IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil ANÁLISE TERMOGRAVIMÉTRICA DO BIOCHAR DE BAGAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR PRODUZIDO SOB DIFERENTES CONDIÇÕES DE ATMOSFERA Murilo T. Dominguesa*, Carolina C. Buenoa, Leonardo F. Fracetoa, Carlos Loyolac, David Crowleyb, Carolina M. Santosa, Leandro C. Moraisa, André H. Rosaa a Departmento de Engenharia Ambiental, Universidade Estadual Paulista, Sorocaba, SP, Brasil. Departmento de Ciências Ambientais, Universidade da Califórnia – Riverside. c Instituto Tecnológico de Saltillo – México b *Autor correspondente: [email protected] RESUMO O biochar tem sido bastante estudado por sua capacidade de aumentar a fertilidade dos solos. Contudo, durante a sua obtenção, existem muitas variáveis que influenciam nas suas caraterísticas. Uma das variáveis é a condição da atmosfera do meio em que ocorre o processo de pirólise. Este trabalho avaliou por meio de análise térmica de biochars de bagaço de canade-açúcar feitos sob fluxo contínuo de gás nitrogênio e feitos na ausência deste fluxo, a 300, 500 e 700 °C. Os parâmetros analisados foram temperatura de ignição (T i), temperatura final de queima (T f), temperatura de máxima taxa de degradação (Tmax) e máxima taxa de degradação (Rmax). A Ti foi menor para os biochars feitos a 300 e a 700 °C sob atmosfera sem fluxo de nitrogênio. Já os biochars produzidos a 500 °C apresentaram valores próximos para este parâmetro. As temperaturas finais de queima (Tf) apresentaram valores maiores para os biochars feitos a 300 e 500 °C sob atmosfera sem fluxo de nitrogênio e os feitos à temperatura de 700 °C apresentaram valores próximos. As máximas taxas de degradação (R máx) tiveram respostas inversas. Para os biochars feitos sob atmosfera sem fluxo de nitrogênio observou-se um aumento deste parâmetro com o aumento da temperatura de pirólise, enquanto que os biochars feitos sob atmosfera com fluxo de nitrogênio este parâmetro diminui com o aumento da temperatura de pirólise. Logo, os biochars apresentaram diferenças nos parâmetros analisados o que mostra que a atmosfera do meio influencia no produto final gerado. Palavras-chave: biochar, pirólise, bagaço, condição da atmosfera, análise térmica. 1. INTRODUÇÃO O biochar tem atraído atenção como um material de condicionamento do solo devido à alta fertilidade encontrada em alguns solos orgânicos do Brasil, conhecido como “terra preta de índio” [1]. Contudo, como Lehman e Joseph [2] relatam, o biochar tem sido alvo de pesquisa há muito tempo. Em 1815 foi observado que o “pó de carvão”, como foi relatado na época, afetou positivamente a vegetação, e em outro estudo no começo do século XX mostrou também influência sobre a germinação de sementes. Muitos estudos relacionam o benefício do biochar com a sua elevada capacidade de troca catiônica, o aumento nos habitats para a microflora do solo, o aumento da retenção de água e nutrientes devido à presença de sítios de superfície polares e não polares do material [3-5]. Material rico em carbono, o biochar é obtido quando a biomassa é aquecida na ausência de oxigênio. Tecnicamente pode-se dizer que é produzido pela decomposição térmica da matéria orgânica em condições limitadas de oxigênio (pirólise). Devido à sua elevada aromaticidade, o biochar é estável e pode persistir no ambiente por bastante tempo [6]. Neste trabalho foram avaliadas as características termogravimétricas do biochar produzido com e sem fluxo contínuo de um gás inerte. Esta comparação mostra os reais efeitos que o ambiente de pirólise exerce sobre a decomposição da biomassa. 1 IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1 PREPARO DAS AMOSTRAS O objeto de estudo é o biochar de bagaço de cana-de-açúcar. O material foi inicialmente lavado e seco a 80°C por 24 horas. Em seguida, ele foi acomodado dentro de um reator cilíndrico de aço com volume interno de aproximadamente 0,8 L. Este reator foi então colocado dentro de um forno tipo mufla (EDG – 1800 3P) adaptado com entrada de gás. As temperaturas de pirólise foram 300, 500 e 700°C, sendo que a razão de aquecimento utilizada foi de 10°C/min com tempo de retenção de 2 horas. Para cada temperatura foram feitos dois biochars sob condições diferentes: i) com fluxo continuo de gás nitrogênio (NB-300, NB-500 e NB-700) e ii) sem fluxo de gás nitrogênio (AB-300, AB-500 e AB-700). Todo o material foi posteriormente moído e peneirado a 65 mesh para padronização do produto final. 2.2 ANÁLISE TÉRMICA As análises foram feitas em um analisador térmico modelo Q600 da TA Instruments. A razão de aquecimento foi de 10°C/min e as amostras foram aquecidas até 700 °C sob atmosfera oxidante. Os parâmetros avaliados [7] foram: temperatura de ignição (Ti), temperatura final de queima (T f), temperatura de máxima taxa de degradação (T max) e máxima taxa de degradação (Rmax) (Figura 1). Figura 1. Representação gráfica das regiões de extração dos parâmetros de estudo nas curvas TG e DTG: Ti, Tmáx, Rmáx e Tf. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Ao se elevar a temperatura de pirólise nota-se um aumento na Ti e na Tmax, sendo o AB-300 e o NB-300 com os menores valores para estes parâmetros (Tabela 1). Notou-se nesses biochars a presença de ombros de degradação no pico principal, o que sugere a presença de hemicelulose (Figura 2) [8]. O AB-300 apresentou temperatura inicial (T i) de degradação menor que o NB-300. Contudo, o rearranjo estrutural formado na pirólise do AB-300 fez com que o mesmo termine sua degradação posteriormente a do NB-300. 2 IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil Figura 2. Curvas da DTG do AB-300 e NB-300 e o ombro de degradação no pico principal. O AB-500 e o NB-500 iniciam suas degradações em valores próximos de temperatura (320 e 314 °C, respectivamente), porém, o NB-500 termina sua degradação anteriormente (Tf = 504 °C). Já o AB-700 e o NB-700 apresentam valores próximos para a taxa final de queima (558 e 556 °C, respectivamente) enquanto que as temperaturas iniciais de degradação são diferentes, com o AB-700 apresentando menor Ti (321 °C) (Tabela 1). As temperaturas em que ocorreu a máxima taxa de degradação variaram de 441 a 519 °C. As diferenças entre eles foram próximas, com menor diferença entre os biochar feitos a 300 e 500 °C (ambos com diferença de 27 °C) e a maior diferença entre os biochars feitos a 700 °C (diferença de 43 °C). O AB-300 e o AB-500 apresentaram Tmáx maiores que os NB-300 e NB-500, respectivamente. Já para os biochars feitos a 700 °C, o NB-700 apresentou maior Tmáx que o AB-700. As máximas taxas de degradação (Rmáx) tiveram respostas inversas entre os biochars. O AB-300, AB-500 e o AB-700 apresentaram um aumento desse parâmetro, nesta ordem. Contudo, o NB-300, NB-500 e o NB-700 apresentaram uma diminuição desse parâmetro, nesta ordem. Tabela 1. Valores dos parâmetros para cada biochar. (°C) AB-300 NB-300 AB-500 NB-500 AB-700 NB-700 Ti 215 254 320 314 321 357 Tf 530 487 528 504 558 556 Tmáx 468 441 487 460 476 519 Rmáx 0.89 2.603 1.18 1.67 1.27 1.45 CONCLUSÃO Não foi possível observar uma tendência relacionando o aumento da temperatura de pirólise e as condições da atmosfera com as características do biochar final. Entretanto, de acordo com os resultados apresentados, nota-se uma real diferença entre os biochars feitos em condições pirolíticas diferentes (atmosferas diferentes). Isso mostra que a atmosfera no qual a biomassa será aquecida e sofrerá decomposição térmica tem influência no produto final gerado. Ao associar a Ti e a Tf com o grau de estabilidade deste material no meio, o NB-700 mostrou que tende a ter o maior grau de estabilidade do que os demais biochars (Ti e Tf com valores de 357 e 556 °C, respectivamente). Caso o parâmetro Ti 3 IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 – Serra Negra – SP - Brasil por si só já tenha um peso maior, o AB-300 mostrou o contrário. Este material claramente tende a se degradar com mais facilidade do que os demais (T i = 215 °C). Além disso, bactérias que hidrolisam a hemicelulose, estrutura presente no AB300 e NB-300, também podem influenciar na degradação deste material no solo. As análises térmicas dos biochars deram uma ideia de estabilidade deste material no meio ambiente, contudo, vale ressaltar que a estabilidade do biochar depende de vários fatores conjuntos, tais como, atividade microbiológica, umidade e temperatura [9]. AGRADECIMENTOS Os autores deste trabalho agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo suporte financeiro. REFERÊNCIAS [1] Grossman JM, O’Neill BE, Tsai SM, Liang B, Neves E, Lehmann J, Thies JE. Amazonian anthrosols support similar microbial communities that differ distinctly from those extant in adjacent, unmodified soils of the same mineralogy. Microb Ecol. 2010;60:192–05. [2] Laird D, Fleming P, Wang B, Horton R, Karlen D. Biochar impact on nutrient leaching from a Midwestern agricultural soil. Geoderma. 2010;158:436–42. [3] Liang B, Lehmann J, Solomon D, Kinyangi J, Grossman J, O’Neill B, Skjemstad JO, Thies J, Luiz FJ, Petersen J, Neves EG. Black carbon increases cation exchange capacity in soils. Soil Sci Soc Am J. 2006;70:1719–30. [4] Lehmann J. A handful of carbon. Nature. 2007;447:143–4. [5] Lehmann J, Joseph S. Biochar for Environmental Management: Science and Technology. 1st ed. Routledge; 2009. pp. 112. [6] Lehmann J, Rillig MC, Thies J, Masiello CA, Hockaday WC, Crowley D. Biochar effects on soil biota - A review. SOIL Biol Biochem. 2011;43:1812-36. [7] Yi Q, Qi F, Cheng G, Hu Z, Liu S, Cai H, Xu S. Thermogravimetric analysis of co-combustion of biomass and biochar. J Therm Anal Calorim. 2013;112:1475–9.. [8] Poletto M, Zattera AJ, Forte MMC, Santana RMC. Thermal decomposition of wood: Influence of wood components and cellulose crystallite size. Bioresource Technol. 2012;109:148–53. [9] Wang DJ, Zhang W, Hao XZ, Zhou DM. Transport of Biochar Particles in Saturated Granular Media: Effects of Pyrolysis Temperature and Particle Size. Environ Sci Technol. 2013;47:821–8. 4