3. Em Diálogo com as Novidades 3.1 Os Horizontes Geográficos A publicação de relações de viagens, valiosas reportagens do avanço em mares ignotos, representava um inesgotável manancial de informações que, distribuído pelas várias áreas do saber, contribuiria incontestavelmente para a reavaliação conceptual do espaço terrestre. Ao traçarem um novo esboço da terra, redefinirem regiões geográficas, esquissarem novos continentes e, mais, apresentarem povos até então desconhecidos, estes opúsculos revelavam inesperadamente um mundo ilimitado e surpreendente. A leitura destas obras desencadeava, incondicionalmente, um efusivo e fervoroso diálogo com as novidades; a revelação estonteante de novos conteúdos informativos sobre o orbe terráqueo impunha-se a par e passo como um alicerce indispensável para uma evolução da concepção do espaço terrestre. Levanta-se então uma questão relacionada com o tipo de informações prevalecentes no meio cultural europeu aquando da chegada destes escritos. E a esta prende-se uma outra: qual foi o seu impacto e ressonância nas publicações coevas. O propósito de responder a este rol de questões será o trajecto que iremos esboçar, ao longo das páginas imediatas, buscando quais as reais e intrincadas manifestações do diálogo com as novas novidades descritas na Literatura de Viagens. A imagem do mundo, tal como era conhecida, não correspondia ao esboço recém formulado. Os homens de letras regozijam-se com as novas descobertas sobre os contornos do mundo e fazem-lhes referência nas obras que editam. Mas como os dariam a conhecer, isto é, como interpretariam os testemunhos expostos nos relatos de viagens? As iniciativas então levadas a cabo teriam o intuito de realizar uma reconstrução do sistema prevalecente, actualizando-o. Mas esta suposta integração no traçado ptolomaico prepara aos ditosos construtores do mundo indefinidas dificuldades. Representam estas novidades descobertas além-mar um inesperado mundo novo ou seriam apenas parte do velho mundo até agora ignorada? Neste estudo e análise da nova concepção do espaço terrestre, o continente africano surge como um exemplo especialmente interessante e representativo. Considerado concluído o conhecimento da sua forma e características, com as viagens marítimas portuguesas, os contornos deste continente declaram-se erróneos. Será, desvendando-se extraordinárias e 136 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES inquietantes informações sobre o traçado das suas costas e o seu interior, que se irá pôr em marcha um processo de recepção ou evolução conceptual do espaço terrestre num diálogo exemplar e sintomático com as novidades. 3.1.1 A Descoberta de um Novo Mundo As teorias formuladas na Antiguidade Clássica determinavam diferentes traçados para o formato do continente africano. Em especial, e no que concerne à zona equatorial, o geógrafo alexandrino Ptolomeu (séc II d.C.) considerava que a extremidade sul africana estender-se-ia de tal forma para sueste e sudoeste que se encontraria com a Península asiática; assim, na sua opinião, o Oceano Índico seria um mar interior fechado. Em contrapartida, seguindo Macróbio (séc V d.C.), outra das mais conceituadas e defendidas teorias, o continente africano teria uma forma mais ou menos rectangular, que se estenderia até ao Equador, formando o Oceano Atlântico com o Índico um mar único.1 Macróbio que pressupunha a existência de um outro continente, um bloco único situado paralelamente à Europa, Ásia e África,2 dividiria a terra em zonas climáticas, nomeadamente duas polares, uma equatorial e duas temperadas. As duas últimas seriam habitadas, enquanto as zonas polares demasiado frias e, por seu lado, a zona equatorial demasiado quente, não permitiriam a vida humana. Na zona temperada ao sul do Equador viveriam os antípodas.3 Se as reflexões de Macróbio encontrariam já na Idade Média uma grande ressonância, a teoria de Ptolomeu só em 1410 seria divulgada numa tradução latina de Jacobo Angiolo. Publicada pela primeira vez em 1. Sobre estas teorias, veja-se entre outros, Joachim G. Leithäuser, Mappae Mundi, Die gestige Eroberungen der Welt, Berlim, 1958 e Leo Bagrow, Die Geschichte der Kartographie, Berlim, 1951. 2. Macróbio apresenta estas suas concepções num comentário à obra de Cícero intitulado Interpretatio in Somnium Scipionis, que viria mais tarde a ser divulgado por Martin Capella. Veja-se W. G. L. Randles, L'Image du Sud-Est Africain dans la Littérature Européenne au XVIe Siécle, Lisboa, 1959, p. 3. 3. A existência de antípodas justificada por Platão seria já durante a Idade Média posta em causa, sem que, no entanto, se refutasse a existência de um continente ao sul do Equador. Se, de facto, existissem os antípodas, estes seriam, tal como os povos europeus, filhos de Adão, ocupando-se, entre outros, Santo Agostinho da questão como teriam estes ultrapassado o Equador considerado intransponível. Cf. Aurelius Augustinus, De civitate Dei, 2 vols, Zurique/Munique 2 ed. 1978, pp. 293-978 (= Livro 16, Cap. 8 e 9). OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 137 Vicenza no ano de 1475, seguir-se-lhe-iam várias edições: na cidade de Florença em 1477 e em Roma nos anos de 1478 e de 1490; a primeira edição alemã viria a lume na cidade de Ulm, em 1482. Nos meados do século XV assistir-se-ia, assim, a um renascimento do autor da Antiguidade Clássica que traçara os fundamentos teóricos correntes aquando do início das viagens marítimas. Curiosamente, e como já foi anotado por diversos historiadores ir-se-ia registar um intervalo nas publicações da Geografia de Ptolomeu precisamente entre 1490 e 1507, data da publicação da Cosmografia de Martin Waldseemüller e Matthias Ringmann.4 No dealbar do século XVI, os dados das viagens dos Descobrimentos passariam a constituir uma fonte geográfica fundamental, que os eruditos europeus não podiam descurar nos seus estudos e publicações, urgindo inserir os novos dados no sistema ptolomaico. Assim, e como se pode testemunhar nas reedições de Ptolomeu, estas obras estabelecem um intensivo e constante diálogo com as novidades reveladas pelos navegadores ibéricos. É o caso, por exemplo, da Geographia de Martin Waldseemüler (1513),5 um verdadeiro marco nas edições da obra ptolomaica. Às vinte e sete tábuas do geógrafo alexandrino, Waldseemüller associa vinte tábuas novas. Entre estas são de referenciar cinco, cujo traçado e registo testemunham o reflexo dos descobrimentos portugueses e espanhóis, publicadas no In Claudii Ptolomei Supplementum, depois da impressão das cartas já conhecidas, nomeadamente duas para a África e três para a Ásia. Uma outra carta denominada Typus orbis universalem juxta hydrographorum traditionem chama a atenção do leitor para as navegações dos reis de Portugal,6 a quem se deveria entusiasticamente agradecer esta grandiosa e inaudita empresa ultramarina. Já, em 1507, o geógrafo Martin Waldseemüller publicara na sua Cosmographia Introductio7 mapas e cartas particulares, onde se reconhece 4. Sobre a autoria desta cosmografia, veja-se o comentário de Eberhard Schmitt in: Matthias Meyn, Manfred Mimler, Anneli Partenheimer-Bein e Eberhard Schmit, (Ed.), Die Großen Entdeckungen, Munique, 1984, pp. 13-15. 5. Martin Waldseemüler, Geographie, Estrasburgo, 1513. 6. Embora no texto se refira erroneamente como rei de Portugal, D. Fernando. Veja-se Armando Cortesão, History of Portuguese Cartography, 1 vol., Coimbra, 1969, p. 131. 7. Martin Waldseemüller/Matthias Ringmann, Cosmographiae Introductio, St. Dié, 1507. Importa não negligenciar o subtítulo: Vniuersalis Cosmographiae descriptio tam in solido quam plano/ eis etiam insertis quae Ptholomeo ignota a nuperis reperta sunt. 138 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES não só a influência das viagens dos Descobrimentos,8 mas também a utilização de cartas portuguesas.9 Em 1516, Waldseemüller voltaria a publicar uma carta-mundi que, como o título indica, Carta Marina navigatoria Portugallen se baseia nos novos conhecimentos dos nautas portugueses. Mas se a representação cartográfica dos novos elementos geográficos é relativamente rápida,10 a inserção destas informações nos textos referentes à expansão marítima vai levar o seu tempo. Na Geographia de Martin Waldseemüller as novas tábuas viriam significativamente impressas como um "suplumentum", ou segundo se formula, em 1507, como um mundo "Extra Ptolemaeum". As viagens dos Descobrimentos - vistas e apresentadas como algo de extraordinário e invulgar - revelavam primamente um outro mundo que, aliás, existia paralelamente aos fundamentos correntes, ideia que irá permanecer durante mais de um século. Ao longo do século XVI assistimos a uma exaustiva publicação da Geografia de Ptolomeu: vinte e duas edições viriam a lume entre 1507 e 1548. Em 1522, por exemplo, o médico e homem de letras Laurentius Frisius11 reeditava a edição de Martin Waldseemüller. Em 1525, o humanista Willibald Pirckheimer12 deita mãos a uma nova tradução do texto 8. Segundo Lucien Gallois, Les Géographes Allemands de la Renaissance, Paris, 1890, p. 50, Martin Waldseemüller nem sempre segue as informações dos navegadores no que respeita ao traçado da costa ocidental africana na zona do Equador. 9. Gaultier Lud informa no seu Speculi Orbi (Saint Dié, 1507) que estaria a preparar juntamente com Waldseemüller mapas das regiões descobertas pelos portugueses, cuja feitura se ficaria a dever a cartas que recebera de Portugal. De facto, Waldseemüller utilizaria o planisfério de Cantino (1502), e nos trabalhos datados de 1513 e de 1516 também o de Caverio, a carta de Juan de la Cosa (1500), tal como a de Martellus. Sobre este tema, veja-se Armando Cortesão, op. cit., pp. 133-34. 10. As viagens de Diogo Cão e Bartolomeu Dias viriam a ter as suas ressonâncias nos mapasmundi de Martellus (1489) e de Juan de la Cosa (1500). Mas poder-se-iam ainda referenciar os mapas de Cantino (1502), de Caverio (1502) e a chamada carta de Hamy (1502), onde é declaradamente visível a influência das viagens portuguesas. Veja-se A. Teixeira da Mota, Influence de la Cartographie Portugaise sur la Cartographie Européenne a l'Époque des Découvertes, in: Michel Mollat, Paul Adam (Ed.), Les Aspects Internationaux de la Découverte Océanique aux XVe et XVIe siècles, Paris, 1966, pp. 223-248. 11. A edição de 1520 publicada em Estrasburgo é uma reedição da de 1513. A de 1522 da autoria de Laurentius Frisius viria também a lume na cidade de Estrasburgo. Veja-se Rodney W. Shirley, The Mapping of the World, Early Printed World Maps 1472-1700, Londres, 1984. 12. Willibald Pirckheimer, Geographia, Estrasburgo, 1525. Pirckheimer ocupa-se ainda com as viagens dos descobrimentos na sua obra Germaniae ex variis scriptoribus perbrevis explicatio, Augsburgo, 1503; embora aluda às descobertas das navegações, procura com base em autores clássicos demonstrar que, por exemplo, as ilhas agora descobertas já seriam conhecidas dos europeus. Também Konrad Peutinger nos Sermones convivales... s. l., 1506, OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 139 original, utilizando as cartas que Laurentius Frisius efectuara três anos antes. Dois anos mais tarde, em 1541, Michael Severt publicá-la-ia, na cidade de Lion; nesta edição o texto da autoria de Ptolomeu viria a público, como até aqui, na íntegra, mas o autor sentir-se-ia mais à vontade para elaborar comentários que edita à margem do original; numa coluna exterior, o autor inscreve notas, faz esclarecimentos, especifica e assinala a fonte utilizada e chega mesmo a rectificar conceitos utilizados por Ptolomeu. Aqui urge indagar quais os escritos a que o autor recorre para formular as suas interpretações e mesmo interpelações? Na verdade, deparamos com múltiplas referências a Plínio, Homero, Tácito, Estrabão, Diodoro Sículo e Solino; mas, para além destes, descobrimos igualmente alusões a autores como Luís de Cadamosto, Américo Vespúcio, Petrus Martyr ou Ludovico Vartema, isto é, a relatos de viagens há pouco divulgados e directamente relacionados com a empresa marítima. Por vezes mencionam-se ainda localidades ou designações descritas nas viagens de reconhecimento, sem indicar qualquer tipo de fonte. Como verdadeiro humanista que se preza ser, o autor recorre no seu comentário tanto às fontes escritas por renomeados autores da Antiguidade Clássica, como a fontes coevas e específicas das viagens dos Descobrimentos, facto este que nem sempre se têm tido em conta na recepção da Antiguidade Clássica. Se o estudo nasce primamente de um interesse pelos textos clássicos originais, o ensejo de conhecimento impele os homens de letras à erudição de escritos coetâneos. E daí que muitos autores germânicos não fiquem presos às concepções ajustadas, mas pelo contrário, olhem, sem fronteiras epistemológicas, em seu redor em nome de uma suma compiladora de saber. Quando no texto de Ptolomeu se fala de Hesperides, à margem encontramos anotado: "Caputi Viride, Cabo Verde, Aethiopibus Bisecher, accolis Mandanga dicitur referente Alberico Vesputio: post quod est Regnum Gambrae Cadamusto".13 Que o horizonte conhecido aumentara comprovam-no os textos de Vespúcio e Cadamosto que o autor logo se prontifica a anotar. Convém salientar a importância que seria atribuída ao texto de Cadamosto, uma fonte inestimável na divulgação das viagens dos portugueses ao longo da linha costeira africana. Repondo dados ao saber Folha b iij, refere com entusiasmo as navegações dos Lusitanos no Oceano Índico, para logo a seguir mencionar que as viagens dos portugueses estariam na tradição das de Plínio, Hanão e Pompónio Mela. 13. Idem, p. 77. 140 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES ptolomaico, o autor não deixa der ser fiel ao lema máximo de um homem de letras humanista. Assim, à seguinte descrição da Líbia de Ptolomeu "Adhuc antem versus ortun , iuxta totam libia, Regio multa Aethiopum est, in qua Elephantes candidi omnes giginuntur, & Rhinocerotes, & Tigrides. Juxta antem tenram incognitam regio Aethiopum, quae latissime extenditur, nocaturqz Agisymba", Münster acrescenta "Regnum Melli v Nebeorum v terra papagay".14 Mais uma vez a anotação deverá alertar para uma rectificação dos domínios da terra incógnita, Etiópia. Numa outra passagem do texto menciona-se "Malacha nunc dicitur mirae magnitudinis, à Portugalensibus ni capta: quod testatur epistola Emanuelis regis ad Leonem decimum".15 Estes, e muitos outros exemplos, revelam a necessidade de completar as designações dadas por Ptolomeu, o que significava também um esforço heurístico de interpretação e análise dos textos recentemente divulgados sobre as navegações dos portugueses até à Índia, mesmo que, por vezes, apenas se ficasse pela mera referência a fontes escritas coevas. Poder-se-ia então julgar que a rectificação se verificaria só em relação às informações coevas mas, como podemos testemunhar, existem igualmente alguns exemplos da utilização de fontes da Antiguidade Clássica em correcção das afirmações e apontamentos atribuídos a Ptolomeu. Assim, como num verdadeiro estudo crítico e interpretativo, quer se trate de autores da Antiguidade Clássica, quer de contemporâneos importa, tendo em atenção um conhecimento global do mundo, reactualizar e complementarizar o horizonte do saber. Esta a premissa da Geografia de Sebastian Münster, publicada em 1540, na cidade de Basileia. Também aqui se acompanha a obra do geógrafo alexandrino anotando-o com esclarecimentos em letra cursiva, de modo a se distinguirem do texto original - esta a forma escolhida pelo humanista de editar a fonte orginal com o seu comentário, devidamente enunciado, e em perfeita harmonia documental, como se conhece numa edição clássica. Como estudo linguístico e de interpretação, esta edição de Sebastian Münster representa o apogeu na recepção da cartografia ptolomaica. A partir desta obra, que funciona como protótipo para as edições seguintes, 14. Idem, p. 81. 15. Idem, p. 121. A Epistola Potentissimi ac inuictissimi Emanuelis Regis Portugaliae & Algarbiorum/ &c. De Victoriis habitis in India / & Malacha... Leonem X já se tinha publicado em Roma e em Colónia no ano de 1513. Existem traduções alemãs publicadas no mesmo ano em Augsburgo e possivelmente em Nuremberga Abtruck ains lateinischen sandtbrieves an babstliche heiligkeit/ von Künigklicher wurden zü Portegall dis iars ausgangen von der eroberen stat Malacha: anderen künigrychen vnd herschafften in India... do mesmo ano. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 141 verifica-se uma estabilização editorial; aqui formula-se o modelo da metodologia humanista. Mas os geógrafos alemães não se ocupam dos novos conhecimentos vindos de além-mar apenas nas reedições de Ptolomeu. Os reflexos das viagens dos Descobrimentos são também perceptíveis noutros escritos e trabalhos de natureza geográfica. É o caso, por exemplo, dos da autoria de um representante da escola de Nuremberga, Johan Schöner. Quer nos globos feitos em 1515 e 1523 - onde regista com designações portuguesas os novos locais africanos -, quer na obra Luculentissima quedã terrae totius descriptio,16 Johan Schöner revela-se atento às principais noções descritivas da terra, uma das razões que o levam a publicar este opúsculo. Na Luculentissima, também compreendida como texto comentário e explicativo dos globos, Schöner segue primeiramente o esquema tradicional no esquisso do continente africano, para, quase no final da obra, inaugurar um capítulo denominado "extra has partes. Aethiopia".17 Neste capítulo esclarece que as navegações portuguesas realizadas até Calecute teriam descoberto uma "Nova terra ad aust.", isto é, uma terra completamente desconhecida de Ptolomeu. Num registo destas "Novae navigationes: et terrae ad austrun inuente", Schöner destaca os novos locais das costas africanas com as respectivas latitudes; e, como ele próprio refere, baseia-se em observações feitas entre os anos 1508 e 1513. A razão porque esta interessante listagem dos valores da latitude oferece estas datas, tem a ver com as obras que Johan Schöner usou como fonte para a realização deste capítulo. Com efeito, 1508 é a data da publicação em Nuremberga da tradução da obra Paesi novamente retrovati18 e 1513 corresponde ao ano em que viera a lume a Geographia de Martin Waldseemüller. Estas seriam, por conseguinte, as fontes primárias para a sua lista, bem como para a redacção do seu capítulo. Mais uma vez é o texto de Cadamosto que servirá de divulgador de dados geográficos e gerais na descrição da costa africana ocidental. Se por um lado são notórios os progressos na representação cartográfica dos contornos referentes ao continente africano, por outro lado a apresentação do novo espaço terrestre permanece, nos primeiros textos ou compêndios, praticamente, sem qualquer alteração. As novidades divulgadas em relação ao continente africano teriam de aguardar alguns anos até serem integradas nas doutrinas científicas. Por enquanto, estes 16. Johan Schöner, Luculentissima quedã terrae totius descriptio..., Nuremberga, 1515. 17. Idem, p. Hiiii. 18. Veja-se o cap. 1.2. 142 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES dados informativos constituiam apenas um suplemento, um apêndice, cujo lugar adequado ainda não fora definido. As referências à passagem do Cabo da Boa Esperança seriam, de início, inseridas num pequeno apêndice ao texto original. E caso os autores intentassem mencionar pouco a pouco os dados recentemente adquiridos, não o fariam sem estabelecer um paralelismo com a realidade conhecida. Tomando como exemplo o Cabo da Boa Esperança, podemos constatar que a ponta extrema do continente africano corresponderia sem qualquer interpelação ao Promontório Prassum, designação do cabo mais ao sul da Geografia de Ptolomeu. Vejamos o que Johan Schöner escreve no seu Opusculum geographicvm:19 "Extremum Ptolomeo cognitum Prassum promontorium, verum nostra aetate tota haec portio à Portugalensibus inventa est".20 O dado recentemente divulgado é inserido no mapa-múndi, mas sem que se ponha em causa a nomenclatura ptolomaica: o Cabo da Boa Esperança seria naturalmente o Cabo Prassum. No gesto de adicionar a nova informação à tábua de Ptolomeu, não só se menospreza o conteúdo informativo real, como ainda a informação recentemente divulgada deverá comprovar o dado tradicional. O autor não deixa, todavia, de mencionar algumas regiões há pouco descritas e situadas na costa ocidental africana. É o caso da "Gambia", "Ginora" e do "Melli regnum". No vigésimo capítulo, significativamente intitulado "De Regionibus extra Ptolomaeum", Johan Schöner alude às viagens de Cristovão Colombo, de Fernão de Magalhães e de Marco Polo, dando ainda algumas informações sobre as Molucas, a Hispaniola e o Brasil.21 Também na Geographia liber vnvs,22 Henricus Glareanus, após explanar os princípios geográficos determinantes da visão do mundo, traça uma descrição do continente africano, em que salienta a passagem do "extremum Ptolomaeo cognitum Prassum" pelos nautas portugueses. E num capítulo, cujo título se vai tornando usual, "De regionibus extra Ptolameum", refere as viagens marítimas portuguesas até Calecute, bem como as empreendidas para Ocidente por Cristovão Colombo e Américo Vespúcio. 19. Johan Schöner, Opusculum geographicvm, Nuremberga, 1533. 20. Idem, p. E. 21. Em 1514 viera a lume em Nuremberga uma publicação sobre o Brasil intitulada Copia der Newen Zeytung auß Presillg Landt, que Johann Schöner utiliza como obra de consulta. 22. Henricus Glareanus, Geographia liber vnvs, Basileia, 1527. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 143 Na segunda década do século XVI, o letrado Laurentius Frisius publica uma Uslegung der mercarthen oder Cartha marina,23 a pedido do editor Johannes Grüningen. Laurentius Frisius, que, em 1522, tinha publicado uma Geografia de Ptolomeu, pretende, em 1525, reeditar a Carta marina de Martin Waldseemüler (1516) com um comentário explicativo. Com efeito, este seu escrito trata-se de um índice, por ordem alfabética, dos diferentes continentes, países e cidades do mundo. Ricamente ilustrado, este texto revela-se como um importante e inestimável documento sobre as viagens marítimas. Laurentius Frisius, na esteira de Martin Waldseemüller, reconhece a necessidade de corrigir a tradicional descrição do mundo. Assim, a sua obra "corrigiu, aperfeiçou e explicou"24 o sistema prevalecente, e isto diz respeito principalmente à geografia legada por Ptolomeu. Tal como afirma no seu prólogo, e de acordo com o espírito educativo humanista, Frisius recolheu as suas informações nas obras de autores clássicos, mas também em textos recentemente publicados, pois trata-se de "uma carta marítima de todo o mundo descoberto pelas navegações dos portugueses em geral da terra e mar, forma, natureza aspectos, regiões recentemente corrigidos e anotados diferentemente pelos antigos".25 Depois de tecer algumas considerações sobre os princípios elementares da geografia, Laurentius Frisius enumera diferentes países, cidades e continentes do mundo e, entre estes, aparecem nomes de localidades há pouco descobertas. Assim, nomeia no que respeita ao continente africano o "Cabo de bona speranza"; o "Cabo Verde", uma ilha muito bonita onde habitam os negros do Senegal; "Melli", um reino situado na Terra dos Negros, onde faz muito calor; a "Nubia", o "Priester Johannes" e o "Senegal". A novidade deste texto está, contudo, no facto de, pela primeira vez, se realizar uma integração de zonas até agora desconhecidas, não num apêndice como até aqui, mas sim a par com as informações já existentes. Ao introduzir esta estruturação, Laurentius Frisius introduz uma correcção, ou melhor, uma complementarização dos núcleos informativos 23. Laurentius Frisius, Uslegung der mercarthen oder Cartha marina. Darin man sehen mag/ wo einer in der Welt sey, vnd wo ein yetlich Landt/ wasser vnd Stadt gelegen ist. Das alles in dem büchlin züfinden, Estrasburgo, 1525. 24. "[...] was gebessert /erstattet vnd erklert hab". Segundo a edição consultada de 1527, prólogo. 25. "Ein merkart der portugalischen vnd gantzen erkanten Welt schiffungen des erdreichs vnd mers/ gestalt/ natur gelegenheiten vnd gegnen/ nüwlichen widerumb gebessert/ vnd von dargebung der alten vnderschiden/ in gemein/ anzogend". Idem, prólogo. 144 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES existentes. Sem fugir aos princípios geográficos de raiz erudita, Frisius traça uma nova visão planetária. Os dados das viagens dos Descobrimentos iriam naturalmente suscitar debates em relação aos fundamentos teóricos da composição geográfica da terra. Assim, ao testemunharem que a costa africana se prolonga para sul do Equador, os pilotos iriam reactualizar a discussão acerca da dimensão da terra e a sua relação com os mares. Aristóteles escrevera, que a terra era, na sua grande parte, coberta por água, os navegadores iriam, contudo, experenciar o contrário. O poder de observação dos mareantes, que, como seria de esperar, originaria grandes interrogações, faria ruir paulatinamente o pensamento aristotélico. Um dos primeiros autores a formular uma lição científica com base nas informações dos navegadores foi Joachim Vadianus. Numa carta ao amigo e cientista Rudolf Agricola,26 Vadianus aborda a questão dos antípodas27 e afirma que, com base nas navegações de Portugal, bem como as de Américo Vespúcio, se poderia assegurar que a terra estaria rodeada por mares, pelo que conclui que esta seria redonda.28 Neste sentido iniciar-se-ia uma discussão sobre a configuração e a superfície do globo, discussão esta que se iria arrastar por todo o século XVI, e onde iriam participar, ao lado dos navegadores portugueses e espanhóis, eruditos de toda a Europa.29 Os mareantes revelaram também que a região a sul da linha equatorial, denominada zona tórrida segundo a teoria das zonas climáticas, seria habitada, o que iria contra todas as concepções preponderantes. Na 26. Carta publicada na edição de Pompónio Mela da autoria de Joachim Vadianus. Veja-se Joachim Vadianus, Pomponio Melae Hispani, Libri de situ Orbis três, Viena, 1518. Veja-se o cap. 1.1. 27. Joachim Vadianus depois de expor as teorias de Pompónio Mela, Santo Agostinho, Lactâncio e ainda Plínio refere a heróica circum-navegação de África alcançada por nautas portugueses que, como salienta, poderiam agora testemunhar a existência de seres humanos até às costas da Índia. Veja-se Idem, p. 128. Esta é igualmente a forma como Vadianus apresenta o seu Epitome trivm terrae partium, Asiae, Africae et Europae..., Tiguri, 1534; ainda em 1584 sem qualquer alteração. É, pois significativo o facto de só abordar três continentes, baseando-se essencialmente em autores clássicos. E embora não deixe de se mostrar fascinado pelas viagens dos Lusitanos até à Índia (pp. 112-13), o certo é que esta empresa marítima não influencia de forma alguma a sua apresentação do continente africano ou asiático. 28. Idem, p. 124. Importa salientar que estas afirmações se inserem na sua edição de Pompónio Mela, ou seja, mais uma vez um exemplo de uma publicação de um texto como comentário. 29. Sobre esta discussão, veja-se W.G.L. Randles, De la Terre plate au globe terrestre. Une mutation épistémologique rapide 1480-1520. Paris, 1980, pp. 41-68. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 145 verdade, as viagens de Descobrimento testemunharam a existência de vida humana na terra austral, pondo assim em causa os depoimentos vigorantes. Tornava-se, pois, urgente uma revisão crítica dos textos da Antiguidade Clássica. O navegador Diogo Gomes, o humanista Jerónimo Münzer, o capitão de S. Jorge da Mina, mareante e autor do Esmeraldo Situ Orbis Duarte Pacheco Pereira pertencem aos que expressam a sua admiração em face da contradição existente entre a experiência dos navegadores e a doutrina climática. Mas se esta descoberta seria dentro em breve considerada um dado adquirido pelos pilotos e eruditos portugueses, homens que tinham tido a possibilidade de observar estes fenómenos in loco, os autores germânicos, como se pode apreciar nas publicações de obras geográficas alemãs, teriam grandes dificuldades em aceitar, sem qualquer relutância, a validade dos novos conhecimentos e tomariam assim uma atitude mais reservada. Embora mencionem de certa maneira rapidamente a existência de vida humana em regiões consideradas anteriormente inabitadas,30 isso não significa de modo algum uma adesão à uma nova cienticidade ou uma crítica e desactualização das antigas teorias climáticas. Johannes Glogoviensis refere no seu comentário ao Tratado da Esfera, que Sacrobosto anotara a zona tórrida como inabitável, dado o enorme calor que aí se fazia sentir, mas Ptolomeu, pelo contrário, teria afirmado ser possível encontrar vida humana a sul da linha equatorial. E isto o tinham comprovado recentemente as viagens de 1501 e 1504 ao serviço do rei de Portugal, em que os seus navegadores teriam descoberto um mundo novo a sul do Equador totalmente desconhecido. De uma forma conciliadora, este escritor mantem o seu profundo respeito pelas afirmações de Ptolomeu, e vê as navegações da Península Ibérica única e exclusivamente como comprovação do geógrafo alexandrino, de cuja autoridade ele não duvida.31 Durante vários anos não se verifica qualquer alteração no esquema das zonas climáticas. Muitas cosmografias continuaram a apresentar a zona tórrida como zona inabitável. No seu compêndio geográfico, Peter Apian declara que a zona meridional da linha equatorial era habitada, mas logo 30. Johann Schöner, Luculentissima, 1515, refere já nas introduções gerais que a "terra ad austru" seria habitada, informação recolhida pelas últimas navegações. Ainda J. Vadianus (op. cit., p. 7) insere este dado na sua edição de Pompónio Mela, afirmando que, em consequência das navegações do rei de Portugal a Calecute e as viagens de Américo Vespúcio, se poderia afirmar que a zona tórrida era habitada. 31. Veja-se W.G.L. Randles, op. cit, p. 37. 146 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES de imediato acrescenta "male aut egre habitabilis".32 Os geógrafos e eruditos germânicos sabem, contudo, que não podem descurar os dados das viagens dos Descobrimentos e transmitem-nos nas suas obras. É visível o reconhecido e atento olhar que lançam às viagens ultramarinas, conferindo assaz importância a esta fenomenal empresa marítima; estes homens de letras continuam a movimentar-se nos meandros culturais legados pela Antiguidade e daí que não teçam louvores explícitos aos "mundos mudados" como podemos testemunhar entre os autores coevos portugueses. O legado cultural será primamente perservado e as novidades entendidas como pequenos enigmas que só a pouco e pouco se irão esclarecendo. Assim, menciona-se que a região tórrida seria habitada, mas esboçam-se, de imediato, grandes dúvidas quanto à fertilidade da terra. A par e passo surgem, no entanto, algumas excepções. É o caso de Johannes Stoeffler, mais um representante da escola geográfica de Nuremberga que, fundamentando-se nas viagens de Américo Vespúcio e nas navegações dos portugueses, refuta categoricamente a tese das zonas climáticas.33 Os autores do século XVI ver-se-iam, na verdade, confrontados com um problema de difícil resolução: como enquadrar os dados dos Descobrimentos no seu contexto histórico. O visível aumento do espaço geográfico, afinal habitado, impunha a procura das razões explicativas para a origem deste fenómeno. Enquanto alguns autores tecem louvores à revolução geográfica, celebrando os navegadores invencíveis,34 outros procuram conciliar as novas informações com a perspectiva histórica cristã. Tommaso Bozio afirma ainda, em 1593, que muitas das zonas recém-descobertas não eram habitadas quando Cristo pregara a palavra do Evangelho na terra, procurando, deste modo, salvaguardar a cultura clássica e a autoridade da Sagrada Escritura.35 32. Peter Apian, Cosmographicus liber ..., Antuérpia, 1533, Fol. VI. Primeira edição Antuérpia, 1524. 33. Ptolomeu teria afirmado que a zona habitada terminaria no círculo equinocial ao grau 16. 1/3 1/12, mas as viagens de Colombo e as do rei de Portugal feitas em zonas de África desconhecidas de Ptolomeu revelariam outras informações. Veja-se Johannes Stoeffler In Procli Diadochi Sphaeram, Tübingen, 1534, p. 24. 34. Simon Grynaeus, Die New Welt, Estrasburgo, 1534, prólogo. 35. Tommaso Bozio, De Signis Ecclesiae Dei, Colónia, 1593, p. 746. O autor assinala que a Europa, a África e a Ásia, já teriam sido missionadas aquando do nascimento de Cristo. Hoje conhecer-se-iam outras regiões como o Cabo Verde, o Cabo da Boa Esperança, o Oriente e a América. Os Apóstolos teriam, no entanto, missionado por toda a terra conhecida. Bozio aborda ainda a questão da região de Ofir, onde o rei Salomão teria ido buscar ouro, e identifica-a com o Peru. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 147 Com efeito, as observações e as experiências dos navegadores não conseguem, inicialmente, inserir-se no sistema geográfico prevalecente; ou apenas pontualmente, pois as palavras e as teorias de Ptolomeu, Plínio, Pompónio Mela continuariam a reger a ordem do saber. Os autores da Antiguidade Clássica, fundamento do saber, quer no que respeita à constituição do mundo, quer no conhecimento particular de cada uma das regiões, formam, o que poderíamos denominar, um primeiro degrau do conhecimento. Só assim se pode explicar que as terras recentemente descobertas pelos mareantes portugueses e espanhóis sejam consideradas como um mundo Extra-Ptolomeu, tal como o definem as cosmografias alemãs das primeiras décadas do século XVI.36 A descoberta de regiões até então desconhecidas significa para estes autores mais do que a experiência de aflorar novas regiões, a certeza fatal de que seriam desconhecidas no mapa-mundi ptolomaico; daí o aparecimento e a conceptualização de um conceito: novo mundo. Em 1534, Sebastian Franck publicava o Weltbuch, Spiegel vnd bildniß des gantzen Erdbodens,37 obra que, como o próprio título indica, tinha como propósito apresentar o mundo na sua totalidade. Os quatro capítulos, em que se divide esta obra, correspondem a uma descrição dos quatro continentes numa tentativa de elaborar um compêndio dos conhecimentos contemporâneos. No que tange ao capítulo dedicado à África temos de constatar que se trata, sobretudo, de uma reprodução dos dados de geografia de raiz erudita sem qualquer referência às novas informações. A caracterização deste continente baseia-se essencialmente nos testemunhos de Ptolomeu, Plínio, Pompónio Mela e Estrabão. Desde a designação, passando pela divisão geográfica até à apresentação das várias regiões, Sebastian Franck apoiase maioritariamente nas declarações das autoridades; com a nomenclatura de Plínio e Pompónio Mela, as distâncias de Ptolomeu, as descrições das gentes feitas por Diodoro Sículo e Isidoro constroe a imagem do Egipto, da Numídia, da Mauritânia e da Líbia. Entre as perto de setenta referências 36. Citemos apenas o exemplo da cosmografia de Peter Apian que, vinda a lume pela primeira vez em 1524, ainda em 1584 publica as novas informações das viagens de Descobrimentos num apêndice. Esta obra seria editada até 1609, a partir de 1544, sob a orientação de Gemma Frisius. 37. Sebastian Franck, Weltbuch, Spiegel vnd bildniß des gantzen Erdbodens..., Tübingen, 1534. Sobre Franck, veja-se R. Gosche, Sebastian Franck als Geograph, in: Zeitschrift für allgemeine Erdkunde, 1 vol., Berlim, 1853, pp. 255-278. 148 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES a fontes, apenas seis são autores coevos, nomeadamente Laurentius Frisius,38 Bernard Breydenbach39 e Ludovico di Vartema.40 Mas se, neste capítulo, a ressonância aos recentes relatos de viagens é insignificante, no capítulo dedicado ao continente asiático, Sebastian Franck revela ter mais informações sobre a costa oriental africana, bem como sobre a presença portuguesa em Calecute. De acordo com os limites geográficos correntes entre a Ásia e a África - onde se reconhece a concepção das "três Índias" -, Franck insere o reino da Etiópia tanto no continente africano como no asiático. E como não é fácil esboçar os contornos da costa oriental africana, Franck apoia-se no relato do italiano Ludovico di Vartema, que regressa de Calecute num navio português. Franck relata assim que os viajantes teriam navegado até à ilha de Moçambique, depois teriam passado pela ilha de Melinde até a "insel de Capo de bona Speranda" e daqui seguiriam até Lisboa. Este texto revestese de características verdadeiramente interessantes, pois pela descrição dada, surge a ideia de que não há ainda uma noção da costa oriental africana; refere nomes de localidades que subentende de relevante importância, mas cuja localização ainda não é clara; os pilotos navegariam assim de ilha para ilha.41 O continente africano permanece, portanto, na sua antiga configuração, predominantemente a faixa norte, enquanto, na zona do hemisfério sul, só se mencionam povoações de reconhecida importância na rota Lisboa-Calecute, mas cuja localização é ainda enigmática. Moçambique e Melinde representam desde já vitais áreas comerciais, mas a sua situação e os arredores seriam ainda pouco conhecidos. Curiosamente, será no capítulo dedicado à América, que iremos encontrar vários textos relativos às viagens de Descobrimento, entre eles, o relato de Luís de Cadamosto, os escritos sobre a viagem de Pedro Álvares Cabral, a carta de D. Manuel, os textos de Américo Vespúcio e Cristovão Colombo. A publicação destes escritos não nos suscita admiração, dado que já tinham sido editados;42 singular é, todavia, a sua introdução num capítulo 38. Laurentius Frisius, op. cit. 39. Bernard Breydenbach, Peregrinatio in terram sanctam, Die Reise ins Heilige Land, Mainz, 1486. Veja-se o cap. 2.1. 40. Ludovico di Varthema, Die ritterliche vnd lobwirdig rayss des gestrengen vnd über allan der weyt erfarnen Ritters vnd landtfarers herren Ludovico Vartomans von Bolonia..., Augsburgo, 1515. Veja-se o cap. 2.1. 41. Sebastian Franck, op. cit., p. CCX. 42. Jobst Ruchamer, Newe unbekanthe Landte und ein newe weldte in kurz verganger zeythe erfunden, Nuremberga, 1508. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 149 reservado ao continente americano. Embora no texto sobre África não se tenha feito qualquer menção a Luís de Cadamosto, é aqui que se vai acompanhar o seu relato ao longo da costa africana, bem como outros textos referentes ao Oriente. Este facto leva-nos a levantar a hipótese explicativa de que as novas informações sobre as viagens marítimas compõem como que um bloco uno, que ainda não se integrou com a realidade conhecida. Trata-se assim para os coetâneos de um outro, novo mundo, como podemos testemunhar no título dado por Sebastian Franck ao capítulo sobre América. Vejamos. "América o quarto livro desta geografia sobre novos mundos, ilhas e regiões recentemente descobertas por Alvise, Pedro Álvares, o senhor Pedro de Syncia, Cristovão Colombo, Americo Vespúcio, Fernando Cortês, Jambolo e Ludovico di Varthema; em nome de sua Majestade Carlos V e o rei de Portugal descobriram novas terras, mundo e ilhas situadas em parte no Ocidente, outra parte no norte e a maior parte no meio-dia"43 e continua "até aqui desconhecidas e não mencionadas por Ptolomeu, Estrabão, Eudovo, Erastone e também Macróbio e agora numa história maravilhosa, divertida e útil de ler dedicada em parte a sua majestade imperial, e em parte a sua majestade real em Portugal e a outros príncipes..."44 Franck fala de mundos novos, ilhas e paisagens nunca vistos e completamente desconhecidos; e mais uma vez a comprovação de que se os autores clássicos tinham lançado os fundamentos do espaço, estas terras eram-lhes, no entanto, desconhecidas. A revelação estonteante de um outro mundo e de uma realidade para além do horizonte conhecido iria consequentemente originar grandes especulações e surpresas. Relembremos a expressão Extra-Ptolomeu, onde se reflecte a admiração e a inquietação de um mundo extra. Mas, ainda mais drástica, é a expressão usada por Sebastian Franck: um mundo "fora do mundo" ["ausser der Welt"]. Deixando que os relatos do mareante Luís de Cadamosto marquem o início desse mundo "fora do mundo", Sebastian Franck mostra claramente que seria, a partir das viagens ao longo do Atlântico, que se ultrapassariam 43. "America das vierdt buch dieser Geographey/ von neuwen unbekannten Welten/ Inseln und Erdtrichen/ so neewlich erfunden seind/ von Aloysio/ Petro Alvaris/ herr Peters von Syncia/ Christoffero Columbo/ Alonso Americo Vespucio/Ferndinando Cortesio/ Jambolo und Ludovico Vartomanno/ de gestrengen keyseöichen Maiest. Caroli V und des königs von Portugal/ welche gefundenen Länder/ Welt und Inseln/ zum theil in occident/ einst in theils in Septentrione/ am meisten gegen Mittag gelegen". 44. "[...] das bis hier ehe von Ptolomeo/ Strabone/ Eudovo/ Erastone auch von Macrobio weder erkannt noch genennt und angezeigt worden seind gelegen erfunden/ wunderbarliche/ jedoch warhafftige/ Histori kurweilig und nützlich zulesen/ zum theil keyselicher Maiestat zum thel königlicher Maiestat in Portugal und anderen Fürsten zugeschriben..." 150 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES os domínios então correntes; e aí começaria um mundo novo, do qual a Africa meridional faria categoricamente parte. 3.1.2 "Nova África" Ao plasmarem uma fundamentação válida do horizonte do saber, as teorias dos autores clássicos asseguravam uma constante e irrefutável fonte documental. A descrição do interior de África, a representação dos seus rios, montanhas, ou qualquer outro fenoméno natural correspondia, nas cosmografias alemãs, às disposições de Ptolomeu. Ao fixar, por exemplo, as fontes do rio Nilo, entre os denominados Montes Lunas, o geógrafo alexandrino iria determinar a sua representação. Assim, a introdução de novas informações na geografia de África, por exemplo, o traçado das fontes do rio Nilo, estariam incondicionalmente de acordo com os princípios ptolomaicos. Os novos dados seriam, pois, em primeira linha submetidos aos seus depoimentos. Só a par e passo se iria alterando a geografia natural africana; quanto mais precisas eram as descrições coevas mais pequena seria a região reservada para a representação das fontes do Nilo.45 Em 1564 o italiano Gastaldi formulava um valioso contributo para a concepção do espaço africano. Seguindo as informações das viagens portuguesas, em especial, o historiador e cronista João de Barros, cuja obra se tornaria a sua fonte por excelência, o geógrafo italiano traça uma carta precisa dos percursos fluviais africanos. Com a feitura desta carta, Gastaldi completa os fundamentos da representação geográfica do centro e sul de África, no século XVI e XVII46 inicialmente registados por Martin Waldseemüller. O passo seguinte na correcção do espaço geográfico africano seria dado por Gerhard Mercator. O geógrafo e cartógrafo ao conciliar os conhecimentos de Gastaldi e Waldseemüller na elaboração das suas cartas, revelar-se-ia um dos seus mais directos seguidores. Vejamos. No ano de 1569 Mercator retoma as informações de Martin Waldseemüller referentes às fontes do Nilo e à Abissínia e, utilizando os conhecimentos do italiano Gastaldi relativamente ao reino do 45. O segredo à volta das fontes do rio Nilo esclarecer-se-ia somente no século XIX; a partir do século XVII existem já, contudo, valiosos depoimentos, como, por exemplo, o do padre jesuíta Jerónimo Lobo no seu Itinerário, ed., Lisboa, 1971 (manuscrito de 1640). 46. Veja-se, A. Teixeira da Mota, A Cartografia Antiga da Africa Central e a Travessia entre Angola e Moçambique (1500-1860), Lourenço Marques, 1964. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 151 Monomotapa, constrói um dos trabalhos cartográficos mais importantes sobre o interior do continente africano até ao século XVIII.47 Para além destes experimentados cartógrafos, convém ainda salientar o contributo do holandês Abraham Ortelius48 que, no seu Theatrum Orbis Terrarum, datado de 1570,49 expõe uma imagem mais detalhada da forma e composições do continente africano.50 Ortelius, no texto adjunto às cartas, assinala a utilização de algumas fontes documentais na representação dos elementos cartográficos, entre estas, contam-se as obras de João de Barros, Luís de Cadamosto, Francisco Álvares e Damião de Góis. O traçado dos contornos costeiros do continente africano seria, neste sentido, cada vez mais fiel à realidade natural africana, mas o que passa em relação às informações para cada uma das regiões deste continente, ou quais as fontes utilizadas para a descrição do seu interior? A terceira parte do mundo seria inicialmente dividida em quatro áreas principais, a Barbaria, a Numídia, a Líbia e a Etiópia. Perante o aumento de informações, esta classificação de raiz erudita revelar-se-ia insuficiente. Se algumas regiões permaneciam nos limites conhecidos, como o norte África, no hemisfério sul surgiam outras fronteiras. Este é o caso, por exemplo, da Etiópia, cujos precisos limites geográficos se desconheciam ou a denominada "Terra dos Mouros", uma região que, com o aumento progressivo de informações, se iria dividir em várias unidades regionais como o Congo, o Monomotapa ou a região em torno do Cabo da Boa Esperança. Se no dealbar do século XVI já se encontram representações condignas do formato de África, no que respeita a este seu novo espaço terrestre será preciso esperar até 1545. Na verdade, as primeiras cosmografias alemãs do século XVI já tinham feito referências às viagens ao longo do Oceano Atlântico, bem como à passagem do Cabo da Boa Esperança, mas estas indicações constituíam pura e simplesmente um dado informativo referencial. Nas primeiras décadas dos século XVI, a descrição do continente africano não fornecia, por enquanto, qualquer alteração notória em 47. Sobre este tema, veja-se W.G.L Randles, South East Africa and the Empire of Monomotapa as shown on selected printed maps of the 16th century. In: Studia 1958, Nr. 2, pp. 103-163. 48. Veja-se Gerhart Egger (Ed.), Theatrum orbis terrarum, Die Erfassung des Weltbildes zur Zeit der Renaissance und des Barocks, Viena, 1970. 49. Abrahamus Ortelius, Theatrum Orbis Terrarum, Antuérpia, 1570. 50. Embora a carta que traça de África apresente uma imagem mais detalhada, Ortelius continua a dividir o continente africano em apenas quatro regiões. 152 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES relação aos escritos anteriormente impressos. Apenas, na cosmografia do renomeado geógrafo e teólogo Sebastian Münster, e mais propriamente na segunda edição, em 1545, aparece pela primeira vez um capítulo denominado "Nova África".51 Neste capítulo, Sebastian Münster reune informações, em particular, concernantes à costa ocidental africana. Pela primeira vez aparecem extensas e precisas descrições dos reinos do Senegal e Gâmbia. No entanto, também aqui é ainda inicial a suma apresentada sobre a zona equatorial. Com efeito, o Senegal surge como o último reino antes do Cabo da Boa Esperança, o que ilustra o precário conhecimento sobre esta região austral. O autor, Sebastian Münster consciente deste facto lamenta, no final, a insuficiente e parcelar profusão de informações sobre este continente. Como diz, embora África tenha sido descoberta, há bem pouco tempo, na sua verdadeira extensão, graças às viagens até Calecute, o certo é que pouco se poderia relatar sobre o interior da "Nova África": "Então tens em suma o conceito de toda a terra de África com os seus reinos, povos, animais, plantas, águas e outras coisas idênticas, tanto quanto foi possível saber nos nossos tempos através das navegações até Calecute na Índia. Eu desconfio que se soube muito mais coisas sobre esta terra através das assíduas navegações, mas não foram descritas todas as coisas ou então foram descritas, mas ainda não foram publicadas".52 Tal como refere este célebre erudito, a apresentação e a caracterização da multiplicidade regional está dependente do material à disposição dos geógrafos. Daí que a divulgação de obras, como as tão apreciadas relações de viagens, fosse da maior importância. Nos meados do século XVI ir-seia ao encontro desta sabida carência, vertendo, para as línguas mães, inúmeros textos. Para uma redefinição dos limites geográficos e humanos sentir-se-ia uma profunda necessidade de recolher obras mais específicas capazes de responder à sequiosa sede de saber. Entre os textos publicados, sobretudo, na Alemanha, encontram-se autores portugueses, que relatando sobre as diferentes regiões do continente africano, correspondem, com as suas informações detalhadas e precisas, ao vivo interesse de conhecer mais e melhor estes reinos longínquos e remotos. É o caso da Verdadeira 51. Sebastian Münster, Cosmographia, Basileia, 1545. Primeira edição, 1544. 52. "Also hastu in Suma den begriff des gantzen lands Africa mit seinen Königreichen/ Völckern/ Thieren/ gewechsen/ Wässern unnd andere der gleichen dingen/ so vil man neben umbhan zu unsern Zeyten erfaren hat durch die schiffungen so vo Portugall ghen Callekut in Indiam gan. Mir ist angezweifelt/ man hab noch vil mere von disem land durch die emstige Schiffunge erfaren/ aber es seind nit alle ding beschribe/ oder seind Sie beschrieben/ sein sie nit an tag kommen" Idem, Folha dcccxvij. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 153 Informação das Terras do Preste João de Francisco Álvares editada pela primeira vez em língua alemã, em 1566.53 O livro do padre Álvares tornarse-ia uma das mais importantes obras de consulta sobre este reino; importa também mencionar os textos de Damião de Góis, como o Fides, Religio, Moresque aethiopum,54 onde o amante das "coisas da humanidade" já lançara os primeiros dados informativos sobre este reino. Neste sentido, poder-se-á ainda referenciar o relato de Duarte Lopes e Filippo Pigafetta que, impresso nos finais do século XVI, constituiria uma obra de capital importância para o conhecimento do reino do Congo e seus arredores.55 A publicação destes escritos, nomeadamente a sua tradução, revestia-se de grande significado. O leitor alemão tinha, deste modo, à sua disposição, nos finais do século XVI, uma enorme quantidade de dados geográficos e culturais que tornavam mais clara a unidade continental, bem como as particularidades regionais do continente africano. Os textos portugueses tornavam-se uma fonte insubstituível e inestimável das obras geográficas alemãs. Em 1576 viria a lume, juntamente com a obra de Francisco Álvares uma Cosmografia, das ist wahrhaffte eigentliche und kurze Beschreibung deß gantzen Erdbodens.56 Sigmund Feyerabend o autor desta publicação tece, no prólogo, um caloroso e exaltado elogio às navegações dos povos ibéricos, formulando um verdadeiro hino panegírico às empresas marítimas. Sem dúvida, um evento de valor incalculável para o conhecimento do mundo. O orgulhoso testemunho alusivo ao prodigioso aumento da superfície terrestre reaviva-se quando sublinha, no capítulo reservado a África, que antigamente chegavam quatro regiões para classificar este continente, mas actualmente tornava-se imperioso falar de seis, se se queria abranger todo o espaço geográfico.57 África tornara-se 53. Francisco Álvares, Wahrhafftiger Bericht von den Landen/ auch geistlichen und weltlichen Regiment des mechtigen königs in Ethiopien..., Eißleben, 1566. Veja-se cap. 2.6. 54. Damião de Góis, Fides, Religio, Moresque aethiopum, Lovaina, 1540. Veja-se cap. 1.1. 55. Duarte Lopes/ Filippo Pigafetta, Warhaffte vnd Eigentliche Beschreibung dess Königreiches Congo in Africa...Frankfurt, 1597. Veja-se cap. 2.3. 56. Sigmund Feyerabend, Cosmografia, das ist wahrhaffte eigentliche und kurze Beschreibung deß gantzen Erdbodens.In: General Chroniken, Frankfurt, 1576. Esta publicação viria a lume sem qualquer alteração no ano de 1581. 57. "Barbarien, Egypten, Biledulgerid, Sarra, das Land der Schwarzen und Priester Johannis Land und dieses ist das jenige so vor Zeiten (wiewol under anderen Namen) von Africa erkannt gewesen ist/ dann gegen dem Meridiem oder Suden von der See/ da der Fluß Nilus seinen Ursprung auß hat/ ißt es den alten Schribenten unbekannt gewesest/ welches Theil jeßiger Zeit von den Arabischen und Persiern Zanzibar gennent wirt, darvon das eusserte haupt auff das Meridionalische, oder sudliche Meer - Cabo da Bona Sperancho, erstlich Anno 154 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES surpreendemente um continente de gigantescas dimensões. Feyerabend expressa então o seu regozijo e confiança na conquista humana. Enraízado em fortes tendências humanistas, este autor exalta de júbilo quando apresenta a obra marítima dos povos ibéricos. A partida de navios para além de portos europeus não deixaria prever a existência de reinos, como o da Guiné, situado na região denominada Sara, o de Moçambique e Sofala, bem como algumas ilhas, por exemplo, a de Cabo Verde, ou a de S. Tomé, conhecida pelo seu açúcar. Além disso, através destas viagens ter-se-iam recebido notícias mais concretas e pormenorizadas sobre a terra do Preste João; um reino de enormes dimensões, poderoso e, sobretudo, povoado de cristãos. Seguindo os testemunhos de Francisco Álvares como nos diz, no capítulo relativo ao reino de Etiópia: "queremos mostrar os seus costumes, vida e serviços religiosos, tal como o faz o livro de viagens de Francisco Álvares [...]"-,58 o autor relata sobre a vida dos etíopes, nomeadamente, alguns dos seus hábitos religiosos. Mas não é só quando pretende aflorar o aspecto religioso que o utiliza, igualmente na descrição do mundo vegetal e animal cita as experiências do padre português. A opinião de Francisco Álvares é tida incondicionalmente em maior consideração do que a dos autores clássicos, pois este permanecera in loco. Assim, quando intenta saber da existência de animais estranhos e bizarros, afirma que na relação de Álvares que andou seis anos por estas terras não se faz qualquer referência a estes animais.59 Álvares permanecera neste reino vários anos, pelo que as suas experiências seriam aceites com toda a seriedade. A sua obra, verdadeira e fidedigna, constituiria um trabalho de grande mérito. Daí que no final Feyerabend recomende a leitura deste texto, pois escrito com muito empenho e cuidado seria uma publicação de grande utilidade.60 Esta apreciação tão favorável à obra de Francisco Álvares não é um caso isolado. Na verdade, os autores alemães reconhecem calorosamente o esforço realizado pelos autores dos relatos de viagens e buscam ininterruptamente tirar partido dessa riqueza informativa. Os escritores alemães 1497 von den Portogalischen beschiffet worden ist. Dieses ganß Africca ist in die runde mit dem Meer [...] vmbriegt...". Idem, p. 5. 58. "Vom welcher Sitten/ Leben und Gottesdienst/ wöllen wie diß weniger auß Francisci Alvares Wegbuch [...] anzeigen". Idem, p. 44. 59. "[...] aber nach anzeigung dieses unseres Alvares/ weil er inn diesem Örten verharret/ hat er in Sechß Jaren kein Bären/ küniglein/ distelstinck oder Guckguck/ gesehen". Idem, p. 45. 60. "Es ist aber am nützlichsten, daß dieser ding liebhabender Leser den Franciscum Alvares erforsche / welche gar fleissig/ was er in diser seiner Legation auffgemerckt/ beschrieben hat...". Idem, p. 45. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 155 estão conscientes da importância destes escritos, pois, ao darem a conhecer outras gentes e culturas em valiosas e pitorescas descrições, os seus autores esquissavam um retrato fidedigno e único sobre as terras por onde andaram. Além disso, não se cansam de frisar que os andarilhos descreveram o que viram com os seus próprios olhos, o que a seu ver, abona indubitavelmente para a natureza de um documento verídico. As obras geográficas dos séculos XVI, fiéis aos objectivos de dar a conhecer a obra do Criador, apresentam o mundo desde as suas origens e é, segundo esta concepção teológica, que os homens de letras alemães partem à procura dos novos princípios que regem o orbe terráqueo; nesta sua busca dão cada vez mais valor à documentação adquirida através da experiência e é, muitas vezes, a análise descritiva e experimental que os conduz na sua caminhada de conhecimento. Johann Rauw edita a sua cosmografia, porque considera que a descrição do mundo "transmite grande luz à história".61 O estudo da cosmografia seria, antes de mais, o estudo da história e da cronologia, pelo que se deveria prestar aturada atenção ao locus e ao tempus. Estes compêndios de carácter utilitário constituíam irreparavelmente uma verdadeira ajuda, um guia indispensável no Teatro do mundo. Para realizar este enorme projecto de descrever o orbe, Johann Rauw recorre a muitas outras obras que compila resumidamente no seu texto. No quarto capítulo dedicado ao continente africano privilegia maioritariamente a zona do norte africano, onde destaca, com grande ênfase, o reino do Egipto. Nestas páginas, o leitor poderá conhecer detalhada e pormenorizadamente a história heróica egípcia.62 Além disso, poderá saber com pormenor sobre a expedição do Imperador Carlos V ao norte de África. Quando descreve a Terra dos Mouros, Rauw não transmite qualquer novidade de carácter geográfico, dando, pelo contrário grande destaque aos Trogloditas, povos mencionados pelos autores da Antiguidade Clássica ou na cosmografia de Sebastian Münster, que considera um dos principais escritos geográficos. Contudo, Rauw não deixa de reflectir, no seu texto, a leitura de autores portugueses. Assim, afirma-se que se o leitor pretender ter uma descrição mais pormenorizada e detalhada sobre o Preste João e o seu reino deverá ler o livro de Francisco Álvares que permaneceu vários anos nestas terras, onde viu o 61. "Ein groß Liecht in die Historien bringen". Johann Rauw, Cosmografia, das ist: Eine schöne, wichtige vnd volkomliche Beschreibung deß Göttlichen Geschöpffs..., Frankfurt, 1597, prólogo. 62. Sobre o conhecimento do Egipto no séculos XVI e XVII, veja-se cap. 2.1 . 156 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES Barnagas, o Preste e os demais homens dirigentes deste reino; recomenda então que se leia esta obra, assim como ele o fez antes de escrever este seu capítulo, pois as suas informações seriam de grande credibilidade.63 Tal como Münster, também Rauw recorre ao presbítero português e, ao recomendar a sua leitura, sublinha quão credível é o seu testemunho sobre as Terras do Preste João. A Literatura Portuguesa de Viagens afigura-se, assim, como um inestimável e inaudito documento na reconstrução do espaço terrestre africano. Com as suas informações, os autores alemães estariam aptos a preencher espaços antes vazios. Neste processo de recolha e tratamento das informações dos Descobrimentos, a cosmografia de Sebastian Münster apresenta-se como uma das fontes mais interessantes e carismáticas. Esta obra vinda a lume pela primeira vez em 1544, atingiria o número exemplar de quarenta e seis edições64 até 1650; mas o que lhe incute capital importância, é o facto das reedições corresponderem a um permanente trabalho de actualização epistemológica. Este prestigioso esforço de complementarização está bem patente nos capítulos referentes ao continente africano. Já em 1544, Sebastian Münster expressara a vontade de descrever a África "com as suas terras, animais e coisas maravilhosas",65 mas que tal seria irrealizável, pois apenas dispunha de uma parca quantidade de informações. Embora Sebastian Münster invoque as viagens dos portugueses até Calecute, pouco mais adianta, sendo, na sua maioria, dados compilados em autores como Plínio, Pompónio Mela e Estrabão, que utiliza na construção e caracterização do perfil africano. 63. "Wiltu aber ja einen weitern und ausführlichen Bericht von allen diesen Sachen haben/ sonderlich was den Priester Johann unnd seine Lande anlangt/ so liß Francisci Alvarez Büchlein/ welcher Francisci selbst in diesen Landen etliche Jahr gewesen/ den Barnagesso/ Priester Johann und andere Herren selbsten gesehen/ unnd alles fein fleissig observiert hat/ unnd seinem Schreiben derhalben so viel desto besser glauben zu geben ist. Denn solte ich dir diese dinge hier alle außführlich unnd umbständiglich für die Augen stellen/ würde sich unser Gespräch viel zu viel in ein Weitläufigkeit erstreckte. Auch so habe ich mehrertheils alle diese dinge auß deß herrn Franciscis Büchlein genommen/ welcher du selbst/ da es dein Gelegenheit ist/ auffschlagen mögest". Idem, p. 1023. 64. Veja-se Karl Heinz Burmeister, Sebastian Münster - Eine Bibliographie, Wiesbaden, 1964. Burmeister referencia uma edição francesa em 1650. Veja-se ainda Victor Hantzsch, Sebastian Münster, Leben, Werk, Wissenschaftliche Bedeutung, Leipzig, 1898. 65. "[...] mit seinen besonderen Ländern/ thieren/ vnd wunderbarlichen Dingen". Sebastian Münster, Cosmographia, Basileia, 1544, Folha dccclxxiiij. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 157 Um ano mais tarde, em 1545, surge, contudo, a "New Africa". Embora ainda não conheça os verdadeiros limites geográficos e humanos do meio africano, Münster insere já notícias mais recentes, processo que se irá aferir nas cosmografias posteriores. Uma análise da Cosmographia indicanos quais as informações adquiridas nos anos precedentes às últimas publicações, bem como seriam inseridas no texto original. Num caminhar pelas várias edições desta obra é possível atestar a gradual inserção de notícias concernantes ao ultramar.66 Entre 1544 e 1628 - a última edição em língua alemã - seriam, de facto, assinaladas significativas alterações, sinónimo de um permanente repor de informações. Por exemplo, na edição de 1578 introduz-se pela primeira vez uma carta, que apesar de um precário traçado, testemunha claramente uma tentativa de visualizar alguns dos dados difundidos. Nesta mesma edição insere-se ainda um texto referente às actividades militares do Imperador Carlos V no Norte de África com o fim de destacar as novas respeitantes à actual política alemã neste continente.67 Para além deste texto, publica-se também, pela primeira vez, uma ilustração de um habitante da "Terra dos Negros". A partir de 1614, o livro dedicado ao continente africano deixa de ser o sexto para passar ao oitavo, porque, como podemos testemunhar, as informações relativas aos países europeus aumentaram substancialmente, originando uma redistribuição da obra. Note-se que o aspecto mais interessante a focar desta edição está relacionado com as alterações introduzidas, desta vez, nas ilustrações da obra. De facto, até esta edição encontrar-se-ia sempre no capítulo reservado à Líbia uma gravura com monstros antropóides, ou seja, as conhecidas figuras de homens sem cabeça, só com um pé a servir-lhe de chapéu, outros com cabeça de cão ou só com um olho. Voltando-nos para o texto, este confirma a usual re- 66. Esta publicação seria editada sempre em nome de Sebastian Münster, embora o conceituado geográfo já tivesse falecido em 1552. Até este momento não nos foi possível saber os nomes dos colaboradores posteriores. Note-se ainda que este facto não é destacado na literatura secundária. 67. A introdução deste texto ilustra o enorme significado dado à expedição militar do Imperador Carlos V no norte de África. O interesse por estas expedições é ainda testemunhado pelos conhecidos Flugschriften, onde se divulgavavam rápida e concisamente as informações respeitantes a este acontecimento. É o caso, por exemplo, de Christoph Scheurl, Verteutscht schreiben von Kayserlicher Maiestat wunderbarlicher eroberung der königkichen Statt Thunis in Africa, Nuremberga, 1533; Newe Zeyttung/ von Kaiserlicher Maiestat Krigs rüstung/ wider dem Barbarossa/ gegen der Statt Thunis in Affrica zu schicken, s.L., 1535; Newe Zeytung von der römischer Kayser May./ vnd eroberung des Künigreychs Thunesse, Augsburgo, 1535 e ainda Die Eroberung der Stadt Affrica, Augsburgo 1570. 158 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES ferência às fabulosas criaturas descritas por Plínio. Eis pois a conhecida galeria de cinócefalos, acéfalos que há muito ilustrava África. Curiosamente, em 1614, a imagem desaparece; quanto à escrita, essa não regista alterações. Este indício supõe um maior conhecimento do interior do continente africano, o qual já não deixaria lugar para a existência de seres fabulosos. Mas, surpreendentemente, esta mesma ilustração permanecerá no interior da Índia. A imagem de África alterar-se-ia, contudo, de modo significativo na edição de 1628, onde este continente apresenta uma nova divisão regional. Intentando-se uma reformulação dos capítulos existentes, dedicava-se grande atenção às notícias então recebidas, a fim de lhes atribuir o respectivo lugar no novo perfil da terceira parte do mundo. África passaria agora a ser a designação de um continente dividido em sete regiões, nomeadamente Barbaria, Egipto, Numídia, Líbia, Terra dos Mouros, Etiópia Interior e Etiópia Exterior. Estas regiões seriam ainda subdivididas em reinos, que no caso, por exemplo, da Barbaria englobava o reino da Mauritânia, de Fez, de Marrocos, da Algéria e ainda Tunísia. Também estes seriam abordados pela primeira vez nesta obra, baseando-se a sua descrição maioritariamente na apresentação de acontecimentos históricos, pelo que se manteve a estrutura já anteriormente utilizada para esta zona norte. O capítulo dedicado à "Terra dos Mouros", que em nada recorda os anteriores, reformula um novo quadro descritivo da costa ocidental africana. O texto presente forma e caracteriza esta paisagem regional consoante as fontes primárias. No caso da Guiné menciona-se expressamente o nome de Luís de Cadamosto, autor que se seguirá bem de perto na representação da linha costeira ocidental. O grande número de informações disponíveis sobre a Etiópia aumentava igualmente, graças às notícias reveladas pelos portugueses, pelo que se dividiria este reino em Etiópia Alta, que correspondia ao império da Abissínia já conhecido pela figura do Preste João, e a Etiópia Baixa, descrita pela primeira vez. A apresentação das particularidades de ambas as Etiópias será também nesta cosmografia um reflexo do estudo e análise de obras portuguesas. Enquanto para a Etiópia Alta se salienta a par e passo os textos de Damião de Góis e de Francisco Álvares, a correspondência existente entre a família real etíope, o rei de Portugal e o papa,68 no que respeita à Etiópia Baixa alude-se principalmente ao texto 68. Esta correspondência foi publicada por Damião de Góis primeiramente na obra Legatio Magni Indorum, Antuérpia, 1532, seguidamente no Fides Religio Moresque aethiopum, OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 159 de Duarte Lopes, divulgador das informações básicas sobre o reino do Congo. De facto, a Cosmographia de 1628 seguiria as linhas gerais do texto de Duarte Lopes, o qual seria também recomendado para uma leitura mais profunda. Ao descrever neste capítulo o reino do Monomotapa, tecese ao mesmo tempo algumas considerações sobre algumas das cidades mais importantes da costa oriental africana. Por fim, algumas referências às ilhas atlânticas, a Madasgascar e a Santa Helena, enquanto o Cabo da Boa Esperança ganha forma sob as indicações do holandês Jan Huygen van Linschoten.69 Nesta edição de 1628, África, dada a correcção dos contornos e a redefinição de fronteiras, define-se numa outra configuração geográfica e histórico-cultural. Moldada segundo uma nova luz, África dá-se a conhecer na sua diversidade, ostentando a sua projecção para sul até há pouco desconhecida. A descrição realça os perfis esboçados ao longo das suas costas, contribuindo para um retrato mais completo e detalhado. Mediante as informações das viagens dos Descobrimentos fora possível ir construindo a pouco e pouco uma outra imagem do continente africano. Um processo gradual de tomada de conhecimento e de assimilação teve o seu impacto na Cosmographia.70 Embora autores como Plínio, Ptolomeu e Pompónio Mela sejam ainda na edição de 1628 considerados os fundamentos da composição do mundo, os conhecimentos adquiridos em obras mais recentes são também mencionados e aceites como um complemento da visão clássica do mundo.71 Sem que se pusesse em causa a autoridade dos escritos antigos, formulava-se uma nova suma de saber. De facto, descrever o mundo na sua totalidade, tendo em consideração todo o material esclarecedor, era o interesse primário dos cosmógrafos; facto este que explica a coexistência de afirmações contrárias, sem rumor de crítica. As doutrinas tradicionais permaneciam na sua função de degrau inicial do conhecimento, não entrando em confronto com os novos dados. África recebia assim sob a sua denominação um novo território, que ao longo de vários anos de trabalho ganhara uma outra forma e conteúdo. Se Lovaina, 1540 (até finais do século houve várias edições e posteriormente vieram à estampa alguns trechos em alemão na Reis=Beschreibung de Giacomo Baratti, Nuremberga, 1676) e ainda em conjunto com a obra de Francisco Álvares. 69. Veja-se cap. 2. 4. 70. Talvez convenha salientar que também só, em 1628, é que a América surge como um novo continente, sendo então abordado separadamente no nono livro da Cosmographia. Com efeito, até esta data tinha feito sempre parte do capítulo asiático na tradição das duas Índias. 71. S. Münster, Cosmographia 1628, p. 1: "Das Erste Buch der Cosmographey/ Sebastiani Münsteri/ auß Ptolomeo/ Strabone/ Solino/ Pomponio/ auch andren alten und newen erfahrnen Cosmographis/ trewlich zusammen gezogen und verteutscht". 160 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES ao princípio o reconhecimento deste continente significara a descoberta de um outro mundo, de um mundo Extra-Ptolomeu, com o decorrer dos anos ele seria aceite e passaria a fazer parte do orbe terráqueo. A denominação "Nova África" permaneceria, todavia, ao longo do século XVI como sinal da mudança.72 3.1.3. Do Reconhecimento à Descrição Global do Mundo Nos finais do século XVI princípios do século XVII, afere-se uma viragem temática nos escritos geográficos alemães. De facto, depois de se ter recolhido um enorme caudal de informações sobre os novos mundos inicia-se um outro momento de tratamento e valorização: já não urge reconstruir o espaço geográfico regional - uma vez que já existem limites mais ou menos instaurados das diferentes regiões -, mas sim o panorama da importância política ou cultural de cada um destes reinos no contexto mundial. Em vez de uma geografia física, debuxa-se uma geografia política, que anseia analisar o lugar de cada país no teatro mundial. As novidades das viagens dos Descobrimentos, recentemente reconhecidas como parte integrante do mundo, deveriam assim ser descritas e apresentadas na sua estrutura política. Um dos primeiros exemplos ilustrativos deste genéro de trabalho, encontra-se na obra do italiano Giovanni Botero: Allgemeine Weltbeschreibung/ Das ist: Eigentliche un warhafftige Erzehlung/ alller der gantzen Welt vornemster Landschafften/ Stätten vnnd Völckern;73 obra esta que se dirigia intencionalmente aos políticos mais importantes e influentes de todo o mundo. Em 1606, publicam-se alguns excertos da sua Weltbeschreibung desta vez com o elucidativo título de Giovanni Botero, Macht/ Reichthum/ un Einkommen aller Keyser/ Könige und fürnemster 72. Neste sentido, importa por exemplo, mencionar a obra de Michael Neander, Orbis terrae partivm svccincta explicatio..." editada em 1583, onde ainda encontramos este conceito. Após uma introdução sobre o norte de África, descreve "Nova África" onde menciona a costa ocidental africana, agora conhecida, passando então a referenciar as navegações para Calecute, com as quais se conheceriam gentes até então nunca vistas. 73. Giovanni Botero, Allgemeine Weltbeschreibung/ Das ist: Eigentliche un warhafftige Erzehlung/ alller der gantzen Welt vornemster Landschafften/ Stätten vnnd Völckern, Colónia, 1596. Primeiras edições italianas Ferrara 1592, Vicenza e Venetia 1595. Esta obra viria a lume até 1659, em Itália, para além das edições em latim (Colónia, Ursellis, Marburgo etc.), inglesas e polacas. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 161 Fürsten der gantzen Welt.74 O editor deste escrito, Matthias Quad, sublinha a necessidade de, no momento presente, se informar o público sobre questões de ordem política ou cultural. Assim é de grande utilidade que os estados europeus tomem conhecimento com a rudeza, a grosseria, a ignorância, as riquezas e a servidão das nações bárbaras, pois como escreve, com o poder dos potentados turcos, moscovitas e xerifes não é para se brincar.75 É, deste modo, a necessidade de conhecer a evolução política e económica dos potentados do mundo que leva Giovanni Botero a escrever esta obra e Matthias Quad a vertê-la para o alemão. Na sua obra Matthias Quad especifica este aspecto, afirmando que é útil e necessário ter conhecimento não só das acções de príncipes eruditos e inteligentes, mas também de reis selvagens e bárbaros; só com este cotejo se poderia constatar quais as causas determinantes para o sucesso de um estado: força, sabedoria, riqueza ou governação.76 E - como já assinalara Giovanni Botero - sublinha que só assim se poderia comprovar se um estado, em especial da Europa, mudou, melhorou ou se modificou.77 Na verdade, nesta tarefa compilatória não é suficiente a matéria geográfica. Um Enchiridon Cosmographicum deverá ser um manual dos acontecimentos de todo o mundo ("Handbüchlein der ganzten Welt Gelegenheit"), e consoante o título de Matthias Quad: "onde se deverá reconhecer com gosto e utilidade não só a forma e aspecto da terra, mas também as divisões de cada terra, costumes, natureza, fertilidade, lucratividade, habitantes e outras qualidades semelhantes. Anexa ainda uma descrição de todos os potentados e principados mais 74. Giovanni Botero, Macht/ Reichthum/ un Einkommen aller Keyser/ Könige und fürnemster Fürsten der gantzen Welt, Colónia, 1606. 75. "Es ist aber die lesung dieses Buchleins unseren Europäischen sonderlich aber des Teutschen lands/ Einwohnern fast nutzlich und bey nahe auch nötig/ damit man sie erkleren in was grobheit/ unwissenheit eigenthumb und knechtschaft die Völcker der Barbarischen Nationen aufferzogen [...] Dann mit des Türcken Moscowiten/ Xeriffen/ und dergleichen grossen Potentaten Macht nit zu scherzen/ ob sie schon weit von uns abgelegen..." Idem, prólogo. 76. "[...] nit allein von weisen/ verstendigen/ vnd gelehrten Fursten/ sonder auch von Wilden vnd barbarischen Königen geschehen: erhebt sich bald ein nachdencken ob jener solches durch seine Stercke/ oder durch seine Weißheit: durch Reichthumb oder durch manheit erworben habe" Matthias Quad, Enchiridion Cosmographicum..., Colónia, 1604. Veja-se Peter H. Meurer (Ed.), Einzelkarten des Matthias Quad (1557-1613), Mönchengladbach, 1984. 77. "[...] ob sich der Stand der Welt (sonderlich aber Europa) verendert/ verbessert/ oder verergert habe" Idem. 162 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES importantes do mundo e o que possuiem em terra e gente, poder, património e rendas, bem como se portam em guerra ou paz.78 Que as cosmografias deveriam descrever o mundo tanto no seu aspecto físico como humano não constituia novidade, tinham sido estes já os objectivos estipulados por Sebastian Münster ou Abraham Ortelius. Mas agora a componente política e económica definia-se como determinante da imagem do mundo. É, descrevendo os potentados do mundo nas suas característias de poder e riqueza, que a obra de Giovanni Botero assume um lugar de destaque. Giovanni Botero (1540-1617) educado por padres jesuítas seria secretário do cardeal Carlo Borromeu em Milano, serviçal dos Sabóia em Roma e preceptor de príncipes católicos em Madrid e Paris. Conhecendo como homem prático o mundo político e religioso do sul e ocidente da Europa, Giovanni Botero, um perfeito representante da maneira de pensar da passagem do século XVI para o século XVII, dedicar-se-ia à formulação de uma doutrina da razão de estado. A Giovanni Botero interessava-lhe mais compor uma doutrina válida para o mundo católico79, do que estudar diferenças individuais nos interesses de estado de cada país. Nesta análise impunha-se, em primeira linha, recolher material sobre as formas de governo, as finanças, o exército, bem como sobre relações com os países vizinhos, material que irá tornar público nas Le relazione Universali.80 Embora se vailha de algumas experiências pessoais, Giovanni Botero servir-se-á, em grande parte, de material alheio. Ao descrever o potentado do Preste João necessita, por exemplo, de algumas fontes sobre esta terra e o seu regime, e aí iremos deparar com as informações de Francisco Álvares, no que respeita ao regime político do Preste João e à riqueza por ele administrada. Após uma introdução geral sobre cada continente, sem deixar de tecer algumas considerações sobre os principais aspectos físicos e humanos das 78. "Darauß man nicht allein die form vnd gestalt des Erdbodens sonder auch seine abtheilung/ jedes Landsart/ Sitten/ Natur/ Fruchzbarkeit/ Renieren /Gethierde/ Einwohner/ vnd andere der gleichen Eygenschafften mit lust vnd nuß erlehrnen kan. Mit hinden beygefügter beschreibung aller furnembsten Potentaten vnd Fursten der Welt / was sie an Land und Leuthen/ Macht / Reichthumb/ Schäß/ vnd Einkomen/ zu Kriegs vnd Friedens zeiten zu Wasser vnd Land vermögen/ nit weniger lustig als nußlich mit zu wissen" Idem. 79. G. Botero escreveria Della ragion di Stato, Veneza e Ferrara, 1589. 80. No seu estudo sobre a razão de estado, Friedrich Meinecke, Die Idee der Staatsräson in der neueren Geschichte, Munique, 1960, vol. 1, p. 82, refere-se a Giovanni Botero, salientando positivamente o facto de o autor dar início a uma primeira e frutuosa compilação dos diversos sistemas políticos, embora sem que se aventure numa caracterização crítica dos diferentes interesses. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 163 regiões em estudo, Botero enumera e apresenta os grandes potentados do mundo. No que respeita ao continente africano, o erudito italiano considera poder referenciar três grandes potentados: Preste João, Monomotapa e Xerifado. Este esquema, seguido por Matthias Quad no seu Geographisch Landtbuch,81 e no já referenciado Enchiridon Cosmographicum, seria ainda a concepção modelar da Allgemeine Weltbeschreibung82 publicada por Aegidium Albertinum, em 1611. De facto, até aos finais deste século, as descrições do tipo das de Botero seriam importantes fontes para o conhecimento do posicionamento político do mundo e, em especial, da Europa. O interesse de uma topografia política sobrepor-se-ia a um esclarecimento geográfico. A defesa da Europa, bem como a sua afirmação perante o resto do mundo, a preocupação com a guerra e o fascínio pela riqueza são aspectos relevantes e coordenadores destas obras. Neste contexto, Herman Fabronus Mosemanusi publica, em 1612, a sua Newe Summarische Welt=Historia und Beschreibung aller Keyserthum/ Königreiche/Fürstenthumb/ vnnd Völcker heutiges Tages auff Erden83, obra esta que visa, tal como o autor confirma no seu prólogo, apresentar uma "história mundial", onde abordará a terra, a paisagem, as gentes, a religião e o governo de cada região do mundo. Dado que uma simples geografia já não satisfaz, Herman Fabronus Mosemanus ambiciona escrever uma "Geographia=Historica". Assim, Mosemanus recorre a autores conceituados de cujas obras compila o mais interessante e curioso para o seu livrinho, que define ainda como um manual para os amantes de histórias e de viagens.84 Este escrito pretende ir ao encontro dos que, interessados em conhecer, queiram viajar pelo mundo através da leitura; de uma forma agradável e 81. Matthais Quad, Geographisch Landtbuch..., Colónia, 1600 82. Aegidium Albertinum, Algemeine Historische Weltbeschreibung Ioannis Boteri..., Munique, 1611. A. Albertinus, o secretário da corte do conde Maximiliano da Baviera traduz La Relazione Universali de Giovanni Botero, que considera uma obra de grande utilidade. Tal como qualquer outra obra histórica, também esta relação coloca "defronte dos olhos" um retrato e esquisso de todo o mundo que importa dar a conhecer a pessoas de todos os estados, como afirma no seu prólogo. 83. Hermani Fabroni Mosemani, Newe Summarische Welt=Historia und Beschreibung aller Keyserthum/ Königreiche/Fürstenthumb/ vnnd Völcker heutiges Tages auff Erden, Schmalkalden, 1612. Reimpresso em 1614 e 1616. 84. "[...] sondern daß ich aus allen bewerten Autoribus dz vornembste/ vnd denckwürdigste in ein Büchlein zusammen bringen/ vnd also durch vnd mit diser Weise der Welt gleichsam durch reysen/ auch andern/ so der Welt=historien Liebhaber seind/ etwa darmit dienen möge". Idem, p. 6. 164 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES descontraída poderiam tomar conhecimento das dimensões político-culturais do orbe terráqueo e da sua história. Neste contexto, Mosemanus destaca algumas das novidades e histórias contadas em relação às navegações feitas recentemente em longínquos locais do globo. Vejamos a sua abordagem do continente africano, tema do terceiro livro. Depois da Europa e da Ásia, é a vez de apresentar África nas suas zonas principais, nomeadamente, Barbaria, Egipto, Numídia, Líbia, Terra dos Negros Interior e Exterior; no quadro físico e cultural de cada uma das regiões, Mosemanus destaca a organização política. Assim, diz-nos que o senhor de Marrocos é: "O Xerife ou o rei mouro branco é um dos mais ricos e mais poderosos príncipes em África, visto que a seu senhorio engloba grande parte da Mauritânia, que os romanos denominavam 'Tingitanam'",85 e finaliza a imagem de Marrocos com algumas observações referentes às suas gentes, sendo o vestuário e a língua dos mauritânios os aspectos mais focados. O capítulo sobre o Egipto, a terra mais fértil e mais conhecida em África,86 é um louvor exaltado aos tempos gloriosos deste famosíssimo reino. A riqueza do Cairo e os tempos biblícos seriam a pedra fundamental deste seu hino.87 Em relação à Terra dos Negros, composta por quatro reinos, ou seja, Tombucto, Borno, Goaga e Gualata, dificilmente se poderia falar de cidades importantes, uma vez que as suas casas seriam "muito más. Visto que não utilizavam nem pedra nem cal viveriam em cabanas nas matas, ou nas montanhas".88 As gentes seriam bastante diferentes umas das outras, sendo umas mais escuras, outras mais claras e, no que respeita ao vestuário, apenas usariam uma tanga branca e na cabeça um lenço entrançado. Quanto à religião uns seriam judeus, outros pagãos e alguns maometanos. O governo seria administrado pelo principal rei: o rei do Tombucto, a que seguia o rei do Borno, o de Goaga e o de Gualata. Este último povo 85. "Der Xeriff oder weisser Mohren König ist der reichste vnd mechtigste der Fürsten in Africa/ dann seine herrschaft begreifft den gantzen Theil Mauritania/ welches dir Römer Tingitanam nanten". Idem, p. 605. 86. "[...] das aller Fruchbarste vnd berumbste Land in Africa". Idem, p. 624. 87. Interessante notar que as fontes aqui mencionadas são, na sua maioria, originárias da pena de representantes da tradição clássica. Mosemanus retrata, assim, o vestuário do povo egípcio segundo Diodoro Sículo. Veja-se cap. 2. 1. 88. "[...] gar schlecht. Dann da weder Stein noch Kalcks noturfft ist/ theil wohnen in Hütten von den Büschen oder in den gebirgen". Idem, p. 644. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 165 viveria muito pobre, uma vez que não conheciam qualquer administração, nem funcionários ou juízes".89 Por fim, a Etiópia ou "Terra dos Mouros", a maior região de África,90 seria dividida em Etiópia Interior e Etiópia Exterior. A primeira corresponde ao reino do conhecido Preste João, "o rei mais nobre", descendente de Juda e filho de David, enquanto a Exterior que ficara durante muito tempo desconhecida fora descoberta "pelos lusitanos". Esta descrição recordanos outras anteriormente referenciadas. Mosemanus refere ainda a divisão desta última região em cinco reinos: "Magicongo", "Ajana", "Zanguebara", "Benomotapa" e "Cafraria". Também aqui vivem lado a lado diferentes religiões, sendo de especial alusão a conversão ao cristianismo do rei do "Benomotapa" (Monomotapa) e do "Mangicongo" (Congo). Destacando as particularidades regiões, bem como as identidades sócioculturais, Herman Mosemanus visa traçar um quadro sumário sobre África; o leitor da sua obra adquirirá indubitavelmente uma imagem sumária de cada região, no que respeita a terra, gentes, costumes, religiosidade e formas de governo. É esta mesma concepção de conceber um retrato dos povos do mundo que leva Gotfried Schultzen a editar a sua Kurtze Welt=Beschreibung in welcher aller Käyserthümber/ Königreichen vnd Republicken der ganzten Welt/ Religion, Sitten vnd Gebräuche/ auch aller Päbste/ Käyser/ könige vnd Fürsten/ auff einander ergangenen Sucession, sein ordentlich vnd kürtzlich begriffen vnd zusammen getragen.91 Também este autor se propõe esquissar e ordenar os impérios, reinos e repúblicas de todo o mundo sem esquecer que um esboço só poderá ser possível se for enquadrado na história que o determina. É assim que nasce este "tratado", 89. "[...] führen aber ein armselig Leben/ dann sie keine Administration/ keine Beampten/ noch Richter haben". Idem, p. 648. 90. "[...] das grösseste Land in Africa". Idem, p. 648. 91. Gotfried Schultzen, Kurtze Welt=Beschreibung in welcher aller Käyserthümber/ Königreichen vnd Republicken der ganzten Welt/ Religion, Sitten vnd Gebräuche/ auch aller Päbste/ Käyser/ könige vnd Fürsten/ auff einander ergangenen Sucession, sein ordentlich vnd kürtzlich begriffen vnd zusammen getragen, Lübeck, 1648. Esta obra viria a lume, em 1651, também em Lübeck e ainda, em 1673, na cidade de Frankfurt. G. Schultze publicaria ainda uma crónica dos principais acontecimentos históricos ocorridos até ao ano de 1645: Historische Chronica oder kurtze Beschreibung der denckwürdigsten Geschichten/ von Anfang der Welt/ biß an das jetzige 1645. Jahr, Lübeck, 1648 e 1650, onde na página 141 se pode ler que em "1500 schickte könig Emmanuel in Portugal zwölff Schiffe in Orient/ diese siegelten ganß Africam vmb/ kamen gen Calecut/ vnd erfunden eßliche Goldreiche Insulen in Ost=Indien". 166 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES o qual deverá servir de ponto de orientação, em especial, como o próprio autor refere no seu prólogo, aqueles que não podem viajar. Se, de facto, se considera de suma importância conhecer o mundo nas suas dimensões e características, ter-se-á de ter em atenção precisamente aqueles que não o podem ver com os seus próprios olhos e, que, por isso, necessitam de obras como esta. Importa ainda não esquecer que diariamente se efectuam alterações nos hábitos de cada região, pelo que seria imperioso estar atento às mudanças operadas dia a dia nos costumes de cada país. Agrupados segundo os quatro continentes, os diferentes reinos e países serão descritos consecutivamente. No que respeita ao continente africano sublinha como características extraordinárias a fertilidade do reino do Egipto, a riqueza do Preste João, descreve o povo congoense e o marroquino, e alude a Monzino, o único deus adorado no Monomotapa. "[...] o que existiria de mais honorífico e de maior fama no mundo do que examinar e contemplar as suas terras e cidades" questiona Giuseppe Rosaccio no prólogo do seu Prospectus Mvndi.92 E se este interesse sempre constituiu motivo para interrogar e pesquisar o mundo, o momento presente revelar-se-ia bastante sintomático, uma vez que a composição estabelecida pelos antigos já não corresponderia à nova realidade. De facto, face aos dados das navegações, importaria reconstruir a imagem do mundo. Assim, Giuseppe Rosaccio, com dados fornecidos pelos "mestres destas coisas", ou seja, material de portugueses, ingleses, e italianos, aventura-se na empresa de formular o "Teatro del mondo" seguindo as passadas de autores como Abraham Ortelius, Sebastian Münster, Gerhard Mercator93 e M. Merian, conforme menciona no seu prólogo.94 Podemos concluir que, ao longo do século XVII, se constata uma grande proliferação de compêndios geográficos escritos como obras capazes de responder rapidamente à curiosidade do leitor. Assim, ainda, no mesmo ano 1655, se publicava em Tübigen o Geographisches Hand-Büchlein da autoria de Eberhard Schultes. Como já se informa no título, esta obra reune todo o material que se tem publicado com vista a dar a conhecer 92. "[...] was ist ehrliches vnd rühmliches in der Welt/ als Länder vnd Stäte zu erkündigen vnd zubesehen?" Giuseppe Rosaccio, Prospectus Mvndi. Weltblick oder kleine Cosmographia..., Augsburgo, 1655. 93. Gerhard Mercator, Atlas, sive Cosmographicae Meditationes de Fabrica Mundi e fabrica Figura, editada a primeira parte a partir de 1585. O Atlas só estaria completo no ano de 1595, já depois do falecimento de Mercator. 94. Ainda em 1708 os autores se consideram descendentes de Estrabão, Ptolomeu, Sebastian Münster e Johannes Rauw, como é o caso da obra Asiae, Africae & Americae Geographia novissima [...] Das ist eine sehr nützliche und wol= eingerichtete Land =Städte= Beschreibung von Asia, Africa, America..., Frankfurt, 1708. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 167 "todo globo terrestre", por um lado em globos e cartas, por outro lado na apresentação nas suas principais características das quatro partes do mundo. Numa confrontação entre a imagem já existente dos antigos e a imagem actual, E. Schultes informa inicialmente segundo os autores clássicos e segundo os "dias de hoje". Assim quando aborda a divisão do continente africano cita a classificação de Ptolomeu e só depois a divisão actual -95 ainda nos fins do século XVII se recorre, como podemos testemunhar, aos mestres clássicos para escrever um compêndio: Allain Manesson Mallet Beschreibung des gantzen Weltkreissses96 em que se apresenta "Velha e Nova" Europa, Ásia e África. Também a obra de Schultes reune, deste modo, um grande número de obras auxiliares. Convém salientar que, embora já na primeira edição se fizesse sentir o peso das informações retiradas de outras obras, poucos eram, contudo, os nomes citados. No entanto, este facto alterar-se-á, em 1673; editado sem qualquer alteração, o texto será acompanhado de elucidativas notas de rodapé. Se na primeira leitura nos podemos aperceber de quais as obras que o autor usou como fonte documental, nesta segunda edição poder-se-á confirmar a sua proveniência. O interesse que esta obra tinha despertado justifica uma nova edição, e daí a intenção de a melhorar, informando o leitor sobre as fontes utilizadas. Neste sentido, e no que respeita ao continente africano, são referidas, como fontes de consulta basilar, a conceituada cosmografia de Sebastian Münster, a Archontologia,97 Sebastian Franck e os atlas de Hondius e Johnsson,98 como obras que poderão dar uma informação geral sobre este 95. Eberhard Schultes, Geographisches Hand-Büchlein, Tübigen, 1655, pp. 374-75. 96. Allain Manesson Mallet, Beschreibung des gantzen Weltkreissses, Frankfurt am Main, 2 vols., 1684- 1685. Allain Manesson Mallet viveu dez anos em Portugal onde trabalhou como engenheiro, cargo este que lhe permitiria recolher um manancial documental, como o próprio salienta no prólogo. 97. Johann Ludwig Gottfried, Neuwe Archontologia Cosmica, Frankfurt am Main 1646. Landtallen und stätten von Matthaeo Merian. Reimpressa com o título Vermehrte Archontologia Cosmica, Frankfurt/M., 1695. Os quadros e panoramas das cidades europeias são da autoria do renomeado gravador Matthäus Merian. Esta obra, na tradição das cosmografias, adquire um alto valor como compêndio enciclopédico. Trata-se, em grande parte de uma tradução do francês, nomeadamente, de Pierre d'Avity, Les Etats, empire, royaumes et principautez du monde..., Paris, 1616 (ainda 1625). 98. Jodocus Hondius será quem vai adquirir os Atlas (1604), após a morte de Mercator, continuando a publicá-los, até 1637, no nome deste conceituado geógrafo. Ao todo conhecem-se 41 edições do Atlas grande. Para além deste, Hondius publicaria ainda o "Atlas minor" que atingiria 24 edições. Depois da morte de Hondius, o filho e o genro, Jan Jansson, prosseguem com a publicação. Veja-se Leo Bagrow e R. A. Skelton, Meister der 168 EM DIÁLOGO COM AS NOVIDADES continente. Ao longo do texto serão, todavia, mencionadas outras fontes consoante a região ou a temática em questão. É o caso, por exemplo da referência feita a Jan Huygen van Linschoten quando aborda o reino da Guiné, ou a Duarte Lopes quando analisa o reino da Abissínia ou ainda o reino do Congo. Assim, consoante a necessidade de informações mais detalhadas e concretas, o autor recorre a monografias ou a relações de viagens. Talvez seja interessante frisar que a obra de Sebastian Münster é referenciada em todo texto, qualquer que seja a região, ou a temática relacionada com o continente africano. Constata-se, de facto, que até finais do século XVII se publicam ainda um grande número de obras deste teor que, procurando ir de encontro ao interesse do leitor, reunem de uma forma clara e concisa o material disponível sobre o espaço geo-político do mundo. Entre os múltiplos exemplos poder-se-iam referir obras como Lukas de Linda Orbis Lumen et Atlantis ...Das ist Newe außfürliche Entdeck=und Beschreibung der ganßen Welt...;99 Welt=Spiegel. Darinn man sehen kann/ wie groß die Gantze Welt?... de Blasius Seywald;100 Kurß= gefaßte allgemeine Beschreibung aller Länder...;101 Geographia Universalis;102 Die Gantze Erd=kugel...,103 ou ainda Prospect des ganzen Erdkreisses...,104 obras estas em que se pretende colocar "defronte dos olhos" dos leitores um compêndio ilustrativo do mundo e das suas gentes. Estas obras, ao darem a conhecer os aspectos geográficos, humanos e culturais, respondem à necessidade vital de conhecer o mundo.105 Para além deste aspecto, referem-se ainda razões de ordem prática para a elaboração destes manuais; Seywald refere no seu prólogo, por exemplo a necessidade de se conhecer os estados vizinhos, ou seja, como ele próprio especifica, os inimigos. Ou ainda como um guia para aqueles que pretendem viajar, a fim de prepararem a sua viagem, como é o caso da Kartographie, Frankfurt am Main/ Berlim, 1985, pp. 239-40 e o comentário de Hanno Beck in: Die großen Entdeckungen, op. cit., pp. 28-30. 99. Lukas de Linda, Orbis Lumen et Atlantis ..Das ist Newe außfürliche Entdeck=und Beschreibung der ganßen Welt..., Frankfurt am Main, 1656 e 1658. 100. Blasius Seywald, Welt= Spiegel. Darinn man sehen kann/ wie groß die Gantze Welt?.., Nuremberga, 1673. 101. J.C.B., Kurß=gefaßte allgemeine Beschreibung aller Länder .., Nuremberga, 1678. 102. P. du Val, Geographia Universalis..., Nuremberga, 1678. 103. Sanson d'Abbeville, Die Gantze Erd=kugel..., Frankfurt am Main, 1679. 104. Prospect des ganzen Erdkreisses..., Nuremberga, 1686. 105. Varenius viria a refererir-se a estes elementos na sua introdução teórica à ciência geográfica. Veja-se o extracto da introdução da Geographia generalis de Varenius in: Die großen Entdeckungen, op. cit., pp. 30-33. OS HORIZONTES GEOGRÁFICOS 169 obra Neue Weltbeschreibung vor die Reisenden darinnen in 73. Capituln die vornehmste Länder...,106 ou a Poliologia, das ist Beschreibung aller berühmten Städte in der ganßen Welt,107 que se destina a todos os "comerciantes" ou "Litterati" que busquem informações sobre cidades do mundo. Por fim, haveria ainda escritos para estudantes, como seja, a obra de Johan Strubius, professor em Hannover Des alt= und Neuen bekandten Weltkräyses...108 Estes manuais e compêndios109 conseguiriam, até aos finais do século XVII, ir de encontro ao anseio de, numa só obra, compilar as questões geográficas, políticas ou históricas consideradas essenciais para o conhecimento geral do mundo. De um reconhecimento inicial caminhar-se-ia a par e passo para uma descrição gobal do mundo. 106. Neue Weltbeschreibung vor die Reisenden darinnen in 73. Capituln die vornehmste Länder..., Frankfurt, 1670. 107. Joh. Heinrich Seyfried, Poliologia, das ist Beschreibung aller berühmten Städte in der ganßen Welt, Sultzbach, 1683. 108. Johann Strubius, Des alt= und Neuen bekandten Weltkräyses..., Frankfurt am Main e Leipzig, 1694. 109. Só em 1696 virá a lume um Geographices Dictionarium, Colónia, 1696, e dez anos mais tarde um Geographisches Lexicon, Leipzig, 1705 em que o leitor encontra rapidamente, por ordem alfabética, as informações de que necessita como dados sobre cidades, rios, montanhas, povoações, etc. Em 1715 seria publicada Die curieuse Orografia oder accurate Bescreibung derer berühmsten Berge/ in Europa/ Asia/ Africa und America..., uma obra em que se descrevem, de igual modo, por ordem alfabética, as elevações montanhosas do mundo. Como num dicionário encontramos um pequeno apontamento sobre cada uma delas; assim, sobre o Cabo verde menciona-se que seria denominado "Promontorium Arsinarium" por Ptolomeu e a costa teria sido descoberta por Cadamosto (p. 461).