1 A DEPENDÊNCIA QUÍMICA SEGUNDO A OPINIÃO DOS DEPENDENTES EM TRATAMENTO SANTOS, Edna Mattos∗ KAPPANN, Jair Izaías∗∗ ROSA, Adalberto Jesus Silva da∗∗∗ RESUMO: Consumir drogas é uma prática humana milenar e universal, não existindo sociedade que não tenha feito o seu uso, em algum momento, com as mais diversas finalidades. Atualmente, o uso indiscriminado constitui um grave problema social, e o número de jovens que entram em contato com as drogas é cada vez maior e a faixa etária desses jovens vem diminuindo a cada ano. Diante desses dados, o problema a ser pesquisado neste estudo justificase pela necessidade de que para diminuir o preconceito e esclarecer o estigma em torno do fenômeno das drogas e de seus usuários, é primordial que se ouça do próprio dependente o significado da dependência química, para que se faça uma discussão ampla, tendo-se como referência à relação proveniente da interação entre o indivíduo, o meio social e a droga. Assim, buscamos compreender, por meio do discurso do usuário, o significado que ele atribui à dependência química; quais os preconceitos, no seu ponto de vista, que a sociedade tem sobre ele e também quais os aspectos que o dependente químico em tratamento atribui como positivo ou negativo em sua recuperação. Para realização deste trabalho foi efetuada uma pesquisa de campo em quatro instituições que oferecem tratamento para dependentes de drogas. Utilizandose como critério de escolha dos sujeitos, àqueles que estivessem em tratamento (acompanhamento) nestas instituições e, após serem devidamente esclarecidos sobre este estudo aceitaram voluntariamente participar da pesquisa. Os dados foram coletados através de entrevistas não estruturadas, com a finalidade de obter descrições detalhadas sobre o tema investigado, utilizando a questão norteadora: "O que é para você ser dependente de drogas?”. Para análise dos dados foi utilizada a análise de conteúdo proposta por Bardin (1977), que é amplamente usada para a análise de dados de pesquisas qualitativas. Os resultados preliminares obtidos até então, apontam que dificilmente se determina com precisão, quando uma pessoa se torna dependente de uma substância; essa dependência se instala de forma gradativa, inicialmente sem uma dependência significativa, até uma dependência grave, com conseqüências físicas, mentais e sócio-econômicas, desse modo, através dos dados analisados até o momento, é possível dimensionar a complexidade do fenômeno da dependência química e os diversos fatores a ela associada. Trata-se de uma doença, já reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas que nem sempre é encarada de um modo adequado pela sociedade e às vezes dentro da própria família, o que dificulta consideravelmente a eficácia do tratamento. ∗ Acadêmica de Psicologia - (FASU/ ACEG). E-mail para contato: [email protected] ∗∗ Docente do curso de Psicologia (FASU/ ACEG) ∗∗∗ Coordenador do CAPS-ad (Centro de Atenção Psicossocial ao Usuário de Álcool e Drogas) 2 A dependência química segundo a opinião dos dependentes em tratamento SANTOS, Edna Mattos KAPPANN, Jair Izaías ROSA, Adalberto Jesus Silva da RESUMO Este artigo apresenta alguns resultados de uma pesquisa realizada com dependentes químicos em tratamento, que teve como objetivo compreender o significado desta dependência em suas vidas, bem como as causas por eles atribuídas para o inicio do uso de drogas psicoativas. Aponta também os diferentes fatores psicológicos e sociais relativos ao tratamento. Palavras Chaves: Dependência química; tratamento; drogas psicoativas. Tema Central: Psicologia. ABSTRACT: This article presents any results of a research accomplished with chemical dependent in treatment, that have with objective to understand the meaning of this dependence in your lives, as well as the causes for them attributed for begin the use of psicoatives drugs. It also points the different psychological and social factors relative to the treatment. Keywords: Chemical Dependent; treatment; Psicoatives drugs. Fear Central: Psicology 1. INTRODUÇÃO Consumir drogas é uma prática humana milenar e universal, não existindo sociedade que não tenha feito o seu uso, em algum momento, com as mais diversas 3 finalidades (FEIX, 1996). Na história remota da humanidade, as drogas eram utilizadas tanto para práticas médicas como para rituais religiosos, exercendo domínio e fascinação sobre os homens. Desse modo, pergunta-se: Qual o poder que a droga possui e exerce sobre os seres humanos? O que leva um indivíduo a se tornar dependente com prejuízos à sua vida pessoal e social? A busca de respostas para perguntas como essas, nos levam a uma melhor compreensão dos fatores que envolvem tal questão e uma abordagem multidisciplinar é a que se mostra mais eficaz como forma de tratamento. O tema drogas tem sido amplamente discutido na atualidade, não apenas pela onda de criminalidade promovida pelo tráfico em muitos lugares do mundo, mas também pelo efeito que causa na vida de famílias inteiras, que se vêem, de repente, envolvidas com a questão da dependência. A escalada da dependência começa com o uso experimental; primeiro por curiosidade, sem padrão de uso, depois o uso social só nos finais de semana até o uso habitual, quando se escolhe pessoas e lugares ligados às drogas, passando para o uso abusivo, pela busca do prazer que a droga oferece, iniciando assim, a perda do controle chegando à dependência química. Segundo Ballone (2002), experimentar substância psicoativas é uma decisão de caráter pessoal, mas tornar-se dependente após o uso repetido, vem a ser, não uma decisão consciente e informada pela pessoa, nem o resultado de uma fraqueza moral, mas sim, o produto de uma complexa combinação de fatores genéticos, fisiológicos e ambientais. A dependência pode ser vista também, como um processo de aprendizagem que envolve zonas essenciais do cérebro, assim, uma pessoa ao consumir substâncias 4 psicoativas, sente um efeito altamente satisfatório ou reforçador que ativando os circuitos no cérebro torna mais provável que tal comportamento se repita. Em certas pessoas, esse consumo evolui para padrões de comportamento compulsivos de procura e consumo, à custa de maior parte de outras atividades, provocando uma incapacidade de parar com o consumo, envolvendo uma complexa rede de fatores psicológicos, neurológicos e sociais. Ao estudarmos as dependências, é importante não esquecermos que, ao longo da vida, muitos indivíduos experimentam algumas substâncias que podem causar dependência e não se tornam dependentes. O que nos mostra que há diferenças individuais quanto à vulnerabilidade as farmácodependências devido a fatores genéticos e ambientais. Abordar a dependência química como um distúrbio crônico, não indica que a dependência termina ao remover a droga do organismo. Talvez a dificuldade em encarar a dependência química como tal, esteja no fato de que esta seja percebida como um problema social ou uma deficiência de caráter e não como um problema de saúde, demonstrando com isso a necessidade de mudarmos nossos conceitos a respeito desse assunto tão polêmico no sentido de encararmos a dependência como um tratamento que vale a pena, mobilizando a família, a sociedade, os órgãos de saúde e de governo na recuperação desses indivíduos que vivem à margem da sociedade, pois o tratamento da farmácodependências não tem como único objetivo abandonar o consumo é também um processo terapêutico que implica alterações comportamentais, intervenções psicossociais e muitas vezes, o uso de drogas psicoativas de substituição. A dependência pode ser tratada e controlada de maneira efetiva e a baixo custo, salvando vidas, melhorando a saúde de indivíduos afetados e de suas famílias, e reduzindo os custos para a sociedade. 5 Dessa forma, entender o toxicômano, o mundo no qual ele está preso sem encontrar a saída é o que nos despojará do preconceito permitindo uma nova percepção do dependente. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Para realização deste trabalho foi efetuada uma pesquisa de campo em quatro instituições que oferecem tratamento para dependentes de drogas. Foi utilizado como critério de escolha dos sujeitos, àqueles que estivessem em tratamento (acompanhamento) nestas instituições e, após serem devidamente esclarecidos sobre este estudo aceitaram voluntariamente participar da pesquisa. Os dados foram coletados através de entrevistas não estruturadas, com a finalidade de obter descrições detalhadas sobre o tema investigado, utilizando a questão norteadora: "O que é para você ser dependente de drogas?”. Para análise dos dados foi utilizada a análise de conteúdo proposta por Bardin (1977), que é amplamente usada para a análise de dados de pesquisas qualitativas. 3. RESULTADOS PRELIMINARES E DISCUSSÃO Dificilmente se determina com precisão, quando uma pessoa se torna dependente de uma substância; essa dependência se instala de forma gradativa, inicialmente sem uma dependência significativa, até uma dependência grave, com conseqüências físicas, mentais e sócio-econômicas. As falas abaixo refletem as causas do inicio do consumo de acordo com os usuários entrevistados. Curiosidade “Curiosidade, eu tenho certeza, fui querer fumar droga pra ver como que era, como que era a brisa. Deixa eu ver como é, as pessoas ficam dando risada, isso e aquilo. Fui tendo curiosidade e... Porque tem muita gente que vai por curiosidade, quer usar a droga pra ver como é, ver a reação, essas coisas...” (M33B). 6 “Eu sempre tive medo, mas nunca deixei de ter uma pontinha de curiosidade”. (R35C) “Na hora era diversão e curiosidade” (R35C) Busca de prazer “Eu nunca ouvi que a droga era do mal pra mim, por causa que eu tinha prazer em estar usando” (R24B). “Eu estou achando que eu vou ter alta em breve aqui da clinica e eu estou assustado. Eu estou assustado porque quando eu penso na cocaína, no prazer que ela dá, eu tenho até um frio na barriga” (R35C). “Droga igual a êxtase, igual a muito prazer” (R35C). Problemas na família “Eu guardei essa magoa do meu pai, para justificar o uso da droga, eu não sei se é isso mesmo. Eu ficava na rua por causa dele, ele não me aceitava dentro de casa”. “... Talvez o tratamento aqui seria bom se fosse os pais que tivessem uma orientação sobre isso, porque às vezes a gente busca falar e não encontra palavras” (R24B). “Eu comecei a usar drogas com 12 anos, eu comecei a me envolver com essas pessoas. Tinha também a minha mãe, que brigava comigo, batia em mim e eu saía pra a rua para usar droga” (A22B). “Eu penso que eu comecei a usar droga pelo fato de eu ter tido uma infância com muita liberdade, sem regras, sem muita disciplina” (D28C). Os extratos acima corroboram a opinião de muitos estudiosos sobre a importância desses fatores no inicio do consumo, bem como no desenvolvimento da doença. A curiosidade e a busca de prazer principalmente na adolescência (BUCHER, 7 1992); a importância da família como um fator de risco ou de proteção (SHENKER & MINAYO, 2004). Drogas preferidas Nas falas abaixo é possível identificar uma nítida preferência do usuário por determinada droga que mais o satisfaz, estabelecendo-se uma ligação particular com a mesma, o que deve ser levado em conta para compreender a natureza da dependência daí oriunda. “Eu não gostava de maconha, eu só fumava maconha quando eu não tinha pedra, então se tivesse a pedra, com certeza eu ia fumar pedra” (R24B). “Crack, mas eu já usei maconha, cocaína, cheirei thinner, cheirei cola, já bebi bebida alcoólica e agora ultimamente eu só estava usando maconha e crack”. (A22B). “Eu fui pego mesmo pela cocaína, a cocaína dá uma sensação de êxtase muito forte, uma sensação de onipotência. Você se sente de outro mundo”. (R30C). Uso do álcool com outras drogas Todos os usuários entrevistados relatam o consumo concomitante de bebidas alcoólicas juntamente com outras drogas: “A cocaína ela faz a pessoa beber muito e não dorme a noite, não dorme, não sente fome. A pessoa fica com a boca seca, ressecada, por isso que bebe muito, porque resseca, fica com a boca seca e vai bebendo cerveja, cerveja...” (M33B). 8 “Apesar de eu não ter desenvolvido a dependência do álcool, porque ela leva anos para se instalar e eu não era uma pessoa que bebia com freqüência. Eu bebia de vez em quando, eu gostava de ficar alterado pelo álcool, então eu posso dizer que alterar meu estado de consciência me dá prazer. (R35C)”. Consciência dos danos causados pelo uso de drogas Os entrevistados enfatizam também os danos causados pelo uso de drogas e as sucessivas perdas que tiveram, assim como a dificuldade de se manterem abstinentes. “Eu fazia mais de birra do que por necessidade, porque eu sabia que depois da droga tinha a depressão”. (R24B). “Eu tenho que ficar o tempo inteiro com aquela coisa na cabeça: droga igual a perda, igual a desgraça, igual a ruína, igual a fundo de poço” (R35C). “As duas ultimas recaídas que eu tive me levaram a dois surtos psicóticos, onde eu passei muito mal. Tive que ser medicado pesadamente, eu tive dores fortíssimas no corpo por causa da abstinência ou por causa da somatização, e eu estou bastante assustado”. “... Eu estou muito perto de ter um surto sem volta, virar um psicótico e ter que viver num hospital psiquiátrico o resto da vida” (R35C). Dificuldade de deixar de usar substâncias psicoativas “É possível, só que a pessoa que fala: Eu vou parar sozinho, é difícil, se não pedir uma ajuda, não pára não, é difícil. Depois que a pessoa fica dependente da droga, é difícil mesmo, porque ela vai querer se distrair com ela, qualquer problema que você tem na cabeça, você quer usar a droga para esquecer”.(M33B). “Para quem está fora, parece que é uma coisa simples assim, simplesmente você não cheirar aquele pó branco, mas é muito difícil, é muito difícil”.(R35C). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 9 Através dos dados analisados até o momento, é possível dimensionar a complexidade do fenômeno da dependência química e os diversos fatores a ela associada. Trata-se de uma doença, já reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas que nem sempre é encarada de um modo adequado pela sociedade e às vezes dentro da própria família, o que dificulta consideravelmente a eficácia do tratamento. 5. REFERÊNCIAS BALLONE G.J. Dependência Química, in. PsiqWeb, Internet disponível em <http://sites.uol.com.br/gballone/psicossomatica/drogas.html>revisto em 2003. Acesso em 05/07/04 BARDIN L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BUCHER, R. Drogas e drogadição no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. FEIX, R. Drogas: uso, abuso e dependência. In: DUNCAN, B.B. SCHMIDT, M.I., GIUGLIANI, E.R.J., et.al. Medicina ambulatorial: condutas clínicas em atenção primária, 2ed.Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1996. cap.90,p.537-549. SCHENKER, M; MINAYO, M.C.S. A importância da família no tratamento do uso abusivo de drogas: uma revisão da literatura. Cad. Saúde Pública, 20(3): 649-59. maijun., 2004.