MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E A SEGURANÇA NACIONAL: JAPONESES NO BRASIL E BRASILEIROS NO JAPÃO Alexandre Y. Nakayama1 José Soares Coutinho Filho2 Resumo: Os movimentos migratórios sempre exerceram grande importância no contexto da globalização especialmente no que se refere ao estado de segurança nacional tanto do estado emissor quanto receptor, ou seja, as transformações econômicas, políticas, sociais, demográficas e culturais advindas tanto da integração do migrante à sua nova terra, como pela partida deste migrante de sua terra de origem. Dada a importância, volume e condições do movimento migratório entre Brasil e Japão, este trabalho aborda a história deste movimento levando em conta as características étnico-político-econômica que marcaram a vinda dos japoneses para o Brasil no início do século XX e o viés econômico-político que tomou a ida de japoneses e descendentes para o Japão a partir da segunda metade da década de 1980. Palavras-chave: movimentos migratórios, segurança nacional, Brasil, Japão. Abstract: Migratory movements have always played a very important role in the globalization context, especially regarding the involved states national safety, that is, the economical, political, social, demographics and cultural changes caused not only by migrants adaptation to the new land but also by the migrants departure from their origin land. Given the importance and conditions of migratory movement between Brazil and Japan, this paper approach the history of this movement taking into account the ethnical-political-economical characteristics that marked the arriving of japaneses to Brazil in early 20th century and the economical-political reasons for japaneses and descendents move toward Japan from 1980´s on. Keywords: migratory movements, national safety, Brazil, Japan. Sumário: 1. Introdução – 2. Migrações Internacionais e a Segurança Nacional – 3. Migração Japonesa e Japoneses no Brasil – 5. Conclusão – 6. Referências Bibliográficas. 1 Graduado em Engenharia Mecânica pela UFPR - Universidade Federal do Paraná, graduado em Letras pela PUC-PR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, mestre em Engenharia Mecânica pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas. 2 Professor do curso de Geopolítica e Relações Internacionais da UTP – Universidade Tuiuti do Paraná, doutor em Engenharia Elétrica pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, graduado em Engenharia pelo IME – Instituto Militar de Engenharia. 1. INTRODUÇÃO: As migrações internacionais têm importância extrema no contexto econômico, político, demográfico e social, pois resultam em transformações e reestruturações da mobilidade de capital, cultural e industrialização em diversas partes do mundo (Patarra, 2006). O Brasil, na virada do século XIX para o XX, passou a adotar uma postura receptora de mão-de-obra imigrante à medida que se sucedeu a abolição da escravatura e a implantação da monocultura cafeeira extensiva que demandava grande quantidade de mão-de-obra. Devido à medidas restritórias à emigração em alguns países europeus, à grande mobilidade da mão-de-obra imigrante nas fazendas brasileiras e à expansão da lavoura, houve necessidade de incrementar a mão-de-obra disponível, sendo os japoneses considerados uma alternativa, já que o Japão figurava como um novo foco emigratório. Recentemente, devido às últimas recessões econômicas pelas quais o Brasil passou, observou-se uma inversão de fluxo com, principalmente, descendentes de japoneses migrando para o Japão em busca de melhores salários, mesmo que prestando serviços de baixa qualificação. Dentro deste contexto, este trabalho tem como objetivo uma revisão bibliográfica acerca das origens, desenvolvimento e conseqüências do fluxo migratório entre Brasil e Japão já que este fluxo é bastante característico tanto pelo tutelamento do governo japonês do início da imigração para o Brasil como pela atual institucionalização da presença de brasileiros no Japão influindo sobremaneira no estado de segurança nacional de ambos os países. 2. MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E A SEGURANÇA NACIONAL: Conforme Patarra (2006), as migrações internacionais têm importante contribuição no contexto da globalização refletida especificamente na diversidade socio-etno-cultural, seus significados e suas implicações. Parte significativa dessas contribuições se volta à reflexão das grandes transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais em andamento no âmbito internacional e como eixo de reflexão, situam-se as mudanças advindas do processo de reestruturação da produção, o que implica novas modalidades de mobilidade do capital e da população em diferentes partes do mundo. Leão Neto (1989) evidencia a importância e o volume das migrações internacionais na História moderna: “Nos pouco mais de cem anos transcorridos entre o fim das guerras napoleônicas e as três primeiras décadas do século XX registrou-se no mundo um movimento migratório internacional sem precedentes na história moderna. Embora oscilem as estimativas, particularmente em razão da precariedade dos registros na primeira metade do século XIX, calcula-se que entre 70 e 75 milhões de pessoas tenham abandonado voluntariamente seus países de origem em direção a outras terras”. Grande parte deste enorme movimento humano deveu-se ao maciço deslocamento de europeus para o continente americano, denominada grande migração atlântica. Com altas taxas de crescimento, a população européia sentia-se impelida a emigrar, seja por fatores políticos ou religiosos, seja por força das dificuldades econômicas cíclicas e estruturais inerentes aos abalos da Revolução Industrial no regime de produção e emprego de mão-de-obra. Para Leão Neto (1989), a essas causas, denominadas push factors, vinham juntar-se os elementos de atração, ou pull factors, no país de escolha ou que como tal se apresentavam na percepção do emigrante: liberdade de expressão e de credo, oportunidades de trabalho, melhor remuneração, melhores condições de habitação e acesso à propriedade da terra. Atualmente, mesmo no caso de democracias bem estabelecidas, a antiga pressuposição de que os imigrantes iriam se identificar com seu país de adoção em termos de lealdade política, cultura e linguagem, já não pode ser tomada como garantida, pois os movimentos são mais ditados pelas circunstâncias dos países de origem do que pelo desejo de estabelecer uma nova vida. Deste modo, Patarra (2006) analisa os aspectos das migrações internacionais da seguinte maneira: “A análise das migrações internacionais na era da globalização toma em conta alguns aspectos relevantes: mudanças rápidas e densas no mundo econômico e sua relação com subsetores (comunicação, transporte, divisão internacional do trabalho, corporações internacionais, comércio liberal e fluxos de capital), que se vinculam às formas de migração internacional pelas relações de permanência, temporariedade e cidadania; o desenvolvimento das cidades globais, que, em conseqüência, altera as transações, interações e a concentração de determinados segmentos do mundo econômico em determinadas cidades; o cosmopolitanismo e o localismo; a criação e promoção de culturas locais ampliadas como cultura cosmopolita; e, por fim, a desterritorialização da identidade social, como desafio à hegemonia do Estado-nação, transfomando o antigo focus de submissão e fidelidade em favor da sobreposição, permeabilidade e formas múltiplas de identificação”. O entendimento dos processos sociais envolvidos nos fluxos de pessoas entre países, regiões e continentes passa pelo reconhecimento de que sob a denominação migração internacional estão envolvidos fenômenos distintos, com grupos sociais e implicações diversas. No atual contexto, Patarra (2006) evidencia posturas ideológicas e visões de mundo que se confrontam na tentativa de enfrentamento das contradições e crise da ordem capitalista hegemônica que, depois do fim da guerra fria e da expansão da etapa de acumulação de capital, alinha os países desenvolvidos e em desenvolvimento, colocando em xeque as possibilidades daqueles que não pertencem ao banquete dos ricos, industrializados, desenvolvidos e felizes versus os pobres, sempre em desenvolvimento dificilmente completado, cuja dinâmica gerou os novos contornos da pobreza e exclusão, novos pequenos “oásis” internos de dinamismo econômico e novos limites para a ação de políticas de welfare state e de proteção social. Assim, os fluxos migratórios podem suscitar reações adversas nos países receptores por interveniência de fatores de natureza racial, cultural econômica, política e conseqüentemente de segurança nacional. Conforme Pessoa apud Coutinho Filho (2007): “Segurança nacional é a completa funcionalidade das coisas essenciais que se prendem direta ou indiretamente a coletividade humana, por esta preservada através do seu respectivo Estado. A funcionalidade implica no afastamento dos perigos, antagonismos e pressões que afrontam a Nação. A funcionalidade perfeita é o resultado da eliminação total das vulnerabilidades que debilitam a coletividade humana na sua conexão nacional”. Deste modo, um Estado, em nome de sua segurança e de seus objetivos nacionais permanentes pode restringir ou impedir a entrada de pessoas em seu território conforme lhe convier. Para Coutinho Filho (2007), o conceito de segurança nacional tem como peculiaridade a relatividade da segurança (nos dias atuais o crime organizou-se de tal maneira que em muitos países colocam em risco efetivo a Segurança Interna) e a tentativa de restringir as respostas às ameaças ao arcabouço jurídico existente, se isto é possível, para qualquer nível de ameaça é motivo de discussão entre juristas. Coutinho Filho (2007) exemplifica a segunda peculiaridade com o governo dos Estados Unidos da América, que após os eventos terroristas de 11 de Setembro de 2001, achou por bem modificar a legislação existente para legitimar uma prática adotada no combate ao terror, à prisão arbitrária de suspeitos e os interrogatórios fora das normas jurídicas. Ainda quanto às migrações internacionais no âmbito da segurança nacional dos países receptores, Patarra (2006) afirma que no contexto da globalização é imprescindível a análise de luta e dos compromissos internacionais assumidos em prol da ampliação e da efetivação dos direitos humanos dos migrantes e também a discussão acerca de quais grupos sociais contemplados nas políticas oficiais ancoradas em direitos humanos. Deste modo, é preciso reconhecer que os movimentos migratórios internacionais representam a contradição entre os interesses de grupos dominantes na globalização e os Estados nacionais, com a tradicional óptica de sua soberania, o que pode levar a tensões entre os níveis de ação internacional, nacional e local. As dimensões de racismo, xenofobia e outras expressões de intolerância foram reforçadas recentemente com os acontecimentos como o 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e sua estratégia militar preventiva iniciada com a guerra do Iraque, os conflitos no Oriente Médio e as tensões entre comunidades de imigrantes muçulmanos na Europa, porém, estas sempre existiram em diversos graus nos grandes movimentos migratórios internacionais. Assim, em relação tanto às expressões de intolerância que muitas vezes podem emergir em certas épocas e movimentos migratórios como em questões de segurança nacional, para Patarra (2006) os direitos humanos passam a ser o instrumento legítimo e aceito de organização interna e internacional. As propostas de organismos internacionais, inclusive no sentido da formulação institucional de medidas jurídicas para a efetivação dos direitos humanos dos migrantes, mediante parcerias, acordos bi ou trilaterais e multilaterais, de um lado, e a moldura dos acordos de integração econômica regional, de outro, constituem uma brecha importante no monitoramento de políticas migratórias. 3. MIGRAÇÃO JAPONESA E JAPONESES NO BRASIL: Na História moderna, em função da época em que se iniciaram os grandes fluxos migratórios internacionais e de sua origem, distinguem-se dois grandes grupos de correntes: um primeiro grupo que compreende a emigração irlandesa, britânica, alemã, francesa e escandinava iniciada por volta de 1840; e o movimento emigratório de origem mediterrânea (Itália, Espanha e Portugal), acrescido de russos e poloneses que se processou em maior escala a partir de fins do século XIX. Essas diferenças de momento explicam-se em grande parte pela defasagem com que mudanças nas estruturas econômicas e políticas ocorreram nos diversos países (Leão Neto, 1989). O Japão inseriu-se neste segundo grupo, já que apenas a partir de fins do século XIX iniciaramse os primeiros fluxos significativos de migração nipônica, pois, até então o isolamento imposto pelo shogunato impedira a saída de emigrantes. A imigração de japoneses para o Brasil iniciou-se oficialmente em 1908, num período em que o Japão precisava escoar o excedente populacional e resolver seus problemas internos decorrentes da reforma política da Restaração Meiji, marcando o início da Era Moderna no Japão, e quando o Brasil demandava por mão-de-obra imigrante (Sasaki, 2006). Sasaki (2006) contextualiza da seguinte maneira a situação econômica e política brasileira no âmbito de receptor de correntes migratórias a época: “Na virada do século XIX para o XX, o Brasil passou a adotar uma postura receptora de mão-de-obra imigrante, à medida que se sucedeu a abolição da escravatura e a implantação da cafeicultura demandava mão-de-obra nesse período. Mas em 1902, a Itália – de onde provinha o principal fluxo de imigrantes europeus ao Brasil nesse período – proibiu que seus cidadãos fossem recrutados e encaminhados ao Brasil. Para preencher essa lacuna, os japoneses foram considerados uma das alternativas, e a sua presença causou um acalorado debate sobre a sua aceitação no país. Esse período associava formulações sociológicas, de medicina social e políticas públicas na tentativa de explicar e resolver o atraso socioeconômico brasileiro. A fórmula combinava idéias de pensadores brasileiros e influências estrangeiras (como Gobineau, Lombroso, Nina Rodrigues, Paulo Prado, Manuel Bonfim, Oliveira Viana entre tantos outros) sobre o atraso socioeconômico do país, que foi sendo profundamente atrelado à presença negra na população brasileira. A preocupação era a do “branqueamento” da população, que assim justificava a procura de europeus brancos, como alemães e italianos (inicialmente) para atender a essa lógica. Era um período em que a elite brasileira estava preocupada em construir uma nação, com anseios eugênicos”. Tendo aderido tardiamente ao grande movimento migratório mundial, o Japão logo encontrou crescentes obstáculos ao acesso de seus nacionais a países estrangeiros. Por força de sucessivas medidas de restrição ou de exclusão adotadas em diferentes países receptores, a emigração japonesa para continentes outros que não o asiático reduziu-se drasticamente por volta de 1936. Resistências à presença de japoneses começaram a assumir forma organizada no estado americano da Califórnia a partir do início do século XX, refletindo-se depois em fechamento das fronteiras dos Estados Unidos da América ao imigrante japonês pelo Quota Immigration Act de 1924 (Leão Neto, 1989). Conforme Sasaki (2006), os “amarelos”, isto é, os asiáticos, não condiziam com os ideais da construção da identidade nacional brasileira, que era baseada na política de embranquecimento, embora eles tenham sido vistos como uma alternativa para compor a mão-de-obra e atender à demanda na lavoura cafeeira. Pelo fato de o japonês não ser nem branco nem negro, os japoneses eram aqueles que não podiam achar facilmente o seu lugar no contexto brasileiro. Negros e brancos eram as duas pontas de uma tensa relação racial que atravessava as diversas naturezas das relações sociais estabelecidas no Brasil. Para Leão Neto (1989), no Brasil, as distâncias geográficas em relação ao Japão, o desconhecimento recíproco e hesitações de ambos os lados quanto às possíveis vantagens de se promover a imigração nipônica impediram sua concretização até inícios do século XX. Ao ser iniciada em bases precárias e quase exploratórias, a corrente migratória japonesa não se consolidou de imediato tendo sofrido percalços e evoluído de forma irregular até os primeiros anos da década de 1920. A partir de 1925, porém, com amparo do governo japonês, a imigração ganhou regularidade passando a registrar números crescentes e acabou por deflagrar em 1934 forte movimento de resistência interna no Brasil. Ainda segundo Leão Neto (1989), as críticas incisivas e de acentuadas tonalidades políticas que contra a corrente imigratória nipônica se proferiram na Assembléia Nacional Constituinte com objetivos de interrompê-la ou reduzir-lhe drasticamente o volume repercutiram com intensidade na imprensa gerando aguda tensão entre os governos japonês e brasileiro assumindo contornos diplomáticos. Na primeira metade do século XX, a migração era uma questão diplomática prioritária para o Ministério das Relações Exteriores do Japão (MREJ) estando este preocupado com as implicações negativas das práticas migratórias antijaponesas (nos países anglo-saxões, como Estados Unidos, Canadá e Austrália), que teriam peso simbólico no status do Japão como uma grande potência, status esse que foi adquirido e reconhecido internacionalmente ao vencer a guerra contra a China (1894-1895) e, em seguida, contra a Rússia (1904-1905). Para Sasaki (2006), a campanha antijaponesa no Brasil foi, de um lado, alimentada pelo fato de o Japão ter se aliado ao Eixo na Segunda Guerra Mundial, isto é, pela crescente instabilidade internacional mediante a política militarista agressiva do Japão no continente asiático e o crescente poderio militar do nazi-fascismo na Europa, representado pela Alemanha e Itália, e, de outro, os esforços nacionalistas brasileiros de construção de uma sociedade brasileira coesa, na qual todos os cidadãos, incluindo filhos de imigrantes das mais diferentes procedências, deveriam adotar uma consciência nacionalista brasileira. Todo o processo de imigração e de estabelecimento desse contingente foi tutelado pelo governo japonês, desde recrutamento, propaganda, transporte, custeio, até o estabelecimento no país hospedeiro. O auge dessa imigração foi entre 1925 e 1934, com mais de 120 mil imigrantes. No Brasil, os anos 1930 foram marcados pelas mudanças políticas, com a implantação do Estado Novo, um período de ditadura com anseios nacionalistas, que restringiu drasticamente a entrada de estrangeiros no país (Sakurai apud Sasaki, 2006). Sempre com objetivo de permanência temporária, com o intuito de amealhar alguma poupança e retornar ao Japão, tornou-se o sonha acalentado por muitos pequenos agricultores japoneses que encontravam difíceis condições de sobrevivência em seu próprio país (Leão Neto, 1989). Até eclodir a Segunda Guerra Mundial, os imigrantes japoneses no Brasil se consideravam nihonjin, isto é, japoneses, uma vez que ainda havia perspectiva de retornarem enriquecidos ao Japão. Depois desse evento, eles passaram a construir suas vidas nas terras brasileiras, distantes da possibilidade do retorno. Até o período da guerra, a permanência no Brasil era tida como provisória. A guerra foi utilizada como o fator decisivo para não ter que acionar o argumento do insucesso do não-retorno de quase todos os imigrantes. A fixação definitiva no Brasil, que vinha ocorrendo há pelo menos uma década, é finalmente incorporada e aceita. A guerra foi o pretexto simbólico para legitimar o processo, que era inexorável, da permanência definitiva no Brasil. A presença japonesa foi se institucionalizando ao longo do século XX, sobretudo no período pósguerra, criando inúmeras entidades associativas: culturais, religiosas, esportivas, recreativas, agrícolas, por região de origem (províncias no Japão), por atividades ocupacionais etc., além da visibilidade nipônica nas comemorações decenais da imigração japonesa. A participação do governo japonês promovendo a imigração ao Brasil, em todos os aspectos, contribuiu para que os japoneses fossem fortemente associados às atividades agrícolas e a alguns setores da indústria como de sericicultura (criação de bicho-da-seda), algodão, siderúrgica e outros (Sasaki, 2006). Em relação à localização geográfica, pode-se dizer que os imigrantes japoneses se estabeleceram em vários núcleos coloniais, principalmente no Estado de São Paulo e no norte do Paraná, Mato Grosso do Sul, Pará e Amazonas. O estado de São Paulo recebeu o maior contingente. Na capital paulista, os nipônicos instalaram-se ao redor da cidade e participaram ativamente da formação do Cinturão Verde, ou seja, do desenvolvimento da produção agrícola de legumes, verduras e frutas para abastecer a Região Metropolitana de São Paulo. Instalaram-se, também, em vários bairros paulistanos, destacando-se os bairros da Liberdade e de Pinheiros. Ainda no Estado de São Paulo, os emigrantes japoneses fixaram-se na região Alta Paulista como Tupã, Bastos, Marília, entre outros municípios onde desenvolveram a agricultura do algodão. Nas zonas alagadiças do Vale do Paraíba (entre São Paulo e Rio de Janeiro), desenvolveram a cultura do arroz. No Vale do Ribeira, Iguape, litoral sul do estado de São Paulo, introduziram a cultura do chá. No estado do Pará, na região de Bragança e em Tomé-Açu, cultivam a pimenta-do-reino. No Amazonas desenvolveram a cultura de várzea, destacando-se a juta e o arroz (Saito, 1980). 4. BRASILEIROS NO JAPÃO: Nos anos 1980, o Brasil atravessou um período de crise econômica com altas taxas de inflação, assim como frustrações no aspecto político no processo de redemocratização. Essa situação fez que um grande contingente de brasileiros da classe média buscasse alternativas no exterior como trabalhadores migrantes de baixa qualificação, principalmente nos Estados Unidos, no Paraguai, no Japão e na Europa (Assis & Sasaki, 2000). A partir da segunda metade da década de 1980, o volume desse contingente se massificou. Este período de crise no Brasil coincidiu com período de fenomenal crescimento econômico no Japão a taxas anuais próximas a 10% ao ano (Canuto, 1999). Ainda segundo Canuto (1999) a fase econômica japonesa: “A partir de 1950, as estratégias corporativas privilegiavam a expansão das vendas e das parcelas de mercado, em detrimento das taxas de lucro. A absorção criativa e o aprimoramento de tecnologias e de formas de gestão se davam em simultâneo com a contínua diversificação de linhas de produção, em direção às fronteiras dos ramos produtivos focalizados pela política industrial. A viabilidade do processo com pequenas margens de lucro, investimentos elevados e altamente alavancados via crédito era garantida pelo rápido crescimento da economia e das exportações. A metade dos anos 70, após o primeiro choque do petróleo, constituiu momento de mudança em alguns aspectos dessa trajetória japonesa de desenvolvimento. No plano produtivo, deu-se uma primeira onda de focalização na estrutura produtiva: ocorreu uma extroversão para países periféricos dos segmentos básicos das indústrias de processamento de recursos naturais, particularmente sem maior comprometimento de capital de risco pelas firmas japonesas (o que era obtido via joint ventures com integralização japonesa sob a forma de capitalização da tecnologia repassada; e acentuou-se a especialização e aceleração do upgrading na metal-mecânica, bem como nos segmentos menos padronizados e mais intensivos em P&D dos ramos de processamento. Foi a partir daí que se consolidou a posição de liderança de ocupação japonesa de mercados, em escala mundial, em setores como a eletrônica, a automobilística e os bens de capital. As formas de organização da produção e os métodos de gestão japoneses emergiram então como referência paradigmática em nível internacional Ao longo de 1975-85, aqueles dois movimentos implicaram maior grau de abertura comercial, mas com o dinamismo de exportações superando a maior dependência de importações. O crescimento econômico japonês (acima de 4% a.a.) manteve-se superior ao das demais economias avançadas. Em meados dos anos 80, ocorreu uma segunda rodada de focalização produtiva. A valorização do iene em relação ao dólar – a partir dos Acordos do Plaza e do Louvre – bem como as ameaças de protecionismo no exterior, face à magnitude dos saldos comerciais japoneses, induziram à adoção de estratégias de extroversão nos investimentos corporativos, dessa vez dentro da própria metalmecânica”. As primeiras notícias sobre a ida de brasileiros nipo-descendentes para trabalhar temporariamente no Japão apareceram nos meados da década de 1980, apresentando um movimento tímido quanto ao volume. Em geral, eles não tiveram grandes problemas burocráticos para entrar no território japonês, pois tinham origem japonesa (eram da primeira geração ou os próprios japoneses nascidos no Japão e/ou da segunda geração ou os filhos dos migrantes japoneses nascidos fora do Japão), logo, muitos tinham nacionalidade japonesa ou dupla nacionalidade, podendo ingressar no Japão como japoneses (Sasaki, 2006). Grosso modo, eram homens de idade avançada, chefes de família, casados, sabiam falar japonês e tinham pretensões de estada temporária no Japão (Sasaki, 1999). Conforme descrito por Canuto (1999), o boom econômico no Japão com o desenvolvimento das formas de organização da produção e métodos de gestão, principalmente nas indústrias automobilísticas, metal-mecânica e de eletrônica, houve grande necessidade de mão-de-obra estrangeira nas pequenas e médias empresas que recebiam encomendas das grandes empresas montadoras por meio do sistema de sub-contratação. A necessidade de mão-de-obra estrangeira deve-se ao fato de que como nessas pequenas empresas não havia perspectiva de carreira ou ascensão profissional, os japoneses, sobretudo os mais jovens, escolarizados, que ingressavam no mercado de trabalho, recusavam-se a trabalhar nelas, por não as considerarem oportunidades viáveis de ascensão ou mobilidade social, preferindo as empresas maiores e mais competitivas com maior possibilidade de ascensão profissional. Aliado ao fato dos japoneses mais jovens e escolarizados recusarem-se a trabalharem nas pequenas e médias empresas da base da cadeia produtiva, havia um agravante (Sasaki, 2006) de o Japão estar sofrendo com a questão demográfica, tendo uma população idosa cada vez mais numerosa, associada à baixa natalidade. Não conseguindo atrair os empregados japoneses, as pequenas empresas começaram a contar com os trabalhadores estrangeiros que aceitassem trabalhar. Neste contexto, houve grande crescimento de residentes estrangeiros ilegais. A maioria era proveniente dos países asiáticos, como Coréia do Sul, China, Bangladesh, Filipinas, Paquistão e Tailândia. Assim, em Junho de 1990, foi promulgada no Japão a lei de controle de imigração implementando uma política imigratória mais restritiva, incluindo sanções aos empregadores de trabalhadores estrangeiros ilegais, assim como aos intermediários ou contratadores que sempre recrutaram trabalhadores para as firmas japonesas. Conforme Sasaki (2006), diante da implementação de uma política imigratória mais restritiva, e uma vez que o mercado japonês estava tendo sérios problemas com a falta de mão-de-obra em setores de manufatura, esses empregadores, não apenas de firmas pequenas, mas também das grandes empresas, substituíram gradualmente os trabalhadores ilegais por trabalhadores descendentes de japoneses provenientes da América do Sul principalmente brasileiros e peruanos. Segundo Cornelius apud Sasaki (2006), a política de oportunidades de imigração facilitada para os descendentes de japoneses ou nikkeijins da América Latina é vista pelas autoridades japonesas como um meio, politicamente de baixo custo, de ajudar a resolver a falta de mão-de-obra, com a vantagem adicional de que os imigrantes com ancestralidade japonesa não são vistos a perturbar a homogeneidade étnica mítica do país. A presença brasileira começou então a se institucionalizar e se consolidar no Japão, principalmente a partir dos meados dos anos 1990, surgindo centros de atendimento, informação, orientação e apoio aos trabalhadores migrantes, de iniciativa governamental, municipal e de vários grupos de voluntários sem fins lucrativos. 5. CONCLUSÃO: O ano de 2008 marca as comemorações do centenário do início da imigração de japoneses para o Brasil. A visão do imigrante japonês como estrangeiro ou quase cidadão de baixo status social foi grandemente superada e hoje há no Brasil o maior de contingente de japoneses e descendentes fora do Japão atuando nos mais diversos setores da economia e intensivamente no meio acadêmico. O início da imigração japonesa para o Brasil foi marcado pela grande discussão política-social, pois ia contra a corrente de “branqueamento” da população vigente na época e levantava suspeitas acerca da segurança nacional já que o Japão emergia como grande potência mundial. Atualmente o fluxo migratório apresenta a característica de inversão de sentido com a crescente emigração de descendentes para o Japão objetivando, assim como seus antepassados, o suprimento de mão-de-obra não especializada No Japão, os migrantes brasileiros ainda são classificados nas atividades cotidianas como “estrangeiros”, ao lado de outros grupos populacionais como coreanos, chineses e filipinos. Além disso, o brasileiro é classificado como um trabalhador migrante de baixa qualificação e o seu trânsito na estrutura ocupacional japonesa é bastante restrito. Apesar de muitos avanços no sentido de integração à sociedade japonesa, os brasileiros enfrentam uma série de dificuldades, principalmente culturais e sociais, porém já há muitas instituições, tanto governamentais, como não-governamentais, voltadas para adaptação, recebimento e confraternização de brasileiros no Japão. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ASSIS, G. de O. SASAKI, E. M. 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