FREDERICO MONTEIRO ÁLVARES-AFONSO
PAULO
Mestre e Amigo
ALVIM
Km 22 - Rod. Ilhéus-Itabuna
Ilhéus - Bahia - Brasil
2011
1
1
Paulo de Tarso Alvim Carneiro
Este Livro
A CEPLAC devia uma justa homenagem a um Ceplaqueano cuja
história se confunde com a história da própria Instituição. Seu
nome: PAULO ALVIM.
A figura exuberante do Dr. Paulo de Tarso Alvim Carneiro deixou
marca tão profunda em todos os aspectos fundamentais da
CEPLAC que julgamos registrar sua biografia pessoal e
profissional numa publicação para a posteridade fosse uma
singela prova de gratidão e reconhecimento por tudo que Alvim
fez pela ciência agronômica, pela cacauicultura brasileira e pela
CEPLAC.
Assim nasce este livro, muito bem intitulado pelo seu autor,
batizado com o nome de PAULO ALVIM, Mestre e Amigo.
Mestre é mestre.
É aquela pessoa que, normalmente, pelas suas qualidades morais
e profissionais, seus pares o distinguem com esta expressão de
reverência e reconhecimento. E, de fato, Paulo Alvim foi digno
desta menção pela grandiosidade de sua trajetória, mas,
V
sobretudo porque Alvim também colocava como poucos, arte e
graça em sua eficiente prática profissional.
Como Mestre, Alvim pontilhou toda sua vida por agudo senso de
responsabilidade seja como membro de uma família humilde,
estudante, professor e verdadeiro pensador e homem de ação ao
se constituir num dos principais responsáveis pela concepção,
organização, instalação e funcionamento dos departamentos
técnicos da CEPLAC, especialmente do Centro de Pesquisa do
Cacau, considerado, aqui no Brasil e no exterior, como um dos
mais bem concebidos centros de estudos agronômicos em regiões
tropicais.
Amigo é amigo.
Como disse o poeta “é coisa pra se guardar do lado esquerdo do
peito” mas, neste caso, tão especial que é o Alvim que com certeza
absoluta todos o guardam nos dois lados do peito. Seu nível de
exigência era grande, mas ao expressar o reconhecimento com a
dedicação e a qualidade do trabalho dos seus subordinados, como
que semeava afeto por onde passava. A figura amiga de Paulo
Alvim, bem humorado, risonho mesmo, não sai da memória de
seus muitos admiradores e de todos aqueles que se beneficiaram
com sua orientação profissional segura, confiável e inteligente.
Leal, sério, mas sem nunca perder seu fair play, aquela afabilidade
que sempre o caracterizou como a figura dócil que sempre foi. Um
verdadeiro amigo.
VI
***
Bem, cada história sugere ou impõe a forma, o jeito de ser
contada. A história de uma grande carreira agronômica fica mais
própria de ser narrada por um também agrônomo, pela
sensibilidade quanto a importância e a contextualização dos
temas abordados, além da necessária intimidade com a história
do biografado.
Convidamos para tanto, nosso hoje saudoso colega Frederico
Monteiro Álvares Afonso, para realizar a tarefa. Fred, então
aposentado, topou com entusiasmo; não mediu esforços para
fazer o trabalho bem feito: viajou, entrevistou, telefonou, utilizou
e-mails, pesquisou, leu, redigiu, compilou, revisou, reescreveu e
deu forma ao texto deste livro. Muitos foram os encontros entre o
Fred e eu para discutirmos alguns aspectos como o título do livro,
os capítulos que deveriam compor e a forma mais adequada pra
expressar as características do biografado. Não fosse a inevitável
fatalidade da vida que o acometera justo na fase final deste projeto
e estaria o nosso Fred também às voltas com a edição da
publicação. Para editá-la contamos com a inestimável
colaboração de um outro colega nosso, o jornalista Raimundo
Nogueira.
VII
Segundo Nogueira, quando se fala em Paulo Alvim a primeira
sensação é de simpatia e por isso mesmo ele diz de forma grata que
para a execução de sua parte contou com a boa vontade de todos os
colegas na cessão de informações, fotografias, opiniões e depoimentos, com menção especial à colaboração prestada pelo Dr.
Antônio Zózimo da Costa. Quero registrar os agradecimentos ao
eficiente trabalho da colega Fernanda Leite, nas etapas finais
deste livro como digitadora e revisora.
***
Alvim tinha o dom de identificar talentos e reverenciar a
inteligência. Foi assim que atraiu não só grandes nomes da ciência
agronômica de várias partes do mundo, como também jovens
promissores – convenceu-os a vir para este ''fim-de-mundo'' – e
os colocou de forma apaixonada a serviço da CEPLAC e do
desenvolvimento da cacauicultura brasileira. Podemos citar
Jorge Sória, Basil Bartley, Arnaldo Medeiros e muitos outros que
ainda estão na Ceplac.
Eu mesmo, um jovem recém-formado, tive a felicidade de
conhecer o Mestre Alvim na Faculdade de Ciências Agrárias do
Pará (FCAP), antiga Escola de Agronomia de Agronomia da
Amazônia (EAA), apresentado pelo Prof. Eurico Pinheiro do qual
era, juntamente com o Dr. Vicente H. Moraes, assistente na
disciplina de Agricultura Especial no Curso de Agronomia da
FCAP e, também, colaborador no desenvolvimento dos projetos
VIII
de pesquisa em seringueira no Programa da SUDHEVEA. No
exato momento em que estava sendo apresentado ao Alvim,
entusiasta que era dos aspectos fisiológicos da seringueira, foi
logo me convidando para realizar um estágio no laboratório de
Fisiologia do CEPEC para desenvolver trabalhos com aplicação de
fitohormônios em seringueira. Esta oportunidade proporcionada
pelo Mestre, além de estimular a dar continuidade aos trabalhos
técnicos em fisiologia, também, me estimulou a adquirir os
conhecimentos básicos e a experiência necessária para a
realização do Curso de Mestrado na Universidade Federal de
Viçosa (UFV). Após a conclusão do mestrado, novamente a
convite do Paulo Alvim, me afastava do corpo docente da FCAP e
passava a integrar o quadro de pesquisadores da CEPLAC. A
partir daí, sob a batuta do Mestre, tive a oportunidade de ampliar
os conhecimentos em fisiologia vegetal e ter contato com
especialistas de muitos outros países. Foi assim que, por
intermédio de Paulo Alvim e estimulado por ele, conheci o Prof.
Böle Bihel meu orientador no curso de doutorado na
Universidade Técnica de Braunschweig, Alemanha.
Foi também por intermédio de Alvim que tive o prazer de
conhecer e conviver com pesquisadores da mais alta estirpe como
o saudoso e inesquecível Ronald Alvim e muitos outros que além
de excelentes colegas de labuta, também grandes amigos fora do
ambiente do trabalho. O fato de ter participado da equipe de
IX
pesquisadores de Paulo Alvim e compartilhado com ele na autoria
de inúmeros trabalhos científicos realmente me causa grande
satisfação, contudo o meu maior orgulho é poder desfrutar de sua
amizade pessoal e convivência familiar.
***
Do proverbial bom humor de Paulo Alvim, da história familiar, do
estudante, da entrada no mundo da ciência, da sua afirmação no
exterior, de sua vinda para o Brasil, do compromisso com a
CEPLAC e a cacauicultura brasileira, seus feitos técnicos e
científicos e do reconhecimento ao seu trabalho contam melhor
as páginas deste livro. Esperamos lhe seja proporcionada uma
leitura agradável.
A ciência, os cientistas da área agronômica, o cacau e a CEPLAC
muito devem a Paulo Alvim. Receba junto com este livro
biográfico, os nossos mais sinceros e profundos agradecimentos,
Mestre e Amigo Alvim, em nome de toda família ceplaqueana.
Que o seu exemplo continue a inspirar seus colegas a darem o
melhor de si pela grandeza desta Instituição, pela grandeza de seu
País.
Com muito apreço
Manfred Willy Müller
Coordenador Técnico-Científico da CEPLAC
X
Indice
Este livro ............................................................... V
Paulo Alvim, Mestre e Amigo ...............................
1
Órfão aos dois anos ..............................................
3
Primeiras letras ....................................................
9
Primeiros colegas ................................................. 13
Primeiro emprego ................................................ 23
Ubá, berço natal de Alvim .................................... 26
Octávio Drumond, primeiro orientador .............. 30
Professor Alvim .................................................... 36
Do you speak portuguese? ................................... 43
Primeira esposa e filhos ....................................... 46
Mirian e Alexandre ............................................... 47
Alvim chega à região para instalar o CEPEC ....... 61
Simone Alvim ....................................................... 65
Fátima, o grande presente ................................... 67
Opção pela CEPLAC ............................................. 71
Papai, uma figura especial ................................... 74
Ele sempre amou as plantas ................................. 81
Coordenador técnico-científico ........................... 94
XI
Nasce o CEPEC ................................................... 99
Pesquisa, Ensino, Extensão ................................ 105
Alvim e os números do cacau ............................. 108
Um perfil sócio-econômico para o Sul da Bahia
113
CEPLAC chega à Amazônia ................................ 118
50 anos de PhD ................................................... 135
Pessoa simples; grandes amigos ......................... 139
Fundação Pau Brasil ........................................... 144
Um homem de visão ........................................... 147
Parceirão Haroldo ............................................... 150
E o cachimbo de Alvim? ..................................... 151
Depoimentos sobre Paulo Alvim ......................... 153
O brilho próprio de Alvim .................................... 155
Dr. Alvim e o extensionismo rural na CEPLAC.... 157
Alvim, um marco na comunidade científica ........ 161
Alvim, uma biografia executiva ............................ 164
Publicações e Inventos de Paulo Alvim ................ 171
Honra ao Mérito .................................................. 176
Paulo Alvim e José Haroldo................................. 178
Sobre o Autor ...................................................... 180
Mensagem a García .............................................. 183
Citações ............................................................... 190
XII
“Dentre todas as relevantes contribuições que o Dr. Paulo
Alvim deu à ciência e à agricultura brasileiras, sem dúvida alguma, aquela que melhor personifica a sua extensa obra é a instituição CEPLAC. Inicialmente criada, com caráter temporário, para
gerenciar a recomposição de dívidas da cacauicultura baiana, nos
idos de 1957, a CEPLAC se perenizou sob a inspiração e orientação
do Dr. Alvim, transformando-se em modelo de organização de
desenvolvimento agrícola, por reunir sob o mesmo comando a
execução de diversos instrumentos de política agrícola (pesquisa,
extensão rural, ensino, fomento, infraestrutura e crédito rural).
Ancorado por ilustres e honrados dirigentes como Carlos
Brandão, José Haroldo Castro Vieira e respaldado na competência técnica e sabedoria dos companheiros como Fernando Vello,
Luiz Ferreira, Manoel Tourinho, Ubaldino Dantas, Frederico
Afonso, Jorge Raymundo Castro Vieira, João Manoel de Abreu e
Emo Rui de Miranda, entre outros, Alvim imprimiu em cada um
dos departamentos e setores da CEPLAC traços e características
da sua personalidade e competência, ainda hoje cultuados todos,
dentro e fora da nossa organização. Tais traços tão fortemente nos
ligam, que certamente, e felizmente, durante muito tempo Alvim
e CEPLAC permanecerão associados como faces de uma mesma
moeda – o que muito nos honra como instituição. Por tudo isso, e
tomados pelo orgulho de tão honrosa associação é que, em nome
da CEPLAC, prestamos esta homenagem ao nosso querido mestre
e amigo Paulo Alvim, registrando neste livro aspectos relevantes e
prosaicos da vida e obra deste grande brasileiro que tanto nos
distinguiu como instituição”.
Jay Wallace da Silva e Mota
Diretor da CEPLAC
Paulo Alvim
Mestre e Amigo
O conhecimento de Paulo Alvim se dá, por ser regra, a
partir da participação, como aluno, em um curso universitário
de fisiologia vegetal, a participação ocasional em uma equipe
sua de trabalho, ou estar formalmente contratado na instituição na qual trabalha o mestre.
Depois de ser aluno, colaborador ou subordinado formal
de uma equipe sua, poderá, ou não, vir a ser distinguido, depois
de anos de convivência, com a sua amizade. O nascimento de
uma amizade não é coisa muito difícil, dado o espírito aberto,
franco, sempre disposto a ampliar o seu círculo de amigos. Não
que o mestre Paulo Alvim não seja seletivo; é, sim. Somente
depois de passar por um rigoroso crivo, uma cuidadosa avaliação, é que o aluno, o colaborador, poderá vir a ser amigo de
Paulo Alvim.
Como a minha tarefa, contratado que fui pela Diretoria
Científica da CEPLAC — Comissão Executiva do Plano da
Lavoura Cacaueira, através do Dr. Manfred Willy Müller, para
biografar o mestre Paulo Alvim, terei que garimpar informações, pesquisar fontes, consultar documentos e entrevistar
amigos e contemporâneos para organizar e escrever um texto
no qual descreva Paulo Alvim. Desde o seu nascimento em Ubá,
Minas Gerais — terra de Ary Barroso —, a sua infância, a adolescência, os cursos primário, secundário, universitário e pósgraduação em Cornell, Ithaca. Terei que ter fôlego, espírito
analítico e uma visão humanística clara.
1
Uma parte delicada, difícil, será descrever Paulo Alvim,
nos seus primeiros amores, casando, sendo pai, criando,
cuidando e curtindo a sua prole, a sua filharada.
Isto porque, com o passar do tempo, “... os olhos vão se
turvando de espreitar a solidão à luz do dia e o abandono no
breu da noite” como escreveu o agrônomo, Ex-ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues. Paulo Alvim já não terá a
risadaria frouxa, as gargalhadas sonoras, os gritos lancinantes.
Tudo será mais comedido, mais interior, porque o coração vai
se enchendo de vazios, determinados pela saudade do que não
fizemos. Porque saudade é um sentimento ruim, representa
um tempo perdido, em que deixamos de decidir, e agora, não
tem mais volta.
Com todos estes considerandos, resultou o título que
escolhi para batizar a biografia: Paulo Alvim, Mestre e Amigo.
Vá anotando estes contrastes, estas atitudes paradoxais,
leitor velho de guerra, e veja o cipoal em que nos metemos ao
pretender estudar exemplar tão complicado da espécie humana. Mas hei de dar conta da empreitada, afinal eu sou da
Amazônia, vim das matas densas de Rondônia, e também
porque no dizer de Dugpa Rimpoche: “A amizade é como o
perfume das flores. Ela repleta de bálsamo aquele que se conserva em
sua presença. Não procure cortá-la, desenraizá-la, para levá-la
ciumentamente contigo. Tu a farás morrer”.
Frederico Monteiro Álvares-Afonso
2
Órfão aos dois anos...
“Quando olho para trás vejo que
carrego em meu ser várias marcas de
pessoas extremamente importantes”.
Paulo de Tarso Alvim Carneiro, ou simplesmente Paulo
Alvim, nasceu em Ubá, Minas Gerais, no dia 23 de fevereiro de
1919, filho de Francisco Alvim Carneiro e Alayde Brandão
Alvim, mais conhecida em Ubá, como Dona Neném Alvim.
Órfão de pai aos dois anos de idade, sua educação, assim como
a de seus três irmãos maiores — Maria José, José Geraldo e
Lygia Vicentina — ficou sob a responsabilidade de sua mãe que
para tanto exerceu por muitos anos a profissão de costureira.
Quando Lygia Vicentina faleceu prematuramente — aos
29 anos — deixou quatro filhos órfãos: José Maria, Songia,
Nelson e Marco Paulo. Órfãos, foram acolhidos pelo enorme
coração de Vovó Neném Alvim. Ali receberam carinho, cuidados com a saúde, alimentação, sustento enfim.
Nos meados do século XVIII, fixara-se em Furquim o
Capitão Francisco Xavier de Barros Souza e Alvim, português
de Braga, sobrinho do Padre Alvim e proprietário das jazidas
no Arraial de Pinheiros, município de Mariana. Casando-se
com Maria Felizarda, desse casal nasceu Ana Maria Angélica
Souto Maior Alvim, que casada com o Alferes Joaquim José de
3
Faria Lana, teve três filhos; um deles, o Coronel José Cesário de
Faria Alvim, herdeiro e ocupante das minas do Arraial de
Pinheiros, é o pai de Cesário Alvim.
Paulo de Tarso Alvim Carneiro, nosso Paulo Alvim,
descende do fundador do município de Ubá¹, na seguinte
linhagem: Tereza Cezário Alvim Carneiro, neta do CapitãoMor, Antonio Januário Carneiro, casada com José Justiniano
Carneiro, teve dois filhos: Astolfo e Francisco Alvim Carneiro.
Francisco Alvim Carneiro foi casado com Alayde de
Castro Brandão Carneiro e desse consórcio nasceram quatro
filhos: Maria José, José Geraldo, Lygia Vicentina e Paulo de
Tarso Alvim Carneiro. Paulo Alvim é neto de Cesário Alvim e
bisneto do Capitão-Mor Antonio Januário Carneiro e desta
forma Paulo Alvim é trineto do fundador do município e bisneto de Cesário Alvim.
Uma estória muito tocante e que ajuda a entender o
ambiente familiar de Paulo Alvim, foi contada por Songia
Alvim, filha da Lygia Vicentina, irmã de Paulo Alvim. Quando
Lygia Vicentina faleceu aos 29 anos, deixou quatro filhos
pequenos, sendo o mais velho com cinco anos, e o menor com
três meses. Nesta ocasião, Vovó Neném e a tia Maria José, a
mais velha das irmãs, ainda solteira, acolheram as quatro
crianças. Paulo Alvim já estava estudando nos EUA, em
Cornell, e já casado com Leontina e começando a criar a sua
família.
4
Eu - conta Songia Alvim 2, sendo uma criança, só sabia
que ele estava sempre no exterior. Em um dos natais que eles
passaram lá em casa, lembro-me que tia Leontina quis fazer um
grande evento. Preparou uma enorme árvore. Uma ceia maravilhosa e nos mandou para assistir ao espetáculo de um circo
que estava na cidade.
Tudo para esperar a meia-noite quando chegaria o
Papai-Noel e nós poderíamos abrir os presentes. A tia Leontina
foi também ao circo. Acho que foi a minha avó Neném que
estragou tudo, pois quando chegamos a casa, todos os lindos
pacotes já haviam sido desembrulhados pelos pequenos
(Leonardo e Heloisa), que haviam ficado em casa. Abriram os
presentes, é lógico, com a permissão da vovó que nunca sabia
dizer não aos netos. Tia Leontina se aborreceu e chorou como
criança.
Eram quatro crianças lindas. Marília e Leonardo,
lourinhos de olhos azuis, como anjinhos. Aliás, o Leo estava
nesta época, mudinho, indeciso se falava português ou
espanhol. Aos dois anos decidiu ficar calado... Mais tarde
resolveu falar português mesmo. O Paulo Cesário é o mais
parecido com tia Leontina; mais moreno como ela. Heloísa,
Marília e Leo se parecem com o tio Paulo Alvim. Lembro-me
ainda que tio Paulo Alvim, estava sempre escrevendo para a
vovó Neném, que tinha um enorme orgulho deste filho,
inteligente. Carinhoso, engraçado e ainda por cima, famoso,
como ela dizia sempre. Quando ele chegava a Ubá era uma
5
festa. Todo mundo queria visitá-lo, ficar perto dele e rir de suas
piadas engraçadas. Ninguém fica triste perto de tio Paulo
Alvim.
Casa de Paulo Alvim em Ubá, MG.
Como a vida desta família nunca foi fácil, aprendemos a
nos apegar uns aos outros e sempre com muito amor e
solidariedade.
Paulo Alvim morou em Ubá³ na Avenida Raul Soares,
perto da casa dos Crispi e Levindo Coelho. Segundo
depoimento do biografado “... Esta foi provavelmente a casa
mais vagabunda em que moramos em Ubá. Eu deveria ter uns
oito a dez anos nessa época, e uma das minhas diversões era
ficar sentado topo da coluna do portão - onde estou me
apoiando na foto - para chatear o povo que passava”.
Durante sua infância em Ubá o acontecimento que mais
o impressionou foi o bombardeio da cidade por um avião do
Governo, em três de outubro de 1930, em revide pela presença
de tropas que apoiavam a revolução getulista contra a posse do
6
Presidente Júlio Prestes — sendo que uma das bombas atingiu
uma casa vizinha à de sua família, na esquina da Rua Peixoto
Filho e o Beco do Padilha.
O caso do bombardeio causa hilariedade após mais de
meio século passado, mas na época foram dramáticos, pois o
bombardeio fez com que as famílias fugissem para as fazendas
vizinhas. Conta Paulo Alvim que “... suas primas retiraram os
santos de gesso dos oratórios e os colocavam sobre a cabeça
invocando a proteção divina contra as bombas que os
aeroplanos jogavam sobre a cidade”.
Esse acontecimento serviu de motivo a Paulo Alvim para
começar escrever sob o pseudônimo de “K. C. T.”, uma pequena
coluna semanal intitulada “Implico”, na qual fazia críticas ou
comentários pouco elogiosos a fatos e pessoas conhecidas na
cidade, e que publicava em um minúsculo jornal intitulado
“Alfinete”, distribuído pela Tipografia e Papelaria Siqueira.
Certa vez citou um poeta anônimo que disse:
“Pedi a Dios un consejo para me dar alegría
Dios me mostró la tierra y dijo: trabaja, siembra y cria”.
E completou Paulo Alvim
“Trabajé mucho la tierra, fiz todo que Dios mandó.
No hice dinero em la vida, “Pero la alegria quedó”.
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Em Ubá no ano de 1938, aos 19 anos, compôs o seu
primeiro soneto intitulado Sonhadô, que fala assim:
Já fais treis ano tarveis
“si sua boca é integralista,
Qui eu casei com dona Ineiz
Si seu zóio é comunista,
Apesá de num sê bela
Seu nariz, qui ta no meio,
E de sê minha muié
Deve ser imparciá”
Eu num sei pruque qui é
Si eu zoiasse pro seu zóio
Qui eu vivo a sonhá com ela.
Sua boca num mi beijava.
Si na sua boca eu bejasse,
Ind'hoje um sonho isquisito
Seu zóio num mi zoiava.
Vei mi dexá muito afrito...
Sabe intonce o qui qui eu fiz?
- Só pensei no seu nariz!
Sonhei, no sonho sonhado,
Tava mêmo apaxonado
Qui ela féis pouco de mim:
Pro nariz de minha Ineiz,
Linhô com Plínio Sargado,
Quando uns tapa inesperado
Bejô um tar de Istalim,
Acordo-me d'uma veis.
Seu zóio ficaro verde,
Vendo qui mi batia
Sua boca cor de carmim.
Eu quis sabe p'ruqui é
Intonce eu vi qui lambia
O nariz da mi'a muié.
Uma tristeza mi veio
Ubá, 1938.
E eu garrei a maginá
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Primeiras Letras
Paulo Alvim foi alfabetizado no “Colégio Brasileiro”, tia
Sinhá, terminou o curso primário no Grupo Escolar Camilo
Soares, em dezembro de 1931.
Fez o seu curso secundário no Ginásio Mineiro de Raul
Soares, entre 1932 e 1936, tendo como professores algumas
ilustres personalidades da sociedade ubaense, entre as quais os
Doutores Ary Gonçalves (História), Ângelo Moreira Barleta
(Português), Senador Levindo Coelho (Inglês), Newton
Carneiro (Francês), Eduardo Carlos Pereira (Botânica),
Adjame Martins Carneiro (Física), José Augusto Rezende
(Química), e a poetisa Leocádia Godinho e Siqueira (Desenho);
Paulo Alvim foi o Orador da Turma.
Grupo Escolar Camilo Soares, Ubá, MG.
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O seu discurso de formatura, pronunciado no dia 11 de
agosto de 1936 — Paulo Alvim tinha 17 anos — é uma peça
oratória que merece ser transcrita em sua biografia, porque
trata de uma coisa muito importante que até hoje é motivo de
angústia e sofrimento do povo brasileiro: a EDUCAÇÃO.
Vejamos o que dizia Paulo Alvim aos 17 anos:
“Aos 11 de agosto de 1827 foram criados os primeiros cursos jurídicos em nossa pátria. Ora, a data deste grande passo em prol da
educação brasileira deveria ser lembrada como um justo feriado
nacional. E por isso o nosso governo estabeleceu ser o dia 11 de
agosto comemorado como o dia dos estudantes brasileiros.
Como vedes, senhores, a importância histórica deste dia é bem
minúscula em vista de sua alta significação moral. Onze de Agosto é o
dia dos verdadeiros formadores do Brasil futuro. É bem certo que o
erudito Ruy Barbosa não queria se referir à infeliz mocidade analfabética, quando disse que os moços de hoje serão o Brasil de amanhã.
Pois só o estudo pode criar homens capazes de formar um Brasil mais
glorioso.
É só no estudo, perseverantemente, que os homens de destaque
duradouro na política, nas ciências, nas artes e nas guerras, porque
são portadores de conhecimentos seguros da causa que patrocinam
perante a sociedade. Tentar suster-se em posição de relevo sem o
necessário alicerce cultural é cair fragorosamente no ridículo.
“Seria acreditar na existência de árvores frondosas, mas sem raízes.
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“Homens tais suicidam-se pela presunção”. Comparáveis são a um
edifício elegante, bonito, mas construído sobre a areia. Basta-lhe um
pequenino estremecimento do solo para que se desfaçam em um
pesado montão de ruínas.
O estudo é necessário para tudo e para todos. Ele está para o espírito
assim como o ar está para o corpo.
Hoje em dia mede-se o valor de um povo pela sua cultura. E esta é a
principal causa que torna o Brasil um tanto humilde perante algumas
nações. O desleixo dos governos passados deixou um pouco de lado
aquilo que a pátria mais necessitava.
Mas, hoje, felizmente, clareiam os horizontes da educação nacional.
A nova carta política atribui a cada escola o lugar de relevo que ela
merece. Em todas as nossas metrópoles fundam-se vários estabelecimentos de ensino.
Não bastariam porém, os progressos da metrópole para o êxito da
campanha empreendida. E por isso procura-se interiorizar a propaganda, para que se atinja o íntimo, familiarizando o povo das cidades
e vilas com o conceito do papel proeminente da educação na prosperidade das nações, e com o desvelo que lhe tributam, conscientes
dessa verdade, os países “leaders” do Universo. Esta benemérita
campanha está, a um só tempo, a serviço de dois grandes fins:
melhorar o futuro da pátria e melhorar o futuro da juventude. Mas
nós estamos no seu princípio e por isso ainda é evidente o atraso da
educação brasileira.
E é justamente devido a este atraso que o Brasil se vê obrigado a
deixar de aproveitar mais de 3/4 de seu riquíssimo território. É por
causa deste analfabetismo que nossa indústria não teve grande
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progresso, necessitando nossa pátria importar tudo de estranhas
plagas, fazendo-nos suportar repugnante influência estrangeira.
Desde o mecanismo até o pessoal utilizado em nossas fábricas, tudo
nos vem do estrangeiro. Falta-nos o preparo técnico. Falta-nos a
necessária instrução.
Mas agora a situação muda de face. Porque enfim o Brasil compreendeu que ao invés de importar charlatães interesseiros de outros
países, educassem e disponibilizassem saúde aos pioneiros de sua
lavoura, seus ‘‘inermes jecas-tatus” (corno os chama o estrangeiro) e
veria repontar nestes, com todo o vigor, a tempera de aço que caracteriza o brasileiro do sertão.
Enfim o Brasil compreendeu que é na política educacional que está a
sua salvação. É educando que se consegue o verdadeiro progresso de
uma pátria. Do extraordinário desenvolvimento desta recente
campanha é obra nacional de que todo o brasileiro tem o direito de
ufanar-se.
Eu não vejo os seus beneméritos resultados, mas sinto-os. Sinto-os
porque vejo o esplendoroso desenvolvimento da educação brasileira.
E sentindo-os eu prevejo a futura República do Brasil, rica, prestigiada e forte, brilhante realização do sonho patriótico dos estudantes”.
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Primeiros colegas
O discurso feito por Paulo Alvim, aos 17 anos, tem
pontos importantes a destacar: a) - apenas começava a II
Guerra Mundial e Paulo Alvim já percebia a importância da
industrialização; b) o terceiro parágrafo alicerça toda a sua
caminhada científica na via da valorização do conteúdo e do
saber: “... seria acreditar na existência de árvores frondosas,
mas sem raízes. Homens tais suicidam-se pela presunção”.
Foi seu colega e amigo inseparável no Colégio Brasileiro
4
(secundário) e na UFV, Renato Ribeiro , que se formou em
agronomia e hoje reside em Campo Grande Mato Grosso do
Sul, mas que continua mantendo relações fraternas com Paulo
Alvim. Renato Ribeiro chegou em fevereiro de 1936 a Viçosa
para prestar vestibular para a Escola de Agronomia. Segundo
informações do próprio Renato Ribeiro a sua chegada a Viçosa
foi nos primeiros dias de fevereiro, acompanhado por seu pai, e
logo foram à escola para fazer a inscrição para o vestibular. Um
prospecto da época dizia: “Se o número de candidatos for maior
que o número de vagas, poderá ser exigido um exame
vestibular’’. Eu não estava preparado para o vestibular, disse
Renato Ribeiro. Procurei um cursinho, com mais de cem
alunos e vi que o preparo da turma era muito superior ao meu.
Falei ao meu pai que eu não poderia prestar aquele exame e ele
disse: “...Como nós já fizemos a sua matrícula seria bom você
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prestar o exame, para ficar a par do que é um vestibular, em
Viçosa”. Foi um bom conselho. As duas primeiras provas foram
história natural e química, nessas passei; a segunda prova seria
física, nessa eu já reprovei; a terceira prova, seria matemática.
Fiquei em Viçosa todo o ano de 1936 fazendo um cursinho,
éramos uns vinte a trinta alunos. O vestibular teve mais de
trezentos candidatos, e no segundo semestre o número do
cursinho já pulou para uns cinqüenta a sessenta candidatos.
Fomos conhecendo alguns alunos que já cursavam a
escola e entre esses, alguns rapazes de Ubá, a cidade de Paulo
Alvim. Diziam que viria um rapaz de Ubá, Paulo Alvim, que
terminara o ginásio esse ano, e que viria passar no vestibular.
Eu até ria dele e dizia: só com o ginásio não vai passar. Eles nos
falavam que o Paulo iria passar brincando no vestibular.
Foi nas vésperas do exame que vim a conhecer o Paulo:
magrinho, branquinho, boa estatura, mas além de magro,
corcunda. Não dei nenhuma importância a ele, achei-o
insignificante.
Fomos aprovados, menos de vinte alunos, lá no quadro
estava o nome do Paulo Alvim e também o meu. No primeiro
semestre não quis ficar no interno, com medo do trote. Só fui
para o internato no segundo semestre. No segundo semestre
eu e outro colega de turma, o Paulo Newlands, filho de um
catedrático da Escola de Odontologia do Rio, ficamos num
mesmo quarto, quando apareceu o Paulo Alvim, e perguntou se
ele poderia ocupar a terceira vaga. Claro, é de quem quiser.
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Assim moramos os três companheiros no mesmo quarto por
todo o curso. O Paulo Newlands e o Alvim logo brigaram e não
se falavam, e assim passamos durante todo o curso.
Eu, e o Paulo Alvim e também o Newlands, nunca
brigamos ou ficamos de mal, como se dizia, fomos sempre bons
amigos. Eu e Paulo Alvim às vezes lutávamos, luta livre, mas
nunca dávamos tapas ou qualquer outra injúria.
Certa vez, estávamos lutando, quando uma senhora
idosa, que era responsável pelo refeitório, lá de baixo, nos viu,
então deu uns gritos e mandou dois garçons para apartar a
briga, pensando que era briga de verdade. O Paulo Newlands
me queria muito bem também, mas reconheço que não era um
bom caráter; ele era o único colega que às vezes colava nas
provas. Certa vez, outro colega o viu colando e disse: “... Tenha
vergonha rapaz, não faça uma coisa dessas”. Com o Paulo
Newlands, depois de formado, sempre eu estava com ele, a
princípio em São Paulo, e depois no Rio. Ele descendente de
Inglês, muito branco, logo adquiriu um câncer e morreu cedo.
Talvez o primeiro a morrer.
Paulo Alvim logo sobressaiu na turma, pela sua
inteligência. No primeiro ano, tivemos um professor de
matemática, Dr. João Neves, magro, alto, calado, de São João
Del Rei, que eu penso que era parente do Dr. Tancredo Neves.
Ótimo professor, bastante careca, um tanto nervoso, quase não
conversava com os alunos.
Certa vez ele explicava no quadro uma passagem de
15
matemática, quando um aluno perguntou a ele: Dr. Neves,
porque essa expressão matemática virou aquela? Ele ficou
nervoso, jogou o giz no chão, e começou a falar: “... Por isso é
que eu quero deixar de dar aulas, porque vocês não prestam
atenção e depois vêm me perguntar isso!” Era de se temer o
terror que o professor nos impunha.
Então nós não perguntávamos mais ao professor.
Quando terminávamos a aula, íamos para uns bancos do
jardim, que tinha um enorme gramado e perguntávamos ao
Paulo Alvim: por que tal expressão virou aquela? O Paulo muito
solícito, primeiro nos passava uma carraspana: “... Vocês são
uns burros, por que vocês não ficam de quatro pés e saem
pastando esse gramado todo?
Depois ele nos dava a sua explicação, e entendíamos
melhor do que as explicações do Dr. Neves.
O Paulo Alvim foi sempre um bom colega, amigo de
todos. Gostava de festas, gostava de violão, cantava uma
modinha: tem grilinho e intercalava versos seus. Gostava de
dançar e sempre arrumava as melhores garotas da festa. Muito
alegre, piadista, estava sempre bem posicionado. Na nossa
formatura, foi o orador da turma, cujo discurso, que versava
sobre o papel da educação, certamente deverá constar de sua
biografia.
16
Da mesma forma o Victório Emanuel Constantino Codo,5
ligado há 83 anos por indissolúveis laços da amizade e
coleguismo fez exame de admissão na mesma turma de Paulo
Alvim, para cursar o primeiro ano ginasial no Ginásio Mineiro
Raul Soares, quando sediado na Rua 13 de maio, próximo à
Praça São Januário, o “Jardim”.
Paulo Alvim foi um aluno que sobressaía, pelo seu
raciocínio privilegiado e então em matemática, sem nenhum
esforço, resolvia os problemas com admirável facilidade.
Somos ligados por uma amizade tão profunda que nos
tornamos parentes, na aproximação do meu matrimônio. Foi
um grande estudante, prodigioso pelo caráter, pela
inteligência, pela humildade, mas, perfeito em sua
personalidade e suas inacreditáveis qualidades afetivas.
Enfrentou dificuldades financeiras com bravura
indômita, enchendo de admiração e respeito os seus colegas.
Presenciamos reintegrar-se na sua atividade, graças ao seu
gênero alegre. Sobressaía pelo talento e a aplicação. No Ginásio
Mineiro Raul Soares foi membro do Grêmio Literário Rui
Barbosa, escrevia para o jornal “O Gremista” tendo sido um dos
redatores, sempre com austeridade e sabedoria. Apesar de seu
espírito alegre estar sempre disposto ao gracejo, todavia, em se
tratando de estudo ou trabalho, era circunspecto e austero.
Preocupava-se com leituras literárias. Seus artigos eram
cheios de imaginação, de bom gosto, de finura e elegância de
linguagem. Alguns faziam referências à história, à poesia.
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Sobressaía, antes de tudo o literato, homem de letras com seus
predicados mais autênticos e inconfundíveis. Devo declarar,
antes de tudo, que me sinto à vontade para exprimir-me sobre a
personalidade de Paulo Alvim, sendo tão ricas e numerosas as
suas facetas e os seus ângulos, que bastará a sua grandeza, pois
tudo está tão vivo, tão concreto, que será suficiente apanhar os
dados para que apareça o seu valor, independente dos louvores
que lhes possa ajuntar.
Lá, entrei em contato com Paulo Alvim e fomos juntos,
alfabetizados. Paulo Alvim, aí teve contato com as primeiras
letras, com prazer, espontaneamente, sem imposições
desagradáveis, capazes de sacrificar o gênio ou a inteligência da
criança. Educou-se sem esforço, tão natural que o valeu para
despertar seus instintos e tendências que o dominavam e
deram direção à vida. Os seus sentimentos de ordem e
disciplina eram de um homem adulto, com certeza devido aos
revezes da vida, daí procurando o equilíbrio e harmonia.
As crianças vêem à vida por um prisma muito diferente
da gente grande, o prisma da imaginação. Vivem num mundo
ideal. Vivem dando vida ao imaginário. Paulo Alvim viveu sua
infância e adolescência nesta Ubá, a “cidade carinho”, cujas
circunstâncias do ambiente deram direção às tendências,
muito compreensíveis.
Criado dentro desse ambiente saudável de bons
exemplos, convivendo com companheiros filhos de famílias
conhecidas e de bons costumes, gente de sua predileção. Onde a
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infância de Paulo Alvim atingiu máxima significação foi seu
pendor que teve pela leitura. Na sua meninice, a imaginação
infantil, entregue a si próprio, criava personagens sempre com
o mais requintado humorismo, com feição irônica. Fazia parte
de um grupo de meninos que frequentavam os banhos no rio,
mestre em soltar papagaios. Neste período havia o hábito de
conversar-se trocando as sílabas das palavras de trás para
diante. Falava-se com tal rapidez que quem não conhecesse o
mecanismo, ficava desnorteado.
Em casa recebeu uma excelente educação, ótimas
noções de pedagogia e psicologia aplicada, com a sua mãe e sua
irmã, Maria José. Souberam trabalhar. Aplicavam os seus
recursos de maneira que tiveram efeitos prodigiosos,
contribuindo para que Paulo Alvim fosse excelente aluno. Era
respeitado, sempre alegre, e fazendo relatos que divertiam,
com seu senso de humor inato. Pilhérias eram a sua tônica.
A caminho do curso superior. Ao terminar o quinto ano
ginasial em 1936, começou a sentir suas tendências para o
estudo da engenharia - agronômica. Passou a estudar
ativamente e seguiu para Viçosa, para a ESAV, onde se
inscreveu para o vestibular, sendo aprovado nos primeiros
lugares. Submeteu-se aos trotes como calouro, sempre
demonstrando bom sentimento, tolerância, admitia aqueles
modos de agir e de sentir, recebendo as brincadeiras como tal
bom humor que terminava tudo em pilhéria.
No fundo, porém, surgia invariavelmente o calouro de
19
bons sentimentos, sempre no alto dos acontecimentos,
conforme suas tendências, as fantasias, os seus desejos.
Ninguém foi mais divertido do que ele, que levava, com
conversas entre seus colegas, ávido de anedotas, pleno de
humor em sua convivência íntima agradável.
Nas festas sociais, era sempre elogiado e sempre
inventava brincadeiras endiabradas. Após um período de
convívio com os aperreios dos veteranos, havia a “Marcha Nico
Lopes”, um desfile de calouros fantasiados, passando pelas
ruas da cidade, onde terminava com um discurso, escrito em
um rolo de papel higiênico, lido por um calouro, composto de
piadas, anedotas, etc. No decorrer, o rolo de papel vai-se
desfazendo pouco a pouco e quando está quase desfeito, vem à
palavra final “FIM”. Alvim, apesar de receber os trotes,
contribuiu na sua formação, criou novidades e mesmo
auxiliava escrever o longo discurso. Paulo Alvim terminou o
curso de engenheiro-agrônomo em 1940. Ano seguinte foi
para o Rio de Janeiro, com o objetivo de exercer sua profissão.
Foi residir em uma pensão de estudantes no Flamengo, onde
moravam vários ubaenses, estudantes, onde também me
encontrava. Logo se entrosou com os residentes, em pouco
tempo era ídolo dos vestibulandos, principalmente dos
candidatos à Escola Militar, naquele tempo muito disputada. E
era o terror dos aspirantes ao curso dos famosos “carroções de
fogo”, operação matemática apelidada de quilométrica.
Despendia-se muito tempo para resolvê-las. Os alunos
20
que se preparavam para os exames, traziam para Paulo Alvim
estes “quebra-cabeças”, e ele com toda a sua tranqüilidade, sua
característica, se sentava ao lado dos alunos, lendo e relendo o
problema, rodando o lápis entre os dedos de vez em quando
escrevia um número. E assim repetia esta cena. Em determinado momento anunciava: “O resultado é este; agora vamos
desenvolver a operação”. Com surpresa dos ouvintes, Alvim,
em pouco tempo, após preencher uma folha ou mais de papel,
com o desenvolvimento do problema, anunciava o resultado já
previsto e jamais se enganava.
Paulo Alvim, quando professor em Viçosa, certa feita,
estudava abertura dos estômatos na epiderme foliar e caulinar,
em presença da luz. Havia um “ronda” na ESAV, Juvenal, que
se assustou, ao deparar, em meio das plantas, uma figura, um
lençol esvoaçando, correndo. Seu susto foi tal que mesmo após
anos, lembrando ao Juvenal que era o professor Paulo Alvim,
ele jamais se convenceu. Era mesmo, para ele “alma-do-outromundo”.
Certa feita, Paulo Alvim estava no Rio de Janeiro, numa
época em que ainda circulavam os bondes que faziam ponto na
Galeria Cruzeiro, na Avenida Rio Branco. Era um ponto de
encontro tradicional, onde havia o bar da Brahma. Lá degustávamos um chopinho, quando apareceu uma de suas primas,
Maria Cléo, que propôs organizarmos uma sessão que dizia ser
de espiritism0. Colocou o abecedário em círculos sobre a mesa
e um copo no centro, emborcado. Todos os presentes puseram
21
o indicador sobre o copo e Maria Cléo perguntava: “Há algum
espírito presente?” E o copo se movimentava, de letra em letra,
e desta vez escreveu: Olinto Brandão. Paulo Alvim pegou o
copo, levando-o aos lábios e falou: “Bebi meu avô!”
22
Primeiro emprego
Depois da formatura fui para o Rio de Janeiro, onde
passei dois meses e meio. Foi uma ótima temporada, ficamos
no Hotel Guanabara, na Praia do Flamengo, um ótimo hotel,
quando nos aparece lá no Rio, o Paulo Alvim. Lá ele me disse:
“... Renato vim para o Rio para procurar um emprego de
Agrônomo. Não é possível, vim para procurar o DASP —
Departamento de Administração do Serviço Público”; era onde
se fazia um concurso para qualquer cargo público. Dizia Paulo
Alvim: “... Vou fazer até concurso de datilógrafo, qualquer
emprego de mais de 600,00 (seiscentos cruzeiros) me serve.
Quero, apenas, sobreviver”... Uns dois dias depois,
encontrando-me com ele, me falou: estive com o Dr. Erly Dias
Brandão e este lhe dissera que em Viçosa estavam procurando
uma pessoa para ser auxiliar do professor de botânica, que ele
já tinha telefonado para a escola e pediram que ele fosse até lá.
Assim nasceu o fisiologista Paulo Alvim, como todo sujeito
inteligente, era da área de matemática, odiava ciências
naturais, que exigia muita decoreba, que ele não gostava.
Era Diretor da Universidade de Viçosa o Dr. J. B.
Grifing, o professor americano, que o Dr. Benedito Valadares
contratou. O Dr. Grifing era uma ótima pessoa; veio para
levantar a agricultura mineira.
23
Especialista em algodão, já tinha dirigido uma escola na
China. Ele fez dois contratos com a Universidade de Cornell e
de Ohio, e podia mandar para cada uma, dois professores por
ano, para cada especialização, tudo custeado pelas
Universidades americanas.
No segundo ano, o Paulo Alvim foi um dos sorteados. Lá
se foi o nosso Paulo para a Universidade de Cornell, Ithaca,
USA. Chegando a Cornell, houve uma primeira prova
semestral. O Paulo Alvim caiu doente, com uma pneumonia, e
chegou a ser internado no Hospital da Universidade.
Um dos seus professores foi visitá-lo no hospital. Lá em
conversa com o Paulo Alvim, disse: “... Gostamos muito da sua
prova semestral”, e repetiu por duas ou três vezes, e no final
disse: “... O senhor não vai fazer o MSc, o senhor vai fazer o
PhD”.
O Paulo Alvim deu uma gargalhada e disse a ele que não
poderia fazer, pois a sua bolsa era de um ano, e o PhD era de três
anos. O Professor disse que esse curso seria custeado pela
Universidade e assim o Paulo Alvim fez o PhD, em Cornell, uma
das melhores Universidades americanas.
Alguns anos depois encontrei na Avenida Copacabana, a
Leontina (primeira esposa de Paulo Alvim); fizemos muita
festa, foi até nosso apartamento e disse-me que o Paulo
chegaria naqueles dias. Chegando, me procurou e disse: “...
Renato, não tenho mais condições de trabalhar no Brasil;
ganho na OEA, U$ 6000 mensais, e aqui no Brasil querem
pagar a um agrônomo 1.500 a 2.000 reais por mês”.
24
Visitei o Paulo Alvim umas quatro vezes em Itabuna e
Porto Seguro, na Bahia. Ele veio aqui em Mato Grosso uma vez
visitar uma plantação de seringueiras em Rondonópolis, e
fomos juntos. Em casa, lembrando os velhos tempos, tocou
violão e cantou os seus grilinhos. Paulo Alvim sempre me dizia
que nós estamos vivendo muito, porque não praticamos
esportes radicais que forçam o organismo.
Para me permitir mais lembranças deixo o:
“Convite para a Festa de São Pedro”
Junho de 1937.
São Pedro, manda te inconvidá vosmecê, sua famia.
Pruma festa que se vai dá na escola de Agronomia.
O bom velho já enfeitô com bandeirinha de Cô o local do
fogaréu.
Também para não dá gagueira já fechou todas as
torneiras.
Que manda agora do céu.
Traga toda afamia.
Sua muié, suas fias.
São Pedro quer muita gente.
Mais muié naturalmente.
Porque home São Pedro dá.
25
Ubá, berço natal de Alvim
Ubá é um município brasileiro do estado de Minas Gerais,
conhecido como “Cidade Carinho”. Foi criada em três de julho de
1857; o gentílico é “ubaense”. Fica situada na mesoregião Zona da
Mata, com uma área municipal de 407 quilômetros quadrados, e uma
população de 94.228 habitantes, de acordo com estimativa do
IBGE/2007; tem uma densidade demográfica de 231 habitantes/km
quadrados. A maior parte do município encontra-se inserida na bacia
do rio Paraíba do Sul e uma pequena porção na bacia do rio Doce. A
sede municipal dista, por rodovia, 290 quilômetros da capital Belo
Horizonte, O IDH médio é de 0, 773 de acordo com o PNUD 2000.
Ubá é o segundo centro industrial da Zona da Mata, atrás de Juiz de
Fora. A cidade possui aproximadamente 1.000 estabelecimentos
industriais de grande, médio e pequeno porte. Boa parte do PIB é
representada pelo setor serviços, mas a indústria desempenha o papel
mais importante na economia do município, principalmente na
fabricação de móveis. A cidade é o maior pólo moveleiro do estado de
Minas Gerais e o terceiro do país.
A importância do pólo moveleiro, juntamente com outras oito
cidades vizinhas (Guicirema, Guidoval, Piraúna, Rio Pomba,
Rodeiro, São Geraldo, Tocantins e Visconde do Rio Branco), é
considerado o principal de Minas Gerais. Cerca de 20 mil empregos
diretos e indiretos são gerados em aproximadamente 400 empresas
26
que fazem parte do pólo, porém o número de empresas do setor
somente na cidade de Ubá é superior a 500 empresas.
A saga dos imigrantes é recheada de histórias de coragem que
percorrem todo o país, e Ubá não ficou de fora desse importante
6
capítulo da história nacional . Desde os primeiros colonizadores
portugueses, a construção do país foi feita com os olhos voltados para
fora. Seja na esperança de conquistar riquezas, como no caso da
colonização lusa, ou na saudade da terra natal dos escravos africanos,
o Brasil foi seio que alimentou os sonhos de diversas nações.
Há mais de 150 anos, quando a cidade iniciava a sua
caminhada, ou recentemente, os imigrantes chegaram e continuam
chegando, trazendo na mala saudades e muitas lembranças. Nos
primórdios de Ubá, quando ainda tinha uma população em torno de
3.000 habitantes, a cidade recebeu uma leva de migrantes italianos —
outros 3.000 — que foram assentados em terras do município e
passaram a cultivar a terra, com o plantio de fumo, em propriedade
familiar.
A grande maioria dos que chegaram naquele tempo era
italiana. Até hoje se mantêm fortes as famílias de origem ítala na
cidade. Duas fazendas receberam a maior parte deles, a fazenda
“Floresta”, que recebeu as primeiras famílias que chegaram, e a
“Cachoeira”. Foram nesses dias que se instalaram na região nomes
que escutamos até hoje: De Felippe, Cavalieri, Vailone, Peluso,
Giaccola, Caiaffa, Brando, Guilhermino, Lauria, Barletta, Fusaro,
Parma, Girardi, Crispi, Amato, Trevizano, Balbi, entre muitos outros.
27
Com a expansão do município, os italianos começaram sua
caminhada rumo à prosperidade. Comércios e pequenas indústrias,
como a de bebidas fundada pelo Major Fusaro, foram fruto do
pioneirismo desses homens que enxergavam longe. A história de
muitos deles ficou esquecida com o tempo, mas ainda pode ser
resgatada. Na lembrança dos familiares e de verdadeiros arquivos
vivos, como Dona Taura Farnetano, italiana que acompanhou esse
processo, se podem reunir os relatos da história da cidade.
A indústria moveleira de Ubá se deve a uma ação de
empresários que, tentando incentivar o desenvolvimento regional,
solicitaram apoio à Prefeitura Municipal de Viçosa, para ali assentar
indústrias em um pólo moveleiro. O Prefeito de Viçosa não se
interessou pela proposta e então a atividade foi levada para Ubá.
Além dos imigrantes italianos, há que se referir à imigração
dos libaneses, que é uma das mais significativas em Ubá. Vindos do
Império Turco-Otomano, passavam por grandes problemas, tanto
políticos quanto sociais, os árabes vieram para o Brasil em busca de
novas oportunidades e liberdade.
A cidade acabou se firmando também como um centro
universitário, que se encontra em pleno crescimento. Dentre as
instituições superiores que se encontram na cidade, se destacam o
segundo campus da UNIPAC — Universidade Presidente Antonio
Carlos que possui três faculdades na cidade: Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais de Ubá; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Ubá, responsável por quatro cursos; e a Faculdade Regional de
Ubá, responsável por 10 cursos. A instituição conta atualmente com
15 cursos de graduação.
28
Ubá ainda conta com a UEMG — Universidade do Estado de
Minas Gerais, que conta com três cursos de graduação, destacando-se
o curso de “design de produto,” o único no interior do estado
resultante da atividade moveleira. Por fim possui a FAGOC —
Faculdade Ubaense Ozanam Coelho, que conta com cinco cursos de
graduação, além de onze cursos de pós-graduação “lato sensu”.
Dentre os ubaenses ilustres destacam-se: Ary Barroso, Mauro
Mendonça, Nelson Ned, Levindo Ozanam Coelho e Raul Soares, que
foi Ministro da Marinha, apesar de ser um cidadão civil. É de
estranhar a não inclusão na lista dos ubaenses ilustres, o nome do
mundialmente conhecido, e na cacauicultura brasileira reverenciado,
Paulo de Tarso Alvim Carneiro.
Há que se fazer um destaque especial para a Manga Ubá, que
cresce com abundância dentro da cidade e nos arredores, presente nos
quintais das casas e na margem das rodovias. A Manga Ubá é dos mais
antigos e espontâneos ícones da cidade. O fruto identifica Ubá como
também a cidade identifica a manga. E não há ubaense que não se
orgulhe disso.
Cidade de Ubá,
vista aérea.
29
Octávio Drumond,
primeiro orientador
Paulo Alvim já disse da sorte que teve em abraçar a
carreira agronômica em uma época em que poucas pessoas
acreditavam na profissão em nosso país. Disse também, em
outras oportunidades, que não estudou agricultura propriamente por vocação, mas sim por determinismo geográfico e
financeiro.
Geográfico, porque nasceu e se criou em uma pequena
cidade do interior de Minas Gerais — a cidade de Ubá — situada
a 52 quilômetros de Viçosa, onde está localizado um dos
melhores centros de estudos agronômicos do país; e financeiro,
porque carecendo de recursos para poder sair daqueles lugares,
conseguiu uma generosa bolsa de estudos em Viçosa, com
hospedagem e alimentação gratuitas durante todo o curso
universitário.
Sua outra sorte foi descobrir, durante o seu curso de
agronomia, que possuía inclinação para estudos correlacionados com as Ciências Naturais, especialmente com a Botânica
e Ecologia. Jamais poderia ter descoberto essas predileções
latentes, se não houvesse tido a sorte de encontrar em Viçosa
alguns excelentes professores da área biológica.
30
Paulo Alvim sempre homenageia e agradece a seu
primeiro professor de Botânica e orientador de seus passos
iniciais na carreira científica, o destacado fitopatólogo Octavio
de Almeida Drumond 7. Octávio de Almeida Drumond formouse em agronomia na turma de 1934, pela ESAV - Escola
Superior de Agronomia e Veterinária.
No ano seguinte ingressa em seu corpo docente, como
assistente do professor Albert Stanley Ilier, o primeiro
fitopatologista da Escola, trazido por Rolfs, em 1929.
Participou do primeiro Congresso de Fitopatologia, realizado
no país, em 1935, na sede do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. Exerceu as atividades de pesquisador junto à ESAV, no
período 1935 até 1949. Deixou a ESAV para ser admitido no
recém-fundado Instituto Agronômico de Minas Gerais, onde
permanece até 1949. Trabalhou também em outros órgãos,
como o Ministério da Agricultura, DNPEA e EMBRAPA. Em
1981, retorna a Belo Horizonte, como pesquisador da
EMBRAPA, lotado na EPAMIG, utilizando para suas pesquisas
laboratórios do antigo CIAP, hoje IMA.
Fundador de revistas científicas importantes, como
Ceres e PAB, com treinamento cosmopolita em vários locais do
mundo, definidor e mantenedor de importantes linhas de
pesquisa em várias instituições por onde passou,
homenageado várias vezes por inúmeras associações
científicas, foi um exemplo para os pesquisadores iniciantes.
31
Com o professor Octávio de Almeida Drumond, a
fitopatologia como ciência, a UFV — Universidade Federal de
Viçosa como instituição e cada agrônomo, cada cientista deste
país tem uma dívida e um compromisso de respeito. É bom
lembrar o compromisso e o respeito de Paulo Alvim, com o
cientista, seu orientador primeiro, Octávio Almeida Drumond.
Foi uma grande sorte, diz Paulo Alvim, haver sido aluno
de Octavio de Almeida Drumond e, por algum tempo
Assistente de Ensino, recebendo através de seu exemplo como
cientista e homem de bem, o estímulo que tanto o ajudou na
formação profissional.
Uma vez concluído seus estudos universitários, não foi
fácil encontrar meios para viver, ou ainda mais sobreviver, à
custa da profissão que abraçara.
O período em que se formou foi em plena ditadura de
Getúlio Vargas — o chamado Estado Novo — no qual a
agricultura era das mais desprestigiadas carreiras profissionais
no país. Com a remuneração que recebiam era possível, talvez,
comprar uma bicicleta, objeto considerado de alto luxo para
um recém-graduado em agronomia. Um automóvel era um
artigo para milionários, e o agrônomo, funcionário público em
geral, somente alcançava a utilizar precários veículos de
propriedade do Governo, quase sempre paralisados por falta de
manutenção ou pelo racionamento de gasolina, imposto pela
guerra.
32
Apesar da falta de atrativos dos empregos oferecidos
pelo Governo, eram os mais cobiçados pelos recém-formados.
Não existiam serviços de extensão ou de assistência técnica
como os que hoje conhecemos. Os cargos mais procurados
pelos recém-graduados eram os das estações experimentais do
Governo ou as chamadas Circunscrições Agrícolas, que mais
tarde passariam a denominar-se Oficinas de Fomento. Paulo
Alvim diz que nunca conseguiu descobrir em que consistia o
trabalho de uma Circunscrição Agrícola. No interior de Minas
Gerais essas repartições quase sempre tinham um aspecto de
botequim, com alguns produtos agrícolas colocados em filas
em estantes rústicas, um pequeno escritório ao centro, aonde
se sentava o doutor, e um infalível arado à porta para mostrar
que o negócio era sem dúvidas, agrícola.
Logo depois de sua graduação foi oferecido a Paulo
Alvim um cargo de Chefe de Circunscrição. Apesar da extrema
necessidade e muito necessitado do emprego, recusou a oferta;
primeiro, porque não se considerava psicologicamente
preparado para o oficio de vendedor de mercadorias; segundo,
porque ainda mantinha a esperança de seguir uma carreira
científica e não queria se envolver pelos descaminhos
profissionais em uma pequena cidade do interior, preso a uma
burocracia com um misterioso nome de Circunscrição.
33
O castigo desta recusa foi o de não conseguir emprego
durante quase um ano, para decepção e pena de colegas e
familiares. Por algum tempo foi conhecido como um exemplo
de agrônomo frustrado e fracassado. Decidiu Paulo Alvim ir à
busca de emprego no Rio de Janeiro, com a ilusão de poder se
empregar, ainda que fosse como aprendiz, em uma das várias
instituições de investigação biológica existente.
Em janeiro de 1941 deslocou-se para o Rio de Janeiro
com o objetivo de prestar concursos para o então criado
Instituto de Ecologia, do Ministério da Agricultura, concurso
esse que não se realizou no prazo anunciado, o que o levou a
trabalhar por alguns meses como escriturário do IPASE —
Instituto de Previdência e à noite, como repórter da sucursal
carioca do jornal “O Estado de Minas”.
Converteu-se em especialista em consultas sobre
aposentadorias, pensões, pecúlios, fundos de garantia, e estava
para ser promovido a Chefe de Seção, quando a sorte lhe sorriu
de novo: um amigo o informou sobre a abertura de uma vaga
para Professor Assistente na Escola aonde havia estudado em
Viçosa.
Apresentou sua candidatura ao cargo e a boa sorte o
conduziu de volta a Viçosa, onde foi trabalhar sob as ordens do
seu ex-professor Octavio de Almeida Drumond, dando,
34
inicialmente, aulas de Botânica e posteriormente Fisiologia
Vegetal. Assim Paulo Alvim iniciou a sua verdadeira
especialização profissional, com distintas etapas de
adestramento, desde o autodidatismo até a pós-graduação.
35
Professor Alvim
Em 1941 Alvim foi professor de Taxonomia de Plantas e
logo a seguir começou a ensinar Fisiologia de Plantas ao invés
de Taxonomia. Em 1943 Fisiologia de Plantas foi formalmente
introduzida como uma matéria no Curso de Agronomia em
Viçosa. Esta foi a primeira vez que Fisiologia foi ensinada como
uma matéria independente em um curso de Agronomia no
Brasil e talvez na América Latina.
Universidade Federal de Viçosa.
36
Entre 1945 e 1947, cursou a pós-graduação ao grau de
Doutor em Filosofia (Ph.D.), na Universidade de Cornell,
Ithaca, N.Y., Estados Unidos, uma universidade líder entre as
Universidades americanas. Durante a graduação Paulo Alvim
ainda era vinculado a UFV — Universidade Federal de Viçosa.
Em Viçosa começou sua primeira investigação em
ecofisiologia com cafezais, mantendo contacto permanente
com outras lideranças científicas como Coaracy M. Franco, do
Instituto Agronômico de Campinas.
Algumas das contribuições de Paulo Alvim, de grande
utilidade para os botânicos, fisiólogos e agrônomos, foram os
equipamentos conhecidos como “porômetro, infiltômetro e
fitotensiômetro de Alvim”, conhecido internacionamente e
citado em textos de fisiologia. É utilizado para avaliar o grau de
deficiência de água em plantas através da abertura dos
estômatos; de grande utilidade em estudos de irrigação.
Tocado pelo reconhecimento da dedicação, competência e dos laços de amizade, começou a preparar Moacyr
Maestri8 para sucedê-lo na cadeira de Fisiologia. Incentivou o
Professor Maestri a cursar a pós-graduação, fazendo o
Doutorado (PhD) na Universidade de Cornell, em Ithaca, EUA.
Maestri criou o curso de MS, em 1970, e o de Doutorado (PhD),
em 1988, na UFV — Universidade Federal de Viçosa, tornando
a instituição um centro de referência em Fisiologia de Plantas.
37
Tendo regressado ao Brasil, no período 1948 a 1950,
tornou-se Professor Titular de Botânica e Fisiologia Vegetal na
Escola Superior de Agricultura da Universidade Federal de
Viçosa, Minas Gerais. O poder de observação de Paulo Alvim
era enorme; durante uma excursão, com seus alunos, pelo rio
São Francisco na Zona da Caatinga, Alvim chamou a atenção
para o fato de que o ecossistema da Caatinga se desenvolvia
naturalmente e não era um estágio de degradação causado pelo
homem. Anos mais tarde, 1952, ele também concluiu que o
cerrado brasileiro — um tipo de vegetação — era conseqüência
de deficiência mineral dos solos e não resultado das periódicas
queimadas feitas no ecossistema. Paulo Alvim contribuiu com
o estudo da influência da aplicação de zinco para a produção de
cacau. A técnica, singela, consistia em pregar pregos recobertos
por camadas de zinco no tronco de árvores de cacau. O
experimento foi conduzido e repetido em cacauais, na Estação
Experimental de “La Lola” do IICA, situada na Vertente
Atlântica de Costa Rica, perto de Puerto Limón. A nova
contribuição à cacauicultura foi revelada em um evento
promovido por uma universidade dos EUA, pelo professor
Bowman. Falando para um grande público, disse ele
concluindo: “... Aqui entre nós está o carpinteiro Paulo Alvim”.
Alvim, com razão, ficou agastado por ter participado como um
simples carpinteiro. O relato é do Professor Raimundo Santos
Barros9, PhD em Fisiologia e titular da UFV, quando da visita
que fizemos ao seu gabinete em companhia do Dr. Cristiano
Machado Neto, engenheiro agrônomo formado na UFV.
38
Outra situação pitoresca foi a ocorrida por ocasião do
Simpósio Internacional de Bioconversão de Energia e
Congresso Latino Americano de Fisiologia Vegetal. A primeira
palestra sobre produção de alimentos no mundo foi dada por
Paulo Alvim. Apresentou os recursos alimentícios mundiais e
ficou bastante admirado quando, na ocasião, a figura do slide
mostrava que havia maior número de unidades bovinas no
mundo do que de aves. Olhou para o quadro, pensou, pensou,
teve dúvida, e se saiu com essa: “Meu Deus, eu pensei que tinha
mais galinha nesse mundo!” O auditório caiu na risadaria...
Mais tarde, em 1972, indo contra a teoria bem estabelecida por uma corrente de cientistas, e tendo em conta que as
florestas da Amazônia estavam em estado de clímax, concluiu
que a Região Amazônica não era um depósito de madeiras, e
que se deveria pensar em proteger o frágil ecossistema. Chegou
à conclusão que a Amazônia não poderia ser preservada intocável; advogou que o ecossistema amazônico fosse explorado
para o beneficio da humanidade, defendendo que a conservação e as práticas racionais fossem empregadas em favor de uma
condição sustentável.
Certa feita, regressava de San José, Costa Rica, situada
nos altiplanos costaricenses em companhia do Professor
Chaves10 , para Turrialba, situada num vale profundo, onde
ficava o Centro de Enseñansa Investigación, do IICA —
Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas, em meio a uma
forte tempestade. A descida desde San José para Turrialba era
39
feita por uma íngreme, estreita e sinuosa estrada, ao lado da
qual se situavam extensas plantações de café. Café sombreado
por plantações de bananeiras e árvores de Erytrina sp. Uma
leguminosa de alto porte e com troncos vigorosos.
Paulo Alvim não conseguiu controlar a viatura que se
arremeteu contra a cerca, derrubou bananeiras e foi bater num
grosso tronco de uma Erytrina. Alvim durante a desabalada
descida gritava: “Valei-me Nossa Senhora! Valei-me Nossa
Senhora!”. Quando conseguiram sair da viatura perceberam
que pararam à beira de um profundo precipício; a estória foi
relatada pelo Professor Chaves, seu companheiro na viagem.
A moral da história é o comentário dos seus colegas que
brincavam com ele, perguntando como um agnóstico ou ateu,
na hora da dificuldade pedira socorro para Nossa Senhora, e a
salvação que chegou com o sombreamento do cafezal. Paulo
Alvim sempre defendeu que as plantações de café deveriam ser
a pleno sol e não sombreadas.
Um lance de sorte, particularmente importante na
carreira profissional de Paulo Alvim, foi o convite recebido,
graças à recomendação de ex-professores da Universidade de
Cornell, para trabalhar com cacau no IICA - Instituto
Interamericano de Ciências Agrícolas, em Turrialba, Costa
Rica, como fisiologista principal. Em curto intervalo de tempo
passou a ser reconhecido como ecofisiologista no cultivo do
cacaueiro e do cafeeiro, além de oferecer cursos de pósgraduação e orientar teses de mestrado na área de fisiologia de
40
cultivos tropicais. Suas pesquisas contribuíram para o
aumento da produtividade dos cafezais de Costa Rica, por via
de raleamento de sombra associada à aplicação de fertilizantes.
IICA – Centro de Enseñanza e Investigación
Seus estudos nas florestas tropicais de Costa Rica
culminaram com a sua participação na Expedição Científica
Alpha Helix, na Bacia Amazônica. Viajou em companhia de
Bob Loomis e W. Williams, da Universidade da Califórnia
(Davis), quando descreveram ambientes das florestas
marginais do rio Negro, estado do Amazonas.
O Brasil, desde o inicio do século XX ocupava uma
posição de liderança absoluta entre os produtores de cacau do
41
Continente Americano, e era natural que o IICA se interessasse
em contratar um técnico brasileiro para trabalhar em seu
programa com aquele cultivo. Ao chegar à Costa Rica, em 1951,
nunca Paulo Alvim havia visto sequer um cacaueiro em toda a
sua vida. Somente sabia que as sementes da famosa planta
eram utilizadas na fabricação de chocolate e que no Brasil, a
produção provinha principalmente da Bahia.
Esta permanência de Paulo Alvim junto ao quadro de
pesquisadores do IICA teve decisiva influência em sua carreira.
A Direção do IICA recebeu, em 1953, uma correspondência dos
Estados Unidos solicitando os serviços de um especialista em
cacau para assessorar a missão de assistência técnica mantida
por aquele país no Estado da Bahia.
O especialista deveria colaborar com os técnicos do
antigo Instituto Agronômico do Leste, do Ministério da
Agricultura, situado em Cruz das Almas, Bahia, na
programação de uma recém-criada estação experimental de
cacau, no município de Juçari. Como não havia em Turrialba,
naquela época, nenhum outro especialista em condições de
viajar para o Brasil, o IICA decidiu indicar Paulo Alvim para a
honrosa e interessante viagem.
Universidade de Cornell, Ithaca, NY.
42
Do you speak portuguese?
Paulo Alvim guarda lembranças de um incidente
ocorrido na sua recepção em Salvador. Por se tratar de uma
viagem patrocinada pelo Governo Americano, Paulo Alvim foi
recebido no Aeroporto pelo Cônsul Americano, assim como por
um funcionário do Ministério da Agricultura, que
aparentemente pensava que a nacionalidade do pesquisador
era norte-americana. A amável conversação inicial foi em
idioma inglês, até que o colega do Ministério da Agricultura
surpreendeu Paulo Alvim com a pergunta: “Do you speak
Portuguese?”, Paulo Alvim explicou que era natural de Minas
Gerais, município de Ubá, e que obviamente falava português
desde pequeno.
Pela expressão do funcionário do Ministério da
Agricultura, entendeu Paulo Alvim que causara profunda
decepção. Olhou com surpresa para o Cônsul americano, como
perguntando: “... Que piada é esta de mandar um mineiro
ensinar aos baianos como plantar cacau?”. Felizmente depois
desta desconcertante recepção, fez Paulo Alvim, com a sua
simpatia, um grande número de amigos entre os colegas
baianos, o que muito o ajudou no desempenho da missão.
Entre 1955 e 1963, Alvim foi Pesquisador e Professor de
Agricultura Tropical e Fisiologia Vegetal, na Zona Andina do
43
IICA, sediado em Lima, Peru. Na Zona seca da Costa do Pacífico
conduziu pesquisas sobre a fisiologia de cultivos irrigados e
ofereceu cursos internacionais intensivos sobre temas
relacionados à produção agrícola em regiões tropicais, além de
colaborar com a Universidade de La Molina no ensino de
Fisiologia Vegetal e na implantação de sua Escola de Pósgraduação.
Descobriu que as gemas florais (botões florais)
permaneciam dormentes quando irrigadas; de outra parte,
quando a irrigação era suspensa e as plantas irrigadas um
pouco depois, os botões fechados abriam, de forma semelhante
nas condições naturais, quando as chuvas depois de um
período seco provocavam o fenômeno.
Em outras palavras, o déficit de água ou período seco
quebrava a dormência, e a irrigação (ou chuvas) que seguia era
requerida apenas para o crescimento dos botões, não para
quebrar a dormência. Paulo Alvim cunhou o termo
hidroperiodismo para explicar o fenômeno e os seus resultados
relevantes foram publicados na Revista Science. Este
fenômeno foi muitas vezes repetido. Confirmado e conhecido,
hoje se sabe que o período seco é requerido para disparar
alguns efeitos morfogênicos em algumas plantas tropicais, ou
para sincronizar eventos de desenvolvimento em
determinadas populações.
Paulo Alvim foi o primeiro cientista a demonstrar que
diversas plantas tropicais necessitam de um “choque” de
44
desidratação-hidratação (seqüência de período seco a período
úmido) para poder abrir suas flores e renovar a sua folhagem
(fluxos de crescimento), resultado publicado na Revista
Science, de 1960.
Tomando uso deste fato científico, a EMBRAPA/CAFÉ
recomenda calendários de irrigação para sincronizar a floração
e abertura floral, e dessa forma, a produção de café.
O resultado mais importante da curta permanência de
Paulo Alvim na Zona Cacaueira da Bahia (1953) foi enamorarse perdidamente pela Bahia e sua gente. Convencido do
extraordinário potencial agrícola da região cacaueira e
sentindo de imediato a precariedade dos serviços de assistência
técnica que existiam naquela época, Paulo Alvim voltou para
Costa Rica imbuído do desejo de voltar à Bahia, permanentemente, para colaborar com os planos governamentais de
assistência técnica ao cultivo do cacaueiro.
45
Primeira esposa e filhos
Paulo Alvim casou-se, em primeiro casamento com a
mineira de Cataguazes, Leontina Lobo Rezende, com quem
teve quatro filhos: Marília Rezende Alvim (10/02/1947), Paulo
Cesário Alvim (01/09/1948), Heloisa de Rezende Alvim
Carneiro (22/01/1950) e Leonardo de Rezende Alvim Carneiro
(04/04/1952).
Marília casou com Maurice
Capovilia. Heloísa com Albertus
Eskes e tem duas filhas: Chantra e
Nanda Eskes. A Chantra casou com o
Luigi e tem uma filha chamada Yara
Júlia. Leonardo casou com a Maria
Regina, mas separou; tem um filho o
Daniel. Paulo Cesário não é casado e
não tem filhos.
Marília e Nanda (neta) moram
no Rio de Janeiro. Leonardo, Daniel e
Paulo Cesário residem em Belo
Horizonte. Heloísa mora em
Paulo Alvim e Leontina,
primeira esposa.
Montpellier, França, é ceramista. Chantra mora na Suíça.
Leontina era uma mulher de rara beleza. Estava sempre
elegante e maquiada; tinha uma pele de seda, lembrando o
pêssego. Ficou casada com Paulo Alvim no período de 1945 —
46
1962. Viajou com Paulo Alvim para os Estados Unidos, quando
cursou a pós-graduação na Universidade de Cornell, em Ithaca,
N.Y. Separou-se de Paulo Alvim, em 1962. Acompanhou Paulo
Alvim nas suas andanças profissionais, já vinculado ao IICA —
Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas pelo Peru e
Costa Rica, até vir para o Brasil em 1963. Leontina Lobo
Rezende faleceu em 2002.
Geralmente as pessoas referem-se, jocosamente, a
Paulo Alvim e seu jeitão descontraído e até mesmo pouco
cuidadoso com compromissos e horários. Tendo ido, na
companhia da esposa Leontina, a San José, capital de Costa
Rica, a serviço, a levou para tratar de assuntos seus. De volta a
Turrialba, quando estacionou o carro na garagem de sua casa a
doméstica lhe pergunta: “Dr. Pablo, donde está la señora?”
Desgraçadamente Paulo Alvim havia esquecido completamente, a sua esposa, Leontina, em San José...
Mirian e Alexandre
11
A segunda esposa era a baiana, Mirian de Sá Oliveira ,
com quem Paulo Alvim foi casado por um período curto — de
1966 a 1971 — cinco anos. O conhecimento entre Paulo Alvim e
Mirian se deu em uma festa do Itabuna Clube, em abril de 1966.
De abril a agosto namoraram e casaram em 11 de agosto de
1966, com a cerimônia realizada na residência de um sobrinho
de Paulo Alvim, e a presença de amigos e parentes.
47
O casamento teve como padrinho o Secretário-Geral da
CEPLAC, Carlos Brandão e a esposa, Ester. Contou com a
presença de José Haroldo Castro Vieira, Pedro Pinto
Vasconcelos de Abreu e outros funcionários da CEPLAC do
Escritório do Rio de Janeiro. Estavam presentes também a
irmã de Paulo Alvim, Maria José e o esposo. Da parte da família
de Mirian participaram seu pai João Alves de Oliveira Filho, a
sua mãe, e a irmã mais velha Marli. Esteve presente também,
um grande amigo da família Noêmio Peixinho. Após o
casamento viajaram durante três meses pelos Estados Unidos e
Europa, conciliando a “lua-de-mel”, com compromissos
profissionais agendados por Paulo Alvim, antes do
conhecimento do casal.
O retorno da Europa foi de navio e foram residir em
Ilhéus, em um apartamento situado no Edifício Santo Clara,
localizado na Avenida Soares Lopes. Aí residiram de 1966 até
1971, quando se separaram.
Quando Mirian estava grávida partiram para uma
viagem de sete meses pela Europa, África e Estados Unidos.
Saíram do Brasil em outubro de 1969 e Mirian retornou no final
do mês de maio. Paulo Alvim permaneceu em Costa Rica. Em
seis de maio de 1970, em Itabuna, no Hospital Manoel Novaes,
nasceu o único filho do casal, Alexandre.
Um fato da vida real de Paulo Alvim, foi relatado pelo
colega Manuel Tourinho, quando de uma viagem a Quito,
48
Equador, ficaram retidos, sem poder sair do país, em razão de
um golpe de estado. Sindicatos e militares estavam em
confronto.
Paulo Alvim e Tourinho estavam almoçando, em um
restaurante, quando o mesmo foi invadido por trabalhadores
com uma tropa de choque em seu alcance; jogaram bombas de
gás lacrimogênio, e Paulo Alvim e Manuel Tourinho tiveram
que sair às pressas do local com lenços molhados ao rosto para
evitar danos maiores à vista.
Paulo Alvim, Alexandre e Mirian - Batizado.
Era o ano de 1970; havia muitas dificuldades em falar
telefonicamente com o Brasil, e então Mirian, segunda esposa
de Paulo Alvim, estava prestes a ganhar um filho, o Alexandre.
49
Sem notícias da esposa e preocupado com o nascimento
do filho, Paulo Alvim ficou estressado, viveu dias de grande
tensão. A situação não o impediu, contudo, de sair às ruas para
comprar bugigangas e fazer fotografias curiosas, como índias
catando piolhos nas filhas, e matando os ectoparasitos com
mordiscadas.
No depoimento de Mirian, viver com Paulo Alvim pode
ser definido de várias maneiras. Muita coisa pode ser dita a
depender da pessoa que a diz, porém não se pode dizer que seja
chato, rotineiro ou normal. A união de Mirian e Paulo Alvim se
desenrolou em meio a viagens, congressos, festas e muito
trabalho de ambas as partes. Paulo Alvim sempre ocupado com
a implantação do CEPEC, em preparar palestras, relatórios de
viagens.
Mirian estava sempre ocupada em receber famílias de
alguns técnicos que chegaram para trabalhar no CEPEC,
principalmente os estrangeiros, e os que resolviam residir em
Ilhéus. Ajudar a procurar casa, escolas para os filhos,
empregadas domésticas; isso incluía em recepcioná-los com
festinhas e jantares. Era uma atividade bastante gratificante. A
convivência com pessoas de diferentes países deixou para o
casal, grandes amizades.
O único filho do casal Paulo Alvim/Mirian é o
Alexandre, nascido em seis de maio de 1970, em Itabuna, no
Hospital Manoel Novais; o médico obstetra foi o Dr. Mário
50
Alves Peixoto e o pediatra Dr. Jacinto Cabral de Souza. O
Alexandre fez a educação básica (fundamental e primeiro ano
do ensino médio) na Ação Fraternal de Itabuna, o segundo ano
do ensino médio no Colégio Marista e o terceiro ano e prévestibular no Colégio Objetivo, em Brasília. Fez um único
vestibular para a UNICAMP/ Campinas, São Paulo, passou e
formou-se, e depois fez FGV — Fundação Getúlio Vargas.
Casou-se em 1999 e foi para Chicago para fazer MBA. O
Alexandre tem hoje 39 anos e é um profissional bem sucedido,
casado com a Isabela e pai de dois filhos: Luca e Pedro.
Em que pese o depoimento de sua mãe, Mirian, nunca é
demais enriquecer os traços biográficos do Alexandre, com as
suas próprias informações, assim: “Nasci em Itabuna no dia 6
de maio de 1970. Durante a infância estudei em uma escola
pequena perto da casa dos meus avós que, se não me falha a
memória, chamava-se Escolinha Cinderela. A partir da terceira
série do fundamental até a sétima série estudei na Ação
Fraternal de Itabuna (AFI), uma escola de freiras franciscanas.
Depois de um ano nos EUA (1983) voltei para concluir o
primeiro ano do ensino médio na AFI, em 1984.
Em 1985 mudei para Brasília para cursar os dois últimos
anos do ensino médio. Primeiro no Colégio Marista de Brasília
e depois no Objetivo. Em 1987 fui aceito no curso de
engenharia elétrica na UNICAMP, em Campinas, São Paulo.
Na época, com 16 anos, era o mais moço de uma turma de 70
51
alunos. Em 1993, após a formatura, mudei para São Paulo,
onde iniciei minha carreira em consultoria na Accenture (na
época ainda chamava-se Andersen Consulting).
Fiz uma especialização em administração na Fundação
Getúlio Vargas, em São Paulo (1995/1996) e depois mestrado
em administração (MBA) na Kellogg School of Management,
Universidade de Northwestern em Illinois, EUA.
Depois de uma carreira executiva no setor de
telecomunicações, em 2007 montei, com outros sócios, uma
empresa de investimentos com foco em negócios
comprometidos com o desenvolvimento sustentável. Os nossos
principais setores de atuação são energia renovável, serviços
ambientais, agronegócio e reflorestamento sustentável.
Em maio de 1999 casei com a Isabella, pouco antes de
mudarmos para os Estados Unidos para o meu MBA. Temos
dois filhos, o Luca que nasceu em 16 de abril de 2003 e o Pedro
que nasceu em 1º de janeiro de 2008. Atualmente moramos em
São Paulo.”
É interessante transcrever o depoimento de Alexandre
quando discorre sobre “A influência de meu pai na minha
formação”; diz Alexandre: “Como mencionei durante nosso
telefonema, infelizmente não tive oportunidade de conviver
com o meu pai tanto quanto gostaria. Até os meus 12 anos a
nossa convivência era limitada aos finais de semana, pois eu
morava com os meus avós maternos em Itabuna onde
freqüentávamos a escola. Em 1983 e 1984, moramos por dois
52
anos juntos. Primeiro em Gainesville, nos EUA, quando ele
aceitou um convite para ser professor visitante da
Universidade da Flórida e levou junto a Simone, a Fátima e eu.
E depois no ano seguinte, já de volta ao Brasil, em Itabuna.
Apesar disso, não tenho dúvidas que ele teve uma
grande influência na minha formação como pessoa e como
profissional.
Meu pai sempre foi um entusiasta das inovações
tecnológicas e aproveitava suas constantes viagens ao exterior
para adquirir as últimas novidades em foto/vídeo ou
computadores. Lembro do nosso primeiro vídeo cassete JVC
no início da década de 80, quando poucos sabiam o que era
isso. Nos divertíamos fazendo vídeos caseiros ou mesmo
gravando filmes da TV. Chegamos a montar uma enorme
coleção gravando filmes da HBO. Outra lembrança desse
primeiro período foi o nosso primeiro walkman da Sony. Na
época uma grande inovação pelo tamanho reduzido. Por fim,
teve ainda o nosso primeiro computador Apple Macintosh em
1984, também revolucionário para a sua geração pela
facilidade de uso e acessórios inovadores como o “mouse”, hoje
uma peça indispensável em qualquer PC. Toda essa exposição à
tecnologia desde pequeno influenciaria mais tarde a minha
opção pelo curso de engenharia elétrica na universidade.
A sua incansável dedicação à ciência e sua bem sucedida
trajetória profissional, para mim, sempre foram grandes
exemplos da importância da realização através do trabalho. Em
53
uma região onde muitos se beneficiaram, por muito tempo, das
benesses da monocultura cacaueira, ele sempre deixou claro
que o valor real de uma pessoa está naquilo que ela “É” , e não
no que “POSSUI”.
Outra característica marcante é a sua atitude positiva e
valorização das pessoas que “fazem acontecer”. Nesse sentido
ele sempre mencionava a famosa “Mensagem a Garcia” como
uma referência do tipo de atitude com a qual as pessoas
deveriam enfrentar suas responsabilidades. O texto, apesar de
muito antigo, ainda é relevante nos dias de hoje e sempre faço
referência ao mesmo quando tenho que explicar a alguém no
trabalho o que espero dele ou dela no dia-a-dia.
É interessante ainda notar que atualmente a minha vida
profissional voltou a ter uma relação com a dele e, às vezes,
tenho a oportunidade de testemunhar pessoalmente a
relevância das suas realizações. Atualmente me dedico a
identificar e investir em empresas comprometidas com o
desenvolvimento sustentável e preservação do meio ambiente.
Várias dessas empresas estão nos setores de agricultura e
reflorestamento. Recentemente tive uma reunião com o exministro Roberto Rodrigues, sobre um projeto de etanol de
cana. Ao trocarmos cartões de visitas ele imediatamente
perguntou se eu tinha algum parentesco com Paulo Alvim.
Quando lhe falei que era filho do próprio ele não poupou
elogios e comentários sobre o quanto o admirava e respeitava
por tudo que ele já havia feito pela agronomia brasileira. No
54
final da reunião, me presenteou com um de seus livros e fez
carinhoso autógrafo com referência ao meu pai.
Do lado pessoal, uma de suas características mais
marcantes são o bom humor e o otimismo. Esse sempre foi o
seu estado de espírito predominante e continua sendo até hoje.
Sempre fazendo festa com os amigos e mantendo um alto
astral. Ele sempre teve uma grande capacidade de lidar com os
problemas de uma forma tranqüila. Para alguns, até demais.
Acho que a sua cabeça privilegiada atribuía a devida
importância às questões menores. Acho que herdei um pouco
dessa tranqüilidade, o que muito me ajuda a enfrentar os
problemas do dia-a-dia.
Outra característica que sempre admirei foi a sua
capacidade de se relacionar de igual pra igual com todos, de
intelectuais até pessoas mais humildes. Acho que ele nunca se
esqueceu de sua origem simples de Ubá e creio que é mais um
exemplo do que ele realmente valoriza nas pessoas. Isso
também está refletido no diverso círculo de amigos que ele fez
ao longo da vida, seja no lado pessoal ou profissional. Vários
desses amigos ele ajudou de forma despretensiosa. Lembro da
Simone contando a história de como ele ajudou o Sebastião
(Divino de Souza, fotógrafo da então DICOM) no início da sua
carreira de fotógrafo trazendo equipamentos do exterior, na
época caros e inacessíveis no Brasil. Como esse, existem vários
outros vários exemplos da sua grande generosidade. Ele
sempre teve um “grande coração”, apesar de nem sempre isso
ser algo totalmente transparente. Acho que aqueles que o
55
reconhecem de verdade irão concordar com essa afirmação.
Por fim, me resta concluir dizendo que o meu pai foi, e
continua sendo, uma grande referência de valores que sempre
admirei e procurei adotar como meus. Valores que, não tenho
dúvida, moldaram a minha personalidade e caráter. Tenho que
agradecer muito a Deus por ter nascido seu filho e espero um
dia, assim como ele fez, conseguir transmitir esses valores aos
próprios filhos.”
As principais características de Paulo Alvim são o bom
humor e o alto astral. Não se deixa apequenar pelo cotidiano da
vida, está sempre disposto a ver o lado bom das coisas. Poucas
vezes se vê Paulo Alvim reclamar de alguma coisa ou ficar mauhumorado; ele sempre enxerga um pouco mais longe.
Em dezembro de 1969 a CEPLAC mandou uma equipe
de cinco pesquisadores para participarem no Congresso
Internacional de Cacau em Accra, Ghana. Antes de Accra,
foram à Nigéria, Camarões e Costa do Marfim, países africanos
também produtores de cacau, e depois voltaram à Nigéria para
sair da África. A viagem foi cheia de fatos dignos de registro. A
Nigéria estava em guerra — a guerra da Biafra. Por isso ou por
outro motivo saíram do Brasil com vistos de apenas 30 dias
para a Nigéria.
Como foram visitar outros países, o visto expirou.
Assim, coube a Mirian, esposa de Paulo Alvim, obter os vistos
para toda a equipe em Accra, Ghana. O relato é da própria
Mirian: “Fui à Embaixada da Nigéria no carro da Embaixada do
56
Brasil em Ghana. Quando lá chegamos havia uma multidão de
mais ou menos uma centena de pessoas gritando na porta da
Embaixada da Nigéria, cada um falando seu próprio dialeto. Eu
não tinha idéia de como poderia entrar na Embaixada com toda
aquela gente na porta. Eram pessoas de diferentes tribos ou
etnias, as diferenças podiam ser vistas pelos cortes nos rostos e
pelo diferentes dialetos falados.
Uma pessoa normal teria voltado e tentado obter os
vistos por outro meio, principalmente porque eu estava grávida
de três meses, após um longo e caro tratamento para
engravidar. No entanto ali permaneci procurando uma forma
de chegar ao primeiro andar do prédio, onde ficava a
Embaixada. De repente, eu me vi nos braços do chofer da
Embaixada e de mais alguém e passando por cima de toda a
multidão colocaram-me na porta da Embaixada da Nigéria.
Subi as escadas e cheguei a uma grande sala com uma
mesa, uma cadeira e uma montanha de passaportes no chão da
sala. Pensei, entrego ou não entrego os passaportes para este
senhor? Porém eu não tinha alternativa, e os entreguei.
Expliquei o motivo da minha ida à embaixada, entreguei os
passaportes e esperei. O funcionário da Embaixada não me
forneceu nenhum formulário para preencher, não me fez
nenhuma pergunta e não disse uma única palavra. Arrancou os
passaportes da minha mão e foi para a outra sala, após algum
tempo voltou e entregou-me os passaportes com os vistos sem
dizer nada. Desci as escadas, entrei no carro, uma Mercedes
Benz, acho que prata, e fui embora.
57
Na mesma viagem outros fatos interessantes
aconteceram. O retorno de Ibadan para Lagos, para pegarmos
um vôo e sairmos da Nigéria. Paulo Alvim não havia feito
reserva em nenhum hotel na cidade de Lagos, capital da
Nigéria. Assim, quando chegamos cidade havia um congresso
de médicos e todos os bons hotéis estavam lotados. Por isso
ficamos em um hotel na periferia da cidade. A cidade estava em
estado de ‘‘blackout”, e sem água.
Corria o mês de dezembro, verão, um calor terrível e
úmido, quase como na Bahia. Chegando ao apartamento do
hotel chamei um camareiro e pedi vinte garrafas de água
mineral, sem gelar. Nunca tomei um banho tão caro. Depois
saímos para jantar. À noite e sem luz na cidade, usamos
pequenas lanternas para iluminar o caminho, lanternas
também para ler. No mercado fizemos compras à luz de velas.
Outra passagem interessante ocorreu na nossa saída de
Paris. No dia da viagem fomos jantar em um restaurante bem
distante do hotel onde estávamos hospedados. Jantamos e
saímos do restaurante, já na estação do metrô, quando Paulo
Alvim lembrou que havia esquecido o chapéu e o casaco. Esses
esquecimentos eram uma constante no comportamento de
Paulo Alvim. Esquecia, invariavelmente, chapéus, casacos e
outros objetos que se costuma transportar nas viagens. Assim,
voltei sozinha para o hotel e ele voltou ao restaurante para
pegar os objetos esquecidos. Já na estação do metrô, eu não
sabia em que direção ir para chegar ao hotel. Dirigi-me ao mapa
58
da rede do metrô e comecei a procurar, ou melhor, a tentar
adivinhar qual o trem a pegar. Ao meu lado apareceu um
policial, brasileiro, que estava lá fazendo um curso e disse-me:
“... estamos indo na mesma direção, venha comigo”. No hotel
desci a bagagem, paguei a conta e fiquei à espera de Paulo
Alvim. No táxi que ele veio fomos para o aeroporto, quase que
“voando baixo”. Só conseguimos chegar a tempo porque era
quase meia noite e as ruas de Paris estavam desertas.
Os quatro filhos de Paulo Alvim com Leontina —
Marília, Paulo Cesário, Heloisa e Leonardo — passaram uma
temporada sob nossos cuidados em Ilhéus. A Heloisa é a mais
tranqüila, e a mais quieta. No final de 1968, ou início de 1969,
mudou-se para Ilhéus e ficou um tempo conosco. Nesse
período ela conheceu um rapaz holandês e casou-se com ele. O
casamento foi realizado em nosso apartamento. Logo depois
eles foram para a Holanda. A partir daí quase não tive contato
com a Heloisa. Após o nascimento de Alexandre, nosso único
filho, resolvi voltar a trabalhar e nesse mesmo período, Paulo
Cesário e o Leonardo vieram para Ilhéus morar conosco. Hoje,
olhando para trás considero esse período dos mais difíceis e
também o mais educativo da minha vida. Os dois filhos de
Paulo Alvim, Paulo Cesário e Leonardo, são pessoas bem fora
do contexto, para qualquer ser humano que se considere
“normal”. Os dois, como os demais irmãos, são bem
inteligentes. O Paulo Cesário, especialmente, tem um QI muito
acima do normal.
59
O pior era chegar do trabalho à noite e encontrar a casa
toda revirada com uma orquestra no living do apartamento
com a finalidade do Paulo Cesário compor músicas de uma nota
só e treinar. A melhor passagem foi a do dia em que o Paulo
Cesário havia utilizado todo o papel higiênico e os guardanapos
existentes, para construir uma caixa de som, a fim de fazer uma
experiência acústica. Apesar de todos os acontecimentos dessa
época sempre olho para trás sem rancor ou tristeza, pois é
nesses momentos que aprendemos e melhoramos ou não;
ficando a pergunta: “Somos capazes de aprender as lições da
vida?”
60
Alvim chega à região
para instalar o CEPEC
Em 1963, Simone Cerqueira 12 informa pela imprensa
escrita e falada a notícia da chegada do Dr. Paulo Alvim, técnico
de nível internacional do Instituto Interamericano de Ciências
Agrícolas da OEA – Organização dos Estados Americanos, para
implantar na região o CEPEC – Centro de Pesquisas do Cacau,
da CEPLAC, por ele idealizado.
Naquela época, quando tudo dependia do cacau,
tornou-se um acontecimento de maior interesse para a região,
mais especialmente para a lavoura cacaueira.
‘‘Conheci pessoalmente Paulo Alvim, através de minha
amiga Eliane Sabóia, bibliotecária do Instituto Nacional do
Livro, que veio a seu convite para instalar e chefiar a futura
biblioteca por ele criada. Passando casualmente em frente à sua
casa Eliane pediu-me para entrar, porque o Dr. Paulo Alvim
estava lá e queria falar comigo” - relata Simone.
Entrei e encontrei Paulo Alvim, que me pareceu um
estrangeiro usando uma gravatinha borboleta, suspensórios,
traje nada usual na região. Dirigiu-se a mim falando em inglês e
convidou-me para trabalhar com ele, dizendo que precisava de
alguém fluente em inglês, porque até aquele momento não
conseguira ninguém. Agradeci o seu convite e informei-lhe que
61
realmente tinha feito curso de letras anglo-germânicas na
Universidade Federal da Bahia e também o curso de
especialização durante um ano, na Universidade de Coral
Gables, na Flórida, nos Estados Unidos e minha formação era
direcionada para o magistério. Gostava muito de ensinar e não
tinha os atributos necessários, como datilografia, arquivo, etc.,
para uma secretária bilíngüe. Disse-me que mesmo assim
estava interessado nos meus préstimos.
Assim, dias depois, veio um carro buscar-me e levou-me
para o Escritório da CEPLAC, em Itabuna, que funcionava no
Edifício Tupinambá, na Av. Cinquentenário, passando em
novembro daquele ano para a sede definitiva – antigas casas de
fazenda, desapropriadas, no km 22 da rodovia Ilhéus/Itabuna.
Atualizei o seu trabalho e combinei de ficar até que se
achasse a minha substituta. Não foi fácil tomar aquela decisão.
Final de junho, férias escolares do meio do ano. Eu era a única
professora de inglês do Ginásio Municipal de Ilhéus. Ensinava
aos alunos do ginásio e do científico. Os famosos atrasos de
vencimentos já eram bem conhecidos naquela época. O
prefeito estava tentando regularizar os salários que vinham
atrasados desde o ano anterior, depois de uma greve em
novembro de 1962.
O ambiente de trabalho era muito constrangedor. O
prefeito tinha um programa na Rádio local, todos os dias às
12h30min, intitulado “O prefeito fala com o povo” – onde
chamava muitas vezes os professores que reclamavam
62
nominalmente e justificava aquela falta de pagamento, dizendo
que o professor era como um sacerdote e devia exercer sua
profissão por amor. Mesmo assim achava muito gratificante
ensinar, numa época em que os alunos tinham o maior respeito
pelos professores. Tomei uma licença de seis meses e indiquei
para substituir-me uma excelente aluna do meu curso
particular, professora que ocupou o meu lugar.
Assim passei a trabalhar como secretária de Paulo
Alvim. Na realidade era um trabalho muito interessante,
porque não era rotina de secretaria. Paulo Alvim tinha uma
maneira muito peculiar de se vestir. Usava umas camisas muito
estampadas, com desenhos de pássaros, botas americanas, e
gostava muito de um chapéu. Dedicava-se inteiramente ao seu
trabalho, naquela fixação que sempre teve de tornar o CEPEC o
maior Centro de Pesquisas de Cacau do mundo, não só
ajudando a lavoura cacaueira, mas também o desenvolvimento
da região.
Naquela ocasião já havia muito movimento no
escritório. Recebia técnicos recém-contratados, a grande
maioria da Universidade Federal de Viçosa a que credita o seu
sucesso profissional; fazendeiros, membros do CCPC –
Conselho Consultivo dos Produtores do Cacau e visitantes, e
isso tomava grande parte do seu tempo.
Quase todo o dia ia ao campo, o que não permitia
terminar todo o seu trabalho, ficando muitas vezes até tarde da
noite no escritório, não somente despachando assuntos
63
burocráticos ou pessoais, mas também gravando relatórios e
correspondências que dependiam exclusivamente dele para a
secretária. O senhor Carlos de Carvalho, seu motorista, levavao de volta ao Lord Hotel, onde morava.
Interessante é que o senhor Carlos tinha pequena
fazenda de cacau, e algumas vezes até pagava as contas de fim
de mês de Alvim, para ser reembolsado no seu retorno.
Logicamente que agia assim por vontade própria.
Paulo Alvim é uma pessoa muito humana e simples e
tentava ajudar a todos que o procuravam. Muito carismático, se
identificava com seus auxiliares, que lhe tinham não só respeito
e afeição pela maneira cordial e igual com que tratava a todos.
Era exigente no trabalho, mas sabia como cobrar. Não era
vaidoso e tratava aos colegas de profissão com o respeito que
mereciam. Muito sofrido e sentimental, embora pouco
demonstrasse, ficava muito alegre quando recebia cartas de sua
mãe, Dona Neném, a quem tem até hoje, um profundo
reconhecimento pelo grande sacrifício que fez para educá-lo e
aos seus irmãos.
Naturalmente uma secretária torna-se uma peça
fundamental para o trabalho do seu chefe. Assim passei a
conhecê-lo muito bem, conhecia muito bem os seus problemas,
até mesmo pessoais, e tentava ajudá-lo. Na realidade não só
me autorizava como exigia que eu abrisse todas as suas
correspondências e respondesse o que fosse possível. Na
verdade tinha uma grande admiração pela sua inteligência e
capacidade de trabalho.
64
Simone Alvim
Tornou-se um grande amigo de minha família e
freqüentava nossa casa, em reuniões, festa de família e muitas
vezes aos domingos aparecia com técnicos estrangeiros a
trabalho na CEPLAC. Como sabíamos da dificuldade em
arranjar restaurantes naquela época, o convidávamos e os seus
colaboradores, para almoçar conosco.
Em 1967, meu pai sofreu um grave acidente, perdendo
uma perna, e por absoluta necessidade de recursos médicos,
nos mudamos para o Rio de Janeiro. Alguns meses depois
voltei a trabalhar na Secretaria-Geral da CEPLAC, a princípio
com o Carlos Brandão e depois José Haroldo. Assim continuei
de certa forma trabalhando ocasionalmente para Paulo Alvim,
pois sempre passava pelo Rio, para reuniões, conferências, ou
em trânsito no Rio, por ele convidados para trabalhar no
CEPEC.
Até então nosso relacionamento era exclusivamente
funcional. A partir de setembro/outubro de 1971, Paulo Alvim
passou a telefonar para a minha casa com desusada freqüência,
muitas vezes até de aeroportos em trânsito, para tratar do
óbvio.
Naturalmente senti que não se tratava mais de assuntos
de trabalho, o seu interesse parecia-me outro. Saímos algumas
vezes até que em janeiro de 1972 convidou-me para jantar
porque tinha algo muito importante para falar comigo. A essa
65
altura já não era mais admiração pela sua inteligência, mas
estávamos realmente envolvidos por um sentimento muito
forte.
Convenci-me que éramos muito parecidos na essência;
tínhamos os mesmos valores e interesses, e tinha a certeza que
casando seríamos muito felizes. Tomada a decisão, achou que
devido à consideração que tinha a minha família, queria logo
falar com meus pais.
Educada em uma família religiosa de costumes
tradicionais sabia muito bem o quanto seria difícil levar o
assunto aos seus conhecimentos. Paulo Alvim sempre foi muito
bem-vindo a nossa casa. Meu pai, um dentista vitorioso na sua
profissão, se alegrava muito com seus relatos de viagens, mas
morando no Rio gostava mesmo de falar de cacau. Lembro-me
bem que com o sucesso das novas técnicas da lavoura, a
produção estava melhorando e por sua sugestão construiu um
secador na fazenda.
Naquela noite foi tudo diferente. Meu pai ficou mesmo
muito surpreso, assustado e até mesmo incrédulo do que estava
ouvindo. Somente depois de muitas explicações e
entendimentos foi encontrada uma solução: casar em Santa
Cruz de la Sierra, Bolívia. Com a certidão do casamento, e por se
tratar de um funcionário internacional, pude assegurar para
mim todos os direitos de família.
66
Fátima, o grande presente
Em julho viajamos para a Europa. Recebi o grande
prêmio da minha vida: em novembro nasceu em país de Gales –
Inglaterra, a nossa filha Fátima. Paulo Alvim tinha voltado para
o Brasil e só a conheceu perto do Natal.
Em fins de janeiro de 1973 voltamos ao Brasil, passamos
pelo Rio para visitar meus pais e batizar nossa filha, e ficamos
na hospedaria da CEPLAC por algum tempo, até quando nos
mudamos definitivamente para a “casa do diretor”, recém
construída com material que sobrou da construção do CEPEC.
Foi realmente uma das grandes alegrias de sua vida: morar na
área de seu trabalho.
Montamos a casa e lá nos instalamos. Como era natural
fiquei responsável por sua administração e até fizemos uma
conta conjunta para que o Paulo Alvim só se preocupasse
mesmo com seu projeto e nada atrapalhasse o seu trabalho. Foi
sempre uma pessoa extremamente econômica, mas nunca por
ambição e sim pelos inúmeros encargos financeiros dos quais
nunca pôde se libertar, que sempre o acompanharam por toda
sua vida.
Em nossa casa havia um quarto especialmente para
hóspedes. Na realidade, a não ser José Haroldo, que em suas
vindas a Ilhéus aproveitava a noite para resolver com Paulo
Alvim assuntos da CEPLAC e se hospedava conosco, muito
raramente ficava alguém.
67
Apesar do convite, preferiam mesmo ficar na
hospedaria que realmente era também muito confortável. À
noite sempre vinham jantar conosco e ficavam até tarde
conversando sobre assuntos do seu interesse. Algumas vezes,
quando não estávamos esperando era um corre-corre danado
para aprontar o jantar.
Os jantares oficiais eram sempre oferecidos em nossa
casa. Ali recebíamos ministros, membros do CNPC – Conselho
Nacional dos Produtores do Cacau, políticos, técnicos, etc.
Havia jantares para até oitenta pessoas. O buffet escolhido era
sempre “comida baiana”, que geralmente agradava a todos.
Tudo isso era feito com muito prazer. Paulo Alvim sempre
gostou de receber, além de viajar muito para participar de
reuniões, conferências internacionais, congressos e mesmo a
serviço da própria CEPLAC; mas sempre que possível voltava
nos fins-de-semana. Adorava estar em casa e parecia uma
criança com Fátima e Alexandre que não sendo meu filho
biológico, foi sempre do coração. Passava conosco fins-desemana, feriados e algumas férias na praia de Olivença, onde
temos uma casinha de veraneio, tornando-se assim um grande
companheiro de sua irmã Fátima, hoje muito unidos e amigos.
A educação da minha filha, como era natural, ficou sob a minha
responsabilidade. Tentei passar para ela a mesma formação
que recebi, preparando-a para a vida “educação e trabalho”.
Escolhia sempre bons colégios e como trabalhava o dia
inteiro coloquei-a aos três anos em um colégio Montessoriano
68
em Itabuna, das oito às cinco da tarde, porque preferia que nas
minhas ausências ficasse em um lugar com orientação
pedagógica. Fez o curso ginasial no colégio “Gato de Botas” da
professora Rita Fontes e o primeiro e segundo científico no
colégio “Nossa Senhora da Piedade” em Ilhéus. Esses dois
últimos anos, por conveniência nossa, ficou com meus pais em
Ilhéus, quando foi estudar em Viçosa.
Fátima sempre foi uma boa aluna, muito responsável, e
nunca tive qualquer tipo de problema com seus estudos. Quero,
no entanto enfatizar que Paulo Alvim nunca foi um pai ausente;
cooperava sempre para o sucesso da sua filha. Além do exemplo
de trabalho e de honestidade, conversava muito com ela sobre a
importância e a necessidade de estudar e trabalhar. Aliás,
realizou um de seus grandes sonhos. Estudou agronomia em
Viçosa, cumprindo assim o seu desejo, que era seguir a
profissão do seu pai. Hoje Fátima é pesquisadora da UESC –
Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus. Tem um MSc
em fisiologia vegetal e doutorado em biologia molecular.
Casou-se com o pesquisador Júlio Cascardo, e tem um filho
chamado Tomás.
Em 1983, atendendo a um convite da Universidade de
Flórida, passamos um ano nos Estados Unidos. Paulo usou sua
licença sabática e, além dos compromissos com a Universidade,
realizou alguns trabalhos de pesquisas de interesse do CEPEC.
Naturalmente estava sempre em contato com a direção da
CEPLAC e até veio algumas vezes ao Brasil para participar de
69
reuniões que exigiam sua presença. Acredito, no entanto, que
também seu grande interesse era levar seus filhos, Fátima e
Alexandre, para aprender o idioma inglês. Foram matriculados
em colégios públicos que consideram os melhores em países
onde se privilegia a educação. Com os atestados de freqüência e
resultado dos exames devidamente reconhecidos no Brasil não
tiveram nenhum prejuízo no Currículo Escolar. Hoje falam e
escrevem o idioma inglês corretamente. Importante também
que nos familiarizamos com os mais modernos computadores
de última geração daquela época e que já estavam em uso na
Universidade. Paulo ficou impressionado com o avanço da
tecnologia e interessou-se em introduzi-la na CEPLAC, pela
sua utilidade como instrumento de trabalho.
Paulo Alvim não gostava de viajar sozinho ao exterior.
Assim, quando possível, o acompanhava. As minhas passagens
eram sempre pagas pelos organismos internacionais que o
convidavam. Ali então tinha esposa/secretária. Quando em
reuniões ou conferências ficava muitas vezes em bibliotecas,
tomando nota de revistas e livros mais atuais para trazer para o
CEPEC.
Fazíamos essas viagens com muita economia, de modo
que não visitávamos lojas de moda, mas sempre nos
acompanhava em lojas de novidades científicas bem atuais
para trazer algo para o seu querido CEPEC.
70
Opção pela CEPLAC
“Durante toda sua vida recebeu medalhas e comendas.
Nunca dispensava a minha presença naquelas solenidades”, diz
Simone. “Não nego que ficava muito orgulhosa pelo
reconhecimento dado ao seu trabalho, mas também vaidosa
sempre que falava em mim. Gostava de dança e à noite dava-me
aquele costumeiro presente. Vamos dançar?”
Casa em Ilhéus: Paulo Alvim, Simone e Jacques.
Em 1977 teve que fazer uma opção entre o IICA e a
CEPLAC. Naturalmente gostava muito do IICA, mas sua opção
já era esperada. Ficou na CEPLAC. A Direção do IICA fez-lhe
71
uma homenagem, dando-lhe o título de Pesquisador Emérito,
com o ordenado simbólico de U$1,00 (um dólar) por ano.
Também lhe deu o direito de continuar filiado ao Serviço de
Saúde da OEA, o que muito usou durante toda a sua vida.
Assim continuou fazendo o seu trabalho para
transformar o CEPEC no maior “Centro de Pesquisas de Cacau”
do mundo. Nunca foi político, por isso atravessou todas as
administrações da CEPLAC.
Em 1991, foi aposentado compulsoriamente por idade –
70 anos – mas apenas formalmente, continuando a servir a
CEPLAC usando todo seu prestígio internacional como se seu
funcionário fosse.
“Peço a Deus que ainda por muitos anos.’’
Paulo Alvim, Fátima, Simone e o netinho Tomás.
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Teve Paulo Alvim com Simone uma única filha, Fátima13,
que é pesquisadora na UESC. Em depoimento colhido junto a
Fátima Alvim, ela confessa que, no decorrer de dias tão
ocupados, como são todos os dias de praticamente todos os
cidadãos, recordou de situações que ora a faziam abrir um largo
sorriso e horas que a levavam a discretas lágrimas. Achei
também interessante a maneira como me fez o convite, em um
dos primeiros e-mails; justificava assim: “... O pai é tudo na
vida de uma pessoa’’; e nisso preciso concordar em gênero,
número e caso.
Em uma segunda etapa da mesma mensagem solicitava
a mim escrever sobre “Como o papai influenciou a minha vida
pessoal e profissional”. Aqui preciso dizer que interessantemente a resposta é simples e reside na sua primeira
afirmação: o pai, independentemente de quem sejam os
envolvidos, é tudo na vida de uma pessoa. Pais e mães doam em
proporções idênticas as características genéticas de um
indivíduo, já pregava Mendel em 1865. Em uma opinião muito
particular,vejo como a principal influência ambiental no
desenvolvimento do caráter e dos valores éticos do indivíduo as
bases familiares compartilhadas em um lar.
73
Papai, uma figura especial...
E aqui só posso agradecer aos meus pais o exemplo e a
dedicação desprendida a nossa família. Sendo assim, é que
reside a formação da minha pessoa. Papai, particularmente,
sempre foi extremamente ligado à família. Lamentavelmente
pouco conheceu o pai, o senhor Francisco Alvim Carneiro, visto
que ele faleceu, de tuberculose, em 1921, quando papai tinha
apenas dois anos de idade. A mãe Dona Alaíde Brandão — Dona
Neném, — ficou viúva, sem dinheiro, com bem menos de 30
anos e com quatro filhos para criar, sendo papai (Paulo Alvim)
o caçula.
Foi nesta época que ela retornou à sua terra natal, Ubá,
Minas Gerais, onde começou a costurar para ganhar a vida. Até
onde sei, foram tempos difíceis. Papai ajudava vovó como
podia, inclusive na profissão. Jura, e aqui existem
testemunhas, que sabia fazer como ninguém, o mais
complicado plissê das saias das madames da alta sociedade
Ubaense. Apesar dos tempos difíceis, papai sempre foi uma
figura especial. Era coroinha da igreja e aos nove anos já tinha a
sua primeira coluna no jornal de Ubá. Chamava-se “Eu
Critico”. Nesta coluna semanal ele criticava tudo e todos da
cidade. Algo como: “... Eu critico dona fulaninha que deixou o
marido em casa e foi para a missa das 10:00 horas”, etc.
74
Parece-me que as pessoas da cidade já ficavam nervosas
com a expectativa de ver quem seria o “criticado” da semana.
Como a coluna não era assinada, ninguém sabia que ele era o
autor, nem mesmo a mãe. Dizem que depois de um tempo
começaram a desconfiar dele e várias pessoas foram tirar
satisfações com Dona Neném. Esta, por sua vez, chamava o
filho que, obviamente, negava. Até que um dia descobriram e
esta, provavelmente, deve ter sido a maior bronca que o papai
já recebeu da vovó. Mais tarde, aos 12 anos, ele teve outra
coluna no jornal. Mas esta era assinada e certamente bem
menos polêmica.
Ubá realmente deveria ser uma cidade especial. O nosso
grande compositor Ary Barroso é Ubaense. Dentre as músicas
de sua composição escreveu uma intitulada “Quem quebrou o
meu violão?”. A música fala sobre o seu violão de estimação
que havia sido quebrado. Muitos acham que se tratava de uma
situação inventada. O que poucos sabem é que quem quebrou o
violão de estimação foi uma tia do papai que tinha um namorico
com o Ary Barroso. Em momento de fúria o quebrou todinho.
Depois que se formou em agronomia em Viçosa foi
morar no Rio de Janeiro para ajudar ao irmão Geraldo que era
jornalista, fundador da “Folha de Minas”. A sua volta a Viçosa
foi fruto de uma grande coincidência. Nesta época papai
morava em um Hotel bem simples, no Rio, na Glória, para ser
mais exata. Em certa noite, chegando ao Hotel, encontrou um
conhecido de Viçosa sentado na calçada. Muito triste, posso
dizer até mesmo desesperado. Papai sentou-se ao seu lado e
75
começaram a conversar. Este conhecido, na época professor de
botânica, contou-lhe que a esposa acabara de falecer. Papai
ficou estarrecido com a situação do colega. Ficaram os dois
praticamente a noite inteira conversando.
No final da conversa este professor falou que estava
decidido a ir embora de Viçosa e perguntou se papai não
gostaria de ficar na posição dele na ESAV. Caso positivo, ele
poderia indicá-lo para o cargo. Obviamente papai aceitou. No
dia seguinte teve o seu nome indicado e logo em seguida foi
chamado pela ESAV. Ele prontamente respondeu, ainda via
telegrama: “Sigo Segunda”. A situação financeira de casa era
tão complicada que os amigos brincam até hoje que na verdade
ele quis dizer: “Sigo de segunda”. Brincadeiras à parte foi uma
época muito proveitosa.
Desta época de professor ele conta duas histórias que,
não sei por quê, me marcaram profundamente. A primeira foi
sobre uma turma que ele foi paraninfo. Nesta época ele estava
ministrando aula de fisiologia vegetal (disciplina que ele foi o
criador na ESAV). Neste dia ele ficou até de madrugada
preparando a aula prática. Sempre foi muito perfeccionista. Lá
em Viçosa temos a seguinte regra: dez minutos de tolerância
para o professor. Se ele se atrasar mais, a aula está dispensada.
Neste dia, como ele estava muito cansado, terminou perdendo
o horário.
Sendo assim, saiu esbaforido de casa, com a sua bicicleta
vermelha, pedalando em direção ao prédio de aulas. Os alunos
76
o avistaram chegando, mas rapidamente pegaram as suas
coisas e saíram correndo. Havia se passado exatos dez minutos.
Papai viu e ficou extremamente chateado. Passou todos na
disciplina e disse que nunca mais daria aula para esta turma. E
realmente não deu.
Por isso foi uma grande surpresa quando foi convidado,
por esta turma, a ser o seu paraninfo. Vi o carinho que eles têm
para com o papai no ano passado quando alguns estiveram na
nossa casa no dia da comemoração do aniversário de 89 anos
do papai. Na ocasião confirmei a veracidade da história. Para
minha surpresa foi exatamente assim que aconteceu. A
segunda história aconteceu durante uma Semana do
Fazendeiro. A Universidade Federal de Viçosa até hoje
promove uma semana anual dedicada aos fazendeiros da
região. Alunos e professores ministram mini-cursos voltados à
comunidade rural. Não me recordo bem o título do mini-curso
do papai. Sei que a audiência era composta basicamente por
mulheres dos fazendeiros e um menininho. Ele disse que ficou
horas falando sobre semeadura e germinação de sementes e o
menino super compenetrado prestando a maior atenção.
No final da palestra, quando questionou a platéia sobre
as dúvidas, apenas o menininho levantou a mão. Ele cedeu à
palavra e o menino mostrou um ramo bifurcado de uma planta
com uma mudinha nascendo bem na bifurcação. A dúvida era
qual a explicação do papai para o fato. A resposta do papai foi
que, seguramente, um passarinho deveria ter depositado uma
semente na bifurcação e que com a chuva a semente deveria ter
77
hidratado e germinado. Mas esta explicação, que simplifiquei,
ele falou bem detalhadamente para o menininho entender. E o
menino ficou lá prestando a maior atenção. Quando ele
terminou o menininho levantou de novo a mão e disse: “Não
senhor, fui eu que coloquei” e retirou a plantinha da bifurcação.
Ele disse que ficou com um sorriso amarelo no rosto e
rapidamente finalizou o mini-curso.
Ainda como professor da ESAV ele fez o doutoramento
na Universidade de Cornell, nos EUA. Anos depois, quando
estávamos morando na Flórida (1983) fomos todos fazer uma
visita a Comell, e conhecer de perto o alojamento em que ele
morara.
Acho que a paixão pela Bahia bem como pela CEPLAC
foi imediata. Eu, que nasci em 1972, testemunhei a minha vida
inteira a dedicação e o profundo amor que ele sempre nutriu
por esta instituição. Minhas recordações, todas de infância,
estão de alguma maneira entrelaçadas à CEPLAC. Mesmo
porque morávamos em frente à mesma e, portanto, a nossa
casa era de certa maneira um prolongamento da CEPLAC.
Nesta época acredito que a CEPLAC estava no auge.
Parecia uma mini-cidade. Tinha banco, médico, posto
de gasolina e fabricava chocolate. Sei que tinha um universo de
coisas a mais, mas a minha visão infantil era isso que
importava. Na minha maior estima estava também o
alojamento da CEPLAC. Algumas vezes, quando os meus pais
saiam à noite, eu ficava com a Dona Maria, uma simpática
senhora que era responsável pelo alojamento. Dona Maria não
78
só me fazia companhia como permitia que eu assistisse à novela
das 8 h e ainda me presenteava com a melhor banana-real que
já experimentei. Foi na CEPLAC que aprendi a andar de
bicicleta e tive as minhas primeiras aulas de direção com o
papai, geralmente aos domingos. Como pode ver, a CEPLAC ia
além de um local de trabalho puro e simples. Definitivamente
ela era parte da nossa vida familiar.
Papai era o “Diretor Executivo do Centro de Pesquisas
da Lavoura Cacaueira”, decorei isso e dizia para todos que me
perguntavam, mesmo sem saber ao certo o que significava.
Lembro que ele trabalhava muito, pois sempre que ia me deitar
ainda o via no escritório da casa, debruçado em cima de uma
montanha de papéis e livros. Lá ficava até depois da meia noite
e às 7h já estava de pé, pronto para ir trabalhar. Ele era
extremamente respeitado por todos. Homem sério e
responsável ao extremo. Imagino que quem trabalhava com ele
deveria ser pressionado em tempo integral, pois como ele não
parava nunca, seria de se esperar tudo solicitado “para ontem”.
Eu mesma cresci ouvindo o texto “Uma mensagem a
Garcia”. Ele pedia para eu pegar alguma coisa e se eu
perguntasse onde estava ele respondia: “Garcia, procure na
mesinha de cabeceira”. Diz ele que distribuiu a mensagem a
todos que trabalhavam com ele. Eu tenho ainda hoje a
mensagem e recomendo a todos os meus alunos/orientandos a
lê-lo. É a primeira atividade do laboratório.
Para não perder a oportunidade de divulgar, mais ainda,
14
o texto de Helbert Hubbard , autor de “Uma mensagem a
79
Garcia’' informa-se que o texto circulou amplamente nos EUA,
entre os funcionários da Estrada de Ferro Central de Nova
York, passando para a distribuição nas Estradas de Ferro
Russas, daí seguia sua trajetória por outros países: Alemanha,
França, Turquia, Hindustão, e China. Durante a guerra entre a
Rússia e o Japão, foi entregue cópia de “Uma Mensagem a
Garcia” a cada soldado russo que se destinava ao front. Os
japoneses, ao encontrar os livrinhos em poder dos prisioneiros
russos, chegaram à conclusão que havia de ser uma coisa boa e
não tardaram em vertê-lo para o japonês, por ordem do
Mikado.
Mais de quarenta milhões de exemplares de “Uma
Mensagem a Garcia” têm sido impressos, o que é, sem dúvida, a
maior circulação jamais atingida por qualquer trabalho
literário durante a vida do autor. Por esta razão e pela
admiração do mestre e amigo Paulo Alvim ao texto,
transcrevemos na íntegra Helbert Hubbard, em anexo.
80
Ele sempre amou as plantas
Voltando ao depoimento de Fátima, filha de Paulo
Alvim, “Hoje, quando paro para lembrar esta época, constato
que todos na casa eram meio cientistas. Tínhamos um espaço
ao lado do canil reservado e destinado exclusivamente a alguns
experimentos científicos do papai. O Constantino, vigilante de
longa data, muitas vezes passava a noite inteira a anotar em um
caderninho os resultados que papai precisava. As coletas eram
feitas a cada hora. Pela manhã papai analisava os dados, ainda
no café da manhã. A casa parecia um mini-jardim botânico. A
sua porção botânica sempre o fazia se referir às espécies pelo
nome científico, algumas vezes apenas falávamos o nome
vulgar ou comum.
Ele sempre amou as plantas e vivia trazendo espécies
exóticas para o nosso jardim. Foi assim com a Mussaenda sp, que
ele trouxe do Jardim Botânico de Cingapura, e da Eritrina
javanica, que não sei ao certo de onde veio. Hoje em dia ele diz
que talvez estas tenham sido as ações mais importantes dele
visto que ambas as espécies estão sendo amplamente utilizadas
nos projetos paisagísticos nacionais.
81
Em 1997 tive o prazer de ir visitar o Jardim Botânico de
Cingapura e lá pude comprovar que a Mussaenda sp. original, a
doadora da estaca, ainda estava no mesmo local que ele falou.
Obviamente tirei várias fotos no local para depois enviar ao
papai.
Apesar de toda a exigência e da importância do seu
cargo, papai sempre foi uma pessoa extremamente simples e
humilde. Ele tem um carisma que encanta a todos,
independente do nível social, idade ou sexo. Pedia as coisas
mais mirabolantes, mas todos faziam, pois ele realmente
sempre foi irresistível. Quanto à sua humildade e lucidez acho
que podem ser facilmente ilustradas com o seguinte fato,
simples e sincero.
Presenciei muitas vezes pessoas perguntando para o
papai quem era o seu melhor amigo. Ele respondeu, “Senhor
Carlos”, que era o motorista e realmente um grande
companheiro do papai. Uma pessoa muito querida por todos
nós. Sei que era recíproco, pois vejo o senhor Carlos até hoje.
Assim como o Mané Preto, o garçom. Um dia desses Mané
Preto ligou aqui na minha sala, preocupadíssimo, pois soube
que papai havia colocado um marca-passo. Constantino,
lamentavelmente já faleceu. Esta resposta dada pelo papai, de
coração, prova para mim que ele sabia distinguir, nesta vida
cheia de “glamour”, quais eram os seus relacionamentos
pautados em cima de respeito, sinceridade e desprovido de
outras intenções.
82
Em casa papai sempre foi um crianção. Tomávamos
banho de chuva, mesmo estando gripados. Foi o primeiro, e
talvez o único, a preconizar que chuva não tem nada a ver com
gripe, para desespero da mamãe. Sorvete também estava
liberado. Permitiu que tivéssemos doze cães simultaneamente... E eles tinham acesso livre à casa, desde que a
mamãe ou as secretárias não estivessem por perto.
Tivemos araras, mico, papagaio, sabiá, galinha e até
mesmo uma cobra. Esta foi uma aquisição que ele trouxe para
casa durante uma enchente. Lembro do papai chegando à casa
a pé, em um dia horroroso, com uma sombrinha preta aberta e
invertida. Fiquei super curiosa e quando olhei na sombrinha lá
estava à cobra. ECA! Este preciso concordar, não era nada
simpática.
Uma das grandes paixões do papai eram os seus carrões.
Tínhamos dois Landaus, um verde e um prateado. Esses só
podiam ser utilizados aos finais de semana, com tempo bom,
nada de sair na chuva, e em ruas não asfaltadas. Ele entrava e
exclamava “... isso sim é que é carro”. O verde nós vendemos,
mas o prateado está até hoje na garagem. Ele recebeu uma
mega reforma em 2000, quando fui casar. Se esse carro falasse
teria por certo muitas histórias nossas para contar.
Outras paixões eram acampar e tomar banho de mar,
como todo bom mineiro. O seu espírito jovem perdura até os
dias atuais. Quando vim de volta para a Bahia em 2.000 ele
estava com 81 anos e me fez a seguinte afirmação um dia na
83
praia de Olivença: “Acho que vou comprar uma prancha de
surf”. Achei engraçadíssimo. Dois anos depois ele comprou
uma bicicleta de marcha (coincidentemente vermelha) para
andarmos na orla de Olivença, onde temos uma casinha de
veraneio.
Uns três anos antes quase pulamos de asa-delta no Rio
de Janeiro. Mas lamentavelmente o instrutor Alex, que
trabalha na Pedra da Gávea, não estava trabalhando neste dia.
Papai sempre foi assim, um brincalhão. Nas festas
tocava violão e gaita. Contava casos engraçadíssimos das suas
viagens. De quando comeu Fu-Fu na África, e depois descobriu
que era rato, ou de quando perdeu a estação que deveria descer
do trem bala na China. Conta ele que foi ser educado e esperou
uma senhora idosa descer do trem para então se virar para
pegar os seus pertences. Nisso, quando se voltou munido da
mala em direção à porta, a mesma fechou e o trem partiu. Ele
não se fez de rogado, retirou o chapéu da cabeça e sentou-se de
novo no banco. Neste caso, como não sabia falar nada de
chinês, teve que esperar a pessoa que estava aguardando ele na
estação de trem avisar ao maquinista da presença deste
“estrangeiro” para mandá-lo de volta à estação correta. Como
papai sempre se vestiu de maneira muito peculiar, acredito ter
sido fácil ao maquinista identificá-lo no trem. Engraçado foi ele
dar por escrito as instruções ao papai. Ele tinha exatos dez
minutos para trocar de trem. Papai saiu desta vez correndo do
trem e ia mostrando o papel as pessoas da estação e se guiando
84
apenas por gestos. Mesmo assim, conseguiu pegar o outro trem
e retornar à estação correta. Ele contava que os chineses eram
muito simpáticos. Sempre o convidavam para almoçar ou
jantar nas suas casas. Mas, para ele, do alto de seus quase
1,90m, era muito difícil ficar tirando o sapato para sentar de
pernas cruzadas nas mesas baixas típicas da região. Além disso,
comer era um ritual demorado. Por isso, depois de umas duas
semanas, ele terminava dando uma desculpa e ia comer mesmo
em um McDonalds. Eram tantas as histórias que ele poderia
ficar horas ou mesmo dias contando-as sem repetir uma vez
sequer. Lembro das mesas de almoço ou jantar, casa cheia, e
todos ouvindo atentamente os seus “causos”. Coisa de
mineirinho.
Ele viajava o mundo e com muita freqüência, mas os
finais de semana sempre foram passados no aconchego do lar.
De toda a viagem sempre retomava com algo interessantíssimo, ao menos para mim. Chocolates da Suíça ou
bonecas da África. Eram itens simples, sem nenhum valor
financeiro, mas carregados de valores emocionais. Papai
sempre foi extremamente econômico, talvez pela sua história
de vida. Mamãe também recebia algum agrado. Um caso
interessante foi sobre um relógio Rolex que ele jura ter
comprado em comemoração dos seus 20 anos de casado.
Ficamos estupefatos, pois realmente era algo completamente
atípico para o papai comprar algo tão caro. Mamãe ficou
impressionada. Lembro da carinha dela abrindo a caixinha, em
85
cima da cama, a mala ainda aberta e... nada! A caixa estava
embrulhada para presente, mas vazia. Aparentemente o
relógio havia sido roubado no Hotel. Bem, valeu a intenção.
Preciso concordar com papai que na realidade os
principais e mais importantes presentes, como tudo na vida,
não possuem valor financeiro, mas sim emocional. Quando
completei 15 anos, por exemplo, recebi do papai o maior
presente que já ganhei até hoje. Na época ainda era bastante
comum bailes de debutantes. Alguns pais ainda presenteiam as
aniversariantes com uma viagem ao exterior. No meu caso eu
realmente tive uma festa e, na hora da valsa, uma amiga da
família, minha professora Heloisa Pinheiro, “leu” o meu
presente. Isso mesmo, papai me deu um texto de sua autoria.
Escrito por ele, no meio da sua vida tão atribulada,
especialmente para mim. Tenho a fita do evento e nesta pude
ver que durante a leitura papai estava bastante emocionado.
Com os olhos cheios de lágrimas. O texto é lindo. De uma
simplicidade, mas ao mesmo tempo de uma sabedoria que
apenas um pai pode ter para com o filho. No final do texto ele
me dava o que considerava ser o maior e mais importante
presente de um pai pode dar: desejava-me felicidades na vida
que iria trilhar.
O texto está comigo e pretendo emoldurá-lo para deixálo sempre à vista. Aquilo ainda hoje é para mim um grande
gesto de amor, concretizado e imortalizado na forma de
palavras. Escrito de um pai, com os seus 68 anos, para uma
filha de apenas 15 anos. Que honra!
86
87
Esses momentos de extrema emoção, papai sempre foi
bem sentimental, conviviam em plena harmonia com a sua
porção “palhaço”. A cabeça do papai sempre foi de um
meninão. Imagine que tínhamos um cofre enorme em casa que
ficava no armário do quarto dele. Só ele sabe a senha, até hoje.
No interior os seus itens de valor inestimável: Chocolates
importados e canetas “Jumblanc”, a genérica da famosa e
caríssima “Montblanc”. Ele sempre foi formigão e sabia que se
os chocolates ficassem a disposição, nada iria sobrar para ele.
Eram uma festa as noites em que ele resolvia abrir o cofre. Cada
um ganhava uma barra de chocolate e íamos todos dormir
felizes da vida. As canetas... Bem essas com certeza sumiriam
em poucos segundos assim que ficasse à mostra na nossa sala
de telefone. Sempre me perguntei o que aconteceria se um
ladrão roubasse o cofre. Seria algo interessante.
Meus amigos sempre foram loucos por papai. Acho que
ele se misturava bem. Se quando eu era criança tomávamos
banho de chuva juntos na adolescência, íamos entre outros
lugares, aos bailes. Ele sempre foi o último a sair da pista de
dança. Tem um jeito muito peculiar de dançar e era fácil saber
quem havia terminado de dançar com ele. Era só olhar o cabelo,
geralmente completamente desgrenhado pelos rodopios, que
papai executava com maestria. Vivi indo aos bailes de exalunos da UFV (praticamente anuais) e, portanto esta foi uma
cena que se repetiu várias e várias vezes anos a fio. Por
coincidência, as nossas festas de ex- alunos são comemoradas
juntas, hoje em dia, pois o ano que formei foi o mesmo que ele
completou 50 anos de formado.
88
Quando pedi para sair de casa no terceiro ano científico
para ir estudar em uma escola mais “forte” ele prontamente
sugeriu Viçosa. Apesar da distância de 1.200 quilômetros de
Ilhéus ele sempre acreditou ser ali o melhor local para estudos.
E eu fui. Desde o início recebia papai e mamãe com muita
freqüência para visitas furtivas. Ele adorava voltar à UFV para
reencontrar seus amigos. Sempre que estava por perto
terminava dando um jeitinho de ir até Viçosa.
Nestas ocasiões ele aproveitava para fazer turismo em
Ubá. Vestia-se como um americano típico: bermuda na altura
do joelho, meia alta e branca com listras vermelhas ou azuis na
parte superior, tênis, blusa extremamente florida (geralmente
de Bali) e óculos de grau incrementado com aquele filme preto
que pode ficar para cima ou para baixo, a depender da ocasião.
Além disso, uma baita máquina fotográfica pendurada no
pescoço. Pegavam o ônibus, ele e mamãe, e iam passar o dia a
tirar fotos das ruas onde papai brincava, em frente à casa onde
morava toda a família, da estátua de um primo que tem no
centro da cidade, etc. Voltavam no final do dia felizes da vida.
Esse jeito de vestir do papai, bem característico, sempre
chamava atenção e confundia as pessoas. Não raras foram as
vezes que ao visitarmos feiras ao ar livre no Brasil os
vendedores forneciam os preços em dólares. Uma vez fomos
passar o domingo de páscoa em Ouro Preto e o papai foi com as
suas indumentárias usuais. Na Semana Santa as pessoas de
Ouro Preto fazem um tapete com serragem colorida nas ruas da
cidade. Esses tapetes, longos, têm desenhos de figuras bíblicas
em um trabalho artesanal extraordinário. A procissão passa
89
exatamente por cima do tapete. É uma festa linda que atrai
turistas de todos os lados. Neste dia, estávamos todos lá e de
repente chegou uma repórter do MG-TV. Quando ela veio em
nossa direção eu na hora entendi que ela seguramente estava
confundindo papai com um americano ou europeu. Tive a
certeza quando ela perguntou se papai falava português e se
poderia conceder uma entrevista. Ambas as respostas foram
afirmativas. Ela começou falando sobre o tapete de serragem, o
trabalho manual que durava dias para ficar pronto e finalizou
chamando a atenção para a existência de muitos turistas
prestigiando a ocasião. Assim passou a entrevistar papai. Muito
simpática, perguntou: “O Sr. É de onde?” e ele respondeu “Eu
sou de Ubá”. Coitada. Logo Ubá, Zona da Mata Mineira. As
feições da repórter foram de uma incredulidade imensa, ela
nem teve condições de continuar a entrevista.
Quando fui prestar vestibular fiquei indecisa. Sabia
com clareza que queria trabalhar ou com animais, seguindo a
carreira de veterinária, ou com plantas, como bióloga. Papai e
mamãe conversaram longamente comigo. Papai falou sobre
agronomia, da sua história de vida, e que eu teria a
oportunidade de trabalhar com animais e/ou plantas. Além
disso, poderia herdar toda a sua rica biblioteca. Convenci-me e
prestei vestibular. Se no começo estava meio insegura, no meio
do curso já estava apaixonada pela área. Ligava para casa para
tirar dúvidas com papai, principalmente da fisiologia vegetal e
botânica. Tive aula com vários alunos do papai e por muito
tempo fui conhecida como “filha do Alvim”. Que
responsabilidade. Achei muito interessante estudar algumas
90
das invenções do papai como o “porômetro de Alvim”. Este na
realidade eu estudei tanto na graduação como na pósgraduação. Muito interessante.
Durante o curso, meu primeiro estágio científico foi
orientado pelo papai. Estava no segundo ano de curso quando
ele me deu a incumbência de comprovar o hidroperiodismo de
jabuticabeiras. Trabalho que ele havia feito antes com café.
Minha missão era ir diariamente e de bicicleta, diga-se de
passagem, à casa do professor Otto Andersen, que ficava a um
quilômetro da minha casa, para medir o diâmetro da
jabuticabeira utilizando uma engenhoca desenvolvida pelo
papai.
Era o fitotensiômetro de Alvim. Algo que ele
desenvolveu depois de ver o preço exorbitante do
fitotensiômetro original. O dele custava menos de um dólar, ele
não cansava de dizer. Na realidade era um tubo de plástico
branco, preenchido com um líquido azul termoestável e que
não evaporava. A boca do tubo era conectada a uma pipeta de
vidro graduada. O aparato era fixado ao caule da árvore com a
ajuda de uma faixa de metal. Assim, quando o estômato estava
fechado, o diâmetro do caule era maior, a pressão exercida pela
faixa de metal no tubo plástico aumentava e consequentemente
a altura do líquido azul era mais alta. Com a abertura
estomática o diâmetro do caule diminuía ligeiramente, o que
era acompanhado pela diminuição na altura do líquido azul. Eu
precisava apenas — segundo palavras do papai — ir a este pé de
jabuticaba, todos os dias às 6 horas da manhã, meio dia, e 6
horas da tarde. Inclusive sábado, domingo e feriados. Depois
91
de muita negociação ficamos acertados que seria 7 horas e sem
incluir todos os finais-de-semana. Depois de quatro meses de
seca — inverno, portanto em Viçosa — eu deveria ligar a
mangueira da casa do professor Otto e deixar a água encharcar
o solo por quatro horas para depois continuar com as medições
até a planta florescer. Parece simples, mas confesso que foi o
projeto mais sofrido que já executei. Ao menos funcionou.
Foi nesta época que fui à primeira palestra do papai.
Fiquei impressionada. Apesar de ajudá-lo com certa
freqüência, e desde criança, a montar slides nunca havia ido
assistir a uma palestra de sua autoria. Na época os slides com
texto eram na realidade todos tirados de letras de forma
brancas em fundo preto. Depois de revelado o slide,
pintávamos as letras com canetas hidrocolor das cores que
queríamos. Papai partia do princípio de que se deve sempre
utilizar pouquíssimo texto e muitas fotos. Ah, e nada de ler o
que estava escrito no slide. Esta primeira palestra que assisti foi
uma revelação para mim. Não lembro o título, mas sei o
assunto que era “cacau”. O local foi o anfiteatro da UFV que
estava lotado de pessoas. A palestra foi muito rica em
informação e ao mesmo tempo engraçadíssima. As pessoas
riam de gargalhar. Apesar de ser longa não foi nada cansativa. E
quando terminou foram todos falar com papai. Ele era o “popstar” da área. Ali soube que o trabalho dele não era reconhecido
apenas localmente, era realmente algo de impacto nacional e
internacional. Fiquei um orgulho só. Desde então comecei a me
programar para poder participar das suas conferências, e
foram inúmeras em congressos e simpósios.
92
Quando retornei a Ilhéus em 2000 fui contratada pela
UESC — Universidade Estadual de Santa Cruz, para ministrar
aulas de botânica. Fiquei bastante impressionada com o fato de
a minha vida profissional ter se iniciado de maneira similar à
do papai. Acredito que ele também. Como sempre foi uma
pessoa de vanguarda, estava na época completamente
envolvido com os projetos de seqüestro de carbono. Imagine,
há mais de 10 anos atrás ele já preconizava que o Brasil seria um
país muito importante e que teria muito a lucrar com o
Protocolo de Kyoto.
Hoje papai já está com seus 90 aninhos, mas ainda
enxergo nele esta mesma sede de viver. Quer ir passear, viajar
e, não raras são às vezes que pede para ir à CEPLAC. Ele tem
uma história de vida muito rica. Vejo muito dele em mim e
consigo também ver muito de mim nele. Ele me ajudou a
desenvolver esse amor incondicional à natureza, a abraçar a
minha profissão, a respeitar o próximo, a estar sempre atenta
aos valores éticos das nossas atitudes, a importância de sempre
manter a humildade, ao valor incomensurável da nossa família
e a simplesmente amar a vida e viver, sempre viver.”
Paulo Alvim ao lado de sua
companheira Simone:a
felicidade de quem se sente
realizado e vive em paz com a
vida, a natureza e as pessoas.
93
Coordenador técnico-científico
Paulo Alvim teve a felicidade de ver concretizadas
muitas de suas aspirações, graças a convênios de colaboração
técnica firmados com instituições internacionais como o IICA
e o Governo brasileiro, após a organização da CEPLAC, por
inspiração de seu grande amigo Carlos Brandão, primeiro
Secretário Geral da instituição do cacau, criada em fevereiro de
1957 pelo Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira.
Desde meados de 1962 a CEPLAC havia estruturado o
Escritório Central de Coordenação com a tarefa de dirigir,
supervisionar e cobrar ações práticas na condução de
convênios já firmados com diversas instituições técnicas, como
o celebrado com a Comissão de Solos do Ministério da
Agricultura para realizar o mapeamento dos solos da Região
Cacaueira do Sul da Bahia, em nível de detalhamento,
contando com o apoio de fotografias aéreas pancromáticas
adquiridas. A área a ser prospectada era de 90 mil quilômetros
quadrados; a equipe do Ministério da Agricultura era chefiada
pelo pedólogo Marcelo Camargo.
Outro convênio que estava emperrado, que não
avançava, era o celebrado com o IPEAL — Instituto de
Pesquisas e Experimentação Agronômica do Leste, do
94
Ministério da Agricultura. O Projeto de Melhoramento do
Cacaueiro previa a realização de expedições botânicas na
Amazônia para coleta de material silvestre, para a ampliação da
base genética da cacauicultura baiana que era estreita e, ao
mesmo tempo, selecionar material mais produtivo e tolerante à
enfermidade ‘‘podridão parda” nas plantações cacaueiras da
Bahia, como, aliás, já vinha fazendo a Estação Experimental de
Juçari, do IPEAL, com a participação de Walter Magalhães.
Para isso era necessário contratar pesquisadores experimentados, na área de genética e melhoramento de plantas, e
promover a capacitação de jovens profissionais talentosos e
promissores.
Nada dessa quebra de imobilismo acontecia, porque a
direção a nível regional dos serviços da CEPLAC no sul da Bahia
era de formação administrativa especializada em questões
financeiras, questões bancárias, e que vinha fazendo a
importante tarefa de saneamento das finanças dos produtores
de cacau, profundamente endividados. Mas o comando
regional — Urbano Brandão e depois José Maria Vasconcelos não via como relevante os avanços científicos desejáveis, e
ficava sempre postergando os avanços científicos por achar
mais importante “primeiro concluir as operações de
composição de dívidas”. Com a chegada de Paulo Alvim, ele de
imediato foi designado para ocupar o lugar de Coordenador
Técnico Científico. Compondo o quadro de direção regional
com o seu parceiro José Haroldo Castro Vieira, Coordenador
Administrativo. O golpe de sorte, o maior da vida de Paulo
95
Alvim, como diz frequentemente, foi ter vindo à Bahia em 1963,
encarregado pelo IICA de colaborar com a CEPLAC no
planejamento e implantação do Centro de Pesquisas do Cacau e
do Departamento de Extensão.
É importante salientar a luta e teimosia de Carlos
Brandão para obter a cessão de Paulo Alvim, pelo IICA, para
colaborar com a CEPLAC. Isso porque o IICA tinha uma rígida
norma interna que impedia que um técnico de seu quadro fosse
destacado para servir no seu país de origem.
A determinação de Carlos Brandão em contar com a
competência técnica de Paulo Alvim levou-o a formular uma
engenhosa triangulação ACRI — American Cocoa Research
Institute, recebendo recursos financeiros, via convênio
assinado com a CEPLAC, para fazer o pagamento dos salários e
outras complementações de Paulo Alvim ao IICA. Estava
resolvido o impasse e Paulo Alvim pôde trabalhar com
liberdade desde 1963 até 1977, como Diretor TécnicoCientífico da CEPLAC/CEPEC.
Mas a luta foi vencida e o pesquisador renomado e
experimentado chegou às terras baianas, para com o apoio do
quadro técnico recrutado em todos os rincões da terra
brasileira, acorrer para promover o mutirão de trabalho,
competência e saber, e efetivar a maior revolução na
agricultura brasileira: a recuperação da cacauicultura.
Chegando à Bahia, localizou-se em Ilhéus, de onde
passou a comandar as ações da CEPLAC. A planificação técnico96
científica da instituição, tendo sido o principal responsável
pela organização e implantação dos departamentos técnicos da
CEPLAC, e de maneira especial do CEPEC — Centro de
Pesquisas do Cacau.
É certo que já se desenvolviam ações práticas de
pesquisa e experimentação via Estação de Água Preta, do
Instituto de Cacau da Bahia, localizada em Uruçuca, com uma
meia dúzia de pesquisadores, dentre os quais: Pedrito Silva
(entomologista), Gustavo Magalhães Carletto (geneticista),
Waldemar Tobias Leilis (fitopatologista), Walter Magalhães
(melhorista), da Estação Experimental de Juçari, do IPEAL —
Instituto de Pesquisas e Experimentação do Leste, do
Ministério da Agricultura.
A base física de “Água Preta” era acanhada — em torno
de 200 hectares — mas dispunha de áreas cacaueiras, com
plantações comerciais e stands de plantações de uma mutação
de “cacau banco”, o denominado Catongo. Contava com áreas
laboratoriais, armazéns, viveiros, casas residenciais para o
pessoal técnico e para alguns profissionais administrativos,
contando ainda com equipes de trabalhadores braçais
especializados. Estava pois, de logo visto, que uma das
primeiras tarefas era a de adquirir uma área de cacau comercial
em produção, bem localizada e dotada de solos de padrão típico
da região cacaueira do sul da Bahia, para montar o Centro de
Pesquisas do Cacau, da CEPLAC. O CEPEC — Centro de
Pesquisas do Cacau foi criado de acordo com o Decreto número
97
1960, de 27 de dezembro de 1962, que autorizou a CEPLAC —
Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico
Rural da Lavoura Cacaueira a utilizar recursos para a criação
do CEPEC, na zona cacaueira do Estado da Bahia, no Município
de Itabuna ou imediações, com os seguintes objetivos:
a) — realizar pesquisas e trabalhos experimentais sobre
a agronomia e a tecnologia do cacau;
b) — coordenar planos e programas referentes aos
objetivos previstos neste artigo sejam de âmbito
regional ou nacional;
c) — especializar ou promover a especialização de
engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas, estudantes
de agronomia, fazendeiros e capatazes, em assuntos
concernentes à cacauicultura;
d) — promover a difusão dos resultados das pesquisas,
observações e trabalhos experimentais realizados e
divulgar matérias de interesse da cacauicultura;
e) — providenciar meios para suprir os produtores de
cacau de material botânico aprovado e necessário ao
melhoramento das plantações.
O Decreto-Lei número 52.175, de 28 de junho de 1963
declarou de utilidade pública área situada na zona cacaueira
do Estado da Bahia, para a instalação do CEPEC - Centro de
Pesquisas do Cacau.
98
Nasce o CEPEC
Dada a estreita ligação do cientista Paulo Alvim com a
idealização do CEPEC, acreditamos ser de grande utilidade e
oportunidade, aproveitar a biografia de Paulo Alvim para dar
maior divulgação de como foi conceituada a CEPLAC, pela
Presidência da República. Transcrevemos o Decreto-Lei
número 52.175, de 28 de junho de 1963:
“O PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, no
exercício - do cargo de Presidente da República, usando das
atribuições que lhe conferem o art. 87, número 1, da
Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no parágrafo
16 do art. 141, da mesma Constituição e no Decreto-Lei número
3.365, de 21 de junho de 1941, com as alterações introduzidas
pela Lei número 2.786, de 21 de maio de 1956, e
- CONSIDERANDO que as crises constantes que vêm
atingindo a lavoura cacaueira do País, resultam principalmente
da ausência de sistema racional da exploração da cultura;
- CONSIDERANDO que essas crises teriam assumido,
devido às suas implicações, caráter de convulsão sócioeconômica, não foram as medidas de amparo adotadas pelo
Governo Federal, nas respectivas oportunidades, com a
99
criação, em 1957, do Plano de Recuperação Econômico-Rural
da Lavoura Cacaueira e com a assistência financeira, mediante
empréstimos, em longo prazo, de composição de dívida dos
cacauicultores que se encontravam com débitos acumulados
acima de sua capacidade de pagamento em curto prazo, devido
justamente àquelas crises, conforme Decretos números 4.1243,
de três de abril de 1957 e 539, de 23 de janeiro de 1962;
CONSIDERANDO que esses amparos traduziam apenas
medidas de emergência para suavizar as crises, que não tem
afetado somente aos produtores, mas à própria economia
nacional uma vez que nos anos 1961 e 1962, a queda de receita,
em moeda estrangeira, proveniente da exportação de cacau e
derivados, ultrapassou a casa dos cem milhões de dólares e que
no ano 1963, deverá essa queda ser acrescida em mais de
cinqüenta milhões de dólares;
CONSIDERANDO que esse decréscimo de receita tem
trazido perturbações sociais e econômicas, com reflexos na
segurança nacional, já que nas respectivas regiões deixaram de
circular cerca de quarenta bilhões de cruzeiros, nos dois
últimos anos, com prejuízo para as arrecadações do produtor,
Municípios, Estados e União;
CONSIDERANDO que a criação e perfeito funcionamento do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau — é uma
medida de utilidade pública e do interesse social, pois só
através da pesquisa e experimentação podem ser traçadas
normas seguras para o seguimento e racionalização da lavoura
cacaueira;
100
CONSIDERANDO que dentre as recomendações do
Grupo de Trabalho do Cacau criado pelo Governo Federal, em
01 de novembro de 1962, (página 9715 Diário Oficial),
destacou-se a indicação de um Centro de Pesquisas do Cacau
como meio básico para iniciar a correção das falhas apontadas;
CONSIDERANDO que o Governo Federal reconhecendo a importância daquela recomendação baixou o Decreto
número 1960, de 27 de dezembro de 1962, criando o referido
Centro, e
CONSIDERANDO que a Comissão Técnica designada
na forma do artigo quatro do último dos citados decretos,
conforme Portarias da Comissão Executiva do Plano de
Recuperação Econômico-Rural da Lavoura Cacaueira —
CEPLAC, de números 27 e 28, de 25 de janeiro de 1963,
respectivamente, depois de exaustivos estudos, conforme
parecer por ela elaborado fixou a área a seguir indicada como a
única tecnicamente adequada para a instalação na forma do
art. 1. “in-fine”, do Decreto
Art.1º É declarada de utilidade pública a área
especificada no parágrafo deste artigo e destinada à instalação
do centro de Pesquisas do Cacau — CEPEC, de que tratam o
Decreto número 1960, de 27 de dezembro de 1962;
Parágrafo 1º A área ora declarada de utilidade pública
fica localizada na bacia hidrográfica do Ribeirão das Alegrias,
afluente da margem esquerda do Rio Cachoeira, situada no
Distrito Banco da Vitória, Município de Ilhéus, Estado da
101
Bahia, e cortada pela estrada de rodagem asfaltada IlhéusItabuna na altura dos quilômetros vinte e quatro e vinte e sete e
meio (27,5) e distante seis (6) a nove e meio (9,5) quilômetros
do centro da cidade de Itabuna, num total de setecentos (700) a
mil (1.000) hectares de terras, tendo de dois mil (2000) a três
mil (3000) metros de frente para o Braço do Rio Cachoeira,
também denominado Rio Central, estando enquadrado a partir
de mil (1000) metros para montante da barra do Ribeirão das
Alegrias e desse ponto três mil (3000) metros em direção norte
e dois mil (2000) metros para a jusante da barra do Ribeirão
das Alegrias e desse ponto quatro mil e quinhentos (4500)
metros em direção ao nordeste. Na área descrita e declarada de
utilidade pública estão localizadas propriedades agrícolas, ou
parte delas, em que constam como proprietários espólio de
Enock Carteado, Roberto Nunes Viana, Júlia Wense Santos, e
outros, Teófilo Gondim, Cícero Pinto e outros, Espólio de
Henrique Wense, Miguel Femandes Moreira, Pompílio Barreto
e outros.
Parágrafo 2º Para os fins previstos neste artigo, fica a
Comissão Executiva do Plano de Recuperação EconômicoRural da Lavoura Cacaueira-CEPLAC, Órgão do Governo
Federal, autorizada a proceder à desapropriação da área citada
neste artigo, na forma dos artigos três, sete, e 10, do DecretoLei 3365, de 21 de junho de 1941.
Parágrafo 3º É considerada de urgência a
desapropriação citada no parágrafo anterior, devendo a
Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico102
Rural da Lavoura Cacaueira proceder na forma prevista no art.
15 do Decreto-Lei número 3.365, de 21 de junho de 1941, e
alterações introduzidas pela Lei número 2.785, de 21 de maio
de 1956, não sendo possível o acordo amigável imediato.
Art. 2º Fica a CEPLAC autorizada a utilizar os recursos
que lhe foram destinados na forma do Art. 2º do Decreto
número 539, de 23 de janeiro de 1962, para efetuar o
pagamento da área desapropriada e ora considerada de
utilidade pública.
Parágrafo Único Para o presente ato, sem prejuízo do
disposto no parágrafo 1º do artigo dois Do Regulamento Geral
baixado pelo Decreto número 41.243, de três de abril de 1957, e
de acordo com o parágrafo 4º do artigo seis do mesmo
Regulamento Geral, na redação do Decreto número 51.242, de
23 de agosto de 1961, fica o Secretário-Geral da CEPLAC,
autorizado a firmar, em nome do órgão expropriante,
escrituras de compra e venda da área ora declarada de
utilidade pública, bem como praticar todos os atos necessários
à sua desapropriação em Juízo, ou fora dele.
Art. 3º O presente decreto entrará em vigor na data de
sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 28 de junho de 1963; 142 da Independência e 75 da
República.
RANIERI MAZZILLI
Carlos Alberto de Carvalho Pinto - Oswaldo Lima Filho
*Diário Oficial da União — Seção 1 — 09/07/1963, Página 5911 (publicação).
*Coleção de Leis do Brasil — 1963.
103
O arquiteto Sérgio Bernardes foi contratado para
elaboração de um projeto arquitetônico, e iniciada a sua
construção em ritmo acelerado. A construção durou de
1963/64 a 1972 quando a sede regional da CEPLAC foi
inaugurada pelo Ministro Delfim Neto, Ministro da Fazenda,
ao qual estava então vinculada a CEPLAC.
Com o Departamento de Extensão foi ainda mais
diferente, porque os serviços de extensão e assistência técnica
já existiam desde a criação da CEPLAC, em 1957, com serviços
assistenciais, chamado de SETAG — Serviços TécnicoAgrícolas, centralizados inicialmente em Itabuna, com
agrônomos cedidos pela CREAI - Carteira Agrícola do Banco do
Brasil, complementada por agrônomos contratados pelo ICB —
Instituto de Cacau da Bahia, e que constituíam o SEAC —
Serviço de Extensão Agrícola Cacaueiro, em 1960. O quadro
total de agrônomos somava uns 20 profissionais
Quando da reformulação dos SETAG — Serviços
Técnicos Agrícolas da CEPLAC, em 1963, o quadro técnico
totalizava uns 40 profissionais, distribuídos por quatro
Superintendências Regionais. A Superintendência Central (a
primeira), em Itabuna e depois em 1961 criadas a
Superintendência Regional de Ipiaú e em 1962, a de
Canavieiras, tendo sido instalada mais uma, em 1964, a de
Ubaitaba. Os agrônomos ficavam localizados em Escritórios
Locais, com um quadro composto por agrônomos, técnicos em
agropecuária, escriturários, motoristas. Os Escritórios Locais
contavam com a supervisão de Escritórios Regionais.
104
Pesquisa, Ensino, Extensão
Para a reestruturação do SETAG, o Coordenador
Administrativo do Escritório Central de Coordenação, José
Haroldo Castro Vieira, contratou em Minas Gerais, oriundo da
ACAR-Minas Gerais, o Dr. Jorge Raymundo Castro Vieira, seu
irmão. Jorge Vieira possuía larga vivência como profissional
dos serviços de extensão, na ACAR-MG.
O mandato do quadro técnico da CEPLAC tinha como
objetivo inicial, fazer a avaliação da produção de cacau de cada
propriedade, que dava suporte financeiro às operações de
“composição de dívidas” dos lavradores de cacau, uma
atividade altamente endividada. A CEPLAC fora criada para
sanear as dívidas dos produtores. Contratadas as operações de
composição de dívidas, na seqüência os produtores eram
obrigados a executar um “plano de melhoramento” que incluía
combate às pragas do cacaueiro, controle da podridão parda,
adubação, escoramento de cacauais, podação, remoção de
limo, e outros tratos culturais. Incluía também a construção de
instalações de beneficiamento de cacau: fermentadores, casas
de fermentação, barcaças, secadores, armazéns, casas para
trabalhadores rurais, casas para administradores e
proprietários.
105
Uma terceira atividade que constituiria o modelo
original da CEPLAC, também já tinha um tímido início: a
Escola de Capatazes do ICB — Instituto de Cacau da Bahia.
Paulo Alvim, como Coordenador Técnico-Científico da
CEPLAC e José Haroldo Castro Vieira, como Coordenador
Administrativo, fizeram uma viagem a Turrrialba, Costa Rica,
onde tiveram a oportunidade de conhecer a Escola Agrícola de
Zamorano15.
Na volta à Bahia, entusiasmados com o que viram,
sugeriram ao Secretário Geral da CEPLAC, Carlos Brandão, o
aproveitamento da antiga Escola de Capatazes do Instituto de
Cacau da Bahia, que estava desativada, localizada na Estação
Experimental de Água Preta (Uruçuca), para a criação da
EMARC — Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira.
Este estabelecimento teria como objetivo formar mãode-obra intermediária, entre agrônomos e pesquisadores e o
produtor rural, tendo-se como resultado a formação de
Técnicos em Agropecuária e Práticos Agrícolas.
Com o correr dos tempos, a demanda de pessoal
qualificado na cacauicultura regional evoluiu para a criação do
Departamento de Educação da CEPLAC, passando a EMARC a
funcionar como um Centro Profissionalizante e de
Treinamento de Mão-de-Obra Rural, juntamente com outras
EMARCs: a de Valença, a de Itapetinga e a de Teixeira de
Freitas, todas com cursos médios de técnicos em agropecuária,
agrimensura, tecnologia de alimentos e economia doméstica,
além da capacitação de milhares de trabalhadores rurais.
106
Deveria o Departamento de Educação da CEPLAC,
trabalhar em estreita colaboração com o Departamento de
Extensão. Mais à frente desenvolveu o Departamento de
Educação, sob inspiração de Paulo Alvim e Jorge Raymundo do
Castro Vieira, Coordenador do Departamento de Extensão, a
Semana do Fazendeiro, inspirada na experiência vitoriosa da
Universidade Federal de Viçosa. Como conseqüência dessa
evolução criou-se, em 1987, na Região Amazônica a EMARCAriquemes, com as mesmas características educacionais das
demais escolas.
Estava assim formatado o modelo institucional técnicocientífico da CEPLAC — um tripé — para alavancar os avanços
da pesquisa, extensão rural e na formação de mão-de-obra.
A CEPLAC não foi uma obra desenhada em uma
prancheta, criada em um laboratório, concebida de uma vez. O
atual modelo institucional da CEPLAC é, por conseguinte, fruto
de um processo evolutivo resultante das demandas de sua
ambiência. Primeiro o CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau,
em 1962; depois o Departamento de Extensão em 1963, e por
último o Departamento de Educação, em 1965.
Alvim recebe do primeiro
secretário-geral da Ceplac, Carlos
Brandão, as chaves do que seriam
as primeiras unidades de pesquisa
de um Centro de Pesquisas que
veio a ser reconhecido como um
dos melhores em pesquisa
tropical de cacau no mundo.
107
Alvim e os números do cacau
Quando da chegada de Paulo Alvim à Bahia, a produção de
cacau passava por forte queda. Veja a produção do ano-safra
brasileiro, em toneladas16:
1962/63 ...........................
1963/64 ...........................
...........................
1964/65 ...........................
...........................
1965/66
...........................
1966/67 ...........................
...........................
1967/68
...........................
1968/69 ...........................
...........................
1969/70
...........................
1970/71 ...........................
87.765
104.965
117.931
150.125
161.163
159.732
106.068
196.673
157.616
Então Paulo Alvim empregando os princípios básicos de
seus conhecimentos em fisiologia das plantas, passou um
receituário, que poderia ser definido como um “pacote
tecnológico”, composto de raleamento do sombreamento dos
cacauais baianos, adubação dos cacauais e controle das pragas.
O raleamento era necessário posto que no período 1963
para trás, o número de árvores de grande porte era de 75 a 90
árvores por hectare de cacaual, o que indicava um
sombreamento excessivo das plantações. Receitou que fossem
diminuídas para umas 45 plantas por hectare.
108
A evolução da prática do controle do sombreamento
alcançou, no ano de 1970, 11.980 hectares com a participação
de 1.387 propriedades; no ano de 1971 foi de 9.568 hectares com
o envolvimento de 1.047 empresas cacaueiras. De 1972 até o
ano de 1977 a prática passou a ser feita, anualmente, em áreas
de 14 mil a 17 mil hectares, com a participação de 1.300 até
1.900 empresas.
A adubação dos cacaueiros era necessária porque com a
maior incidência de luz solar nas folhagens dos cacaueiros as
plantas iriam “trabalhar mais” — fazer mais fotossíntese retirando mais nutrientes do solo. Além disso, a prática da
adubação era praticamente desconhecida na região do cacau.
No ano de 1965 a área trabalhada com adubação foi de
apenas 196 hectares, com 30 fazendas envolvidas. Em 1968,
2.887 hectares foram trabalhados com 555 fazendas
participando. A partir de 1970 o número de hectares cresceu
vertiginosamente, alcançando 72 mil hectares, com 2.931
fazendas envolvidas. Em 1977, o número de fazendas
participando nos trabalhos de adubação havia alcançado a
marca 149.700 hectares de cacauais, com 7.350 fazendas
incluídas.
A evolução da prática do combate às pragas do cacaueiro
foi significativamente aumentada: em 1965 controlavam-se
pragas em 22 mil hectares, passando a 80 mil hectares em
1968; 125 mil hectares em 1970 e daí por diante se situar num
patamar de mais de 150 mil hectares de cacauais tratados.
109
No ano-safra brasileiro de 1980/81 a produção da Bahia
ficou em 302 mil toneladas de cacau para no ano-safra de
1986/87 o recorde com 397.361 toneladas de cacau.
A experimentação com fertilizantes conduzida no
CEPEC demonstra que a produtividade dos cacaueiros pode
ser substancialmente incrementada, especialmente se a
fertilização é acompanhada por correção de sombra nos
cacauais. Experimentos instalados em 1964, e repetidos ano a
ano, confirmam que a fertilização sem correção de sombra
resulta em pequenos aumentos na produção, em torno de 12%.
Áreas onde o sombreamento foi raleado — com a retirada de
sombra excessiva — alcançaram acréscimos de até 145%.
Dessa forma a contribuição científica, com o receituário
de Paulo Alvim, e massificado pelas equipes de extensionistas,
ficou claramente comprovada, e o modelo institucional do tripé
da CEPLAC — pesquisa e experimentação, extensão e
assistência técnica e capacitação de mão-de-obra — reconhecido em todo o universo agrícola do cacau e fora dele.
Durante a prática da remoção de árvores de sombra,
orientada por Paulo Alvim, com a injeção de Tordon 101, com
um aplicador manual especial que funcionava como um injetor,
eram ministradas doses em torno do tronco da árvore de
sombra. A depender do diâmetro da árvore era requerida maior
ou menor quantidade do arboricida. A prática era simples e não
tinha os problemas de antigos “roletamentos” como era
tradição arcaica. Mas toda inovação traz a sua dose de risco, no
110
caso dos trabalhos feitos nas plantações da Fazenda do CEPEC
(700 hectares), os trabalhadores fizeram o serviço com tal
rapidez, e a supervisão foi em certa medida negligenciada, de
tal forma que em algumas roças foram retiradas mais árvores
do que o necessário.
O Paulo Alvim era técnico consciente de sua
competência e de sua liderança, mas não assimilava com
facilidade a presença e efetiva participação de pesquisadores
das áreas sociais, notadamente economistas e sociólogos. Não
chegava a acontecer um enfrentamento, mas ocorria com
freqüência embates entre o “paradigma verde”(pedólogos,
geneticistas, fisiologistas e entomologistas) e a menor equipe, o
“paradigma vermelho”(economistas e sociólogos).
Na realidade, olhando para trás, com correta visão e sem
paixão, é difícil se encontrar uma posição radical de Paulo
Alvim e dessa forma os pesquisadores das áreas sociais
puderam ocupar espaços razoáveis no contexto institucional e
regional da cacauicultura.
No ano de 1968 a equipe de sócio-economia concebeu e
preparou um documento “Análise Preliminar da Atuação da
CEPLAC no Meio Rural das Regiões Cacaueiras da Bahia e
Espírito Santo”, para a Coordenação Técnico-Científica e para
a Secretaria Geral da CEPLAC propondo a realização de um
Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira da Bahia,
que pudesse servir de instrumento de trabalho para o
17
desenvolvimento regional .
111
O documento Análise Preliminar da Atuação da
CEPLAC no Meio Rural das Regiões Cacaueiras da Bahia e
Espírito Santo foi preparado em publicação limitada, com três
volumes, que acabou por ser uma fotografia ampliada das
Regiões Cacaueiras: aspectos físicos, demográficos, produção,
comercialização, sistema viário, transportes, comunicação,
aspectos institucionais. A publicação foi enviada, com
antecipação, aos convidados para a participação no encontro
que traria a Itabuna equipes de instituições como: SUDENE,
com a sua experiência no planejamento regional do Nordeste;
IEPE — com os estudos socioeconômicos do Rio Grande do Sul;
ACAR-MG e Instituto de Economia da Universidade Federal de
Viçosa, com apresentação de trabalhos na Zona da Mata de
Minas Gerais.
Os pesquisadores convidados, durante cinco dias
tiveram a oportunidade de conviver com a realidade da Região
Cacaueira, percorrendo em viaturas, diferentes recantos.
Depois aconteceu o relato de cada instituição de seu “caso”,
intercambiando informações técnicas, experiências e
procedimentos, para as equipes locais de pesquisadores da
socioeconomia, como também de extensionistas, que tiveram
um papel relevante no encontro.
Ao final do encontro se fez um verdadeiro “brain storm”
para deixar um documento que indicasse à direção da CEPLAC
— Coordenadoria Técnica-Científica, Coordenadoria
Administrativa e Secretaria Geral — os caminhos para a
efetivação do Diagnóstico Sócio-econômico da Região
Cacaueira da Bahia.
112
Um perfil sócio-econômico
para o Sul da Bahia
Para trazer a importância e o apoio dado na seqüência
dos trabalhos é preciso que se diga do importante papel
vivenciado por Paulo Alvim ao aprovar e apoiar, em todos os
momentos, o início do Diagnóstico Socio-econômico, a sua
rápida conclusão e apropriação dos resultados para aplicação
prática em políticas, planos e projetos. Para dar uma idéia da
abrangência do Diagnóstico listam-se a seguir os títulos da
Série Diagnóstico:
Diagnóstico Socioeconômico da Região Cacaueira:
1. Solos da Região Cacaueira
Aptidão Agrícola dos Solos da Região.
2. Dinâmica do Uso da Terra.
3. Reconhecimento Climatológico.
4. Recursos Hídricos.
5. Geologia Econômica e Recursos Minerais.
6. Recursos Florestais.
7. História Econômica e Social da Região Cacaueira.
8. Aspectos da Atividade Pesqueira.
113
9. Aspectos da Atividade Industrial.
10. Mão-de-Obra e Elementos de Relações de
Produção.
11. Distribuição da Renda Regional.
12. Processo Produtivo do Setor Agropecuário.
13. Estrutura Agrária.
14. Estudo do Setor Público.
A trabalheira, o tamanho das equipes, a qualificação do
pessoal técnico e de apoio recrutados — uma equipe de
enumeradores enorme — dá a idéia da magnitude deste
trabalho essencial e que engrandeceu o perfil Institucional da
CEPLAC. Nada disso teria sido possível se não tivesse havido
uma participação franca, leal, de entre-ajuda entre “verdes” e
“vermelhos”, desde a figura do Secretário Geral, Dr. Carlos
Brandão, e dos Coordenadores Técnico-Científico, Paulo
Alvim, e Administrativo, José Haroldo Castro Vieira.
Outra atividade de pesquisa, na área sócio-econômica,
que mereceu forte apoio de Paulo Alvim, foi o projeto “Estudo
Comparativo da Renovação de Cacauais sob Dois Métodos de
Plantio: Derruba Total e Plantio por Debaixo, 1969”. A técnica
da “Fazenda Unitária” mostrou eficiência para investigar
problemas de administração rural em pequenas fazendas. Ela
capacita o investigador a exercer completo controle sobre a
fazenda em experimento, não só em técnicas agrícolas, mas
114
principalmente na organização do trabalho, investimento do
capital, requerimento de mão-de-obra, intensidade na
aplicação de recursos e assim por diante.
O experimento foi instalado em 1969, na Quadra “F” da
Fazenda do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau. A área
totalizando 45 hectares foi dividida em duas parte iguais,
correspondendo cada parte a um método de renovação. À parte
referente à renovação com derruba total atribuiu-se o nome de
“Sempre Viva” e à renovação sob cacauais “por debaixo” da
lavoura decadente, o nome de “Moroziana”. Cada uma destas
partes foi, por sua vez, subdividida em 11 blocos de 2 hectares,
exceto os blocos 11, com aproximadamente 2,5 hectares cada
um.
Depois de 11 anos de execução (1969 a 1980) foi feita
uma avaliação pela equipe dos pesquisadores do CEPEC, dos
resultados obtidos, ressaltando a análise agro-econômica e
utilização de mão-de-obra no processo de renovação.
Destacaram ademais a sazonalidade da mão-de-obra; a
quantidade da mão-de-obra para a manutenção; produtividade
/trabalhador/ano; rentabilidade econômica e ponto de
nivelamento.
Graças ao apoio prestado por Paulo Alvim se logrou dar
continuidade ao estudo da renovação de cacauais, posto que
todos entendiam dever haver um processo rotineiro e cíclico de
substituição dos cacauais de baixa produtividade por
variedades novas e mais produtivas. O experimento foi dado
como encerrado pela Chefia do CEPEC em outubro de 1990.
115
Infelizmente, mesmo constando do PROCACAU —
Diretrizes para Expansão da Cacauicultura Nacional,
1976/1985 — uma meta de renovação de 150 mil hectares de
cacauais, mal foram adensados ou interplantados 41,6 mil
hectares de cacauais.
O experimento vulgarizou que existe uma metodologia
científica para indicar o que é uma área para renovar. Nada das
terminologias vazias de “decadente”, ou de cacaual
“envelhecido”. O que se aprendeu é que se deve dividir a
propriedade a renovar, em quadras ou roças, como
tradicionalmente se faz, com o controle da produção de cacau
em quilos/hectare; dimensionar a utilização de mão-de-obra, e
apurar os desembolsos em efetivo. Somado o total das despesas
e subtraindo dos ganhos em reais (produção em quilos x preço
em real) ter-se-á a margem líquida, ou seja, os “lucros” ou
“perdas”, para cada área.
As quadras com maiores “perdas” (margens negativas)
deverão ser renovadas em primeiro lugar; depois se identifica
se os fatores que levaram às perdas podem ser corrigidos ou
não. As quadras com maiores “lucros”, devem ficar em
produção, aplicando-se, com segurança o pacote tecnológico
recomendado pela pesquisa. Dessa forma se poderia falar com
convicção de que “... Só cresce quem renova”.
O Professor, PhD, Edward Schuh, da Fundação Ford,
em relatório apresentado ao Dr. Paulo Alvim, relatou sobre a
sua visita de outubro de 1970, sobre a Divisão de Sócioeconomia do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau:
116
“...Quando entrei em contato com a CEPLAC pela primeira vez,
ainda não havia um programa de ciências sociais. O volume de
pesquisa realizado é marcante, para um staff composto de tão
poucas pessoas. O que talvez seja mais importante, é o fato de
que o agrônomo Frederico Monteiro Álvares Afonso, tem o
dom de perceber o que é relevante e importante. Conheço
poucos programas de pesquisa no Brasil que têm sido tão
eficazes a ponto de irem diretamente aos problemas-chave18.”
Prédio sede do Centro de Pesquisas do Cacau
CEPEC, Ilhéus, BA.
Idealizado pelo Dr. Paulo Alvim, o CEPEC hoje coordena o Programa
Nacional de Pesquisa do Cacau e interage com unidades executoras
dos Estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Maranhão, Mato Grosso
e Espírito Santo. A integração se estende também a diversas
universidades (Universidade Federal de Viçosa, Universidade
Estadual de Santa Cruz, Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiróz, Universidades Federais da Bahia e de Lavras e
Universidade Estadual do Norte Fluminense), e às instituições de
pesquisa (Embrapa, CNPq e Finep) e empresas privadas.
117
CEPLAC chega à Amazônia
Paulo Alvim, ecofisiologista graduado pela Universidade de Cornell, bem sabia que o cacaueiro é uma planta
brasileira nascida na região Amazônica, onde se encontra o
maior patrimônio botânico-ecológico do planeta e a maior
reserva genética da espécie Theobroma cacao. Da Amazônia o
cacaueiro subiu pelo Continente, chegou até os Maias e
Astecas, civilizações que sublimaram o seu cultivo e consumo,
denominando o seu fruto de “alimento dos deuses” e criando o
tchocolat. Após Cristóvão Colombo, o cacaueiro foi levado a
outras terras tropicais da África, Ásia e Oceania.
Nada portanto a estranhar que o pesquisador Paulo
Alvim jogasse todo o seu prestígio na empreitada de fazer a
CEPLAC chegar à Amazônia. Contando com o apoio irrestrito
do Coordenador Administrativo, José Haroldo Castro Vieira, e
com a total aprovação do Secretário Geral da CEPLAC, Carlos
Brandão, fez chegar os serviços experimentais da CEPLAC a
Belém, em 1965.
A parceria com o IPEAN — Instituto de Pesquisa e
Experimentação da Amazônia (hoje CPATU) dedicou os
esforços institucionais à missão de coletar material botânico de
cacau para introduzir na Bahia. Nasceram assim os Serviços
Experimentais em Belém. Em Cametá, trabalhando nas áreas
118
de várzeas do rio Tocantins, atendendo também a Mocajuba,
surgiu o ASTECCA — Assistência Técnica em Cametá, que
respondia por uma produção de umas 3.000 toneladas de
cacau seco/ano.
Novo campo de atuação foi feito em Manaus, Amazonas,
com a criação dos Serviços Experimentais em Manaus, em
1970, conveniado com o IPEAAOC — Instituto de Experimentação Agrícola da Amazônia Ocidental (atual CPAA), para
estudar o comportamento do cacaueiro em solos pobres, típico
latossolos da Região Amazônica. Não se tratava de incentivar o
plantio de cacauais, que eram explorados de forma extrativista
nas várzeas dos rios amazônicos.
Por solicitação do Deputado Paulo Nunes Leal, feita à
direção da CEPLAC, em 1970, foi realizado estudo sobre as
possibilidades para o cultivo do cacaueiro em Rondônia. Em
abril de 1971 foram instalados os Serviços Experimentais em
Rondônia, no Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto, do
INCRA, situado a 330 quilômetros de Porto Velho, às margens
da Rodovia Cuiabá/Porto Velho, a BR-364. Foram estudados
por cinco anos, em parcelas demonstrativas - de um e dois
hectares - para observar o comportamento dos cacaueiros
híbridos, junto aos colonos já assentados pelo INCRA, e
instalar Campos de Produção de Sementes Híbridas. Somente
depois desses cinco anos é que se começou a financiar, com o
apoio do Banco do Brasil, o plantio de áreas comerciais, com
módulos de dez hectares por família.
119
Em Rondônia é muito freqüente a ocorrência de
cacauais nativos nas matas interiores, como os da BR-364, no
vilarejo Cacoal (uma corruptela de Cacaual), e outra à margem
da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no lugarejo
denominado Chocolatal. Eram matas de cacau de “virar o
machado”, uma árvore cortada direita e uma outra cortada à
esquerda, indicavam a densidade das árvores, vieram a
corroborar a indicação correta de que Rondônia é um bom
lugar para o plantio de cacauais. Estava assim, graças à
clarividência e criatividade do cientista Paulo Alvim, a
caminhada do cacau em terras amazônicas.
Paulo Alvim, o Coordenador Científico da CEPLAC, em
um de seus trabalhos escreveu: “É curioso observar que a
Amazônia, apesar de não ter ainda logrado alcançar o seu
desenvolvimento econômico, já contribuiu deforma decisiva
para promover o desenvolvimento de outras regiões. Essa
contribuição veio através de duas espécies nativas, a
seringueira e o cacaueiro”.
“Na Malásia, o cultivo da seringueira, levada desta parte
para as colônias britânicas, possibilitou uma melhoria sensível
nas condições de vida das populações rurais. Os países
africanos — Ghana, Nigéria, Costa do Marfim e Camarões —
hoje lideram a produção mundial de cacau”.
“Por quê”, pergunta Alvim, “a Amazônia não logrou
promover o seu próprio desenvolvimento econômico e social
com essas espécies nativas — a seringueira e o cacaueiro — que
120
tanto fizeram em outras localidades também de clima tropical?
“Seria o caboclo da Amazônia inferior ao negro africano, ao
nativo da Malásia? “Ou seria a nossa situação econômica em
alguma forma diferente se a Amazônia fosse gerida pelos
19
gringos, colonizadores da Malásia e da África? ”
O mesmo Paulo Alvim, concluindo responde: “... será
totalmente impossível planejar com segurança o desenvolvimento da Região Amazônica, como de qualquer outra, seja
com o cacau ou seringueira, sem antes contarmos com
instituições de pesquisa e de assistência técnica do mais alto
nível, capazes de fornecer o embasamento para a ação que viria
a arrancar a Região do estágio de atraso, de economia de
recoleção e das condições de pobreza e infra-humanas em que
ainda vivem os caboclos da Amazônia”.
Foi a partir dessas premissas que Paulo Alvim, através
da CEPLAC, fez nascer os Serviços Experimentais em Belém, os
Serviços Experimentais em Manaus, e os Serviços
Experimentais em Rondônia, acoplados a Serviços de Extensão
e Assistência Técnica.
Já no início da década do ano 1730, o cacau tinha se
tornado o principal produto de exportação da Amazônia — o
Pará — e o principal berço das sementes que deram origem aos
grandes cultivos da Bahia, permitindo que viesse a se tomar um
dos grandes produtores nacionais de cacau. Foi o estado do
Pará, objeto das primeiras ações da CEPLAC para incentivar o
cultivo do cacaueiro.
121
Ao chegar a Belém, o pesquisador designado por Paulo
Alvim ficou alojado na Divisão de Solos, do IPEAN — Instituto
de Pesquisas e Experimentação Agropecuária do Norte, então
chefiada por Ítalo Cláudio Falesi, também especializado em
pedologia. A acolhida foi das mais simpáticas, e as portas do
IPEAN ficaram escancaradas para a CEPLAC.
A tarefa do pesquisador do CEPEC passava longe de sua
formação básica: de “soleiro” passaria a “melhorista”. Na
verdade, o seu mandato tinha a ver com a coleta de material
botânico do cacau silvestre, nas matas do Pará, e a
multiplicação de materiais importados do Imperial Colege of
Tropical Agriculture, de Trinidad.
O CEPEC, da CEPLAC, tinha como projeto básico fazer o
alargamento da base genética do cacaueiro da Bahia, que era
muito estreita. Não tinha a CEPLAC nenhum compromisso de
incentivar o plantio de cacauais no Pará. Era, muitos diziam,
uma atitude colonialista: beneficiar a produção da Bahia, à
custa da presença de um técnico seu em terras paraenses.
Uma grande mudança quanto à política do cacau na
Amazônia, e especialmente no Pará, foi a criação, pela SAGRI
— Secretaria de Agricultura, sob a liderança do professor
Eurico Pinheiro, do “Projeto Cacau Pará, 1971—1973”.
Participaram da elaboração do Projeto Cacau Pará, técnicos da
CEPLAC, do IPEAN, da SAGRI, do IDESP, da ACAR-Pará e do
Banco do Brasil. Os trabalhos foram coordenados pelo próprio
Secretário da Agricultura, professor Eurico Pinheiro.
122
Quando do lançamento do Projeto Cacau Pará, em 1971,
o professor Eurico Pinheiro convidou o Paulo Alvim para fazer
o marketing do cultivo do cacaueiro, em Belém. Falar de suas
vantagens ecológicas, econômicas e dos grandes benefícios
regionais que dela resultariam. Além de participar em
Seminários Técnicos e palestras, o professor Eurico Pinheiro
incentivou Paulo Alvim a participar de um programa de
entrevista na TV Liberal, que tinha como entrevistador Pierre
Beltrand. O programa era dono de um IBOPE altíssimo, por
isso, o professor Eurico Pinheiro se apressou em agendar o
convite para Paulo Alvim.
Lá pelas tantas o entrevistador, Pierre Beltrand,
perguntou: — Dr. Alvim conhece a grande contribuição que a
agricultura paraense está dando ao Brasil com o aparecimento
do cupuaçu sem caroço? A mulher do campo, paraense, já não
precisa trabalhar tanto, um trabalho cansativo, cortando com
tesoura a polpa da amêndoa do cupuaçu. Seria igualmente
proveitoso se aparecesse o caso de um cacaueiro que
produzisse frutos sem sementes?
Alvim — Meu caro jornalista, infelizmente não posso
concordar com a sua proposta, no que toca ao cacau sem
sementes... A semente do fruto do cacaueiro, uma vez colhida,
fermentada, seca ao sol, tostada, triturada, se transforma na
matéria-prima do chocolate. O chocolate é um produto nobre; é
energia, anima a vida; é gostoso e alimenta. Fiquemos apenas
com o caso do cupuaçu sem sementes...
123
Na oportunidade foi “apresentada” uma das mais
famosas comidas regionais do Pará, o “tacacá”. O tacacá é uma
comida que é feita com ingredientes tipicamente amazônicos:
um caldo amarelado, o tucupi, que é extraído das raízes de
mandioca, ralada em “caetitús”, depois prensada. De um lado
sai o tucupi, e, do outro fica no caixão de madeira, uma massa
que servirá para fazer a farinha, depois de torrada em fornos
rústicos.
Outro ingrediente é a goma, feita a partir da mandioca,
que é acrescentada de água ficando como que um grude. O
“jambu” é uma folhagem, também conhecida como agrião-dopará, utilizada pelos indígenas e caboclos, como condimento
em suas comidas (o pato-no-tucupi, por exemplo, leva o
jambu). A suas folhas e flores amarelas, têm o poder de
anestesiar a boca quando mastigadas ou comidas.
E por último o camarão seco e salgado. Toda essa beberagem é
comida, muito quente, misturada, servida em pleno sol a pino
do meio-dia, nas barracas colocadas em lugares estratégicos,
em ruas e praças de Belém e outras cidades da Amazônia. Lá,
todo o mundo se delicia com o tacacá.
Levado a conhecer o tacacá, Paulo Alvim foi indagado
pelo amigo paraense: “Paulo Alvim, tacacá?” Ao que respondeu
jocosamente o cientista: “Não, tá cocô”. Nada amazônico o
nosso Paulo Alvim.
Uma observação valiosa do que pode fazer o agricultorinovador, vivendo intensamente os problemas do seu dia-a124
dia, é o que nos deu o agricultor da Transamazônica, José
Osmar do Couto, ou José Gaúcho, desenvolvendo um sistema
agroflorestal na Fazenda “Sentinela do Progresso” localizada
na BR-230, quilômetro 107, na entrada do travessão que leva à
Estação Experimental da CEPLAC (ESPAM), “Dr. Paulo
Morelli”. O lote é do Projeto Integrado de Colonização
Altamira, e foi entregue a José Gaúcho, por volta de 1971/72.
Em 1975/76, quando José Gaúcho voltava de Altamira,
passou por um viveiro de mudas do IBDF — Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Florestal e pensou em ganhar algumas
mudas de fruteiras; mas o viveiro era de mudas de mogno
(Swietenia macrophylla); José Gaúcho causou boa impressão no
técnico do IBDF, que lhe ofertou 300 mudas de mogno,
dizendo que tinham interesse em pessoas que se dispusessem a
funcionar como viveiristas, para experiências florestais.
Impressionado com o crescimento das mudas, e tendo
aprendido que o mogno é uma madeira de boa qualidade, de
muito valor econômico, aí por volta do ano de 1981, mandou
um empregado seu coletar sementes de mogno, no quilômetro
240, perto de uma serraria. O trabalhador coletou 9.500
sementes; José Gaúcho fez um viveiro e, depois, plantou as
mudas numa roça de cacau com 40 hectares, sendo 70%
implantado em solo tipo Terra Roxa Estruturada Eutrófica, e
30% em Podzólico Vermelho Amarelo Distrófico.
No sombreamento provisório foi utilizada a bananeira e
no sombreamento definitivo mudas de mogno plantadas em
125
espaçamentos diferenciados de 9 x 9 metros e 12 x 12 metros,
quando o cacaueiro apresentava em torno de três anos de
idade. Segundo o José Gaúcho, em ambas as densidades não
houve diferença para o crescimento do mogno. A Hypsiphylla
grandella sendo a praga mais importante e limitante para o
cultivo do mogno, não prejudicou o crescimento vegetativo do
mogno quando associado ao cacaueiro já implantado.
Alvim na amazônia vê SAF Mogno x Cacau.(1977)
126
No final do período chuvoso de 1997, mês de maio, Paulo
Alvim visitou a plantação de mogno do José Gaúcho, na
Transamazônica, em companhia de um pesquisador da
CEPLAC/Belém, Paulo Júlio Silva Neto 20.
As árvores de mogno estavam com 22 anos, com uma
circunferência de 2,10 metros, ou 0,70 metros de diâmetro - o
José Gaúcho abraçou uma árvore e precisou mais dois palmos
para fechar a circunferência. Estimava-se que aos 30 ou 40
anos, estariam em condições de ser cortadas, com um
rendimento de dois metros cúbicos de madeira por árvore.
Em cada hectare de cacaual, estavam p1ntadas, no
espaçamento 9 X 9 metros, 123 árvores de mogno, que com dois
metros cúbicos cada, dariam 246 metros cúbicos por hectare. O
preço de comercialização, nos travessões da Transamazônica,
era de US$500 por metro cúbico; assim, cada hectare de
cacaual sombreado com mogno, obter-se-ia um rendimento de
US$123.000 que ao câmbio de outubro de 2004, de R$3,00,
resultaria em uma entrada bruta de R$369.000, suficientes
para renovar os cacauais, formar novas áreas de cafezais, ou
formar pastagens, ou para qualquer outra atividade que José
Gaúcho viesse a escolher. Tudo como resultado da “poupança
mogno”, que nascera pela criatividade e espírito inovador de
um agricultor-pesquisador e o apoio da Ceplac.
A explicação da EMBRAPA e da CEPLAC para o bom
resultado obtido foi a de que, como José Gaúcho fizera o plantio
do mogno por debaixo do dossel dos cacaueiros (em torno de
127
três anos de idade na época de plantio do mogno) o ataque da
broca do olho terminal, (Hypsiphylla grandella), não impediu o
crescimento das árvores de mogno. Paulo Alvim, que visitou a
plantação — para comprovação se publica uma fotografia do
pesquisador junto às árvores de mogno e do cacaual — já
anteriormente demonstrara interesse neste rendoso sistema
agroflorestal mogno + cacaueiro — tanto assim que importara e
distribuíra sementes de mogno negro trazido da África, mais
tolerante ao ataque da broca. Através de palestras e notícias
publicadas fez o chamamento para que os pesquisadores nunca
deixassem de observar a opinião correta dos agricultores.
Já o cultivo do cacaueiro no estado do Amazonas não
obedeceu ao direcionamento de produção comercial de cacau.
Por orientação do Coordenador Técnico Científico, Paulo
Alvim, o início dos trabalhos da CEPLAC, no Amazonas, teve o
sentido científico de estudar o plantio do cacaueiro em solos de
terra firme, pobres, avançando conhecimentos que pudessem
ser úteis à grande extensão de terras, nessas condições de
pobreza mineralógica, na Amazônia.
Como fatos marcantes da pesquisa na Estação
Experimental do Km 30, da Rodovia Torquato Tapajós, com
uma área de 50 hectares, situada em área do IPEAAOc, é dever
destacar o projeto de pesquisa de Paulo Alvim, em convênio
com o INPA-Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia,
abrigado no PTU- Projeto do Trópico Úmido. Contemplava os
sistemas de plantio de cacau em trilhas nas capoeiras e sob
mata raleada, sistemas considerados ecologicamente corretos,
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porém de baixa produtividade e de resultados econômicos
duvidosos.
A simples reciclagem de nutrientes, oriundos das
espécies da capoeira e da mata primária, não era suficiente para
possibilitar produtividade em torno de 800 quilos por hectare.
Esses 800 quilos/hectare são facilmente obtidos nos
experimentos implantados de acordo com as recomendações
da CEPLAC.
Fugir das terras firmes para as terras de várzeas pareceu
uma saída. No estado do Amazonas, no município de Parintins
— a terra do bumba-meu boi — foi o pioneiro da cacauicultura.
Coube a José Pedro Cordovil, ainda no período colonial, ser o
grande incentivador da cultura. Em relatório de 1917, referia-se
o então Superintendente de Parintins, à existência de um
campo experimental para incentivar os agricultores. As
plantações de Parintins eram todas feitas nos aluviões dos rios
Amazônicos, em terras férteis, porém sujeitas a grandes
enchentes.
“As duas grandes enchentes de 1920 e 1921 causaram
enormes prejuízos aos cacauais. Após o dilúvio fluvial, foi
considerável o número de árvores que pereceram.” Escreveu
José Pedro Cordovil em seu relatório, que avaliou a existência
de 488 mil pés de cacau, e a exportação do município de
Parintins no qüinqüênio 1917-1921, de 1.770 toneladas,
resultando uma produção média de 350 toneladas/ano.
129
Deve-se considerar que a cacauicultura das várzeas
constitui um acervo “in situ” da biodiversidade do cacaueiro e
de outras espécies consorciadas, e que, em alguns locais, tem
sofrido erosão genética devido à substituição da atividade
cacaueira extrativista pela pecuária nas várzeas, situação essa
facilmente comprovada em vários lugares às margens dos rios
Amazônicos.
A primeira ação para cultivar o cacaueiro em terras de
Rondônia foi do Dr. Cezar Catanhede, Presidente do IBRA —
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, quando, em 1968
solicitou ao Paulo Alvim, Diretor do Centro de Pesquisas do
Cacau, da CEPLAC, que se estudasse a viabilidade do cultivo do
cacaueiro em terras Nambiquaras.
A CEPLAC chegou a apoiar a iniciativa, designando um
pesquisador e um extensionista para viajarem a Rondônia a
fim de examinar as possibilidades do meio ambiente. Quando a
resposta de Paulo Alvim chegou ao IBRA, já não estava mais na
Presidência o Dr. Cezar Catanhede, e a tão conhecida
descontinuidade administrativa fez cair no vazio a iniciativa.
No final de 1969, o Deputado Federal Paulo Nunes Leal, eleito
por Rondônia, pleiteou junto ao Secretário-Geral, José
Haroldo Castro Vieira, que se fizessem estudos sobre as
possibilidades da cacauicultura em Rondônia.
O Coronel usou, junto ao Secretário-Geral da CEPLAC,
como argumento, que as matas de Rondônia eram ricas em
populações nativas de cacauais; existiam “... verdadeiras matas
130
de cacau”, dizia o Coronel e Deputado Federal Paulo Nunes
Leal.
O Secretário-Geral, José Haroldo Castro Vieira,
designou o agrônomo Frederico Monteiro Álvares Afonso, por
ser filho de Rondônia, para a execução da missão.
Os resultados da missão ficaram explicitados no
documento “Possibilidades da Implantação de Cacauais no
Território Federal de Rondônia’’. Relatório de Viagem
Realizada em Julho-Agosto de 1970. CEPLAC — Centro de
Pesquisas do Cacau, 1970, 71 p. Daí em diante, foram trocas de
correspondências, os ajustes burocráticos entre INCRA e
CEPLAC e a indicação de Frederico para vir ter a Rondônia a
fim de apoiar a Colonização Ouro Preto, do INCRA. “No dia 21
de abril de 1971, a CEPLAC descobriu Rondônia para o cacau”
É interessante informar que muito antes da CEPLAC
chegar a Rondônia para estudar os solos do Território, eles já
haviam sido reconhecidos por Klaas Jan Beek e Jacob
Bennema, da FAO — Food and Agriculture Organization of the
United Nations, publicado em 1966. O relatório, “Soil
Resources Expedition in Western and Central Brazil”, dizia em
inglês, que transcrevemos no original para não corrermos o
risco de perder informação:
“Special attention was given to soils with an apparently
higher nutrient status, these were expected to be the more
promising for eventual agricultural colonization projects.
These soils have been complete described and the samples
131
which were taken have been analysed in lhe
laboratory of the DPFS (Divisão de Pedologia e Fertilidade dos
Solos). The Eutrophic Reddish Brown Lateritic were the best
soil seen during the expedition for traditional management.
They are favored by their location on the new Cuiabá/Porto
Velho road, and these soils could produce an important part of
entire agricultural needs of the western Brazil”. Paulo Alvim
quando visitou o Projeto Ouro Preto, em Rondônia, no dia 5 de
julho de 1971, afirmou:
“É uma grande honra e um prazer deixar nesta página de
abertura as impressões de minha visita de dois dias aos
trabalhos do INCRA na Colonização “Ouro Preto”. Há muito
tempo que venho me batendo pela necessidade de
conquistarmos os trópicos da Amazônia brasileira com os
recursos da Ciência Agronômica.
Os técnicos do INCRA estão dando uma lição ao vivo de
como se deve realizar esta conquista. Os êxitos que estão sendo
alcançados se devem sobretudo, ao acerto, à forma com que
selecionaram os locais para a implantação do Projeto, e ao
entusiasmo e dedicação dos dirigentes do Projeto. Não tenho
dúvida em afirmar que a Colonização “Ouro Preto” vai se tornar
conhecida em futuro próximo como o mais exitoso plano de
desenvolvimento agrícola dos trópicos úmidos de que se têm
notícias em nosso Continente. Minhas felicitações aos
idealizadores do Projeto e aos colegas que se encontram à
frente dos trabalhos”.
132
Visitando novamente o Projeto Ouro Preto, em 1976,
Alvim introduziu sementes de Teca (Tectona grandis L.), a partir
de sementes obtidas no Imperial College of Tropical
Agriculture, de Trinidad e Tobago, matrizes consideradas de
valor genético para produção de madeira.
A Teca é uma espécie do sudeste asiático, de fácil cultivo
e de rápido crescimento na região de Rondônia, cuja madeira
tem alto valor de mercado em razão das suas excepcionais
propriedades. É uma espécie de grande porte, atingindo até 50
metros de altura, com porte comercial de corte dos 22 aos 25
anos na Região Amazônica e aos 50 anos na região de origem.
Estima-se que no estado de Rondônia existam cerca de três
milhões de árvores plantadas de Teca. Destas, parte
significativa deve ter sido formada com sementes ou mudas
procedentes da Estação Experimental da Ceplac - ESEOP,
localizada em Ouro Preto do Oeste -RO, pois, se estima em
mais de 1,5 milhões de propágulos (sementes e mudas)
produzidas e distribuídas no decurso das duas últimas décadas.
As primeiras sementes trazidas de Trinidad e Tobago por Paulo
Alvim foram semeadas na ESEOP, onde, em 1976, foi instalada
uma coleção de teca com o nome de Paulo Alvim, em
homenagem ao introdutor da espécie no Brasil. Mais uma
valiosa contribuição do cientista Paulo Alvim.
133
EMARC - Uruçuca
Paulo Alvim recebendo homenagem da Superintendência
Regional de Rondônia, na Sede da Emarc - Uruçuca/BA.
A homenagem foi gravada em uma placa de prata fixada
sobre secção transversal de árvore de teca.
ESEOP - Rondônia
Coleção de cultivares de teca (Tectona grandis) instalado
na Estação Experimental da Ceplac, localizada em Ouro
Preto do Oeste, Rondônia.
134
50 anos de PhD
Por ocasião da comemoração dos CINQUENTA ANOS
DE PhD EM FISIOLOGIA VEGETAL — Paulo Alvim recebeu
merecidas homenagens no auditório do CEPEC, em Itabuna.
Na ocasião seu amigo de todas as horas no Escritório Central de
Coordenação da CEPLAC, José Haroldo Castro Vieira,
escreveu para o jornal “AGORA”, da semana 31 de outubro a 06
de novembro de 1998, duas estórias, que ilustrassem o seu
“savoir faire” 21 .
A primeira foi intitulada “Eu queria ser uma vaca”.
Aconteceu em Manaus. Era um seminário que reunia
especialistas, os quais deveriam produzir um documento
indicando as melhores alternativas para uma ocupação
econômica da Amazônia. Paulo Alvim estava na mesa diretora,
ao lado de um técnico brasileiro em pecuária, bastante
conhecido por sua pose e capacidade oratória. Ambos eram
conferencistas e amigos, e um iria falar após o outro.
Ao se expressar, o defensor ardoroso da pecuária, com
voz tonitruante e vibrantes gestos de político demagogo,
sugeriu a ocupação da Amazônia através da pata do boi, com a
substituição gradativa da floresta por intermináveis pastos.
Recebeu aplausos pela oratória, pois, de pronto, a assistência
não atinou para a estupidez da proposta. O técnico agradeceu,
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sentou-se, e o Alvim, para surpresa geral, polidamente sério, o
cumprimentou.
Em seguida, de pé, fria e irreverentemente, iniciou a sua
sugestão com as seguintes palavras: “... Eu queria ser uma vaca,
pois, a prevalecerem os conselhos do orador que me antecedeu,
no Brasil é melhor ser boi ou vaca do que gente. Aqueles têm
melhor tratamento que as pessoas e as plantas. Podem
observar: preocupamo-nos com a sua alimentação e peso, não
existe vacas famintas, analfabetas e desempregadas e nem
bezerros de rua. Governo e técnicos não podem tratar melhor
as vacas que as pessoas”.
E por aí foi, seriamente desmoralizando a fala de seu
amigo, que havia cometido a heresia de sugerir a ocupação da
Amazônia com a pecuária, condenando a floresta ao
desaparecimento. Depois o Alvim foi desenvolvendo a sua
teoria de ocupação por uma agricultura associada à
floresta, preservando-a e não encaminhando aquela vasta área
à desertificação pura e simples.
Aplaudido de pé. O técnico seu amigo não gostou. As
vacas também. Outra estória de Paulo Alvim contada por seu
companheiro do Escritório Central de Coordenação da
CEPLAC, José Haroldo, e de cunho internacional. Conta “À
noite em Ibadan (A vassoura-de-bruxa e outras histórias)”.
Esta aconteceu na África. Zé Haroldo e Paulo Alvim
viajavam por toda a região cacaueira africana observando
programas de pesquisas e extensão agrícola. Já haviam
136
percorrido a Costa do Marfim, os Camarões e Ghana e se
encontravam na Nigéria.
Estava a caminho de Ibadan, a maior cidade negra de
todo o mundo, quando souberam que na Estação Experimental
de Gainbari, objetivo principal da viagem, havia acontecido
uma greve de fortes repercussões, prisões de agrônomos e
trabalhadores, tendo se instalado um inquérito militar.
Chegaram à noite, de táxi, e ao percorrer as cercanias da
estação — oito quilômetros fora da cidade — tendo encontrado
tudo às escuras, temeram por um assalto e resolveram ir
procurar o hotel para ficar a primeira noite, embora soubessem
que nas acomodações da Estação estavam a esperá-los.
No único grande hotel da cidade não havia uma só vaga.
Percorreram várias pequenas pensões. Péssimas todas elas.
Afinal, depois de muito procurar, encontraram algo modesto,
porém limpo, uma única cama de casal num quarto amplo com
ventilador no teto.
Uma negra gorda lhes atendeu, serviu água e foi muito
solícita. Ali dormiram lado a lado. No dia seguinte cedo
partiram para a Estação. Realmente havia inquérito, muitos
soldados e policiais protegiam as salas. Tiveram uma acolhida
extremamente cordial do Mr. O'Pick, chefe da Estação. Alvim
era velho conhecido e muito querido, como em todos os lugares
do mundo. Após os abraços, O'Pick pergunta:
- Vocês deveriam chegar ontem, o que houve? Alvim
historiou o todo ocorrido e O'Pick retrucou: - Mas onde vocês
dormiram?
137
E Alvim acrescentou: LIZY GUEST HOUSE.
- Sorrindo muito, O'Pick informou: Gente, vocês
dormiram em uma casa de encontros amorosos.
Foi aí que o Zé Haroldo lembrou-se que realmente havia
uma luz vermelha na porta de entrada. Parece que a coisa é um
código universal. Até hoje a negra gorda deve estar a perguntarse: Quem seria o brasileiro bicha? Paulo Alvim ou Zé Haroldo?
* * *
Paulo Alvim já foi distinguido com muitas honrarias:
orador de sua turma na conclusão do Curso Secundário,
Colégio Brasileiro, em Ubá; orador da turma de 1940 de
engenheiros agrônomos da UFV — Universidade Federal de
Viçosa; Medalha Agrícola Interamericana 1979, concedida pelo
IICA — Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas.
Ao desvincular-se do IICA disse em uma carta
endereçada ao Diretor-Geral, José Emílio Gonçalves de
Araújo: “Deixar o IICA foi para mim uma decisão muito difícil
de tomar. Na verdade, não me lembro de haver relutado tanto,
nem haver demorado tanto tempo para decidir sobre o que
deveria fazer. Não foram as dúvidas nem as incertezas do
futuro que me fizeram titubear. O verdadeiramente difícil foi
enfrentar essa sensação incômoda de separar-me de uma
instituição à qual estive tão intimamente ligado por mais de 26
anos, ou mais precisamente, 26 anos e três meses” 22.
138
Pessoa simples; grandes amigos
Presente às comemorações do 81º aniversário da
fundação do Ginásio São José, Dr. Paulo Alvim, cientista e
botânico citado em publicações especializadas mundialmente,
o nosso ilustre convidado veio com a comitiva do ex-aluno e
secretário do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Dr.
Ângelo Oswaldo de Araújo Santos.
Paulo Alvim chegou dia 22 de agosto de 1986, à noite, e
dia 23 pela manhã dirigiu-se à Fazenda Boa Esperança e foi
surpreendido pela visão de uma faixa saudando sua presença e
sua primeira exclamação foi de alegria: “Jamais vi meu nome
colocado numa faixa nas ruas de minha cidade natal...”.
Para atestar sua satisfação fez questão de tirar inúmeras
fotografias da faixa posando com seus amigos. Ao terminar as
cerimônias comemorativas pediu para levar a faixa como
lembrança. Que sensibilidade a de Paulo Alvim!
Nunca é demais desenhar o perfil de Paulo Alvim a partir
de depoimentos de pesquisadores, liderados seus, na atividade
de pesquisa no CEPEC. Um deles, Emo Ruy de Miranda 23 ,
especialista em nutrição mineral, afirma que nas reuniões
técnicas semanais de avaliação que dirigia, Alvim não se
cansava de chamar a atenção dos agrônomos, para: “a classe
agronômica tem criticado os governos porque não tem
139
recebido recursos financeiros e de materiais para conduzir um
programa técnico-científico de interesse para as diferentes
regiões brasileiras. Isto não é mais desculpa, pois para o caso do
cacau, temos inúmeros problemas, porém, paralelamente
temos recursos financeiros e de materiais à disposição da classe
agronômica para apresentar técnicas agronômicas capazes de
contribuir para transformar a cacauicultura brasileira como
um modelo a ser copiado por outros países”.
Adianta ainda Emo Ruy de Miranda, que ocupou por
alguns anos o importante posto de Secretário-Geral da
CEPLAC, que ao longo dos anos o programa de treinamento
ocupou lugar de destaque no orçamento da CEPLAC,
permitindo que a instituição pudesse, na década de 80, contar
com mais de 140 profissionais, com títulos de MSc e PhD, nos
diferentes campos da Agronomia. Tal dado indicava que a
instituição tinha preparado seus profissionais para dar o
suporte técnico-científico necessário ao fortalecimento da
cacauicultura nacional.
Paulo Alvim estimulava os pesquisadores a assumir a
responsabilidade das tarefas executadas por eles.
De certa feita incentivou Emo Miranda a participar de
um Congresso Nacional de Solos, que seria realizado em Sete
Lagoas, Minas Gerais, e que se preparasse para viajar em
companhia dele para participar do evento. Uns três dias antes
da viagem Paulo Alvim chamou-o ao seu gabinete e comunicou
que não poderia viajar para o Congresso de Solos e que: “... você
140
vai ficar responsável pela apresentação do trabalho. Não tenho
dúvidas que você se sairá bem, pois você já teve a oportunidade
de apresentar este trabalho para mim. Faça-o igual, em Sete
Lagoas, pois tenho certeza que você se sairá muito bem”.
Emo foi ao Congresso Nacional de Solos — a primeira
participação formal como pesquisador em um evento — com
mais de 500 participantes, entre pesquisadores, agrônomos, e
estudantes estiveram presentes e a apresentação foi
considerada boa e o trabalho muito elogiado, principalmente
pelos especialistas em fertilidade de solos presentes.
Fugindo um pouco da abordagem dada ao documento
“Paulo Alvim: Mestre e Amigo”, de não personalizar citações e
referências, é importante citar o depoimento do pesquisador
Manuel Tourinho, graduado em nível de MSc em Turrialba,
IICA, no Curso de Dessarrollo para el Desenvolvimento, e
depois, em 1978, graduado em Sociologia nos Estados Unidos,
Universidade de Wisconsin.
Diz o Professor Manuel Tourinho: “... ao fazer esses
breves relatos da conduta de Paulo Alvim, quero reconhecer o
papel que ele teve na minha formação acadêmica e carreira
profissional. Se nunca quis abraçar qualquer conduta que não
fosse a científico-acadêmica; se nunca aceitei trabalhar com a
iniciativa privada; se nunca quis ter sequer um só palmo de
terra no Sul da Bahia; e nos cargos públicos que exerci, na
CEPLAC, ou fora dela, como professor da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Diretor Nacional da EMBRAPA, Reitor
141
da UFRA - Universidade Federal Rural da Amazônia e membro
do Board de Diretores do CATIE — Turrialba, Costa Rica, o fiz
com a mais absoluta responsabilidade e procurando o exercício
competente, devo muito ao Paulo Alvim. Ele imprimiu na
minha personalidade um enorme carinho pela ciência, coisa
que faço até hoje com enorme zelo, dedicação e gosto” 24.
* * *
Paulo Alvim, jamais se empenhou em ocupar cargos e
posições para angariar compensações financeiras, ou agregar
salários. Uma única atividade paralela que tentou, foi a de se
tornar produtor de cacau em terras de Rondônia. Adotou essa
iniciativa para “dar força” à iniciativa governamental (INCRA)
e servir de garoto propaganda para a da Licitação da Gleba
Burareiro.
Paulo Alvim adquiriu através de um contrato de
Concessão de Domínio de Terras Públicas com o INCRA,
número 19, de três de juho de 1981, um lote de terras com uma
área de 507 hectares. Era o lote 94 localizado na Gleba Licitação
Burareiro, situada no município de Ariquemes, Rondônia.
Chegou a fazer em dois anos seguidos derrubadas de matas, e a
plantar uns poucos hectares de cacauais, mas o
empreendimento não deu certo, não frutificou. O absenteísmo
tornou inviável a atividade do cientista Paulo Alvim, como de
tantos outros empresários.
142
Até o ano de 1982 os licitantes da Gleba Burareiro de
Ariquemes objetivava, através do INCRA (Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária), via Edital 0170 de 28 de
novembro de 1979, Processo Administrativo 4170/80,
representavam 9.071 hectares e envolviam 146 empresários,
entre os quais Paulo Alvim, com uma área média, dentro do
estrato, de 55 hectares de cacauais. Essa categoria de grandes
plantadores de cacau em Rondônia detinha uma participação
de 20% do total da área cultivada em Rondônia. É mister
informar que a instrução do INCRA era de que cada licitante
somente poderia plantar 50% do seu lote de 500 hectares, de
acordo com o Código Florestal para as áreas da Amazônia.
Paulo Alvim ingressou no IICA — Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas em 1951, ali permanecendo
até o ano de 1977; 26 anos. Iniciou seus trabalhos em Costa Rica
— Turrialba — como pesquisador e professor na Escola de Pósgraduação do IICA, no período 1951 a 1955; de 1955 a 1963
trabalhou como pesquisador e professor de agricultura tropical
e fisiologia vegetal, na Zona Andina do IICA em Lima, Peru.
Entre 1963 e 1977 foi Diretor Técnico da CEPLAC,
cedido pelo IICA, em convênio, com o Governo do Brasil, como
responsável pelo planejamento e instalação do CEPEC e outros
departamentos técnicos da CEPLAC. Ao todo foram 26 anos de
dedicação ao IICA. A partir de 1977 ingressou na CEPLAC
contratado como Diretor Técnico-Científico tendo se aposentado, compulsoriamente, em 1991 com 14 anos de atividades.
143
Fundação Pau Brasil
Como Professor Honorário da UFBA, Alvim orientou
estudantes de mestrado nos laboratório de Fisiologia Vegetal
do CEPEC e, uma vez aposentado, passou a se dedicar à
Fundação Pau-Brasil, da qual foi seu presidente, até o ano de
2006, com mais de 15 anos de atividades científicas.
A FUNPAB — Fundação Pau-Brasil 25 , foi criada nos
termos das Atas das reuniões realizadas por seus instituidores,
em 15 e 21 de março de 1990, é uma pessoa jurídica de direito
privado, sem fins lucrativos, que se rege por seu Estatuto e pela
legislação aplicável às organizações fundacionais brasileiras.
A FUNPAB tem, em geral, os objetivos de estudo,
desenvolvimento social, econômico, científico e tecnológico,
em apoio à CEPLAC — Comissão Executiva do Plano da
Lavoura Cacaueira, e, especificamente, planejar, promover e
executar ações pertinentes:
a) - à conservação da Natureza na Região Sul da Bahia,
visando ao melhor uso dos recursos naturais renováveis e ao
pleno desenvolvimento da cultura regional, sem prejuízo para
as atividades de uma agricultura sustentável; e contribuindo
para a permanência dos recursos naturais de valor paisagístico,
cultural, histórico, ético e estético.
144
b) - à preservação de áreas da Mata Atlântica na mesma
Região, contribuindo para a perenização do patrimônio natural
e cultural, buscando assegurar a biodiversidade nos
ecossistemas e a conseqüente garantia dos processos naturais,
o equilíbrio ambiental e o bem estar social.
c) - à obtenção de recursos através de prestação de
consultoria e/ou explorações econômicas no âmbito da
agropecuária, extrativismo, industrialização e engenharia em
seus diversos ramos, comercialização e outras atividades que se
fizerem necessárias — a fim de complementar o adequado
suporte financeiro ao melhor desenvolvimento dos programas
de pesquisa e extensão da CEPLAC.
Sobre alguns dos projetos da FUNPAB, algumas
informações, sua secretária, Conceição Soledade 26 , organizou
uma listagem das mais importantes ações desenvolvidas.
Projetos concluídos
- Seleção e geração de genótipo de cacauais resistentes à
“vassoura- de - bruxa”. (ACRI).
- Uso da biologia molecular na busca de variedades
resistentes à “vassoura-de-bruxa” (Biomol).
- Avaliação e seleção de material genético de Coffea
canephora Pierre para a Região Atlântica da Bahia (ECOMAN).
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- Comportamento do Coffea canephora cv conillon em
um argisolo coeso sob diferentes sistemas de manejo e regime
hídricos.
Projetos em andamento
- Projeto Mata Atlântica do Nordeste.
- Melhoramentos assistidos por marcadores para
resistência à “vassoura-de-bruxa” do cacau usando genes
homólogos de resistência.
- Sistemas agroflorestais.
-Sistemas de apoio para decisões para manejo
sustentável de ecossistemas de áreas rurais em floresta úmida
do Atlântico (ECOMAN).
- Diferenças genotípicas em cacau e seu uso eficiente de
nutrientes e controle de doenças.
- Programa Pau-brasil.
-Melhoramento do cacaueiro para produtividade e
qualidade, um enfoque participativo.
146
Um homem de visão
Uma das relevantes contribuições para a formatação da
CEPLAC, e o seu famoso tripé (pesquisa + extensão rural +
educação) foi a contratação de pesquisadores, extensionistas e
educadores altamente qualificados, experimentados e com
cursos de pós-graduação a nível de Msc e PhD, que pudessem
contribuir para o treinamento em serviço do quadro que
deveria ser, como foi, contratado pela CEPLAC. Para o quadro
do CEPEC — Centro de Pesquisas do Cacau, contratou o
geneticista doutorado, PhD, Jorge Soria, equatoriano,
originário do quadro do IICA, Turrialba, Costa Rica; Fernando
Vello, brasileiro, geneticista, do quadro do Projeto ETA — 45,
da Estação Experimental de Goitacazes, Espírito Santo;
Eduardo Jimenez, PhD em fisiologia vegetal, conhecido e
amigo de lá do IICA, do Paulo Alvim.
Trouxe ainda, Basil Bartley, cidadão britânico, com um
doutorado, para a assessoria do CEPEC e do DEPEA —
Departamento Especial da Amazônia, na área de melhoramento do cacaueiro. Do Reino Britânico trouxe para o DEPEA,
o PhD Charles Evans, fitopatologista, profundo conhecedor e
experimentado pesquisador da enfermidade “vassoura-debruxa”.
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O programa de capacitação do CEPEC — Centro de
Pesquisas do Cacau, da CEPLAC, começou nos anos 1962/63
com os primeiros profissionais sendo encaminhados para o
Centro de Enseñanza e Investigación, do IICA, sediado em
Turrialba, Costa Rica; para o Brasil – UFV, e para as Escolas
com pós-graduação no Brasil e para os EUA.
Para se ter uma idéia da grandeza da tarefa cominada
pela CEPLAC, sob a orientação de Paulo Alvim, se procurou
com a direção regional da Bahia (CEPEC, DEPEX e
Departamento de Recursos Humanos) elaborar um quadro
com o número de profissionais que foram capacitados, ano a
ano, por tema de especialização, e universidade onde foi
treinado).
Desafortunadamente, vários acontecimentos impediram uma visão como desejaríamos, e como ela é importante
para poder se avaliar a importância dada à capacitação e por
quanto Paulo Alvim por ela se empenhou, além, é claro do
volume recursos dispendidos.
As informações foram organizadas pela área da
Superintendência Regional da Bahia – CEPEC, DEPEX e
EMARC – e pela área da Superintendência do DEPEA Departamento Especial da Amazônia.
Na Bahia foram qualificados em diversas áreas 32
pesquisadores em nível de doutorado – PhD, e em nível de
mestrado – MsC – 34 pesquisadores, totalizando 66 profissionais. O tempo de duração para o doutorado oscilou entre
148
quatro e cinco anos; enquanto que para o mestrado passou de
poucos meses a mais de dois anos.
No DEPEA – Departamento Especial da Amazônia, que
hoje inclui a base científica de Belém e uns poucos
especializados em Rondônia, o número total de capacitados foi
de 39, estando repartidos entre 16 ao nível de doutorado – PhD
– e 23 em nível de mestrado – MsC.
Nunca é demais exaltar o espírito aberto, de
colaboração, sempre disponível de Paulo Alvim. No processo
de criação da EMBRAPA — Empresa Brasileira de Pesquisas
Agropecuárias, embora a velha guarda da EMBRAPA não goste
muito de referir sobre isso, o papel de Paulo Alvim foi notável.
A própria EMBRAPA e alguns de seus Centros de
Produtos, foram inspirados no modelo CEPLAC/CEPEC.
Paulo Alvim foi ainda o mentor do plano de Cargos e Salários,
com a apologia da meritocracia. Inspirou também a EMBRAPA
no Convênio Seminal EMBRAPA/IICA, dando os primeiros
passos para um aguerrido plano de capacitação de
pesquisadores, com recursos do Banco Mundial e
Administração do IICA.
149
O parceirão Haroldo
José Haroldo
Paulo Alvim
Paulo Alvim e o saudoso José Haroldo foram por cerca de três
décadas os principais responsáveis pela condução das decisões
científicas e administrativas da Ceplac. Dois grandalhões,
beirando os dois metros de altura cada. Grandes e grandiosos.
Tocavam por música; decidiam juntos. Verdadeiros amigos.
Confiança absoluta um no outro, freqüentaram gabinetes
nacionais e internacionais – ministros, presidentes, autoridades do universo do cacau – mas sempre se orgulharam em
manter o gosto comum pelo contato direto com os produtores
de cacau. Ouvia-os com atenção e respeito a suas demandas e
preocupações. Alvim e Haroldo conduziram com muito acerto
a relação entre Ceplac e produtores e, especialmente, a relação
entre direção da Ceplac e funcionalismo. Ambos ficaram e
ficarão para sempre na memória e no coração de todos.
150
E o cachimbo de Alvim?
Puxa, o livro vai quase terminando e
ninguém iria lembrar do cachimbo de Alvim?
Pois bem, quem sofria de rinite alérgica – o
colega Jorge Moreno que o diga – tinha certa
dificuldade em trabalhar na mesma sala de
Alvim. Ele não abria mão de, volta e meia, acender seu
cachimbão; ainda bem que com fumo importado, até cheiroso,
mas o cheiro era forte e o fumaceiro deixava seu rastro.
Como Alvim nunca estava disposto a gastar sua atenção
com as coisas prosaicas do dia-a-dia – esquecia guarda-chuva,
esposa, relógio, passaporte, etc. etc. – não é a assinatura em
cartão de banco que ele iria se lembrar. Pois bem.
Certa feita, o contínuo que servia a Alvim no Cepec saiu
de férias. Contínuo novo, numa segunda-feira vai o dito ao
caixa do Banco do Brasil no Cepec descontar um cheque. A
assinatura não conferiu. O caixa olhou o cheque, olhou o
contínuo e pensou em recusar. Mas...
Aí pediu a ajuda do colega ao lado: será que esta
assinatura é do Dr. Alvim? Não conferia. Mas, experiente, o
colega pegou o cheque, olhou, levou-o ao nariz, aspirou o ar em
redor e disse:
- Pode pagar; estou sentindo no ar e no cheque o cheiro
inconfundível do chachimbo do Dr. Alvim...
151
Depoimentos
sobre Paulo Alvim
Dr. Paulo Alvim se emociona ao receber homenagem como fundador do
Centro de Pesquisas do Cacau.
O brilho próprio de Alvim
Raul Valle
Pesquisador, ex-diretor do CEPEC
No mundo do cacau, onde inúmeros pesquisadores e
cientistas trabalham incansavelmente para, essencialmente, elevar a
produtividade do cacaueiro, que se ressume a: ter plantas sadias, que
produzam muitos frutos com o máximo número de sementes, alguns
se destacam pelo brilho próprio.
Em minha opinião, quatro desses pesquisadores
influenciaram a cacauicultura mundial nas décadas entre 1960 e
2000. Contribuíram, não somente como pesquisadores, mas
também como gestores de pesquisa, exercendo influência científica
nos continentes de maior produção de cacau no mundo
Entre estes, Y. Adu-Ampomah, que se encontrava em Gana;
Lee Ming Tong, na Malásia e dois na America latina: Gustavo
Henríquez do Equador e Paulo Alvim, no Brasil. Todos considerados
expoentes em seus campos de pesquisa contribuindo decisivamente
para o desenvolvimento da cacauicultura em seus respectivos países.
No entanto, a figura de Paulo Alvim se destaca por não
somente ter ditado as bases de como se produz cacau no Brasil,
principalmente na Bahia, sua terra adotiva, mas também porque
esses conheci-mentos e práticas se estenderam por toda a América
latina, sendo utilizados ainda por países produtores de cacau da
África e Ásia.
Exemplos destes fatos são inúmeros, mas uma das tantas
tecnologias desenvolvidas por Alvim, que mais me impressionam é a
155
do manejo de sombra e fertilização do cacaueiro. Explico:
os
resultados das pesquisas conduzidas por Alvim levaram a Ceplac a
recomendar o manejo da sombra (raleamento, poda das árvores de
sombra e fertilização) em plantações de cacau. Imagine o serviço de
extensão da Ceplac implementando estas práticas em cerca de 600
mil hectares plantadas com cacaueiro. Outra impressionante
influência que se estendeu à America latina foi a da plantação de
Erythrina consorciada com cacau, o chamado plantio tecnificado. É
parar e refletir o sem número de conseqüências que estas decisões
trouxeram para a cacauicultura. E o Alvim estava no centro das
decisões.
Figura imprescindível, de presença solicitada e garantida nas
conferências internacionais de cacau. Sem Alvim seriam
simplesmente outra reunião de perspectiva curta e pouca polêmica.
Tanto é assim que as atuais conferências, apesar de inegável valor
científico, não têm e provavelmente não terão mais, personalidades
fulgurantes como Alvim. Ele sempre se destacou levando
informações úteis na sua praticidade ou controversas na sua
concepção e aplicação. Seja como for, as suas conferências ou
apresentações sempre tiveram audiência plena. Todos queriam
ouvir o Alvim. E mais, nos anos subseqüentes, pesquisas em relação
ao tema tratado anteriormente por Alvim, eram apresentadas, nas
conferências, vindas de pesquisadores pertencentes a institutos de
pesquisas dos quatro continentes produtores de cacau. Eis a sua
influência. Poucos cientistas, que eu conheça, tiveram tal alcance.
Poucos terão.
156
Dr. Paulo Alvim e o
extensionismo rural na CEPLAC
Roberto Setúbal
Extensionista do CENEX/CEPLAC
Conheci Dr. Paulo de Tarso Alvim há 40 anos, no antigo
Departamento de Extensão da Ceplac-DEPEX, que sob a dinâmica
direção do Dr. Ubaldino Dantas Machado, empregou estudantes
universitários a título de estágio para realizar o cadastramento de
imóveis rurais da Região Cacaueira da Bahia.
Ainda na Escola Agronômica de Cruz das Almas tive acesso a
literatura de alguns dos seus artigos versando sobre a cacauicultura.
Mais tarde, na condição de extensionista dos quadros da
Ceplac, tive o privilégio de acompanhar a brilhante trajetória profissional do consagrado “Mestre Alvim”.
Dr. Paulo Alvim foi, talvez, a personalidade da Pesquisa que
exerceu maior influencia no extensionismo da Ceplac, desde sua
criação em meados da década de 60 (1964). Outros notáveis pesquisadores também deixaram suas contribuições na formação da
cultura extensionista ceplaqueana. Porém, nenhum outro ostentou
jamais a sua pujança. Sua figura portentosa era talhada para a
liderança. Não havia nele nada de modesto, de pequeno, tudo era
vasto, largo, dominador. Expressava com clareza seus pensamentos,
com fluência, criatividade, bom humor, linguagem elegante, agudeza de raciocínio e serenidade ao analisar as mais diferentes questões
na esfera técnico agronômica.
157
Representou o arauto dos conhecimentos gerados pela
Pesquisa para subsidiar o sistema de Extensão rumo aos usuários da
Ceplac - os produtores e os trabalhadores rurais.
Dr. Alvim, juntamente com o sistema extensionista, entre o
final dos anos 60 e meados da década de 70, protagonizou uma
página construtiva e indelével na historia da Ceplac, através de
memoráveis campanhas, a exemplo de, “Você pode e deve”, no
controle da podridão parda, do “Só cresce, quem renova”, da renovação de cacauais decadentes, do programa de expansão da cacauicultura brasileira, o “PROCACAU”, além da magnitude das metas de
controle de sombra, adubação e combate às pragas.
A Pesquisa e a Extensão eram instrumentos vitais para a
recuperação da lavoura cacaueira e o Mestre Alvim, com a sua
indisfarçável sapiência, promoveu a articulação desses eixos institucionais, de forma complementar, num perfeito “feed-back”, onde a
Extensão era municiada pela Pesquisa com o conhecimento técnico,
com a inovação tecnológica, ao tempo em que oferecia ao Cepec as
suas experiências e vivências colhidas no ambiente do agricultor
nativista da lavoura cacaueira baiana.
Nós extensionistas, tivemos no Dr. Paulo Alvim a inspiração
científica, a referência técnica, o conhecimento agronômico, a
certeza dos seus argumentos e o seu eruditismo enciclopédico na
abordagem de temas relevantes, caso da Amazônia e a Mata
Atlântica.
Dr. Paulo Alvim era comprometido e tinha muita sensibilida158
de em relação ao sistema extensionista da CEPLAC, reiteradas vezes
manifestou o seu sentimento: “A Extensão é quem dá juízo a
Pesquisa”.
Com seu espírito inovador, Dr. Paulo Alvim foi determinante
para expansão do processo de assistência técnica da Ceplac, no inicio
dos anos 70, quando ocorreu a instalação de novos escritórios locais
e, também, o alargamento da fronteira agrícola do cacau na Bahia,
que saiu do seu limite tradicional e alcançou outros espaços com
potencialidades, a exemplo do Vale do Jequiriçá.
Dr. Alvim, pela sua dimensão profissional e profundo saber
técnico, conviveu e foi o principal cicerone de várias celebridades que
visitaram a Ceplac durante um longo período na segunda metade do
Século XX. Dentre estes, cientistas renomados do Brasil e do exterior, técnicos, produtores, políticos e autoridades diversas, bem como
orientador de inúmeros trabalhos científicos no âmbito acadêmico.
Consta, na memória da Extensão Rural da Ceplac, episódios
significativos que contaram com a participação do Dr. Alvim, onde o
mesmo brilhou como um verdadeiro apóstolo do extensionismo.
Num deles, quando da realização da “1ª Semana do Fazendeiro de
Linhares”, em outubro de 1973, o apogeu do evento foi uma palestra
sobre: A importância do cacau do Brasil, por ele proferida nas
dependências da Igreja Matriz daquela progressista cidade capixaba.
O santuário religioso ficou repleto de gente e o restante da platéia que
não coube no recinto, acabou ouvindo a mensagem do famoso
técnico no chão da praça, através de caixas de som espalhadas pelo
159
logradouro, inclusive gerando comentários, do tipo: “O Doutor da
Ceplac, trouxe mais pessoas para a Igreja do que o Vigário...”. De
outra feita, no ano de 1976, Alvim lotou o Cine Lux de Valença, um
conhecido destino turístico do nosso Estado e encantou a platéia que
comemorava a 1ª Festa da Pimenta do Reino, com o enfoque da:
“Diversificação de Culturas na Bahia”.
Nesse evento sobre o cultivo da pimenta-do-reino, teve uma
visita de campo em fazendas localizadas no Ramal da Itiuba, no
município de Taperoá, onde ficava a maior concentração de pimentais do Baixo Sul. Todavia, o ponto alto do encontro foi a conversa entre
o Dr. Paulo Alvim e o agricultor Mutsumaro Amano, o patriarca da
comunidade japonesa local.
Nos dias de hoje, o grande Dr. Paulo Alvim encontra-se
aposentado, saboreando a brisa marítima no alto da sua residência
em Ilhéus, ao lado de familiares, como Dona Simone.
Salve Dr. Paulo Alvim, Pesquisador Emérito, cidadão baiano
por reconhecida adoção. Vida longa e muito axé!
160
Alvim, um marco na comunidade
científica do cacau
Regina Cele Machado
Pesquisadora do CEPEC
Falar sobre Dr. Paulo Alvim é difícil e ao mesmo tempo
fascinante, por se tratar de uma pessoa com características
incomuns em relação à maioria de cientistas como ele. Desde jovem,
a ciência era o que mais o empolgava, mas adorava também tocar
violão, cantar, contar piadas e de tomar seus drinques. Sério, mas
também muito divertido.
Quando eu era estudante na faculdade, o conhecia de nome
através da literatura sobre cacau. Quis o destino me privilegiar e, em
1977, eu vim para a CEPLAC trabalhar justamente com o conhecido e
renomado fisiologista.
Como profissional ainda iniciante, tive as mais valiosas
oportunidades de estar frente a frente discutindo com Dr. Alvim
sobre desafiantes problemas em ecofisiologia de cacau. Isto foi, sem
dúvida, uma importante escola, porque Dr. Alvim foi, talvez, a pessoa
de raciocínio mais rápido que encontrei em toda a minha caminhada
na ciência. Muitos colegas até me falavam que era complicado
trabalhar com ele por ser muito versátil, o que o levava a abordar
diversos assuntos ao mesmo tempo.
161
Eu não diria complicado, e sim desafiante e uma verdadeira
escola para quem quisesse fazer ciência. Na verdade, ele era completamente envolvido com a ciência, especialmente, com aspectos
fisiológicos de plantas tropicais.
Ser adjunto de Dr. Alvim na orientação de estudante do curso
de pós-graduação, nível de mestrado, da Universidade Federal da
Bahia, foi um inestimável aprendizado que muito me ajudou a
crescer e me tornar uma cientista em fisiologia de cacau. O que
sempre me impressionou em Dr. Alvim era a maneira como se
portava como coordenador diante de seus assistentes e dos estudantes orientados, quando tínhamos que discutir resultados, às vezes,
até diferente dos esperados. Ele sabia respeitar a nossa posição de
discordância desde quando houvesse coerência nos resultados. Isto
foi muito importante porque nos transmitiu segurança e satisfação
como integrantes de sua equipe científica.
Dr. Alvim além de excelente mestre, companheiro de trabalho e amigo representa um marco na comunidade científica em
pesquisas de cacau. Fez parte de todas as conferências internacionais
de pesquisa em cacau, sempre referenciado como excelente contribuidor para o progresso da ciência em cacau, principalmente nos
estudos sobre a relação solo-água-planta. Sempre defendeu a ciência
da cultura do cacau como se fosse um bem próprio.
Considerando o que ele fez, numa época em que não se
contava com os recursos tecnológicos de hoje, conseguiu não só
162
desenvolver teorias, como até mesmo construir aparatos para
estudos em fisiologia vegetal. É incontestavelmente um caráter raro
de cientista.
Uma passagem que vale ser citada é a de que em 1978, durante o Congresso Brasileiro de Botânica, em Brasília, DF, falei com o
famoso cientista Israel Zelich que eu estava ganhando pontos por
estar conversando com ele. Imediatamente ele me respondeu que
ganhar muitos pontos na vida de cientista era estar trabalhando com
Dr. Alvim. Foi tão impressionante, que eu nunca me esqueci disso.
Indiscutivelmente, Dr. Paulo de Tarso Alvim foi e é até hoje a personalidade mais relevante para o desenvolvimento do cultivo do cacau.
163
Alvim, uma biografia executiva
Prof. Raimundo Santos Barros
Universidade Federal de Viçosa
Biografia executiva, publicada na revista Brazilian
Journal of Plant Physiology, em dezembro de 2007;
vol.19, nº 4; edição especial.
Paulo Alvim, nascido em Ubá, Minas Gerais (Brasil) em 1919,
conseguiu seu bacharelado em Ciências Agrárias em 1940, na exEscola Superior de Agricultura da Universidade Rural do Estado de
Minas Gerais (hoje Universidade Federal de Viçosa, UFV).
No ano seguinte, tornou-se professor de Taxonomia Vegetal,
fato que pode ter contribuído para a sua visão holística de Fitotecnia.
Ele logo começou a ensinar Fisiologia Vegetal em suas aulas, em vez
de Taxonomia Vegetal. Em 1943, Fisiologia Vegetal foi formalmente
apresentada como uma matéria do curso de Ciências Agrárias em
Viçosa.
Esta foi a primeira vez que Fisiologia Vegetal foi ensinada
como uma matéria independente em uma escola de agricultura no
Brasil, e talvez em toda a América Latina. Em 1948 ele obteve o seu
PhD em Fisiologia Vegetal da Cornell University em Ithaca, Nova
164
York, uma das melhores universidades dos Estados Unidos.
Seu poder de observação foi sempre muito forte. Durante
uma excursão com seus alunos pelo rio São Franscisco na região da
“Caatinga”, Alvim chamou a atenção ao fato dos ecossistemas da
“Caatinga” terem evoluído naturalmente e não constituíam um
produto da degradação das atividades humanas.
Anos depois (1952), ele concluiu também que o tipo de
vegetação brasileira chamada “Cerrado” era uma consequência de
deficiências minerais do solo e não resultado de queimadas periódicas que aconteciam naquele ecossistema, como as teorias “pirotécnicas” alegaram até então.
Em 1972, indo contra todas as atuais teorias bem estabelecidas, e levando em conta que a floresta Amazônica estava em estado
de clímax, ele concluiu que a Região Amazônica não era o pulmão do
mundo e outros recursos deveriam ser buscados de forma a proteger
os frágeis ecossistemas da Amazônia.
Percebendo que a Amazônia não poderia ser preservada
intacta, Alvim defendeu que os ecossistemas poderiam ser explorados para o benefício da humanidade contanto que as práticas racionais e conservacionistas fossem empregadas para assegurar uma
condição sustentável. Ele costumava exclamar: “cultivo de lavouras
de grãos na Amazônia, nunca!”.
165
Quando estava em Viçosa, começou suas primeiras
investigações ecofisiológicas com árvores de café, mantendo contato
com outro cientista líder nesse campo, Coaracy M. Franco, do
Instituto Agronômico de Campinas, Brasil. Ele também começou a
preparar Moacyr Maestri como professor, o qual anos depois criou os
cursos de Mestrado (1970) e doutorado (1988) na UFV,
transformando a instituição em um centro de referência em
Fisiologia Vegetal.
Em 1951, Alvim foi admitido na equipe científica do Instituto
Interamericano de Ciências Agrícolas (IICA), da Organização dos
Estados Americanos (OEA) em Turrialba, Costa Rica, como
fisiologista Principal. Embora dentro de pouco tempo tenha se
tornado um especialista na ecofisiologia do cacaueiro, foi durante a
sua admissão ao IICA que viu uma árvore de cacau pela primeira vez
em sua vida! Como professor na Escola de Pós-Graduação do IICA
ele supervisionou vários alunos de mestrado e mostrou que a
produção do cafeeiro sob exposição completa pode ser tão grande ou
até maior do que a do cultivo do café na sombra. Seus estudos sobre
as florestas tropicais, iniciado na Costa Rica, culminou com a sua
participação em 1967 na expedição científica de Alpha-Helix, através
da Bacia Amazônica, na ocasião juntamente com Bob Loomis e W.
Williams, da Universidade da Califórnia (Davis), e ele descreveu
166
alguns ambientes de Florestas do Rio Negro.
Em 1963 Alvim foi designado para trabalhar na zona andina
do IICA (Peru), onde na seca Costa Pacífica, ele descobriu que os
botões florais dormentes de café mantinham-se fechados se as
árvores fossem mantidas irrigadas. Por outro lado, quando a
irrigação era suspensa e as árvores irrigadas novamente mais tarde,
os botões florais abriam-se, semelhante aos encontrados na
natureza, quando as chuvas após um período de seca promovem um
fenômeno. Em outras palavras, o déficit hídrico da planta (ou um
período de seca) quebrava a dormência e a irrigação (ou chuvas) que
se seguiam era necessária apenas para o broto crescido, e não para
quebra de dormência. Ele cunhou o termo "hidroperiodismo" para
explicar este fenômeno e estes excelentes resultados foram
publicados na revista Science. Esse fenômeno tem sido
repetidamente confirmado e agora sabe-se que um período de seca é
necessário para acionar alguns efeitos morfogênicos em várias
plantas tropicais ou para sincronizar os eventos do desenvolvimento
das populações. Aproveitando este fato a Embrapa/Café atualmente
recomenda certos programas de irrigação para a sincronização da
abertura do botão da flor e, consequentemente, a produção de café.
Depois de algumas visitas técnicas à zona do cacau no Estado
da Bahia/Brasil, visando resolver os problemas graves de decadência
167
das plantações de cacau, Alvim mudou-se para o Brasil em 1963,
ainda empregado pelo IICA. Posteriormente ocupou o cargo de
Diretor Científico do Departamento de Pesquisa (CEPEC - Centro de
Pesquisas do Cacau) pelos 25 anos seguintes. Ele, então, aplicou os
princípios científicos emanados da Fisiologia Vegetal para a cultura
do cacau e como conseqüência a produção de cacau passou de
120.000 para 380.000 toneladas/ano. Na Bahia, seus estudos sobre
florestas tropicais continuaram e em 1964 ele foi convidado por
Martin Zimmermann para participar de um simpósio na
Universidade de Havard, onde apresentou a conferência "A
periodicidade de crescimento em climas tropicais", cujo artigo com o
mesmo título se tornou um clássico na literatura sobre a ecofisiologia
tropical. Outro simpósio semelhante foi organizado novamente mais
tarde por Zimmermann em Havard, em 1976, quando Alvim
apresentou a conferência "Relação de clima para a periodicidade de
crescimento em árvores tropicais".
Sempre visando o bem-estar da humanidade, Alvim foi um
dos primeiros cientistas pesquisadores associados ao International
Biological Program (IBP), e organizou o "Simpósio sobre
Metodologia de Pesquisa em Produtividade das Plantas ", em 1968,
na CEPLAC. Vários outros cientistas líderes (como Blackman)
participaram do evento. Naquela época, ele realizou uma pesquisa
168
sobre o consórcio entre milho e feijão, obtendo alta eficiência
fotossintética de 10%! Mais tarde, tornou-se associado com o
Programa "O Homem e a Biosfera". No mesmo ano de 1975, ele
organizou um simpósio em Manaus, Amazonas/Brasil, sobre
"Ecofisiologia de Cultivos Tropicais e Sub-tropical", onde mais uma
vez reuniu os melhores cientistas trabalhando em temas tão diversos
como a batata doce e a seringueira. A partir deste acontecimento foi
produzido um livro com o mesmo título do simpósio, editado por ele
e Kozlowsky T. em 1977 e publicado pela Academic Press.
Sua carreira científica foi muito produtiva: quase 250
trabalhos publicados em periódicos de alto impacto, como Science,
Nature, Fisiologia Vegetal, Physiologia Plantarum e muitos outros.
Com uma carreira tão rica em termos científicos, não é
surpreendente que ele tenha recebido inúmeras homenagens,
prêmios e medalhas de ambas as organizações públicas e privadas (e
também dos governos), em casa e no exterior. Duas ou três palavras
adicionais sobre suas invenções caseiras, mas muito úteis: a
“transpirografo” feito quando ele estava em Viçosa; uma série de
infiltração de líquidos para avaliar a abertura estomática; porômetro
de fluxo viscoso (que o tornou ainda mais famoso); e um
fitotensiômetro para avaliar o estado da água nas plantas e o
crescimento do tronco. Alguns anos atrás, ele criou a Fundação Pau169
Brasil, uma organização não-governamental que lida com a
conservação e preservação da mata atlântica do sul da Bahia. Sua
aposentadoria em 1988, foi um mero acontecimento burocrático.
Hoje, com quase 90 anos, ele mantém seu escritório na CEPLAC,
como Presidente da Fundação Pau-Brasil, e continua a trabalhar
todos os dias!
170
Publicações e Inventos de Paulo Alvim
Paulo Alvim definiu como áreas de suas pesquisas:
Fisiologia vegetal aplicada à agricultura; Estudo dos fatores
ecofisiológicos que determinam a produtividade das plantas,
especialmente cultivos tropicais como cacau, café e essências
florestais, e Sistemas de produção agrícola para regiões tropicais úmidas (especialmente Amazônia e Mata Atlântica). Com
os resultados, publicou mais de 350 artigos técnico-científicos
(em revistas, capítulos de livros, anais de conferências) no
Brasil e no exterior, cinco livros (autor e co-autor) e pronunciou centenas de conferências em congressos nacionais e internacionais.
Para descrever alguns dos
principais inventos do
mestre Alvim, contamos com a valiosa ajuda de dois dos seus
colaboradores, Raimundo Santos Barros, professor da
Universidade Federal de Viçosa e Manfred Müller, pesquisador
da Ceplac.
Num tempo em que o mundo da Informática ainda nem
constituía um sonho, como nos anos cinqüenta do século
passado, o Dr Alvim já se preocupava em criar dispositivos
bastante simples, de grande utilidade e acessível a todos.
171
Ao final dos anos quarenta e início dos cinqüenta, o Dr
Alvim “inventou” um transpirógrafo, baseado no consumo de
água medido em uma pipeta, que se tornou muito popular
dentre os estudantes da Universidade Rural do Estado de
Minas Gerais (atual Universidade Federal de Viçosa).
Determinar a abertura estomática nos anos cinqüenta e
sessenta daquele século constituía uma tarefa bastante tediosa.
Eram utilizados líquidos de viscosidades diferentes, valendose da penetração de cada um deles isoladamente. Quando os
estômatos se mostravam completamente abertos, os líquidos
mais viscosos (ou seja, mais densos) penetravam. Alvim teve a
idéia de misturar dois líquidos, um mais viscoso e outro mais
leve, utilizado normalmente um óleo mineral (Nujol) e o
querozene em diferentes proporções e, assim, uma série era
construída e a abertura dos estômatos era medida com a
mesma série, tornando a tarefa mais simples. Isso produziu um
trabalho publicado em Plant Physiology, em meados dos anos
cinqüenta.
Nos anos sessenta, Alvim teve a idéia de usar pinças planas
(para acoplamento à superfície foliar) associadas a um esfignomanômetro (aquele aparelho de medir pressão sanguínea).
Quanto mais abertos os estômatos de uma folha homobárica
estivessem, o ar fluía com mais rapidez e a queda de pressão no
172
esfignomanômetro era maior. Na realidade, o aparelho era um
porômetro de fluxo viscoso. O trabalho foi publicado em
Physiologia Plantarum, ao final dos anos sessenta.
Pinça
Lâmina foliar
Mola de
regulagem
Esfignomanômetro
Porômetro de Alvim: pinça plana com anéis de borracha na extremidade para inserir a
lâmina foliar, acoplada por uma mangueira de borracha a um esfignomanômetro para medir a
queda de pressão do ar, em consequencia da abertura dos estômatos da folha. (pág. 321 do
livro “Plant & Soil Water Relationships: A Modern Synthesis” – Paul J. Kramer, 1969.)
Entre inícios e meados dos anos setenta, Alvim desenvolveu o fitotensiômetro, dispositivo que mede a tensão de
água em árvores, baseado na contração e dilatação dos troncos,
durante o período de um dia. Mede também o aumento da
circunferência (crescimento) dos troncos. Trata-se de uma
cinta de alumínio em volta dos troncos, abarcando também um
dispositivo flexível (contendo um líquido colorido) acoplado a
uma pipeta. As oscilações da circunferência do tronco promo-
173
vem uma subida ou descida do líquido na pipeta, possibilitando, assim, a leitura da altura do líquido. Assim, ele mostrou que
a variação na circunferência dos troncos ocorre com um certo
atraso em relação ao potencial hídrico das folhas. Perguntado
num congresso sobre o efeito da temperatura no sistema,
Alvim muito simplesmente respondeu: “Toma-se um controle
num pau (tronco) morto, procedendo-se da mesma maneira
como num pau vivo (a planta)”. Foi aquela gargalhada!
Fitotensiômetro de Alvim:
Coluna de vidro graduada
acoplada a um frasco de plástico
contendo líquido colorido
(Solução de glicol etileno em
água + detergente + corante)
preso ao tronco da planta por
intermédio de cinta de alumínio.
Foto : Waldemar Barreto
Uma das grandes contribuições de Alvim, talvez a maior
de todas, foi sobre o hidroperiodismo. Certas manifestações de
crescimento e desenvolvimento só se passam após as chuvas
que seguem um período seco, como a abertura dos botões
florais do café. Sem o período do seco antecedente, o fenômeno
não ocorre. Posteriormente, foi descoberto que o período seco
possibilitava a sincronização de muitos eventos de desenvolvimento (ex. reprodução) em populações de plantas.
174
Com o senso de observação extremamente aguçado,
Alvim buscava sempre comprovar a ocorrência do processo
fisiológico do ‘‘hidroperiodismo’’ em muitas outras espécies
vegetais, convocando seus colaboradores (ver bilhete anexo), e
até mesmo sua própria filha, conforme relato de Fátima Alvim.
175
Honra ao Mérito
Paulo Alvim teve uma carreira profissional exemplar, o que lhe
valeu reconhecimento nacional e internacional através da
concessão de honrarias por parte de instituições de grande
prestígio no meio agrícola. Segue abaixo relação de suas
principais conquistas.
Condecorações
Comendador da Ordem do Mérito da Bahia - Governo do Estado da
Bahia - 1975
Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da
República do Brasil - jun/1995
Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico - Presidente da
República do Brasil - ago/2002
Distinções
Diploma de Honra ao Mérito - Sociedade Argentina de Fisiologia
Vegetal - 1978
Diploma de Honra ao Mérito - Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia - 1978
Pesquisador Emérito - Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas
- 1979
Homenagens
"Gold Award" - Aliança dos Países Produtores de Cacau - out/2002
176
Medalhas
Medalha Jubileu de Prata - Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência - 1973
Medalha do Mérito Agronômico do Brasil - Federação de
Engenheiros Agrônomos do Brasil - 1973
Medalha Agrícola Interamericana - Instituto Interamericano de
Ciências Agrícolas - 1979
Medalha da Ordem do Mérito do Ex-aluno - Universidade Federal de
Viçosa - 1980
Prêmios
Prêmio "Frederico de Menezes Veiga" - Empresa Brasileira de
Pesquisas Agropecuárias - 1973
Prêmio Agricultura de Hoje - Editora Bloch - 1976
Prêmio Álvaro Alberto de Ciência e Tecnologia - Governo Brasileiro
- 1994
Prêmio Internacional de Ciências "Bernardo A. Houssay" Organização dos Estados Americanos - 1995
Títulos Honoríficos
Doutor honoris causa - Universidade Federal da Bahia - 1985.
O diretor geral do Instituto Interamericano
de Ciências Agrícolas, Dr. José Emílio
Araújo, lê o Diploma que outorga a Paulo
Alvim a Medalha Agrícola Interamericana
‘‘pelos seus méritos técnicos e científicos’’.
177
Paulo Alvim e José Haroldo
(Trecho do discurso do Dr. José Haroldo Castro Vieira,
Secretário Geral da CEPLAC, pronunciado na entrega
da Medalha Agrícola Interamericana 1979,
ao Dr. Paulo de Tarso Alvim).
‘‘É
com emoção que assumo a agradável e honrosa missão de
apresentar-lhes, não o Dr. Paulo de Tarso Alvim, cientista de renome
internacional, de todos conhecido, mas o Alvim companheiro há
mais de três lustros, o parceiro de tantas realizações na CEPLAC, o
amante do trabalho, o talento exercido cotidianamente.
Homem de espírito e de obras, o amigo certo, criador e realizador
genial nos mais importantes e significativos momentos da lavoura
cacaueira.
Já vai longe o mês de março de 1963, quando Alvim, integrando uma
comissão encarregada por Carlos Brandão da escolha da área onde
seria construído o futuro Centro de Pesquisas do Cacau, o CEPEC,
começou a emprestar o seu talento à CEPLAC e à Cacauicultura
Nacional.
Foi tão importante o papel desempenhado por Alvim na fixação de
critérios para a escolha da área para o CEPEC, que, ao terminar a sua
tarefa, a sua permanência entre nós constituiu-se numa imposição
para o soerguimento da lavoura cacaueira, naqueles momentos
difíceis em que vivia a cultura e a economia do cacau.
178
Em
1963, o esforço de um reduzido grupo de otimistas,
capitaneados por Carlos Brandão, passou a contar com o entusiasmo
deste homem de idéias, artesão da ciência, que tem o dom de
despertar lideranças e trazer para as causas justas e de vanguarda, os
mais renhidos lutadores.
Alvim é um dos raros privilegiados da Ciência Agronômica. Mas
seria líder em qualquer outro campo de atividade que a sua
inteligência tivesse escolhido, pois não lhe faltam fibra para a luta,
descortínio para ver e caminhar, entusiasmo para construir, espírito
de humildade e amor à verdade, e, mais que tudo isto: um otimismo
que vence tudo!
Falar de Paulo de Tarso Alvim é dizer da Ciência Agronômica e suas
conquistas.''
179
Sobre o Autor
Frederico Monteiro Álvares-Afonso, seu nome completo.
Natural de Humaitá, município ao sul do Estado do Amazonas, à margem
esquerda do rio Madeira. Um Nhambiquara – assim gostava de se
identificar para os mais chegados.
Sua formação profissional: engenheiro-agrônomo pela Universidade
Rural do Brasil e MS em Sócio-economia Agrícola pelo Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas da OEA (Organização dos Estados
Americanos).
Pesquisador e extensionista, exerceu vários cargos de direção na Ceplac:
vice-diretor do Centro de Pesquisas do Cacau-Cepec; primeiro diretor do
Departamento Especial da Amazônia, em Belém, PA; assessor para
Assuntos da Amazônia na Secretaria Geral da Ceplac, em Brasília e
secretário-geral adjunto. Já aposentado, foi assessor parlamentar e
consultor ad hoc para assuntos da região amazônica no Congresso Nacional.
Em julho de 1970, o então secretário-geral da Ceplac, José Haroldo
Castro Vieira, o designou para proceder estudos sobre a viabilidade
econômica da implantação da cacauicultura em Rondônia, missão que
aceitou de pronto, pela oportunidade de revisitar a sua terra, após cinco
anos de ausência. Mas impôs duas condições: que lhe fosse dado um tempo
180
razoável para cumprir a tarefa, “nada de correrias e atropelos”; e que “a
viagem fosse feita por rodovia, com transporte próprio para assegurar
maior mobilidade e independência de movimentos”. A tiracolo, a esposa
baiana (Magnólia) e a filha mais velha, com quatro anos de idade.
Em setembro, retornava com as informações levantadas. Aprovados
os estudos pela Ceplac, retornava ele a Rondônia com a missão de implantar
o primeiro pólo cacaueiro naquela nova fronteira agrícola. E ali, em abril de
1971, a cacauicultura ensaiou os seus primeiros passos no Projeto Integrado
de Colonização Ouro Preto, do Governo Federal, conduzido pelo então Ibra
– Instituto Brasileiro de Reforma Agrária. “Em outubro de 1971, nossa casa
estava concluída, em Ouro Preto d'Oeste e, de mala e cuia, nos instalamos
com a mulher e dois filhos”. Era a certeza de que retornara para ficar.
Fred, como os íntimos o tratavam, tinha temperamento imprevisível. Podia, em determinados momentos, explodir numa gargalhada
sonora, outras vezes, ser demasiado intransigente. Mas, entre esses dois
extremos, a lealdade incondicional. Como amigo, chegava ao limite do
sacrifício para servir, o que fazia sem nada pedir em troca. Dele, disse seu
amigo Euro Tourinho, diretor do jornal Alto Madeira, de Porto Velho:
“Cultura aprimorada e enorme inteligência, Frederico Afonso possui uma
qualidade singular aparentemente em choque com seu ânimo autoritário –
admite o mais amplo diálogo com seus subalternos e até os estimula a que o
procurem e o provoquem para tanto”. E acrescenta: “Fez um gigantesco
trabalho que deixou seu nome na história de Rondônia”.
Ao se empenhar pela cacauicultura em Rondônia e, por extensão, no
Pará, Mato Grosso, Amazonas e Maranhão, ele tinha em mente, sobretudo,
a ocupação racional daquela vastidão de terra e ecossistema extremamente
181
sensível por um novo homem, partícipe e consciente do todo. E não, um
predador. Filho daquelas paragens, fez vermos o então “Inferno Verde”
como parte indissociável do território brasileiro, em lugar do tratamento de
“país amigo mais próximo do Brasil” – assim se referia ao isolamento da
região pelo governo central.
Saltava aos olhos o orgulho de ser ceplaqueano, ao lado da
admiração devotada a José Haroldo e Paulo Alvim. Empenhou-se, como
poucos, pela consolidação do modelo Ceplac na Amazônia. Escrever era sua
outra paixão. Deixou várias publicações sobre a cacauicultura na região
norte, dentre essas o livro As Terras do Cacau em Rondônia e, sua última
obra, Rondônia: Ocupação, Crescimento e Organização Agrária, hoje o
terceiro estado maior produtor de cacau do país.
A partir da série Cadernos da Amazônia, estabeleceu-se uma
cumplicidade entre o autor destas linhas e o Dr. Frederico Afonso, que só fez
se fortalecer com o tempo. Estávamos sempre nos comunicando,
permutando informações, reacendendo antigas lembranças. Aos 77 anos de
idade, no 1º dia de setembro de 2009, ele deixou a vida para entrar na
história e na gratidão da gente Nhambiquara das barrancas do Madeira.
(Edvaldo Oliveira - Jornalista)
182
Anexo
Mensagem a García
Helbert Hubbard
“Em todo este caso cubano, um homem se destaca no
horizonte de minha memória como o planeta Marte no seu periélio.
Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o
que importava a estes era comunicar-se rapidamente com o chefe dos
insurretos, Garcia. Que se saiba, encontra-se em alguma fortaleza no
interior do sertão cubano, mas sem que se pudesse precisar
exatamente onde. Era impossível comunicar-se com ele pelo correio
ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente tinha que tratar de
assegurar-se da sua colaboração, e isto o quanto antes.
Que fazer? Alguém lembrou ao Presidente: “Há um homem
chamado Rowan; e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, há
de ser Rowan”.
Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou
uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia. De como este
homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro
impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após quatro dias, saltou, de
um barco sem coberta, alta noite, nas costa de Cuba; de como se
embrenhou no sertão, para depois de três semanas, surgir do outro
lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil e entregando a
carta a Garcia — são coisas que não vêm ao caso narrar aqui
pormenorizadamente. O ponto que desejo frisar é este: Mac Kinley
183
deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou da
carta e nem sequer perguntou: “Onde é que ele está”? Hosannah! Eis
aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze e sua estátua
colocada em cada escola do país. Não é de sabedoria livresca que a
juventude precisa, nem instrução sobre isto e aquilo. Precisa, sim, de
um endurecimento das vértebras, para poder mostrar-se altivo no
exercício de um cargo; para atuar com diligência, para dar conta do
recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia.
O General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias. A
nenhum homem que se tenham empenhado em levar avante uma
empresa, em que a ajuda de muitos se torne precisa, têm sido
poupados momentos de verdadeiro desespero ante a imbecilidade de
grande número de homens, ante a inabilidade ou falta de disposição
de concentrar a mente numa determinada coisa e fazê-la.
Assistência irregular, desatenção tola, indiferença irritante e
trabalho mal feito parece ser a regra geral. Nenhum homem pode ser
verdadeiramente bem sucedido, salvo se lançar mão de todos os
meios ao seu alcance quer da força, quer do suborno, para obrigar
outros homens a ajudá-lo, a não ser que Deus Onipotente, na sua
grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe como auxiliar
um anjo de luz.
Leitor amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Estás sentado no teu
escritório, rodeado de meia dúzia de empregados. Pois bem, chama
um deles e pede-lhe:
184
“Queira ter a bondade de consultar a enciclopédia e me fazer
uma descrição sucinta da vida de Corrégio”.
Dar-se-á o caso do empregado dizer calmamente: “Sim
senhor”, e executar o que se lhe pediu?
Nada disso! Olhar-te-á perplexo e de soslaio para fazer uma
ou mais das seguintes perguntas:
Quem é ele?
Que enciclopédia?
Onde é que está a enciclopédia? Fui eu acaso contratado para
fazer isto?
Não quer dizer Bismarck?
E se o Carlos o fizesse?
Já morreu? Precisa disso com urgência?
Não será melhor que eu traga o livro para que o senhor
mesmo procure o que quer?
Para que quer saber isso?
E aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a
tais perguntas, e explicado a maneira de procurar os dados pedidos e
a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um
companheiro que o ajude a encontrar Garcia, e, depois voltará para te
dizer que tal homem não existe.
185
Evidentemente, pode ser que perca a aposta; mas, segundo a
lei das médias, jogo na certa. Ora, se fores prudente, não te darás ao
trabalho de explicar ao teu “ajudante” que Corrégio se escreve com
“C”e não com “K”, mas limitar-te-ás a dizer meigamente, esboçando
o melhor sorriso: “Não faz mal; não se incomode”, e, dito isto,
levantar-te-ás e procurarás tu mesmo.
E esta incapacidade de atuar independentemente, esta
inépcia moral, esta invalidez da vontade, atrofia a disposição de
solicitamente se pôr em campo e agir — são coisas que recuam para
um futuro tão remoto o advento do socialismo puro. Se os homens
não tomam a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão
quando o resultado do seu esforço redundar em beneficio de todos?
Por enquanto parece que os homens ainda precisam ser feitorados. O
que mantém muito empregado no seu posto e o faz trabalhar é o
medo de se não o fizer, ser despedido no fim do mês. Anuncia precisar
de um taquígrafo, e nove entre dez candidatos à vaga não saberão
ortografar nem pontuar — e o que é mais pensam que não é
necessário sabê-lo.
Poderá uma pessoa assim escrever uma carta a Garcia?
“Vê aquele guarda-livros”, dizia-me o chefe de uma grande fábrica.
'Sim, que tem?” Um excelente guarda-livros. Contudo se eu o
mandasse fazer um recado, talvez se desobrigasse da incumbência a
contento, mas também podia muito bem ser que no caminho
entrasse em duas ou três casas de bebidas, e que, quando chegasse ao
seu destino, já não se recordasse da incumbência que lhe fora dada”.
186
Será possível confiar-se a tal homem uma carta para entregála a Garcia?
Ultimamente temos ouvido muitas expressões sentimentais
externando simpatia para com os pobres entes que mourejam de sol a
sol, para com os infelizes desempregados à cata do trabalho honesto,
e tudo isto, quase sempre, entremeado de muita palavra dura para
com os homens que estão no poder.
Nada diz do patrão que envelhece antes do tempo, num
baldado esforço para induzir eternos desgostosos e descontentes a
trabalhar conscienciosamente; nada se diz de sua longa e paciente
procura de pessoal, que, no entanto, muitas vezes nada mais faz do
que “matar o tempo”, logo que ele volta às costas. Não há empresa
que não esteja despedindo pessoal que se mostre incapaz de zelar
pelos seus interesses, a fim de substituí-lo por outro mais apto. E este
processo de seleção por eliminação está se operando incessantemente, em tempos adversos, com a única diferença que, quando
os tempos são maus e o trabalho escasseia, a seleção se faz mais
escrupulosamente, pondo-se fora, para sempre, os incompetentes e
os inaproveitáveis. É a lei da sobrevivência do mais apto. Cada
patrão, no seu próprio interesse, trata somente de guardar os
melhores — aqueles que podem levar uma mensagem a Garcia.
Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas
sem fibra precisa para gerir um negócio próprio e que ademais se
torna completamente inútil para qualquer outra pessoa, devido à
suspeita insana que constantemente abriga de que seu patrão o esteja
187
oprimindo ou tencione oprimí-lo. Sem poder mandar, não tolera que
alguém o mande. Se lhe fosse confiada uma mensagem a Garcia,
retrucaria provavelmente:
“Leve-a você mesmo”. Hoje este homem perambula errante pelas
ruas em busca de trabalho, em quase petição de miséria. No entanto,
ninguém que o conheça se aventura a dar-lhe trabalho porque é a
personificação do descontentamento e do espírito de réplica.
Refratário a qualquer conselho ou admoestação, a única coisa capaz
de nele produzir algum efeito seria um bom ponta-pé dado com a
ponta de uma bota número 44, sola grossa e bico largo.
Sei, não resta dúvida, que um indivíduo moralmente aleijado como
este, não é menos digno de compaixão que um fisicamente aleijado.
Entretanto, nesta demonstração de compaixão, vertamos também
uma lágrima pelos homens que se esforçam por levar avante uma
grande empresa, cujas horas de trabalho não estão limitadas pelo
som do apito e cujos cabelos ficam prematuramente encanecidos na
incessante luta em que estão empenhados contra a indiferença
desdenhosa, contra a imbecilidade crassa e a ingratidão atroz,
justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor,
andariam famintos e sem lar.
Dar-se-á o caso de eu ter pintado a situação em cores demasiado
carregadas? Pode ser que sim; mas, quando todo o mundo se apraz
em divagações quero lançar uma palavra de simpatia ao homem que
imprime êxito a um empreendimento, ao homem que, a despeito de
uma porção de empecilhos, sabe dirigir e coordenar os esforços de
188
outros e que, após o triunfo, talvez verifique que nada ganhou; nada,
salvo a sua mera subsistência.
Também eu carreguei marmitas e trabalhei como jornaleiro, como,
também tenho sido patrão. Sei, portanto, que alguma coisa se pode
dizer de ambos os lados.
Não há excelência na pobreza de per si; farrapos não servem de
recomendação. Nem todos os patrões são gananciosos e tiranos, da
mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.
Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha
conscienciosamente, quer o patrão esteja, quer não. E o homem que,
ao lhe ser confiada uma carta a Garcia, tranquilamente toma a
missiva, sem fazer perguntas idiotas, e sem a intenção oculta de jogála na primeira sarjeta que encontrar, ou praticar qualquer outro feito
que não seja entregá-la ao destinatário, esse homem nunca ficará
“encostado”.
A civilização busca ansiosa, insistentemente, homem nestas
condições. Tudo que tal homem pedir, ser-lhe-á de conceder.
Precisa-se dele em cada cidade, em cada vila, em cada lugarejo, em
cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O
grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso: “Precisa-se, e
precisa-se com urgência, de um homem capaz de levar uma
mensagem a Garcia”.
189
Citações
1
VIEIRA. Clotilde, História de UBÁ, para Escolas, 1ª edição 1990. (A maioria
das informações históricas desta biografia foi fundamentada nesta publicação).
2
Depoimento de Songia Alvim; e-mail ([email protected]) de 17 de
maio de 2009.
3
UBÁ – Wikipedia, a Enciclopédia livre (Internet).
4
Depoimento de Renato Ribeiro, em minuta elaborada pelo próprio, colega de
Paulo Alvim desde a UFV, onde cursou Agronomia. Hoje Renato Ribeiro reside
em Campo Grande Mato Grosso do Sul.
5
Depoimento de Victorio Emanuel Constantino Codo, correspondência datada
de 21 de junho de 2009, de Anápolis, GO, com oito (8) folhas.
6
Vox História – A saga dos Imigrantes, por Ana Carolina Amaral.
7
Texto do Professor Reginaldo da Silva Romero, publicado no UFV Informa, de
29 de seis de 2001, Personagens: Professor Octavio de Almeida Drumond,
cátedra de Fitopatologia na ESAV, hoje UFV.
8
Entrevista feita com o Professor Moacyr Maestri, no dia 16 de abril em Viçosa,
em companhia de Dr.Cristiano Machado Neto, engenheiro agrônomo formado
na UFV.
9
Depoimento do Professor Raimundo Santos Barros, da cadeira de Fisiologia da
UFV. Fevereiro de 2008, original em inglês.
10
Entrevista feita com o Professor Geraldo Chaves, aposentado, da UFV, cadeira
de Fisiologia, depois graduado na Universidade de Cornell, Ithaca, N.Y. A
entrevista foi feita em Viçosa, no dia 16 de abril de 2009, em companhia do Dr.
Cristiano Machado Neto.
11
Depoimento de Mirian Sá Oliveira, segunda esposa de Paulo Alvim, feito via email, com várias datas de expedição. Complementado pelo depoimento de seu
filho Alexandre Alvim.
190
12
Depoimento de Simone Cerqueira, terceira esposa de Paulo Alvim, feito por
correspondência datada do mês de agosto de 2009.
13
Depoimento de Fátima Alvim, filha de Paulo Alvim, em uma longa
correspondência, datada de agosto de 2009. Depoimento de Fátima Alvim, filha
de Paulo Alvim, em uma longa correspondência, datada de agosto de 2009.
14
Artigo de Helbert Hubbard, publicado na revista “Phislitine” em fevereiro de
1899, intitulado” Uma Mensagem a Garcia”.
15
Depoimento do agrônomo João Luis Calmon e Dalila Gramacho Calmon, sobre
a criação da EMARC, via e-mail – [email protected] - do dia 26 de
abril de 2009.
16
Estatísticas oficiais sobre a produção de cacau quando da chegada de PAULO
ALVIM à Bahia, com a produção cacaueira em queda. Alinha-se também
informações de um “pacote tecnológico”, composto de raleamento de
sombreamento dos cacauais, adubação, combate às pragas do cacaueiro, com
uma vigorosa recuperação da produção cacaueira no Sul da Bahia.
17
Depoimento do agrônomo Frederico Monteiro Álvares-Afonso, autor do
“PAULO ALVIM: MESTRE E AMIGO” sobre o Diagnóstico Socioeconômico
da Região Cacaueira, e do experimento Estudo Comparativo da Renovação e
Cacauais sob dois Métodos de Plantio: Derruba Total e Plantio por Debaixo.
Iniciado na Fazenda do CEPEC, em 1969 e dado por concluído em 1990.
18
Correspondência do Professor G. Edward Schuh, assessor da Ford Foundation,
datada de 12 de outubro de 1970, onde analisa o papel do nascente programa de
ciências sociais. Analisa, discute e faz propostas de redirecionamento das
pesquisas e crescimento do quadro com maior qualificação dos que trabalham e
contratar pessoal de maior especialização.
19
Depoimento de PAULO ALVIM, sobre os avanços obtidos na África, com o
cacaueiro, e na Malásia, com a seringueira enquanto que no Brasil é mais pobre a
situação dos dois cultivos. Publicado em ÁLVARES-AFONSO, As Terras do
Cacau em Rondônia, Gráfica do Senado Federal, Brasília, 1986.
20
Artigo de pesquisadores do DEPEA-Belém, Paulo Júlio da Silva Neto, Antonio
Carlos Gesta Melo e Francisco das Chagas de Medeiros Costa – intitulado
“Avaliação do Sistema Agroflorestal Cacaueiro (Theobroma Cacau L) e Mogno
(Swietenia macrophyla King) em Medicilândia, Pará, de janeiro de 2003 a
dezembro de 2004.
191
21
Os 50 Anos de PAULO ALVIM - PhD, publicado no Jornal Agora, da semana de
31 de outubro a 06 de novembro de 1998, com os artigos jornalísticos “Eu queria
Ser uma Vaca” e “Noite em Ibadan – A Vassoura de Bruxa e Outras histórias”.
22 Folheto
publicado pelo IICA por ocasião da outorga da “Medalha Agrícola
Interamericana 1979”, com pronunciamentos do Diretor Geral do IICA, José
Emilio Gonçalves de Araújo, do Senhor José Haroldo Castro Vieira, SecretárioGeral da CEPLAC e do agraciado Paulo de Tarso Alvim Carneiro - PAULO
ALVIM - que fez um longo recordatório de sua carreira profissional. Incluem os
cargos honoríficos ocupados, as distinções recebidas e os principais inventos,
descobertas e trabalhos científicos publicados.
23 Depoimento
do pesquisador em fertilidade de solos, Emo Ruy de Miranda, de
como foi estimulado para assumir responsabilidades na sua área de trabalho;
Emo Ruy de Miranda alcançou o cargo de Secretário Geral da CEPLAC.
24 Depoimento
do pesquisador do CEPEC, Manuel Tourinho, aposentado, exDiretor da EMBRAPA, e criador da UFRA – Universidade Federal Rural da
Amazônia, sobre a influência de PAULO ALVIM nas suas formações
acadêmica e profissional.
25 Estatuto da FUNPAB – Fundação Pau Brasil, Estatuto de março de 1990.
26
Contribuição de Conceição Soledade, secretária por mais de dez anos da
instituição, listando trabalhos concluídos e em andamento na FUNPAB.
192
Agradecemos o Patrocínio da empresa
MARS CACAU
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Livro Paulo Alvim