FREDERICO MONTEIRO ÁLVARES-AFONSO PAULO Mestre e Amigo ALVIM Km 22 - Rod. Ilhéus-Itabuna Ilhéus - Bahia - Brasil 2011 1 1 Paulo de Tarso Alvim Carneiro Este Livro A CEPLAC devia uma justa homenagem a um Ceplaqueano cuja história se confunde com a história da própria Instituição. Seu nome: PAULO ALVIM. A figura exuberante do Dr. Paulo de Tarso Alvim Carneiro deixou marca tão profunda em todos os aspectos fundamentais da CEPLAC que julgamos registrar sua biografia pessoal e profissional numa publicação para a posteridade fosse uma singela prova de gratidão e reconhecimento por tudo que Alvim fez pela ciência agronômica, pela cacauicultura brasileira e pela CEPLAC. Assim nasce este livro, muito bem intitulado pelo seu autor, batizado com o nome de PAULO ALVIM, Mestre e Amigo. Mestre é mestre. É aquela pessoa que, normalmente, pelas suas qualidades morais e profissionais, seus pares o distinguem com esta expressão de reverência e reconhecimento. E, de fato, Paulo Alvim foi digno desta menção pela grandiosidade de sua trajetória, mas, V sobretudo porque Alvim também colocava como poucos, arte e graça em sua eficiente prática profissional. Como Mestre, Alvim pontilhou toda sua vida por agudo senso de responsabilidade seja como membro de uma família humilde, estudante, professor e verdadeiro pensador e homem de ação ao se constituir num dos principais responsáveis pela concepção, organização, instalação e funcionamento dos departamentos técnicos da CEPLAC, especialmente do Centro de Pesquisa do Cacau, considerado, aqui no Brasil e no exterior, como um dos mais bem concebidos centros de estudos agronômicos em regiões tropicais. Amigo é amigo. Como disse o poeta “é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito” mas, neste caso, tão especial que é o Alvim que com certeza absoluta todos o guardam nos dois lados do peito. Seu nível de exigência era grande, mas ao expressar o reconhecimento com a dedicação e a qualidade do trabalho dos seus subordinados, como que semeava afeto por onde passava. A figura amiga de Paulo Alvim, bem humorado, risonho mesmo, não sai da memória de seus muitos admiradores e de todos aqueles que se beneficiaram com sua orientação profissional segura, confiável e inteligente. Leal, sério, mas sem nunca perder seu fair play, aquela afabilidade que sempre o caracterizou como a figura dócil que sempre foi. Um verdadeiro amigo. VI *** Bem, cada história sugere ou impõe a forma, o jeito de ser contada. A história de uma grande carreira agronômica fica mais própria de ser narrada por um também agrônomo, pela sensibilidade quanto a importância e a contextualização dos temas abordados, além da necessária intimidade com a história do biografado. Convidamos para tanto, nosso hoje saudoso colega Frederico Monteiro Álvares Afonso, para realizar a tarefa. Fred, então aposentado, topou com entusiasmo; não mediu esforços para fazer o trabalho bem feito: viajou, entrevistou, telefonou, utilizou e-mails, pesquisou, leu, redigiu, compilou, revisou, reescreveu e deu forma ao texto deste livro. Muitos foram os encontros entre o Fred e eu para discutirmos alguns aspectos como o título do livro, os capítulos que deveriam compor e a forma mais adequada pra expressar as características do biografado. Não fosse a inevitável fatalidade da vida que o acometera justo na fase final deste projeto e estaria o nosso Fred também às voltas com a edição da publicação. Para editá-la contamos com a inestimável colaboração de um outro colega nosso, o jornalista Raimundo Nogueira. VII Segundo Nogueira, quando se fala em Paulo Alvim a primeira sensação é de simpatia e por isso mesmo ele diz de forma grata que para a execução de sua parte contou com a boa vontade de todos os colegas na cessão de informações, fotografias, opiniões e depoimentos, com menção especial à colaboração prestada pelo Dr. Antônio Zózimo da Costa. Quero registrar os agradecimentos ao eficiente trabalho da colega Fernanda Leite, nas etapas finais deste livro como digitadora e revisora. *** Alvim tinha o dom de identificar talentos e reverenciar a inteligência. Foi assim que atraiu não só grandes nomes da ciência agronômica de várias partes do mundo, como também jovens promissores – convenceu-os a vir para este ''fim-de-mundo'' – e os colocou de forma apaixonada a serviço da CEPLAC e do desenvolvimento da cacauicultura brasileira. Podemos citar Jorge Sória, Basil Bartley, Arnaldo Medeiros e muitos outros que ainda estão na Ceplac. Eu mesmo, um jovem recém-formado, tive a felicidade de conhecer o Mestre Alvim na Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP), antiga Escola de Agronomia de Agronomia da Amazônia (EAA), apresentado pelo Prof. Eurico Pinheiro do qual era, juntamente com o Dr. Vicente H. Moraes, assistente na disciplina de Agricultura Especial no Curso de Agronomia da FCAP e, também, colaborador no desenvolvimento dos projetos VIII de pesquisa em seringueira no Programa da SUDHEVEA. No exato momento em que estava sendo apresentado ao Alvim, entusiasta que era dos aspectos fisiológicos da seringueira, foi logo me convidando para realizar um estágio no laboratório de Fisiologia do CEPEC para desenvolver trabalhos com aplicação de fitohormônios em seringueira. Esta oportunidade proporcionada pelo Mestre, além de estimular a dar continuidade aos trabalhos técnicos em fisiologia, também, me estimulou a adquirir os conhecimentos básicos e a experiência necessária para a realização do Curso de Mestrado na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Após a conclusão do mestrado, novamente a convite do Paulo Alvim, me afastava do corpo docente da FCAP e passava a integrar o quadro de pesquisadores da CEPLAC. A partir daí, sob a batuta do Mestre, tive a oportunidade de ampliar os conhecimentos em fisiologia vegetal e ter contato com especialistas de muitos outros países. Foi assim que, por intermédio de Paulo Alvim e estimulado por ele, conheci o Prof. Böle Bihel meu orientador no curso de doutorado na Universidade Técnica de Braunschweig, Alemanha. Foi também por intermédio de Alvim que tive o prazer de conhecer e conviver com pesquisadores da mais alta estirpe como o saudoso e inesquecível Ronald Alvim e muitos outros que além de excelentes colegas de labuta, também grandes amigos fora do ambiente do trabalho. O fato de ter participado da equipe de IX pesquisadores de Paulo Alvim e compartilhado com ele na autoria de inúmeros trabalhos científicos realmente me causa grande satisfação, contudo o meu maior orgulho é poder desfrutar de sua amizade pessoal e convivência familiar. *** Do proverbial bom humor de Paulo Alvim, da história familiar, do estudante, da entrada no mundo da ciência, da sua afirmação no exterior, de sua vinda para o Brasil, do compromisso com a CEPLAC e a cacauicultura brasileira, seus feitos técnicos e científicos e do reconhecimento ao seu trabalho contam melhor as páginas deste livro. Esperamos lhe seja proporcionada uma leitura agradável. A ciência, os cientistas da área agronômica, o cacau e a CEPLAC muito devem a Paulo Alvim. Receba junto com este livro biográfico, os nossos mais sinceros e profundos agradecimentos, Mestre e Amigo Alvim, em nome de toda família ceplaqueana. Que o seu exemplo continue a inspirar seus colegas a darem o melhor de si pela grandeza desta Instituição, pela grandeza de seu País. Com muito apreço Manfred Willy Müller Coordenador Técnico-Científico da CEPLAC X Indice Este livro ............................................................... V Paulo Alvim, Mestre e Amigo ............................... 1 Órfão aos dois anos .............................................. 3 Primeiras letras .................................................... 9 Primeiros colegas ................................................. 13 Primeiro emprego ................................................ 23 Ubá, berço natal de Alvim .................................... 26 Octávio Drumond, primeiro orientador .............. 30 Professor Alvim .................................................... 36 Do you speak portuguese? ................................... 43 Primeira esposa e filhos ....................................... 46 Mirian e Alexandre ............................................... 47 Alvim chega à região para instalar o CEPEC ....... 61 Simone Alvim ....................................................... 65 Fátima, o grande presente ................................... 67 Opção pela CEPLAC ............................................. 71 Papai, uma figura especial ................................... 74 Ele sempre amou as plantas ................................. 81 Coordenador técnico-científico ........................... 94 XI Nasce o CEPEC ................................................... 99 Pesquisa, Ensino, Extensão ................................ 105 Alvim e os números do cacau ............................. 108 Um perfil sócio-econômico para o Sul da Bahia 113 CEPLAC chega à Amazônia ................................ 118 50 anos de PhD ................................................... 135 Pessoa simples; grandes amigos ......................... 139 Fundação Pau Brasil ........................................... 144 Um homem de visão ........................................... 147 Parceirão Haroldo ............................................... 150 E o cachimbo de Alvim? ..................................... 151 Depoimentos sobre Paulo Alvim ......................... 153 O brilho próprio de Alvim .................................... 155 Dr. Alvim e o extensionismo rural na CEPLAC.... 157 Alvim, um marco na comunidade científica ........ 161 Alvim, uma biografia executiva ............................ 164 Publicações e Inventos de Paulo Alvim ................ 171 Honra ao Mérito .................................................. 176 Paulo Alvim e José Haroldo................................. 178 Sobre o Autor ...................................................... 180 Mensagem a García .............................................. 183 Citações ............................................................... 190 XII “Dentre todas as relevantes contribuições que o Dr. Paulo Alvim deu à ciência e à agricultura brasileiras, sem dúvida alguma, aquela que melhor personifica a sua extensa obra é a instituição CEPLAC. Inicialmente criada, com caráter temporário, para gerenciar a recomposição de dívidas da cacauicultura baiana, nos idos de 1957, a CEPLAC se perenizou sob a inspiração e orientação do Dr. Alvim, transformando-se em modelo de organização de desenvolvimento agrícola, por reunir sob o mesmo comando a execução de diversos instrumentos de política agrícola (pesquisa, extensão rural, ensino, fomento, infraestrutura e crédito rural). Ancorado por ilustres e honrados dirigentes como Carlos Brandão, José Haroldo Castro Vieira e respaldado na competência técnica e sabedoria dos companheiros como Fernando Vello, Luiz Ferreira, Manoel Tourinho, Ubaldino Dantas, Frederico Afonso, Jorge Raymundo Castro Vieira, João Manoel de Abreu e Emo Rui de Miranda, entre outros, Alvim imprimiu em cada um dos departamentos e setores da CEPLAC traços e características da sua personalidade e competência, ainda hoje cultuados todos, dentro e fora da nossa organização. Tais traços tão fortemente nos ligam, que certamente, e felizmente, durante muito tempo Alvim e CEPLAC permanecerão associados como faces de uma mesma moeda – o que muito nos honra como instituição. Por tudo isso, e tomados pelo orgulho de tão honrosa associação é que, em nome da CEPLAC, prestamos esta homenagem ao nosso querido mestre e amigo Paulo Alvim, registrando neste livro aspectos relevantes e prosaicos da vida e obra deste grande brasileiro que tanto nos distinguiu como instituição”. Jay Wallace da Silva e Mota Diretor da CEPLAC Paulo Alvim Mestre e Amigo O conhecimento de Paulo Alvim se dá, por ser regra, a partir da participação, como aluno, em um curso universitário de fisiologia vegetal, a participação ocasional em uma equipe sua de trabalho, ou estar formalmente contratado na instituição na qual trabalha o mestre. Depois de ser aluno, colaborador ou subordinado formal de uma equipe sua, poderá, ou não, vir a ser distinguido, depois de anos de convivência, com a sua amizade. O nascimento de uma amizade não é coisa muito difícil, dado o espírito aberto, franco, sempre disposto a ampliar o seu círculo de amigos. Não que o mestre Paulo Alvim não seja seletivo; é, sim. Somente depois de passar por um rigoroso crivo, uma cuidadosa avaliação, é que o aluno, o colaborador, poderá vir a ser amigo de Paulo Alvim. Como a minha tarefa, contratado que fui pela Diretoria Científica da CEPLAC — Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, através do Dr. Manfred Willy Müller, para biografar o mestre Paulo Alvim, terei que garimpar informações, pesquisar fontes, consultar documentos e entrevistar amigos e contemporâneos para organizar e escrever um texto no qual descreva Paulo Alvim. Desde o seu nascimento em Ubá, Minas Gerais — terra de Ary Barroso —, a sua infância, a adolescência, os cursos primário, secundário, universitário e pósgraduação em Cornell, Ithaca. Terei que ter fôlego, espírito analítico e uma visão humanística clara. 1 Uma parte delicada, difícil, será descrever Paulo Alvim, nos seus primeiros amores, casando, sendo pai, criando, cuidando e curtindo a sua prole, a sua filharada. Isto porque, com o passar do tempo, “... os olhos vão se turvando de espreitar a solidão à luz do dia e o abandono no breu da noite” como escreveu o agrônomo, Ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Paulo Alvim já não terá a risadaria frouxa, as gargalhadas sonoras, os gritos lancinantes. Tudo será mais comedido, mais interior, porque o coração vai se enchendo de vazios, determinados pela saudade do que não fizemos. Porque saudade é um sentimento ruim, representa um tempo perdido, em que deixamos de decidir, e agora, não tem mais volta. Com todos estes considerandos, resultou o título que escolhi para batizar a biografia: Paulo Alvim, Mestre e Amigo. Vá anotando estes contrastes, estas atitudes paradoxais, leitor velho de guerra, e veja o cipoal em que nos metemos ao pretender estudar exemplar tão complicado da espécie humana. Mas hei de dar conta da empreitada, afinal eu sou da Amazônia, vim das matas densas de Rondônia, e também porque no dizer de Dugpa Rimpoche: “A amizade é como o perfume das flores. Ela repleta de bálsamo aquele que se conserva em sua presença. Não procure cortá-la, desenraizá-la, para levá-la ciumentamente contigo. Tu a farás morrer”. Frederico Monteiro Álvares-Afonso 2 Órfão aos dois anos... “Quando olho para trás vejo que carrego em meu ser várias marcas de pessoas extremamente importantes”. Paulo de Tarso Alvim Carneiro, ou simplesmente Paulo Alvim, nasceu em Ubá, Minas Gerais, no dia 23 de fevereiro de 1919, filho de Francisco Alvim Carneiro e Alayde Brandão Alvim, mais conhecida em Ubá, como Dona Neném Alvim. Órfão de pai aos dois anos de idade, sua educação, assim como a de seus três irmãos maiores — Maria José, José Geraldo e Lygia Vicentina — ficou sob a responsabilidade de sua mãe que para tanto exerceu por muitos anos a profissão de costureira. Quando Lygia Vicentina faleceu prematuramente — aos 29 anos — deixou quatro filhos órfãos: José Maria, Songia, Nelson e Marco Paulo. Órfãos, foram acolhidos pelo enorme coração de Vovó Neném Alvim. Ali receberam carinho, cuidados com a saúde, alimentação, sustento enfim. Nos meados do século XVIII, fixara-se em Furquim o Capitão Francisco Xavier de Barros Souza e Alvim, português de Braga, sobrinho do Padre Alvim e proprietário das jazidas no Arraial de Pinheiros, município de Mariana. Casando-se com Maria Felizarda, desse casal nasceu Ana Maria Angélica Souto Maior Alvim, que casada com o Alferes Joaquim José de 3 Faria Lana, teve três filhos; um deles, o Coronel José Cesário de Faria Alvim, herdeiro e ocupante das minas do Arraial de Pinheiros, é o pai de Cesário Alvim. Paulo de Tarso Alvim Carneiro, nosso Paulo Alvim, descende do fundador do município de Ubá¹, na seguinte linhagem: Tereza Cezário Alvim Carneiro, neta do CapitãoMor, Antonio Januário Carneiro, casada com José Justiniano Carneiro, teve dois filhos: Astolfo e Francisco Alvim Carneiro. Francisco Alvim Carneiro foi casado com Alayde de Castro Brandão Carneiro e desse consórcio nasceram quatro filhos: Maria José, José Geraldo, Lygia Vicentina e Paulo de Tarso Alvim Carneiro. Paulo Alvim é neto de Cesário Alvim e bisneto do Capitão-Mor Antonio Januário Carneiro e desta forma Paulo Alvim é trineto do fundador do município e bisneto de Cesário Alvim. Uma estória muito tocante e que ajuda a entender o ambiente familiar de Paulo Alvim, foi contada por Songia Alvim, filha da Lygia Vicentina, irmã de Paulo Alvim. Quando Lygia Vicentina faleceu aos 29 anos, deixou quatro filhos pequenos, sendo o mais velho com cinco anos, e o menor com três meses. Nesta ocasião, Vovó Neném e a tia Maria José, a mais velha das irmãs, ainda solteira, acolheram as quatro crianças. Paulo Alvim já estava estudando nos EUA, em Cornell, e já casado com Leontina e começando a criar a sua família. 4 Eu - conta Songia Alvim 2, sendo uma criança, só sabia que ele estava sempre no exterior. Em um dos natais que eles passaram lá em casa, lembro-me que tia Leontina quis fazer um grande evento. Preparou uma enorme árvore. Uma ceia maravilhosa e nos mandou para assistir ao espetáculo de um circo que estava na cidade. Tudo para esperar a meia-noite quando chegaria o Papai-Noel e nós poderíamos abrir os presentes. A tia Leontina foi também ao circo. Acho que foi a minha avó Neném que estragou tudo, pois quando chegamos a casa, todos os lindos pacotes já haviam sido desembrulhados pelos pequenos (Leonardo e Heloisa), que haviam ficado em casa. Abriram os presentes, é lógico, com a permissão da vovó que nunca sabia dizer não aos netos. Tia Leontina se aborreceu e chorou como criança. Eram quatro crianças lindas. Marília e Leonardo, lourinhos de olhos azuis, como anjinhos. Aliás, o Leo estava nesta época, mudinho, indeciso se falava português ou espanhol. Aos dois anos decidiu ficar calado... Mais tarde resolveu falar português mesmo. O Paulo Cesário é o mais parecido com tia Leontina; mais moreno como ela. Heloísa, Marília e Leo se parecem com o tio Paulo Alvim. Lembro-me ainda que tio Paulo Alvim, estava sempre escrevendo para a vovó Neném, que tinha um enorme orgulho deste filho, inteligente. Carinhoso, engraçado e ainda por cima, famoso, como ela dizia sempre. Quando ele chegava a Ubá era uma 5 festa. Todo mundo queria visitá-lo, ficar perto dele e rir de suas piadas engraçadas. Ninguém fica triste perto de tio Paulo Alvim. Casa de Paulo Alvim em Ubá, MG. Como a vida desta família nunca foi fácil, aprendemos a nos apegar uns aos outros e sempre com muito amor e solidariedade. Paulo Alvim morou em Ubá³ na Avenida Raul Soares, perto da casa dos Crispi e Levindo Coelho. Segundo depoimento do biografado “... Esta foi provavelmente a casa mais vagabunda em que moramos em Ubá. Eu deveria ter uns oito a dez anos nessa época, e uma das minhas diversões era ficar sentado topo da coluna do portão - onde estou me apoiando na foto - para chatear o povo que passava”. Durante sua infância em Ubá o acontecimento que mais o impressionou foi o bombardeio da cidade por um avião do Governo, em três de outubro de 1930, em revide pela presença de tropas que apoiavam a revolução getulista contra a posse do 6 Presidente Júlio Prestes — sendo que uma das bombas atingiu uma casa vizinha à de sua família, na esquina da Rua Peixoto Filho e o Beco do Padilha. O caso do bombardeio causa hilariedade após mais de meio século passado, mas na época foram dramáticos, pois o bombardeio fez com que as famílias fugissem para as fazendas vizinhas. Conta Paulo Alvim que “... suas primas retiraram os santos de gesso dos oratórios e os colocavam sobre a cabeça invocando a proteção divina contra as bombas que os aeroplanos jogavam sobre a cidade”. Esse acontecimento serviu de motivo a Paulo Alvim para começar escrever sob o pseudônimo de “K. C. T.”, uma pequena coluna semanal intitulada “Implico”, na qual fazia críticas ou comentários pouco elogiosos a fatos e pessoas conhecidas na cidade, e que publicava em um minúsculo jornal intitulado “Alfinete”, distribuído pela Tipografia e Papelaria Siqueira. Certa vez citou um poeta anônimo que disse: “Pedi a Dios un consejo para me dar alegría Dios me mostró la tierra y dijo: trabaja, siembra y cria”. E completou Paulo Alvim “Trabajé mucho la tierra, fiz todo que Dios mandó. No hice dinero em la vida, “Pero la alegria quedó”. 7 Em Ubá no ano de 1938, aos 19 anos, compôs o seu primeiro soneto intitulado Sonhadô, que fala assim: Já fais treis ano tarveis “si sua boca é integralista, Qui eu casei com dona Ineiz Si seu zóio é comunista, Apesá de num sê bela Seu nariz, qui ta no meio, E de sê minha muié Deve ser imparciá” Eu num sei pruque qui é Si eu zoiasse pro seu zóio Qui eu vivo a sonhá com ela. Sua boca num mi beijava. Si na sua boca eu bejasse, Ind'hoje um sonho isquisito Seu zóio num mi zoiava. Vei mi dexá muito afrito... Sabe intonce o qui qui eu fiz? - Só pensei no seu nariz! Sonhei, no sonho sonhado, Tava mêmo apaxonado Qui ela féis pouco de mim: Pro nariz de minha Ineiz, Linhô com Plínio Sargado, Quando uns tapa inesperado Bejô um tar de Istalim, Acordo-me d'uma veis. Seu zóio ficaro verde, Vendo qui mi batia Sua boca cor de carmim. Eu quis sabe p'ruqui é Intonce eu vi qui lambia O nariz da mi'a muié. Uma tristeza mi veio Ubá, 1938. E eu garrei a maginá 8 Primeiras Letras Paulo Alvim foi alfabetizado no “Colégio Brasileiro”, tia Sinhá, terminou o curso primário no Grupo Escolar Camilo Soares, em dezembro de 1931. Fez o seu curso secundário no Ginásio Mineiro de Raul Soares, entre 1932 e 1936, tendo como professores algumas ilustres personalidades da sociedade ubaense, entre as quais os Doutores Ary Gonçalves (História), Ângelo Moreira Barleta (Português), Senador Levindo Coelho (Inglês), Newton Carneiro (Francês), Eduardo Carlos Pereira (Botânica), Adjame Martins Carneiro (Física), José Augusto Rezende (Química), e a poetisa Leocádia Godinho e Siqueira (Desenho); Paulo Alvim foi o Orador da Turma. Grupo Escolar Camilo Soares, Ubá, MG. 9 O seu discurso de formatura, pronunciado no dia 11 de agosto de 1936 — Paulo Alvim tinha 17 anos — é uma peça oratória que merece ser transcrita em sua biografia, porque trata de uma coisa muito importante que até hoje é motivo de angústia e sofrimento do povo brasileiro: a EDUCAÇÃO. Vejamos o que dizia Paulo Alvim aos 17 anos: “Aos 11 de agosto de 1827 foram criados os primeiros cursos jurídicos em nossa pátria. Ora, a data deste grande passo em prol da educação brasileira deveria ser lembrada como um justo feriado nacional. E por isso o nosso governo estabeleceu ser o dia 11 de agosto comemorado como o dia dos estudantes brasileiros. Como vedes, senhores, a importância histórica deste dia é bem minúscula em vista de sua alta significação moral. Onze de Agosto é o dia dos verdadeiros formadores do Brasil futuro. É bem certo que o erudito Ruy Barbosa não queria se referir à infeliz mocidade analfabética, quando disse que os moços de hoje serão o Brasil de amanhã. Pois só o estudo pode criar homens capazes de formar um Brasil mais glorioso. É só no estudo, perseverantemente, que os homens de destaque duradouro na política, nas ciências, nas artes e nas guerras, porque são portadores de conhecimentos seguros da causa que patrocinam perante a sociedade. Tentar suster-se em posição de relevo sem o necessário alicerce cultural é cair fragorosamente no ridículo. “Seria acreditar na existência de árvores frondosas, mas sem raízes. 10 “Homens tais suicidam-se pela presunção”. Comparáveis são a um edifício elegante, bonito, mas construído sobre a areia. Basta-lhe um pequenino estremecimento do solo para que se desfaçam em um pesado montão de ruínas. O estudo é necessário para tudo e para todos. Ele está para o espírito assim como o ar está para o corpo. Hoje em dia mede-se o valor de um povo pela sua cultura. E esta é a principal causa que torna o Brasil um tanto humilde perante algumas nações. O desleixo dos governos passados deixou um pouco de lado aquilo que a pátria mais necessitava. Mas, hoje, felizmente, clareiam os horizontes da educação nacional. A nova carta política atribui a cada escola o lugar de relevo que ela merece. Em todas as nossas metrópoles fundam-se vários estabelecimentos de ensino. Não bastariam porém, os progressos da metrópole para o êxito da campanha empreendida. E por isso procura-se interiorizar a propaganda, para que se atinja o íntimo, familiarizando o povo das cidades e vilas com o conceito do papel proeminente da educação na prosperidade das nações, e com o desvelo que lhe tributam, conscientes dessa verdade, os países “leaders” do Universo. Esta benemérita campanha está, a um só tempo, a serviço de dois grandes fins: melhorar o futuro da pátria e melhorar o futuro da juventude. Mas nós estamos no seu princípio e por isso ainda é evidente o atraso da educação brasileira. E é justamente devido a este atraso que o Brasil se vê obrigado a deixar de aproveitar mais de 3/4 de seu riquíssimo território. É por causa deste analfabetismo que nossa indústria não teve grande 11 progresso, necessitando nossa pátria importar tudo de estranhas plagas, fazendo-nos suportar repugnante influência estrangeira. Desde o mecanismo até o pessoal utilizado em nossas fábricas, tudo nos vem do estrangeiro. Falta-nos o preparo técnico. Falta-nos a necessária instrução. Mas agora a situação muda de face. Porque enfim o Brasil compreendeu que ao invés de importar charlatães interesseiros de outros países, educassem e disponibilizassem saúde aos pioneiros de sua lavoura, seus ‘‘inermes jecas-tatus” (corno os chama o estrangeiro) e veria repontar nestes, com todo o vigor, a tempera de aço que caracteriza o brasileiro do sertão. Enfim o Brasil compreendeu que é na política educacional que está a sua salvação. É educando que se consegue o verdadeiro progresso de uma pátria. Do extraordinário desenvolvimento desta recente campanha é obra nacional de que todo o brasileiro tem o direito de ufanar-se. Eu não vejo os seus beneméritos resultados, mas sinto-os. Sinto-os porque vejo o esplendoroso desenvolvimento da educação brasileira. E sentindo-os eu prevejo a futura República do Brasil, rica, prestigiada e forte, brilhante realização do sonho patriótico dos estudantes”. 12 Primeiros colegas O discurso feito por Paulo Alvim, aos 17 anos, tem pontos importantes a destacar: a) - apenas começava a II Guerra Mundial e Paulo Alvim já percebia a importância da industrialização; b) o terceiro parágrafo alicerça toda a sua caminhada científica na via da valorização do conteúdo e do saber: “... seria acreditar na existência de árvores frondosas, mas sem raízes. Homens tais suicidam-se pela presunção”. Foi seu colega e amigo inseparável no Colégio Brasileiro 4 (secundário) e na UFV, Renato Ribeiro , que se formou em agronomia e hoje reside em Campo Grande Mato Grosso do Sul, mas que continua mantendo relações fraternas com Paulo Alvim. Renato Ribeiro chegou em fevereiro de 1936 a Viçosa para prestar vestibular para a Escola de Agronomia. Segundo informações do próprio Renato Ribeiro a sua chegada a Viçosa foi nos primeiros dias de fevereiro, acompanhado por seu pai, e logo foram à escola para fazer a inscrição para o vestibular. Um prospecto da época dizia: “Se o número de candidatos for maior que o número de vagas, poderá ser exigido um exame vestibular’’. Eu não estava preparado para o vestibular, disse Renato Ribeiro. Procurei um cursinho, com mais de cem alunos e vi que o preparo da turma era muito superior ao meu. Falei ao meu pai que eu não poderia prestar aquele exame e ele disse: “...Como nós já fizemos a sua matrícula seria bom você 13 prestar o exame, para ficar a par do que é um vestibular, em Viçosa”. Foi um bom conselho. As duas primeiras provas foram história natural e química, nessas passei; a segunda prova seria física, nessa eu já reprovei; a terceira prova, seria matemática. Fiquei em Viçosa todo o ano de 1936 fazendo um cursinho, éramos uns vinte a trinta alunos. O vestibular teve mais de trezentos candidatos, e no segundo semestre o número do cursinho já pulou para uns cinqüenta a sessenta candidatos. Fomos conhecendo alguns alunos que já cursavam a escola e entre esses, alguns rapazes de Ubá, a cidade de Paulo Alvim. Diziam que viria um rapaz de Ubá, Paulo Alvim, que terminara o ginásio esse ano, e que viria passar no vestibular. Eu até ria dele e dizia: só com o ginásio não vai passar. Eles nos falavam que o Paulo iria passar brincando no vestibular. Foi nas vésperas do exame que vim a conhecer o Paulo: magrinho, branquinho, boa estatura, mas além de magro, corcunda. Não dei nenhuma importância a ele, achei-o insignificante. Fomos aprovados, menos de vinte alunos, lá no quadro estava o nome do Paulo Alvim e também o meu. No primeiro semestre não quis ficar no interno, com medo do trote. Só fui para o internato no segundo semestre. No segundo semestre eu e outro colega de turma, o Paulo Newlands, filho de um catedrático da Escola de Odontologia do Rio, ficamos num mesmo quarto, quando apareceu o Paulo Alvim, e perguntou se ele poderia ocupar a terceira vaga. Claro, é de quem quiser. 14 Assim moramos os três companheiros no mesmo quarto por todo o curso. O Paulo Newlands e o Alvim logo brigaram e não se falavam, e assim passamos durante todo o curso. Eu, e o Paulo Alvim e também o Newlands, nunca brigamos ou ficamos de mal, como se dizia, fomos sempre bons amigos. Eu e Paulo Alvim às vezes lutávamos, luta livre, mas nunca dávamos tapas ou qualquer outra injúria. Certa vez, estávamos lutando, quando uma senhora idosa, que era responsável pelo refeitório, lá de baixo, nos viu, então deu uns gritos e mandou dois garçons para apartar a briga, pensando que era briga de verdade. O Paulo Newlands me queria muito bem também, mas reconheço que não era um bom caráter; ele era o único colega que às vezes colava nas provas. Certa vez, outro colega o viu colando e disse: “... Tenha vergonha rapaz, não faça uma coisa dessas”. Com o Paulo Newlands, depois de formado, sempre eu estava com ele, a princípio em São Paulo, e depois no Rio. Ele descendente de Inglês, muito branco, logo adquiriu um câncer e morreu cedo. Talvez o primeiro a morrer. Paulo Alvim logo sobressaiu na turma, pela sua inteligência. No primeiro ano, tivemos um professor de matemática, Dr. João Neves, magro, alto, calado, de São João Del Rei, que eu penso que era parente do Dr. Tancredo Neves. Ótimo professor, bastante careca, um tanto nervoso, quase não conversava com os alunos. Certa vez ele explicava no quadro uma passagem de 15 matemática, quando um aluno perguntou a ele: Dr. Neves, porque essa expressão matemática virou aquela? Ele ficou nervoso, jogou o giz no chão, e começou a falar: “... Por isso é que eu quero deixar de dar aulas, porque vocês não prestam atenção e depois vêm me perguntar isso!” Era de se temer o terror que o professor nos impunha. Então nós não perguntávamos mais ao professor. Quando terminávamos a aula, íamos para uns bancos do jardim, que tinha um enorme gramado e perguntávamos ao Paulo Alvim: por que tal expressão virou aquela? O Paulo muito solícito, primeiro nos passava uma carraspana: “... Vocês são uns burros, por que vocês não ficam de quatro pés e saem pastando esse gramado todo? Depois ele nos dava a sua explicação, e entendíamos melhor do que as explicações do Dr. Neves. O Paulo Alvim foi sempre um bom colega, amigo de todos. Gostava de festas, gostava de violão, cantava uma modinha: tem grilinho e intercalava versos seus. Gostava de dançar e sempre arrumava as melhores garotas da festa. Muito alegre, piadista, estava sempre bem posicionado. Na nossa formatura, foi o orador da turma, cujo discurso, que versava sobre o papel da educação, certamente deverá constar de sua biografia. 16 Da mesma forma o Victório Emanuel Constantino Codo,5 ligado há 83 anos por indissolúveis laços da amizade e coleguismo fez exame de admissão na mesma turma de Paulo Alvim, para cursar o primeiro ano ginasial no Ginásio Mineiro Raul Soares, quando sediado na Rua 13 de maio, próximo à Praça São Januário, o “Jardim”. Paulo Alvim foi um aluno que sobressaía, pelo seu raciocínio privilegiado e então em matemática, sem nenhum esforço, resolvia os problemas com admirável facilidade. Somos ligados por uma amizade tão profunda que nos tornamos parentes, na aproximação do meu matrimônio. Foi um grande estudante, prodigioso pelo caráter, pela inteligência, pela humildade, mas, perfeito em sua personalidade e suas inacreditáveis qualidades afetivas. Enfrentou dificuldades financeiras com bravura indômita, enchendo de admiração e respeito os seus colegas. Presenciamos reintegrar-se na sua atividade, graças ao seu gênero alegre. Sobressaía pelo talento e a aplicação. No Ginásio Mineiro Raul Soares foi membro do Grêmio Literário Rui Barbosa, escrevia para o jornal “O Gremista” tendo sido um dos redatores, sempre com austeridade e sabedoria. Apesar de seu espírito alegre estar sempre disposto ao gracejo, todavia, em se tratando de estudo ou trabalho, era circunspecto e austero. Preocupava-se com leituras literárias. Seus artigos eram cheios de imaginação, de bom gosto, de finura e elegância de linguagem. Alguns faziam referências à história, à poesia. 17 Sobressaía, antes de tudo o literato, homem de letras com seus predicados mais autênticos e inconfundíveis. Devo declarar, antes de tudo, que me sinto à vontade para exprimir-me sobre a personalidade de Paulo Alvim, sendo tão ricas e numerosas as suas facetas e os seus ângulos, que bastará a sua grandeza, pois tudo está tão vivo, tão concreto, que será suficiente apanhar os dados para que apareça o seu valor, independente dos louvores que lhes possa ajuntar. Lá, entrei em contato com Paulo Alvim e fomos juntos, alfabetizados. Paulo Alvim, aí teve contato com as primeiras letras, com prazer, espontaneamente, sem imposições desagradáveis, capazes de sacrificar o gênio ou a inteligência da criança. Educou-se sem esforço, tão natural que o valeu para despertar seus instintos e tendências que o dominavam e deram direção à vida. Os seus sentimentos de ordem e disciplina eram de um homem adulto, com certeza devido aos revezes da vida, daí procurando o equilíbrio e harmonia. As crianças vêem à vida por um prisma muito diferente da gente grande, o prisma da imaginação. Vivem num mundo ideal. Vivem dando vida ao imaginário. Paulo Alvim viveu sua infância e adolescência nesta Ubá, a “cidade carinho”, cujas circunstâncias do ambiente deram direção às tendências, muito compreensíveis. Criado dentro desse ambiente saudável de bons exemplos, convivendo com companheiros filhos de famílias conhecidas e de bons costumes, gente de sua predileção. Onde a 18 infância de Paulo Alvim atingiu máxima significação foi seu pendor que teve pela leitura. Na sua meninice, a imaginação infantil, entregue a si próprio, criava personagens sempre com o mais requintado humorismo, com feição irônica. Fazia parte de um grupo de meninos que frequentavam os banhos no rio, mestre em soltar papagaios. Neste período havia o hábito de conversar-se trocando as sílabas das palavras de trás para diante. Falava-se com tal rapidez que quem não conhecesse o mecanismo, ficava desnorteado. Em casa recebeu uma excelente educação, ótimas noções de pedagogia e psicologia aplicada, com a sua mãe e sua irmã, Maria José. Souberam trabalhar. Aplicavam os seus recursos de maneira que tiveram efeitos prodigiosos, contribuindo para que Paulo Alvim fosse excelente aluno. Era respeitado, sempre alegre, e fazendo relatos que divertiam, com seu senso de humor inato. Pilhérias eram a sua tônica. A caminho do curso superior. Ao terminar o quinto ano ginasial em 1936, começou a sentir suas tendências para o estudo da engenharia - agronômica. Passou a estudar ativamente e seguiu para Viçosa, para a ESAV, onde se inscreveu para o vestibular, sendo aprovado nos primeiros lugares. Submeteu-se aos trotes como calouro, sempre demonstrando bom sentimento, tolerância, admitia aqueles modos de agir e de sentir, recebendo as brincadeiras como tal bom humor que terminava tudo em pilhéria. No fundo, porém, surgia invariavelmente o calouro de 19 bons sentimentos, sempre no alto dos acontecimentos, conforme suas tendências, as fantasias, os seus desejos. Ninguém foi mais divertido do que ele, que levava, com conversas entre seus colegas, ávido de anedotas, pleno de humor em sua convivência íntima agradável. Nas festas sociais, era sempre elogiado e sempre inventava brincadeiras endiabradas. Após um período de convívio com os aperreios dos veteranos, havia a “Marcha Nico Lopes”, um desfile de calouros fantasiados, passando pelas ruas da cidade, onde terminava com um discurso, escrito em um rolo de papel higiênico, lido por um calouro, composto de piadas, anedotas, etc. No decorrer, o rolo de papel vai-se desfazendo pouco a pouco e quando está quase desfeito, vem à palavra final “FIM”. Alvim, apesar de receber os trotes, contribuiu na sua formação, criou novidades e mesmo auxiliava escrever o longo discurso. Paulo Alvim terminou o curso de engenheiro-agrônomo em 1940. Ano seguinte foi para o Rio de Janeiro, com o objetivo de exercer sua profissão. Foi residir em uma pensão de estudantes no Flamengo, onde moravam vários ubaenses, estudantes, onde também me encontrava. Logo se entrosou com os residentes, em pouco tempo era ídolo dos vestibulandos, principalmente dos candidatos à Escola Militar, naquele tempo muito disputada. E era o terror dos aspirantes ao curso dos famosos “carroções de fogo”, operação matemática apelidada de quilométrica. Despendia-se muito tempo para resolvê-las. Os alunos 20 que se preparavam para os exames, traziam para Paulo Alvim estes “quebra-cabeças”, e ele com toda a sua tranqüilidade, sua característica, se sentava ao lado dos alunos, lendo e relendo o problema, rodando o lápis entre os dedos de vez em quando escrevia um número. E assim repetia esta cena. Em determinado momento anunciava: “O resultado é este; agora vamos desenvolver a operação”. Com surpresa dos ouvintes, Alvim, em pouco tempo, após preencher uma folha ou mais de papel, com o desenvolvimento do problema, anunciava o resultado já previsto e jamais se enganava. Paulo Alvim, quando professor em Viçosa, certa feita, estudava abertura dos estômatos na epiderme foliar e caulinar, em presença da luz. Havia um “ronda” na ESAV, Juvenal, que se assustou, ao deparar, em meio das plantas, uma figura, um lençol esvoaçando, correndo. Seu susto foi tal que mesmo após anos, lembrando ao Juvenal que era o professor Paulo Alvim, ele jamais se convenceu. Era mesmo, para ele “alma-do-outromundo”. Certa feita, Paulo Alvim estava no Rio de Janeiro, numa época em que ainda circulavam os bondes que faziam ponto na Galeria Cruzeiro, na Avenida Rio Branco. Era um ponto de encontro tradicional, onde havia o bar da Brahma. Lá degustávamos um chopinho, quando apareceu uma de suas primas, Maria Cléo, que propôs organizarmos uma sessão que dizia ser de espiritism0. Colocou o abecedário em círculos sobre a mesa e um copo no centro, emborcado. Todos os presentes puseram 21 o indicador sobre o copo e Maria Cléo perguntava: “Há algum espírito presente?” E o copo se movimentava, de letra em letra, e desta vez escreveu: Olinto Brandão. Paulo Alvim pegou o copo, levando-o aos lábios e falou: “Bebi meu avô!” 22 Primeiro emprego Depois da formatura fui para o Rio de Janeiro, onde passei dois meses e meio. Foi uma ótima temporada, ficamos no Hotel Guanabara, na Praia do Flamengo, um ótimo hotel, quando nos aparece lá no Rio, o Paulo Alvim. Lá ele me disse: “... Renato vim para o Rio para procurar um emprego de Agrônomo. Não é possível, vim para procurar o DASP — Departamento de Administração do Serviço Público”; era onde se fazia um concurso para qualquer cargo público. Dizia Paulo Alvim: “... Vou fazer até concurso de datilógrafo, qualquer emprego de mais de 600,00 (seiscentos cruzeiros) me serve. Quero, apenas, sobreviver”... Uns dois dias depois, encontrando-me com ele, me falou: estive com o Dr. Erly Dias Brandão e este lhe dissera que em Viçosa estavam procurando uma pessoa para ser auxiliar do professor de botânica, que ele já tinha telefonado para a escola e pediram que ele fosse até lá. Assim nasceu o fisiologista Paulo Alvim, como todo sujeito inteligente, era da área de matemática, odiava ciências naturais, que exigia muita decoreba, que ele não gostava. Era Diretor da Universidade de Viçosa o Dr. J. B. Grifing, o professor americano, que o Dr. Benedito Valadares contratou. O Dr. Grifing era uma ótima pessoa; veio para levantar a agricultura mineira. 23 Especialista em algodão, já tinha dirigido uma escola na China. Ele fez dois contratos com a Universidade de Cornell e de Ohio, e podia mandar para cada uma, dois professores por ano, para cada especialização, tudo custeado pelas Universidades americanas. No segundo ano, o Paulo Alvim foi um dos sorteados. Lá se foi o nosso Paulo para a Universidade de Cornell, Ithaca, USA. Chegando a Cornell, houve uma primeira prova semestral. O Paulo Alvim caiu doente, com uma pneumonia, e chegou a ser internado no Hospital da Universidade. Um dos seus professores foi visitá-lo no hospital. Lá em conversa com o Paulo Alvim, disse: “... Gostamos muito da sua prova semestral”, e repetiu por duas ou três vezes, e no final disse: “... O senhor não vai fazer o MSc, o senhor vai fazer o PhD”. O Paulo Alvim deu uma gargalhada e disse a ele que não poderia fazer, pois a sua bolsa era de um ano, e o PhD era de três anos. O Professor disse que esse curso seria custeado pela Universidade e assim o Paulo Alvim fez o PhD, em Cornell, uma das melhores Universidades americanas. Alguns anos depois encontrei na Avenida Copacabana, a Leontina (primeira esposa de Paulo Alvim); fizemos muita festa, foi até nosso apartamento e disse-me que o Paulo chegaria naqueles dias. Chegando, me procurou e disse: “... Renato, não tenho mais condições de trabalhar no Brasil; ganho na OEA, U$ 6000 mensais, e aqui no Brasil querem pagar a um agrônomo 1.500 a 2.000 reais por mês”. 24 Visitei o Paulo Alvim umas quatro vezes em Itabuna e Porto Seguro, na Bahia. Ele veio aqui em Mato Grosso uma vez visitar uma plantação de seringueiras em Rondonópolis, e fomos juntos. Em casa, lembrando os velhos tempos, tocou violão e cantou os seus grilinhos. Paulo Alvim sempre me dizia que nós estamos vivendo muito, porque não praticamos esportes radicais que forçam o organismo. Para me permitir mais lembranças deixo o: “Convite para a Festa de São Pedro” Junho de 1937. São Pedro, manda te inconvidá vosmecê, sua famia. Pruma festa que se vai dá na escola de Agronomia. O bom velho já enfeitô com bandeirinha de Cô o local do fogaréu. Também para não dá gagueira já fechou todas as torneiras. Que manda agora do céu. Traga toda afamia. Sua muié, suas fias. São Pedro quer muita gente. Mais muié naturalmente. Porque home São Pedro dá. 25 Ubá, berço natal de Alvim Ubá é um município brasileiro do estado de Minas Gerais, conhecido como “Cidade Carinho”. Foi criada em três de julho de 1857; o gentílico é “ubaense”. Fica situada na mesoregião Zona da Mata, com uma área municipal de 407 quilômetros quadrados, e uma população de 94.228 habitantes, de acordo com estimativa do IBGE/2007; tem uma densidade demográfica de 231 habitantes/km quadrados. A maior parte do município encontra-se inserida na bacia do rio Paraíba do Sul e uma pequena porção na bacia do rio Doce. A sede municipal dista, por rodovia, 290 quilômetros da capital Belo Horizonte, O IDH médio é de 0, 773 de acordo com o PNUD 2000. Ubá é o segundo centro industrial da Zona da Mata, atrás de Juiz de Fora. A cidade possui aproximadamente 1.000 estabelecimentos industriais de grande, médio e pequeno porte. Boa parte do PIB é representada pelo setor serviços, mas a indústria desempenha o papel mais importante na economia do município, principalmente na fabricação de móveis. A cidade é o maior pólo moveleiro do estado de Minas Gerais e o terceiro do país. A importância do pólo moveleiro, juntamente com outras oito cidades vizinhas (Guicirema, Guidoval, Piraúna, Rio Pomba, Rodeiro, São Geraldo, Tocantins e Visconde do Rio Branco), é considerado o principal de Minas Gerais. Cerca de 20 mil empregos diretos e indiretos são gerados em aproximadamente 400 empresas 26 que fazem parte do pólo, porém o número de empresas do setor somente na cidade de Ubá é superior a 500 empresas. A saga dos imigrantes é recheada de histórias de coragem que percorrem todo o país, e Ubá não ficou de fora desse importante 6 capítulo da história nacional . Desde os primeiros colonizadores portugueses, a construção do país foi feita com os olhos voltados para fora. Seja na esperança de conquistar riquezas, como no caso da colonização lusa, ou na saudade da terra natal dos escravos africanos, o Brasil foi seio que alimentou os sonhos de diversas nações. Há mais de 150 anos, quando a cidade iniciava a sua caminhada, ou recentemente, os imigrantes chegaram e continuam chegando, trazendo na mala saudades e muitas lembranças. Nos primórdios de Ubá, quando ainda tinha uma população em torno de 3.000 habitantes, a cidade recebeu uma leva de migrantes italianos — outros 3.000 — que foram assentados em terras do município e passaram a cultivar a terra, com o plantio de fumo, em propriedade familiar. A grande maioria dos que chegaram naquele tempo era italiana. Até hoje se mantêm fortes as famílias de origem ítala na cidade. Duas fazendas receberam a maior parte deles, a fazenda “Floresta”, que recebeu as primeiras famílias que chegaram, e a “Cachoeira”. Foram nesses dias que se instalaram na região nomes que escutamos até hoje: De Felippe, Cavalieri, Vailone, Peluso, Giaccola, Caiaffa, Brando, Guilhermino, Lauria, Barletta, Fusaro, Parma, Girardi, Crispi, Amato, Trevizano, Balbi, entre muitos outros. 27 Com a expansão do município, os italianos começaram sua caminhada rumo à prosperidade. Comércios e pequenas indústrias, como a de bebidas fundada pelo Major Fusaro, foram fruto do pioneirismo desses homens que enxergavam longe. A história de muitos deles ficou esquecida com o tempo, mas ainda pode ser resgatada. Na lembrança dos familiares e de verdadeiros arquivos vivos, como Dona Taura Farnetano, italiana que acompanhou esse processo, se podem reunir os relatos da história da cidade. A indústria moveleira de Ubá se deve a uma ação de empresários que, tentando incentivar o desenvolvimento regional, solicitaram apoio à Prefeitura Municipal de Viçosa, para ali assentar indústrias em um pólo moveleiro. O Prefeito de Viçosa não se interessou pela proposta e então a atividade foi levada para Ubá. Além dos imigrantes italianos, há que se referir à imigração dos libaneses, que é uma das mais significativas em Ubá. Vindos do Império Turco-Otomano, passavam por grandes problemas, tanto políticos quanto sociais, os árabes vieram para o Brasil em busca de novas oportunidades e liberdade. A cidade acabou se firmando também como um centro universitário, que se encontra em pleno crescimento. Dentre as instituições superiores que se encontram na cidade, se destacam o segundo campus da UNIPAC — Universidade Presidente Antonio Carlos que possui três faculdades na cidade: Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Ubá; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ubá, responsável por quatro cursos; e a Faculdade Regional de Ubá, responsável por 10 cursos. A instituição conta atualmente com 15 cursos de graduação. 28 Ubá ainda conta com a UEMG — Universidade do Estado de Minas Gerais, que conta com três cursos de graduação, destacando-se o curso de “design de produto,” o único no interior do estado resultante da atividade moveleira. Por fim possui a FAGOC — Faculdade Ubaense Ozanam Coelho, que conta com cinco cursos de graduação, além de onze cursos de pós-graduação “lato sensu”. Dentre os ubaenses ilustres destacam-se: Ary Barroso, Mauro Mendonça, Nelson Ned, Levindo Ozanam Coelho e Raul Soares, que foi Ministro da Marinha, apesar de ser um cidadão civil. É de estranhar a não inclusão na lista dos ubaenses ilustres, o nome do mundialmente conhecido, e na cacauicultura brasileira reverenciado, Paulo de Tarso Alvim Carneiro. Há que se fazer um destaque especial para a Manga Ubá, que cresce com abundância dentro da cidade e nos arredores, presente nos quintais das casas e na margem das rodovias. A Manga Ubá é dos mais antigos e espontâneos ícones da cidade. O fruto identifica Ubá como também a cidade identifica a manga. E não há ubaense que não se orgulhe disso. Cidade de Ubá, vista aérea. 29 Octávio Drumond, primeiro orientador Paulo Alvim já disse da sorte que teve em abraçar a carreira agronômica em uma época em que poucas pessoas acreditavam na profissão em nosso país. Disse também, em outras oportunidades, que não estudou agricultura propriamente por vocação, mas sim por determinismo geográfico e financeiro. Geográfico, porque nasceu e se criou em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais — a cidade de Ubá — situada a 52 quilômetros de Viçosa, onde está localizado um dos melhores centros de estudos agronômicos do país; e financeiro, porque carecendo de recursos para poder sair daqueles lugares, conseguiu uma generosa bolsa de estudos em Viçosa, com hospedagem e alimentação gratuitas durante todo o curso universitário. Sua outra sorte foi descobrir, durante o seu curso de agronomia, que possuía inclinação para estudos correlacionados com as Ciências Naturais, especialmente com a Botânica e Ecologia. Jamais poderia ter descoberto essas predileções latentes, se não houvesse tido a sorte de encontrar em Viçosa alguns excelentes professores da área biológica. 30 Paulo Alvim sempre homenageia e agradece a seu primeiro professor de Botânica e orientador de seus passos iniciais na carreira científica, o destacado fitopatólogo Octavio de Almeida Drumond 7. Octávio de Almeida Drumond formouse em agronomia na turma de 1934, pela ESAV - Escola Superior de Agronomia e Veterinária. No ano seguinte ingressa em seu corpo docente, como assistente do professor Albert Stanley Ilier, o primeiro fitopatologista da Escola, trazido por Rolfs, em 1929. Participou do primeiro Congresso de Fitopatologia, realizado no país, em 1935, na sede do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Exerceu as atividades de pesquisador junto à ESAV, no período 1935 até 1949. Deixou a ESAV para ser admitido no recém-fundado Instituto Agronômico de Minas Gerais, onde permanece até 1949. Trabalhou também em outros órgãos, como o Ministério da Agricultura, DNPEA e EMBRAPA. Em 1981, retorna a Belo Horizonte, como pesquisador da EMBRAPA, lotado na EPAMIG, utilizando para suas pesquisas laboratórios do antigo CIAP, hoje IMA. Fundador de revistas científicas importantes, como Ceres e PAB, com treinamento cosmopolita em vários locais do mundo, definidor e mantenedor de importantes linhas de pesquisa em várias instituições por onde passou, homenageado várias vezes por inúmeras associações científicas, foi um exemplo para os pesquisadores iniciantes. 31 Com o professor Octávio de Almeida Drumond, a fitopatologia como ciência, a UFV — Universidade Federal de Viçosa como instituição e cada agrônomo, cada cientista deste país tem uma dívida e um compromisso de respeito. É bom lembrar o compromisso e o respeito de Paulo Alvim, com o cientista, seu orientador primeiro, Octávio Almeida Drumond. Foi uma grande sorte, diz Paulo Alvim, haver sido aluno de Octavio de Almeida Drumond e, por algum tempo Assistente de Ensino, recebendo através de seu exemplo como cientista e homem de bem, o estímulo que tanto o ajudou na formação profissional. Uma vez concluído seus estudos universitários, não foi fácil encontrar meios para viver, ou ainda mais sobreviver, à custa da profissão que abraçara. O período em que se formou foi em plena ditadura de Getúlio Vargas — o chamado Estado Novo — no qual a agricultura era das mais desprestigiadas carreiras profissionais no país. Com a remuneração que recebiam era possível, talvez, comprar uma bicicleta, objeto considerado de alto luxo para um recém-graduado em agronomia. Um automóvel era um artigo para milionários, e o agrônomo, funcionário público em geral, somente alcançava a utilizar precários veículos de propriedade do Governo, quase sempre paralisados por falta de manutenção ou pelo racionamento de gasolina, imposto pela guerra. 32 Apesar da falta de atrativos dos empregos oferecidos pelo Governo, eram os mais cobiçados pelos recém-formados. Não existiam serviços de extensão ou de assistência técnica como os que hoje conhecemos. Os cargos mais procurados pelos recém-graduados eram os das estações experimentais do Governo ou as chamadas Circunscrições Agrícolas, que mais tarde passariam a denominar-se Oficinas de Fomento. Paulo Alvim diz que nunca conseguiu descobrir em que consistia o trabalho de uma Circunscrição Agrícola. No interior de Minas Gerais essas repartições quase sempre tinham um aspecto de botequim, com alguns produtos agrícolas colocados em filas em estantes rústicas, um pequeno escritório ao centro, aonde se sentava o doutor, e um infalível arado à porta para mostrar que o negócio era sem dúvidas, agrícola. Logo depois de sua graduação foi oferecido a Paulo Alvim um cargo de Chefe de Circunscrição. Apesar da extrema necessidade e muito necessitado do emprego, recusou a oferta; primeiro, porque não se considerava psicologicamente preparado para o oficio de vendedor de mercadorias; segundo, porque ainda mantinha a esperança de seguir uma carreira científica e não queria se envolver pelos descaminhos profissionais em uma pequena cidade do interior, preso a uma burocracia com um misterioso nome de Circunscrição. 33 O castigo desta recusa foi o de não conseguir emprego durante quase um ano, para decepção e pena de colegas e familiares. Por algum tempo foi conhecido como um exemplo de agrônomo frustrado e fracassado. Decidiu Paulo Alvim ir à busca de emprego no Rio de Janeiro, com a ilusão de poder se empregar, ainda que fosse como aprendiz, em uma das várias instituições de investigação biológica existente. Em janeiro de 1941 deslocou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de prestar concursos para o então criado Instituto de Ecologia, do Ministério da Agricultura, concurso esse que não se realizou no prazo anunciado, o que o levou a trabalhar por alguns meses como escriturário do IPASE — Instituto de Previdência e à noite, como repórter da sucursal carioca do jornal “O Estado de Minas”. Converteu-se em especialista em consultas sobre aposentadorias, pensões, pecúlios, fundos de garantia, e estava para ser promovido a Chefe de Seção, quando a sorte lhe sorriu de novo: um amigo o informou sobre a abertura de uma vaga para Professor Assistente na Escola aonde havia estudado em Viçosa. Apresentou sua candidatura ao cargo e a boa sorte o conduziu de volta a Viçosa, onde foi trabalhar sob as ordens do seu ex-professor Octavio de Almeida Drumond, dando, 34 inicialmente, aulas de Botânica e posteriormente Fisiologia Vegetal. Assim Paulo Alvim iniciou a sua verdadeira especialização profissional, com distintas etapas de adestramento, desde o autodidatismo até a pós-graduação. 35 Professor Alvim Em 1941 Alvim foi professor de Taxonomia de Plantas e logo a seguir começou a ensinar Fisiologia de Plantas ao invés de Taxonomia. Em 1943 Fisiologia de Plantas foi formalmente introduzida como uma matéria no Curso de Agronomia em Viçosa. Esta foi a primeira vez que Fisiologia foi ensinada como uma matéria independente em um curso de Agronomia no Brasil e talvez na América Latina. Universidade Federal de Viçosa. 36 Entre 1945 e 1947, cursou a pós-graduação ao grau de Doutor em Filosofia (Ph.D.), na Universidade de Cornell, Ithaca, N.Y., Estados Unidos, uma universidade líder entre as Universidades americanas. Durante a graduação Paulo Alvim ainda era vinculado a UFV — Universidade Federal de Viçosa. Em Viçosa começou sua primeira investigação em ecofisiologia com cafezais, mantendo contacto permanente com outras lideranças científicas como Coaracy M. Franco, do Instituto Agronômico de Campinas. Algumas das contribuições de Paulo Alvim, de grande utilidade para os botânicos, fisiólogos e agrônomos, foram os equipamentos conhecidos como “porômetro, infiltômetro e fitotensiômetro de Alvim”, conhecido internacionamente e citado em textos de fisiologia. É utilizado para avaliar o grau de deficiência de água em plantas através da abertura dos estômatos; de grande utilidade em estudos de irrigação. Tocado pelo reconhecimento da dedicação, competência e dos laços de amizade, começou a preparar Moacyr Maestri8 para sucedê-lo na cadeira de Fisiologia. Incentivou o Professor Maestri a cursar a pós-graduação, fazendo o Doutorado (PhD) na Universidade de Cornell, em Ithaca, EUA. Maestri criou o curso de MS, em 1970, e o de Doutorado (PhD), em 1988, na UFV — Universidade Federal de Viçosa, tornando a instituição um centro de referência em Fisiologia de Plantas. 37 Tendo regressado ao Brasil, no período 1948 a 1950, tornou-se Professor Titular de Botânica e Fisiologia Vegetal na Escola Superior de Agricultura da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. O poder de observação de Paulo Alvim era enorme; durante uma excursão, com seus alunos, pelo rio São Francisco na Zona da Caatinga, Alvim chamou a atenção para o fato de que o ecossistema da Caatinga se desenvolvia naturalmente e não era um estágio de degradação causado pelo homem. Anos mais tarde, 1952, ele também concluiu que o cerrado brasileiro — um tipo de vegetação — era conseqüência de deficiência mineral dos solos e não resultado das periódicas queimadas feitas no ecossistema. Paulo Alvim contribuiu com o estudo da influência da aplicação de zinco para a produção de cacau. A técnica, singela, consistia em pregar pregos recobertos por camadas de zinco no tronco de árvores de cacau. O experimento foi conduzido e repetido em cacauais, na Estação Experimental de “La Lola” do IICA, situada na Vertente Atlântica de Costa Rica, perto de Puerto Limón. A nova contribuição à cacauicultura foi revelada em um evento promovido por uma universidade dos EUA, pelo professor Bowman. Falando para um grande público, disse ele concluindo: “... Aqui entre nós está o carpinteiro Paulo Alvim”. Alvim, com razão, ficou agastado por ter participado como um simples carpinteiro. O relato é do Professor Raimundo Santos Barros9, PhD em Fisiologia e titular da UFV, quando da visita que fizemos ao seu gabinete em companhia do Dr. Cristiano Machado Neto, engenheiro agrônomo formado na UFV. 38 Outra situação pitoresca foi a ocorrida por ocasião do Simpósio Internacional de Bioconversão de Energia e Congresso Latino Americano de Fisiologia Vegetal. A primeira palestra sobre produção de alimentos no mundo foi dada por Paulo Alvim. Apresentou os recursos alimentícios mundiais e ficou bastante admirado quando, na ocasião, a figura do slide mostrava que havia maior número de unidades bovinas no mundo do que de aves. Olhou para o quadro, pensou, pensou, teve dúvida, e se saiu com essa: “Meu Deus, eu pensei que tinha mais galinha nesse mundo!” O auditório caiu na risadaria... Mais tarde, em 1972, indo contra a teoria bem estabelecida por uma corrente de cientistas, e tendo em conta que as florestas da Amazônia estavam em estado de clímax, concluiu que a Região Amazônica não era um depósito de madeiras, e que se deveria pensar em proteger o frágil ecossistema. Chegou à conclusão que a Amazônia não poderia ser preservada intocável; advogou que o ecossistema amazônico fosse explorado para o beneficio da humanidade, defendendo que a conservação e as práticas racionais fossem empregadas em favor de uma condição sustentável. Certa feita, regressava de San José, Costa Rica, situada nos altiplanos costaricenses em companhia do Professor Chaves10 , para Turrialba, situada num vale profundo, onde ficava o Centro de Enseñansa Investigación, do IICA — Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas, em meio a uma forte tempestade. A descida desde San José para Turrialba era 39 feita por uma íngreme, estreita e sinuosa estrada, ao lado da qual se situavam extensas plantações de café. Café sombreado por plantações de bananeiras e árvores de Erytrina sp. Uma leguminosa de alto porte e com troncos vigorosos. Paulo Alvim não conseguiu controlar a viatura que se arremeteu contra a cerca, derrubou bananeiras e foi bater num grosso tronco de uma Erytrina. Alvim durante a desabalada descida gritava: “Valei-me Nossa Senhora! Valei-me Nossa Senhora!”. Quando conseguiram sair da viatura perceberam que pararam à beira de um profundo precipício; a estória foi relatada pelo Professor Chaves, seu companheiro na viagem. A moral da história é o comentário dos seus colegas que brincavam com ele, perguntando como um agnóstico ou ateu, na hora da dificuldade pedira socorro para Nossa Senhora, e a salvação que chegou com o sombreamento do cafezal. Paulo Alvim sempre defendeu que as plantações de café deveriam ser a pleno sol e não sombreadas. Um lance de sorte, particularmente importante na carreira profissional de Paulo Alvim, foi o convite recebido, graças à recomendação de ex-professores da Universidade de Cornell, para trabalhar com cacau no IICA - Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas, em Turrialba, Costa Rica, como fisiologista principal. Em curto intervalo de tempo passou a ser reconhecido como ecofisiologista no cultivo do cacaueiro e do cafeeiro, além de oferecer cursos de pósgraduação e orientar teses de mestrado na área de fisiologia de 40 cultivos tropicais. Suas pesquisas contribuíram para o aumento da produtividade dos cafezais de Costa Rica, por via de raleamento de sombra associada à aplicação de fertilizantes. IICA – Centro de Enseñanza e Investigación Seus estudos nas florestas tropicais de Costa Rica culminaram com a sua participação na Expedição Científica Alpha Helix, na Bacia Amazônica. Viajou em companhia de Bob Loomis e W. Williams, da Universidade da Califórnia (Davis), quando descreveram ambientes das florestas marginais do rio Negro, estado do Amazonas. O Brasil, desde o inicio do século XX ocupava uma posição de liderança absoluta entre os produtores de cacau do 41 Continente Americano, e era natural que o IICA se interessasse em contratar um técnico brasileiro para trabalhar em seu programa com aquele cultivo. Ao chegar à Costa Rica, em 1951, nunca Paulo Alvim havia visto sequer um cacaueiro em toda a sua vida. Somente sabia que as sementes da famosa planta eram utilizadas na fabricação de chocolate e que no Brasil, a produção provinha principalmente da Bahia. Esta permanência de Paulo Alvim junto ao quadro de pesquisadores do IICA teve decisiva influência em sua carreira. A Direção do IICA recebeu, em 1953, uma correspondência dos Estados Unidos solicitando os serviços de um especialista em cacau para assessorar a missão de assistência técnica mantida por aquele país no Estado da Bahia. O especialista deveria colaborar com os técnicos do antigo Instituto Agronômico do Leste, do Ministério da Agricultura, situado em Cruz das Almas, Bahia, na programação de uma recém-criada estação experimental de cacau, no município de Juçari. Como não havia em Turrialba, naquela época, nenhum outro especialista em condições de viajar para o Brasil, o IICA decidiu indicar Paulo Alvim para a honrosa e interessante viagem. Universidade de Cornell, Ithaca, NY. 42 Do you speak portuguese? Paulo Alvim guarda lembranças de um incidente ocorrido na sua recepção em Salvador. Por se tratar de uma viagem patrocinada pelo Governo Americano, Paulo Alvim foi recebido no Aeroporto pelo Cônsul Americano, assim como por um funcionário do Ministério da Agricultura, que aparentemente pensava que a nacionalidade do pesquisador era norte-americana. A amável conversação inicial foi em idioma inglês, até que o colega do Ministério da Agricultura surpreendeu Paulo Alvim com a pergunta: “Do you speak Portuguese?”, Paulo Alvim explicou que era natural de Minas Gerais, município de Ubá, e que obviamente falava português desde pequeno. Pela expressão do funcionário do Ministério da Agricultura, entendeu Paulo Alvim que causara profunda decepção. Olhou com surpresa para o Cônsul americano, como perguntando: “... Que piada é esta de mandar um mineiro ensinar aos baianos como plantar cacau?”. Felizmente depois desta desconcertante recepção, fez Paulo Alvim, com a sua simpatia, um grande número de amigos entre os colegas baianos, o que muito o ajudou no desempenho da missão. Entre 1955 e 1963, Alvim foi Pesquisador e Professor de Agricultura Tropical e Fisiologia Vegetal, na Zona Andina do 43 IICA, sediado em Lima, Peru. Na Zona seca da Costa do Pacífico conduziu pesquisas sobre a fisiologia de cultivos irrigados e ofereceu cursos internacionais intensivos sobre temas relacionados à produção agrícola em regiões tropicais, além de colaborar com a Universidade de La Molina no ensino de Fisiologia Vegetal e na implantação de sua Escola de Pósgraduação. Descobriu que as gemas florais (botões florais) permaneciam dormentes quando irrigadas; de outra parte, quando a irrigação era suspensa e as plantas irrigadas um pouco depois, os botões fechados abriam, de forma semelhante nas condições naturais, quando as chuvas depois de um período seco provocavam o fenômeno. Em outras palavras, o déficit de água ou período seco quebrava a dormência, e a irrigação (ou chuvas) que seguia era requerida apenas para o crescimento dos botões, não para quebrar a dormência. Paulo Alvim cunhou o termo hidroperiodismo para explicar o fenômeno e os seus resultados relevantes foram publicados na Revista Science. Este fenômeno foi muitas vezes repetido. Confirmado e conhecido, hoje se sabe que o período seco é requerido para disparar alguns efeitos morfogênicos em algumas plantas tropicais, ou para sincronizar eventos de desenvolvimento em determinadas populações. Paulo Alvim foi o primeiro cientista a demonstrar que diversas plantas tropicais necessitam de um “choque” de 44 desidratação-hidratação (seqüência de período seco a período úmido) para poder abrir suas flores e renovar a sua folhagem (fluxos de crescimento), resultado publicado na Revista Science, de 1960. Tomando uso deste fato científico, a EMBRAPA/CAFÉ recomenda calendários de irrigação para sincronizar a floração e abertura floral, e dessa forma, a produção de café. O resultado mais importante da curta permanência de Paulo Alvim na Zona Cacaueira da Bahia (1953) foi enamorarse perdidamente pela Bahia e sua gente. Convencido do extraordinário potencial agrícola da região cacaueira e sentindo de imediato a precariedade dos serviços de assistência técnica que existiam naquela época, Paulo Alvim voltou para Costa Rica imbuído do desejo de voltar à Bahia, permanentemente, para colaborar com os planos governamentais de assistência técnica ao cultivo do cacaueiro. 45 Primeira esposa e filhos Paulo Alvim casou-se, em primeiro casamento com a mineira de Cataguazes, Leontina Lobo Rezende, com quem teve quatro filhos: Marília Rezende Alvim (10/02/1947), Paulo Cesário Alvim (01/09/1948), Heloisa de Rezende Alvim Carneiro (22/01/1950) e Leonardo de Rezende Alvim Carneiro (04/04/1952). Marília casou com Maurice Capovilia. Heloísa com Albertus Eskes e tem duas filhas: Chantra e Nanda Eskes. A Chantra casou com o Luigi e tem uma filha chamada Yara Júlia. Leonardo casou com a Maria Regina, mas separou; tem um filho o Daniel. Paulo Cesário não é casado e não tem filhos. Marília e Nanda (neta) moram no Rio de Janeiro. Leonardo, Daniel e Paulo Cesário residem em Belo Horizonte. Heloísa mora em Paulo Alvim e Leontina, primeira esposa. Montpellier, França, é ceramista. Chantra mora na Suíça. Leontina era uma mulher de rara beleza. Estava sempre elegante e maquiada; tinha uma pele de seda, lembrando o pêssego. Ficou casada com Paulo Alvim no período de 1945 — 46 1962. Viajou com Paulo Alvim para os Estados Unidos, quando cursou a pós-graduação na Universidade de Cornell, em Ithaca, N.Y. Separou-se de Paulo Alvim, em 1962. Acompanhou Paulo Alvim nas suas andanças profissionais, já vinculado ao IICA — Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas pelo Peru e Costa Rica, até vir para o Brasil em 1963. Leontina Lobo Rezende faleceu em 2002. Geralmente as pessoas referem-se, jocosamente, a Paulo Alvim e seu jeitão descontraído e até mesmo pouco cuidadoso com compromissos e horários. Tendo ido, na companhia da esposa Leontina, a San José, capital de Costa Rica, a serviço, a levou para tratar de assuntos seus. De volta a Turrialba, quando estacionou o carro na garagem de sua casa a doméstica lhe pergunta: “Dr. Pablo, donde está la señora?” Desgraçadamente Paulo Alvim havia esquecido completamente, a sua esposa, Leontina, em San José... Mirian e Alexandre 11 A segunda esposa era a baiana, Mirian de Sá Oliveira , com quem Paulo Alvim foi casado por um período curto — de 1966 a 1971 — cinco anos. O conhecimento entre Paulo Alvim e Mirian se deu em uma festa do Itabuna Clube, em abril de 1966. De abril a agosto namoraram e casaram em 11 de agosto de 1966, com a cerimônia realizada na residência de um sobrinho de Paulo Alvim, e a presença de amigos e parentes. 47 O casamento teve como padrinho o Secretário-Geral da CEPLAC, Carlos Brandão e a esposa, Ester. Contou com a presença de José Haroldo Castro Vieira, Pedro Pinto Vasconcelos de Abreu e outros funcionários da CEPLAC do Escritório do Rio de Janeiro. Estavam presentes também a irmã de Paulo Alvim, Maria José e o esposo. Da parte da família de Mirian participaram seu pai João Alves de Oliveira Filho, a sua mãe, e a irmã mais velha Marli. Esteve presente também, um grande amigo da família Noêmio Peixinho. Após o casamento viajaram durante três meses pelos Estados Unidos e Europa, conciliando a “lua-de-mel”, com compromissos profissionais agendados por Paulo Alvim, antes do conhecimento do casal. O retorno da Europa foi de navio e foram residir em Ilhéus, em um apartamento situado no Edifício Santo Clara, localizado na Avenida Soares Lopes. Aí residiram de 1966 até 1971, quando se separaram. Quando Mirian estava grávida partiram para uma viagem de sete meses pela Europa, África e Estados Unidos. Saíram do Brasil em outubro de 1969 e Mirian retornou no final do mês de maio. Paulo Alvim permaneceu em Costa Rica. Em seis de maio de 1970, em Itabuna, no Hospital Manoel Novaes, nasceu o único filho do casal, Alexandre. Um fato da vida real de Paulo Alvim, foi relatado pelo colega Manuel Tourinho, quando de uma viagem a Quito, 48 Equador, ficaram retidos, sem poder sair do país, em razão de um golpe de estado. Sindicatos e militares estavam em confronto. Paulo Alvim e Tourinho estavam almoçando, em um restaurante, quando o mesmo foi invadido por trabalhadores com uma tropa de choque em seu alcance; jogaram bombas de gás lacrimogênio, e Paulo Alvim e Manuel Tourinho tiveram que sair às pressas do local com lenços molhados ao rosto para evitar danos maiores à vista. Paulo Alvim, Alexandre e Mirian - Batizado. Era o ano de 1970; havia muitas dificuldades em falar telefonicamente com o Brasil, e então Mirian, segunda esposa de Paulo Alvim, estava prestes a ganhar um filho, o Alexandre. 49 Sem notícias da esposa e preocupado com o nascimento do filho, Paulo Alvim ficou estressado, viveu dias de grande tensão. A situação não o impediu, contudo, de sair às ruas para comprar bugigangas e fazer fotografias curiosas, como índias catando piolhos nas filhas, e matando os ectoparasitos com mordiscadas. No depoimento de Mirian, viver com Paulo Alvim pode ser definido de várias maneiras. Muita coisa pode ser dita a depender da pessoa que a diz, porém não se pode dizer que seja chato, rotineiro ou normal. A união de Mirian e Paulo Alvim se desenrolou em meio a viagens, congressos, festas e muito trabalho de ambas as partes. Paulo Alvim sempre ocupado com a implantação do CEPEC, em preparar palestras, relatórios de viagens. Mirian estava sempre ocupada em receber famílias de alguns técnicos que chegaram para trabalhar no CEPEC, principalmente os estrangeiros, e os que resolviam residir em Ilhéus. Ajudar a procurar casa, escolas para os filhos, empregadas domésticas; isso incluía em recepcioná-los com festinhas e jantares. Era uma atividade bastante gratificante. A convivência com pessoas de diferentes países deixou para o casal, grandes amizades. O único filho do casal Paulo Alvim/Mirian é o Alexandre, nascido em seis de maio de 1970, em Itabuna, no Hospital Manoel Novais; o médico obstetra foi o Dr. Mário 50 Alves Peixoto e o pediatra Dr. Jacinto Cabral de Souza. O Alexandre fez a educação básica (fundamental e primeiro ano do ensino médio) na Ação Fraternal de Itabuna, o segundo ano do ensino médio no Colégio Marista e o terceiro ano e prévestibular no Colégio Objetivo, em Brasília. Fez um único vestibular para a UNICAMP/ Campinas, São Paulo, passou e formou-se, e depois fez FGV — Fundação Getúlio Vargas. Casou-se em 1999 e foi para Chicago para fazer MBA. O Alexandre tem hoje 39 anos e é um profissional bem sucedido, casado com a Isabela e pai de dois filhos: Luca e Pedro. Em que pese o depoimento de sua mãe, Mirian, nunca é demais enriquecer os traços biográficos do Alexandre, com as suas próprias informações, assim: “Nasci em Itabuna no dia 6 de maio de 1970. Durante a infância estudei em uma escola pequena perto da casa dos meus avós que, se não me falha a memória, chamava-se Escolinha Cinderela. A partir da terceira série do fundamental até a sétima série estudei na Ação Fraternal de Itabuna (AFI), uma escola de freiras franciscanas. Depois de um ano nos EUA (1983) voltei para concluir o primeiro ano do ensino médio na AFI, em 1984. Em 1985 mudei para Brasília para cursar os dois últimos anos do ensino médio. Primeiro no Colégio Marista de Brasília e depois no Objetivo. Em 1987 fui aceito no curso de engenharia elétrica na UNICAMP, em Campinas, São Paulo. Na época, com 16 anos, era o mais moço de uma turma de 70 51 alunos. Em 1993, após a formatura, mudei para São Paulo, onde iniciei minha carreira em consultoria na Accenture (na época ainda chamava-se Andersen Consulting). Fiz uma especialização em administração na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo (1995/1996) e depois mestrado em administração (MBA) na Kellogg School of Management, Universidade de Northwestern em Illinois, EUA. Depois de uma carreira executiva no setor de telecomunicações, em 2007 montei, com outros sócios, uma empresa de investimentos com foco em negócios comprometidos com o desenvolvimento sustentável. Os nossos principais setores de atuação são energia renovável, serviços ambientais, agronegócio e reflorestamento sustentável. Em maio de 1999 casei com a Isabella, pouco antes de mudarmos para os Estados Unidos para o meu MBA. Temos dois filhos, o Luca que nasceu em 16 de abril de 2003 e o Pedro que nasceu em 1º de janeiro de 2008. Atualmente moramos em São Paulo.” É interessante transcrever o depoimento de Alexandre quando discorre sobre “A influência de meu pai na minha formação”; diz Alexandre: “Como mencionei durante nosso telefonema, infelizmente não tive oportunidade de conviver com o meu pai tanto quanto gostaria. Até os meus 12 anos a nossa convivência era limitada aos finais de semana, pois eu morava com os meus avós maternos em Itabuna onde freqüentávamos a escola. Em 1983 e 1984, moramos por dois 52 anos juntos. Primeiro em Gainesville, nos EUA, quando ele aceitou um convite para ser professor visitante da Universidade da Flórida e levou junto a Simone, a Fátima e eu. E depois no ano seguinte, já de volta ao Brasil, em Itabuna. Apesar disso, não tenho dúvidas que ele teve uma grande influência na minha formação como pessoa e como profissional. Meu pai sempre foi um entusiasta das inovações tecnológicas e aproveitava suas constantes viagens ao exterior para adquirir as últimas novidades em foto/vídeo ou computadores. Lembro do nosso primeiro vídeo cassete JVC no início da década de 80, quando poucos sabiam o que era isso. Nos divertíamos fazendo vídeos caseiros ou mesmo gravando filmes da TV. Chegamos a montar uma enorme coleção gravando filmes da HBO. Outra lembrança desse primeiro período foi o nosso primeiro walkman da Sony. Na época uma grande inovação pelo tamanho reduzido. Por fim, teve ainda o nosso primeiro computador Apple Macintosh em 1984, também revolucionário para a sua geração pela facilidade de uso e acessórios inovadores como o “mouse”, hoje uma peça indispensável em qualquer PC. Toda essa exposição à tecnologia desde pequeno influenciaria mais tarde a minha opção pelo curso de engenharia elétrica na universidade. A sua incansável dedicação à ciência e sua bem sucedida trajetória profissional, para mim, sempre foram grandes exemplos da importância da realização através do trabalho. Em 53 uma região onde muitos se beneficiaram, por muito tempo, das benesses da monocultura cacaueira, ele sempre deixou claro que o valor real de uma pessoa está naquilo que ela “É” , e não no que “POSSUI”. Outra característica marcante é a sua atitude positiva e valorização das pessoas que “fazem acontecer”. Nesse sentido ele sempre mencionava a famosa “Mensagem a Garcia” como uma referência do tipo de atitude com a qual as pessoas deveriam enfrentar suas responsabilidades. O texto, apesar de muito antigo, ainda é relevante nos dias de hoje e sempre faço referência ao mesmo quando tenho que explicar a alguém no trabalho o que espero dele ou dela no dia-a-dia. É interessante ainda notar que atualmente a minha vida profissional voltou a ter uma relação com a dele e, às vezes, tenho a oportunidade de testemunhar pessoalmente a relevância das suas realizações. Atualmente me dedico a identificar e investir em empresas comprometidas com o desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente. Várias dessas empresas estão nos setores de agricultura e reflorestamento. Recentemente tive uma reunião com o exministro Roberto Rodrigues, sobre um projeto de etanol de cana. Ao trocarmos cartões de visitas ele imediatamente perguntou se eu tinha algum parentesco com Paulo Alvim. Quando lhe falei que era filho do próprio ele não poupou elogios e comentários sobre o quanto o admirava e respeitava por tudo que ele já havia feito pela agronomia brasileira. No 54 final da reunião, me presenteou com um de seus livros e fez carinhoso autógrafo com referência ao meu pai. Do lado pessoal, uma de suas características mais marcantes são o bom humor e o otimismo. Esse sempre foi o seu estado de espírito predominante e continua sendo até hoje. Sempre fazendo festa com os amigos e mantendo um alto astral. Ele sempre teve uma grande capacidade de lidar com os problemas de uma forma tranqüila. Para alguns, até demais. Acho que a sua cabeça privilegiada atribuía a devida importância às questões menores. Acho que herdei um pouco dessa tranqüilidade, o que muito me ajuda a enfrentar os problemas do dia-a-dia. Outra característica que sempre admirei foi a sua capacidade de se relacionar de igual pra igual com todos, de intelectuais até pessoas mais humildes. Acho que ele nunca se esqueceu de sua origem simples de Ubá e creio que é mais um exemplo do que ele realmente valoriza nas pessoas. Isso também está refletido no diverso círculo de amigos que ele fez ao longo da vida, seja no lado pessoal ou profissional. Vários desses amigos ele ajudou de forma despretensiosa. Lembro da Simone contando a história de como ele ajudou o Sebastião (Divino de Souza, fotógrafo da então DICOM) no início da sua carreira de fotógrafo trazendo equipamentos do exterior, na época caros e inacessíveis no Brasil. Como esse, existem vários outros vários exemplos da sua grande generosidade. Ele sempre teve um “grande coração”, apesar de nem sempre isso ser algo totalmente transparente. Acho que aqueles que o 55 reconhecem de verdade irão concordar com essa afirmação. Por fim, me resta concluir dizendo que o meu pai foi, e continua sendo, uma grande referência de valores que sempre admirei e procurei adotar como meus. Valores que, não tenho dúvida, moldaram a minha personalidade e caráter. Tenho que agradecer muito a Deus por ter nascido seu filho e espero um dia, assim como ele fez, conseguir transmitir esses valores aos próprios filhos.” As principais características de Paulo Alvim são o bom humor e o alto astral. Não se deixa apequenar pelo cotidiano da vida, está sempre disposto a ver o lado bom das coisas. Poucas vezes se vê Paulo Alvim reclamar de alguma coisa ou ficar mauhumorado; ele sempre enxerga um pouco mais longe. Em dezembro de 1969 a CEPLAC mandou uma equipe de cinco pesquisadores para participarem no Congresso Internacional de Cacau em Accra, Ghana. Antes de Accra, foram à Nigéria, Camarões e Costa do Marfim, países africanos também produtores de cacau, e depois voltaram à Nigéria para sair da África. A viagem foi cheia de fatos dignos de registro. A Nigéria estava em guerra — a guerra da Biafra. Por isso ou por outro motivo saíram do Brasil com vistos de apenas 30 dias para a Nigéria. Como foram visitar outros países, o visto expirou. Assim, coube a Mirian, esposa de Paulo Alvim, obter os vistos para toda a equipe em Accra, Ghana. O relato é da própria Mirian: “Fui à Embaixada da Nigéria no carro da Embaixada do 56 Brasil em Ghana. Quando lá chegamos havia uma multidão de mais ou menos uma centena de pessoas gritando na porta da Embaixada da Nigéria, cada um falando seu próprio dialeto. Eu não tinha idéia de como poderia entrar na Embaixada com toda aquela gente na porta. Eram pessoas de diferentes tribos ou etnias, as diferenças podiam ser vistas pelos cortes nos rostos e pelo diferentes dialetos falados. Uma pessoa normal teria voltado e tentado obter os vistos por outro meio, principalmente porque eu estava grávida de três meses, após um longo e caro tratamento para engravidar. No entanto ali permaneci procurando uma forma de chegar ao primeiro andar do prédio, onde ficava a Embaixada. De repente, eu me vi nos braços do chofer da Embaixada e de mais alguém e passando por cima de toda a multidão colocaram-me na porta da Embaixada da Nigéria. Subi as escadas e cheguei a uma grande sala com uma mesa, uma cadeira e uma montanha de passaportes no chão da sala. Pensei, entrego ou não entrego os passaportes para este senhor? Porém eu não tinha alternativa, e os entreguei. Expliquei o motivo da minha ida à embaixada, entreguei os passaportes e esperei. O funcionário da Embaixada não me forneceu nenhum formulário para preencher, não me fez nenhuma pergunta e não disse uma única palavra. Arrancou os passaportes da minha mão e foi para a outra sala, após algum tempo voltou e entregou-me os passaportes com os vistos sem dizer nada. Desci as escadas, entrei no carro, uma Mercedes Benz, acho que prata, e fui embora. 57 Na mesma viagem outros fatos interessantes aconteceram. O retorno de Ibadan para Lagos, para pegarmos um vôo e sairmos da Nigéria. Paulo Alvim não havia feito reserva em nenhum hotel na cidade de Lagos, capital da Nigéria. Assim, quando chegamos cidade havia um congresso de médicos e todos os bons hotéis estavam lotados. Por isso ficamos em um hotel na periferia da cidade. A cidade estava em estado de ‘‘blackout”, e sem água. Corria o mês de dezembro, verão, um calor terrível e úmido, quase como na Bahia. Chegando ao apartamento do hotel chamei um camareiro e pedi vinte garrafas de água mineral, sem gelar. Nunca tomei um banho tão caro. Depois saímos para jantar. À noite e sem luz na cidade, usamos pequenas lanternas para iluminar o caminho, lanternas também para ler. No mercado fizemos compras à luz de velas. Outra passagem interessante ocorreu na nossa saída de Paris. No dia da viagem fomos jantar em um restaurante bem distante do hotel onde estávamos hospedados. Jantamos e saímos do restaurante, já na estação do metrô, quando Paulo Alvim lembrou que havia esquecido o chapéu e o casaco. Esses esquecimentos eram uma constante no comportamento de Paulo Alvim. Esquecia, invariavelmente, chapéus, casacos e outros objetos que se costuma transportar nas viagens. Assim, voltei sozinha para o hotel e ele voltou ao restaurante para pegar os objetos esquecidos. Já na estação do metrô, eu não sabia em que direção ir para chegar ao hotel. Dirigi-me ao mapa 58 da rede do metrô e comecei a procurar, ou melhor, a tentar adivinhar qual o trem a pegar. Ao meu lado apareceu um policial, brasileiro, que estava lá fazendo um curso e disse-me: “... estamos indo na mesma direção, venha comigo”. No hotel desci a bagagem, paguei a conta e fiquei à espera de Paulo Alvim. No táxi que ele veio fomos para o aeroporto, quase que “voando baixo”. Só conseguimos chegar a tempo porque era quase meia noite e as ruas de Paris estavam desertas. Os quatro filhos de Paulo Alvim com Leontina — Marília, Paulo Cesário, Heloisa e Leonardo — passaram uma temporada sob nossos cuidados em Ilhéus. A Heloisa é a mais tranqüila, e a mais quieta. No final de 1968, ou início de 1969, mudou-se para Ilhéus e ficou um tempo conosco. Nesse período ela conheceu um rapaz holandês e casou-se com ele. O casamento foi realizado em nosso apartamento. Logo depois eles foram para a Holanda. A partir daí quase não tive contato com a Heloisa. Após o nascimento de Alexandre, nosso único filho, resolvi voltar a trabalhar e nesse mesmo período, Paulo Cesário e o Leonardo vieram para Ilhéus morar conosco. Hoje, olhando para trás considero esse período dos mais difíceis e também o mais educativo da minha vida. Os dois filhos de Paulo Alvim, Paulo Cesário e Leonardo, são pessoas bem fora do contexto, para qualquer ser humano que se considere “normal”. Os dois, como os demais irmãos, são bem inteligentes. O Paulo Cesário, especialmente, tem um QI muito acima do normal. 59 O pior era chegar do trabalho à noite e encontrar a casa toda revirada com uma orquestra no living do apartamento com a finalidade do Paulo Cesário compor músicas de uma nota só e treinar. A melhor passagem foi a do dia em que o Paulo Cesário havia utilizado todo o papel higiênico e os guardanapos existentes, para construir uma caixa de som, a fim de fazer uma experiência acústica. Apesar de todos os acontecimentos dessa época sempre olho para trás sem rancor ou tristeza, pois é nesses momentos que aprendemos e melhoramos ou não; ficando a pergunta: “Somos capazes de aprender as lições da vida?” 60 Alvim chega à região para instalar o CEPEC Em 1963, Simone Cerqueira 12 informa pela imprensa escrita e falada a notícia da chegada do Dr. Paulo Alvim, técnico de nível internacional do Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas da OEA – Organização dos Estados Americanos, para implantar na região o CEPEC – Centro de Pesquisas do Cacau, da CEPLAC, por ele idealizado. Naquela época, quando tudo dependia do cacau, tornou-se um acontecimento de maior interesse para a região, mais especialmente para a lavoura cacaueira. ‘‘Conheci pessoalmente Paulo Alvim, através de minha amiga Eliane Sabóia, bibliotecária do Instituto Nacional do Livro, que veio a seu convite para instalar e chefiar a futura biblioteca por ele criada. Passando casualmente em frente à sua casa Eliane pediu-me para entrar, porque o Dr. Paulo Alvim estava lá e queria falar comigo” - relata Simone. Entrei e encontrei Paulo Alvim, que me pareceu um estrangeiro usando uma gravatinha borboleta, suspensórios, traje nada usual na região. Dirigiu-se a mim falando em inglês e convidou-me para trabalhar com ele, dizendo que precisava de alguém fluente em inglês, porque até aquele momento não conseguira ninguém. Agradeci o seu convite e informei-lhe que 61 realmente tinha feito curso de letras anglo-germânicas na Universidade Federal da Bahia e também o curso de especialização durante um ano, na Universidade de Coral Gables, na Flórida, nos Estados Unidos e minha formação era direcionada para o magistério. Gostava muito de ensinar e não tinha os atributos necessários, como datilografia, arquivo, etc., para uma secretária bilíngüe. Disse-me que mesmo assim estava interessado nos meus préstimos. Assim, dias depois, veio um carro buscar-me e levou-me para o Escritório da CEPLAC, em Itabuna, que funcionava no Edifício Tupinambá, na Av. Cinquentenário, passando em novembro daquele ano para a sede definitiva – antigas casas de fazenda, desapropriadas, no km 22 da rodovia Ilhéus/Itabuna. Atualizei o seu trabalho e combinei de ficar até que se achasse a minha substituta. Não foi fácil tomar aquela decisão. Final de junho, férias escolares do meio do ano. Eu era a única professora de inglês do Ginásio Municipal de Ilhéus. Ensinava aos alunos do ginásio e do científico. Os famosos atrasos de vencimentos já eram bem conhecidos naquela época. O prefeito estava tentando regularizar os salários que vinham atrasados desde o ano anterior, depois de uma greve em novembro de 1962. O ambiente de trabalho era muito constrangedor. O prefeito tinha um programa na Rádio local, todos os dias às 12h30min, intitulado “O prefeito fala com o povo” – onde chamava muitas vezes os professores que reclamavam 62 nominalmente e justificava aquela falta de pagamento, dizendo que o professor era como um sacerdote e devia exercer sua profissão por amor. Mesmo assim achava muito gratificante ensinar, numa época em que os alunos tinham o maior respeito pelos professores. Tomei uma licença de seis meses e indiquei para substituir-me uma excelente aluna do meu curso particular, professora que ocupou o meu lugar. Assim passei a trabalhar como secretária de Paulo Alvim. Na realidade era um trabalho muito interessante, porque não era rotina de secretaria. Paulo Alvim tinha uma maneira muito peculiar de se vestir. Usava umas camisas muito estampadas, com desenhos de pássaros, botas americanas, e gostava muito de um chapéu. Dedicava-se inteiramente ao seu trabalho, naquela fixação que sempre teve de tornar o CEPEC o maior Centro de Pesquisas de Cacau do mundo, não só ajudando a lavoura cacaueira, mas também o desenvolvimento da região. Naquela ocasião já havia muito movimento no escritório. Recebia técnicos recém-contratados, a grande maioria da Universidade Federal de Viçosa a que credita o seu sucesso profissional; fazendeiros, membros do CCPC – Conselho Consultivo dos Produtores do Cacau e visitantes, e isso tomava grande parte do seu tempo. Quase todo o dia ia ao campo, o que não permitia terminar todo o seu trabalho, ficando muitas vezes até tarde da noite no escritório, não somente despachando assuntos 63 burocráticos ou pessoais, mas também gravando relatórios e correspondências que dependiam exclusivamente dele para a secretária. O senhor Carlos de Carvalho, seu motorista, levavao de volta ao Lord Hotel, onde morava. Interessante é que o senhor Carlos tinha pequena fazenda de cacau, e algumas vezes até pagava as contas de fim de mês de Alvim, para ser reembolsado no seu retorno. Logicamente que agia assim por vontade própria. Paulo Alvim é uma pessoa muito humana e simples e tentava ajudar a todos que o procuravam. Muito carismático, se identificava com seus auxiliares, que lhe tinham não só respeito e afeição pela maneira cordial e igual com que tratava a todos. Era exigente no trabalho, mas sabia como cobrar. Não era vaidoso e tratava aos colegas de profissão com o respeito que mereciam. Muito sofrido e sentimental, embora pouco demonstrasse, ficava muito alegre quando recebia cartas de sua mãe, Dona Neném, a quem tem até hoje, um profundo reconhecimento pelo grande sacrifício que fez para educá-lo e aos seus irmãos. Naturalmente uma secretária torna-se uma peça fundamental para o trabalho do seu chefe. Assim passei a conhecê-lo muito bem, conhecia muito bem os seus problemas, até mesmo pessoais, e tentava ajudá-lo. Na realidade não só me autorizava como exigia que eu abrisse todas as suas correspondências e respondesse o que fosse possível. Na verdade tinha uma grande admiração pela sua inteligência e capacidade de trabalho. 64 Simone Alvim Tornou-se um grande amigo de minha família e freqüentava nossa casa, em reuniões, festa de família e muitas vezes aos domingos aparecia com técnicos estrangeiros a trabalho na CEPLAC. Como sabíamos da dificuldade em arranjar restaurantes naquela época, o convidávamos e os seus colaboradores, para almoçar conosco. Em 1967, meu pai sofreu um grave acidente, perdendo uma perna, e por absoluta necessidade de recursos médicos, nos mudamos para o Rio de Janeiro. Alguns meses depois voltei a trabalhar na Secretaria-Geral da CEPLAC, a princípio com o Carlos Brandão e depois José Haroldo. Assim continuei de certa forma trabalhando ocasionalmente para Paulo Alvim, pois sempre passava pelo Rio, para reuniões, conferências, ou em trânsito no Rio, por ele convidados para trabalhar no CEPEC. Até então nosso relacionamento era exclusivamente funcional. A partir de setembro/outubro de 1971, Paulo Alvim passou a telefonar para a minha casa com desusada freqüência, muitas vezes até de aeroportos em trânsito, para tratar do óbvio. Naturalmente senti que não se tratava mais de assuntos de trabalho, o seu interesse parecia-me outro. Saímos algumas vezes até que em janeiro de 1972 convidou-me para jantar porque tinha algo muito importante para falar comigo. A essa 65 altura já não era mais admiração pela sua inteligência, mas estávamos realmente envolvidos por um sentimento muito forte. Convenci-me que éramos muito parecidos na essência; tínhamos os mesmos valores e interesses, e tinha a certeza que casando seríamos muito felizes. Tomada a decisão, achou que devido à consideração que tinha a minha família, queria logo falar com meus pais. Educada em uma família religiosa de costumes tradicionais sabia muito bem o quanto seria difícil levar o assunto aos seus conhecimentos. Paulo Alvim sempre foi muito bem-vindo a nossa casa. Meu pai, um dentista vitorioso na sua profissão, se alegrava muito com seus relatos de viagens, mas morando no Rio gostava mesmo de falar de cacau. Lembro-me bem que com o sucesso das novas técnicas da lavoura, a produção estava melhorando e por sua sugestão construiu um secador na fazenda. Naquela noite foi tudo diferente. Meu pai ficou mesmo muito surpreso, assustado e até mesmo incrédulo do que estava ouvindo. Somente depois de muitas explicações e entendimentos foi encontrada uma solução: casar em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Com a certidão do casamento, e por se tratar de um funcionário internacional, pude assegurar para mim todos os direitos de família. 66 Fátima, o grande presente Em julho viajamos para a Europa. Recebi o grande prêmio da minha vida: em novembro nasceu em país de Gales – Inglaterra, a nossa filha Fátima. Paulo Alvim tinha voltado para o Brasil e só a conheceu perto do Natal. Em fins de janeiro de 1973 voltamos ao Brasil, passamos pelo Rio para visitar meus pais e batizar nossa filha, e ficamos na hospedaria da CEPLAC por algum tempo, até quando nos mudamos definitivamente para a “casa do diretor”, recém construída com material que sobrou da construção do CEPEC. Foi realmente uma das grandes alegrias de sua vida: morar na área de seu trabalho. Montamos a casa e lá nos instalamos. Como era natural fiquei responsável por sua administração e até fizemos uma conta conjunta para que o Paulo Alvim só se preocupasse mesmo com seu projeto e nada atrapalhasse o seu trabalho. Foi sempre uma pessoa extremamente econômica, mas nunca por ambição e sim pelos inúmeros encargos financeiros dos quais nunca pôde se libertar, que sempre o acompanharam por toda sua vida. Em nossa casa havia um quarto especialmente para hóspedes. Na realidade, a não ser José Haroldo, que em suas vindas a Ilhéus aproveitava a noite para resolver com Paulo Alvim assuntos da CEPLAC e se hospedava conosco, muito raramente ficava alguém. 67 Apesar do convite, preferiam mesmo ficar na hospedaria que realmente era também muito confortável. À noite sempre vinham jantar conosco e ficavam até tarde conversando sobre assuntos do seu interesse. Algumas vezes, quando não estávamos esperando era um corre-corre danado para aprontar o jantar. Os jantares oficiais eram sempre oferecidos em nossa casa. Ali recebíamos ministros, membros do CNPC – Conselho Nacional dos Produtores do Cacau, políticos, técnicos, etc. Havia jantares para até oitenta pessoas. O buffet escolhido era sempre “comida baiana”, que geralmente agradava a todos. Tudo isso era feito com muito prazer. Paulo Alvim sempre gostou de receber, além de viajar muito para participar de reuniões, conferências internacionais, congressos e mesmo a serviço da própria CEPLAC; mas sempre que possível voltava nos fins-de-semana. Adorava estar em casa e parecia uma criança com Fátima e Alexandre que não sendo meu filho biológico, foi sempre do coração. Passava conosco fins-desemana, feriados e algumas férias na praia de Olivença, onde temos uma casinha de veraneio, tornando-se assim um grande companheiro de sua irmã Fátima, hoje muito unidos e amigos. A educação da minha filha, como era natural, ficou sob a minha responsabilidade. Tentei passar para ela a mesma formação que recebi, preparando-a para a vida “educação e trabalho”. Escolhia sempre bons colégios e como trabalhava o dia inteiro coloquei-a aos três anos em um colégio Montessoriano 68 em Itabuna, das oito às cinco da tarde, porque preferia que nas minhas ausências ficasse em um lugar com orientação pedagógica. Fez o curso ginasial no colégio “Gato de Botas” da professora Rita Fontes e o primeiro e segundo científico no colégio “Nossa Senhora da Piedade” em Ilhéus. Esses dois últimos anos, por conveniência nossa, ficou com meus pais em Ilhéus, quando foi estudar em Viçosa. Fátima sempre foi uma boa aluna, muito responsável, e nunca tive qualquer tipo de problema com seus estudos. Quero, no entanto enfatizar que Paulo Alvim nunca foi um pai ausente; cooperava sempre para o sucesso da sua filha. Além do exemplo de trabalho e de honestidade, conversava muito com ela sobre a importância e a necessidade de estudar e trabalhar. Aliás, realizou um de seus grandes sonhos. Estudou agronomia em Viçosa, cumprindo assim o seu desejo, que era seguir a profissão do seu pai. Hoje Fátima é pesquisadora da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus. Tem um MSc em fisiologia vegetal e doutorado em biologia molecular. Casou-se com o pesquisador Júlio Cascardo, e tem um filho chamado Tomás. Em 1983, atendendo a um convite da Universidade de Flórida, passamos um ano nos Estados Unidos. Paulo usou sua licença sabática e, além dos compromissos com a Universidade, realizou alguns trabalhos de pesquisas de interesse do CEPEC. Naturalmente estava sempre em contato com a direção da CEPLAC e até veio algumas vezes ao Brasil para participar de 69 reuniões que exigiam sua presença. Acredito, no entanto, que também seu grande interesse era levar seus filhos, Fátima e Alexandre, para aprender o idioma inglês. Foram matriculados em colégios públicos que consideram os melhores em países onde se privilegia a educação. Com os atestados de freqüência e resultado dos exames devidamente reconhecidos no Brasil não tiveram nenhum prejuízo no Currículo Escolar. Hoje falam e escrevem o idioma inglês corretamente. Importante também que nos familiarizamos com os mais modernos computadores de última geração daquela época e que já estavam em uso na Universidade. Paulo ficou impressionado com o avanço da tecnologia e interessou-se em introduzi-la na CEPLAC, pela sua utilidade como instrumento de trabalho. Paulo Alvim não gostava de viajar sozinho ao exterior. Assim, quando possível, o acompanhava. As minhas passagens eram sempre pagas pelos organismos internacionais que o convidavam. Ali então tinha esposa/secretária. Quando em reuniões ou conferências ficava muitas vezes em bibliotecas, tomando nota de revistas e livros mais atuais para trazer para o CEPEC. Fazíamos essas viagens com muita economia, de modo que não visitávamos lojas de moda, mas sempre nos acompanhava em lojas de novidades científicas bem atuais para trazer algo para o seu querido CEPEC. 70 Opção pela CEPLAC “Durante toda sua vida recebeu medalhas e comendas. Nunca dispensava a minha presença naquelas solenidades”, diz Simone. “Não nego que ficava muito orgulhosa pelo reconhecimento dado ao seu trabalho, mas também vaidosa sempre que falava em mim. Gostava de dança e à noite dava-me aquele costumeiro presente. Vamos dançar?” Casa em Ilhéus: Paulo Alvim, Simone e Jacques. Em 1977 teve que fazer uma opção entre o IICA e a CEPLAC. Naturalmente gostava muito do IICA, mas sua opção já era esperada. Ficou na CEPLAC. A Direção do IICA fez-lhe 71 uma homenagem, dando-lhe o título de Pesquisador Emérito, com o ordenado simbólico de U$1,00 (um dólar) por ano. Também lhe deu o direito de continuar filiado ao Serviço de Saúde da OEA, o que muito usou durante toda a sua vida. Assim continuou fazendo o seu trabalho para transformar o CEPEC no maior “Centro de Pesquisas de Cacau” do mundo. Nunca foi político, por isso atravessou todas as administrações da CEPLAC. Em 1991, foi aposentado compulsoriamente por idade – 70 anos – mas apenas formalmente, continuando a servir a CEPLAC usando todo seu prestígio internacional como se seu funcionário fosse. “Peço a Deus que ainda por muitos anos.’’ Paulo Alvim, Fátima, Simone e o netinho Tomás. 72 Teve Paulo Alvim com Simone uma única filha, Fátima13, que é pesquisadora na UESC. Em depoimento colhido junto a Fátima Alvim, ela confessa que, no decorrer de dias tão ocupados, como são todos os dias de praticamente todos os cidadãos, recordou de situações que ora a faziam abrir um largo sorriso e horas que a levavam a discretas lágrimas. Achei também interessante a maneira como me fez o convite, em um dos primeiros e-mails; justificava assim: “... O pai é tudo na vida de uma pessoa’’; e nisso preciso concordar em gênero, número e caso. Em uma segunda etapa da mesma mensagem solicitava a mim escrever sobre “Como o papai influenciou a minha vida pessoal e profissional”. Aqui preciso dizer que interessantemente a resposta é simples e reside na sua primeira afirmação: o pai, independentemente de quem sejam os envolvidos, é tudo na vida de uma pessoa. Pais e mães doam em proporções idênticas as características genéticas de um indivíduo, já pregava Mendel em 1865. Em uma opinião muito particular,vejo como a principal influência ambiental no desenvolvimento do caráter e dos valores éticos do indivíduo as bases familiares compartilhadas em um lar. 73 Papai, uma figura especial... E aqui só posso agradecer aos meus pais o exemplo e a dedicação desprendida a nossa família. Sendo assim, é que reside a formação da minha pessoa. Papai, particularmente, sempre foi extremamente ligado à família. Lamentavelmente pouco conheceu o pai, o senhor Francisco Alvim Carneiro, visto que ele faleceu, de tuberculose, em 1921, quando papai tinha apenas dois anos de idade. A mãe Dona Alaíde Brandão — Dona Neném, — ficou viúva, sem dinheiro, com bem menos de 30 anos e com quatro filhos para criar, sendo papai (Paulo Alvim) o caçula. Foi nesta época que ela retornou à sua terra natal, Ubá, Minas Gerais, onde começou a costurar para ganhar a vida. Até onde sei, foram tempos difíceis. Papai ajudava vovó como podia, inclusive na profissão. Jura, e aqui existem testemunhas, que sabia fazer como ninguém, o mais complicado plissê das saias das madames da alta sociedade Ubaense. Apesar dos tempos difíceis, papai sempre foi uma figura especial. Era coroinha da igreja e aos nove anos já tinha a sua primeira coluna no jornal de Ubá. Chamava-se “Eu Critico”. Nesta coluna semanal ele criticava tudo e todos da cidade. Algo como: “... Eu critico dona fulaninha que deixou o marido em casa e foi para a missa das 10:00 horas”, etc. 74 Parece-me que as pessoas da cidade já ficavam nervosas com a expectativa de ver quem seria o “criticado” da semana. Como a coluna não era assinada, ninguém sabia que ele era o autor, nem mesmo a mãe. Dizem que depois de um tempo começaram a desconfiar dele e várias pessoas foram tirar satisfações com Dona Neném. Esta, por sua vez, chamava o filho que, obviamente, negava. Até que um dia descobriram e esta, provavelmente, deve ter sido a maior bronca que o papai já recebeu da vovó. Mais tarde, aos 12 anos, ele teve outra coluna no jornal. Mas esta era assinada e certamente bem menos polêmica. Ubá realmente deveria ser uma cidade especial. O nosso grande compositor Ary Barroso é Ubaense. Dentre as músicas de sua composição escreveu uma intitulada “Quem quebrou o meu violão?”. A música fala sobre o seu violão de estimação que havia sido quebrado. Muitos acham que se tratava de uma situação inventada. O que poucos sabem é que quem quebrou o violão de estimação foi uma tia do papai que tinha um namorico com o Ary Barroso. Em momento de fúria o quebrou todinho. Depois que se formou em agronomia em Viçosa foi morar no Rio de Janeiro para ajudar ao irmão Geraldo que era jornalista, fundador da “Folha de Minas”. A sua volta a Viçosa foi fruto de uma grande coincidência. Nesta época papai morava em um Hotel bem simples, no Rio, na Glória, para ser mais exata. Em certa noite, chegando ao Hotel, encontrou um conhecido de Viçosa sentado na calçada. Muito triste, posso dizer até mesmo desesperado. Papai sentou-se ao seu lado e 75 começaram a conversar. Este conhecido, na época professor de botânica, contou-lhe que a esposa acabara de falecer. Papai ficou estarrecido com a situação do colega. Ficaram os dois praticamente a noite inteira conversando. No final da conversa este professor falou que estava decidido a ir embora de Viçosa e perguntou se papai não gostaria de ficar na posição dele na ESAV. Caso positivo, ele poderia indicá-lo para o cargo. Obviamente papai aceitou. No dia seguinte teve o seu nome indicado e logo em seguida foi chamado pela ESAV. Ele prontamente respondeu, ainda via telegrama: “Sigo Segunda”. A situação financeira de casa era tão complicada que os amigos brincam até hoje que na verdade ele quis dizer: “Sigo de segunda”. Brincadeiras à parte foi uma época muito proveitosa. Desta época de professor ele conta duas histórias que, não sei por quê, me marcaram profundamente. A primeira foi sobre uma turma que ele foi paraninfo. Nesta época ele estava ministrando aula de fisiologia vegetal (disciplina que ele foi o criador na ESAV). Neste dia ele ficou até de madrugada preparando a aula prática. Sempre foi muito perfeccionista. Lá em Viçosa temos a seguinte regra: dez minutos de tolerância para o professor. Se ele se atrasar mais, a aula está dispensada. Neste dia, como ele estava muito cansado, terminou perdendo o horário. Sendo assim, saiu esbaforido de casa, com a sua bicicleta vermelha, pedalando em direção ao prédio de aulas. Os alunos 76 o avistaram chegando, mas rapidamente pegaram as suas coisas e saíram correndo. Havia se passado exatos dez minutos. Papai viu e ficou extremamente chateado. Passou todos na disciplina e disse que nunca mais daria aula para esta turma. E realmente não deu. Por isso foi uma grande surpresa quando foi convidado, por esta turma, a ser o seu paraninfo. Vi o carinho que eles têm para com o papai no ano passado quando alguns estiveram na nossa casa no dia da comemoração do aniversário de 89 anos do papai. Na ocasião confirmei a veracidade da história. Para minha surpresa foi exatamente assim que aconteceu. A segunda história aconteceu durante uma Semana do Fazendeiro. A Universidade Federal de Viçosa até hoje promove uma semana anual dedicada aos fazendeiros da região. Alunos e professores ministram mini-cursos voltados à comunidade rural. Não me recordo bem o título do mini-curso do papai. Sei que a audiência era composta basicamente por mulheres dos fazendeiros e um menininho. Ele disse que ficou horas falando sobre semeadura e germinação de sementes e o menino super compenetrado prestando a maior atenção. No final da palestra, quando questionou a platéia sobre as dúvidas, apenas o menininho levantou a mão. Ele cedeu à palavra e o menino mostrou um ramo bifurcado de uma planta com uma mudinha nascendo bem na bifurcação. A dúvida era qual a explicação do papai para o fato. A resposta do papai foi que, seguramente, um passarinho deveria ter depositado uma semente na bifurcação e que com a chuva a semente deveria ter 77 hidratado e germinado. Mas esta explicação, que simplifiquei, ele falou bem detalhadamente para o menininho entender. E o menino ficou lá prestando a maior atenção. Quando ele terminou o menininho levantou de novo a mão e disse: “Não senhor, fui eu que coloquei” e retirou a plantinha da bifurcação. Ele disse que ficou com um sorriso amarelo no rosto e rapidamente finalizou o mini-curso. Ainda como professor da ESAV ele fez o doutoramento na Universidade de Cornell, nos EUA. Anos depois, quando estávamos morando na Flórida (1983) fomos todos fazer uma visita a Comell, e conhecer de perto o alojamento em que ele morara. Acho que a paixão pela Bahia bem como pela CEPLAC foi imediata. Eu, que nasci em 1972, testemunhei a minha vida inteira a dedicação e o profundo amor que ele sempre nutriu por esta instituição. Minhas recordações, todas de infância, estão de alguma maneira entrelaçadas à CEPLAC. Mesmo porque morávamos em frente à mesma e, portanto, a nossa casa era de certa maneira um prolongamento da CEPLAC. Nesta época acredito que a CEPLAC estava no auge. Parecia uma mini-cidade. Tinha banco, médico, posto de gasolina e fabricava chocolate. Sei que tinha um universo de coisas a mais, mas a minha visão infantil era isso que importava. Na minha maior estima estava também o alojamento da CEPLAC. Algumas vezes, quando os meus pais saiam à noite, eu ficava com a Dona Maria, uma simpática senhora que era responsável pelo alojamento. Dona Maria não 78 só me fazia companhia como permitia que eu assistisse à novela das 8 h e ainda me presenteava com a melhor banana-real que já experimentei. Foi na CEPLAC que aprendi a andar de bicicleta e tive as minhas primeiras aulas de direção com o papai, geralmente aos domingos. Como pode ver, a CEPLAC ia além de um local de trabalho puro e simples. Definitivamente ela era parte da nossa vida familiar. Papai era o “Diretor Executivo do Centro de Pesquisas da Lavoura Cacaueira”, decorei isso e dizia para todos que me perguntavam, mesmo sem saber ao certo o que significava. Lembro que ele trabalhava muito, pois sempre que ia me deitar ainda o via no escritório da casa, debruçado em cima de uma montanha de papéis e livros. Lá ficava até depois da meia noite e às 7h já estava de pé, pronto para ir trabalhar. Ele era extremamente respeitado por todos. Homem sério e responsável ao extremo. Imagino que quem trabalhava com ele deveria ser pressionado em tempo integral, pois como ele não parava nunca, seria de se esperar tudo solicitado “para ontem”. Eu mesma cresci ouvindo o texto “Uma mensagem a Garcia”. Ele pedia para eu pegar alguma coisa e se eu perguntasse onde estava ele respondia: “Garcia, procure na mesinha de cabeceira”. Diz ele que distribuiu a mensagem a todos que trabalhavam com ele. Eu tenho ainda hoje a mensagem e recomendo a todos os meus alunos/orientandos a lê-lo. É a primeira atividade do laboratório. Para não perder a oportunidade de divulgar, mais ainda, 14 o texto de Helbert Hubbard , autor de “Uma mensagem a 79 Garcia’' informa-se que o texto circulou amplamente nos EUA, entre os funcionários da Estrada de Ferro Central de Nova York, passando para a distribuição nas Estradas de Ferro Russas, daí seguia sua trajetória por outros países: Alemanha, França, Turquia, Hindustão, e China. Durante a guerra entre a Rússia e o Japão, foi entregue cópia de “Uma Mensagem a Garcia” a cada soldado russo que se destinava ao front. Os japoneses, ao encontrar os livrinhos em poder dos prisioneiros russos, chegaram à conclusão que havia de ser uma coisa boa e não tardaram em vertê-lo para o japonês, por ordem do Mikado. Mais de quarenta milhões de exemplares de “Uma Mensagem a Garcia” têm sido impressos, o que é, sem dúvida, a maior circulação jamais atingida por qualquer trabalho literário durante a vida do autor. Por esta razão e pela admiração do mestre e amigo Paulo Alvim ao texto, transcrevemos na íntegra Helbert Hubbard, em anexo. 80 Ele sempre amou as plantas Voltando ao depoimento de Fátima, filha de Paulo Alvim, “Hoje, quando paro para lembrar esta época, constato que todos na casa eram meio cientistas. Tínhamos um espaço ao lado do canil reservado e destinado exclusivamente a alguns experimentos científicos do papai. O Constantino, vigilante de longa data, muitas vezes passava a noite inteira a anotar em um caderninho os resultados que papai precisava. As coletas eram feitas a cada hora. Pela manhã papai analisava os dados, ainda no café da manhã. A casa parecia um mini-jardim botânico. A sua porção botânica sempre o fazia se referir às espécies pelo nome científico, algumas vezes apenas falávamos o nome vulgar ou comum. Ele sempre amou as plantas e vivia trazendo espécies exóticas para o nosso jardim. Foi assim com a Mussaenda sp, que ele trouxe do Jardim Botânico de Cingapura, e da Eritrina javanica, que não sei ao certo de onde veio. Hoje em dia ele diz que talvez estas tenham sido as ações mais importantes dele visto que ambas as espécies estão sendo amplamente utilizadas nos projetos paisagísticos nacionais. 81 Em 1997 tive o prazer de ir visitar o Jardim Botânico de Cingapura e lá pude comprovar que a Mussaenda sp. original, a doadora da estaca, ainda estava no mesmo local que ele falou. Obviamente tirei várias fotos no local para depois enviar ao papai. Apesar de toda a exigência e da importância do seu cargo, papai sempre foi uma pessoa extremamente simples e humilde. Ele tem um carisma que encanta a todos, independente do nível social, idade ou sexo. Pedia as coisas mais mirabolantes, mas todos faziam, pois ele realmente sempre foi irresistível. Quanto à sua humildade e lucidez acho que podem ser facilmente ilustradas com o seguinte fato, simples e sincero. Presenciei muitas vezes pessoas perguntando para o papai quem era o seu melhor amigo. Ele respondeu, “Senhor Carlos”, que era o motorista e realmente um grande companheiro do papai. Uma pessoa muito querida por todos nós. Sei que era recíproco, pois vejo o senhor Carlos até hoje. Assim como o Mané Preto, o garçom. Um dia desses Mané Preto ligou aqui na minha sala, preocupadíssimo, pois soube que papai havia colocado um marca-passo. Constantino, lamentavelmente já faleceu. Esta resposta dada pelo papai, de coração, prova para mim que ele sabia distinguir, nesta vida cheia de “glamour”, quais eram os seus relacionamentos pautados em cima de respeito, sinceridade e desprovido de outras intenções. 82 Em casa papai sempre foi um crianção. Tomávamos banho de chuva, mesmo estando gripados. Foi o primeiro, e talvez o único, a preconizar que chuva não tem nada a ver com gripe, para desespero da mamãe. Sorvete também estava liberado. Permitiu que tivéssemos doze cães simultaneamente... E eles tinham acesso livre à casa, desde que a mamãe ou as secretárias não estivessem por perto. Tivemos araras, mico, papagaio, sabiá, galinha e até mesmo uma cobra. Esta foi uma aquisição que ele trouxe para casa durante uma enchente. Lembro do papai chegando à casa a pé, em um dia horroroso, com uma sombrinha preta aberta e invertida. Fiquei super curiosa e quando olhei na sombrinha lá estava à cobra. ECA! Este preciso concordar, não era nada simpática. Uma das grandes paixões do papai eram os seus carrões. Tínhamos dois Landaus, um verde e um prateado. Esses só podiam ser utilizados aos finais de semana, com tempo bom, nada de sair na chuva, e em ruas não asfaltadas. Ele entrava e exclamava “... isso sim é que é carro”. O verde nós vendemos, mas o prateado está até hoje na garagem. Ele recebeu uma mega reforma em 2000, quando fui casar. Se esse carro falasse teria por certo muitas histórias nossas para contar. Outras paixões eram acampar e tomar banho de mar, como todo bom mineiro. O seu espírito jovem perdura até os dias atuais. Quando vim de volta para a Bahia em 2.000 ele estava com 81 anos e me fez a seguinte afirmação um dia na 83 praia de Olivença: “Acho que vou comprar uma prancha de surf”. Achei engraçadíssimo. Dois anos depois ele comprou uma bicicleta de marcha (coincidentemente vermelha) para andarmos na orla de Olivença, onde temos uma casinha de veraneio. Uns três anos antes quase pulamos de asa-delta no Rio de Janeiro. Mas lamentavelmente o instrutor Alex, que trabalha na Pedra da Gávea, não estava trabalhando neste dia. Papai sempre foi assim, um brincalhão. Nas festas tocava violão e gaita. Contava casos engraçadíssimos das suas viagens. De quando comeu Fu-Fu na África, e depois descobriu que era rato, ou de quando perdeu a estação que deveria descer do trem bala na China. Conta ele que foi ser educado e esperou uma senhora idosa descer do trem para então se virar para pegar os seus pertences. Nisso, quando se voltou munido da mala em direção à porta, a mesma fechou e o trem partiu. Ele não se fez de rogado, retirou o chapéu da cabeça e sentou-se de novo no banco. Neste caso, como não sabia falar nada de chinês, teve que esperar a pessoa que estava aguardando ele na estação de trem avisar ao maquinista da presença deste “estrangeiro” para mandá-lo de volta à estação correta. Como papai sempre se vestiu de maneira muito peculiar, acredito ter sido fácil ao maquinista identificá-lo no trem. Engraçado foi ele dar por escrito as instruções ao papai. Ele tinha exatos dez minutos para trocar de trem. Papai saiu desta vez correndo do trem e ia mostrando o papel as pessoas da estação e se guiando 84 apenas por gestos. Mesmo assim, conseguiu pegar o outro trem e retornar à estação correta. Ele contava que os chineses eram muito simpáticos. Sempre o convidavam para almoçar ou jantar nas suas casas. Mas, para ele, do alto de seus quase 1,90m, era muito difícil ficar tirando o sapato para sentar de pernas cruzadas nas mesas baixas típicas da região. Além disso, comer era um ritual demorado. Por isso, depois de umas duas semanas, ele terminava dando uma desculpa e ia comer mesmo em um McDonalds. Eram tantas as histórias que ele poderia ficar horas ou mesmo dias contando-as sem repetir uma vez sequer. Lembro das mesas de almoço ou jantar, casa cheia, e todos ouvindo atentamente os seus “causos”. Coisa de mineirinho. Ele viajava o mundo e com muita freqüência, mas os finais de semana sempre foram passados no aconchego do lar. De toda a viagem sempre retomava com algo interessantíssimo, ao menos para mim. Chocolates da Suíça ou bonecas da África. Eram itens simples, sem nenhum valor financeiro, mas carregados de valores emocionais. Papai sempre foi extremamente econômico, talvez pela sua história de vida. Mamãe também recebia algum agrado. Um caso interessante foi sobre um relógio Rolex que ele jura ter comprado em comemoração dos seus 20 anos de casado. Ficamos estupefatos, pois realmente era algo completamente atípico para o papai comprar algo tão caro. Mamãe ficou impressionada. Lembro da carinha dela abrindo a caixinha, em 85 cima da cama, a mala ainda aberta e... nada! A caixa estava embrulhada para presente, mas vazia. Aparentemente o relógio havia sido roubado no Hotel. Bem, valeu a intenção. Preciso concordar com papai que na realidade os principais e mais importantes presentes, como tudo na vida, não possuem valor financeiro, mas sim emocional. Quando completei 15 anos, por exemplo, recebi do papai o maior presente que já ganhei até hoje. Na época ainda era bastante comum bailes de debutantes. Alguns pais ainda presenteiam as aniversariantes com uma viagem ao exterior. No meu caso eu realmente tive uma festa e, na hora da valsa, uma amiga da família, minha professora Heloisa Pinheiro, “leu” o meu presente. Isso mesmo, papai me deu um texto de sua autoria. Escrito por ele, no meio da sua vida tão atribulada, especialmente para mim. Tenho a fita do evento e nesta pude ver que durante a leitura papai estava bastante emocionado. Com os olhos cheios de lágrimas. O texto é lindo. De uma simplicidade, mas ao mesmo tempo de uma sabedoria que apenas um pai pode ter para com o filho. No final do texto ele me dava o que considerava ser o maior e mais importante presente de um pai pode dar: desejava-me felicidades na vida que iria trilhar. O texto está comigo e pretendo emoldurá-lo para deixálo sempre à vista. Aquilo ainda hoje é para mim um grande gesto de amor, concretizado e imortalizado na forma de palavras. Escrito de um pai, com os seus 68 anos, para uma filha de apenas 15 anos. Que honra! 86 87 Esses momentos de extrema emoção, papai sempre foi bem sentimental, conviviam em plena harmonia com a sua porção “palhaço”. A cabeça do papai sempre foi de um meninão. Imagine que tínhamos um cofre enorme em casa que ficava no armário do quarto dele. Só ele sabe a senha, até hoje. No interior os seus itens de valor inestimável: Chocolates importados e canetas “Jumblanc”, a genérica da famosa e caríssima “Montblanc”. Ele sempre foi formigão e sabia que se os chocolates ficassem a disposição, nada iria sobrar para ele. Eram uma festa as noites em que ele resolvia abrir o cofre. Cada um ganhava uma barra de chocolate e íamos todos dormir felizes da vida. As canetas... Bem essas com certeza sumiriam em poucos segundos assim que ficasse à mostra na nossa sala de telefone. Sempre me perguntei o que aconteceria se um ladrão roubasse o cofre. Seria algo interessante. Meus amigos sempre foram loucos por papai. Acho que ele se misturava bem. Se quando eu era criança tomávamos banho de chuva juntos na adolescência, íamos entre outros lugares, aos bailes. Ele sempre foi o último a sair da pista de dança. Tem um jeito muito peculiar de dançar e era fácil saber quem havia terminado de dançar com ele. Era só olhar o cabelo, geralmente completamente desgrenhado pelos rodopios, que papai executava com maestria. Vivi indo aos bailes de exalunos da UFV (praticamente anuais) e, portanto esta foi uma cena que se repetiu várias e várias vezes anos a fio. Por coincidência, as nossas festas de ex- alunos são comemoradas juntas, hoje em dia, pois o ano que formei foi o mesmo que ele completou 50 anos de formado. 88 Quando pedi para sair de casa no terceiro ano científico para ir estudar em uma escola mais “forte” ele prontamente sugeriu Viçosa. Apesar da distância de 1.200 quilômetros de Ilhéus ele sempre acreditou ser ali o melhor local para estudos. E eu fui. Desde o início recebia papai e mamãe com muita freqüência para visitas furtivas. Ele adorava voltar à UFV para reencontrar seus amigos. Sempre que estava por perto terminava dando um jeitinho de ir até Viçosa. Nestas ocasiões ele aproveitava para fazer turismo em Ubá. Vestia-se como um americano típico: bermuda na altura do joelho, meia alta e branca com listras vermelhas ou azuis na parte superior, tênis, blusa extremamente florida (geralmente de Bali) e óculos de grau incrementado com aquele filme preto que pode ficar para cima ou para baixo, a depender da ocasião. Além disso, uma baita máquina fotográfica pendurada no pescoço. Pegavam o ônibus, ele e mamãe, e iam passar o dia a tirar fotos das ruas onde papai brincava, em frente à casa onde morava toda a família, da estátua de um primo que tem no centro da cidade, etc. Voltavam no final do dia felizes da vida. Esse jeito de vestir do papai, bem característico, sempre chamava atenção e confundia as pessoas. Não raras foram as vezes que ao visitarmos feiras ao ar livre no Brasil os vendedores forneciam os preços em dólares. Uma vez fomos passar o domingo de páscoa em Ouro Preto e o papai foi com as suas indumentárias usuais. Na Semana Santa as pessoas de Ouro Preto fazem um tapete com serragem colorida nas ruas da cidade. Esses tapetes, longos, têm desenhos de figuras bíblicas em um trabalho artesanal extraordinário. A procissão passa 89 exatamente por cima do tapete. É uma festa linda que atrai turistas de todos os lados. Neste dia, estávamos todos lá e de repente chegou uma repórter do MG-TV. Quando ela veio em nossa direção eu na hora entendi que ela seguramente estava confundindo papai com um americano ou europeu. Tive a certeza quando ela perguntou se papai falava português e se poderia conceder uma entrevista. Ambas as respostas foram afirmativas. Ela começou falando sobre o tapete de serragem, o trabalho manual que durava dias para ficar pronto e finalizou chamando a atenção para a existência de muitos turistas prestigiando a ocasião. Assim passou a entrevistar papai. Muito simpática, perguntou: “O Sr. É de onde?” e ele respondeu “Eu sou de Ubá”. Coitada. Logo Ubá, Zona da Mata Mineira. As feições da repórter foram de uma incredulidade imensa, ela nem teve condições de continuar a entrevista. Quando fui prestar vestibular fiquei indecisa. Sabia com clareza que queria trabalhar ou com animais, seguindo a carreira de veterinária, ou com plantas, como bióloga. Papai e mamãe conversaram longamente comigo. Papai falou sobre agronomia, da sua história de vida, e que eu teria a oportunidade de trabalhar com animais e/ou plantas. Além disso, poderia herdar toda a sua rica biblioteca. Convenci-me e prestei vestibular. Se no começo estava meio insegura, no meio do curso já estava apaixonada pela área. Ligava para casa para tirar dúvidas com papai, principalmente da fisiologia vegetal e botânica. Tive aula com vários alunos do papai e por muito tempo fui conhecida como “filha do Alvim”. Que responsabilidade. Achei muito interessante estudar algumas 90 das invenções do papai como o “porômetro de Alvim”. Este na realidade eu estudei tanto na graduação como na pósgraduação. Muito interessante. Durante o curso, meu primeiro estágio científico foi orientado pelo papai. Estava no segundo ano de curso quando ele me deu a incumbência de comprovar o hidroperiodismo de jabuticabeiras. Trabalho que ele havia feito antes com café. Minha missão era ir diariamente e de bicicleta, diga-se de passagem, à casa do professor Otto Andersen, que ficava a um quilômetro da minha casa, para medir o diâmetro da jabuticabeira utilizando uma engenhoca desenvolvida pelo papai. Era o fitotensiômetro de Alvim. Algo que ele desenvolveu depois de ver o preço exorbitante do fitotensiômetro original. O dele custava menos de um dólar, ele não cansava de dizer. Na realidade era um tubo de plástico branco, preenchido com um líquido azul termoestável e que não evaporava. A boca do tubo era conectada a uma pipeta de vidro graduada. O aparato era fixado ao caule da árvore com a ajuda de uma faixa de metal. Assim, quando o estômato estava fechado, o diâmetro do caule era maior, a pressão exercida pela faixa de metal no tubo plástico aumentava e consequentemente a altura do líquido azul era mais alta. Com a abertura estomática o diâmetro do caule diminuía ligeiramente, o que era acompanhado pela diminuição na altura do líquido azul. Eu precisava apenas — segundo palavras do papai — ir a este pé de jabuticaba, todos os dias às 6 horas da manhã, meio dia, e 6 horas da tarde. Inclusive sábado, domingo e feriados. Depois 91 de muita negociação ficamos acertados que seria 7 horas e sem incluir todos os finais-de-semana. Depois de quatro meses de seca — inverno, portanto em Viçosa — eu deveria ligar a mangueira da casa do professor Otto e deixar a água encharcar o solo por quatro horas para depois continuar com as medições até a planta florescer. Parece simples, mas confesso que foi o projeto mais sofrido que já executei. Ao menos funcionou. Foi nesta época que fui à primeira palestra do papai. Fiquei impressionada. Apesar de ajudá-lo com certa freqüência, e desde criança, a montar slides nunca havia ido assistir a uma palestra de sua autoria. Na época os slides com texto eram na realidade todos tirados de letras de forma brancas em fundo preto. Depois de revelado o slide, pintávamos as letras com canetas hidrocolor das cores que queríamos. Papai partia do princípio de que se deve sempre utilizar pouquíssimo texto e muitas fotos. Ah, e nada de ler o que estava escrito no slide. Esta primeira palestra que assisti foi uma revelação para mim. Não lembro o título, mas sei o assunto que era “cacau”. O local foi o anfiteatro da UFV que estava lotado de pessoas. A palestra foi muito rica em informação e ao mesmo tempo engraçadíssima. As pessoas riam de gargalhar. Apesar de ser longa não foi nada cansativa. E quando terminou foram todos falar com papai. Ele era o “popstar” da área. Ali soube que o trabalho dele não era reconhecido apenas localmente, era realmente algo de impacto nacional e internacional. Fiquei um orgulho só. Desde então comecei a me programar para poder participar das suas conferências, e foram inúmeras em congressos e simpósios. 92 Quando retornei a Ilhéus em 2000 fui contratada pela UESC — Universidade Estadual de Santa Cruz, para ministrar aulas de botânica. Fiquei bastante impressionada com o fato de a minha vida profissional ter se iniciado de maneira similar à do papai. Acredito que ele também. Como sempre foi uma pessoa de vanguarda, estava na época completamente envolvido com os projetos de seqüestro de carbono. Imagine, há mais de 10 anos atrás ele já preconizava que o Brasil seria um país muito importante e que teria muito a lucrar com o Protocolo de Kyoto. Hoje papai já está com seus 90 aninhos, mas ainda enxergo nele esta mesma sede de viver. Quer ir passear, viajar e, não raras são às vezes que pede para ir à CEPLAC. Ele tem uma história de vida muito rica. Vejo muito dele em mim e consigo também ver muito de mim nele. Ele me ajudou a desenvolver esse amor incondicional à natureza, a abraçar a minha profissão, a respeitar o próximo, a estar sempre atenta aos valores éticos das nossas atitudes, a importância de sempre manter a humildade, ao valor incomensurável da nossa família e a simplesmente amar a vida e viver, sempre viver.” Paulo Alvim ao lado de sua companheira Simone:a felicidade de quem se sente realizado e vive em paz com a vida, a natureza e as pessoas. 93 Coordenador técnico-científico Paulo Alvim teve a felicidade de ver concretizadas muitas de suas aspirações, graças a convênios de colaboração técnica firmados com instituições internacionais como o IICA e o Governo brasileiro, após a organização da CEPLAC, por inspiração de seu grande amigo Carlos Brandão, primeiro Secretário Geral da instituição do cacau, criada em fevereiro de 1957 pelo Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira. Desde meados de 1962 a CEPLAC havia estruturado o Escritório Central de Coordenação com a tarefa de dirigir, supervisionar e cobrar ações práticas na condução de convênios já firmados com diversas instituições técnicas, como o celebrado com a Comissão de Solos do Ministério da Agricultura para realizar o mapeamento dos solos da Região Cacaueira do Sul da Bahia, em nível de detalhamento, contando com o apoio de fotografias aéreas pancromáticas adquiridas. A área a ser prospectada era de 90 mil quilômetros quadrados; a equipe do Ministério da Agricultura era chefiada pelo pedólogo Marcelo Camargo. Outro convênio que estava emperrado, que não avançava, era o celebrado com o IPEAL — Instituto de Pesquisas e Experimentação Agronômica do Leste, do 94 Ministério da Agricultura. O Projeto de Melhoramento do Cacaueiro previa a realização de expedições botânicas na Amazônia para coleta de material silvestre, para a ampliação da base genética da cacauicultura baiana que era estreita e, ao mesmo tempo, selecionar material mais produtivo e tolerante à enfermidade ‘‘podridão parda” nas plantações cacaueiras da Bahia, como, aliás, já vinha fazendo a Estação Experimental de Juçari, do IPEAL, com a participação de Walter Magalhães. Para isso era necessário contratar pesquisadores experimentados, na área de genética e melhoramento de plantas, e promover a capacitação de jovens profissionais talentosos e promissores. Nada dessa quebra de imobilismo acontecia, porque a direção a nível regional dos serviços da CEPLAC no sul da Bahia era de formação administrativa especializada em questões financeiras, questões bancárias, e que vinha fazendo a importante tarefa de saneamento das finanças dos produtores de cacau, profundamente endividados. Mas o comando regional — Urbano Brandão e depois José Maria Vasconcelos não via como relevante os avanços científicos desejáveis, e ficava sempre postergando os avanços científicos por achar mais importante “primeiro concluir as operações de composição de dívidas”. Com a chegada de Paulo Alvim, ele de imediato foi designado para ocupar o lugar de Coordenador Técnico Científico. Compondo o quadro de direção regional com o seu parceiro José Haroldo Castro Vieira, Coordenador Administrativo. O golpe de sorte, o maior da vida de Paulo 95 Alvim, como diz frequentemente, foi ter vindo à Bahia em 1963, encarregado pelo IICA de colaborar com a CEPLAC no planejamento e implantação do Centro de Pesquisas do Cacau e do Departamento de Extensão. É importante salientar a luta e teimosia de Carlos Brandão para obter a cessão de Paulo Alvim, pelo IICA, para colaborar com a CEPLAC. Isso porque o IICA tinha uma rígida norma interna que impedia que um técnico de seu quadro fosse destacado para servir no seu país de origem. A determinação de Carlos Brandão em contar com a competência técnica de Paulo Alvim levou-o a formular uma engenhosa triangulação ACRI — American Cocoa Research Institute, recebendo recursos financeiros, via convênio assinado com a CEPLAC, para fazer o pagamento dos salários e outras complementações de Paulo Alvim ao IICA. Estava resolvido o impasse e Paulo Alvim pôde trabalhar com liberdade desde 1963 até 1977, como Diretor TécnicoCientífico da CEPLAC/CEPEC. Mas a luta foi vencida e o pesquisador renomado e experimentado chegou às terras baianas, para com o apoio do quadro técnico recrutado em todos os rincões da terra brasileira, acorrer para promover o mutirão de trabalho, competência e saber, e efetivar a maior revolução na agricultura brasileira: a recuperação da cacauicultura. Chegando à Bahia, localizou-se em Ilhéus, de onde passou a comandar as ações da CEPLAC. A planificação técnico96 científica da instituição, tendo sido o principal responsável pela organização e implantação dos departamentos técnicos da CEPLAC, e de maneira especial do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau. É certo que já se desenvolviam ações práticas de pesquisa e experimentação via Estação de Água Preta, do Instituto de Cacau da Bahia, localizada em Uruçuca, com uma meia dúzia de pesquisadores, dentre os quais: Pedrito Silva (entomologista), Gustavo Magalhães Carletto (geneticista), Waldemar Tobias Leilis (fitopatologista), Walter Magalhães (melhorista), da Estação Experimental de Juçari, do IPEAL — Instituto de Pesquisas e Experimentação do Leste, do Ministério da Agricultura. A base física de “Água Preta” era acanhada — em torno de 200 hectares — mas dispunha de áreas cacaueiras, com plantações comerciais e stands de plantações de uma mutação de “cacau banco”, o denominado Catongo. Contava com áreas laboratoriais, armazéns, viveiros, casas residenciais para o pessoal técnico e para alguns profissionais administrativos, contando ainda com equipes de trabalhadores braçais especializados. Estava pois, de logo visto, que uma das primeiras tarefas era a de adquirir uma área de cacau comercial em produção, bem localizada e dotada de solos de padrão típico da região cacaueira do sul da Bahia, para montar o Centro de Pesquisas do Cacau, da CEPLAC. O CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau foi criado de acordo com o Decreto número 97 1960, de 27 de dezembro de 1962, que autorizou a CEPLAC — Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico Rural da Lavoura Cacaueira a utilizar recursos para a criação do CEPEC, na zona cacaueira do Estado da Bahia, no Município de Itabuna ou imediações, com os seguintes objetivos: a) — realizar pesquisas e trabalhos experimentais sobre a agronomia e a tecnologia do cacau; b) — coordenar planos e programas referentes aos objetivos previstos neste artigo sejam de âmbito regional ou nacional; c) — especializar ou promover a especialização de engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas, estudantes de agronomia, fazendeiros e capatazes, em assuntos concernentes à cacauicultura; d) — promover a difusão dos resultados das pesquisas, observações e trabalhos experimentais realizados e divulgar matérias de interesse da cacauicultura; e) — providenciar meios para suprir os produtores de cacau de material botânico aprovado e necessário ao melhoramento das plantações. O Decreto-Lei número 52.175, de 28 de junho de 1963 declarou de utilidade pública área situada na zona cacaueira do Estado da Bahia, para a instalação do CEPEC - Centro de Pesquisas do Cacau. 98 Nasce o CEPEC Dada a estreita ligação do cientista Paulo Alvim com a idealização do CEPEC, acreditamos ser de grande utilidade e oportunidade, aproveitar a biografia de Paulo Alvim para dar maior divulgação de como foi conceituada a CEPLAC, pela Presidência da República. Transcrevemos o Decreto-Lei número 52.175, de 28 de junho de 1963: “O PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, no exercício - do cargo de Presidente da República, usando das atribuições que lhe conferem o art. 87, número 1, da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no parágrafo 16 do art. 141, da mesma Constituição e no Decreto-Lei número 3.365, de 21 de junho de 1941, com as alterações introduzidas pela Lei número 2.786, de 21 de maio de 1956, e - CONSIDERANDO que as crises constantes que vêm atingindo a lavoura cacaueira do País, resultam principalmente da ausência de sistema racional da exploração da cultura; - CONSIDERANDO que essas crises teriam assumido, devido às suas implicações, caráter de convulsão sócioeconômica, não foram as medidas de amparo adotadas pelo Governo Federal, nas respectivas oportunidades, com a 99 criação, em 1957, do Plano de Recuperação Econômico-Rural da Lavoura Cacaueira e com a assistência financeira, mediante empréstimos, em longo prazo, de composição de dívida dos cacauicultores que se encontravam com débitos acumulados acima de sua capacidade de pagamento em curto prazo, devido justamente àquelas crises, conforme Decretos números 4.1243, de três de abril de 1957 e 539, de 23 de janeiro de 1962; CONSIDERANDO que esses amparos traduziam apenas medidas de emergência para suavizar as crises, que não tem afetado somente aos produtores, mas à própria economia nacional uma vez que nos anos 1961 e 1962, a queda de receita, em moeda estrangeira, proveniente da exportação de cacau e derivados, ultrapassou a casa dos cem milhões de dólares e que no ano 1963, deverá essa queda ser acrescida em mais de cinqüenta milhões de dólares; CONSIDERANDO que esse decréscimo de receita tem trazido perturbações sociais e econômicas, com reflexos na segurança nacional, já que nas respectivas regiões deixaram de circular cerca de quarenta bilhões de cruzeiros, nos dois últimos anos, com prejuízo para as arrecadações do produtor, Municípios, Estados e União; CONSIDERANDO que a criação e perfeito funcionamento do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau — é uma medida de utilidade pública e do interesse social, pois só através da pesquisa e experimentação podem ser traçadas normas seguras para o seguimento e racionalização da lavoura cacaueira; 100 CONSIDERANDO que dentre as recomendações do Grupo de Trabalho do Cacau criado pelo Governo Federal, em 01 de novembro de 1962, (página 9715 Diário Oficial), destacou-se a indicação de um Centro de Pesquisas do Cacau como meio básico para iniciar a correção das falhas apontadas; CONSIDERANDO que o Governo Federal reconhecendo a importância daquela recomendação baixou o Decreto número 1960, de 27 de dezembro de 1962, criando o referido Centro, e CONSIDERANDO que a Comissão Técnica designada na forma do artigo quatro do último dos citados decretos, conforme Portarias da Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico-Rural da Lavoura Cacaueira — CEPLAC, de números 27 e 28, de 25 de janeiro de 1963, respectivamente, depois de exaustivos estudos, conforme parecer por ela elaborado fixou a área a seguir indicada como a única tecnicamente adequada para a instalação na forma do art. 1. “in-fine”, do Decreto Art.1º É declarada de utilidade pública a área especificada no parágrafo deste artigo e destinada à instalação do centro de Pesquisas do Cacau — CEPEC, de que tratam o Decreto número 1960, de 27 de dezembro de 1962; Parágrafo 1º A área ora declarada de utilidade pública fica localizada na bacia hidrográfica do Ribeirão das Alegrias, afluente da margem esquerda do Rio Cachoeira, situada no Distrito Banco da Vitória, Município de Ilhéus, Estado da 101 Bahia, e cortada pela estrada de rodagem asfaltada IlhéusItabuna na altura dos quilômetros vinte e quatro e vinte e sete e meio (27,5) e distante seis (6) a nove e meio (9,5) quilômetros do centro da cidade de Itabuna, num total de setecentos (700) a mil (1.000) hectares de terras, tendo de dois mil (2000) a três mil (3000) metros de frente para o Braço do Rio Cachoeira, também denominado Rio Central, estando enquadrado a partir de mil (1000) metros para montante da barra do Ribeirão das Alegrias e desse ponto três mil (3000) metros em direção norte e dois mil (2000) metros para a jusante da barra do Ribeirão das Alegrias e desse ponto quatro mil e quinhentos (4500) metros em direção ao nordeste. Na área descrita e declarada de utilidade pública estão localizadas propriedades agrícolas, ou parte delas, em que constam como proprietários espólio de Enock Carteado, Roberto Nunes Viana, Júlia Wense Santos, e outros, Teófilo Gondim, Cícero Pinto e outros, Espólio de Henrique Wense, Miguel Femandes Moreira, Pompílio Barreto e outros. Parágrafo 2º Para os fins previstos neste artigo, fica a Comissão Executiva do Plano de Recuperação EconômicoRural da Lavoura Cacaueira-CEPLAC, Órgão do Governo Federal, autorizada a proceder à desapropriação da área citada neste artigo, na forma dos artigos três, sete, e 10, do DecretoLei 3365, de 21 de junho de 1941. Parágrafo 3º É considerada de urgência a desapropriação citada no parágrafo anterior, devendo a Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico102 Rural da Lavoura Cacaueira proceder na forma prevista no art. 15 do Decreto-Lei número 3.365, de 21 de junho de 1941, e alterações introduzidas pela Lei número 2.785, de 21 de maio de 1956, não sendo possível o acordo amigável imediato. Art. 2º Fica a CEPLAC autorizada a utilizar os recursos que lhe foram destinados na forma do Art. 2º do Decreto número 539, de 23 de janeiro de 1962, para efetuar o pagamento da área desapropriada e ora considerada de utilidade pública. Parágrafo Único Para o presente ato, sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º do artigo dois Do Regulamento Geral baixado pelo Decreto número 41.243, de três de abril de 1957, e de acordo com o parágrafo 4º do artigo seis do mesmo Regulamento Geral, na redação do Decreto número 51.242, de 23 de agosto de 1961, fica o Secretário-Geral da CEPLAC, autorizado a firmar, em nome do órgão expropriante, escrituras de compra e venda da área ora declarada de utilidade pública, bem como praticar todos os atos necessários à sua desapropriação em Juízo, ou fora dele. Art. 3º O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Brasília, 28 de junho de 1963; 142 da Independência e 75 da República. RANIERI MAZZILLI Carlos Alberto de Carvalho Pinto - Oswaldo Lima Filho *Diário Oficial da União — Seção 1 — 09/07/1963, Página 5911 (publicação). *Coleção de Leis do Brasil — 1963. 103 O arquiteto Sérgio Bernardes foi contratado para elaboração de um projeto arquitetônico, e iniciada a sua construção em ritmo acelerado. A construção durou de 1963/64 a 1972 quando a sede regional da CEPLAC foi inaugurada pelo Ministro Delfim Neto, Ministro da Fazenda, ao qual estava então vinculada a CEPLAC. Com o Departamento de Extensão foi ainda mais diferente, porque os serviços de extensão e assistência técnica já existiam desde a criação da CEPLAC, em 1957, com serviços assistenciais, chamado de SETAG — Serviços TécnicoAgrícolas, centralizados inicialmente em Itabuna, com agrônomos cedidos pela CREAI - Carteira Agrícola do Banco do Brasil, complementada por agrônomos contratados pelo ICB — Instituto de Cacau da Bahia, e que constituíam o SEAC — Serviço de Extensão Agrícola Cacaueiro, em 1960. O quadro total de agrônomos somava uns 20 profissionais Quando da reformulação dos SETAG — Serviços Técnicos Agrícolas da CEPLAC, em 1963, o quadro técnico totalizava uns 40 profissionais, distribuídos por quatro Superintendências Regionais. A Superintendência Central (a primeira), em Itabuna e depois em 1961 criadas a Superintendência Regional de Ipiaú e em 1962, a de Canavieiras, tendo sido instalada mais uma, em 1964, a de Ubaitaba. Os agrônomos ficavam localizados em Escritórios Locais, com um quadro composto por agrônomos, técnicos em agropecuária, escriturários, motoristas. Os Escritórios Locais contavam com a supervisão de Escritórios Regionais. 104 Pesquisa, Ensino, Extensão Para a reestruturação do SETAG, o Coordenador Administrativo do Escritório Central de Coordenação, José Haroldo Castro Vieira, contratou em Minas Gerais, oriundo da ACAR-Minas Gerais, o Dr. Jorge Raymundo Castro Vieira, seu irmão. Jorge Vieira possuía larga vivência como profissional dos serviços de extensão, na ACAR-MG. O mandato do quadro técnico da CEPLAC tinha como objetivo inicial, fazer a avaliação da produção de cacau de cada propriedade, que dava suporte financeiro às operações de “composição de dívidas” dos lavradores de cacau, uma atividade altamente endividada. A CEPLAC fora criada para sanear as dívidas dos produtores. Contratadas as operações de composição de dívidas, na seqüência os produtores eram obrigados a executar um “plano de melhoramento” que incluía combate às pragas do cacaueiro, controle da podridão parda, adubação, escoramento de cacauais, podação, remoção de limo, e outros tratos culturais. Incluía também a construção de instalações de beneficiamento de cacau: fermentadores, casas de fermentação, barcaças, secadores, armazéns, casas para trabalhadores rurais, casas para administradores e proprietários. 105 Uma terceira atividade que constituiria o modelo original da CEPLAC, também já tinha um tímido início: a Escola de Capatazes do ICB — Instituto de Cacau da Bahia. Paulo Alvim, como Coordenador Técnico-Científico da CEPLAC e José Haroldo Castro Vieira, como Coordenador Administrativo, fizeram uma viagem a Turrrialba, Costa Rica, onde tiveram a oportunidade de conhecer a Escola Agrícola de Zamorano15. Na volta à Bahia, entusiasmados com o que viram, sugeriram ao Secretário Geral da CEPLAC, Carlos Brandão, o aproveitamento da antiga Escola de Capatazes do Instituto de Cacau da Bahia, que estava desativada, localizada na Estação Experimental de Água Preta (Uruçuca), para a criação da EMARC — Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira. Este estabelecimento teria como objetivo formar mãode-obra intermediária, entre agrônomos e pesquisadores e o produtor rural, tendo-se como resultado a formação de Técnicos em Agropecuária e Práticos Agrícolas. Com o correr dos tempos, a demanda de pessoal qualificado na cacauicultura regional evoluiu para a criação do Departamento de Educação da CEPLAC, passando a EMARC a funcionar como um Centro Profissionalizante e de Treinamento de Mão-de-Obra Rural, juntamente com outras EMARCs: a de Valença, a de Itapetinga e a de Teixeira de Freitas, todas com cursos médios de técnicos em agropecuária, agrimensura, tecnologia de alimentos e economia doméstica, além da capacitação de milhares de trabalhadores rurais. 106 Deveria o Departamento de Educação da CEPLAC, trabalhar em estreita colaboração com o Departamento de Extensão. Mais à frente desenvolveu o Departamento de Educação, sob inspiração de Paulo Alvim e Jorge Raymundo do Castro Vieira, Coordenador do Departamento de Extensão, a Semana do Fazendeiro, inspirada na experiência vitoriosa da Universidade Federal de Viçosa. Como conseqüência dessa evolução criou-se, em 1987, na Região Amazônica a EMARCAriquemes, com as mesmas características educacionais das demais escolas. Estava assim formatado o modelo institucional técnicocientífico da CEPLAC — um tripé — para alavancar os avanços da pesquisa, extensão rural e na formação de mão-de-obra. A CEPLAC não foi uma obra desenhada em uma prancheta, criada em um laboratório, concebida de uma vez. O atual modelo institucional da CEPLAC é, por conseguinte, fruto de um processo evolutivo resultante das demandas de sua ambiência. Primeiro o CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau, em 1962; depois o Departamento de Extensão em 1963, e por último o Departamento de Educação, em 1965. Alvim recebe do primeiro secretário-geral da Ceplac, Carlos Brandão, as chaves do que seriam as primeiras unidades de pesquisa de um Centro de Pesquisas que veio a ser reconhecido como um dos melhores em pesquisa tropical de cacau no mundo. 107 Alvim e os números do cacau Quando da chegada de Paulo Alvim à Bahia, a produção de cacau passava por forte queda. Veja a produção do ano-safra brasileiro, em toneladas16: 1962/63 ........................... 1963/64 ........................... ........................... 1964/65 ........................... ........................... 1965/66 ........................... 1966/67 ........................... ........................... 1967/68 ........................... 1968/69 ........................... ........................... 1969/70 ........................... 1970/71 ........................... 87.765 104.965 117.931 150.125 161.163 159.732 106.068 196.673 157.616 Então Paulo Alvim empregando os princípios básicos de seus conhecimentos em fisiologia das plantas, passou um receituário, que poderia ser definido como um “pacote tecnológico”, composto de raleamento do sombreamento dos cacauais baianos, adubação dos cacauais e controle das pragas. O raleamento era necessário posto que no período 1963 para trás, o número de árvores de grande porte era de 75 a 90 árvores por hectare de cacaual, o que indicava um sombreamento excessivo das plantações. Receitou que fossem diminuídas para umas 45 plantas por hectare. 108 A evolução da prática do controle do sombreamento alcançou, no ano de 1970, 11.980 hectares com a participação de 1.387 propriedades; no ano de 1971 foi de 9.568 hectares com o envolvimento de 1.047 empresas cacaueiras. De 1972 até o ano de 1977 a prática passou a ser feita, anualmente, em áreas de 14 mil a 17 mil hectares, com a participação de 1.300 até 1.900 empresas. A adubação dos cacaueiros era necessária porque com a maior incidência de luz solar nas folhagens dos cacaueiros as plantas iriam “trabalhar mais” — fazer mais fotossíntese retirando mais nutrientes do solo. Além disso, a prática da adubação era praticamente desconhecida na região do cacau. No ano de 1965 a área trabalhada com adubação foi de apenas 196 hectares, com 30 fazendas envolvidas. Em 1968, 2.887 hectares foram trabalhados com 555 fazendas participando. A partir de 1970 o número de hectares cresceu vertiginosamente, alcançando 72 mil hectares, com 2.931 fazendas envolvidas. Em 1977, o número de fazendas participando nos trabalhos de adubação havia alcançado a marca 149.700 hectares de cacauais, com 7.350 fazendas incluídas. A evolução da prática do combate às pragas do cacaueiro foi significativamente aumentada: em 1965 controlavam-se pragas em 22 mil hectares, passando a 80 mil hectares em 1968; 125 mil hectares em 1970 e daí por diante se situar num patamar de mais de 150 mil hectares de cacauais tratados. 109 No ano-safra brasileiro de 1980/81 a produção da Bahia ficou em 302 mil toneladas de cacau para no ano-safra de 1986/87 o recorde com 397.361 toneladas de cacau. A experimentação com fertilizantes conduzida no CEPEC demonstra que a produtividade dos cacaueiros pode ser substancialmente incrementada, especialmente se a fertilização é acompanhada por correção de sombra nos cacauais. Experimentos instalados em 1964, e repetidos ano a ano, confirmam que a fertilização sem correção de sombra resulta em pequenos aumentos na produção, em torno de 12%. Áreas onde o sombreamento foi raleado — com a retirada de sombra excessiva — alcançaram acréscimos de até 145%. Dessa forma a contribuição científica, com o receituário de Paulo Alvim, e massificado pelas equipes de extensionistas, ficou claramente comprovada, e o modelo institucional do tripé da CEPLAC — pesquisa e experimentação, extensão e assistência técnica e capacitação de mão-de-obra — reconhecido em todo o universo agrícola do cacau e fora dele. Durante a prática da remoção de árvores de sombra, orientada por Paulo Alvim, com a injeção de Tordon 101, com um aplicador manual especial que funcionava como um injetor, eram ministradas doses em torno do tronco da árvore de sombra. A depender do diâmetro da árvore era requerida maior ou menor quantidade do arboricida. A prática era simples e não tinha os problemas de antigos “roletamentos” como era tradição arcaica. Mas toda inovação traz a sua dose de risco, no 110 caso dos trabalhos feitos nas plantações da Fazenda do CEPEC (700 hectares), os trabalhadores fizeram o serviço com tal rapidez, e a supervisão foi em certa medida negligenciada, de tal forma que em algumas roças foram retiradas mais árvores do que o necessário. O Paulo Alvim era técnico consciente de sua competência e de sua liderança, mas não assimilava com facilidade a presença e efetiva participação de pesquisadores das áreas sociais, notadamente economistas e sociólogos. Não chegava a acontecer um enfrentamento, mas ocorria com freqüência embates entre o “paradigma verde”(pedólogos, geneticistas, fisiologistas e entomologistas) e a menor equipe, o “paradigma vermelho”(economistas e sociólogos). Na realidade, olhando para trás, com correta visão e sem paixão, é difícil se encontrar uma posição radical de Paulo Alvim e dessa forma os pesquisadores das áreas sociais puderam ocupar espaços razoáveis no contexto institucional e regional da cacauicultura. No ano de 1968 a equipe de sócio-economia concebeu e preparou um documento “Análise Preliminar da Atuação da CEPLAC no Meio Rural das Regiões Cacaueiras da Bahia e Espírito Santo”, para a Coordenação Técnico-Científica e para a Secretaria Geral da CEPLAC propondo a realização de um Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira da Bahia, que pudesse servir de instrumento de trabalho para o 17 desenvolvimento regional . 111 O documento Análise Preliminar da Atuação da CEPLAC no Meio Rural das Regiões Cacaueiras da Bahia e Espírito Santo foi preparado em publicação limitada, com três volumes, que acabou por ser uma fotografia ampliada das Regiões Cacaueiras: aspectos físicos, demográficos, produção, comercialização, sistema viário, transportes, comunicação, aspectos institucionais. A publicação foi enviada, com antecipação, aos convidados para a participação no encontro que traria a Itabuna equipes de instituições como: SUDENE, com a sua experiência no planejamento regional do Nordeste; IEPE — com os estudos socioeconômicos do Rio Grande do Sul; ACAR-MG e Instituto de Economia da Universidade Federal de Viçosa, com apresentação de trabalhos na Zona da Mata de Minas Gerais. Os pesquisadores convidados, durante cinco dias tiveram a oportunidade de conviver com a realidade da Região Cacaueira, percorrendo em viaturas, diferentes recantos. Depois aconteceu o relato de cada instituição de seu “caso”, intercambiando informações técnicas, experiências e procedimentos, para as equipes locais de pesquisadores da socioeconomia, como também de extensionistas, que tiveram um papel relevante no encontro. Ao final do encontro se fez um verdadeiro “brain storm” para deixar um documento que indicasse à direção da CEPLAC — Coordenadoria Técnica-Científica, Coordenadoria Administrativa e Secretaria Geral — os caminhos para a efetivação do Diagnóstico Sócio-econômico da Região Cacaueira da Bahia. 112 Um perfil sócio-econômico para o Sul da Bahia Para trazer a importância e o apoio dado na seqüência dos trabalhos é preciso que se diga do importante papel vivenciado por Paulo Alvim ao aprovar e apoiar, em todos os momentos, o início do Diagnóstico Socio-econômico, a sua rápida conclusão e apropriação dos resultados para aplicação prática em políticas, planos e projetos. Para dar uma idéia da abrangência do Diagnóstico listam-se a seguir os títulos da Série Diagnóstico: Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira: 1. Solos da Região Cacaueira Aptidão Agrícola dos Solos da Região. 2. Dinâmica do Uso da Terra. 3. Reconhecimento Climatológico. 4. Recursos Hídricos. 5. Geologia Econômica e Recursos Minerais. 6. Recursos Florestais. 7. História Econômica e Social da Região Cacaueira. 8. Aspectos da Atividade Pesqueira. 113 9. Aspectos da Atividade Industrial. 10. Mão-de-Obra e Elementos de Relações de Produção. 11. Distribuição da Renda Regional. 12. Processo Produtivo do Setor Agropecuário. 13. Estrutura Agrária. 14. Estudo do Setor Público. A trabalheira, o tamanho das equipes, a qualificação do pessoal técnico e de apoio recrutados — uma equipe de enumeradores enorme — dá a idéia da magnitude deste trabalho essencial e que engrandeceu o perfil Institucional da CEPLAC. Nada disso teria sido possível se não tivesse havido uma participação franca, leal, de entre-ajuda entre “verdes” e “vermelhos”, desde a figura do Secretário Geral, Dr. Carlos Brandão, e dos Coordenadores Técnico-Científico, Paulo Alvim, e Administrativo, José Haroldo Castro Vieira. Outra atividade de pesquisa, na área sócio-econômica, que mereceu forte apoio de Paulo Alvim, foi o projeto “Estudo Comparativo da Renovação de Cacauais sob Dois Métodos de Plantio: Derruba Total e Plantio por Debaixo, 1969”. A técnica da “Fazenda Unitária” mostrou eficiência para investigar problemas de administração rural em pequenas fazendas. Ela capacita o investigador a exercer completo controle sobre a fazenda em experimento, não só em técnicas agrícolas, mas 114 principalmente na organização do trabalho, investimento do capital, requerimento de mão-de-obra, intensidade na aplicação de recursos e assim por diante. O experimento foi instalado em 1969, na Quadra “F” da Fazenda do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau. A área totalizando 45 hectares foi dividida em duas parte iguais, correspondendo cada parte a um método de renovação. À parte referente à renovação com derruba total atribuiu-se o nome de “Sempre Viva” e à renovação sob cacauais “por debaixo” da lavoura decadente, o nome de “Moroziana”. Cada uma destas partes foi, por sua vez, subdividida em 11 blocos de 2 hectares, exceto os blocos 11, com aproximadamente 2,5 hectares cada um. Depois de 11 anos de execução (1969 a 1980) foi feita uma avaliação pela equipe dos pesquisadores do CEPEC, dos resultados obtidos, ressaltando a análise agro-econômica e utilização de mão-de-obra no processo de renovação. Destacaram ademais a sazonalidade da mão-de-obra; a quantidade da mão-de-obra para a manutenção; produtividade /trabalhador/ano; rentabilidade econômica e ponto de nivelamento. Graças ao apoio prestado por Paulo Alvim se logrou dar continuidade ao estudo da renovação de cacauais, posto que todos entendiam dever haver um processo rotineiro e cíclico de substituição dos cacauais de baixa produtividade por variedades novas e mais produtivas. O experimento foi dado como encerrado pela Chefia do CEPEC em outubro de 1990. 115 Infelizmente, mesmo constando do PROCACAU — Diretrizes para Expansão da Cacauicultura Nacional, 1976/1985 — uma meta de renovação de 150 mil hectares de cacauais, mal foram adensados ou interplantados 41,6 mil hectares de cacauais. O experimento vulgarizou que existe uma metodologia científica para indicar o que é uma área para renovar. Nada das terminologias vazias de “decadente”, ou de cacaual “envelhecido”. O que se aprendeu é que se deve dividir a propriedade a renovar, em quadras ou roças, como tradicionalmente se faz, com o controle da produção de cacau em quilos/hectare; dimensionar a utilização de mão-de-obra, e apurar os desembolsos em efetivo. Somado o total das despesas e subtraindo dos ganhos em reais (produção em quilos x preço em real) ter-se-á a margem líquida, ou seja, os “lucros” ou “perdas”, para cada área. As quadras com maiores “perdas” (margens negativas) deverão ser renovadas em primeiro lugar; depois se identifica se os fatores que levaram às perdas podem ser corrigidos ou não. As quadras com maiores “lucros”, devem ficar em produção, aplicando-se, com segurança o pacote tecnológico recomendado pela pesquisa. Dessa forma se poderia falar com convicção de que “... Só cresce quem renova”. O Professor, PhD, Edward Schuh, da Fundação Ford, em relatório apresentado ao Dr. Paulo Alvim, relatou sobre a sua visita de outubro de 1970, sobre a Divisão de Sócioeconomia do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau: 116 “...Quando entrei em contato com a CEPLAC pela primeira vez, ainda não havia um programa de ciências sociais. O volume de pesquisa realizado é marcante, para um staff composto de tão poucas pessoas. O que talvez seja mais importante, é o fato de que o agrônomo Frederico Monteiro Álvares Afonso, tem o dom de perceber o que é relevante e importante. Conheço poucos programas de pesquisa no Brasil que têm sido tão eficazes a ponto de irem diretamente aos problemas-chave18.” Prédio sede do Centro de Pesquisas do Cacau CEPEC, Ilhéus, BA. Idealizado pelo Dr. Paulo Alvim, o CEPEC hoje coordena o Programa Nacional de Pesquisa do Cacau e interage com unidades executoras dos Estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Maranhão, Mato Grosso e Espírito Santo. A integração se estende também a diversas universidades (Universidade Federal de Viçosa, Universidade Estadual de Santa Cruz, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz, Universidades Federais da Bahia e de Lavras e Universidade Estadual do Norte Fluminense), e às instituições de pesquisa (Embrapa, CNPq e Finep) e empresas privadas. 117 CEPLAC chega à Amazônia Paulo Alvim, ecofisiologista graduado pela Universidade de Cornell, bem sabia que o cacaueiro é uma planta brasileira nascida na região Amazônica, onde se encontra o maior patrimônio botânico-ecológico do planeta e a maior reserva genética da espécie Theobroma cacao. Da Amazônia o cacaueiro subiu pelo Continente, chegou até os Maias e Astecas, civilizações que sublimaram o seu cultivo e consumo, denominando o seu fruto de “alimento dos deuses” e criando o tchocolat. Após Cristóvão Colombo, o cacaueiro foi levado a outras terras tropicais da África, Ásia e Oceania. Nada portanto a estranhar que o pesquisador Paulo Alvim jogasse todo o seu prestígio na empreitada de fazer a CEPLAC chegar à Amazônia. Contando com o apoio irrestrito do Coordenador Administrativo, José Haroldo Castro Vieira, e com a total aprovação do Secretário Geral da CEPLAC, Carlos Brandão, fez chegar os serviços experimentais da CEPLAC a Belém, em 1965. A parceria com o IPEAN — Instituto de Pesquisa e Experimentação da Amazônia (hoje CPATU) dedicou os esforços institucionais à missão de coletar material botânico de cacau para introduzir na Bahia. Nasceram assim os Serviços Experimentais em Belém. Em Cametá, trabalhando nas áreas 118 de várzeas do rio Tocantins, atendendo também a Mocajuba, surgiu o ASTECCA — Assistência Técnica em Cametá, que respondia por uma produção de umas 3.000 toneladas de cacau seco/ano. Novo campo de atuação foi feito em Manaus, Amazonas, com a criação dos Serviços Experimentais em Manaus, em 1970, conveniado com o IPEAAOC — Instituto de Experimentação Agrícola da Amazônia Ocidental (atual CPAA), para estudar o comportamento do cacaueiro em solos pobres, típico latossolos da Região Amazônica. Não se tratava de incentivar o plantio de cacauais, que eram explorados de forma extrativista nas várzeas dos rios amazônicos. Por solicitação do Deputado Paulo Nunes Leal, feita à direção da CEPLAC, em 1970, foi realizado estudo sobre as possibilidades para o cultivo do cacaueiro em Rondônia. Em abril de 1971 foram instalados os Serviços Experimentais em Rondônia, no Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto, do INCRA, situado a 330 quilômetros de Porto Velho, às margens da Rodovia Cuiabá/Porto Velho, a BR-364. Foram estudados por cinco anos, em parcelas demonstrativas - de um e dois hectares - para observar o comportamento dos cacaueiros híbridos, junto aos colonos já assentados pelo INCRA, e instalar Campos de Produção de Sementes Híbridas. Somente depois desses cinco anos é que se começou a financiar, com o apoio do Banco do Brasil, o plantio de áreas comerciais, com módulos de dez hectares por família. 119 Em Rondônia é muito freqüente a ocorrência de cacauais nativos nas matas interiores, como os da BR-364, no vilarejo Cacoal (uma corruptela de Cacaual), e outra à margem da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no lugarejo denominado Chocolatal. Eram matas de cacau de “virar o machado”, uma árvore cortada direita e uma outra cortada à esquerda, indicavam a densidade das árvores, vieram a corroborar a indicação correta de que Rondônia é um bom lugar para o plantio de cacauais. Estava assim, graças à clarividência e criatividade do cientista Paulo Alvim, a caminhada do cacau em terras amazônicas. Paulo Alvim, o Coordenador Científico da CEPLAC, em um de seus trabalhos escreveu: “É curioso observar que a Amazônia, apesar de não ter ainda logrado alcançar o seu desenvolvimento econômico, já contribuiu deforma decisiva para promover o desenvolvimento de outras regiões. Essa contribuição veio através de duas espécies nativas, a seringueira e o cacaueiro”. “Na Malásia, o cultivo da seringueira, levada desta parte para as colônias britânicas, possibilitou uma melhoria sensível nas condições de vida das populações rurais. Os países africanos — Ghana, Nigéria, Costa do Marfim e Camarões — hoje lideram a produção mundial de cacau”. “Por quê”, pergunta Alvim, “a Amazônia não logrou promover o seu próprio desenvolvimento econômico e social com essas espécies nativas — a seringueira e o cacaueiro — que 120 tanto fizeram em outras localidades também de clima tropical? “Seria o caboclo da Amazônia inferior ao negro africano, ao nativo da Malásia? “Ou seria a nossa situação econômica em alguma forma diferente se a Amazônia fosse gerida pelos 19 gringos, colonizadores da Malásia e da África? ” O mesmo Paulo Alvim, concluindo responde: “... será totalmente impossível planejar com segurança o desenvolvimento da Região Amazônica, como de qualquer outra, seja com o cacau ou seringueira, sem antes contarmos com instituições de pesquisa e de assistência técnica do mais alto nível, capazes de fornecer o embasamento para a ação que viria a arrancar a Região do estágio de atraso, de economia de recoleção e das condições de pobreza e infra-humanas em que ainda vivem os caboclos da Amazônia”. Foi a partir dessas premissas que Paulo Alvim, através da CEPLAC, fez nascer os Serviços Experimentais em Belém, os Serviços Experimentais em Manaus, e os Serviços Experimentais em Rondônia, acoplados a Serviços de Extensão e Assistência Técnica. Já no início da década do ano 1730, o cacau tinha se tornado o principal produto de exportação da Amazônia — o Pará — e o principal berço das sementes que deram origem aos grandes cultivos da Bahia, permitindo que viesse a se tomar um dos grandes produtores nacionais de cacau. Foi o estado do Pará, objeto das primeiras ações da CEPLAC para incentivar o cultivo do cacaueiro. 121 Ao chegar a Belém, o pesquisador designado por Paulo Alvim ficou alojado na Divisão de Solos, do IPEAN — Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuária do Norte, então chefiada por Ítalo Cláudio Falesi, também especializado em pedologia. A acolhida foi das mais simpáticas, e as portas do IPEAN ficaram escancaradas para a CEPLAC. A tarefa do pesquisador do CEPEC passava longe de sua formação básica: de “soleiro” passaria a “melhorista”. Na verdade, o seu mandato tinha a ver com a coleta de material botânico do cacau silvestre, nas matas do Pará, e a multiplicação de materiais importados do Imperial Colege of Tropical Agriculture, de Trinidad. O CEPEC, da CEPLAC, tinha como projeto básico fazer o alargamento da base genética do cacaueiro da Bahia, que era muito estreita. Não tinha a CEPLAC nenhum compromisso de incentivar o plantio de cacauais no Pará. Era, muitos diziam, uma atitude colonialista: beneficiar a produção da Bahia, à custa da presença de um técnico seu em terras paraenses. Uma grande mudança quanto à política do cacau na Amazônia, e especialmente no Pará, foi a criação, pela SAGRI — Secretaria de Agricultura, sob a liderança do professor Eurico Pinheiro, do “Projeto Cacau Pará, 1971—1973”. Participaram da elaboração do Projeto Cacau Pará, técnicos da CEPLAC, do IPEAN, da SAGRI, do IDESP, da ACAR-Pará e do Banco do Brasil. Os trabalhos foram coordenados pelo próprio Secretário da Agricultura, professor Eurico Pinheiro. 122 Quando do lançamento do Projeto Cacau Pará, em 1971, o professor Eurico Pinheiro convidou o Paulo Alvim para fazer o marketing do cultivo do cacaueiro, em Belém. Falar de suas vantagens ecológicas, econômicas e dos grandes benefícios regionais que dela resultariam. Além de participar em Seminários Técnicos e palestras, o professor Eurico Pinheiro incentivou Paulo Alvim a participar de um programa de entrevista na TV Liberal, que tinha como entrevistador Pierre Beltrand. O programa era dono de um IBOPE altíssimo, por isso, o professor Eurico Pinheiro se apressou em agendar o convite para Paulo Alvim. Lá pelas tantas o entrevistador, Pierre Beltrand, perguntou: — Dr. Alvim conhece a grande contribuição que a agricultura paraense está dando ao Brasil com o aparecimento do cupuaçu sem caroço? A mulher do campo, paraense, já não precisa trabalhar tanto, um trabalho cansativo, cortando com tesoura a polpa da amêndoa do cupuaçu. Seria igualmente proveitoso se aparecesse o caso de um cacaueiro que produzisse frutos sem sementes? Alvim — Meu caro jornalista, infelizmente não posso concordar com a sua proposta, no que toca ao cacau sem sementes... A semente do fruto do cacaueiro, uma vez colhida, fermentada, seca ao sol, tostada, triturada, se transforma na matéria-prima do chocolate. O chocolate é um produto nobre; é energia, anima a vida; é gostoso e alimenta. Fiquemos apenas com o caso do cupuaçu sem sementes... 123 Na oportunidade foi “apresentada” uma das mais famosas comidas regionais do Pará, o “tacacá”. O tacacá é uma comida que é feita com ingredientes tipicamente amazônicos: um caldo amarelado, o tucupi, que é extraído das raízes de mandioca, ralada em “caetitús”, depois prensada. De um lado sai o tucupi, e, do outro fica no caixão de madeira, uma massa que servirá para fazer a farinha, depois de torrada em fornos rústicos. Outro ingrediente é a goma, feita a partir da mandioca, que é acrescentada de água ficando como que um grude. O “jambu” é uma folhagem, também conhecida como agrião-dopará, utilizada pelos indígenas e caboclos, como condimento em suas comidas (o pato-no-tucupi, por exemplo, leva o jambu). A suas folhas e flores amarelas, têm o poder de anestesiar a boca quando mastigadas ou comidas. E por último o camarão seco e salgado. Toda essa beberagem é comida, muito quente, misturada, servida em pleno sol a pino do meio-dia, nas barracas colocadas em lugares estratégicos, em ruas e praças de Belém e outras cidades da Amazônia. Lá, todo o mundo se delicia com o tacacá. Levado a conhecer o tacacá, Paulo Alvim foi indagado pelo amigo paraense: “Paulo Alvim, tacacá?” Ao que respondeu jocosamente o cientista: “Não, tá cocô”. Nada amazônico o nosso Paulo Alvim. Uma observação valiosa do que pode fazer o agricultorinovador, vivendo intensamente os problemas do seu dia-a124 dia, é o que nos deu o agricultor da Transamazônica, José Osmar do Couto, ou José Gaúcho, desenvolvendo um sistema agroflorestal na Fazenda “Sentinela do Progresso” localizada na BR-230, quilômetro 107, na entrada do travessão que leva à Estação Experimental da CEPLAC (ESPAM), “Dr. Paulo Morelli”. O lote é do Projeto Integrado de Colonização Altamira, e foi entregue a José Gaúcho, por volta de 1971/72. Em 1975/76, quando José Gaúcho voltava de Altamira, passou por um viveiro de mudas do IBDF — Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal e pensou em ganhar algumas mudas de fruteiras; mas o viveiro era de mudas de mogno (Swietenia macrophylla); José Gaúcho causou boa impressão no técnico do IBDF, que lhe ofertou 300 mudas de mogno, dizendo que tinham interesse em pessoas que se dispusessem a funcionar como viveiristas, para experiências florestais. Impressionado com o crescimento das mudas, e tendo aprendido que o mogno é uma madeira de boa qualidade, de muito valor econômico, aí por volta do ano de 1981, mandou um empregado seu coletar sementes de mogno, no quilômetro 240, perto de uma serraria. O trabalhador coletou 9.500 sementes; José Gaúcho fez um viveiro e, depois, plantou as mudas numa roça de cacau com 40 hectares, sendo 70% implantado em solo tipo Terra Roxa Estruturada Eutrófica, e 30% em Podzólico Vermelho Amarelo Distrófico. No sombreamento provisório foi utilizada a bananeira e no sombreamento definitivo mudas de mogno plantadas em 125 espaçamentos diferenciados de 9 x 9 metros e 12 x 12 metros, quando o cacaueiro apresentava em torno de três anos de idade. Segundo o José Gaúcho, em ambas as densidades não houve diferença para o crescimento do mogno. A Hypsiphylla grandella sendo a praga mais importante e limitante para o cultivo do mogno, não prejudicou o crescimento vegetativo do mogno quando associado ao cacaueiro já implantado. Alvim na amazônia vê SAF Mogno x Cacau.(1977) 126 No final do período chuvoso de 1997, mês de maio, Paulo Alvim visitou a plantação de mogno do José Gaúcho, na Transamazônica, em companhia de um pesquisador da CEPLAC/Belém, Paulo Júlio Silva Neto 20. As árvores de mogno estavam com 22 anos, com uma circunferência de 2,10 metros, ou 0,70 metros de diâmetro - o José Gaúcho abraçou uma árvore e precisou mais dois palmos para fechar a circunferência. Estimava-se que aos 30 ou 40 anos, estariam em condições de ser cortadas, com um rendimento de dois metros cúbicos de madeira por árvore. Em cada hectare de cacaual, estavam p1ntadas, no espaçamento 9 X 9 metros, 123 árvores de mogno, que com dois metros cúbicos cada, dariam 246 metros cúbicos por hectare. O preço de comercialização, nos travessões da Transamazônica, era de US$500 por metro cúbico; assim, cada hectare de cacaual sombreado com mogno, obter-se-ia um rendimento de US$123.000 que ao câmbio de outubro de 2004, de R$3,00, resultaria em uma entrada bruta de R$369.000, suficientes para renovar os cacauais, formar novas áreas de cafezais, ou formar pastagens, ou para qualquer outra atividade que José Gaúcho viesse a escolher. Tudo como resultado da “poupança mogno”, que nascera pela criatividade e espírito inovador de um agricultor-pesquisador e o apoio da Ceplac. A explicação da EMBRAPA e da CEPLAC para o bom resultado obtido foi a de que, como José Gaúcho fizera o plantio do mogno por debaixo do dossel dos cacaueiros (em torno de 127 três anos de idade na época de plantio do mogno) o ataque da broca do olho terminal, (Hypsiphylla grandella), não impediu o crescimento das árvores de mogno. Paulo Alvim, que visitou a plantação — para comprovação se publica uma fotografia do pesquisador junto às árvores de mogno e do cacaual — já anteriormente demonstrara interesse neste rendoso sistema agroflorestal mogno + cacaueiro — tanto assim que importara e distribuíra sementes de mogno negro trazido da África, mais tolerante ao ataque da broca. Através de palestras e notícias publicadas fez o chamamento para que os pesquisadores nunca deixassem de observar a opinião correta dos agricultores. Já o cultivo do cacaueiro no estado do Amazonas não obedeceu ao direcionamento de produção comercial de cacau. Por orientação do Coordenador Técnico Científico, Paulo Alvim, o início dos trabalhos da CEPLAC, no Amazonas, teve o sentido científico de estudar o plantio do cacaueiro em solos de terra firme, pobres, avançando conhecimentos que pudessem ser úteis à grande extensão de terras, nessas condições de pobreza mineralógica, na Amazônia. Como fatos marcantes da pesquisa na Estação Experimental do Km 30, da Rodovia Torquato Tapajós, com uma área de 50 hectares, situada em área do IPEAAOc, é dever destacar o projeto de pesquisa de Paulo Alvim, em convênio com o INPA-Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia, abrigado no PTU- Projeto do Trópico Úmido. Contemplava os sistemas de plantio de cacau em trilhas nas capoeiras e sob mata raleada, sistemas considerados ecologicamente corretos, 128 porém de baixa produtividade e de resultados econômicos duvidosos. A simples reciclagem de nutrientes, oriundos das espécies da capoeira e da mata primária, não era suficiente para possibilitar produtividade em torno de 800 quilos por hectare. Esses 800 quilos/hectare são facilmente obtidos nos experimentos implantados de acordo com as recomendações da CEPLAC. Fugir das terras firmes para as terras de várzeas pareceu uma saída. No estado do Amazonas, no município de Parintins — a terra do bumba-meu boi — foi o pioneiro da cacauicultura. Coube a José Pedro Cordovil, ainda no período colonial, ser o grande incentivador da cultura. Em relatório de 1917, referia-se o então Superintendente de Parintins, à existência de um campo experimental para incentivar os agricultores. As plantações de Parintins eram todas feitas nos aluviões dos rios Amazônicos, em terras férteis, porém sujeitas a grandes enchentes. “As duas grandes enchentes de 1920 e 1921 causaram enormes prejuízos aos cacauais. Após o dilúvio fluvial, foi considerável o número de árvores que pereceram.” Escreveu José Pedro Cordovil em seu relatório, que avaliou a existência de 488 mil pés de cacau, e a exportação do município de Parintins no qüinqüênio 1917-1921, de 1.770 toneladas, resultando uma produção média de 350 toneladas/ano. 129 Deve-se considerar que a cacauicultura das várzeas constitui um acervo “in situ” da biodiversidade do cacaueiro e de outras espécies consorciadas, e que, em alguns locais, tem sofrido erosão genética devido à substituição da atividade cacaueira extrativista pela pecuária nas várzeas, situação essa facilmente comprovada em vários lugares às margens dos rios Amazônicos. A primeira ação para cultivar o cacaueiro em terras de Rondônia foi do Dr. Cezar Catanhede, Presidente do IBRA — Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, quando, em 1968 solicitou ao Paulo Alvim, Diretor do Centro de Pesquisas do Cacau, da CEPLAC, que se estudasse a viabilidade do cultivo do cacaueiro em terras Nambiquaras. A CEPLAC chegou a apoiar a iniciativa, designando um pesquisador e um extensionista para viajarem a Rondônia a fim de examinar as possibilidades do meio ambiente. Quando a resposta de Paulo Alvim chegou ao IBRA, já não estava mais na Presidência o Dr. Cezar Catanhede, e a tão conhecida descontinuidade administrativa fez cair no vazio a iniciativa. No final de 1969, o Deputado Federal Paulo Nunes Leal, eleito por Rondônia, pleiteou junto ao Secretário-Geral, José Haroldo Castro Vieira, que se fizessem estudos sobre as possibilidades da cacauicultura em Rondônia. O Coronel usou, junto ao Secretário-Geral da CEPLAC, como argumento, que as matas de Rondônia eram ricas em populações nativas de cacauais; existiam “... verdadeiras matas 130 de cacau”, dizia o Coronel e Deputado Federal Paulo Nunes Leal. O Secretário-Geral, José Haroldo Castro Vieira, designou o agrônomo Frederico Monteiro Álvares Afonso, por ser filho de Rondônia, para a execução da missão. Os resultados da missão ficaram explicitados no documento “Possibilidades da Implantação de Cacauais no Território Federal de Rondônia’’. Relatório de Viagem Realizada em Julho-Agosto de 1970. CEPLAC — Centro de Pesquisas do Cacau, 1970, 71 p. Daí em diante, foram trocas de correspondências, os ajustes burocráticos entre INCRA e CEPLAC e a indicação de Frederico para vir ter a Rondônia a fim de apoiar a Colonização Ouro Preto, do INCRA. “No dia 21 de abril de 1971, a CEPLAC descobriu Rondônia para o cacau” É interessante informar que muito antes da CEPLAC chegar a Rondônia para estudar os solos do Território, eles já haviam sido reconhecidos por Klaas Jan Beek e Jacob Bennema, da FAO — Food and Agriculture Organization of the United Nations, publicado em 1966. O relatório, “Soil Resources Expedition in Western and Central Brazil”, dizia em inglês, que transcrevemos no original para não corrermos o risco de perder informação: “Special attention was given to soils with an apparently higher nutrient status, these were expected to be the more promising for eventual agricultural colonization projects. These soils have been complete described and the samples 131 which were taken have been analysed in lhe laboratory of the DPFS (Divisão de Pedologia e Fertilidade dos Solos). The Eutrophic Reddish Brown Lateritic were the best soil seen during the expedition for traditional management. They are favored by their location on the new Cuiabá/Porto Velho road, and these soils could produce an important part of entire agricultural needs of the western Brazil”. Paulo Alvim quando visitou o Projeto Ouro Preto, em Rondônia, no dia 5 de julho de 1971, afirmou: “É uma grande honra e um prazer deixar nesta página de abertura as impressões de minha visita de dois dias aos trabalhos do INCRA na Colonização “Ouro Preto”. Há muito tempo que venho me batendo pela necessidade de conquistarmos os trópicos da Amazônia brasileira com os recursos da Ciência Agronômica. Os técnicos do INCRA estão dando uma lição ao vivo de como se deve realizar esta conquista. Os êxitos que estão sendo alcançados se devem sobretudo, ao acerto, à forma com que selecionaram os locais para a implantação do Projeto, e ao entusiasmo e dedicação dos dirigentes do Projeto. Não tenho dúvida em afirmar que a Colonização “Ouro Preto” vai se tornar conhecida em futuro próximo como o mais exitoso plano de desenvolvimento agrícola dos trópicos úmidos de que se têm notícias em nosso Continente. Minhas felicitações aos idealizadores do Projeto e aos colegas que se encontram à frente dos trabalhos”. 132 Visitando novamente o Projeto Ouro Preto, em 1976, Alvim introduziu sementes de Teca (Tectona grandis L.), a partir de sementes obtidas no Imperial College of Tropical Agriculture, de Trinidad e Tobago, matrizes consideradas de valor genético para produção de madeira. A Teca é uma espécie do sudeste asiático, de fácil cultivo e de rápido crescimento na região de Rondônia, cuja madeira tem alto valor de mercado em razão das suas excepcionais propriedades. É uma espécie de grande porte, atingindo até 50 metros de altura, com porte comercial de corte dos 22 aos 25 anos na Região Amazônica e aos 50 anos na região de origem. Estima-se que no estado de Rondônia existam cerca de três milhões de árvores plantadas de Teca. Destas, parte significativa deve ter sido formada com sementes ou mudas procedentes da Estação Experimental da Ceplac - ESEOP, localizada em Ouro Preto do Oeste -RO, pois, se estima em mais de 1,5 milhões de propágulos (sementes e mudas) produzidas e distribuídas no decurso das duas últimas décadas. As primeiras sementes trazidas de Trinidad e Tobago por Paulo Alvim foram semeadas na ESEOP, onde, em 1976, foi instalada uma coleção de teca com o nome de Paulo Alvim, em homenagem ao introdutor da espécie no Brasil. Mais uma valiosa contribuição do cientista Paulo Alvim. 133 EMARC - Uruçuca Paulo Alvim recebendo homenagem da Superintendência Regional de Rondônia, na Sede da Emarc - Uruçuca/BA. A homenagem foi gravada em uma placa de prata fixada sobre secção transversal de árvore de teca. ESEOP - Rondônia Coleção de cultivares de teca (Tectona grandis) instalado na Estação Experimental da Ceplac, localizada em Ouro Preto do Oeste, Rondônia. 134 50 anos de PhD Por ocasião da comemoração dos CINQUENTA ANOS DE PhD EM FISIOLOGIA VEGETAL — Paulo Alvim recebeu merecidas homenagens no auditório do CEPEC, em Itabuna. Na ocasião seu amigo de todas as horas no Escritório Central de Coordenação da CEPLAC, José Haroldo Castro Vieira, escreveu para o jornal “AGORA”, da semana 31 de outubro a 06 de novembro de 1998, duas estórias, que ilustrassem o seu “savoir faire” 21 . A primeira foi intitulada “Eu queria ser uma vaca”. Aconteceu em Manaus. Era um seminário que reunia especialistas, os quais deveriam produzir um documento indicando as melhores alternativas para uma ocupação econômica da Amazônia. Paulo Alvim estava na mesa diretora, ao lado de um técnico brasileiro em pecuária, bastante conhecido por sua pose e capacidade oratória. Ambos eram conferencistas e amigos, e um iria falar após o outro. Ao se expressar, o defensor ardoroso da pecuária, com voz tonitruante e vibrantes gestos de político demagogo, sugeriu a ocupação da Amazônia através da pata do boi, com a substituição gradativa da floresta por intermináveis pastos. Recebeu aplausos pela oratória, pois, de pronto, a assistência não atinou para a estupidez da proposta. O técnico agradeceu, 135 sentou-se, e o Alvim, para surpresa geral, polidamente sério, o cumprimentou. Em seguida, de pé, fria e irreverentemente, iniciou a sua sugestão com as seguintes palavras: “... Eu queria ser uma vaca, pois, a prevalecerem os conselhos do orador que me antecedeu, no Brasil é melhor ser boi ou vaca do que gente. Aqueles têm melhor tratamento que as pessoas e as plantas. Podem observar: preocupamo-nos com a sua alimentação e peso, não existe vacas famintas, analfabetas e desempregadas e nem bezerros de rua. Governo e técnicos não podem tratar melhor as vacas que as pessoas”. E por aí foi, seriamente desmoralizando a fala de seu amigo, que havia cometido a heresia de sugerir a ocupação da Amazônia com a pecuária, condenando a floresta ao desaparecimento. Depois o Alvim foi desenvolvendo a sua teoria de ocupação por uma agricultura associada à floresta, preservando-a e não encaminhando aquela vasta área à desertificação pura e simples. Aplaudido de pé. O técnico seu amigo não gostou. As vacas também. Outra estória de Paulo Alvim contada por seu companheiro do Escritório Central de Coordenação da CEPLAC, José Haroldo, e de cunho internacional. Conta “À noite em Ibadan (A vassoura-de-bruxa e outras histórias)”. Esta aconteceu na África. Zé Haroldo e Paulo Alvim viajavam por toda a região cacaueira africana observando programas de pesquisas e extensão agrícola. Já haviam 136 percorrido a Costa do Marfim, os Camarões e Ghana e se encontravam na Nigéria. Estava a caminho de Ibadan, a maior cidade negra de todo o mundo, quando souberam que na Estação Experimental de Gainbari, objetivo principal da viagem, havia acontecido uma greve de fortes repercussões, prisões de agrônomos e trabalhadores, tendo se instalado um inquérito militar. Chegaram à noite, de táxi, e ao percorrer as cercanias da estação — oito quilômetros fora da cidade — tendo encontrado tudo às escuras, temeram por um assalto e resolveram ir procurar o hotel para ficar a primeira noite, embora soubessem que nas acomodações da Estação estavam a esperá-los. No único grande hotel da cidade não havia uma só vaga. Percorreram várias pequenas pensões. Péssimas todas elas. Afinal, depois de muito procurar, encontraram algo modesto, porém limpo, uma única cama de casal num quarto amplo com ventilador no teto. Uma negra gorda lhes atendeu, serviu água e foi muito solícita. Ali dormiram lado a lado. No dia seguinte cedo partiram para a Estação. Realmente havia inquérito, muitos soldados e policiais protegiam as salas. Tiveram uma acolhida extremamente cordial do Mr. O'Pick, chefe da Estação. Alvim era velho conhecido e muito querido, como em todos os lugares do mundo. Após os abraços, O'Pick pergunta: - Vocês deveriam chegar ontem, o que houve? Alvim historiou o todo ocorrido e O'Pick retrucou: - Mas onde vocês dormiram? 137 E Alvim acrescentou: LIZY GUEST HOUSE. - Sorrindo muito, O'Pick informou: Gente, vocês dormiram em uma casa de encontros amorosos. Foi aí que o Zé Haroldo lembrou-se que realmente havia uma luz vermelha na porta de entrada. Parece que a coisa é um código universal. Até hoje a negra gorda deve estar a perguntarse: Quem seria o brasileiro bicha? Paulo Alvim ou Zé Haroldo? * * * Paulo Alvim já foi distinguido com muitas honrarias: orador de sua turma na conclusão do Curso Secundário, Colégio Brasileiro, em Ubá; orador da turma de 1940 de engenheiros agrônomos da UFV — Universidade Federal de Viçosa; Medalha Agrícola Interamericana 1979, concedida pelo IICA — Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas. Ao desvincular-se do IICA disse em uma carta endereçada ao Diretor-Geral, José Emílio Gonçalves de Araújo: “Deixar o IICA foi para mim uma decisão muito difícil de tomar. Na verdade, não me lembro de haver relutado tanto, nem haver demorado tanto tempo para decidir sobre o que deveria fazer. Não foram as dúvidas nem as incertezas do futuro que me fizeram titubear. O verdadeiramente difícil foi enfrentar essa sensação incômoda de separar-me de uma instituição à qual estive tão intimamente ligado por mais de 26 anos, ou mais precisamente, 26 anos e três meses” 22. 138 Pessoa simples; grandes amigos Presente às comemorações do 81º aniversário da fundação do Ginásio São José, Dr. Paulo Alvim, cientista e botânico citado em publicações especializadas mundialmente, o nosso ilustre convidado veio com a comitiva do ex-aluno e secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Dr. Ângelo Oswaldo de Araújo Santos. Paulo Alvim chegou dia 22 de agosto de 1986, à noite, e dia 23 pela manhã dirigiu-se à Fazenda Boa Esperança e foi surpreendido pela visão de uma faixa saudando sua presença e sua primeira exclamação foi de alegria: “Jamais vi meu nome colocado numa faixa nas ruas de minha cidade natal...”. Para atestar sua satisfação fez questão de tirar inúmeras fotografias da faixa posando com seus amigos. Ao terminar as cerimônias comemorativas pediu para levar a faixa como lembrança. Que sensibilidade a de Paulo Alvim! Nunca é demais desenhar o perfil de Paulo Alvim a partir de depoimentos de pesquisadores, liderados seus, na atividade de pesquisa no CEPEC. Um deles, Emo Ruy de Miranda 23 , especialista em nutrição mineral, afirma que nas reuniões técnicas semanais de avaliação que dirigia, Alvim não se cansava de chamar a atenção dos agrônomos, para: “a classe agronômica tem criticado os governos porque não tem 139 recebido recursos financeiros e de materiais para conduzir um programa técnico-científico de interesse para as diferentes regiões brasileiras. Isto não é mais desculpa, pois para o caso do cacau, temos inúmeros problemas, porém, paralelamente temos recursos financeiros e de materiais à disposição da classe agronômica para apresentar técnicas agronômicas capazes de contribuir para transformar a cacauicultura brasileira como um modelo a ser copiado por outros países”. Adianta ainda Emo Ruy de Miranda, que ocupou por alguns anos o importante posto de Secretário-Geral da CEPLAC, que ao longo dos anos o programa de treinamento ocupou lugar de destaque no orçamento da CEPLAC, permitindo que a instituição pudesse, na década de 80, contar com mais de 140 profissionais, com títulos de MSc e PhD, nos diferentes campos da Agronomia. Tal dado indicava que a instituição tinha preparado seus profissionais para dar o suporte técnico-científico necessário ao fortalecimento da cacauicultura nacional. Paulo Alvim estimulava os pesquisadores a assumir a responsabilidade das tarefas executadas por eles. De certa feita incentivou Emo Miranda a participar de um Congresso Nacional de Solos, que seria realizado em Sete Lagoas, Minas Gerais, e que se preparasse para viajar em companhia dele para participar do evento. Uns três dias antes da viagem Paulo Alvim chamou-o ao seu gabinete e comunicou que não poderia viajar para o Congresso de Solos e que: “... você 140 vai ficar responsável pela apresentação do trabalho. Não tenho dúvidas que você se sairá bem, pois você já teve a oportunidade de apresentar este trabalho para mim. Faça-o igual, em Sete Lagoas, pois tenho certeza que você se sairá muito bem”. Emo foi ao Congresso Nacional de Solos — a primeira participação formal como pesquisador em um evento — com mais de 500 participantes, entre pesquisadores, agrônomos, e estudantes estiveram presentes e a apresentação foi considerada boa e o trabalho muito elogiado, principalmente pelos especialistas em fertilidade de solos presentes. Fugindo um pouco da abordagem dada ao documento “Paulo Alvim: Mestre e Amigo”, de não personalizar citações e referências, é importante citar o depoimento do pesquisador Manuel Tourinho, graduado em nível de MSc em Turrialba, IICA, no Curso de Dessarrollo para el Desenvolvimento, e depois, em 1978, graduado em Sociologia nos Estados Unidos, Universidade de Wisconsin. Diz o Professor Manuel Tourinho: “... ao fazer esses breves relatos da conduta de Paulo Alvim, quero reconhecer o papel que ele teve na minha formação acadêmica e carreira profissional. Se nunca quis abraçar qualquer conduta que não fosse a científico-acadêmica; se nunca aceitei trabalhar com a iniciativa privada; se nunca quis ter sequer um só palmo de terra no Sul da Bahia; e nos cargos públicos que exerci, na CEPLAC, ou fora dela, como professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Diretor Nacional da EMBRAPA, Reitor 141 da UFRA - Universidade Federal Rural da Amazônia e membro do Board de Diretores do CATIE — Turrialba, Costa Rica, o fiz com a mais absoluta responsabilidade e procurando o exercício competente, devo muito ao Paulo Alvim. Ele imprimiu na minha personalidade um enorme carinho pela ciência, coisa que faço até hoje com enorme zelo, dedicação e gosto” 24. * * * Paulo Alvim, jamais se empenhou em ocupar cargos e posições para angariar compensações financeiras, ou agregar salários. Uma única atividade paralela que tentou, foi a de se tornar produtor de cacau em terras de Rondônia. Adotou essa iniciativa para “dar força” à iniciativa governamental (INCRA) e servir de garoto propaganda para a da Licitação da Gleba Burareiro. Paulo Alvim adquiriu através de um contrato de Concessão de Domínio de Terras Públicas com o INCRA, número 19, de três de juho de 1981, um lote de terras com uma área de 507 hectares. Era o lote 94 localizado na Gleba Licitação Burareiro, situada no município de Ariquemes, Rondônia. Chegou a fazer em dois anos seguidos derrubadas de matas, e a plantar uns poucos hectares de cacauais, mas o empreendimento não deu certo, não frutificou. O absenteísmo tornou inviável a atividade do cientista Paulo Alvim, como de tantos outros empresários. 142 Até o ano de 1982 os licitantes da Gleba Burareiro de Ariquemes objetivava, através do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), via Edital 0170 de 28 de novembro de 1979, Processo Administrativo 4170/80, representavam 9.071 hectares e envolviam 146 empresários, entre os quais Paulo Alvim, com uma área média, dentro do estrato, de 55 hectares de cacauais. Essa categoria de grandes plantadores de cacau em Rondônia detinha uma participação de 20% do total da área cultivada em Rondônia. É mister informar que a instrução do INCRA era de que cada licitante somente poderia plantar 50% do seu lote de 500 hectares, de acordo com o Código Florestal para as áreas da Amazônia. Paulo Alvim ingressou no IICA — Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas em 1951, ali permanecendo até o ano de 1977; 26 anos. Iniciou seus trabalhos em Costa Rica — Turrialba — como pesquisador e professor na Escola de Pósgraduação do IICA, no período 1951 a 1955; de 1955 a 1963 trabalhou como pesquisador e professor de agricultura tropical e fisiologia vegetal, na Zona Andina do IICA em Lima, Peru. Entre 1963 e 1977 foi Diretor Técnico da CEPLAC, cedido pelo IICA, em convênio, com o Governo do Brasil, como responsável pelo planejamento e instalação do CEPEC e outros departamentos técnicos da CEPLAC. Ao todo foram 26 anos de dedicação ao IICA. A partir de 1977 ingressou na CEPLAC contratado como Diretor Técnico-Científico tendo se aposentado, compulsoriamente, em 1991 com 14 anos de atividades. 143 Fundação Pau Brasil Como Professor Honorário da UFBA, Alvim orientou estudantes de mestrado nos laboratório de Fisiologia Vegetal do CEPEC e, uma vez aposentado, passou a se dedicar à Fundação Pau-Brasil, da qual foi seu presidente, até o ano de 2006, com mais de 15 anos de atividades científicas. A FUNPAB — Fundação Pau-Brasil 25 , foi criada nos termos das Atas das reuniões realizadas por seus instituidores, em 15 e 21 de março de 1990, é uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que se rege por seu Estatuto e pela legislação aplicável às organizações fundacionais brasileiras. A FUNPAB tem, em geral, os objetivos de estudo, desenvolvimento social, econômico, científico e tecnológico, em apoio à CEPLAC — Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, e, especificamente, planejar, promover e executar ações pertinentes: a) - à conservação da Natureza na Região Sul da Bahia, visando ao melhor uso dos recursos naturais renováveis e ao pleno desenvolvimento da cultura regional, sem prejuízo para as atividades de uma agricultura sustentável; e contribuindo para a permanência dos recursos naturais de valor paisagístico, cultural, histórico, ético e estético. 144 b) - à preservação de áreas da Mata Atlântica na mesma Região, contribuindo para a perenização do patrimônio natural e cultural, buscando assegurar a biodiversidade nos ecossistemas e a conseqüente garantia dos processos naturais, o equilíbrio ambiental e o bem estar social. c) - à obtenção de recursos através de prestação de consultoria e/ou explorações econômicas no âmbito da agropecuária, extrativismo, industrialização e engenharia em seus diversos ramos, comercialização e outras atividades que se fizerem necessárias — a fim de complementar o adequado suporte financeiro ao melhor desenvolvimento dos programas de pesquisa e extensão da CEPLAC. Sobre alguns dos projetos da FUNPAB, algumas informações, sua secretária, Conceição Soledade 26 , organizou uma listagem das mais importantes ações desenvolvidas. Projetos concluídos - Seleção e geração de genótipo de cacauais resistentes à “vassoura- de - bruxa”. (ACRI). - Uso da biologia molecular na busca de variedades resistentes à “vassoura-de-bruxa” (Biomol). - Avaliação e seleção de material genético de Coffea canephora Pierre para a Região Atlântica da Bahia (ECOMAN). 145 - Comportamento do Coffea canephora cv conillon em um argisolo coeso sob diferentes sistemas de manejo e regime hídricos. Projetos em andamento - Projeto Mata Atlântica do Nordeste. - Melhoramentos assistidos por marcadores para resistência à “vassoura-de-bruxa” do cacau usando genes homólogos de resistência. - Sistemas agroflorestais. -Sistemas de apoio para decisões para manejo sustentável de ecossistemas de áreas rurais em floresta úmida do Atlântico (ECOMAN). - Diferenças genotípicas em cacau e seu uso eficiente de nutrientes e controle de doenças. - Programa Pau-brasil. -Melhoramento do cacaueiro para produtividade e qualidade, um enfoque participativo. 146 Um homem de visão Uma das relevantes contribuições para a formatação da CEPLAC, e o seu famoso tripé (pesquisa + extensão rural + educação) foi a contratação de pesquisadores, extensionistas e educadores altamente qualificados, experimentados e com cursos de pós-graduação a nível de Msc e PhD, que pudessem contribuir para o treinamento em serviço do quadro que deveria ser, como foi, contratado pela CEPLAC. Para o quadro do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau, contratou o geneticista doutorado, PhD, Jorge Soria, equatoriano, originário do quadro do IICA, Turrialba, Costa Rica; Fernando Vello, brasileiro, geneticista, do quadro do Projeto ETA — 45, da Estação Experimental de Goitacazes, Espírito Santo; Eduardo Jimenez, PhD em fisiologia vegetal, conhecido e amigo de lá do IICA, do Paulo Alvim. Trouxe ainda, Basil Bartley, cidadão britânico, com um doutorado, para a assessoria do CEPEC e do DEPEA — Departamento Especial da Amazônia, na área de melhoramento do cacaueiro. Do Reino Britânico trouxe para o DEPEA, o PhD Charles Evans, fitopatologista, profundo conhecedor e experimentado pesquisador da enfermidade “vassoura-debruxa”. 147 O programa de capacitação do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau, da CEPLAC, começou nos anos 1962/63 com os primeiros profissionais sendo encaminhados para o Centro de Enseñanza e Investigación, do IICA, sediado em Turrialba, Costa Rica; para o Brasil – UFV, e para as Escolas com pós-graduação no Brasil e para os EUA. Para se ter uma idéia da grandeza da tarefa cominada pela CEPLAC, sob a orientação de Paulo Alvim, se procurou com a direção regional da Bahia (CEPEC, DEPEX e Departamento de Recursos Humanos) elaborar um quadro com o número de profissionais que foram capacitados, ano a ano, por tema de especialização, e universidade onde foi treinado). Desafortunadamente, vários acontecimentos impediram uma visão como desejaríamos, e como ela é importante para poder se avaliar a importância dada à capacitação e por quanto Paulo Alvim por ela se empenhou, além, é claro do volume recursos dispendidos. As informações foram organizadas pela área da Superintendência Regional da Bahia – CEPEC, DEPEX e EMARC – e pela área da Superintendência do DEPEA Departamento Especial da Amazônia. Na Bahia foram qualificados em diversas áreas 32 pesquisadores em nível de doutorado – PhD, e em nível de mestrado – MsC – 34 pesquisadores, totalizando 66 profissionais. O tempo de duração para o doutorado oscilou entre 148 quatro e cinco anos; enquanto que para o mestrado passou de poucos meses a mais de dois anos. No DEPEA – Departamento Especial da Amazônia, que hoje inclui a base científica de Belém e uns poucos especializados em Rondônia, o número total de capacitados foi de 39, estando repartidos entre 16 ao nível de doutorado – PhD – e 23 em nível de mestrado – MsC. Nunca é demais exaltar o espírito aberto, de colaboração, sempre disponível de Paulo Alvim. No processo de criação da EMBRAPA — Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, embora a velha guarda da EMBRAPA não goste muito de referir sobre isso, o papel de Paulo Alvim foi notável. A própria EMBRAPA e alguns de seus Centros de Produtos, foram inspirados no modelo CEPLAC/CEPEC. Paulo Alvim foi ainda o mentor do plano de Cargos e Salários, com a apologia da meritocracia. Inspirou também a EMBRAPA no Convênio Seminal EMBRAPA/IICA, dando os primeiros passos para um aguerrido plano de capacitação de pesquisadores, com recursos do Banco Mundial e Administração do IICA. 149 O parceirão Haroldo José Haroldo Paulo Alvim Paulo Alvim e o saudoso José Haroldo foram por cerca de três décadas os principais responsáveis pela condução das decisões científicas e administrativas da Ceplac. Dois grandalhões, beirando os dois metros de altura cada. Grandes e grandiosos. Tocavam por música; decidiam juntos. Verdadeiros amigos. Confiança absoluta um no outro, freqüentaram gabinetes nacionais e internacionais – ministros, presidentes, autoridades do universo do cacau – mas sempre se orgulharam em manter o gosto comum pelo contato direto com os produtores de cacau. Ouvia-os com atenção e respeito a suas demandas e preocupações. Alvim e Haroldo conduziram com muito acerto a relação entre Ceplac e produtores e, especialmente, a relação entre direção da Ceplac e funcionalismo. Ambos ficaram e ficarão para sempre na memória e no coração de todos. 150 E o cachimbo de Alvim? Puxa, o livro vai quase terminando e ninguém iria lembrar do cachimbo de Alvim? Pois bem, quem sofria de rinite alérgica – o colega Jorge Moreno que o diga – tinha certa dificuldade em trabalhar na mesma sala de Alvim. Ele não abria mão de, volta e meia, acender seu cachimbão; ainda bem que com fumo importado, até cheiroso, mas o cheiro era forte e o fumaceiro deixava seu rastro. Como Alvim nunca estava disposto a gastar sua atenção com as coisas prosaicas do dia-a-dia – esquecia guarda-chuva, esposa, relógio, passaporte, etc. etc. – não é a assinatura em cartão de banco que ele iria se lembrar. Pois bem. Certa feita, o contínuo que servia a Alvim no Cepec saiu de férias. Contínuo novo, numa segunda-feira vai o dito ao caixa do Banco do Brasil no Cepec descontar um cheque. A assinatura não conferiu. O caixa olhou o cheque, olhou o contínuo e pensou em recusar. Mas... Aí pediu a ajuda do colega ao lado: será que esta assinatura é do Dr. Alvim? Não conferia. Mas, experiente, o colega pegou o cheque, olhou, levou-o ao nariz, aspirou o ar em redor e disse: - Pode pagar; estou sentindo no ar e no cheque o cheiro inconfundível do chachimbo do Dr. Alvim... 151 Depoimentos sobre Paulo Alvim Dr. Paulo Alvim se emociona ao receber homenagem como fundador do Centro de Pesquisas do Cacau. O brilho próprio de Alvim Raul Valle Pesquisador, ex-diretor do CEPEC No mundo do cacau, onde inúmeros pesquisadores e cientistas trabalham incansavelmente para, essencialmente, elevar a produtividade do cacaueiro, que se ressume a: ter plantas sadias, que produzam muitos frutos com o máximo número de sementes, alguns se destacam pelo brilho próprio. Em minha opinião, quatro desses pesquisadores influenciaram a cacauicultura mundial nas décadas entre 1960 e 2000. Contribuíram, não somente como pesquisadores, mas também como gestores de pesquisa, exercendo influência científica nos continentes de maior produção de cacau no mundo Entre estes, Y. Adu-Ampomah, que se encontrava em Gana; Lee Ming Tong, na Malásia e dois na America latina: Gustavo Henríquez do Equador e Paulo Alvim, no Brasil. Todos considerados expoentes em seus campos de pesquisa contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da cacauicultura em seus respectivos países. No entanto, a figura de Paulo Alvim se destaca por não somente ter ditado as bases de como se produz cacau no Brasil, principalmente na Bahia, sua terra adotiva, mas também porque esses conheci-mentos e práticas se estenderam por toda a América latina, sendo utilizados ainda por países produtores de cacau da África e Ásia. Exemplos destes fatos são inúmeros, mas uma das tantas tecnologias desenvolvidas por Alvim, que mais me impressionam é a 155 do manejo de sombra e fertilização do cacaueiro. Explico: os resultados das pesquisas conduzidas por Alvim levaram a Ceplac a recomendar o manejo da sombra (raleamento, poda das árvores de sombra e fertilização) em plantações de cacau. Imagine o serviço de extensão da Ceplac implementando estas práticas em cerca de 600 mil hectares plantadas com cacaueiro. Outra impressionante influência que se estendeu à America latina foi a da plantação de Erythrina consorciada com cacau, o chamado plantio tecnificado. É parar e refletir o sem número de conseqüências que estas decisões trouxeram para a cacauicultura. E o Alvim estava no centro das decisões. Figura imprescindível, de presença solicitada e garantida nas conferências internacionais de cacau. Sem Alvim seriam simplesmente outra reunião de perspectiva curta e pouca polêmica. Tanto é assim que as atuais conferências, apesar de inegável valor científico, não têm e provavelmente não terão mais, personalidades fulgurantes como Alvim. Ele sempre se destacou levando informações úteis na sua praticidade ou controversas na sua concepção e aplicação. Seja como for, as suas conferências ou apresentações sempre tiveram audiência plena. Todos queriam ouvir o Alvim. E mais, nos anos subseqüentes, pesquisas em relação ao tema tratado anteriormente por Alvim, eram apresentadas, nas conferências, vindas de pesquisadores pertencentes a institutos de pesquisas dos quatro continentes produtores de cacau. Eis a sua influência. Poucos cientistas, que eu conheça, tiveram tal alcance. Poucos terão. 156 Dr. Paulo Alvim e o extensionismo rural na CEPLAC Roberto Setúbal Extensionista do CENEX/CEPLAC Conheci Dr. Paulo de Tarso Alvim há 40 anos, no antigo Departamento de Extensão da Ceplac-DEPEX, que sob a dinâmica direção do Dr. Ubaldino Dantas Machado, empregou estudantes universitários a título de estágio para realizar o cadastramento de imóveis rurais da Região Cacaueira da Bahia. Ainda na Escola Agronômica de Cruz das Almas tive acesso a literatura de alguns dos seus artigos versando sobre a cacauicultura. Mais tarde, na condição de extensionista dos quadros da Ceplac, tive o privilégio de acompanhar a brilhante trajetória profissional do consagrado “Mestre Alvim”. Dr. Paulo Alvim foi, talvez, a personalidade da Pesquisa que exerceu maior influencia no extensionismo da Ceplac, desde sua criação em meados da década de 60 (1964). Outros notáveis pesquisadores também deixaram suas contribuições na formação da cultura extensionista ceplaqueana. Porém, nenhum outro ostentou jamais a sua pujança. Sua figura portentosa era talhada para a liderança. Não havia nele nada de modesto, de pequeno, tudo era vasto, largo, dominador. Expressava com clareza seus pensamentos, com fluência, criatividade, bom humor, linguagem elegante, agudeza de raciocínio e serenidade ao analisar as mais diferentes questões na esfera técnico agronômica. 157 Representou o arauto dos conhecimentos gerados pela Pesquisa para subsidiar o sistema de Extensão rumo aos usuários da Ceplac - os produtores e os trabalhadores rurais. Dr. Alvim, juntamente com o sistema extensionista, entre o final dos anos 60 e meados da década de 70, protagonizou uma página construtiva e indelével na historia da Ceplac, através de memoráveis campanhas, a exemplo de, “Você pode e deve”, no controle da podridão parda, do “Só cresce, quem renova”, da renovação de cacauais decadentes, do programa de expansão da cacauicultura brasileira, o “PROCACAU”, além da magnitude das metas de controle de sombra, adubação e combate às pragas. A Pesquisa e a Extensão eram instrumentos vitais para a recuperação da lavoura cacaueira e o Mestre Alvim, com a sua indisfarçável sapiência, promoveu a articulação desses eixos institucionais, de forma complementar, num perfeito “feed-back”, onde a Extensão era municiada pela Pesquisa com o conhecimento técnico, com a inovação tecnológica, ao tempo em que oferecia ao Cepec as suas experiências e vivências colhidas no ambiente do agricultor nativista da lavoura cacaueira baiana. Nós extensionistas, tivemos no Dr. Paulo Alvim a inspiração científica, a referência técnica, o conhecimento agronômico, a certeza dos seus argumentos e o seu eruditismo enciclopédico na abordagem de temas relevantes, caso da Amazônia e a Mata Atlântica. Dr. Paulo Alvim era comprometido e tinha muita sensibilida158 de em relação ao sistema extensionista da CEPLAC, reiteradas vezes manifestou o seu sentimento: “A Extensão é quem dá juízo a Pesquisa”. Com seu espírito inovador, Dr. Paulo Alvim foi determinante para expansão do processo de assistência técnica da Ceplac, no inicio dos anos 70, quando ocorreu a instalação de novos escritórios locais e, também, o alargamento da fronteira agrícola do cacau na Bahia, que saiu do seu limite tradicional e alcançou outros espaços com potencialidades, a exemplo do Vale do Jequiriçá. Dr. Alvim, pela sua dimensão profissional e profundo saber técnico, conviveu e foi o principal cicerone de várias celebridades que visitaram a Ceplac durante um longo período na segunda metade do Século XX. Dentre estes, cientistas renomados do Brasil e do exterior, técnicos, produtores, políticos e autoridades diversas, bem como orientador de inúmeros trabalhos científicos no âmbito acadêmico. Consta, na memória da Extensão Rural da Ceplac, episódios significativos que contaram com a participação do Dr. Alvim, onde o mesmo brilhou como um verdadeiro apóstolo do extensionismo. Num deles, quando da realização da “1ª Semana do Fazendeiro de Linhares”, em outubro de 1973, o apogeu do evento foi uma palestra sobre: A importância do cacau do Brasil, por ele proferida nas dependências da Igreja Matriz daquela progressista cidade capixaba. O santuário religioso ficou repleto de gente e o restante da platéia que não coube no recinto, acabou ouvindo a mensagem do famoso técnico no chão da praça, através de caixas de som espalhadas pelo 159 logradouro, inclusive gerando comentários, do tipo: “O Doutor da Ceplac, trouxe mais pessoas para a Igreja do que o Vigário...”. De outra feita, no ano de 1976, Alvim lotou o Cine Lux de Valença, um conhecido destino turístico do nosso Estado e encantou a platéia que comemorava a 1ª Festa da Pimenta do Reino, com o enfoque da: “Diversificação de Culturas na Bahia”. Nesse evento sobre o cultivo da pimenta-do-reino, teve uma visita de campo em fazendas localizadas no Ramal da Itiuba, no município de Taperoá, onde ficava a maior concentração de pimentais do Baixo Sul. Todavia, o ponto alto do encontro foi a conversa entre o Dr. Paulo Alvim e o agricultor Mutsumaro Amano, o patriarca da comunidade japonesa local. Nos dias de hoje, o grande Dr. Paulo Alvim encontra-se aposentado, saboreando a brisa marítima no alto da sua residência em Ilhéus, ao lado de familiares, como Dona Simone. Salve Dr. Paulo Alvim, Pesquisador Emérito, cidadão baiano por reconhecida adoção. Vida longa e muito axé! 160 Alvim, um marco na comunidade científica do cacau Regina Cele Machado Pesquisadora do CEPEC Falar sobre Dr. Paulo Alvim é difícil e ao mesmo tempo fascinante, por se tratar de uma pessoa com características incomuns em relação à maioria de cientistas como ele. Desde jovem, a ciência era o que mais o empolgava, mas adorava também tocar violão, cantar, contar piadas e de tomar seus drinques. Sério, mas também muito divertido. Quando eu era estudante na faculdade, o conhecia de nome através da literatura sobre cacau. Quis o destino me privilegiar e, em 1977, eu vim para a CEPLAC trabalhar justamente com o conhecido e renomado fisiologista. Como profissional ainda iniciante, tive as mais valiosas oportunidades de estar frente a frente discutindo com Dr. Alvim sobre desafiantes problemas em ecofisiologia de cacau. Isto foi, sem dúvida, uma importante escola, porque Dr. Alvim foi, talvez, a pessoa de raciocínio mais rápido que encontrei em toda a minha caminhada na ciência. Muitos colegas até me falavam que era complicado trabalhar com ele por ser muito versátil, o que o levava a abordar diversos assuntos ao mesmo tempo. 161 Eu não diria complicado, e sim desafiante e uma verdadeira escola para quem quisesse fazer ciência. Na verdade, ele era completamente envolvido com a ciência, especialmente, com aspectos fisiológicos de plantas tropicais. Ser adjunto de Dr. Alvim na orientação de estudante do curso de pós-graduação, nível de mestrado, da Universidade Federal da Bahia, foi um inestimável aprendizado que muito me ajudou a crescer e me tornar uma cientista em fisiologia de cacau. O que sempre me impressionou em Dr. Alvim era a maneira como se portava como coordenador diante de seus assistentes e dos estudantes orientados, quando tínhamos que discutir resultados, às vezes, até diferente dos esperados. Ele sabia respeitar a nossa posição de discordância desde quando houvesse coerência nos resultados. Isto foi muito importante porque nos transmitiu segurança e satisfação como integrantes de sua equipe científica. Dr. Alvim além de excelente mestre, companheiro de trabalho e amigo representa um marco na comunidade científica em pesquisas de cacau. Fez parte de todas as conferências internacionais de pesquisa em cacau, sempre referenciado como excelente contribuidor para o progresso da ciência em cacau, principalmente nos estudos sobre a relação solo-água-planta. Sempre defendeu a ciência da cultura do cacau como se fosse um bem próprio. Considerando o que ele fez, numa época em que não se contava com os recursos tecnológicos de hoje, conseguiu não só 162 desenvolver teorias, como até mesmo construir aparatos para estudos em fisiologia vegetal. É incontestavelmente um caráter raro de cientista. Uma passagem que vale ser citada é a de que em 1978, durante o Congresso Brasileiro de Botânica, em Brasília, DF, falei com o famoso cientista Israel Zelich que eu estava ganhando pontos por estar conversando com ele. Imediatamente ele me respondeu que ganhar muitos pontos na vida de cientista era estar trabalhando com Dr. Alvim. Foi tão impressionante, que eu nunca me esqueci disso. Indiscutivelmente, Dr. Paulo de Tarso Alvim foi e é até hoje a personalidade mais relevante para o desenvolvimento do cultivo do cacau. 163 Alvim, uma biografia executiva Prof. Raimundo Santos Barros Universidade Federal de Viçosa Biografia executiva, publicada na revista Brazilian Journal of Plant Physiology, em dezembro de 2007; vol.19, nº 4; edição especial. Paulo Alvim, nascido em Ubá, Minas Gerais (Brasil) em 1919, conseguiu seu bacharelado em Ciências Agrárias em 1940, na exEscola Superior de Agricultura da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (hoje Universidade Federal de Viçosa, UFV). No ano seguinte, tornou-se professor de Taxonomia Vegetal, fato que pode ter contribuído para a sua visão holística de Fitotecnia. Ele logo começou a ensinar Fisiologia Vegetal em suas aulas, em vez de Taxonomia Vegetal. Em 1943, Fisiologia Vegetal foi formalmente apresentada como uma matéria do curso de Ciências Agrárias em Viçosa. Esta foi a primeira vez que Fisiologia Vegetal foi ensinada como uma matéria independente em uma escola de agricultura no Brasil, e talvez em toda a América Latina. Em 1948 ele obteve o seu PhD em Fisiologia Vegetal da Cornell University em Ithaca, Nova 164 York, uma das melhores universidades dos Estados Unidos. Seu poder de observação foi sempre muito forte. Durante uma excursão com seus alunos pelo rio São Franscisco na região da “Caatinga”, Alvim chamou a atenção ao fato dos ecossistemas da “Caatinga” terem evoluído naturalmente e não constituíam um produto da degradação das atividades humanas. Anos depois (1952), ele concluiu também que o tipo de vegetação brasileira chamada “Cerrado” era uma consequência de deficiências minerais do solo e não resultado de queimadas periódicas que aconteciam naquele ecossistema, como as teorias “pirotécnicas” alegaram até então. Em 1972, indo contra todas as atuais teorias bem estabelecidas, e levando em conta que a floresta Amazônica estava em estado de clímax, ele concluiu que a Região Amazônica não era o pulmão do mundo e outros recursos deveriam ser buscados de forma a proteger os frágeis ecossistemas da Amazônia. Percebendo que a Amazônia não poderia ser preservada intacta, Alvim defendeu que os ecossistemas poderiam ser explorados para o benefício da humanidade contanto que as práticas racionais e conservacionistas fossem empregadas para assegurar uma condição sustentável. Ele costumava exclamar: “cultivo de lavouras de grãos na Amazônia, nunca!”. 165 Quando estava em Viçosa, começou suas primeiras investigações ecofisiológicas com árvores de café, mantendo contato com outro cientista líder nesse campo, Coaracy M. Franco, do Instituto Agronômico de Campinas, Brasil. Ele também começou a preparar Moacyr Maestri como professor, o qual anos depois criou os cursos de Mestrado (1970) e doutorado (1988) na UFV, transformando a instituição em um centro de referência em Fisiologia Vegetal. Em 1951, Alvim foi admitido na equipe científica do Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas (IICA), da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Turrialba, Costa Rica, como fisiologista Principal. Embora dentro de pouco tempo tenha se tornado um especialista na ecofisiologia do cacaueiro, foi durante a sua admissão ao IICA que viu uma árvore de cacau pela primeira vez em sua vida! Como professor na Escola de Pós-Graduação do IICA ele supervisionou vários alunos de mestrado e mostrou que a produção do cafeeiro sob exposição completa pode ser tão grande ou até maior do que a do cultivo do café na sombra. Seus estudos sobre as florestas tropicais, iniciado na Costa Rica, culminou com a sua participação em 1967 na expedição científica de Alpha-Helix, através da Bacia Amazônica, na ocasião juntamente com Bob Loomis e W. Williams, da Universidade da Califórnia (Davis), e ele descreveu 166 alguns ambientes de Florestas do Rio Negro. Em 1963 Alvim foi designado para trabalhar na zona andina do IICA (Peru), onde na seca Costa Pacífica, ele descobriu que os botões florais dormentes de café mantinham-se fechados se as árvores fossem mantidas irrigadas. Por outro lado, quando a irrigação era suspensa e as árvores irrigadas novamente mais tarde, os botões florais abriam-se, semelhante aos encontrados na natureza, quando as chuvas após um período de seca promovem um fenômeno. Em outras palavras, o déficit hídrico da planta (ou um período de seca) quebrava a dormência e a irrigação (ou chuvas) que se seguiam era necessária apenas para o broto crescido, e não para quebra de dormência. Ele cunhou o termo "hidroperiodismo" para explicar este fenômeno e estes excelentes resultados foram publicados na revista Science. Esse fenômeno tem sido repetidamente confirmado e agora sabe-se que um período de seca é necessário para acionar alguns efeitos morfogênicos em várias plantas tropicais ou para sincronizar os eventos do desenvolvimento das populações. Aproveitando este fato a Embrapa/Café atualmente recomenda certos programas de irrigação para a sincronização da abertura do botão da flor e, consequentemente, a produção de café. Depois de algumas visitas técnicas à zona do cacau no Estado da Bahia/Brasil, visando resolver os problemas graves de decadência 167 das plantações de cacau, Alvim mudou-se para o Brasil em 1963, ainda empregado pelo IICA. Posteriormente ocupou o cargo de Diretor Científico do Departamento de Pesquisa (CEPEC - Centro de Pesquisas do Cacau) pelos 25 anos seguintes. Ele, então, aplicou os princípios científicos emanados da Fisiologia Vegetal para a cultura do cacau e como conseqüência a produção de cacau passou de 120.000 para 380.000 toneladas/ano. Na Bahia, seus estudos sobre florestas tropicais continuaram e em 1964 ele foi convidado por Martin Zimmermann para participar de um simpósio na Universidade de Havard, onde apresentou a conferência "A periodicidade de crescimento em climas tropicais", cujo artigo com o mesmo título se tornou um clássico na literatura sobre a ecofisiologia tropical. Outro simpósio semelhante foi organizado novamente mais tarde por Zimmermann em Havard, em 1976, quando Alvim apresentou a conferência "Relação de clima para a periodicidade de crescimento em árvores tropicais". Sempre visando o bem-estar da humanidade, Alvim foi um dos primeiros cientistas pesquisadores associados ao International Biological Program (IBP), e organizou o "Simpósio sobre Metodologia de Pesquisa em Produtividade das Plantas ", em 1968, na CEPLAC. Vários outros cientistas líderes (como Blackman) participaram do evento. Naquela época, ele realizou uma pesquisa 168 sobre o consórcio entre milho e feijão, obtendo alta eficiência fotossintética de 10%! Mais tarde, tornou-se associado com o Programa "O Homem e a Biosfera". No mesmo ano de 1975, ele organizou um simpósio em Manaus, Amazonas/Brasil, sobre "Ecofisiologia de Cultivos Tropicais e Sub-tropical", onde mais uma vez reuniu os melhores cientistas trabalhando em temas tão diversos como a batata doce e a seringueira. A partir deste acontecimento foi produzido um livro com o mesmo título do simpósio, editado por ele e Kozlowsky T. em 1977 e publicado pela Academic Press. Sua carreira científica foi muito produtiva: quase 250 trabalhos publicados em periódicos de alto impacto, como Science, Nature, Fisiologia Vegetal, Physiologia Plantarum e muitos outros. Com uma carreira tão rica em termos científicos, não é surpreendente que ele tenha recebido inúmeras homenagens, prêmios e medalhas de ambas as organizações públicas e privadas (e também dos governos), em casa e no exterior. Duas ou três palavras adicionais sobre suas invenções caseiras, mas muito úteis: a “transpirografo” feito quando ele estava em Viçosa; uma série de infiltração de líquidos para avaliar a abertura estomática; porômetro de fluxo viscoso (que o tornou ainda mais famoso); e um fitotensiômetro para avaliar o estado da água nas plantas e o crescimento do tronco. Alguns anos atrás, ele criou a Fundação Pau169 Brasil, uma organização não-governamental que lida com a conservação e preservação da mata atlântica do sul da Bahia. Sua aposentadoria em 1988, foi um mero acontecimento burocrático. Hoje, com quase 90 anos, ele mantém seu escritório na CEPLAC, como Presidente da Fundação Pau-Brasil, e continua a trabalhar todos os dias! 170 Publicações e Inventos de Paulo Alvim Paulo Alvim definiu como áreas de suas pesquisas: Fisiologia vegetal aplicada à agricultura; Estudo dos fatores ecofisiológicos que determinam a produtividade das plantas, especialmente cultivos tropicais como cacau, café e essências florestais, e Sistemas de produção agrícola para regiões tropicais úmidas (especialmente Amazônia e Mata Atlântica). Com os resultados, publicou mais de 350 artigos técnico-científicos (em revistas, capítulos de livros, anais de conferências) no Brasil e no exterior, cinco livros (autor e co-autor) e pronunciou centenas de conferências em congressos nacionais e internacionais. Para descrever alguns dos principais inventos do mestre Alvim, contamos com a valiosa ajuda de dois dos seus colaboradores, Raimundo Santos Barros, professor da Universidade Federal de Viçosa e Manfred Müller, pesquisador da Ceplac. Num tempo em que o mundo da Informática ainda nem constituía um sonho, como nos anos cinqüenta do século passado, o Dr Alvim já se preocupava em criar dispositivos bastante simples, de grande utilidade e acessível a todos. 171 Ao final dos anos quarenta e início dos cinqüenta, o Dr Alvim “inventou” um transpirógrafo, baseado no consumo de água medido em uma pipeta, que se tornou muito popular dentre os estudantes da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (atual Universidade Federal de Viçosa). Determinar a abertura estomática nos anos cinqüenta e sessenta daquele século constituía uma tarefa bastante tediosa. Eram utilizados líquidos de viscosidades diferentes, valendose da penetração de cada um deles isoladamente. Quando os estômatos se mostravam completamente abertos, os líquidos mais viscosos (ou seja, mais densos) penetravam. Alvim teve a idéia de misturar dois líquidos, um mais viscoso e outro mais leve, utilizado normalmente um óleo mineral (Nujol) e o querozene em diferentes proporções e, assim, uma série era construída e a abertura dos estômatos era medida com a mesma série, tornando a tarefa mais simples. Isso produziu um trabalho publicado em Plant Physiology, em meados dos anos cinqüenta. Nos anos sessenta, Alvim teve a idéia de usar pinças planas (para acoplamento à superfície foliar) associadas a um esfignomanômetro (aquele aparelho de medir pressão sanguínea). Quanto mais abertos os estômatos de uma folha homobárica estivessem, o ar fluía com mais rapidez e a queda de pressão no 172 esfignomanômetro era maior. Na realidade, o aparelho era um porômetro de fluxo viscoso. O trabalho foi publicado em Physiologia Plantarum, ao final dos anos sessenta. Pinça Lâmina foliar Mola de regulagem Esfignomanômetro Porômetro de Alvim: pinça plana com anéis de borracha na extremidade para inserir a lâmina foliar, acoplada por uma mangueira de borracha a um esfignomanômetro para medir a queda de pressão do ar, em consequencia da abertura dos estômatos da folha. (pág. 321 do livro “Plant & Soil Water Relationships: A Modern Synthesis” – Paul J. Kramer, 1969.) Entre inícios e meados dos anos setenta, Alvim desenvolveu o fitotensiômetro, dispositivo que mede a tensão de água em árvores, baseado na contração e dilatação dos troncos, durante o período de um dia. Mede também o aumento da circunferência (crescimento) dos troncos. Trata-se de uma cinta de alumínio em volta dos troncos, abarcando também um dispositivo flexível (contendo um líquido colorido) acoplado a uma pipeta. As oscilações da circunferência do tronco promo- 173 vem uma subida ou descida do líquido na pipeta, possibilitando, assim, a leitura da altura do líquido. Assim, ele mostrou que a variação na circunferência dos troncos ocorre com um certo atraso em relação ao potencial hídrico das folhas. Perguntado num congresso sobre o efeito da temperatura no sistema, Alvim muito simplesmente respondeu: “Toma-se um controle num pau (tronco) morto, procedendo-se da mesma maneira como num pau vivo (a planta)”. Foi aquela gargalhada! Fitotensiômetro de Alvim: Coluna de vidro graduada acoplada a um frasco de plástico contendo líquido colorido (Solução de glicol etileno em água + detergente + corante) preso ao tronco da planta por intermédio de cinta de alumínio. Foto : Waldemar Barreto Uma das grandes contribuições de Alvim, talvez a maior de todas, foi sobre o hidroperiodismo. Certas manifestações de crescimento e desenvolvimento só se passam após as chuvas que seguem um período seco, como a abertura dos botões florais do café. Sem o período do seco antecedente, o fenômeno não ocorre. Posteriormente, foi descoberto que o período seco possibilitava a sincronização de muitos eventos de desenvolvimento (ex. reprodução) em populações de plantas. 174 Com o senso de observação extremamente aguçado, Alvim buscava sempre comprovar a ocorrência do processo fisiológico do ‘‘hidroperiodismo’’ em muitas outras espécies vegetais, convocando seus colaboradores (ver bilhete anexo), e até mesmo sua própria filha, conforme relato de Fátima Alvim. 175 Honra ao Mérito Paulo Alvim teve uma carreira profissional exemplar, o que lhe valeu reconhecimento nacional e internacional através da concessão de honrarias por parte de instituições de grande prestígio no meio agrícola. Segue abaixo relação de suas principais conquistas. Condecorações Comendador da Ordem do Mérito da Bahia - Governo do Estado da Bahia - 1975 Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da República do Brasil - jun/1995 Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da República do Brasil - ago/2002 Distinções Diploma de Honra ao Mérito - Sociedade Argentina de Fisiologia Vegetal - 1978 Diploma de Honra ao Mérito - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - 1978 Pesquisador Emérito - Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas - 1979 Homenagens "Gold Award" - Aliança dos Países Produtores de Cacau - out/2002 176 Medalhas Medalha Jubileu de Prata - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - 1973 Medalha do Mérito Agronômico do Brasil - Federação de Engenheiros Agrônomos do Brasil - 1973 Medalha Agrícola Interamericana - Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas - 1979 Medalha da Ordem do Mérito do Ex-aluno - Universidade Federal de Viçosa - 1980 Prêmios Prêmio "Frederico de Menezes Veiga" - Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias - 1973 Prêmio Agricultura de Hoje - Editora Bloch - 1976 Prêmio Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia - Governo Brasileiro - 1994 Prêmio Internacional de Ciências "Bernardo A. Houssay" Organização dos Estados Americanos - 1995 Títulos Honoríficos Doutor honoris causa - Universidade Federal da Bahia - 1985. O diretor geral do Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas, Dr. José Emílio Araújo, lê o Diploma que outorga a Paulo Alvim a Medalha Agrícola Interamericana ‘‘pelos seus méritos técnicos e científicos’’. 177 Paulo Alvim e José Haroldo (Trecho do discurso do Dr. José Haroldo Castro Vieira, Secretário Geral da CEPLAC, pronunciado na entrega da Medalha Agrícola Interamericana 1979, ao Dr. Paulo de Tarso Alvim). ‘‘É com emoção que assumo a agradável e honrosa missão de apresentar-lhes, não o Dr. Paulo de Tarso Alvim, cientista de renome internacional, de todos conhecido, mas o Alvim companheiro há mais de três lustros, o parceiro de tantas realizações na CEPLAC, o amante do trabalho, o talento exercido cotidianamente. Homem de espírito e de obras, o amigo certo, criador e realizador genial nos mais importantes e significativos momentos da lavoura cacaueira. Já vai longe o mês de março de 1963, quando Alvim, integrando uma comissão encarregada por Carlos Brandão da escolha da área onde seria construído o futuro Centro de Pesquisas do Cacau, o CEPEC, começou a emprestar o seu talento à CEPLAC e à Cacauicultura Nacional. Foi tão importante o papel desempenhado por Alvim na fixação de critérios para a escolha da área para o CEPEC, que, ao terminar a sua tarefa, a sua permanência entre nós constituiu-se numa imposição para o soerguimento da lavoura cacaueira, naqueles momentos difíceis em que vivia a cultura e a economia do cacau. 178 Em 1963, o esforço de um reduzido grupo de otimistas, capitaneados por Carlos Brandão, passou a contar com o entusiasmo deste homem de idéias, artesão da ciência, que tem o dom de despertar lideranças e trazer para as causas justas e de vanguarda, os mais renhidos lutadores. Alvim é um dos raros privilegiados da Ciência Agronômica. Mas seria líder em qualquer outro campo de atividade que a sua inteligência tivesse escolhido, pois não lhe faltam fibra para a luta, descortínio para ver e caminhar, entusiasmo para construir, espírito de humildade e amor à verdade, e, mais que tudo isto: um otimismo que vence tudo! Falar de Paulo de Tarso Alvim é dizer da Ciência Agronômica e suas conquistas.'' 179 Sobre o Autor Frederico Monteiro Álvares-Afonso, seu nome completo. Natural de Humaitá, município ao sul do Estado do Amazonas, à margem esquerda do rio Madeira. Um Nhambiquara – assim gostava de se identificar para os mais chegados. Sua formação profissional: engenheiro-agrônomo pela Universidade Rural do Brasil e MS em Sócio-economia Agrícola pelo Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas da OEA (Organização dos Estados Americanos). Pesquisador e extensionista, exerceu vários cargos de direção na Ceplac: vice-diretor do Centro de Pesquisas do Cacau-Cepec; primeiro diretor do Departamento Especial da Amazônia, em Belém, PA; assessor para Assuntos da Amazônia na Secretaria Geral da Ceplac, em Brasília e secretário-geral adjunto. Já aposentado, foi assessor parlamentar e consultor ad hoc para assuntos da região amazônica no Congresso Nacional. Em julho de 1970, o então secretário-geral da Ceplac, José Haroldo Castro Vieira, o designou para proceder estudos sobre a viabilidade econômica da implantação da cacauicultura em Rondônia, missão que aceitou de pronto, pela oportunidade de revisitar a sua terra, após cinco anos de ausência. Mas impôs duas condições: que lhe fosse dado um tempo 180 razoável para cumprir a tarefa, “nada de correrias e atropelos”; e que “a viagem fosse feita por rodovia, com transporte próprio para assegurar maior mobilidade e independência de movimentos”. A tiracolo, a esposa baiana (Magnólia) e a filha mais velha, com quatro anos de idade. Em setembro, retornava com as informações levantadas. Aprovados os estudos pela Ceplac, retornava ele a Rondônia com a missão de implantar o primeiro pólo cacaueiro naquela nova fronteira agrícola. E ali, em abril de 1971, a cacauicultura ensaiou os seus primeiros passos no Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto, do Governo Federal, conduzido pelo então Ibra – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária. “Em outubro de 1971, nossa casa estava concluída, em Ouro Preto d'Oeste e, de mala e cuia, nos instalamos com a mulher e dois filhos”. Era a certeza de que retornara para ficar. Fred, como os íntimos o tratavam, tinha temperamento imprevisível. Podia, em determinados momentos, explodir numa gargalhada sonora, outras vezes, ser demasiado intransigente. Mas, entre esses dois extremos, a lealdade incondicional. Como amigo, chegava ao limite do sacrifício para servir, o que fazia sem nada pedir em troca. Dele, disse seu amigo Euro Tourinho, diretor do jornal Alto Madeira, de Porto Velho: “Cultura aprimorada e enorme inteligência, Frederico Afonso possui uma qualidade singular aparentemente em choque com seu ânimo autoritário – admite o mais amplo diálogo com seus subalternos e até os estimula a que o procurem e o provoquem para tanto”. E acrescenta: “Fez um gigantesco trabalho que deixou seu nome na história de Rondônia”. Ao se empenhar pela cacauicultura em Rondônia e, por extensão, no Pará, Mato Grosso, Amazonas e Maranhão, ele tinha em mente, sobretudo, a ocupação racional daquela vastidão de terra e ecossistema extremamente 181 sensível por um novo homem, partícipe e consciente do todo. E não, um predador. Filho daquelas paragens, fez vermos o então “Inferno Verde” como parte indissociável do território brasileiro, em lugar do tratamento de “país amigo mais próximo do Brasil” – assim se referia ao isolamento da região pelo governo central. Saltava aos olhos o orgulho de ser ceplaqueano, ao lado da admiração devotada a José Haroldo e Paulo Alvim. Empenhou-se, como poucos, pela consolidação do modelo Ceplac na Amazônia. Escrever era sua outra paixão. Deixou várias publicações sobre a cacauicultura na região norte, dentre essas o livro As Terras do Cacau em Rondônia e, sua última obra, Rondônia: Ocupação, Crescimento e Organização Agrária, hoje o terceiro estado maior produtor de cacau do país. A partir da série Cadernos da Amazônia, estabeleceu-se uma cumplicidade entre o autor destas linhas e o Dr. Frederico Afonso, que só fez se fortalecer com o tempo. Estávamos sempre nos comunicando, permutando informações, reacendendo antigas lembranças. Aos 77 anos de idade, no 1º dia de setembro de 2009, ele deixou a vida para entrar na história e na gratidão da gente Nhambiquara das barrancas do Madeira. (Edvaldo Oliveira - Jornalista) 182 Anexo Mensagem a García Helbert Hubbard “Em todo este caso cubano, um homem se destaca no horizonte de minha memória como o planeta Marte no seu periélio. Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o que importava a estes era comunicar-se rapidamente com o chefe dos insurretos, Garcia. Que se saiba, encontra-se em alguma fortaleza no interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse precisar exatamente onde. Era impossível comunicar-se com ele pelo correio ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente tinha que tratar de assegurar-se da sua colaboração, e isto o quanto antes. Que fazer? Alguém lembrou ao Presidente: “Há um homem chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há de ser Rowan”. Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia. De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após quatro dias, saltou, de um barco sem coberta, alta noite, nas costa de Cuba; de como se embrenhou no sertão, para depois de três semanas, surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil e entregando a carta a Garcia — são coisas que não vêm ao caso narrar aqui pormenorizadamente. O ponto que desejo frisar é este: Mac Kinley 183 deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou da carta e nem sequer perguntou: “Onde é que ele está”? Hosannah! Eis aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze e sua estátua colocada em cada escola do país. Não é de sabedoria livresca que a juventude precisa, nem instrução sobre isto e aquilo. Precisa, sim, de um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altivo no exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia. O General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias. A nenhum homem que se tenham empenhado em levar avante uma empresa, em que a ajuda de muitos se torne precisa, têm sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade de grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição de concentrar a mente numa determinada coisa e fazê-la. Assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho mal feito parece ser a regra geral. Nenhum homem pode ser verdadeiramente bem sucedido, salvo se lançar mão de todos os meios ao seu alcance quer da força, quer do suborno, para obrigar outros homens a ajudá-lo, a não ser que Deus Onipotente, na sua grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe como auxiliar um anjo de luz. Leitor amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Estás sentado no teu escritório, rodeado de meia dúzia de empregados. Pois bem, chama um deles e pede-lhe: 184 “Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e me fazer uma descrição sucinta da vida de Corrégio”. Dar-se-á o caso do empregado dizer calmamente: “Sim senhor”, e executar o que se lhe pediu? Nada disso! Olhar-te-á perplexo e de soslaio para fazer uma ou mais das seguintes perguntas: Quem é ele? Que enciclopédia? Onde é que está a enciclopédia? Fui eu acaso contratado para fazer isto? Não quer dizer Bismarck? E se o Carlos o fizesse? Já morreu? Precisa disso com urgência? Não será melhor que eu traga o livro para que o senhor mesmo procure o que quer? Para que quer saber isso? E aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a tais perguntas, e explicado a maneira de procurar os dados pedidos e a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude a encontrar Garcia, e, depois voltará para te dizer que tal homem não existe. 185 Evidentemente, pode ser que perca a aposta; mas, segundo a lei das médias, jogo na certa. Ora, se fores prudente, não te darás ao trabalho de explicar ao teu “ajudante” que Corrégio se escreve com “C”e não com “K”, mas limitar-te-ás a dizer meigamente, esboçando o melhor sorriso: “Não faz mal; não se incomode”, e, dito isto, levantar-te-ás e procurarás tu mesmo. E esta incapacidade de atuar independentemente, esta inépcia moral, esta invalidez da vontade, atrofia a disposição de solicitamente se pôr em campo e agir — são coisas que recuam para um futuro tão remoto o advento do socialismo puro. Se os homens não tomam a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão quando o resultado do seu esforço redundar em beneficio de todos? Por enquanto parece que os homens ainda precisam ser feitorados. O que mantém muito empregado no seu posto e o faz trabalhar é o medo de se não o fizer, ser despedido no fim do mês. Anuncia precisar de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar — e o que é mais pensam que não é necessário sabê-lo. Poderá uma pessoa assim escrever uma carta a Garcia? “Vê aquele guarda-livros”, dizia-me o chefe de uma grande fábrica. 'Sim, que tem?” Um excelente guarda-livros. Contudo se eu o mandasse fazer um recado, talvez se desobrigasse da incumbência a contento, mas também podia muito bem ser que no caminho entrasse em duas ou três casas de bebidas, e que, quando chegasse ao seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada”. 186 Será possível confiar-se a tal homem uma carta para entregála a Garcia? Ultimamente temos ouvido muitas expressões sentimentais externando simpatia para com os pobres entes que mourejam de sol a sol, para com os infelizes desempregados à cata do trabalho honesto, e tudo isto, quase sempre, entremeado de muita palavra dura para com os homens que estão no poder. Nada diz do patrão que envelhece antes do tempo, num baldado esforço para induzir eternos desgostosos e descontentes a trabalhar conscienciosamente; nada se diz de sua longa e paciente procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz do que “matar o tempo”, logo que ele volta às costas. Não há empresa que não esteja despedindo pessoal que se mostre incapaz de zelar pelos seus interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. E este processo de seleção por eliminação está se operando incessantemente, em tempos adversos, com a única diferença que, quando os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre, os incompetentes e os inaproveitáveis. É a lei da sobrevivência do mais apto. Cada patrão, no seu próprio interesse, trata somente de guardar os melhores — aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia. Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas sem fibra precisa para gerir um negócio próprio e que ademais se torna completamente inútil para qualquer outra pessoa, devido à suspeita insana que constantemente abriga de que seu patrão o esteja 187 oprimindo ou tencione oprimí-lo. Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia, retrucaria provavelmente: “Leve-a você mesmo”. Hoje este homem perambula errante pelas ruas em busca de trabalho, em quase petição de miséria. No entanto, ninguém que o conheça se aventura a dar-lhe trabalho porque é a personificação do descontentamento e do espírito de réplica. Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única coisa capaz de nele produzir algum efeito seria um bom ponta-pé dado com a ponta de uma bota número 44, sola grossa e bico largo. Sei, não resta dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como este, não é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado. Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também uma lágrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo som do apito e cujos cabelos ficam prematuramente encanecidos na incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz, justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor, andariam famintos e sem lar. Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação em cores demasiado carregadas? Pode ser que sim; mas, quando todo o mundo se apraz em divagações quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que imprime êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de 188 outros e que, após o triunfo, talvez verifique que nada ganhou; nada, salvo a sua mera subsistência. Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jornaleiro, como, também tenho sido patrão. Sei, portanto, que alguma coisa se pode dizer de ambos os lados. Não há excelência na pobreza de per si; farrapos não servem de recomendação. Nem todos os patrões são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos. Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha conscienciosamente, quer o patrão esteja, quer não. E o homem que, ao lhe ser confiada uma carta a Garcia, tranquilamente toma a missiva, sem fazer perguntas idiotas, e sem a intenção oculta de jogála na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro feito que não seja entregá-la ao destinatário, esse homem nunca ficará “encostado”. A civilização busca ansiosa, insistentemente, homem nestas condições. Tudo que tal homem pedir, ser-lhe-á de conceder. Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso: “Precisa-se, e precisa-se com urgência, de um homem capaz de levar uma mensagem a Garcia”. 189 Citações 1 VIEIRA. Clotilde, História de UBÁ, para Escolas, 1ª edição 1990. (A maioria das informações históricas desta biografia foi fundamentada nesta publicação). 2 Depoimento de Songia Alvim; e-mail ([email protected]) de 17 de maio de 2009. 3 UBÁ – Wikipedia, a Enciclopédia livre (Internet). 4 Depoimento de Renato Ribeiro, em minuta elaborada pelo próprio, colega de Paulo Alvim desde a UFV, onde cursou Agronomia. Hoje Renato Ribeiro reside em Campo Grande Mato Grosso do Sul. 5 Depoimento de Victorio Emanuel Constantino Codo, correspondência datada de 21 de junho de 2009, de Anápolis, GO, com oito (8) folhas. 6 Vox História – A saga dos Imigrantes, por Ana Carolina Amaral. 7 Texto do Professor Reginaldo da Silva Romero, publicado no UFV Informa, de 29 de seis de 2001, Personagens: Professor Octavio de Almeida Drumond, cátedra de Fitopatologia na ESAV, hoje UFV. 8 Entrevista feita com o Professor Moacyr Maestri, no dia 16 de abril em Viçosa, em companhia de Dr.Cristiano Machado Neto, engenheiro agrônomo formado na UFV. 9 Depoimento do Professor Raimundo Santos Barros, da cadeira de Fisiologia da UFV. Fevereiro de 2008, original em inglês. 10 Entrevista feita com o Professor Geraldo Chaves, aposentado, da UFV, cadeira de Fisiologia, depois graduado na Universidade de Cornell, Ithaca, N.Y. A entrevista foi feita em Viçosa, no dia 16 de abril de 2009, em companhia do Dr. Cristiano Machado Neto. 11 Depoimento de Mirian Sá Oliveira, segunda esposa de Paulo Alvim, feito via email, com várias datas de expedição. Complementado pelo depoimento de seu filho Alexandre Alvim. 190 12 Depoimento de Simone Cerqueira, terceira esposa de Paulo Alvim, feito por correspondência datada do mês de agosto de 2009. 13 Depoimento de Fátima Alvim, filha de Paulo Alvim, em uma longa correspondência, datada de agosto de 2009. Depoimento de Fátima Alvim, filha de Paulo Alvim, em uma longa correspondência, datada de agosto de 2009. 14 Artigo de Helbert Hubbard, publicado na revista “Phislitine” em fevereiro de 1899, intitulado” Uma Mensagem a Garcia”. 15 Depoimento do agrônomo João Luis Calmon e Dalila Gramacho Calmon, sobre a criação da EMARC, via e-mail – [email protected] - do dia 26 de abril de 2009. 16 Estatísticas oficiais sobre a produção de cacau quando da chegada de PAULO ALVIM à Bahia, com a produção cacaueira em queda. Alinha-se também informações de um “pacote tecnológico”, composto de raleamento de sombreamento dos cacauais, adubação, combate às pragas do cacaueiro, com uma vigorosa recuperação da produção cacaueira no Sul da Bahia. 17 Depoimento do agrônomo Frederico Monteiro Álvares-Afonso, autor do “PAULO ALVIM: MESTRE E AMIGO” sobre o Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira, e do experimento Estudo Comparativo da Renovação e Cacauais sob dois Métodos de Plantio: Derruba Total e Plantio por Debaixo. Iniciado na Fazenda do CEPEC, em 1969 e dado por concluído em 1990. 18 Correspondência do Professor G. Edward Schuh, assessor da Ford Foundation, datada de 12 de outubro de 1970, onde analisa o papel do nascente programa de ciências sociais. Analisa, discute e faz propostas de redirecionamento das pesquisas e crescimento do quadro com maior qualificação dos que trabalham e contratar pessoal de maior especialização. 19 Depoimento de PAULO ALVIM, sobre os avanços obtidos na África, com o cacaueiro, e na Malásia, com a seringueira enquanto que no Brasil é mais pobre a situação dos dois cultivos. Publicado em ÁLVARES-AFONSO, As Terras do Cacau em Rondônia, Gráfica do Senado Federal, Brasília, 1986. 20 Artigo de pesquisadores do DEPEA-Belém, Paulo Júlio da Silva Neto, Antonio Carlos Gesta Melo e Francisco das Chagas de Medeiros Costa – intitulado “Avaliação do Sistema Agroflorestal Cacaueiro (Theobroma Cacau L) e Mogno (Swietenia macrophyla King) em Medicilândia, Pará, de janeiro de 2003 a dezembro de 2004. 191 21 Os 50 Anos de PAULO ALVIM - PhD, publicado no Jornal Agora, da semana de 31 de outubro a 06 de novembro de 1998, com os artigos jornalísticos “Eu queria Ser uma Vaca” e “Noite em Ibadan – A Vassoura de Bruxa e Outras histórias”. 22 Folheto publicado pelo IICA por ocasião da outorga da “Medalha Agrícola Interamericana 1979”, com pronunciamentos do Diretor Geral do IICA, José Emilio Gonçalves de Araújo, do Senhor José Haroldo Castro Vieira, SecretárioGeral da CEPLAC e do agraciado Paulo de Tarso Alvim Carneiro - PAULO ALVIM - que fez um longo recordatório de sua carreira profissional. Incluem os cargos honoríficos ocupados, as distinções recebidas e os principais inventos, descobertas e trabalhos científicos publicados. 23 Depoimento do pesquisador em fertilidade de solos, Emo Ruy de Miranda, de como foi estimulado para assumir responsabilidades na sua área de trabalho; Emo Ruy de Miranda alcançou o cargo de Secretário Geral da CEPLAC. 24 Depoimento do pesquisador do CEPEC, Manuel Tourinho, aposentado, exDiretor da EMBRAPA, e criador da UFRA – Universidade Federal Rural da Amazônia, sobre a influência de PAULO ALVIM nas suas formações acadêmica e profissional. 25 Estatuto da FUNPAB – Fundação Pau Brasil, Estatuto de março de 1990. 26 Contribuição de Conceição Soledade, secretária por mais de dez anos da instituição, listando trabalhos concluídos e em andamento na FUNPAB. 192 Agradecemos o Patrocínio da empresa MARS CACAU