeiras. Os poucos exemplos de estudos existentes em Portugal centram-se mais na evolução das políticas costeiras (Carneiro, 2007; Veloso-Gomes & Taveira-Pinto, 2003; Lopes-Alves & Ferreira, 2004), existindo alguns casos raros de estudos que envolvem a auscultação dos stakeholders locais sobre os riscos costeiros (Martins et al., 2009). Mais raros ainda são estudos que articulam as alterações climáticas com a erosão costeira e os impactos destes fenómenos em termos sociais. No que diz respeito às intervenções costeiras, assentes até à data numa política de “hold the line” que comporta custos avultados e que depende de fundos comunitários, poderão ter de ser repensadas, sobretudo no actual contexto de crise económica. Serão necessárias formas inovadoras de financiamento e gestão costeira, bem como medidas alternativas que poderão mesmo passar pela renaturalização de alguns troços costeiros e a relocalização de habitações e edifícios. Portugal, enquanto país europeu semiperiférico - com a sua população concentrada no litoral e com uma fraca tradição de participação pública nos processos de tomada de decisão - é um caso de estudo interessante, especialmente no actual contexto sócio-económico. 5 de 19 Este artigo é baseado nos primeiros resultados do projecto de investigação CHANGE - Mudanças Climáticas, Costeiras e Sociais - erosões glocais, concepções de risco e soluções sustentáveis em Portugal (PTDC/CS-SOC/100376/2008) – que assume uma abordagem marcadamente interdisciplinar, combinando metodologias das ciências sociais – sociologia, história, antropologia – com abordagens das ciências naturais. No âmbito do CHANGE analisamos, através de entrevistas a stakeholders locais e de um inquérito à população, as percepções sobre a mudança e riscos costeiros, bem como as visões futuras sobre as zonas costeiras, usando para isso três zonas do litoral português: a Vagueira, na região de Aveiro; a Costa da Caparica, na Área Metropolitana de Lisboa; e Quarteira, na costa sul do Algarve. 3. Erosão costeira e alterações climáticas Os processos de erosão costeira intensificaram-se durante o século XX, em paralelo com o aumento da pressão humana, especialmente devido à construção de barragens e obras portuárias (Schmidtet al., 2011). Estes processos de erosão são evidenciados pelo ritmo acelerado do recuo da costa em Portugal, embora variável ao longo do tempo e localização. Na praia da Vagueira, as taxas médias de recuo já atingiram 16 metros por ano entre 1984 e 1990 (Ângelo, 1991); na Cova do Vapor (Costa da Caparica), a praia recuou 26 metros/ano de 1999 a 2007 (Pinto et al., 2007), e no Forte Novo, a leste de Quarteira, houve um recuo médio de 6 metros/ano entre 1991 e 2001 (Oliveira, 2005). Estudos recentes também indicam que a erosão costeira na costa ocidental tende a ser agravada pela rotação da direção predominante das ondas (Santos & Miranda, 2006). Esta rotação tem fortes implicações sobre a deriva sedimentar norte-sul e há projecções que apontam para um aumento de 12% a 15% nos processos de erosão costeira até 2100 (Schmidt et al., 2011). A fragilidade costeira torna-se ainda mais grave se tivermos em conta os impactos das alterações climáticas, especialmente a subida do nível do mar (Schmidt et al., no prelo). De acordo com Ferreira et al. (1990), no início da década de 1990, 80% a 90% do recuo da costa devia-se à falta de sedimento e os restantes 10% a 20% à subida do nível médio do mar. Em Portugal, o nível médio do mar aumentou cerca de 15 centímetros durante o século XIX, um número próximo da média global. Projecções recentes (Ramstorf, 2007) revelam que o nível médio do mar pode subir cerca de 1 metro até o final do século, o que mudaria significativamente a morfologia e ocupação das zonas costeiras e exigiria fortes medidas de adaptação. 4. Incerteza Financeira O recuo da costa tem sido minorado graças à grande quantidade de recursos financeiros investidos na sua protecção. Apesar da ausência de uma fonte fidedigna que forneça uma análise abrangente de quanto Portugal gastou até à data em intervenções costeiras, apresentamos alguns números que revelam a insustentabilidade financeira destas intervenções. Entre 1995 e 2006, o Instituto da Água (INAG) fez 12 intervenções de emergência na costa (em comparação com as 22 intervenções programadas) e entre 1995 e 2010 tinha gasto mais de 126 milhões de euros. O conjunto dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) estimava um investimento de 83 milhões de euros entre 1995 e 2015, já ultrapassado. Só em 2009 investiram-se 38 milhões de euros em obras de defesa costeira, o montante mais elevado da última década. Em Janeiro de 2011, tinham já sido aprovadas intervenções no valor de 113,5 milhões de euros - 77 Milhões € no combate à erosão e 36 Milhões € em intervenções regionais de qualificação do litoral - e no Outono de 2011, alguns dias sucessivos de agitação marítima obrigaram a várias intervenções de emergência em diversos pontos do país, o que revela bem a imprevisibilidade dos riscos costeiros Os elevados custos da defesa costeira tornam-se particularmente problemáticos no seio da grave crise financeira que Portugal enfrenta. Além disso, os fundos da UE - que têm sido injectados para as intervenções costeiras nas últimas décadas - poderão ser substancialmente reduzidos depois de 2013, o que implicará formas alternativas de financiamento. E uma vez que a economia está em recessão, novos fundos públicos só virão à custa da redução da despesa noutras áreas, o que por sua vez levanta importantes questões de justiça social. 6 de 19 Os impactos destas restrições financeiras vêm somar-se ao futuro já incerto das zonas costeiras abrangidas pelo nosso estudo. Após a prosperidade que caracterizaram a Vagueira, Costa da Caparica e Quarteira nas últimas décadas, com um alto crescimento populacional, um boom de construção e uma actividade turística constante, estas áreas costeiras poderão enfrentar um declínio económico grave se os fundos de defesa costeira forem reduzidos ou suspensos. 5. Os casos de estudo Vagueira Costa da Caparica ee Quarteira ee Selecionámos três estudos de caso que correspondem a troços críticos do litoral português, não só em termos de erosão mas também em termos de densidade populacional e de representação icónica da costa: aVagueira, na região de Aveiro; a Costa da Caparica, na Área Metropolitana de Lisboa; e Quarteira, na costa sul do Algarve (ver Figura 1). Estas três zonas têm semelhanças óbvias: são todas antigas vilas de pescadores transformadas em destinos turísticos, consideradas extremamente vulneráveis à erosão costeira e com elevadas taxas de recuo da linha de costa nas últimas décadas. Em todas elas, o turismo e a pressão urbana trouxeram a necessidade de proteger a costa com estruturas de defesa rígidas. Campos de esporões foram construídos durante os anos 60 e 70, criando condições para uma pressão e ocupação humana ainda maior, enquanto aumentava a jusante o recuo da costa. A população continuou a crescer a um ritmo impressionante, bem como a frente urbana. Actualmente manter a linha de costa é considerado crucial para a sobrevivência económica destas três zonas. Apesar de terem em comum dinâmicas de crescimento recentes caracterizadas por uma forte pressão urbana, estas três áreas sofreram diferentes processos de ocupação, têm dinâmicas sociais muito diferentes e apresentam níveis de erosão diferenciados, permitindo assim importantes análises comparativas. A zona de estudo da Vagueira – desde a Praia da Barra até ao sul da praia da Vagueira – está localizada na costa ocidental - a sul do Porto de Aveiro - na que é considerada uma das zonas costeiras mais energéticas da Europa. O troço Barra-Vagueira é fortemente condicionado pelas constantes obras de manutenção do Porto de Aveiro. Esta é a secção actualmente em maior risco neste troço e onde as intervenções de defesa costeira parecem surtir menores resultados. Nos últimos Verões, a praia deixou de existir na maré alta, ficando a rebentação a tocar o enrocamento recentemente construído, panorama agravado pela falta de acessos à praia. A população desta zona aumentou 20% nos últimos 20 anos, a construção aumentou 28% no mesmo período de tempo e a ocupação sazonal chega a ser de 64% (Censos 2011). Ocupado maioritariamente por residências secundárias (proprietários oriundos do eixo Viseu-Guarda), a desvalorização deste território é cada vez mais sentida, face ao avanço notório do mar nos últimos anos. 7 de 19 O troço costeiro da Costa da Caparica – da Cova do Vapor até à Fonte da Telha – está localizado a sul da embocadura do rio Tejo, a cerca de 20 km de Lisboa. Ocupa a zona superior do arco Costa da Caparica – Cabo Espichel. Em tempos um dos principais destinos turísticos da Área Metropolitana de Lisboa, tornou-se mais recentemente num subúrbio da capital, com mais de 13 mil habitantes (um aumento de 15% entre 2001 e 2011), tendo a ocupação sazonal diminuído de 70,05% para 53% entre os Censos de 1991 e 2011. Este troço costeiro tem enfrentado sérios problemas de galgamentos nos últimos invernos, em particular desde 2006, chegando mesmo a ocorrer a destruição de bares de praia e a inundação de parques de campismo, o que implicou intervenções do INAG, nomeadamente o reforço dos esporões e uma sucessão de enchimentos artificiais. A zona de estudo de Quarteira – um troço costeiro com cerca de 8 Km que vai desde o empreendimento turístico de Vilamoura até ao resort de Vale do Lobo, incluindo a zona urbana de Quarteira – está localizada na costa sul do Algarve. Esta costa é abrigada da agitação com origem no Atlântico Norte, tendo um regime de agitação menos energético que a costa ocidental. Quarteira é uma zona marcadamente turística, actualmente com 21,8 mil habitantes, tendo a população duplicado nos últimos anos, e com uma população sazonal que tem vindo a aumentar, tendo atingido os 59% em 2011. Aqui, a construção da marina de Vilamoura e do campo de esporões acelerou os processos de erosão a Leste, em particular no limite da zona urbana de Quarteira, depois do último esporão, e na zona de Vale do Lobo, onde a arriba recuou tanto que algumas habitações daquele resort já tiveram de ser demolidas e outras deverão ser demolidas ou recuadas em breve. Este troço costeiro foi alvo de três vastos enchimentos artificiais na última década. 6. Metodologia Os resultados deste artigo baseiam-se em dois tipos de metodologias. Por um lado, usámos uma metodologia qualitativa assente na realização de 62 entrevistas semi-estruturadas nas três zonas de estudo entre Maio de 2011 e Janeiro de 2012. Para cada estudo de caso seleccionámos um grupo de instituições regionais responsáveis pela gestão destes territórios (Administrações Regionais Hidrográficas (ARH), direcções das áreas protegidas, administrações portuárias, autoridades de Protecção Civil), instituições locais (câmaras municipais, juntas de freguesias), cientistas, Organizações Não Governamentais de Ambiente, bem como pessoas com interesses directos na costa (associações de residentes e de empresários locais, promotores turísticos, proprietários de restaurantes de praia) e ainda aqueles que dependem da costa ou cuja identidade está fortemente ligada à costa (pescadores, surfistas). Por outro lado, com o objectivo de obter representatividade das opiniões da população das três zonas, utilizámos uma abordagem quantitativa que consistiu na realização de um inquérito a uma amostra representativa nos três locais de estudo (N=643), em Agosto de 2011. O objectivo destas duas abordagens era captar as percepções públicas dos riscos costeiros e alterações climáticas, o conhecimento e avaliação tanto das intervenções costeiras bem como da actuação das instituições responsáveis, o envolvimento e participação nos processos de decisão e ainda as visões sobre o futuro da costa, nomeadamente soluções de financiamento e formas alternativas de gestão do território. 7. Resultados 7.1. Percepção de risco Uma boa gestão costeira tem de envolver a população. Mas isso só pode ser alcançado se os actores institucionais tiverem algum conhecimentodo público a ser envolvido na tomada de decisões. Em primeiro lugar, é importante saber como o público encara os riscos costeiros, nomeadamente a percepção de risco de erosão costeira e as suas causas. Uma vez que as alterações climáticas podem ter importantes impactos sobre este problema, a consciência do público sobre esta questão também deve ser avaliada. Os resultados do inquérito revelam que a maioria dos inquiridos avalia como grave ou muito grave o risco de erosão costeira, principalmente na Costa da Caparica, onde mais de 80% considera que é um problema sério 8 de 19 e que vai piorar no futuro. 70% considera que o problema já está a afectar as populações locais. Em Quarteira os valores são inferiores, mas ainda assim quase 60% considera que é um problema grave. 100 80 60 40 20 0 Grave/Muito grave Vagueira Está a afectar as Vai piorar no Futuro populações locais Costa da Caparica Quarteira Figura 1 - Risco de erosão costeira, afectados e situação no futuro As entrevistas aos stakeholders locais demonstram esta consciência do risco que aquelas zonas enfrentam e da evolução rápida da erosão e do avanço do mar no passado recente: “A erosão é um problema grave nesta zona e há cada vez menos areia. Na Vagueira em 20 anos o mar avançou mais de 100 metros.”Vagueira - Presidente Junta Freguesia “A situação está má (…) de ano para ano nota-se um avanço significativo, como nunca tinha visto; do ano passado para este houve um avanço maior; estamos aqui todos os dias e verificamos que tem avançado muito, junto aos molhes” – Surfista Vagueira “Nestes últimos 40 anos houve um recuo médio de 1 metro de falésia por ano. Isto sem qualquer intervenção. (…) A tendência é que o mar conquiste a terra, podemos tentar atrasar mas não podemos evitar.”Empresário – Quarteira Quanto às causas da erosão costeira (Fig. 2), é interessante notar que os factores antrópicos não aparecem no topo. Para a maioria, as principais causas são as naturais e fenómenos distantes, como as alterações climáticas. A única causa antropogénica com mais de 10 por cento das respostas é a extracção de areia. Naturais Alterações climáticas Extracção de areias Acção do homem Construção de pontões/esporões Construção de habitações/empreendimentos Construção de barragens nos rios Construções portuárias/marinas Mau ordenamento do território Turismo Falta de paredões 0% Quarteira Caparica 10% 20% 30% 40% 50% Vagueira Figura 2 - Causas para a erosão costeira (resposta aberta) 9 de 19 Esse problema também figurou com destaque nas entrevistas com os actores locais na Costa da Caparica. Muitos afirmaram que o desaparecimento de areia começou com as dragagens e com o desaparecimento da restinga do Bugio, que protegia a costa a sul. Assim, quando solicitados para avaliar a frequência de alguns eventos associados à erosão costeira, o desaparecimento de areia é o evento mais mencionado pela população estudada (Fig. 3). Metade da amostra considera ainda que as inundações costeiras ea destruição de dunas têm sido frequentes ou muito frequentes. 0 20 40 60 80 100 % Desaparecimento da areia O avanço do mar/inundações… Destruição das dunas Destruição de protecções… Destruição de esporões/molhes Fortes tempestades Destruição de edifícios Muito Frequente Frequente N=618 Figura 3 - Frequência de eventos nos últimos 20 anos As entrevistas com actores locais dão uma ideia mais clara dos eventos passados. A maioria dos entrevistados falou sobre a enorme quantidade de areia que tem desaparecido e que deixa a descoberto rochedos anteriormente ocultos e diminui o tamanho das praias, recordando que num passado – não muito distante – estas eram muito mais compridas e o tempo para chegar ao mar muito maior. Principalmente os moradores mais idosos recordam eventos específicos: Desde 1978 a erosão acentuou-se, 600 metros foram desbastados pelo mar; em 1978 o mar veio até à avenida. Presidente Junta Freguesia – Vagueira Vejo com alguma preocupação, parece ter havido uma evolução rápida no desaparecimento de areia. (…) Vista do mar, a costa tem mudado muito. – Empresário - Quarteira Finalmente, no que diz respeito às alterações climáticas (Fig. 4), constatamos quequase todos os inquiridos já tinham ouvido falar do fenómeno, estão convencidos de que é real e que terá um forte impacto sobre os problemascosteiros. 0 20 40 60 80 100 Já ouviu falar de Acs ACs estão a acontecer ACs terão algum/forte impacto nos problemas costeiros N=643, 608, 566 Figura 4 - Alterações climáticas e impactos na erosão costeira 10 de 19 Nas entrevistas o conhecimento e a preocupação com os possíveis impactos das alterações climáticas também é generalizado. Estou um pouco apreensivo com a questão das alterações climáticas. (...) Penso que a tendência será para uma subida do nível das águas e que eventualmente terão de ser tomadas outro tipo de precauções no futuro (...). E esta costa como é uma costa muito plana, está mais susceptíve. -Presidente Junta Freguesia – Vagueira Se o nível médio do mar subir como resultando das alterações climáticas obviamente que vai agravar o problema do avanço do mar. - Porto de Aveiro 7.2. Protecção costeira Os resultados do inquérito mostram que o público das três zonas considera importante que a linha de costa continue onde está, sendo que os inquiridos da Vagueira são os que mais consideram muito importante que a costase mantenha inalterada(Fig. 5). 100 80 60 40 20 0 Muito Importante Importante Vagueira Pouco Importante Costa da Caparica Nada Importante Quarteira Figura 5 - Importância da costa se manter inalterada (%) 7.3. Intervenções de defesa costeira Quanto ao conhecimento dos tipos de defesas costeiras que têm sido implementados nos últimos anos (Fig.6), pode-se dizer que tal conhecimento não é totalmente difundido. Ainda assim, na Costa da Caparica os inquiridos revelam maior conhecimento sobre as intervenções costeiras, principalmente dos enchimentos com areia. É interessante notar que na Vagueira os indivíduos estão mais familiarizados com obras de defesa “duras” – construção de esporões e paredões. Colocação de pedras Colocação de passadiço em… Relocalização de edifícios Quarteira Caparica Vagueira Construção e reforço de esporões Enchimentos das praias com areia 0% 20% 40% 60% 80% 100% Figura 6 – Conhecimento sobre intervenções de defesa costeira (resposta aberta) 11 de 19 Quanto à eficácia percebida dessas defesas costeiras (Fig. 7), as defesas duras, tais como esporões e paredões, são vistas como mais eficazes do que os enchimentos com areia. Isto pode dever-se ao facto de que, na maioria dos casos, a alimentação com areia ter de ser repetida periodicamente, tornando-se uma despesa recorrente. 0% 20% 40% 60% 80% 100% Enchimentos das praias com areia Construção e reforço de esporões Construção de paredões/quebra-mar Reforço das dunas /dunas artificiais Relocalização de edifícios Muito Eficaz/Eficaz Pouco/Nada Eficaz Não Sabe Figura 7 - Avaliação de eficácia das intervenções de defesa costeira As entrevistas com actores locais fornecem uma visão mais clara dessas avaliações. Apesar das defesas duras serem consideradas necessárias pela maioria("caso contrário já não teríamos praia", como dizem alguns entrevistados), alguns expressam críticas em relação à forma como foram feitas. Alguns reprovam a ausência de manutenção dos esporões, outros a sua orientação ou ainda a curta distância entre eles. Se não fossem os esporões tenho a certeza que já não existia ali praia em frente a Quarteira- CM Loulé Talvez houvesse outra solução, se os molhes não estivessem colocados assim, se estivessem lá fora a fazer de recife, a fazer de bancada para a onda vir quebrada e não rebentar em cima da areia…-Quarteira, surfista Alguns stakeholders criticam as estruturas de defesa duras, culpando-as pela erosão, e mostram uma preferência por defesas mais “suaves”, tais como a restrição do acesso às dunas naturais e a construção de passadiços de madeira, que têma vantagem de promover a consciencialização ambiental. Podiam ser feitos paredões transversais à praia, mais à frente; ou até enchimento de praias, soluções mais naturais; ou encher novamente a restinga.- Caparica - Clube Campismo Lisboa Relativamente às recargas de areia não são consensuais e, apesar de consideradas importantes, se não mesmo essenciais para sustentar as praias e manter as actividades turísticas, alguns entrevistados consideram-nas um desperdício de dinheiro, que devia ser antes gasto em defesas duras ou outras soluções de engenharia. Há outro tipo de intervenções que têm sido feitas noutros países, como em Barcelona um “rolo” artificial ao longo das praias.- Caparica – Associação de moradores A ideia geral é que não existem estudos suficientes para justificar estas intervenções e que os pareceres dos especialistas nem sempre são ouvidos, quanto mais o conhecimento das populações locais. 7.4. Participação pública De acordo com o inquérito, os níveis de participação são extremamente baixos. Menos de 5% dos respondentes de cada uma das zonas de estudo já participaram de alguma forma em processos de decisão sobre a gestão costeira. 12 de 19 100 80 60 40 20 0 Participação em discussões públicas Vagueira Outras formas de participação Costa da Caparica Quarteira Figura 8 - Participação pública em discussões e outras formas (%) Apesar de preocupantes, estes números não surpreendem. Se por um lado os stakeholders institucionais se queixam de que não existe uma cultura de participação da população nos processos de decisão sobre a gestão do território, também é verdade que as autoridades parecem não fazer mais esforços do que aqueles estritamente necessários (e previstos na lei) para envolver os cidadãos nestes processos. Falta cultura cívica às pessoas desta zona. A maioria das pessoas não se envolve nas questões locais, não lê, não se informa. –Vagueira- Presidente Junta de Freguesia Estas intervenções territoriais têm de ser repensadas; a participação dos cidadãos tem de ser antes do plano estratégico- Caparica - Costa Polis Divulga-se as consultas públicas nos jornais mas nem toda a gente tem acesso á informação, essa não é entregue porta a porta, como as notificações; cumprem os requisitos legais, mas não são eficazes; fazem-se as reuniões em hotéis e não aparece quase ninguém… Caparica - Associação Moradores Há períodos de discussão pública, mas quando as coisas aparecem já são facto consumado.-Caparica-Surfista Assim, não é surpreendente que apenas pouco mais de um quarto dos inquiridos considere que as populações locais têm pouca influência sobre agestão costeira. 100 80 60 40 20 0 Vagueira Costa da Caparica Quarteira Alguma influência Muita influência Figura 9 - Influência da população nas decisões (%) Este sentimento de impotência está em claro contraste com a opinião pública a respeito de quem deve ter uma palavra a dizer sobre o assunto. Mais de 95% dos inquiridosconsidera que as populações devem ser ouvidas, em conjunto com as autoridades locais, ONGAs e cientistas. Na verdade, os inquiridos têmuma 13 de 19 noção muito ampla de participação na tomada de decisões, não excluindo quase nenhuma organização além de empresas privadas. 75 80 85 90 95 100 Câmaras… População ONGAs Juntas de Freguesia Associações locais Cientistas Governo Empresas privadas Figura 10 - Instituições que devem participar nas decisões 7.5. Financiamento A maioria dos inquiridos é da opinião que o Estado deve continuar a pagar a totalidade das dispendiosas obras de defesa costeira, principalmente os inquiridos da Costa da Caparica (77%). Em relação aos inquiridos de Quarteira e da Vagueira, as opiniões parecem dividir-se entre o Estado pagar as obras na íntegra ou apenas uma parte. Na Vagueira, 7% dos inquiridos consideram que o Estado não deve continuar a suportar as intervenções de defesa costeira, a percentagem mais elevada das três zonas de estudo. Vale a pena salientar que são os inquiridos com mais de 65 anos e aqueles com menor escolaridade – com nenhum grau académico ou apenas com o 1º ciclo – que consideram que o Estado deve continuar a pagar a totalidade das obras de defesa costeira. 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Não Sim, em parte Sim, totalmente Vagueira Caparica Não sabe Quarteira Figura 11 - O estado deve continuar a pagar as obras de defesa costeira Quando confrontados com a hipótese de deixar de haver dinheiro do Estado para pagar as obras de defesa costeira, é na Vagueira que os inquiridos revelam maiores índices de concordância com as diversas medidas alternativas. 39% dos inquiridos desta zona concorda com contribuições pagas pelos cidadãos e 54% com contribuições de proprietários de habitações. 30% concordam e 7% concordam totalmente com a taxação do estacionamento das praias. 40% dos inquiridos da Costa da Caparica concordam com esta medida, enquanto que os níveis de concordância em Quarteira são bastante inferiores, havendo mesmo 59% dos inquiridos desta zona que discordam totalmente da cobrança de parqueamento nas praias. A taxação da utilização das 14 de 19 praias apresenta as percentagens mais baixas de concordância, principalmente na Costa da Caparica e em Quarteira, em que 88% e 84% dos inquiridos, respectivamente, discordam por completo da medida. As formas de obtenção de financiamento privado e contribuições por parte das empresas são as medidas com que os inquiridos das três zonas mais concordam. Obter financiamento da Europa Obter financiamento privado Contribuição empresas/empreendimentos locais Vagueira Contribuição dos proprietários de habitações Caparica Quarteira Contribuição nacional Taxar o estacionamento nas praias Taxar a utilização das praias 0 20 40 60 80 100 Figura 12 - Alternativas ao financiamento do Estado (%) Quando confrontados com a hipótese de deixar de haver dinheiro do Estado para pagar as obras de defesa costeiraos inquiridos da Vagueira estão mais disponíveis para contribuir para um fundo local (49%) do que os inquiridos da Costa da Caparica (19%) ou de Quarteira (20%). Os respondentes de Quarteira foram os que se mostraram mais indisponíveis para contribuir (59%) seguidos dos inquiridos da Costa da Caparica (53%). Sim Sim, mas com condições Não Não sabe Vagueira Caparica Figura 13 - Disponibilidade para contribuir para um fundo de protecção costeira local Uma percentagem reduzida de inquiridos afirmou que contribuiria, mas só em determinadas condições, com a percentagem mais alta a verificar-se na Vagueira (11%). Relativamente às condições que alguns proprietários colocaram a uma eventual contribuição para um fundo de protecção costeira local, a apresentação do plano e contas foi a condição mais mencionada pelos indivíduos da Costa da Caparica (8 casos). O valor da contribuição foi uma condição referida por 14 proprietários (8 de Quarteira, 5 da Caparica e 1 da Vagueira). A verificaçãoda aplicação adequada dos fundos públicos foi também uma condição que alguns proprietários consideraram importante, principalmente na Vagueira (6 casos). 15 de 19 Ter compensações nos impostos Depende do tipo de obras Se todos contribuíssem Cada um pagar consoante as suas possibilidades Vagueira Perante a apresentação do plano e contas Quarteira Caparica se o governo aplicar bem os fundos públicos Depende do valor da contribuição 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Figura 14 - Condições necessárias para a contribuição para o fundo de protecção costeira local 7.6. Futuro das zonas costeiras No que diz respeito ao futuro, em média, os proprietários nas três zonas estão preocupadosicom a desvalorização da sua propriedade (casa ou negócio) devido à erosão costeira (Tabela 1). Não obstante, existem diferenças significativas a apontar entre as três zonas, nomeadamente entre a Costa da Caparica e Quarteira, bem como entre a Costa da Caparica e Vagueira. Os inquiridos da Costa da Caparica são, em média, os mais preocupados com a desvalorização da sua propriedade (3.30) e os de Quarteira os menos preocupados (2.61). Em seguida analisámos a concordância dos inquiridos com frases que expressam possíveis alternativas de futuro para as suas zonas costeiras. Do total de inquiridos da Costa da Caparica, 78% concordam totalmente ou concordam que a deslocação de actividades ou edifícios vai ser necessária num futuro próximo, níveis de concordância superiores aos verificados entre os respondentes de Quarteira. Já na Vagueira, apenas 35% dos inquiridos concorda ou concorda totalmente com uma eventual relocalização de actividades ou edificado. 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 A deslocação de actividades vai ser necessária no futuro Vagueira A costa deve ser Não se devem fazer protegida a todo o custo mais defesas costeiras,a natureza deve seguir o seu curso Costa da Caparica Quarteira Figura 15 - Concordância com cenários alternativos para a costa 16 de 19 Por outro lado, a protecção da linha de costa a todo o custo é uma opção com que a esmagadora maioria dos inquiridos das três zonas de estudo concorda ou concorda totalmente. Apenas 1% dos inquiridos da Costa da Caparica e de Quarteira revelam qualquer tipo de discordância com esta afirmação. Não se verificam diferenças expressivas entre as três zonas de estudo no que diz respeito à opção mais fatalista de deixar a natureza seguir o seu curso e não se fazerem mais obras de defesa costeira. De facto, verificamos que a maioria dos inquiridos discorda deste tipo de opção nos três locais em estudo, tendo Quarteira a percentagem mais elevada nesta categoria de resposta. 8. Conclusões A compreensão das percepções sociais acerca das alterações climáticas e riscos costeiros é essencial para alcançar uma gestão participativa e sustentável das zonas costeiras. Existe uma multiplicidade de factores – idade, sexo, escolaridade - que podem influenciar e moldar estas percepções e que não foram incluídas nesta breve análise. Neste trabalho optámos por fazer uma análise comparativa entre as três zonas de estudo que, apesar das muitas semelhanças já apontadas, têm diferenças substanciais e que deverão ser levadas em conta no desenvolvimento de estratégias específicas de gestão costeira. Paralelamente contrastámos os dados do inquérito e das entrevistas em profundidade e, portanto, entre as percepções do público em geral e dos stakeholders locais, com interesses directos na costa. O risco de erosão costeira é talvez a questão que suscita maior consenso – tanto as populações como os stakeholders nas três zonas de estudo acham que o risco de erosão é um problema grave e que se tem vindo a agravar a olhos vistos. Todos parecem estar conscientes dos impactos que os problemas costeiros terão, e que inclusivamente já estão a ter, nas populações costeiras e naqueles que dependem da costa. Na Costa da Caparica a noção de risco costeiro é mais elevada e existe uma maior preocupação em relação ao futuro e em Quarteira, pelo contrário, a percepção de risco e a apreensão são menores. O consenso termina, contudo, quando se fala das causas. A população tende a atribuir mais importância às causas naturais e às alterações climáticas, enquanto que os stakeholders dividem opiniões essencialmente entre as causas antropogénicas – extracção de areias, construção de defesas costeiras ou dragagens nos rios. É importante salientar que na Costa da Caparica as pessoas parecem ter maior consciência da diversidade de factores que geram erosão do que nos outros dois locais de estudo.A divergência persiste em relação às soluções para o problema e às formas de protecção costeira. As populações, os stakeholders que dependem da costa e os autarcas defendem que é urgente manter a linha de costa, custe o que custar, mas alguns stakeholders institucionais (administração central) ou cientistas defendem outro tipo de soluções, como a naturalização da costa ou a relocalização de edificado e actividades. A participação pública, ou a falta dela, é outro tema consensual entre público e stakeholders, nas três zonas de estudo. Não há dúvidas de que a população não é envolvida na tomada de decisões sobre a gestão costeira, existindo, porém, uma desresponsabilização mútua - os governantes acham que o problema é a falta de cultura cívica dos governados que não se interessam e não procuram participar; e estes responsabilizam os governantes pela sua exclusão nos processos de decisão. Assim, não surpreende que a percepção da influência do público nas decisões seja muito reduzida, o que contrasta claramente com a vontade expressa no inquérito pela esmagadora maioria das pessoas – mais de 95% consideram que as câmaras municipais e a população deveriam participar nas decisões, seguidas das ONGAs e juntas de freguesia. No que toca ao financiamento, a maiora parece estar de acordo: é o Estado que terá de continuar a suportar as dispendiosas intervenções costeiras. É esta a opinião da grande maioria dos inquiridos nas três zonas de estudo e dos stakeholders. Parece não existir outra alternativa na mente dos entrevistados, muitas vezes surpreendidos perante um cenário de escassez, ou mesmo inexistência, de fundos públicos para obras costeiras, e consequente necessidade de formas alternativas de financiamento. É interessante notar que na Costa da Caparica a esmagadora maioria considera que deve ser o Estado a pagar a totalidade das intervenções, enquanto que na Vagueira os indivíduos estão mais dispostos a contribuir financeiramente para um eventual fundo de protecção costeira. Perante uma série de medidas alternativas, a 17 de 19 obtenção de financiamento privado ou através da UE são as que têm mais adeptos nos três locais. É na Vagueira que os inquiridos revelam maiores índices de concordância com as diversas medidas alternativas, inclusivamente com medidas mais impopulares como a taxação de estacionamento das praias, contribuições de proprietários ou de empresários locais. A aplicação de uma taxa de acesso às praias, a opção com que menos inquiridos concordam, é também, e salvo raras excepções, considerada pelos stakeholders uma medida com baixo impacto e como um último recurso. Face a tudo isto, não surpreende a preocupação de muitos inquiridos com o futuro da costa e com a desvalorização do património. A quase totalidade dos indivíduos das três zonas de estudo considera que a costa tem de ser protegida custe o que custar, opinião partilhada por alguns stakeholders locais, inclusivamente autarcas. Mas num cenário de crise financeira esta abordagem pode levantar importantes questões de justiça social que têm de ser discutidas num debate alargado com as populações locais, procurando formas inovadoras de as envolver. A incerteza financeira e o risco iminente de perda de território constituem um contexto particularmente adverso, mas que pode vir a ser também uma ocasião para implementar novas formas de gestão sustentável das zonas costeiras. 9. 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