UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE CINEMA E AUDIOVISUAL KIANNY GIL MARTINEZ A DISTRIBUIÇÃO NO CINEMA PERNAMBUCANO: UM GARGALO DO MERCADO (2002-2012) RECIFE 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE CINEMA E AUDIOVISUAL A DISTRIBUIÇÃO NO CINEMA PERNAMBUCANO: UM GARGALO DO MERCADO (2002-2012) Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Cinema e Audiovisual. Orientador: Prof. Rodrigo Octávio d´Azevedo Carreiro. RECIFE 2013 Martinez, Kianny Gil. A distribuição do cinema Pernambucano: um gargalo do mercado/ Kianny Gil Martinez. – Recife, Pernambuco: [s.n.], 2013. 80f.: I1. color: 30cm Orientador: Rodrigo Octávio d´Azevedo Carreiro. Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Universidade Federal de Pernambuco, Curso de Cinema e Audiovisual, 2013. 1. Distribuição no cinema. 2. Pernambuco. 3. Gargalo no mercado. I. Carreiro, Rodrigo Octávio d´Azevedo. II. Universidade Federal de Pernambuco, curso de Cinema e Audiovisual. III. Título. Tão importante quanto entender o significado dos filmes é compreender o ambiente em que são produzidos e se fazem circular. Hadija Chalupe da Silva AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer aos professores de cinema e audiovisual da UFPE, que ampliaram minha visão do mundo através do cinema, com aulas que tornaram meu conhecimento cinematográfico mais profundo. Em especial, a Mannuela Costa, que estimulou meu interesse pela produção e economia cultural, reverberando na escolha do tema para o presente trabalho e nas minhas primeiras orientações. A Rodrigo Carreiro, que acolheu minha pesquisa e adicionou um ponto de vista diferenciado sobre o trabalho. Agradeço ainda a minha mãe, que sempre estimulou minha busca pelo conhecimento e apoiou minhas escolhas profissionais com um amor incondicional. Ao meu irmão, que me fez crescer junto a ele, em muitos sentidos. A meu avô, um espanhol apaixonado pela fotografia e pelo cinema que, desde criança, desperta e estimula meu interesse pela imagem em movimento. Por fim, agradeço ao meu marido, Lucas Oliveira, que esteve ao meu lado desde o início do curso, dando opiniões sobre os questionamentos, assistindo a filmes e debatendo ideias cinematográficas e visuais, numa parceria completa. A Carla Francine, coordenadora audiovisual da Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult/ Fundarpe), que disponibilizou os dados referentes aos filmes financiados pelo Funcultura entre os anos de 2003 a 2012. Aos produtores e/ou realizadores (Adelina Pontual, Alexandre Nogueira, Camilo Cavalcante, Cesar Maia, Hamilton Costa Filho, Mannuela Costa, Marcelo Pedroso, Pedro Severien, Raquel Daisy Ellis e Renata Pinheiro), que compartilharam comigo suas experiências práticas e opiniões relativas à distribuição cinematográfica, respondendo de forma atenciosa as dúvidas que surgiram durante o mapeamento de informações sobre as produções pernambucanas contemporâneas, através da aplicação de um questionário padrão que foi enviado aos mesmos por e-mail. Apesar do dia a dia repleto de atividades e de alguns estarem em plena produção de projetos, o que impossibilitou o envio da resposta de alguns, eles participaram e foram de suma importância para a pesquisa. LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS ANCINE – Agência Nacional do Cinema CNC – Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros CTAV – Centro Técnico Audiovisual EMBRAFILME – Empresa Brasileira de Filmes S/A FEPEC – Federação Pernambucana de Cineclubes FUNCULTURA – Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura FUNDARPE – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco FSA – Fundo Setorial do Audiovisual INC – Instituto Nacional de Cinema OCA – Observatório Brasileiro do Cinema e Audiovisual PDM – Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual SECULT – Secretaria de Cultura SIC – Sistema de Incentivo a Cultura UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de realizar um diagnóstico da atual situação das práticas relativas à distribuição de filmes longa-metragem independentes com foco nas produções pernambucanas1, visto que a cena atual agrega um razoável número de produções que, em grande maioria, ficam restritos aos festivais de cinema e as poucas salas de exibição mantidas pelo governo do Estado. Assim, serão apresentados os fatores que contribuíram para que esse gargalo no mercado continuasse crescendo e o que já foi feito para melhorar o desenvolvimento do mercado distribuidor alternativo. Por meio de uma análise e descrição das variadas alternativas que as produtoras audiovisuais pernambucanas têm utilizado para viabilizar o escoamento de suas produções e fomentar o acesso à circulação dos filmes, será feito o mapeamento das práticas alternativas na distribuição de obras cinematográficas, tendo como premissa a facilitação de acesso do público. Palavras-chave: Cinema pernambucano – distribuição - gargalo do mercado - indústria cinematográfica. 1 Para melhor compreensão do texto, entende-se por produções pernambucanas os filmes que foram financiados de forma parcial ou total pelo Fundo Pernambucano de Incentivo a Cultura (FUNCULTURA). ABSTRACT The present work aims to make a diagnosis of the current situation of practices relating to the distribution of feature films focusing on independent productions Pernambuco¹, as the current scene adds a fair number of productions that in the vast majority, are restricted to film festivals and the few theaters maintained by the state government. Thus, we present the factors that contributed to this bottleneck in the market continued to grow and what has been done to improve the development of alternative distribution market. Through an analysis and description of the various alternatives that are producing audiovisual Pernambuco used to enable the transportation of their productions and promote access to the circulation of films, will be the mapping of alternative practices in the distribution of cinematographic works, taking as its premise the facilitation of public access. Keywords: Cinema of Pernambuco - distribution - bottleneck of the market - the film industry. _____________________ ¹ For better understanding of the text, it is understood by Pernambuco productions films that were funded in part or in total by the Fund Pernambucano Cultural Incentive (Funcultura) SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 10 2. CINEMA EM PERNAMBUCO X CINEMA NO BRASIL: DESENVOLVIMENTO E DISTRIBUIÇÃO................................................................................................................. 13 2.1 CONTEXTO HISTÓRICO – CINEMAS PERNAMBUCANOS E O MERCADO NACIONAL........................................................................................................................ 13 2.2 A HISTÓRIA EM CICLOS X CINEMA NO BRASIL............................................. 15 2.3 O CINEMA PERNAMBUCANO DO SÉCULO XXI.............................................. 26 3. DISTRIBUIÇÃO...................................................................................................... 29 3.1 A DISTRIBUIÇÃO DE FILMES NO BRASIL DO SÉCULO XXI......................... 29 3.2 AS MÍDIAS E AS NOVAS FORMAS DE DISTRIBUIÇÃO.................................. 32 3.3 A DISTRIBUIÇÃO NO CINEMA INDEPENDENTE............................................ 36 4. PRODUZIR PARA DISTRIBUIR: A EXPERIÊNCIA DOS PRODUTORES PERNAMBUCANOS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO....................................................... 41 4.1 ENTRANDO NO MERCADO – OS ENTRAVES NA DISTRIBUIÇÃO............................ 41 4.2 A FACILITAÇÃO DO ACESSO A OBRA FÍLMICA............................................ 51 4.3 A DISTRIBUIÇÃO E A RESERVA DE MERCADO............................................. 54 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 58 6. REFERÊNCIAS........................................................................................................ 60 7. APÊNDICE............................................................................................................... 65 1. INTRODUÇÃO Durante muito tempo o cinema brasileiro apresentou dificuldades na produção de obras cinematográficas. Os equipamentos eram escassos e quase não havia mão de obra técnica especializada na área. Desta forma, a cinematografia do país foi sendo inserida e caracterizada pela curiosidade de alguns jovens pertencentes a famílias que detinham um capital financeiro mais elevado e puderam trazer para o Brasil as primeiras câmeras que filmavam, vindas da Europa. Com a chegada dos equipamentos deu-se início a realização de produções amadoras que, atreladas ao interesse pela sétima arte, fizeram surgir os ciclos regionais. Os ciclos apresentavam em suas narrativas filmes que mostravam o país e seus hábitos para o mundo. Com o passar do tempo, as histórias contadas passaram a registrar imagens do dia a dia do local, com notícias jornalísticas e registros de fatos cotidianos, gerando um interesse do público pernambucano frequentador das salas de cinema existentes no estado. A distribuição dos filmes acontecia de forma improvisada, sem planejamento. As obras eram levadas aos exibidores (donos das salas de cinema) numa tentativa de negociação para ser exibido. Com a chegada do cinema norte-americano os conglomerados de empresas produtoras internacionais (majors) acabaram por ‘invadir’ o mercado nacional e as salas de cinema. Assim, com a entrada das grandes produções americanas nas salas de exibição o cinema nacional, que ainda começava a se apropriar das técnicas e tentava obter uma janela exibidora no mercado, ficou praticamente a margem do circuito tendo que lutar para conseguir ter seu filme exibido. Algumas políticas de incentivo foram criadas a fim de incentivar a produção nacional, mas essas ações ocorriam de maneira provisória - como uma ação fomentadora do Estado - e acabavam sendo modificadas ou se perdiam entre um governo e outro. Entre as medidas que deveriam proteger a produção nacional, a criação da cota de tela auxiliou na entrada dos filmes nas salas, mas as condições para a realização das produções ainda eram precárias. Devido à falta de preparação técnica e a verba limitada os filmes ainda encontravam dificuldades para serem produzidos. Assim, foram criados alguns órgãos e leis para fomento do cinema no país (INC – Instituo Nacional de Cinema; Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S/A; Lei Rouanet 8.313/91; Lei do Audiovisual 8.685/93; Ancine – Agência Nacional do Cinema). 10 Algumas dessas medidas visavam à distribuição dos filmes fora do país, outras tinham o intuito de profissionalizar as produções trazendo técnicos e equipamentos do exterior. No geral, com o passar das décadas e dos governos foram criadas leis de incentivo - tanto público quanto privado - que visavam fomentar as atividades culturais no país. Porém, os mecanismos que visavam à distribuição dos filmes sempre foram deixados em segundo plano, fazendo com que as majors (que além de possuir capital para a produção, detinham o poder de grandes empresas distribuidoras impondo a circulação e exibição dos filmes em vários países) continuassem dominando a maior parte das salas de cinema, tornando injusta a disputa com o filme nacional. Apesar da criação da lei da cota de tela os filmes ainda encontravam dificuldades para usufruir de seus benefícios devido à ausência de mecanismos fiscalizadores, continuando “reféns” da vontade dos exibidores. Com a chegada das televisões e do home vídeo era possível assistir um filme sem sair de casa, diminuindo assim a quantidade de pessoas que iam as salas de cinema. As majors continuaram dominando o mercado com a grande divulgação de seus filmes, sempre repleto de estrelas consagradas no cinema - o star system - além do forte marketing que envolve os grandes personagens com a venda de souvenirs e as milionárias campanhas publicitárias, tornando sempre mais complicada a disputa com o cinema brasileiro. O cinema do século XXI já não enfrenta tantos problemas no que diz respeito à produção de filmes, conseguindo ter uma produção regular, com algumas obras que fazem sucesso de bilheteria e lotam as salas de cinema (a exemplo dos filmes produzidos pela Globo Filmes). Porém, ainda existe uma grande quantidade de filmes que são financiados com verba de editais públicos e ficam restritos a poucos festivais de cinema por falta de espaço para circulação nos grandes cinemas, dificultando o acesso da população a um bem cultural. Tomando por base o cinema realizado em Pernambuco, o presente projeto pretende conceber um diagnóstico da atual situação da distribuição dos filmes realizados no estado tendo em vista a qualidade dos filmes independentes2 produzidos atualmente. 2 Entende-se aqui por cinema independente ou alternativo, os filmes que são realizados e distribuídos à margem da indústria cinematográfica de apelo mais comercial. 11 Assim como o cinema nacional, o cinema realizado em Pernambuco também passou por dificuldades causadas pela falta de incentivo público, fazendo com que a produção do Estado diminuísse consideravelmente após o ciclo do Super 8. Nos anos 1990, a cena local conseguiu produzir mais um longa-metragem e recuperou o fôlego para retomar as produções: Baile Perfumado (1996), dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Ainda sem muitos incentivos que auxiliassem a produção de obras audiovisuais, a classe cinematográfica reivindicou ao Estado a necessidade de um fomento que oferecesse continuidade as produções. Com o objetivo alcançado, surge uma diversidade de filmes independentes que, apesar de terem destaque no mercado de festivais nacionais e internacionais, ainda encontram dificuldades para serem distribuídos. Nesse sentido, a presente pesquisa tem como objetivo realizar uma análise sobre a distribuição do cinema pernambucano que, atualmente tem sido aclamado pelos críticos e tem chamado à atenção de um público que se interessa cada vez mais por outras ‘formas’ de cinema, tanto no Brasil quanto no mundo. Tendo como foco o período que compreende os anos entre 2002 e 2012, tem como ponto de partida um gargalo presente no mercado que dificulta uma das etapas tão importantes quanto à produção: a distribuição. Assim, será realizada uma pesquisa para compreender desde quando essa brecha está presente no mercado até ao que já foi proposto como solução desse problema. Pensando nas possibilidades das novas tecnologias e no destaque que os filmes feitos em Pernambuco têm tomado, o projeto busca ainda diagnosticar como os produtores audiovisuais têm feito para driblar as carências do mercado distribuidor e o que fazem para dar escoamento ao seu filme, além de identificar quais as maiores dificuldades encontradas nesta fase crucial: a de colocar o filme em contato com o público. 12 2. CINEMA PERNAMBUCANO X CINEMA NO BRASIL: DESENVOLVIMENTO E DISTRIBUIÇÃO 2.1 CONTEXTO HISTÓRICO – CINEMAS PERNAMBUCANOS E O MERCADO NACIONAL Tendo em vista o crescente desenvolvimento no cenário cinematográfico nacional do século XXI, e, de forma ainda mais específica do cinema realizado em Pernambuco, fica evidente a facilidade para realização de uma obra audiovisual. Essa facilidade pode ser atribuída ao avanço tecnológico, que possibilita a popularização de equipamentos técnicos com boa qualidade e preços mais baixos, além de uma política de incentivos no setor audiovisual. Para compreender melhor o cenário da produção audiovisual no país, alguns dados do mercado serão apresentados. De acordo com a Ancine, no ano de 2002 foram lançados 29 filmes brasileiros de longa-metragem, número que chega a triplicar em 2011, com o lançamento de 99 longas. Já no cenário audiovisual pernambucano que, de acordo com os dados da Ancine por estado produtor, Pernambuco só possui um filme lançado em sala comercial entre os anos de 2002 a 2007: Cinema, Aspirina e Urubus (2005), dirigido por Marcelo Gomes e entre os anos de 2008 a 2012 contabiliza o lançamento de 10 longas-metragens, quatro desses só no ano de 2011. Assim, fica evidente a crescente efervescência audiovisual que se desenvolve no país e no estado pernambucano. Além da facilidade de acesso à tecnologia ser um fato crescente com o passar dos anos, outros fatores tem incentivado o fortalecimento das produções no país: editais públicos e privados fortalecem o mercado e auxiliam na produção do cinema independente. Com a crescente produção, existe um número cada vez maior de obras audiovisuais que demandam escoamento, porém o número de salas de cinema ainda é pequeno diante da expansão no setor, ficando evidente o gargalo no mercado. Apesar dos incentivos públicos na produção de filmes, ainda são poucos os longas que conseguem espaço para serem exibidos a um grande público. As grandes salas de exibição, concentradas em sua maioria nos shopping centers (Multiplexes), se interessam em exibir filmes com apelo mais comercial (blockbusters), pertencentes as cifras das grandes bilheterias da indústria cinematográfica. 13 Informações referentes à bilheteria de 2012 divulgadas pela Ancine mostram que a renda total gerada pela arrecadação dos filmes brasileiros foi de R$ 157.262.028,00 enquanto que a renda com os filmes estrangeiros foi de R$ 1.455.643.853,00, uma diferença que evidencia a carência do mercado distribuidor. Os filmes nacionais têm conquistado um espaço cada vez maior dentro desse nicho, mas inevitavelmente estão inseridos dentro do interesse e condições comercias dos exibidores. Em suma, os filmes que possuem maior alcance de público e maior apelo comercial têm seu escoamento realizado pelas grandes empresas distribuidoras atuantes no mercado, tornando a ‘disputa’ por um lugar ao sol cada vez mais difícil para os filmes independentes. Porém, o mercado tem emitido bons sinais no que se refere à distribuição dos filmes nacionais. Outro fato que deve ser visto com otimismo é o crescente desempenho que as produtoras nacionais obtiveram em relação às distribuidoras internacionais (com relação à distribuição dos filmes brasileiros). Dados da Ancine sobre a distribuição mostram que a participação na venda de ingressos para filmes nacionais dobrou, passando dos 35% em 2009 aos 70% em 2011. Essa consolidação do mercado distribuidor nacional que tem atuado na distribuição de filmes nacionais bem como em coproduções internacionais- acaba reverberando tanto no apoio financeiro às obras quanto na facilitação do acesso desse produto no mercado. Atuando ainda no apoio a distribuição dos filmes brasileiros, a Ancine auxilia no fomento à distribuição com a criação da linha C no Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), direcionado para a aquisição dos direitos para distribuição de obras cinematográficas de produção independente, tendo contado com 29,7% do total dos recursos do fundo em 2011 (R$ 25 milhões). Assim, a renda que as distribuidoras nacionais obtiveram com os filmes brasileiros cresceu, passando de R$ 47.636.692,00 (2009) para R$ 113.129.203,00 (2011), enquanto que a renda das distribuidoras internacionais com os filmes brasileiros caiu – indo dos R$ 81.659.422,00 em 2009 aos R$ 50.126.264,00 em 2011. Apesar do evidente crescimento do setor distribuidor no cenário nacional, o mercado de distribuição do cinema independente (menos comercial), como o de Pernambuco, ainda precisa buscar outras formas/mecanismos para colocar seu filme no mercado tendo em vista que os estados mais beneficiados com os fundos e incentivos do governo ainda são Rio de Janeiro e São Paulo. Enquanto que entre os anos de 1995 a 2011 o Rio de Janeiro colocou em circulação 436 filmes; Pernambuco chega aos 11 14 filmes, tendo conseguido produzir filmes em anos consecutivos apenas a partir de 20083, ficando evidente a diferença de incentivos direcionados às regiões produtoras. Toda essa desigualdade de investimentos reverbera tanto na etapa da produção quanto na distribuição dos filmes. A partir desses dados é possível realizar a comparação entre dois filmes lançados no ano de 2012, um pernambucano e outro carioca, que obtiveram grande alcance de público: Era uma vez, Verônica (2012), dirigido por Marcelo Gomes e Até que a Sorte nos Separe (2012), dirigido por Roberto Santucci Filho. Enquanto que o filme de Marcelo Gomes contou com 13 salas para exibição e um público de 16.387 pessoas, fazendo assim uma renda de R$ 189.671,08 o filme de Roberto S. Filho foi exibido em 425 salas e teve um público de 3.322.561 pessoas, obtendo uma renda de R$ 33.869.880,694·. Dessa forma, sem o alto investimento em marketing o cinema independente precisa buscar outros canais de distribuição e outras maneiras de chegar ao seu público. Semelhantemente à história do cinema brasileiro, o cinema pernambucano teve ciclos de produção cinematográfica que proporcionaram ao estado o destaque de um dos pólos produtores mais importantes do país. Seja nos anos vinte com o Ciclo do Recife ou com os filmes do Ciclo do Super 8 na década de oitenta ou ainda com a influência do Manguebeat no vídeo dos anos 90 e o sucesso de Baile Perfumado (1996), dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Mesmo tendo passado alguns anos sem o fomento e o auxílio de políticas públicas do governo, a partir dos anos 2000 a cena audiovisual pernambucana volta a produzir, atraindo novamente olhares para a produção no estado. 2.2 A HISTÓRIA EM CICLOS X CINEMA NO BRASIL O ciclo de 20 ou Ciclo do Recife surge no início de 1920, num nordeste que vive um período econômico ruim e começa a se encantar pela sétima arte. Apesar da efervescência política vivenciada no período e de uma péssima fase econômica em que o poder da cana-de-açúcar entra em declínio, levando o prestígio social nacional para São Paulo e Rio de Janeiro, a política não possui grandes influências nas produções do estado pernambucano. 3 4 Dados Ancine/Oca. Dados Ancine/Oca. 15 O esquema de produção dos filmes era improvisado, sendo financiado com os recursos dos próprios realizadores, sem nenhum fomento do Estado. Suas histórias possuíam a inserção dos valores regionais agregados ao modelo de narrativa cinematográfica americana. Foi considerado um dos movimentos mais importantes do cinema mudo regionalista e durou um período de oito anos (1923 a 1931). O Ciclo do Recife, além de ter sido o primeiro grande movimento cinematográfico na história do cinema pernambucano, foi o mais produtivo dos ciclos regionais do início do século XX no Brasil. Foram produzidos 13 filmes de ficção em pouco mais de oito anos (...) (CUNHA, 2006, p. 7). Das produções realizadas destacam-se: Aitaré da Praia (1925), dirigido por Gentil Roiz e Ary Severo e A filha do advogado (1926), dirigido por Jota Soares. Durante o ciclo Recife surgiram diversas produtoras de cinema no estado a exemplo da Aurora Filme, Olinda Filme, Vera Cruz Filme, Iate Filme, Veneza Filme, Spia Filme, Goiana Filme, entre outras que realizavam grande parte das produções. As primeiras obras possuíam forte influência narrativa do cinema norteamericano, mas a partir de Aitaré da Praia (1925) temos um drama mais regional que tem como pano de fundo um romance que se passa em uma colônia de pescadores. Já em Reveses (1927), dirigido por Chagas Ribeiro surge o drama dos camponeses que trabalham nas terras de um rude coronel de engenho (DUARTE, 1995). As dificuldades relacionadas com a parte técnica e financeira dos filmes eram superadas pelo empenho que os realizadores tinham com suas produções. O empenho resultou em trabalhos que marcaram a cinematografia da cidade do Recife e do Brasil. Vista de longe, a extensa produção do Ciclo do Recife aparenta ter sido marcada pela empolgação de todos que a ela estiveram ligados. Mesmo enfrentando dificuldades – que iam desde a revelação da película até a exibição e distribuição dos filmes -, foram fundadas no período nove firmas produtoras diferentes e rivais (CUNHA, 2006, p. 27). Entre as razões para o fim do ciclo destacam-se: a carência de distribuição adequada na capital pernambucana, a chegada dos filmes sonoros e a ausência de incentivos fiscais e financiamentos públicos. Com o início do uso do som direto no cinema eram necessárias mudanças nas salas de exibição e mais recursos para a produção dos filmes. 16 Como a estrutura de produção audiovisual era bastante precária - tanto no Recife quanto no cenário audiovisual do Brasil -, a distribuição era feita quase que em uma iniciativa de “porta a porta”, onde os próprios realizadores ofereciam o filme aos donos da sala de exibição, para ver se havia um interesse em exibi-lo. Alex Viany afirma que esta prática fez com que produtoras de estados distantes das grandes metrópoles perdessem o controle sobre a exibição de seus filmes, como a Aurora Films de Pernambuco, que entregou a primeira cópia de A Filha do Advogado a um cidadão que desapareceu com ela no sul do país (SIMIS, 2008, p. 79). Com o final do ciclo do Recife registra-se certa diminuição no ritmo das produções e só em 1942 é realizada a produção de um filme sonoro O Coelho Sai (1942), dirigido por Newton Paiva, o primeiro filme sonoro de Pernambuco. Entre os anos 50 e 60 iniciam-se atividades cineclubistas no estado, com destaque para os cineclubes Projeção 16, Vigilanti Cura e o Cine Clube do Recife. (FIGUEIRÔA, 1994 p. 26). No início dos anos setenta, a produção cinematográfica em Pernambuco era quase nenhuma. No final da década anterior, vários grupos tentaram viabilizar alguns projetos resultando apenas, quando muito, em roteiros não filmados ou obras inacabadas (FIGUEIRÔA, 1994, p. 28). No geral, o cinema brasileiro foi sendo formado a partir dos ciclos, devido à falta de constância das produções. Esse fato sinaliza a dificuldade que a cena audiovisual tinha e a forte carência técnica que influenciava várias etapas da construção cinematográfica: produção, estética, público, exibição e distribuição, além da disputa com o cinema norte-americano pela ocupação do mercado nacional. Algumas medidas protecionistas foram instauradas a fim de fomentar o cinema nacional, uma delas é a cota de tela. A cota de tela foi estabelecida em 1934, tomando por base o decreto nº 21.240 de 1932 que determinava a exibição de um filme educativo a cada sessão, passando depois a ser estendido aos filmes de longa-metragem com o decreto-lei 1949/39, durante o Estado Novo. A medida estabelece uma quantidade de dias obrigatórios para exibição do filme brasileiro, votada por um decreto que acontece uma vez a cada ano. De acordo com a Ancine, em 1950, cada sala teria que exibir pelo menos 6 filmes brasileiros por ano. No ano seguinte, 1951, passa a ser vigorada a lei do 8x1 que faz uso do critério da proporcionalidade, devendo ter no mínimo 42 dias de exibição de 17 longas-metragens brasileiros. Em 1959, foi determinada mais uma mudança que vigora até os dias atuais, onde é estipulado o número de dias fixos para exibição no ano. Porém, a falta de fiscalização ainda dificulta o cumprimento da lei, facilitando a dominação norte-americana no mercado nacional. Com a criação de leis e medidas que visavam proteger a produção nacional, começaram a surgir as primeiras empresas audiovisuais no país. Criada em 1949, a Vera Cruz foi uma das pioneiras a realizar investimentos de produção no setor cinematográfico. Possuía um estúdio com mais de 100 mil metros quadrados, além de ter uma infraestrutura repleta de equipamentos modernos e técnicos do exterior, como o brasileiro Alberto Cavalcanti que trabalhava com a sétima arte na Europa e foi convidado a dirigir a companhia. Entre as produções da empresa estão os filmes: O Cangaceiro (1952), dirigido por Lima Barreto e escolhido como melhor filme de aventura em Cannes; e Sinhá Moça (1953), dirigido por Tom Payne que foi ganhador do Urso de Prata no Festival de Berlim e do Leão de Bronze no Festival de Veneza. Porém, o sucesso e a repercussão internacional das produções não conseguiram ter continuidade e o sucesso de bilheteria não retornou como lucros para a companhia. Sem um esquema de distribuição sólido era difícil colocar as produções na cena internacional. Nos anos 1950, especialmente em decorrência da experiência da Vera Cruz, fica claro que para além de grandes capitais, estúdios, equipamentos de ponta, técnicos de primeira linha e artistas talentosos, fazia-se necessário buscar articular melhor a produção com a distribuição, posto que este último setor se encontrava dominado pelo capital estrangeiro e constitui-se no elo central que permite o acesso do filme ao mercado. Duas foram as principais respostas à questão da distribuição: a formação de uma distribuidora única de filmes brasileiros ou a associação com as distribuidoras norte-americanas (NETO, 2009, p.04). A empresa nunca chegou a decretar seu fim, mas as produções tornaram-se cada vez menores. A distribuição de filmes sempre foi uma lacuna presente no cinema brasileiro, desde os ciclos, porém com a carência técnica ainda dificultando o desenvolvimento da produção cinematográfica outras demandas ganharam prioridade nas medidas de incentivo. Ainda assim é latente o interesse em pensar na distribuição de filmes no país, o que começa a ser debatido no I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro: 18 (...) no I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em 1952 o crítico e cineasta Alex Viany apresenta uma tese intitulada “Distribuidora única para os filmes brasileiros”. Em texto publicado em 1954, o mesmo Viany afirma que a distribuição é um “problema fundamental” e defende a criação da distribuidora única de filmes brasileiros financiada pelos produtores cinematográficos e com fiscalização do Estado. Na mesma época, o crítico ataca o fato de a Vera Cruz entregar a distribuição dos seus filmes para empresas estrangeiras. Em 1961 surge o projeto assinado pelo cineasta César Mêmolo, pelo exibidor José Borba Vita, pelos críticos Almeida Salles e Rubem Biáfora de constituição de uma distribuidora única para os filmes brasileiros bancada pelo estado de São Paulo, ou seja, uma distribuidora estatal. Trata-se do prenúncio do que foi colocado em prática pela Embrafilme (NETO, 2009, p. 04). A implantação da Vera Cruz no mercado cinematográfico brasileiro acaba por proporcionar outras experiências técnicas, resultando no surgimento de filmes que buscam criar uma identidade narrativa e visual mais brasileira. Com o crescimento das produções e a falência de grandes companhias cinematográficas existe o surgimento de outro movimento que marcou a cinematografia nacional: o Cinema Novo. “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, a frase de Glauber Rocha5 marca o processo de surgimento desse novo ciclo/movimento. Essa nova geração de cineastas estava interessada em produzir filmes que superassem os obstáculos financeiros que dificultavam a realização das obras e assim, dedicaram-se a realização de um cinema popular, com uma linguagem que desejava transmitir um pouco mais da cultura brasileira. Suas narrativas queriam trazer a discussão da realidade nacional. Os filmes tinham preferência pelos cenários naturais, pela presença de diálogos longos entre os personagens e possuíam poucos movimentos de câmera. As histórias eram repletas de nordestinos e trabalhadores rurais, evidenciando na narrativa uma crítica a atual situação do país: a “trajetória no subdesenvolvimento” (GOMES, 2001) e ao tom artificial que o movimento percebia no cinema americano. Entre os filmes que tiveram destaque durante o movimento estão: Rio 40 graus (1955), dirigido por Nelson Pereira dos Santos; Vidas Secas (1963), também dirigido por Nelson Pereira dos Santos e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), dirigido por Glauber Rocha. O cinema novo se destacava por uma crítica forte ao subdesenvolvimento e, numa outra fase do movimento, acaba por dialogar com a instauração da ditadura militar no Brasil. 5 Glauber de Andrade Rocha foi um dos integrantes mais importantes do cinema novo, movimento iniciado no começo dos anos 1960. Com o princípio de "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça", deu uma identidade nova ao cinema brasileiro. 19 É em meio à carência de empresas que se interessem em distribuir as produções independentes, que começa a ser pensada a criação de uma empresa distribuidora brasileira, que realizasse a distribuição dos filmes independentes. Eis que surge no Rio de Janeiro a Difilm. A DIFILM, distribuindo os filmes destes produtores no mercado brasileiro e coordenando a distribuição internacional, recebe os fundos econômicos que permitem o desenvolvimento da produção independente. Neste caso é realmente independente, pois a DIFILM, defendendo uma posição que é a mesma da ideologia do cinema novo (é o cinema novo que constitui a DIFILM!), estimula e o mesmo exige o aumento de qualidade (ROCHA, 1981, p. 85). A distribuição passa a ser discutida como um assunto mais frequente na cinematografia nacional, na tentativa de viabilizar o escoamento do filme brasileiro. Dessa forma, algumas medidas chegam a serem propostas, a exemplo da Lei 4.131 de 03 de setembro de 1962, a qual estabelecia que os distribuidores de cinema que explorassem o mercado exibidor brasileiro deveriam pagar imposto de renda ao enviarem os lucros da arrecadação aos representantes da empresa no exterior, mas as atividades cinematográficas no país continuam sem um órgão que possa regulamentar suas atividades. A partir da criação do Instituo Nacional do Cinema (INC) em 1966, através da criação do artigo 35 no decreto-lei nº 43 de 18 de novembro de 1966, o cinema nacional começa a ter suas salas exibidoras fiscalizadas. A criação do INC tinha o objetivo de viabilizar a produção dos filmes nacionais e levá-los as salas de cinema. O instituto propunha a ideia de organizar e colocar em prática uma política de incentivo governamental com ações voltadas a produção, exibição e distribuição da obra nacional, bem como sua promoção no exterior. Assim, o Brasil assumiu o financiamento das produções de forma direta, utilizando-se de percentuais incorporados à venda de ingressos e a exibição de filmes estrangeiros como forma de captar recursos para o instituto. Com a criação do INC, o artigo nº 45 da lei 4.131/62 passa a destinar parte da renda do imposto às produções associadas realizadas pelo Instituto (SIMIS, 2008). O Instituto Nacional do Cinema acaba perdendo seu propósito inicial, deixando de ter destaque no mercado audiovisual. Em 12 de setembro de 1969, através do decreto-lei nº 862 é criada a Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S/A. A Embrafilme surge como um órgão com o intuito de fomentar o setor audiovisual, sendo 20 assim responsável pelas atividades culturais e pelo mercado externo. Tinha a função de possibilitar o desenvolvimento industrial do cinema. Porém, nem toda a classe cinematográfica ficou contente com essa ‘criação’, já que as atividades da Embrafilme estavam relacionadas exclusivamente com a distribuição dos filmes brasileiros no exterior e não na deficiência do mercado, a qual necessitava de viabilização financeira e fortalecimento como indústria cultural. A empresa obteve êxito em sua atuação no mercado cinematográfico nacional, alavancada pelos sucessos que levaram o público as salas de cinema. Entre os filmes de sucesso podemos citar Bye Bye Brasil (1979), dirigido por Carlos Diegues; Pixote, a lei do mais fraco (1981), dirigido por Hector Babenco e Memórias do Cárcere (1984), dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Com o sucesso de bilheteria desses filmes algumas mudanças ocorrem no funcionamento da Embrafilme. De acordo com o Centro Técnico Audiovisual (CTAV), em 1980, os espectadores de filmes brasileiros ocuparam 35% do mercado nacional, e a média de espectadores por filme brasileiro alcançou a marca de 239 mil espectadores, 30 mil a mais que o filme estrangeiro. Com o otimismo resultante da boa arrecadação de bilheteria e a partir de modificações aclamadas pela classe audiovisual, a Embrafilme passa a realizar uma série de medidas que auxiliam e acabam por fortalecer o mercado cinematográfico brasileiro (incentivo à produção, distribuição e exibição), porém a entidade continuaria a passar por reformulações até perder força e ter dificuldades para continuar realizando suas atividades. Vários fatores foram apontados como justificativa do declínio da Embrafilme, entre eles: o progresso técnico do cinema americano e a maior força de conquista nos mercados da América Latina, a dolarização das atividades cinematográficas no país, a falta de capacidade de o Estado dar continuidade no investimento devido à crise no petróleo e por fim, a forte queda do público frequentador das salas de cinema graças à difusão dos aparelhos de televisão e home vídeo (vídeo cassete). Desde a década de 1970 o cinema começa a perder seu público para as novas tecnologias, tanto no Brasil como no mundo. Com os novos dispositivos, surgem novos hábitos de consumo e parte do público, que ia às salas de cinema para ver um filme, passa a consumir o produto em sua própria casa. No caso brasileiro, o público, que comprava mais de 200 milhões de ingressos anuais na década de 1970, despencou para a metade desse nível na 21 segunda metade da década seguinte (...) (EARP; SROULEVICH, 2009, p.182). Em meados de 1970, o mercado internacional lança a bitola do Super 8, fato que iria produzir um novo ciclo no cinema pernambucano. Filhos de famílias de classe média do Recife começam a ter acesso as câmeras de super 8. Muitas dessas câmeras foram compradas com o intuito de registrar imagens familiares (devido ao seu tamanho compacto e com gravação do som inclusa), mas acabaram sendo responsáveis pelo surgimento de um novo ciclo na cinematografia pernambucana: o ciclo super 8. O Super 8 surge como um cinema doméstico e, dessa forma, acabou por facilitar a grande quantidade de filmes produzidos neste formato. Nos dez anos de duração do ciclo (1973-1983) foram produzidos mais de duzentos filmes entre curtas, médias e longas-metragens, a maioria curtas-metragens (FIGUEIRÔA, 1994). Os filmes possuíam propostas estéticas bastante individualizadas, porém, via-se surgir uma estrutura de auxílio entre os realizadores, facilitando o processo de produção dos filmes. As obras realizadas tinham em suas narrativas ficções que denunciavam as injustiças sociais, temas urbanos, documentários sobre a cultura rural nordestina e filmes experimentais que faziam crítica à cultura. Os filmes do ciclo super 8 começam a ser exibidos no circuito de festivais de cinema nacionais, a exemplo da Jornada de curtas-metragens na Bahia. Porém os filmes não possuíam muitas janelas de exibição no Recife (devido à falta de projetor adequado para o formato do super 8), fator que dificultou a distribuição dos filmes. Na tentativa de exibir as produções, em novembro de 1977 realizou-se o 1º Festival de Cinema Super 8 do Recife. Nesse mesmo ano, é criado em Recife o Grupo 8, ou Grupo de Cinema Super 8 em Pernambuco, que se consolida como entidade de apoio à produção do cinema em super 8 (FIGUEIRÔA, 1994). Entre as realizações que tiveram mais destaque no ciclo estão: Valente é o Galo (1974) de Fernando Spencer; O Palhaço Degolado (1976) de Jomard Muniz de Brito; Esses Onze Aí (1978), de Geneton Moraes Neto e Paulo Cunha; Robin Hollywood (1977) de Amin Stepple e o último filme do ciclo, Morte no Capibaribe (1983) de Paulo Caldas. Com o declínio do Ciclo Super 8 e a chegada do vídeo cassete, tem-se fim outro ciclo no estado. O modo como se fazia cinema em Pernambuco na década de 80 não parece ser radicalmente diferente da maneira de produzir observada no início do século XX, no Recife: dependia, sobretudo, da motivação e colaboração entre 22 grupos de jovens que se reuniam, de modo ainda pouco profissionalizado, para produzir filmes (NOGUEIRA, 2009, pp. 23-24). Essa vontade de fazer filmes não estava contida apenas nos cineastas da capital pernambucana, o desejo de fazer cinema estava presente em quase todo território nacional, principalmente nas grandes capitais, onde a “briga” com os filmes da indústria americana era cada vez maior. Porém, algumas dificuldades continuavam fazendo parte da realidade nacional: falta de fomento na produção audiovisual, pouca qualidade técnica e a falta de equipamentos. Esse fato foi se modificando com o passar das décadas e com a mudança política vivenciada no país - a saída de um regime ditatorial para a democracia. Com o fim da Embrafilme e do governo militar (1990), o Brasil passa por diversas mudanças, transitando entre a ditadura e a democracia, mesmo não havendo muita diferença no regime econômico (o capitalismo continua reinando). Assim, com a chegada de Fernando Henrique Cardoso o governo estabelece uma série de reformas nas políticas públicas. Tendo sido extinta a Embrafilme, o segmento audiovisual acaba ficando ‘abandonado’, sem um órgão que regule e auxilie o andamento das atividades. Assim, a concorrência com as empresas estrangeiras cresce ainda mais, dificultando o crescimento do setor. Dessa forma, fica evidente a ausência de políticas públicas direcionadas para o crescimento do cinema nacional. A partir da carência de uma atividade/entidade que fomentasse o setor cultural é criada, em 1991, a Lei Rouanet - lei nº 8.313/91- a qual diminui o imposto sobre a renda de empresas que patrocinem projetos culturais, tanto de pessoa física quanto jurídica. Com a criação da Lei Rouanet o cinema volta a receber incentivo do Estado, dando início a uma fase de fomento no mercado cinematográfico brasileiro. Dois anos depois, em 1993, o Congresso Nacional sanciona a Lei nº 8.685/93, conhecida como Lei do Audiovisual, mecanismo de incentivo fiscal de fomento específico do setor audiovisual (SILVA, 2010, p.44). Nesse contexto, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) surge não só como um órgão regulador das atividades cinematográficas, mas também como uma espécie de fiscal da legislação no mercado que é responsável por executar a política nacional de fomento ao cinema. Todavia, a Ancine ainda carrega um fardo contraditório em suas atribuições, pois ao mesmo tempo em que é aclamada por suas ações de incentivo à 23 produção cinematográfica independente e consequente aumento da produção, é também criticada por alguns pesquisadores pelos seguintes motivos: pela forma de incentivo direcionada ao projeto e não à empresa produtora; pelo intenso processo de internacionalização por meio do qual as majors foram incentivadas a participar diretamente da produção nacional e da instalação dos monopólios e oligopólios internacionais nos setores de distribuição e exibição; pela falta de diálogo com o setor televisivo; e pela incipiente ação do Estado para a formação de público para o filme nacional. (SILVA, 2010, p. 46-47). Apesar da criação das novas leis e da implantação da Ancine, no que diz respeito ao cenário audiovisual pernambucano, essas medidas não foram tão expressivas. Mesmo tendo o objetivo de fortalecer o mercado cinematográfico brasileiro, as leis acabavam por privilegiar as produções mais comerciais de estados como Rio de Janeiro e São Paulo. Ainda assim, a produção de curtas-metragens em Pernambuco se intensificou, fato que acabou desencadeando uma pressão dos realizadores a fim de que fossem desenvolvidas iniciativas que viabilizassem a produção no estado. Entre as produções de curtas-metragens do período estão: Cachaça (1995), dirigido por Adelina Pontual; That´s a Lero Lero (1995), dirigido por Lírio Ferreira e Amim Stepple; Maracatu, Maracatus (1995), dirigido por Marcelo Gomes; Simião Martiniano – o camelô do cinema (1998), dirigido por Hilton Lacerda e Clara Angélica; Clandestina Felicidade (1998), dirigido por Beto Normal e Marcelo Gomes; O Pedido (1999), dirigido por Adelina Pontual, entre outros. Ainda antes dessa retomada da produção audiovisual no Estado, Marcelo Gomes, ao retornar da Inglaterra em 1993, funda com Adelina Pontual e Cláudio Assis, a produtora Parabólica Brasil, que teve um importante papel articulador nesse cenário de retomada que se delineou em meados dos anos 90 (NOGUEIRA, 2009, pp.39-40). Toda essa efervescência na cinematografia da região acaba por encontrar na música novas inspirações estéticas e narrativas através do surgimento do Manguebeat6. Um estava ligado ao outro. As músicas do Manguebeat serviam de trilhas para alguns filmes, o audiovisual servia como ferramenta legitimadora através dos videoclipes e, assim, a produção cultural de Pernambuco volta a sua efervescência dos primeiros ciclos. 6 Movimento musical fortemente influenciado pelas raízes da cidade – o mangue, o maracatu, a contemporaneidade da música eletrônica -, com um visual carregado de signos culturais. O movimento musical buscou no audiovisual pernambucano parcerias para a realização dos videoclipes da banda, tendo exercido influência em diversas áreas artísticas do estado, como o cinema. 24 O grande marco da produção do grupo foi mesmo o filme Baile Perfumado (1996), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Na realização do Baile, todos os que estiveram envolvidos na produção de curtas na década de 80 voltaram a se reunir para realizar um filme de longa-metragem em Pernambuco, após um período de quase duas décadas sem a realização de um filme de longa duração no Estado (NOGUEIRA, 2009, p. 45). O Baile Perfumado (1996), dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas surge então como marco na retomada do cinema em Pernambuco. A retomada na cena audiovisual brasileira veio para trazer de volta as telas filmes que, após tantos sucessos, chegaram a diminuir fortemente sua produção. O primeiro presidente eleito de forma democrática, Fernando Collor de Melo, espezinhou em cima das conquistas do setor cinematográfico. Nos seus dois anos de mandato (foi deposto por um impeachment em 1992), ele pôs fim a diversos órgãos culturais - como a Embrafilme - e ainda rebaixou o Ministério da Cultura a Secretaria, inviabilizando assim a produção no país. No ano de 1992, apenas três filmes de longa-metragem foram lançados, com menos de 1% de participação no mercado (ALMEIDA E BUTCHER, 2003). De todo modo, permanece o fato de que as mudanças políticas nacionais ocasionaram mudanças significativas no panorama cultural e, consequentemente, cinematográfico do país. Mesmo com poucas cópias e dificuldades de distribuição, divulgação e exibição, o cinema brasileiro voltou a despertar a atenção do público e da imprensa. Além dos filmes de Xuxa e dos Trapalhões, sempre prestigiados pelas massas, outros filmes brasileiros começaram a passar a casa de 1 milhão de espectadores, como Carlota Joaquina, O quartrilho, Central do Brasil (NAGIB, 2002, p. 13). É com o marco cinematográfico da retomada do cinema brasileiro e devido às solicitações do setor cinematográfico que, paulatinamente, houve uma espécie de reformulação dos incentivos estatais para o fomento na cena audiovisual do país. Mesmo tendo sido sancionado em 1993, data de sua criação, o art. 3º da Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685/93) só passa a ganhar força no fomento ao mercado interno em 2002, após serem feitas alterações na MP 2228-1/01. O Art. 3º da Lei do Audiovisual incide sobre os créditos e as remessas para o exterior em decorrência da exploração comercial de obras audiovisuais no território brasileiro. Ao realizar a remessa (ou o crédito) para o exterior, os detentores dos direitos de comercialização da(s) obra(s) pagam imposto de renda sobre os valores, segundo a legislação vigente. Caso o contribuinte faça a opção pelo Art. 3º da Lei do Audiovisual, há o abatimento de 70% do valor do imposto de renda a pagar para o investimento na 25 coprodução de obras audiovisuais brasileiras de produção independente. Os 30% restantes do imposto permanecem sendo recolhidos para a Receita Federal. Caso não realize a opção, a empresa recolhe normalmente 100% do seu imposto de renda para a Receita Federal (ZAVERUCHA, 1996). Com toda essa movimentação da indústria em prol da retomada da cena cinematográfica no país o número de filmes produzidos é crescente. Entre os filmes que marcaram a retomada estão: Carlota Joaquina, a princesa do Brasil (1995), dirigido por Carla Camurati; O que é isso companheiro? (1997), dirigido por Bruno Barreto; Central do Brasil (1998), realizando numa parceria com a França, dirigido por Walter Salles; Bicho de Sete Cabeças (2001), dirigido por Laís Bodanzky; Abril Despedaçado (2001), dirigido por Walter Salles; Cidade de Deus (2002), dirigido por Fernando Meirelles; Ônibus 174 (2002), dirigido por José Padilha; Carandiru (2003), dirigido por Hector Babenco, entre outros. Os filmes da retomada passam a abordar temáticas mais sociais, onde os autores/diretores acabam adotando uma linguagem mais intimista, mais autoral, com um tom mais pessoal, buscando assim uma espécie de “conciliação” da indústria cinematográfica com o público. 2.3 O CINEMA PERNAMBUCANO DO SÉCULO XXI Pernambuco sempre esteve presente na cena audiovisual brasileira. Desde os anos 1920, durante o primeiro ciclo, no estado foram produzidos filmes que possuíam a temática do cotidiano como uma característica marcante presente na narrativa das produções, fato que se repete nas obras do século XXI. Esses temas abordados ficam fora da realidade do circuito comercial, é um cinema mais reflexivo, autoral. Assim, percebemos um cinema como forma de pensar que tem conquistado um mercado cada vez maior e vem aumentando o número de suas produções a cada ano. Como consequência dessa efervescência e da busca por investimentos que fomentassem a produção cultural do estado - apesar da falta de incentivos conseguiu produzir filmes que foram destaque no cinema nacional (como exemplo, o filme Baile Perfumado (1996), dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas ganha destaque nacional com a retomada) - foi criado um fundo que desde 2003 auxilia a produção local, o Funcultura. Criado em 2003, o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura é um mecanismo que foi concebido e instaurado pelo Governo de Pernambuco para unificar 26 as ações de fomento à produção cultural do Estado. O fundo já destinou cerca de R$ 159,1 milhões à cultura pernambucana. Em 2012, foram destinados R$ 33,5 milhões para ações culturais no Estado. O Fundo é um dos únicos mecanismos de financiamento que os produtores de filmes independentes podem utilizar para viabilizar suas produções de forma mais contínua e foi implantando devido à substituição do antigo Sistema de Incentivo à Cultura (SIC). Desde 2007 o fundo criou uma categoria intitulada de Funcultura Audiovisual, que reserva boa parte de seu montante para a produção de cinema e TV. O pessoal do setor reivindicou essa separação, dada à importância que o cinema sempre teve em Pernambuco. Isso foi aceito pelo governo e hoje temos um edital com uma característica muito importante, que é a de dar continuidade aos projetos. Ele permite que a pessoa vá cumprindo etapas de um mesmo trabalho ao longo dos anos, explica Fernando Duarte, secretário de cultura do estado em entrevista para a Revista Monet. (Revista Monet, 2013). Desde 2003 o fundo já financiou de forma parcial ou total cerca de 61 projetos de filmes longa-metragem. De acordo com o Governo de Pernambuco, em 2012, foram destinados R$ 11,5 milhões ao Funcultura Audiovisual. Uma característica do fundo que merece ser frisada é a possibilidade de financiar o projeto por partes. Ao analisar os dados coletados, é possível perceber que um mesmo filme pede financiamento para diferentes etapas da sua produção em diferentes edições do edital. Dos 61 filmes de longa-metragem financiados pelo edital, 16 foram financiados dessa forma, entre eles: Febre do Rato (2011), dirigido por Cláudio Assis – que recorreu a 5 edições do fundo; Era uma vez eu, Verônica (2012), dirigido por Marcelo Gomes – que recorreu a 4 edições do fundo; e O Som ao Redor (2012), dirigido por Kleber Mendonça Filho – que recorreu a 3 edições do fundo. Este último filme citado, O Som ao Redor, o primeiro filme de longa-metragem de Kleber Mendonça Filho tem sido bastante elogiado pela crítica nacional e internacional, aumentando ainda mais a visibilidade do cinema realizado em Pernambuco. Mesmo não possuindo um valor para realização das produções compatíveis com o mercado nacional (que fica em torno de R$ 5 milhões) o cinema B.O (de baixo orçamento) realizado em Pernambuco vem conquistando seu lugar ao sol. A partir desses dados é perceptível à continuidade da produção de filmes em Pernambuco financiados pelo Estado. Produzir não é mais a maior dificuldade do setor. Uma das 27 problemáticas contemporâneas na cinematografia nacional é como dar escoamento aos filmes produzidos. O Estado financia filmes que em sua maioria chegam a ser exibidos apenas em festivais de cinema, mesmo tendo um destaque pelo cunho artístico elevado da obra e sendo premiado internacionalmente. Pensando nisso, os próximos capítulos terão o intuito de responder a alguns questionamentos referentes à etapa da distribuição: onde circulam esses 61 filmes que foram financiados pelo Estado? Como ter acesso a esses filmes? De que forma o setor cinematográfico e o Estado têm se movimentado para buscar soluções para a carência desta etapa no processo de um filme? 28 3. DISTRIBUIÇÃO 3.1 A DISTRIBUIÇÃO DE FILMES NO BRASIL DO SÉCULO XXI A partir das ideias já esboçadas é possível perceber que a distribuição é uma carência do mercado e esteve presente em todas as épocas do cinema brasileiro. No início da instauração do cinema no país, existiam grandes dificuldades relacionadas com a realização e parte técnica do filme que, com o passar dos anos, foi se aperfeiçoando. Políticas de incentivo foram implantadas a fim de solucionar as carências do mercado, mas a lacuna no escoamento dos filmes é fato recorrente. Atualmente, a distribuição é o maior gargalo presente na produção do cinema brasileiro e continua sem um fomento bem definido por parte do Estado. Fatores como a evolução da tecnologia facilitaram a produção e podem auxiliar no escoamento dos filmes, facilitando o acesso do público. Este capítulo pretende identificar o que tem sido feito atualmente para viabilizar esta etapa fundamental do processo de produção de um filme. O cinema nacional ainda encontra dificuldades para ser exibido nas grandes salas de cinema (Multiplexes). A disputa com os blockbusters continua e ainda existem poucas salas de cinema para abarcar um número cada vez maior de produções. Entre as maiores dificuldades encontradas para distribuição de um filme está o desejo do exibidor em lucrar com a fórmula que já funciona, ou seja, dando preferência aos blockbusters que já foram “testados” em outros mercados e são garantia de sucesso/lucro. Assim, o calendário para lançamento é “dividido” com os filmes mais “pedidos”. Entre os meses de maio e julho, são lançados os blockbusters do verão norte-americano. Agosto e setembro costumam ser meses não tão ruins para os filmes brasileiros. Em Outubro e novembro, uma série de festivais e mostras nas principais cidades do Brasil em geral adia as estreias dos filmes nacionais; porém, como não necessariamente as salas são dominadas pelo produto estrangeiro, trata-se de uma época interessante. O período entre dezembro e fevereiro costuma ser dedicado ao lançamento dos filmes indicados ao Oscar (BALLERINI, 2012, p. 106). Ou seja, os lançamentos nacionais podem contar com mais ou menos quatro meses para lançarem suas produções no mercado. Vários filmes brasileiros estão conseguindo superar este calendário desfavorável e a obrigação de ser um sucesso de bilheteria no primeiro fim de semana. Como resultado, essa entrada no mercado tem estimulado o 29 crescimento da produção e, por conseguinte, contribui para o aumento do problema na distribuição (BALLERINI, 2012). Cada filme possui sua história, seu público de interesse, os possíveis nichos do mercado e suas especificidades (filme em grande escala, filme de nicho, filme médio e filme para exportação). Os filmes realizados no Brasil não possuem grandes orçamentos para a distribuição como o que acontece com os filmes norte-americanos, assim, as produtoras vêm pensando em alternativas para distribuir um filme com b.o (baixo orçamento). A distribuição deve ser pensada de acordo com o produto/filme, mas sem deixar de ter como premissa a facilitação do acesso do público a um bem cultural. Existem diversos modelos para distribuição de um filme, entre eles, o cauda longa (long tail)7 que disponibiliza uma pequena quantidade de cópias do filme no mercado. Assim, o filme é exibido em diversos festivais, ganhando legitimação do público e publicidade indireta, e, com isso passa a ser lançado em algumas salas de cinema específicas para o perfil do público, com poucas cópias. Portanto, percebe-se que mesmo os filmes de baixo orçamento possuem soluções viáveis para distribuição no mercado. O grande gargalo de distribuição não está presente no filme de baixo orçamento para nichos específicos ou nos filmes tidos como blockbusters que possuem centenas de cópias para lançamento. O grande problema do distribuidor é o filme médio. O filme médio tem um orçamento aproximado de US$ 1 milhão no Brasil (BALLERINI, 2012) e, tem grande dificuldade em gerar lucro, já que não consegue lotar as salas de cinema. Porém, muitos realizadores e produtores defendem sua inserção no mercado tendo como premissa o fato de que o cinema nacional possua certa continuidade de produção, uma espécie de industrialização do mercado. Como exemplo de um filme médio que fez sucesso no mercado, o longametragem realizado por Kleber Mendonça Filho O som ao redor (2012), com um custo de produção de aproximadamente R$ 1,8 milhão, o filme poderia ter ficado restrito ao circuito de exibição alternativo que é direcionado para os cinéfilos. Mas, ganhou 7 Difundido por Chris Anderson, o termo cauda longa é utilizado para definir a estratégia de mercado, que para obter maior sucesso financeiro, vende um leque amplo de produtos onde cada um deles é vendido em pequenas quantidades; ao invés de se limitar a venda dos poucos itens populares que possuem maior atratividade para o mercado. Sua teoria foi difundida através do artigo publicado na revista Wired, em 2004, onde ele exemplificava seu raciocínio a partir do estudo de estratégias de empresas como a Amazon.com, a Apple (iTunes) e o Netflix. Em seu livro A Cauda Longa – Do mercado de massa para o mercado de nicho – foi elaborado o conceito. 30 destaque na cena audiovisual e despontou como assunto nos comentários dos brasileiros, tendo uma campanha de divulgação simples e barata, realizada através das redes sociais, evidenciando o potencial de filmes médios. Como citado nos capítulos anteriores, várias foram às tentativas de implantação de uma distribuidora nacional que pudesse dar escoamento as produções aqui realizadas, a Embrafilme é um exemplo. Atualmente, o cinema nacional conta com a Riofilme que surgiu como outra experiência do país possuir uma distribuidora nacional. Porém, a empresa nunca conseguiu se equiparar com as distribuidoras de blockbusters internacionais e é vista com certa desconfiança por alguns produtores por possuir uma política de funcionamento um tanto quanto conturbada. Seu direcionamento no mercado tem favorecido as produções cariocas e, aliada a falta de recursos, não auxiliou expressivamente no fomento para a distribuição do cinema brasileiro. Mesmo com diversas alternativas (leis de incentivo) e tentativas (distribuidoras únicas) a distribuição continua sendo um gargalo no mercado visto que grande parte dos filmes não consegue levar as salas nem cerca de dez mil espectadores e, o home vídeo continua declinando. Esse é o desafio do cenário cinematográfico mundial - com exceção dos Estados Unidos e da Índia - dar escoamento aos seus filmes. A quantidade de salas exibidoras também não é suficiente em comparação com a quantidade de produções realizadas. É necessário um projeto de reforma e reativação dos cinemas existentes nos municípios, como no caso do cinema de Olinda e nos cinemas existentes no interior de Pernambuco. Também é de suma importância que o cinema nacional utilize as diversas janelas exibidoras que podem auxiliar na distribuição do seu filme e, para isso, ter a tecnologia e as novas mídias como uma ferramenta auxiliar nessa carência de escoamento. Portanto, é necessária a busca continuada por possíveis soluções para essa carência do mercado. A partir da ideia de que um filme só cumpre seu papel quando chega ao público, é imprescindível e viável pensar em possíveis caminhos para distribuir um filme sem ter que recorrer ao monopólio dos grandes estúdios e redes de distribuição. Essa busca já é latente e presente na indústria, mas precisa de um maior incentivo e ações fomentadoras (políticas públicas) que regulamentem este tipo de prática. 31 As iniciativas de distribuição que buscam o auxílio da tecnologia para melhorar o acesso da produção ao público tendem a crescer cada vez mais devido à forma como a internet tem se inserido nos hábitos de consumo mundiais. 3.2 AS MÍDIAS E AS NOVAS FORMAS DE DISTRIBUIÇÃO A internet e as mídias digitais têm assumido um papel cada vez maior na sociedade contemporânea, inclusive na forma de comunicação e relação social. Também podemos observar o surgimento de novos hábitos ligados ao consumo de filmes pela internet que pode se dá de forma gratuita com o acesso aos vídeos online ou através do download (remunerado ou não). Entre os dispositivos utilizados para o consumo pela internet, era o computador a ferramenta mais utilizada para tal atividade, porém com o desenvolvimento contínuo da tecnologia surgiram os tablets e os smartphones que trouxeram ainda mais mobilidade e maior tempo de conectividade. O leque de possibilidades de como consumir bens culturais online é amplo e cada vez menos o espectador tem que sair da sua casa ou de onde está para poder ver um filme. Entre as iniciativas corporativas que visam aproveitar o sucesso dessas novas mídias está à proposta da empresa Netflix8. Revolucionando o mercado do entretenimento digital e conquistando cada vez mais assinantes, a empresa tem conquistado um número cada vez maior de adeptos devido à popularização da banda larga e da facilidade de instalar o aplicativo em diversas plataformas (PCs, consoles, smartphones, aparelhos de DVD/Blu-ray, ipods, tablets, etc.). De acordo com texto de Carlo Merigo publicado no site brainstorm9, atualmente o Netflix possui 30 milhões de assinantes e é responsável por 1/3 do consumo de toda a banda na América do Norte nos finais de semana, superando HBO, iTunes, YouTube, entre outros. Para atrair cada vez mais assinantes, a empresa continua investindo alto 8 Fundada em 1997 nos Estados Unidos por dois empresários, a Netflix surgiu como uma espécie de locadora moderna onde os clientes poderiam locar um filme e ficar o tempo que quisesse com ele, tudo feito pelos correios e pela internet. Com o sucesso, surgiu o investimento de diversos investidores querendo investir na empresa (surgiu um mercado propício, ao qual diversos investidores aderiram). Dez anos depois de entrar no mercado com o home video, a Netflix teve a ideia de liberar parte do conteúdo na internet, para que seus clientes pudessem assistir através do streaming, de forma instantânea. Assim, a empresa tem atingido cada vez mais assinantes e inovando o mercado on demand. 32 para conquistar mais clientes e já começou a fazer acordos com estúdios para adquirir direito à exibição dos blockbusters. Mas a empresa também aposta em suas próprias produções e vê no mercado independente características favoráveis para o seu crescimento. A partir desta iniciativa é possível perceber como a internet está modificando os tradicionais hábitos de consumo de filmes e promete evoluir cada vez mais nesse sentido, ampliando o leque de possibilidades para a distribuição. Na contramão do mercado que busca auxílio da internet para ampliar seu público, o cinema norte-americano tem utilizado o 3D como uma espécie de isca para fisgar o espectador de volta as salas de cinema, porém não tem obtido muito êxito neste sentido. Necessitando de altos investimentos em tecnologia, o cinema em 3D precisa de aproximadamente US$ 20 milhões a mais no orçamento para ser realizado9. É comum que o filme seja feito em 2D e depois convertido para 3D. Apesar dos altos custos, algumas produções se destacaram e conseguiram arrecadações de bilheteria para compensar o investimento. De acordo com artigo de Meire Kusumoto, Avatar (2009) dirigido por James Cameron, precisou de US$ 500 milhões para possuir efeitos especiais que trouxeram a magia de volta ao cinema em 3D e assim, teve a maior bilheteria da história do cinema, arrecadando o total de US$ 2,7 bilhões de dólares (sendo 71% da receita oriunda das salas que o exibiam em 3D). Com o sucesso de Avatar, outros diretores buscaram no cinema em três dimensões o diferencial de seus projetos e fizeram sucesso. De acordo com dados do site Box Office Mojo, Alice no País das Maravilhas (2010) dirigido por Tim Burton teve 70% de sua bilheteria de estreia com a exibição em 3D, faturando US$ 116,1 milhões. Porém, com o passar do tempo temos percebido certa “saturação tecnológica” no mercado 3D. No Brasil, o 3D ainda é encarado como novidade e continua atraindo público para as salas, aumentado à renda das sessões que usam tal tecnologia. De acordo com Patrícia Cotta, gerente da rede Kinoplex, as salas em 3D foram responsáveis por 24% do público no primeiro semestre de 2013, tendo um aumento de 2% em relação ao mesmo período do ano anterior. Entre os filmes lançados em terceira dimensão este ano já é possível verificar a queda que a tecnologia vem sofrendo nos EUA: Meu Malvado Favorito 2 (2013), 9 De acordo com o artigo de Kristin Thompson e David Bordwell. 33 dirigido por Chris Renaud e Pierre Coffin, teve apenas 27% da arrecadação oriunda das salas em 3D no seu fim de semana de estreia; Universidade Monstros (2013), dirigido por Dan Scanlon, apenas 31% e Guerra Mundial Z dirigido por Marc Foster, teve apenas 34% dos ingressos comprados para a sessão em 3D. Entre as causas apontadas para o declínio do consumo de filmes em 3D estão: o pequeno número de salas equipadas para exibição desse tipo de filme, o uso incômodo dos óculos especiais e os altos preços dos ingressos. Numa cadeia produtiva onde os grandes estúdios se destacam no domínio do mercado, existe de fato pouco espaço para o produtor independente e até mesmo para a produção nacional que não está inserida no modelo baseado no sucesso massivo de bilheteria. Um dos grandes entraves na distribuição do cinema nacional é a dificuldade na divulgação de um filme. As campanhas de marketing possuem valores exorbitantes e são inviáveis para os filmes detentores de um orçamento mais reduzido. Dessa forma, os filmes produzidos com orçamento mais enxuto, como no caso dos de Pernambuco, acabam tendo que buscar novas alternativas e possibilidades de divulgação. Divergentes desse mercado com apelo mais comercial, cineastas independentes tem buscado auxílio na tecnologia para distribuição de seus filmes. Diferente do mercado presente no século XX no qual a indústria do entretenimento baseava-se em hits e, o que era mais consumido estava associado à indução do marketing e aliado a falta de alternativas, a economia digital presente no século XXI tem se mostrado com a mesma intensidade nos nichos, ou seja, possibilitando o acesso a filmes não tão populares e divulgados pela grande mídia (ANDERSON, 2006). As novas mídias trazem ao cinema a possibilidade de não se limitar a um espaço físico (a exemplo de uma locadora de filmes com espaço limitado nas prateleiras), assim os filmes que possuem menos apelo comercial podem ser tão atrativos ao grande público quanto os que estão sendo exibidos nos multiplexes. Algumas distribuidoras têm utilizado a internet como aliada no lançamento de um filme. Ferramentas como o itunes, que disponibiliza diversos títulos para o aluguel de filmes de forma digital (é só fazer o download do arquivo para seu computador, Apple TV ou ipad/iphone e esse arquivo só é reproduzido em aparelhos que possuem o itunes, não podendo ser copiado para mídias digitais, como o DVD e o pen drive), já foram utilizadas na distribuição de um filme antes mesmo dele ser lançado nas salas de 34 cinema. O filme Bachelorette (2012), dirigido por Leslye Headland, é um exemplo de que o mercado de filmes online está provando que é promissor. Distribuídos pela Radius-TWC, empresa que tem o objetivo de distribuir filmes de baixo orçamento de uma nova forma, esses novos projetos de escoamento vêm modificando a maneira tradicional de distribuição utilizada por Hollywood. O filme Bachelorette teve sua estreia online e em serviços de vídeos sob demanda um mês antes de ser exibido nos cinemas, tendo sido um dos filmes mais baixados no itunes após 36 horas de ser lançado. De acordo com os executivos da Radius10, o filme faturou aproximadamente US$ 500.000,00 nos três primeiros dias de exibição online, ou seja, praticamente o mesmo valor que receberia nos três primeiros dias de exibição após lançamento nas salas de cinema. Essa forma de se distribuir um filme não é inédita, mas costuma ser mais utilizada por filmes independentes. O sucesso com um filme de maior porte serve para deixar claro o quão promissor será a parceria entre o mercado audiovisual e as novas mídias. De acordo com dados da Accenture de 2011, o brasileiro é o internauta que mais assiste a filmes online. A partir dessa informação é necessário que haja uma maior exploração desse nicho promissor para a distribuição. A exibição de filmes online será ainda maior quando a internet de banda larga se popularizar, tornando-se uma alternativa para as pessoas que moram em cidades pequenas, sem a presença de salas de cinema, auxiliando no processo de facilidade de acesso à cultura. Dados da Ancine de 2012 demonstram que o mercado exibidor cresceu 7% em 2012 (acima dos anos anteriores – com 6,6% em 2011 e 4,5% em 2010), porém a concentração de salas de cinema é presente nas zonas que possuem grandes populações. Entre os anos de 2009 a 2012, 27,2% novas salas foram inauguradas nos shoppings centers, enquanto que as salas de cinema localizadas nos municípios, os chamados cinemas de rua, reduziram cerca de 14,6%. Dessa forma, a exibição de filmes online deve ser aperfeiçoada e ter cada vez mais adeptos, procurando assim minimizar o gargalo presente no setor de distribuição de filmes em diversas camadas sociais. Ainda que tenhamos visto uma série de resultados positivos com relação à distribuição de filmes através das mídias digitais, a relutância das empresas em investir 10 Em entrevista realizada pelo The Wall Street Jornal em 24 de agosto de 2012. 35 neste setor é forte. Tendo em vista as peculiaridades do mercado, a alternativa deve ser pensada e ter um perfil estratégico de lançamento de acordo com o perfil de cada projeto. Porém, não se pode negar o quanto o mercado de filmes de baixo orçamento poderá se beneficiar desse tipo de distribuição. Em relação ao foco do trabalho, a distribuição de filmes no cinema em Pernambuco, este tipo de iniciativa pode auxiliar ainda mais na visibilidade dos filmes aqui realizados, devido à característica da produção com baixíssimos orçamentos e um leque restrito a poucas salas para exibição, tendo a maioria de seus lançamentos feita em festivais de cinema. Dados da Ancine de 2012 mostram que 60% das salas de cinema do país encontram-se localizadas na região sudeste, tornando ainda mais difícil a exibição de filmes nas tradicionais salas de cinema em outras regiões do país. Dessa forma, o mercado distribuidor precisa fazer mais uso das mídias digitais para exibição e/ou comercialização de seus filmes, ampliando e conseguindo chegar ao seu público-alvo de forma mais direcionada e eficaz. Além de canal para distribuição efetiva, as mídias digitais possibilitam novos canais para a divulgação de um filme, a exemplo das redes sociais. Criar uma página e divulgar informações sobre a produção de um filme, envolver o possível espectador, são algumas das maneiras utilizadas por algumas distribuidoras na criação da campanha de marketing mais econômica de um filme. Entre os filmes de longa-metragem que fizeram uso das redes sociais para a campanha de divulgação está O Som ao Redor (2012), dirigido por Kleber Mendonça Filho. Além da divulgação simples e a custos baixos, realizada nas redes sociais, o filme foi disponibilizado no itunes, exibido em diversas salas de cinema e festivais nacionais e internacionais. Portanto, além de apontar novos caminhos para a distribuição de filmes, os chamados blockbusters, as mídias digitais auxiliam também e, principalmente, os filmes mais independentes que contam com um baixo orçamento para distribuição e poucas janelas exibidoras que possam lhes auxiliar a obter espaço no mercado. 3.3 A DISTRIBUIÇÃO NO CINEMA INDEPENDENTE Com o barateamento das tecnologias e o aumento de recursos públicos que fomentam a produção no país, o cinema independente tem crescido bastante nos últimos anos, sendo visto por alguns produtores como uma espécie de setor que se desenvolve a 36 caminho da construção de uma indústria cinematográfica, devido à quantidade cada vez maior de filmes produzidos. O atual sistema de legitimação e distribuição do cinema com apelo mais comercial não possui mais o mainstream11 dos espectadores. Desta forma, as portas ficam cada vez mais abertas para os filmes independentes. Devido à dificuldade de serem inseridos no sistema tradicional de distribuição (pelas poucas salas de cinema existentes no país), os filmes independentes encontram janelas exibidoras nos festivais nacionais e internacionais bem como em cineclubes, além de começarem a fazer um uso tímido das novas mídias para auxiliar nesse processo, seja na divulgação promocional do filme através das redes sociais ou exibindo-o online (de forma remunerada ou gratuita). Entre as janelas utilizadas como aliadas na distribuição de um filme independente, destacam-se os festivais de cinema. De acordo com o Guia Kinoforum de Festivais Audiovisuais referente ao ano de 2012, foram exibidos 276 filmes de longametragem brasileiros em festivais nacionais e internacionais e nas salas de cinema. Esses dados mostram outra dificuldade na realização de um mapeamento do número real do público que assiste a filmes nacionais: é a Ancine que realiza os levantamentos referentes ao mercado cinematográfico brasileiro, contabilizando apenas os dados sobre filmes exibidos de forma comercial, nas salas de cinema. A Ancine divulgou em seu levantamento sobre os filmes lançados no ano de 2012, que foram exibidos 83 longas-metragens nacionais nas salas de cinema do país. Ou seja, é difícil contabilizar tanto os dados referentes quanto a exibição de filmes que são exibidos de outras formas. Além dos festivais e das novas mídias, outro canal de escoamento que tem auxiliado na facilitação do acesso dos espectadores a filmes que não chegam tão facilmente às salas de cinema e vem conquistando mérito na formação de público são os cineclubes. Os cineclubes são associações sem fins lucrativos que fomentam a atividade cinematográfica através da exibição, discussão e reflexão sobre o cinema. Em Pernambuco, a ação cineclubista iniciou-se em meados dos anos de 1940, como as exibições de filmes nacionais e internacionais que eram realizadas na casa de Pedro Salgado Filho, chamado de “Cine Siri” (CARVALHO, 2012). 11 Termo em inglês que serve para definir o pensamento ou gosto tido pela maior parte da população. 37 Outras iniciativas foram surgindo ao longo dos anos, como a de Jota Soares com o “Museu-Cinema” em 1943, mas ainda não era latente a consciência de estar formando um cineclube. De acordo com Gê Carvalho em seu livro sobre a Memória Cineclubista de Pernambuco, desde a década de 1950 até 1990 as atividades dos cineclubes passaram por diversas fases, mas nunca foram totalmente interrompidas. Os cineclubes eram espaços para os amantes da sétima arte, pessoas interessadas em ver filmes e conversar sobre eles, era um espaço para quem buscava filmes que estavam à margem do circuito dos blockbusters exibidos nos cinemas comerciais, os filmes independentes. O cineclube fortalece o potencial transformador da sociedade que está inserido no cinema e mais que a exibição de filmes, busca a formação de público. Em 2008, foi realizado o I Encontro de Cineclubes de Pernambuco, com a participação de 12 cineclubes. A partir desse momento na história cineclubista do Estado, foi criada a Fepec (Federação Pernambucana de Cineclubes), presidida por Gê Carvalho. Assim como a efervescência cineclubista vivenciada por Pernambuco, diversos estados do país buscavam formas de fomentar suas atividades, tendo auxílio em programas do Governo Federal como o Cine Mais Cultura12. O programa realizou uma parceria com o Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros (CNC) a fim de dar escoamento aos filmes independentes que não encontram espaço nas salas comerciais de cinema e na TV. Com o incentivo e a realização de iniciativas como a criação da Fepec, uma espécie de entidade “reguladora” das atividades no estado, pode-se observar o crescimento do número de cineclubes na região que, em 2008 (ano que foi criada a Fepec) contava com 12 cineclubes que realizavam atividades regulares, em fevereiro de 2012 esse número chega á casa dos 60 (CARVALHO, 2012). Realizadores de Pernambuco já começaram a fazer uso dos cineclubes para exibição e debate sobre seus filmes, possibilitando o desenvolvimento de ações integradas (exibição/ distribuição e formação de público). Assim, os cineclubes tornaram-se mais uma janela para distribuição dos filmes independentes fortalecendo a distribuição e a formação de público. 12 O Cine Mais Cultura é uma iniciativa do Governo Federal que, através de editais e parcerias diretas, disponibiliza equipamento digital para projeção audiovisual assim como obras brasileiras presentes no catálogo da Programadora Brasil e oficinas de capacitação cineclubista, com foco nos locais onde o acesso a filmes é mais difícil como em periferias de grandes centros urbanos e municípios mais remotos. 38 Tendo em vista o crescimento na produção de filmes independentes, é necessário que sejam pensadas políticas públicas que auxiliem o escoamento das produções através de novas iniciativas (janelas). De acordo com o Ministério da Cultura, apenas 8% do território nacional possuem salas de cinema comerciais, dificultando assim a distribuição de filmes independentes através da “fórmula tradicional”. As mídias móveis também são janelas exibidoras em potencial para os filmes que não possuem um perfil comercial e encontram dificuldades nos canais tradicionais para distribuição. Mas novas políticas públicas devem ser pensadas a partir da lacuna na distribuição e na facilitação do acesso à obra “pública”, valorizando o caráter formador de opinião do cinema. Além da atenção voltada ao escoamento da crescente produção, precisam ser pensadas formas de direcionar esforços no sentido de possibilitar a formação de público. O Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, localizado em Recife, já vem realizando ações visando à formação de público para as obras de fruição audiovisual desde 1998, sendo uma iniciativa do poder público para a formação de platéia. Com a exibição de filmes alternativos (independentes) e ingressos com preços bem mais acessíveis do que nos multiplexes a Fundação tem fomentado o acesso a obras nacionais e internacionais. Outra possibilidade no incentivo da formação de público seria a parceria entre setores de escoamento e escolas públicas e privadas, facilitando a absorção das obras realizadas pelo cinema independente e ampliando a visão sobre um tipo de cinema diferente do que costumam ter acesso (os blockbusters). Em virtude do destaque que o cinema brasileiro tem ganhado ao longo dos anos e em virtude das mudanças tecnológicas que modificam as relações no consumo audiovisual, a Ancine propôs a construção de medidas que estejam de acordo com a realidade atual da cinematografia nacional. Após o levantamento de informações sobre o mercado nacional e de consulta pública realizada entre os anos de 2012 e início de 2013 com o setor audiovisual e o público interessado, foi proposto o Plano de Diretrizes e Metas para o audiovisual (PDM). Apresentando diversas medidas direcionadas a possibilitar novas diretrizes de produção audiovisual, o plano propõe ações até o ano de 2020. Entre as diretrizes apontadas, algumas propõe o fomento da produção e distribuição de obras independentes, como a diretriz 4, que visa dinamizar e diversificar a produção independente com a integração dos segmentos do mercado audiovisual, fortalecendo as produtoras e ampliando a circulação de obras nacionais em diversas 39 plataformas. Outra diretriz que propõe o fortalecimento do cinema independente é a diretriz 6 que fomenta a construção de um ambiente regulatório caracterizado pela garantia da liberdade de expressão, a defesa da competição, a proteção às minorias, aos consumidores e aos direitos individuais, além do fortalecimento das empresas brasileiras e a promoção das obras brasileiras, em especial as independentes, garantindo a livre circulação das obras e a promoção da diversidade cultural. O plano possui diretrizes fomentadoras que auxiliarão o desenvolvimento do cenário audiovisual no país de uma forma mais comercial, buscando a televisão como janela exibidora de filmes independentes. As medidas propostas pela Ancine mostram que o governo tem percebido que a forma como a indústria audiovisual funciona está passando por diversas modificações devido à revolução tecnológica. Ainda assim, a distribuição continua sendo um dos grandes gargalos presentes no mercado. Existem poucos locais físicos (como as salas de cinema) para dar escoamento à quantidade de filmes produzidos nos últimos anos e as novas mídias ainda são pouco exploradas no sentido de ser um espaço com infinitas possibilidades de se distribuir um produto audiovisual. A distribuição é onde de fato vemos surgir à ponte entre a ideia e o espectador (SILVA, 2010), sendo uma etapa tão importante quanto à produção de um filme. Assim, no próximo capítulo veremos um pouco da opinião dos produtores que trabalham na cena Pernambucana, com o intuito de fazer um diagnóstico atual sobre a distribuição dos filmes realizados no estado e como isso se reflete na cinematografia nacional. 40 4. PRODUZIR PARA DISTRIBUIR: A EXPERIÊNCIA DOS REALIZADORES PERNAMBUCANOS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO 4.1 ENTRANDO NO MERCADO – OS ENTRAVES NA DISTRIBUIÇÃO Com o intuito de fazer um diagnóstico sobre as formas utilizadas por produtores audiovisuais pernambucanos para realizar a distribuição de suas obras, este capítulo pretende apontar como funcionam as práticas de mercado no escoamento do cinema independente produzido no estado de Pernambuco, tendo em vista o sucesso das produções contemporâneas. Devido a falta de informações relativas às práticas de distribuição realizadas pelo núcleo produtor de audiovisual em Pernambuco, a autora da pesquisa utilizou um questionário padrão - que foi enviado por email a cerca de 15 produtores do estado como uma espécie de pesquisa exploratória -, fazendo uso das experiências de cada entrevistado para coletar informações. Dos 15 produtores, 10 responderam as perguntas levantadas pelo questionário sobre as dificuldades de distribuição encontradas em Pernambuco, a utilização ou não das mídias digitais como ferramenta de auxílio ou como principal fonte de distribuição de um filme, a facilitação de acesso e circulação como premissa na distribuição de um bem cultural público - o filme - e expuseram sua opinião sobre a reserva de mercado (cota de tela). O cinema realizado pelos pernambucanos vem conquistando cada vez mais prêmios em diversos festivais de cinema pelo país, como aconteceu no último Festival de Brasília. Das sete produções que estavam concorrendo apenas uma não foi premiada. No total, 16 prêmios foram distribuídos. Com o auxílio do Funcultura mais de 60 filmes de longa-metragem foram produzidos no Estado entre os anos de 2003 a 2012. Vale ressaltar que os filmes aqui realizados na última década expandem os domínios do cinema independente e possuem as narrativas mais transgressoras do cinema brasileiro. São obras pessoais, autorais, diferenciadas, de acordo com o perfil de cada realizador. Entre as razões para a multiplicação de linguagens estéticas que possibilitam a cada realizador pernambucano um tipo de narrativa diferenciada, está o auxílio da construção de políticas fomentadoras da atividade no estado, como o Fundo Pernambucano de Incentivo a Cultura. No ano de 2012 o fundo investiu cerca de R$ 11,5 milhões na realização de projetos autorais e desde 2007 conta com o Funcultura Audiovisual, direcionado as 41 grandes demandas de produção no estado. Outra forte característica da cena pernambucana é os “multiprofissionais” (pessoas que dirigem, editam, fotografam, produzem, mostrando as facetas da realização de filmes com baixíssimos orçamentos). Sendo um ponto positivo para a fase da produção, este “multiprofissionalismo” acaba por reverberar na distribuição, visto que não existem produtoras especializadas em distribuir filmes no estado e o papel do produtor acaba sendo incorporado também ao do distribuidor. Abaixo é possível observar os filmes que foram financiados pelo Funcultura desde sua implantação em 2003 até o ano de 2012: Quadro 113: Filmes de longa-metragem aprovados no Edital do Programa de Fomento ao Audiovisual – FUNCULTURA 2003 a 2012 Filme Produtora/produtor Ano aprovação Arido Movie Cinema, aspirinas e urubus Beluga Produções LTDA 2003 Não informado 2004 2004 Não informado Preparação de filmagem 2005 Não informado Fase financiada Deserto Feliz Baixio das Bestas REC Produções associados Ltda. B52 Desenvolvimento Cultural Ltda. O Grupo Parabólica Brasil Comunicação Deserto Feliz André Rosemberg 2005 Pré-produção Rec Produtores Associados Ltda. 2006 Prod./Finalização 2006 Prod./Finalização 2007 Prod. e/ou Finalização 2007 Finalização 2007 Prod. e/ou Finalização 2007 Produção KFZ-1348 Amigos de Risco Cátia Oliveira Centro de Cultura Luiz Pernamcubanos Freire Carolina Ferreira Gomes Crítico Melo e Silva A Descoberta do Taciana Maria de Fátima Mundo Oliveira A História de Johnny D´heni de um Valente Oliveira Santos 13 Diretor (a) Lírio Ferreira Marcelo Gomes Paulo Caldas Cláudio Assis Paulo Caldas Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso Daniel Bandeira Nilton Pereira Não informado Taciana Oliveira Cláudio Barroso Valor (R$) 150.000,00 100.000,00 40.000,00 149.131,75 149.993,95 131.364,96 149.964,93 147.953,09 148.731,63 126.858,54 149.833,32 Fonte: Coordenadoria de Audiovisual – Secretaria de Cultura de Pernambuco – FUNDARPE 42 Quadro 1: Filmes de longa-metragem aprovados no Edital do Programa de Fomento ao Audiovisual – FUNCULTURA 2003 a 2012 (Continuação) Filme Febre do Rato Era uma vez, Verônica Febre do Rato A História de um Valente Deserto Feliz Ano aprovação Fase financiada 2007 Pré-produção 2008 Produção 2008 Produção Câmara Filmes 2008 Produção Câmara Filmes 2008 Finalização Produtora/produtor O Grupo Parabólica Brasil Audiovisual Rec Produtores Associados Ltda. O Grupo Parabólica Brasil Audiovisual A Descoberta do Taciana Maria de Fátima Mundo Oliveira Rec Produtores Tatuagem Associados Ltda. Amores de Chumbo D7 Filmes Ltda. - ME. Um Lugar ao Plano 9 Produções Sol Audiovisual Ltda. O Grupo Parabólica Febre do Rato Brasil Audiovisual 99 Produção Artísticas Amor Sujo Ltda. Carranca de Acrílico Azul Rec Produtores Piscina Associados Ltda. 2008 Todas 2008 Pesquisa 2008 Pesquisa 2009 Finalização/Distribuição 2009 Produção 2009 Produção 2009 Finalização Beluga Produções LTDA 2009 Desen. Projeto Sangue Azul Beluga Produções LTDA Mestres do frevo - o filme Ateliê Produções Ltda. Rec Produtores Tatuagem Associados Ltda. Boa sorte, meu Orquestra cinema amor estúdios Ltda. 2010 Produção 2010 Todas as fases 2010 Produção 2010 Produção 2010 Todas as fases Sangue Azul Recordações Nordestinas Mariola Filmes e Produções Ltda. Diretor (a) Cláudio Assis Marcelo Gomes Cláudio Assis Cláudio Barroso Paulo Caldas Taciana Oliveira Hilton Lacerda Tuca Siqueira Gabriel Mascaro Claudio Assis Paulo Caldas Marcelo Gomes Lírio Ferreira Lírio Ferreira Marcelo Barreto Hilton Lacerda Daniel Aragão Debora Brennand e Mariana Fortes Valor (R$) 28.724,84 230.000,00 230.000,00 190.000,00 180.000,00 130.000,00 20.000,00 20.000,00 120.000,00 286.710,00 420.000,00 91.290,00 24.000,00 415.507,20 240.000,00 410.040,00 400.000,00 210.000,00 43 Quadro 1: Filmes de longa-metragem aprovados no Edital do Programa de Fomento ao Audiovisual – FUNCULTURA 2003 a 2012 (Continuação) Filme Febre do Rato Amor Sujo Pernamcubanos Na Quadrada das águas perdidas Viajo porque preciso, volto porque te amo Avenida Brasília Formosa Fluxos - da praieira ao mar sem fim O homem submerso Valeu boi Produtora/produtor O Grupo Parabólica Brasil Audiovisual 99 Produção Artísticas Ltda. Centro de Cultura Luiz Freire Antônio MG Carvalho P.A e cinematográficas Rec Produtores Associados Ltda. Plano 9 Produções Audiovisual Ltda. D7 Filmes Ltda. - ME. Imagem Nordeste Produção Audiovisual Cabra Quente Filmes Ltda. Ano aprovação Fase financiada 2010 Finalização 2010 Finalização 2010 Finalização 2010 Finalização 2010 Distribuição 2010 Distribuição Marcelo Gomes Gabriel Mascaro 2010 Desenvolvimento Marcelo Luna 2010 Desenvolvimento 2010 Desenvolvimento Big Jato Cinemascópio Produções Cinematográficas AC Cavalcante Serviços Ltda. O Grupo Parabólica Brasil Audiovisual Papa-figo ataca em Pernambuco Athayde de Amar Página 21 Comunicação Ltda. Luiz Otávio Pereira Carvalho Isolados Leonardo Sette 2011 Desenvolvimento Ghost Writer D7 Filmes Ltda. - ME. 2011 Desenvolvimento Bacurau Equatorial Diretor (a) Claudio Assis Paulo Caldas Nilton Pereira Marcos Carvalho e Wagner Miranda Não informado Gabriel Mascaro 2010 Desenvolvimento 2010 Desenvolvimento 2011 Desenvolvimento 2011 Desenvolvimento 2011 Desenvolvimento Kleber Mendonça Camilo Cavalcante Claudio Assis Homero Fonseca Antônio Carrilho Luiz Otávio Leo Sette Valor (R$) 180.376,00 240.000,00 238.843,20 271.414,18 110.205,06 117.949,83 20.000,00 39.993,01 39.271,84 38.808,00 27.591,68 49.975,38 34.303,50 49.782,60 47.638,50 Léo Falcão 38.556,00 44 Quadro 1: Filmes de longa-metragem aprovados no Edital do Programa de Fomento ao Audiovisual – FUNCULTURA 2003 a 2012 (Continuação) Filme O silêncio das noites é que tem sido testemunha das minhas amarguras O País do Desejo (ex. Amor Sujo) Febre do Rato Pacific Brennand, o convidado da floresta A Luneta do Tempo Produtora/produtor Ano aprovação Petrônio Ferreira de Lorena 2011 99 Produção Artísticas Ltda. O Grupo Parabólica Brasil Audiovisual Símio Filmes Ltda. Mariola Filmes e Produções Ltda. MV Produções Artísticas Ltda. Cinemascópio Produções O Som ao Redor Cinematográficas Era uma vez, Rec Produtores Verônica Associados Ltda. O Gigantesco Imã Eles Voltam Antônio MG Carvalho P.A e cinematográficas Plano 9 Produções Audiovisual Ltda. Jardim Atlântico William Cubitis Capela A História da AC Cavalcante Serviços Eternidade Ltda. Renata Belo Pinheiro Brega Naite Pinto Ltda. Fase financiada Diretor (a) Valor (R$) Desenvolvimento Petrônio de Lorena 24.528,00 2011 Distribuição 2011 Distribuição 2011 Distribuição 2011 Distribuição 2011 Finalização Paulo Caldas Claudio Assis Marcelo Pedroso Mariana Fortes Alceu Valença 192.000,00 149.965,94 126.809,00 56.218,24 283.682,40 Kleber Mendonça 147.299,06 Marcelo Gomes 298.962,00 2011 Finalização 2011 Finalização 2011 Finalização 2011 Finalização 2011 Finalização 2011 Produção 2011 Produção Petrônio de Lorena Marcelo Lordelo Juara Capela Camilo Cavalcante Renata Pinheiro Kleber Mendonça 395.112,00 Permanência Cinemascópio Produções Cinematográficas 2011 Produção Vestido branco, véu e grinalda Desvia produções artísticas e audiovisuais 2012 Desenvolvimento Não informado 219.748,90 205.539,74 231.654,82 516.419,25 431.804,77 39.186,00 45 Quadro 1: Filmes de longa-metragem aprovados no Edital do Programa de Fomento ao Audiovisual – FUNCULTURA 2003 a 2012 (Continuação) FILME Produtora/produtor Ano aprovação Fase financiada Edificante Lívia de Barros Melo 2012 Desenvolvimento Piedade Perdidas Ilusões Ltda. 2012 Desenvolvimento Azougue Mônica Soares Cosas 2012 Desenvolvimento 2012 Desenvolvimento 2012 Desenvolvimento Mariana Porto Queiroz 2012 Desenvolvimento Não informado Não informado Não informado Desvia produções artísticas e audiovisuais 2012 Produção Gabriel Mascaro Cinemascópio Produções Cinematográficas 2012 Produção Símio Filmes Ltda. 2012 Produção Lunática filmes Ltda. 2012 Produção Aroma Filmes 2012 Produção Big Jato Perdidas Ilusões Ltda. 2012 Produção Mães do Pina 2012 Produção Tatuagem AL Filmes Ltda. Rec Produtores Associados Ltda. 2012 Finalização Boa sorte, meu amor Set Produções Audiovisuais e Comunicação EPP-ME 2012 Finalização Daniel Aragão Animal Político Trincheira Filmes 2012 Finalização Tião Acqua Movie Bette Davis Eyes Fragmentos de um Silêncio Valeu Boi Bacurau Futuro do Pretérito Propriedade Privada Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos Chá Cinematográfico Ltda. AC Cavalcante Serviços Ltda. Diretor (a) Valor (R$) Não informado 49.968,40 Não informado 49.975,38 Não informado 47.817,00 46.841,75 39.984,00 49.665,00 509.517,22 Kleber Mendonça 350.000,00 Marcelo Pedroso 415.000,00 Daniel Bandeira 519.193,05 Renata Pinheiro Claudio Assis 293.000,00 467.000,00 Léo Falcão 172.000,00 Hilton Lacerda 280.000,00 270.000,00 270.000,00 46 Quadro 1: Filmes de longa-metragem aprovados no Edital do Programa de Fomento ao Audiovisual – FUNCULTURA 2003 a 2012 (Conclusão) FILME Todas as Cores da Noite Seu Cavalcanti Ano Produtora/produtor aprovação Bode Espiatório - Filmes Ltda. 2012 Plano 9 Produções Audiovisual Ltda. 2012 Cinemascópio Produções O Som ao Redor Cinematográficas Era uma vez, Rec Produtores Verônica Associados Ltda. As Hiper Mulheres Vídeo nas Aldeias Fase financiada Finalização Finalização 2012 Distribuição 2012 Distribuição 2012 Distribuição Jardim Atlântico William Cubitis Capela 2012 Distribuição Na Quadrada das águas perdidas Candieiro Produções Audiovisuais LTDA-ME. 2012 Distribuição Diretor (a) Valor (R$) Não informado 198.000,00 Leonardo Lacca 75.000,00 Kleber Mendonça 180.000,00 Marcelo Gomes 170.000,00 Leo Sette 170.000,00 Jura Capela 169.279,20 Marcos Carvalho e Wagner Miranda 118.573,20 A partir da tabela é possível perceber que um mesmo filme foi premiado em anos e diferentes etapas da sua produção. Os filmes realizados em Pernambuco costumam ter orçamentos enxutos. Em média, o maior valor das propostas é na fase de produção, variando entre R$ 130.000,00 e R$ 516.000,00. Dessa forma, alguns projetos chegam a passar mais de dois anos fazendo a captação de verba para poder dar início as filmagens. Além de fomentar o financiamento de obras audiovisuais no estado, o Funcultura também auxilia na distribuição dos filmes, tendo um edital que não restringe seu fomento a uma única etapa do filme (como a produção). No que se refere à distribuição, os valores aprovados nos projetos do fundo que se destinam a etapa variam em torno de R$ 110.000,00 a R$ 192.000,00. Em entrevista a autora dessa pesquisa, a 47 produtora Mannuela Costa14 fala sobre as dificuldades que tem encontrado para conseguir distribuir os filmes realizados por sua produtora: Uma delas são as diversas barreiras para filmes de baixíssimo orçamento e de distribuição independente no Brasil. Isso se liga à dificuldade de colocar os filmes nas salas comerciais. Aliado a isso, está o baixo valor destinado à distribuição nos editais públicos (fomento ou financiamento), comparado ao incentivo à produção - com os filmes digitais, produzimos mais, mas não escoamos tanto quanto produzimos. Fora o FSA, só Pernambuco e Rio de Janeiro (Rio filmes) têm linhas de incentivo a isso. No caso do FSA, há uma contrapartida financeira necessária e, em geral, apenas filmes mais robustos (diretores mais conhecidos, produtoras maiores e distribuidoras mais bem estruturadas) conseguem. Acho que Pernambuco é a única exceção. Outra é a falta de equipamentos digitais de alta qualidade para projeção desses filmes. Além disso, que não é novidade, a distribuição em outras janelas (internet e TV) enfrenta outros desafios. Na internet, o baixo retorno financeiro é um dos fatores. O outro são as formas não remuneradas de execução da obra. Na TV a questão começa a mudar de figura diante da Lei 12485. Mas se os canais não forem "fiscalizados” quanto ao excesso de reprise, só melhora a situação de alguns (COSTA, 2013). Os produtores audiovisuais ainda encontram dificuldades para fazer uso das mídias digitais como ferramentas que auxiliem no escoamento das obras produzidas devido à falta de regulamentação de um setor que ainda experimenta as possibilidades futuras na distribuição de filmes. Assim, a utilização da tecnologia como uma janela de distribuição que está se desenvolvendo e já tem modificado os hábitos de consumo de bens culturais (da mesma forma que os canais de TV fechada caminham para a inserção de filmes independentes na sua programação através da Lei da TV Paga), ainda está dando seus primeiros passos. De acordo com a Ancine, a Lei nº 12.485 de 12 de setembro de 2011 tem como proposta a valorização da cultura brasileira e o fomento de novas formas de produção e circulação de obras audiovisuais produzidas no país, com o intuito de possibilitar a facilitação ao acesso desses conteúdos por brasileiros. A ideia da lei é proporcionar condições favoráveis para o crescimento de empreendimentos e assim, a geração de riqueza interna, tornando o Brasil um dos grandes pólos produtores de audiovisual. 14 Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco e professora efetiva da mesma universidade dos cursos de cinema, publicidade e radicalismo e sócia da Plano 9 Produções Audiovisuais onde atua como produtora executiva e diretora de produção. 48 Porém, como mencionado acima no depoimento de Mannuela Costa, caso não haja a devida fiscalização no funcionamento da lei, ela só continuará beneficiando alguns casos. É assim que tem funcionado também a distribuição através da internet, sem regulamentações, com práticas livres que ocorrem de acordo com a proposta da plataforma/ empresa que é utilizada. A partir do depoimento de Pedro Severien15 fica ainda mais claro como a falta de empresas especializadas na distribuição e a falta de regulamentação e políticas de fomento na internet contribuem para dificultar a distribuição audiovisual: A produção de um filme requer dedicação e persistência, pois é um processo longo, muitas vezes um filme passa anos para sair do papel. Para mim, a maior dificuldade é a falta de profissionais qualificados engajados na distribuição dos produtos audiovisuais. De certa forma, eu acredito que todo filme tem um mercado, existe um interesse para quase todo produto seja em qualquer formato, duração ou tema. A grande charada é: Como colocar esses produtos no mercado? No Brasil, ainda não temos empresas e profissionais suficientes trabalhando nisso. Portanto, na maioria dos casos, a responsabilidade fica com o realizador/diretor/produtor. A própria figura do produtor ainda é mal resolvida no país, e especialmente no Nordeste. Essa dinâmica de acúmulo de funções divide a força de distribuição. Não temos empresas de distribuição de conteúdos instaladas no Estado, e no Brasil esse ainda é um setor de formação. Há ainda o problema clássico das salas de cinema que se dedicam especialmente ao cinema americano. Essa faceta do nosso parque exibidor é apenas a expressão final de um modelo dominado por interesses econômicos de uma elite, liderada pelas multinacionais da área de entretenimento. Recentemente, recebi uma proposta da Turner, empresa que controla uma série de canais de TV a cabo em toda a América Latina. A proposta de compra de um curta-metragem para exibição exclusiva em todos os canais, durante 03 anos. O valor proposto foi de R$ 500,00, dos quais R$ 100,00 seriam gastos com impostos necessários a exibição do produto. Ou seja, esse tipo de proposta demonstra o desrespeito desses grupos à produção nacional (SEVERIEN, 2013). Além do número reduzido de empresas distribuidoras no país, a maior parte das empresas do mercado não está interessada na distribuição de filmes independentes, a maioria existente trabalha com filmes direcionados ao mercado comercial. Em Pernambuco não existe nenhuma empresa focada na distribuição de obras audiovisuais, fazendo com que os “multiprofissionais” fiquem encarregados desta função, dificultando ainda mais o foco na distribuição dos filmes e a otimização do processo. 15 Estudou cinema na Academia de Cinema de Nova Iorque e em Bristol, na Inglaterra, onde fez mestrado e ainda atua como diretor e produtor de cinema na produtora Orquestra Cinema Estúdios. 49 Para compreender melhor a realidade enfrentada pelos produtores audiovisuais, no que diz respeito à carência de empresas distribuidoras que atuem com filmes mais autorais, vemos abaixo a opinião de Rachel Daisy Ellis16: Acho que distribuição de cinema autoral é um desafio não só no Recife, mas no Brasil todo, e em muitos lugares do mundo. Existem duas dificuldades principais, que são interligadas. Uma questão é a formação do público, que tem uma preferência de consumir produtos hollywoodianos, ou comedias românticas, ação etc. Outra questão é a falta de espaço em horários nobres para filmes nacionais e autorais estrangeiros em salas comerciais de cinema. Na realidade um problema exacerba a outra. Na medida em que não há a opção de ver filmes nacionais/ autorais estrangeiros, o público não vai formando um olhar diferente, ao mesmo tempo se não há demanda do público, não há incentivo para cinemas comerciais colocar estes filmes em cartaz. Porém, temos experiências de cinemas como a Fundaj de Recife que desafiam esta lógica. Com um nicho de público (bastante grande) e um preço mais acessível, um ambiente agradável diferenciado (o café em frente do cinema), as sessões de filmes nacionais tendem a lotar e há um processo muito positivo de oferta de filmes nacionais / estrangeiros independentes que acaba formando um público mais crítico que demanda mais produções diferenciadas. Acho que as salas de cinema precisam se diversificar (salas menores, equipamento digital, uma sessão por filme por dia, com mais variedade de oferta etc.). Colocar cinemas em espaços de cultura, casarões, ao ar livre etc. Esse tipo de empreendedorismo tem funcionado muito bem no exterior. Espero ver aqui no Brasil em breve! (ELLIS, 2013). É cada vez mais perceptível o interesse de diversas camadas sociais da população brasileira em consumir obras audiovisuais, seja através da internet com o download de filmes que são disponibilizados gratuitamente ou via on demand como no caso da assinatura do Netflix, além do mercado clandestino dos filmes piratas. Medidas de fomento na formação de público também devem ser adotadas a fim de incentivar o consumo de filmes independentes, auxiliando a expansão do setor. A quantidade de salas de cinema não é suficiente e assim, grande parte da população adquiriu o hábito de consumir filmes em sua própria residência, seja através do home vídeo, dos filmes pirateados, TV fechada ou de forma online. Essa tecnologia que facilita as práticas de produção de um filme deve ser cada vez mais utilizada na comercialização e distribuição de filmes. De acordo com pesquisa realizada pela comScore17, divulgada em fevereiro de 2013, o Brasil é o sétimo país no ranking de usuários que assistiram a conteúdos 16 Mestre em Ciência Social pela London School of Economics, também trabalhou para o Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento na Tailândia e é produtora executiva da Desvia filmes. 50 audiovisuais online, cerca de 43 milhões de pessoas, até dezembro de 2012. A quantidade de usuários que trocam a TV pela internet é cada vez maior e isso é um fato que também deve nortear as políticas de incentivo na distribuição de obras audiovisuais (PDM). As obras audiovisuais devem ser pensadas como um bem cultural capaz de interferir na formação de pensamento crítico e político, como também na educação cultural da população. Portanto, a facilidade no acesso de um filme ao público deve ser uma das premissas na concepção de uma obra audiovisual. 4.2 A FACILITAÇÃO DO ACESSO A OBRA FÍLMICA A produção cinematográfica do século XXI no Brasil pode ser vista como uma cena marcada pela geração de produtores que se preocupam cada vez mais em facilitar o acesso da população aos bens culturais. Mesmo com a disseminação da cultura digital, ainda é necessário que haja esforços para um investimento na regulamentação de políticas públicas que fomentem este tipo de prática do setor. A internet, que pode auxiliar no escoamento das obras audiovisuais que não conseguem se inserir nas janelas exibidoras tradicionais, ainda é vista como um canal alternativo de escoamento das produções realizadas no país. O cinema continua sendo um lugar das minorias. De acordo com a Unesco, uma pequena parcela dos brasileiros frequenta o cinema e essa frequência é, em média, uma vez por ano. Grande parte dos municípios não possui salas de cinema, teatro, museus e espaços culturais multiuso. Além de poucos espaços, o alto valor dos ingressos também diminui a possibilidade de famílias com rendas baixas frequentarem esses ambientes de circulação da cultura. Sendo um direito que deve ser garantido a todos os cidadãos brasileiros, o acesso à produção de bens culturais produzidos no país deve ser um dos pontos pensados na distribuição de um filme, independente do público alvo de interesse. O direito de participar da vida cultural implica uma infraestrutura institucional para promover a participação popular da vida cultural e o acesso a ela, que inclui bens, instituições e atividades culturais, devendo ser promovido nas escolas e na educação profissional. Exemplos de obrigações 17 A comScore é uma empresa responsável pelo mapeamento das atividades das pessoas pelo universo digital da internet, fornecendo dados de marketing e serviços para diversas empresas da internet. Atuante em regiões como a América do Norte, América Latina, Europa e Ásia. 51 dos Estados são: garantir o acesso financeiro a espetáculos, teatro, cinema, eventos esportivos e outras atividades culturais a todos os segmentos da população; expandir o acesso ao patrimônio cultural da humanidade, inclusive por meio de novas tecnologias da informação, como a internet; estimular a participação das crianças na vida cultural, inclusive de crianças de famílias mais pobres e filhos de migrantes e refugiados; e eliminar as barreiras de comunicação assim como as físicas e sociais que afastam idosos e pessoas com deficiências da participação plena da vida cultural. Ademais, os Estados devem tomar medidas para proteger a diversidade cultural, promover a conscientização do patrimônio cultural das minorias étnicas, religiosas ou linguísticas e das comunidades indígenas, criando condições favoráveis para que elas preservem, desenvolvam, expressem e disseminem sua identidade, história, cultura, língua, tradições e costumes. (Revista Observatório Itaú Cultural, 2011, pp. 48-58). A partir desse contexto fica ainda mais evidente a necessidade da implantação de políticas públicas bem definidas a fim de regulamentar um mercado promissor, através de medidas que regulamentem e incentivem a distribuição do filme independente no país sem a intermediação das grandes empresas e dos seus interesses comerciais na mediação do consumo. O Estado precisa fomentar o consumo de cultura não comercial e pensar em espaços alternativos que possam dar escoamento a esse tipo de produção. Entre os espaços alternativos que visam auxiliar na fruição do contato do público com o filme destacam-se os cineclubes e os festivais de cinema. Para Camilo Cavalcante18: Os festivais e mostras são fundamentais para fomentar a circulação das obras e proporcionar o encontro entre os artistas e o público, promovendo o debate dos filmes e discussões a respeito de estética, política, economia e alteridade dentro do processo criativo audiovisual. Esses encontros enriquecem o público e também os realizadores, através dessa troca pulsante de ideias e informações (CAVALCANTE, 2013). Os festivais de cinema são uma das janelas exibidoras que auxiliam na distribuição dos filmes e facilitam o acesso do público através de ingressos mais baratos ou até mesmo de forma gratuita. Essa é uma ação que reverbera diretamente na formação de público e promove o contato com obras que não são exibidas em salas de cinema. De acordo com o guia de festivais audiovisuais Kinoforum, o mercado exibidor brasileiro conta atualmente com cerca de 150 festivais nacionais e 120 festivais 18 Formado em jornalismo pela UFPE, atua como diretor, produtor e roteirista e está no comando da produtora Aurora Cinema. 52 internacionais. No Brasil, os festivais atraem aproximadamente 2,5 milhões de pessoas (2012). Além dos festivais de cinema, os cineclubes também possuem forte influência no circuito exibidor alternativo e favorecem a formação de público para o consumo de filmes independentes. Atualmente, existem 454 cineclubes em funcionamento no país e a maior parte está concentrado na região nordeste (187).19 O movimento cineclubista é crescente e cada vez mais utilizado pelos produtores como um canal de distribuição de filmes. Além desses espaços alternativos já existentes, alguns cineastas têm apostado em novas formas de distribuição com o auxílio das novas tecnologias. A frente da produtora Símio Filmes, Marcelo Pedroso20 relata sua experiência: Nós temos a experiência do Vurto, site fundado por mim e Felipe Peres Calheiros. É um espaço para filmes que produzimos especificamente para internet: filmes curtos, que tentam resolver questões narrativas de forma mais sugerida, embora tentando manter um teor impactante. Mas fora isso, também tenho usado de outros meios para filmes feitos para o cinema mesmo. Por exemplo: Balsa é um média-metragem que teve lançamento com debate em cinco escolas da RMR. E depois passou a circular em cineclubes, ficou disponível para download, foi lançado em camelôs etc. Você pode acompanhar um pouco desse lançamento pelo site http://docbalsa.blogspot.com.br/ Já com o longa-metragem Pacific, obtivemos um recurso do Governo do Estado para distribuição. O filme foi lançado em salas de 28 capitais brasileiras através da distribuidora Vitrine Filmes. Paralelamente, fizemos uma tiragem de 5 mil DVDs que foram encartados gratuitamente na revista Continente. E, finalmente, o filme teve uma tiragem de mil DVDs dentro de um encarte especial, que continha o que chamamos de material pedagógico. Trata-se de um livreto com cinco textos produzidos por pensadores de diferentes áreas que debatiam o filme a partir de cinco perspectivas diferentes. Esse material foi distribuído gratuitamente em cineclubes, pontos de cultura e faculdades de todo o Brasil (PEDROSO, 2013). Inciativas como essa mostram seus resultados em longo prazo, mas devem ser pensadas e exploradas por produtores e gestores culturais a fim de estimular novas possibilidades na difusão de obras e na formação de público. Além do fomento a medidas de facilitação ao acesso de obras audiovisuais através da distribuição por novos mecanismos (ex. Lei da TV Paga), o Estado deve propor a fiscalização dos mecanismos vigentes já existentes nas práticas culturais do país, a exemplo da cota de tela. 19 20 Dados do Conselho Nacional de Cineclubes - cineclubes por estado e região. Mestrando em Comunicação pela UFPE e realizador de filmes. 53 4.3 DISTRIBUIÇÃO E A RESERVA DE MERCADO Há quase 80 anos atuando como fomentadora da exibição de filmes brasileiros, em vigor desde 1934, a cota de tela é à medida que torna obrigatória a exibição de longas-metragens nacionais na programação de salas comerciais, auxiliando assim na distribuição de obras nacionais. Critérios como a diversidade das obras exibidas e dos dias para o cumprimento da cota são definidos através de um decreto que possui votação anual. Outras medidas responsáveis pelo funcionamento e fiscalização da cota são desenvolvidas atualmente pela Ancine, por meio da instrução normativa número 67/2007. Só os cinemas com salas comerciais são obrigados a cumprir a cota de tela, que leva em conta a quantidade de salas que o estabelecimento exibidor possui para determinar a quantidade de dias de obrigatoriedade. Sendo um mecanismo que tem o propósito de garantir uma reserva de mercado ao produto nacional, devido a forte presença dos filmes blockbusters nas salas de cinema, a medida possui opiniões divergentes sobre o seu funcionamento. Para Alexandre Nogueira21, o mau funcionamento do fomento ocorre em função de má formação de público no país, o que podemos perceber, quando declara: Sou contra qualquer tipo de reserva de mercado, de cota em universidades, de "peixada", etc... Sou e sempre serei a favor do mérito. As pessoas tem o livre arbítrio para escolher o que querem ver, por mais que queiram ver péssimos filmes americanos. Se um filme nacional faz sucesso e tem mais bilheteria que a média dos filmes, ele tem seus méritos, mesmo que seja perceber que o público brasileiro gosta de uma comédia rasteira. Não podemos entrar no mérito do nível intelectual e cultural deste público, pois teríamos que começar a discutir outros assuntos mais profundos como a qualidade da educação no nosso país, a quantidade de livros lidos por pessoa/ano, e tantas outras questões que teriam que ser discutidas antes de exigir que as pessoas prefiram dar audiência para um filme mais profundo a um filme sem muito conteúdo. Se nosso público é assim, é porque ele foi formado assim durante décadas e tem que rolar uma transformação gigantesca na formação deste público para que ele passe a escolher um filme em detrimento de outro. Quando isso ocorrer, as distribuidoras podem optar por distribuírem um bom filme nacional a um filme nacional ou americano ruim (NOGUEIRA, 2013). O domínio de mercado das grandes empresas também é uma brecha que dificulta a distribuição do filme nacional através das salas de cinema comercial. Esse domínio 21 Produtor da D7 Filmes, atuante na produção de filmes, TV e publicidade. 54 acaba encontrando apoio na própria falha de fiscalização da cota, que é realizada por meio de um relatório de exibição produzido pelas próprias exibidoras e enviado ao Sistema de Cota de Tela22 tendo as informações disponibilizadas no site da Ancine23. Entre as premissas que definem se um filme de longa-metragem encontra-se apto ao cumprimento da cota estão: possuir o certificado de produto brasileiro (CPB) – que só pode ser requerido por uma pessoa jurídica com registro na Ancine -, o certificado de registro de título atualizado e válido para a exibição em salas comerciais e não ter sido exibido em meios eletrônicos antes da exibição no cinema. Apesar do intuito de facilitar a entrada do filme nacional no próprio mercado local, a cota de tela ainda é insuficiente para a distribuição de obras cada vez mais diversificadas e numerosas. Além de ser insuficiente, também é proibitiva no uso das mídias digitais, tendo a premissa do ineditismo, utilizado como atrativo no marketing das campanhas de propaganda do lançamento de um filme, ou seja, acaba beneficiando filmes que já possuem as características desse mercado. Para a produtora Mannuela Costa, a cota de tela: É necessária e se configura como uma "barreira à entrada" de filmes não brasileiros. Porém, se a cota de tela não for fiscalizada no que tange a diversidade de títulos, um filme de grande orçamento, que é lançado com 300 cópias, além das digitais, é pouco eficiente (COSTA, 2013). Em 2013, o decreto que prevê a quantidade de dias de exibição obrigatória dos filmes brasileiros ficou estabelecida na cota mínima entre 28 e 63 dias (de acordo com o número de salas do exibidor), tentando exibir um mínimo de 3 e o máximo de 14 filmes nacionais diferentes. Esses números foram estabelecidos pela Presidência da República e pelo Ministério da Cultura, a partir de um relatório técnico sobre o mercado brasileiro realizado pela Ancine. Como consequência da fragilidade presente na fiscalização de leis e medidas que incentivam a produção cinematográfica nacional, a qual ainda prestigia os filmes com apelo mais comercial, oriundos da indústria cinematográfica, baseada na narrativa das novelas da Globo Filmes, os filmes independentes continuam buscando espaço para 22 23 Pelo site http://sif.ancine.gov.br www.ancine.gov.br 55 serem exibidos. Em sugestão a política de reserva realizada no país, Renata Pinheiro 24 conclui: Talvez devesse existir uma cláusula que obrigasse o cinema a exibir filmes de todos os gêneros. Por que não autoral ou filme de arte? Isso poderia minimizar a tendência de exibição das comédias. Não que tenha nada contra comédias, mas diante desta forte tendência poderia ser um fator de transformação (PINHEIRO, 2013). A frente do lançamento do seu primeiro longa-metragem no mercado exibidor Rio Doce/ CDU (2013) - Adelina Pontual25 revela em entrevista para esta pesquisa que vê a cota de tela de uma forma positiva e acha que ela deve ser mantida. Fica evidente que a medida, pelo menos em teoria, obriga a exibição de uma cota mínima de filmes brasileiros nas salas comerciais, a fim de proteger as produções nacionais, mas esse incentivo deve estar voltado aos filmes que encontram maior barreira nesse nicho, os independentes. Para Pedro Severien: [...] a política brasileira de cota de tela ainda é tímida. Os países onde o cinema nacional apresenta bons números de público para produções nacionais são justamente aqueles que têm uma política de cota de tela mais agressiva. A inclusão do tema da produção independente na nova lei da TV a cabo é interessante, porém, isso deveria se estender aos canais de TV aberta. Acredito que só assim teríamos um novo ciclo de diálogo entre público e a produção. Incluo o tema das salas públicas de cinema aqui nessa resposta também. Como disse, as poucas salas que ainda existem nas capitais e nos municípios do interior do Brasil precisam estar ativas, exibindo filmes e convidando os espectadores. Projetos que levam ao cinema alunos das escolas de ensino médio, públicas e privadas, para assistirem filmes nacionais são essenciais. Deveriam ser ampliados por todos os Governos em todas as esferas. Há um projeto em andamento em nível nacional, que prevê a contabilização de público em locais de exibição não comerciais, como cineclubes, bibliotecas, associações, etc. Hoje, só é contabilizado o público em salas de cinema comerciais. Isso gera uma distorção, pois a maioria dos municípios não tem salas comerciais, no entanto, existem outros tipos de exibição. A ideia é fortalecer esse circuito alternativo. Eu apoio essa ideia. (SEVERIEN, 2013). 24 Está à frente da produção na Aroma Filmes, trabalhou em curtas premiados como SuperBarroco (2008) e Praça Walt Disney (2011) e se prepara para o lançamento do seu próximo longa em 2014 - Amor, Plástico e Barulho 25 Produtora do Chá Cinematográfico, diretora, roteirista e continuísta 56 Assim, fica evidente a necessidade de serem adotadas mais medidas que fomentem a distribuição de filmes independentes, visando o fortalecimento do setor e a continuidade no recente sucesso que os filmes independentes produzidos no estado de Pernambuco tem feito internacionalmente. O leque de consumo de obras audiovisuais deve ser ampliado tendo em vista a diversidade de gêneros e estéticas presentes na cinematografia nacional. O acesso aos filmes, o incentivo na formação de público e a utilização da tecnologia em favor da expansão e disseminação na distribuição de filmes independentes devem ser vistos como quesitos importantes na criação e atualização de políticas públicas audiovisuais. A reserva de mercado foi imprescindível para que a produção nacional pudesse estar inserida no seu próprio mercado exibidor, estabelecendo “limites” para a dominação do cinema norte-americano. Porém, parece fazer uso de medidas ditadas pelos interesses comerciais de empresas que dominam as regras do mercado comercial, favorecendo apenas uma parte das obras produzidas. Medidas que tem o caráter de democratização cultural não podem legitimar um tipo de filme em detrimento de outro, devendo fazer uso de critérios baseados na dificuldade de distribuição de uma obra, tendo em vista a facilitação do acesso de um bem cultural. Esse é o papel da distribuição: fazer com que o filme seja contemplado pelo maior número de pessoas possível. 57 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, a distribuição de obras audiovisuais continua sendo um gargalo no mercado, principalmente para os filmes independentes. A partir do desenvolvimento inicial no conteúdo histórico, é possível perceber que a carência de ações voltadas à distribuição do produto audiovisual nacional está presente desde o início das produções, ou seja, desde a década de 1920. Algumas práticas de fomento para o escoamento das obras produzidas e órgãos que fomentassem e fiscalizassem as produções foram instauradas, a exemplo da cota de tela, lei do audiovisual, lei rouanet, INC, Vera Cruz, Embrafilme, Ancine, as quais possibilitaram um número cada vez maior de filmes no mercado nacional. Porém, a disputa com os filmes blockbusters americanos sempre deixou o produto nacional à margem do mercado exibidor tradicional (salas de cinema). Com o recente desenvolvimento das novas tecnologias, as câmeras digitais de alta resolução e outros equipamentos de filmagem profissional ficaram mais acessíveis, o que barateou o processo de produção de um filme, fazendo com que o número de produções crescesse. Além das câmeras digitais, uma série de novas mídias foi se incorporando aos hábitos de consumo da população (smartphones, tablets, notebooks), auxiliando o consumo de vídeos através da internet. Beneficiados pela acessibilidade de equipamentos cinematográficos digitais, os filmes independentes estão invadindo o mercado e têm sido visto por alguns produtores como a nova indústria do cinema devido à continuidade na produção das obras. Como exemplo dessa efervescência no país, Pernambuco tem conquistado destaque no mercado nacional e internacional com o lançamento de suas últimas produções: O Som ao Redor (2012), dirigido por Kleber Mendonça Filho; Era uma vez eu, Verônica (2012), dirigido por Marcelo Gomes; Eles Voltam (2012), dirigido por Marcelo Lordello; e Tatuagem (2013), dirigido por Hilton Lacerda. A cena pernambucana foi o recorte utilizado para compreender melhor a distribuição de filmes independentes, já que além da safra ter tido forte destaque no último ano, Pernambuco é um dos únicos estados que possui um fundo de apoio direcionado as produções cinematográficas “locais” - o outro é o Rio de Janeiro -: Funcultura. A partir da pesquisa do mercado, fazendo uso de informações relativas aos filmes que já foram financiados pelo Fundo e coletando a opinião e experiência dos produtores audiovisuais pernambucanos, foi realizado um diagnóstico da atual situação 58 da distribuição de obras no cinema independente. A disseminação tecnológica acabou aumentando o número de obras cinematográficas realizadas no país. Esse crescimento facilitado pelos equipamentos digitais tem feito com que alguns investidores, cientes do potencial da internet como uma grande janela de exibição audiovisual, já comecem a testar esse novo mercado, a exemplo da Netflix e do Itunes, que disponibilizam filmes e músicas através de pagamento online. Apesar de trazer facilidade de acesso a um bem cultural – devido à popularização do acesso a internet – as mídias digitais ainda são utilizadas de forma tímida, longe de aproveitar o potencial de um nicho ainda em desenvolvimento. A falta de mecanismos fiscalizadores das medidas e leis presentes no fomento do cinema - a exemplo da cota de tela -, bem como as práticas realizadas por empresas na distribuição de filmes online, ainda dificultam o escoamento das obras. A escassez de políticas públicas voltadas para o gargalo da distribuição também contribui para o sufocamento do setor, mas já começa a dar seus primeiros passos com a implantação de medidas como a lei da TV paga. Outro fator diagnosticado como “bloqueio” do consumo de filmes independentes é a carência de ações voltadas à formação de público. Apesar de o cinema ser uma indústria, o filme é uma obra cultural e, como tal, deve ter como principal propósito o acesso do público a obra. Dessa forma é importante dar continuidade a essa pesquisa tendo em vista a modificação dos hábitos de consumo de cultura em virtude das novas tecnologias. Assim como no cinema, outros segmentos artísticos também encontram dificuldade em dar escoamento as suas produções (a exemplo da fotografia) devido a número de produções cada vez maior que não encontra espaço nas janelas exibidoras tradicionais. Por isso, a autora desta pesquisa, pretende continua-la no mestrado, tendo em vista a necessidade de ampliar o estudo a cerca desta temática que é o gargalo presente no mercado contemporâneo de consumo cultural: a distribuição. Destarte, a facilitação de acesso a um bem cultural deve ser estimulada e fomentada, devendo ganhar novas perspectivas com a utilização da internet como uma estante capaz de expor/vender um número infindável de obras culturais e audiovisuais. 59 6. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paulo Sérgio; BUTCHER, Pedro. Cinema: desenvolvimento e mercado. Ed. Aeroplano, 2003. ANCINE/OCA. Dados das bilheterias – 2002 a 2012. Disponível em: http://oca.ancine.gov.br/filmes_bilheterias.htm> Acesso em 09 de janeiro de 2013. ___________. Dados de Mercado. Distribuição em salas 2012. Disponível em: http://oca.ancine.gov.br/distribuicao.htm > Acesso em 02 de abril de 2013. ___________. Dados gerais do mercado audiovisual brasileiro. 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APÊNDICE Abaixo seguem as respostas enviadas pelos 10 produtores audiovisuais, atuantes no mercado cinematográfico pernambucano, à pesquisa realizada através da elaboração de um questionário padrão que foi enviado por e-mail entre junho e julho do ano 2013. As perguntas foram elaboradas no intuito de saber a opinião e as práticas empregadas pelos produtores na distribuição de suas obras e a opinião sobre questões que marcam a cinematografia nacional e/ou local. Logo abaixo seguem as perguntas e em seguida as respostas, organizadas a partir da ordem alfabética do nome dos produtores: 1. O cinema realizado em Pernambuco ganhou destaque com os ciclos e, assim como no cinema nacional, enfrentou problemas devido à falta de incentivos e mão de obra especializada para realização dos filmes. Com o passar dos anos a mão de obra técnica foi aperfeiçoando-se e o acesso à tecnologia digital facilitou o processo de produção de um filme. Em 2003, com a implantação do Funcultura, o Estado passa a auxiliar no financiamento dos filmes, fato que auxilia o crescimento de produções cinematográficas. Atualmente, o setor audiovisual se depara com um gargalo em uma das etapas da cadeia produtiva: a distribuição. Que dificuldades você tem encontrado para a distribuição de filmes? 2. Com o avanço da tecnologia, além da facilidade de câmeras que filmem em boa qualidade com um preço mais baixo, fato que alavancou e estimulou as produções cinematográficas no século XXI, existem novas janelas de exibição para produtos audiovisuais através da internet, facilitados pela disseminação de aparelhos eletrônicos (notebooks, smartphones, tablets, etc.). Você faz uso das novas tecnologias para distribuição dos filmes? Se sim, que tipo de tecnologia/suporte você utiliza e como utiliza? 3. De que forma você percebe que o setor cinematográfico tem se movimentado para facilitar o acesso do público aos filmes? 4. Pernambuco tem ganhado um destaque cada vez maior com suas produções cinematográficas. Diversos filmes foram premiados em festivais, tanto nacionais quanto internacionais, abrindo novas partes para o cinema realizado no estado. Porém, são 65 poucos os filmes que conseguem uma sala no cinema (Multiplexes) para serem exibidos a um grande público, encontrando espaço apenas em cinemas como o da Fundação Joaquim Nabuco e os festivais de audiovisual. Tendo como premissa a facilitação do acesso de um bem cultural ao público, qual a forma que você, como produtor cultural/audiovisual local vê para que essa lacuna entre filme x acesso do público possa ser solucionada? 5. Qual sua opinião sobre a reserva de mercado (obrigatoriedade de filmes brasileiros ocuparem as salas de cinema por certo número de dias por ano). Você tem alguma sugestão alternativa para essa política? Adelina Pontual, Chá Cinematográfico. 1. A - A distribuição tem sido um dos grandes problemas mesmo. Como sabemos, o mercado é monopolizado pelas produções norte-americanas. Algumas produções brasileiras, em geral, comédias atreladas à Globo Filmes, têm conseguido furar o bloqueio. Mas, para filmes independentes a coisa fica realmente difícil. São poucos distribuidores que investem nesse tipo de filme e o circuito de exibição se fecha pra eles. Agora mesmo, estou lançando meu primeiro longa, o documentário Rio Doce/CDU ainda sem distribuidor. 2. A - Ainda não fiz uso de nenhuma dessas novas plataformas. Mas, pretendo dar uma estudada nessas possiblidades como alternativa para a distribuição do filme. 3. A - Não saberia te responder. Só agora estou entrando neste universo de ter que distribuir um longa-metragem. Mas, acho que um caminho pode ser esse das novas plataformas. 4. A - No caso do meu filme, nunca imaginei ele numa sala de multiplex. Acho que temos que ter clareza do perfil de seu filme e buscar quais os caminhos mais adequados para que ele chegue ao público. No caso do Rio Doce/CDU, um filme "de rua" em sua essência, vamos fazer exibições itinerantes de rua, seguindo o mesmo itinerário da linha de ônibus que dá título ao filme. Na sala de cinema, aqui no Recife, a que mais vejo adequada é a do Cinema São Luís, no centro da cidade. Também, distribuiremos o filme entre os cineclubes daqui e de outros estados. 66 5. A - Acho correta e deve ser mantida. Alexandre Nogueira, D7 Filmes. 1. ALE - Na verdade, acho que dificilmente você quebra este ciclo rapidamente. O normal é que você lance um filme em festivais e dependendo da repercussão que este filme alcance no circuito você seja procurado por distribuidores, principalmente se é de uma produtora nova, ou de um diretor pouco conhecido ainda. Se o diretor já estabeleceu seu nome, principalmente nos circuitos, costuma ficar mais fácil, por conta de um portfólio que já o credencia para um possível interesse por parte de uma distribuidora. O que precisa ficar claro é que as distribuidoras visam, primeiramente o lucro ao escolher um ou outro filme para distribuir. Não basta ser um belo filme que tenha pouco apelo de público. Por mais autoral e interessante que o filme possa ser, ele não desperta interesse junto aos distribuidores se não agregar um viés de possível bilheteria positiva. 2. ALE - Com relação aos produtos de conteúdo, ainda não, simplesmente por estar em um período de entressafra e existe sempre, principalmente por vontade dos diretores, um desejo de cumprir uma agenda de festivais antes de utilizar estes outros meios. A não ser que o produto seja pensado, desde o início, com outro fim, mais comercial, como o exemplo meio atravessado de "Porta dos Fundos", que mesmo não parecendo, tinha um fundo (ou interesse) comercial desde o início. Usamos o expediente de facebook, vimeo e youtube para um produto não cinematográfico, que passamos a oferecer no ano passado. Filmes de casamento. O primeiro postado na internet teve mais de 100 mil visualizações em menos de um mês no ar, e nos trás um retorno ainda hoje, quase um ano depois de postado, de pelo menos 5 pedidos de orçamento por semana. 3. ALE - Não acho que haja um movimento consistente neste sentido. Canais como "filmes brasileiros" no youtube, facilitam o acesso aos filmes nacionais, mas é também uma forma "atravessada" de distribuição. A distribuição será sempre ditada pelo público. Cineastas renomados e excelentes como Woody Allen têm aceitado produzir seus filmes em cidades diversas do mundo, em parte pela dificuldade em encontrar patrocinadores / distribuidores em seu próprio país interessados em custear seus filmes. 67 Isso é uma clara indicação de que o mercado (as vezes infelizmente) é quem dita as regras e opções das distribuidoras. 4. ALE - Como já coloquei em parte acima, acho que este é um problema que sempre existiu e sempre existirá. Alfred Hitchcock, por exemplo, teve imensa dificuldade para realizar seus últimos filmes, assim como Akira Kurosawa. Hitchcock chegou a bancar filmes do próprio bolso. Se você não tiver um produtor que acredite que tal filme pode dar lucro, por mais que isso pareça vil, ele não vai apostar no filme, e consequentemente teremos muito menos obras-primas para assistir. Prêmios em festivais não são credenciais suficientes de que um filme será um sucesso. É uma credencial de crítica, talvez, mas está longe de ser uma credencial de público. E o que move as distribuidores é o fator público. Temos uma infinidade de filmes pernambucanos super premiados em festivais nacionais e internacionais, mas temos pouquíssimos filmes pernambucanos realmente bons e relevantes para a filmografia nacional ou mundial. E mesmo os que são relevantes cinematograficamente, podem não ser junto as distribuidoras que visam sempre, em última instância, o lucro. Como deixar esta "balança" equilibrada? Se descobrir, me avise, por favor. 5. ALE - Sou contra qualquer tipo de reserva de mercado, de cota em universidades, de "peixada", etc.. Sou e sempre serei a favor do mérito. As pessoas tem o livre arbítrio para escolher o que querem ver, por mais que queiram ver péssimos filmes americanos. Se um filme nacional faz sucesso, e tem mais bilheteria que a média dos filmes ele tem seus méritos, mesmo que seja perceber que o público brasileiro gosta de uma comédia rasteira. Não podemos entrar no mérito do nível intelectual e cultural deste público, pois teríamos que começar a discutir outros assuntos mais profundos como a qualidade da educação no nosso país, a quantidade de livros lidos por pessoa/ano, e tantas outras questões que teriam que ser discutidas antes de exigir que as pessoas prefiram dar audiência para um filme mais profundo a um filme sem muito conteúdo. Se nosso público é assim, é porque ele foi formado assim durante décadas e tem que rolar uma transformação gigantesca na formação deste público para que ele passe a escolher um filme em detrimento de outro. Quando isso ocorrer, as distribuidoras podem optar por distribuírem um bom filme nacional a um filme nacional ou americano ruim. Minha sugestão seria produzir bons filmes que possam gerar também bilheteria. 68 Camilo Cavalcante, Aurora Filmes. 1. C - A grande barreira na distribuição da produção audiovisual independentes ainda é o esquema totalitário que domina o mercado e impõe que as salas de exibição sejam ocupadas majoritariamente pelos blockbusters internacionais e nacionais. No caso da produção nacional, A Globo Filmes domina a distribuição de uma forma quase mafiosa. Desta forma, a fatia de mercado que sobra para a produção autoral independente é minúscula, restando algumas migalhas dentro do circuito de exibição em cinemas. A maior dessa produção só terá escoamento através da Tv, principalmente via canais por assinatura. Alternativas de circulação das obras via internet e através de cineclubes podem ajudar para que o filme chegue efetivamente ao espectador e passe a existir de verdade. Pois um filme só se conclui de fato quando chega ao público. 2. C - O site do porta curtas (www.portacurtas.com.br) tem todos os meus trabalhos em curta-metragem. Também disponibilizo todas as obras no site da produtora via Vimeo. 3. C - Os festivais e mostras são fundamentais para fomentar a circulação das obras e proporcionar o encontro entre os artistas e o público, promovendo o debate dos filmes e discussões a respeito de estética, política, economia e alteridade dentro do processo criativo audiovisual. Esses encontros enriquecem o público e também os realizadores, através dessa troca pulsante de ideias e informações. 4. C - Creio que cinemas como São Luiz e o Apolo, também o Teatro do Parque (que está fechado para uma reforma sem fim há alguns anos) são instrumentos essenciais para que não só o cinema pernambucano, mas toda cinematografia construída com base na arte, seja exibida a preços acessíveis e em lugares centrais para a população. 5. C - Temos que criar mecanismos que favoreçam o Cinema nacional a prevalecer no cenário cultural. Sou a favor de uma reserva de mercado, assim com existe na França por exemplo. Mas, também temos que tomar cuidado com o nosso próprio lixo cultural. Pois, não adianta um sistema de cotas onde prevaleçam às produções com estética televisa. Seria necessário um balanceamento entre filmes notadamente comerciais e filmes com estética autoral. É uma questão complexa e difícil, pois no Brasil nem as leis são respeitadas. A lei do Curta, por exemplo, não é cumprida. Seria um ganho enorme 69 se antes de cada longa-metragem nacional ou estrangeiro fosse exibido um curta brasileiro. Mas o mercado é mesquinho o suficiente para aceitar 10 ou 15 minutos a mais em cada sessão. Cesar Maia, Ateliê PE. 1. CE - A maior dificuldade, em minha opinião, é a falta de informação. E os acordos com as distribuidoras, que geralmente abocanham a maior parte dos lucros. Isso sem falar na limitação de salas disponíveis para filmes nacionais. Isso para filmes feitos para o cinema. Hoje, temos uma demanda cada vez mais crescente na WEB e na TV. No mais, o que acontece é que existem filmes feitos para o autor e filmes feitos para o público. E nem sempre o filmes pernambucanos da novíssima geração são feitos para um mercado que já sabe o que quer. Isso claro que vai impactar na distribuição. 2. CE - Claro. Hoje com 2mil dólares você consegue filmar com a mesma qualidade que se filmava há 10 anos com uma câmera de 70 mil dólares. Sem falar de uma infinidade de softwares totalmente disponíveis e o fato da maioria dos festivais, hoje, já dispensar a obrigatoriedade de filmes em película. 3. CE - Muitos dos festivais têm preços bem acessíveis. Isso sem falar em mostras com acesso inteiramente grátis. Mas a quantidade de filmes bons, disponíveis, ainda é muito pequena e não sei se existe um empenho satisfatório do setor que contribua para isso. 4. CE - Isso que você me pergunta é o pulo do gato e, caso eu tivesse essa resposta, provavelmente estaria rico. Mas acho que filmes de arte têm, disponíveis para exibição, salas de arte. O que talvez esteja faltando a Pernambuco é criar a sua indústria de cinema. Filmes mais acessíveis ao grande público e mais comerciais também precisam ser produzidos. Seria bom para todo mundo. Ajudaria na formação de um público consumidor de filmes locais e fomentaria o mercado, colocando cada vez mais gente nesse mercado de trabalho. Mais do que já temos, talvez apenas através de leis que garantam a exibição de filmes nacionais em salas do multiplex. Mas ai não sei da viabilidade dessa ideia nem de sua lisura de um ponto de vista mais democrático. 70 5. CE - Veja bem, como produtor e diretor de cinema e produtos audiovisuais tenho total interesse e acho bom. Como consumidor também acho interessante. Mas sou um amante das democracias e não sei até que ponto essa ideia se sustenta sem ferir direitos e deveres de empresas e pessoas. Acho que alguma reserva deve haver, como forma de garantir que uma cultura brasileira se sustente e se prolifere, mas talvez a solução esteja na formação de plateia. Acostume o público a consumir cinema nacional e, ainda mais importante, garanta um cinema brasileiro de qualidade, que teremos o próprio mercado cuidando disso. O que precisamos é produzir bons filmes e garantir o acesso das pessoas ao cinema. O resto virá por gravidade. Não adianta apenas fazermos novela para salas de cinema, temos que diversificar e fortalecer um cinema nacional de qualidade indiscutível e fazer que todos, independentemente de classe social, tenham acesso a ele. Hamilton Costa Filho, Cabra Quente Filmes. 1. H - Aqui em Recife não tem como fazer a distribuição dos filmes temos de ir para São Paulo ou Rio de Janeiro. 2. H - Uso sempre a internet como meio de divulgação dos meus filmes. 3. H - o modo + usado é a net. 4. H - Se for longa deveria ter uma lei para exibição independente se o filme é um doc. ou outro formato de linguagem e tbm deveria ser exibido curtas antes dos longas. 5. H – Não. Mannuela Costa, Plano 9 Produções Audiovisuais. 1. M - Uma delas são as diversas barreiras para filmes de baixíssimo orçamento e de distribuição independente no Brasil. Isso se liga à dificuldade de colocar os filmes nas salas comerciais. Aliado a isso, está o baixo valor destinado à distribuição nos editais públicos (fomento ou financiamento), comparado ao incentivo à produção - com os filmes digitais, produzimos mais, mas não escoamos tanto a produzimos. Fora o FSA, só Pernambuco e Rio de Janeiro (Rio filmes) têm linhas de incentivo a isso. No caso do FSA, há uma contrapartida financeira necessária e, em geral, apenas filmes mais 71 robustos (diretores mais conhecidos, produtoras maiores e distribuidoras mais bem estruturadas) conseguem. Acho que Pernambuco é a única exceção. Outra é a falta de equipamentos digitais de alta qualidade para projeção desses filmes. Além disso, que não é novidade, a distribuição em outras janelas (internet e TV) enfrenta outros desafios. Na internet, o baixo retorno financeiro é um dos fatores. O outro são as formas não remuneradas de execução da obra. Na TV a questão começa a mudar de figura diante da Lei 12485. Mas se os canais não forem "fiscalizadas" quanto ao excesso de reprise, só melhora a situação de alguns. 2. M - Sim. Usamos o streaming e o VOD. Além de DVDs, distribuídos para cineclubes, por exemplo. Nem todas são remuneradas. 3. M - Há uma forte atuação via internet e via cineclubes. Isso tem ajudado, sobretudo, na formação do público. Porém isso não é um processo de curto prazo. Somente a partir de 2009 e 2010 começamos a ver um real aumento de novos agentes (produtores) no mercado (isto é, filmes lançados, de estados outros que não RJ e SP). Com a lei 12485, uma conquista da classe, a TV começa a desempenhar um papel que há muito é esperado. Salas de arte com preços de ingressos mais acessíveis têm estimulado novos consumidores. Para completar, iniciativas como da Programadora Brasil, que além de cineclubes (Programa Mais cultura) para escolas e faculdades também auxilia. 4. M - Comentei um pouco acima. Além de novas salas (sobretudo fora das capitais), digitalização das salas existentes, barateamento dos ingressos e, finalmente, uma efetiva participação dos canais abertos e a cabo. 5. M - É necessária que se configura como uma "barreira à entrada" de filmes não brasileiros. Porém, se a cota de tela não for fiscalizada no que tange a diversidade de títulos, um filme de grande orçamento, que é lançado com 300 cópias, além das digitais, é pouco eficiente. Marcelo Pedroso, Símio Filmes. 1. MAR - O circuito exibidor tem orientação estritamente comercial. Isso dificulta a entrada de filmes que não tenham esse perfil. Isso não é exatamente um fato novo, mas 72 tem se agravado nos últimos anos. Vivemos esse paradoxo: enquanto em termos tecnológicos a distribuição deu um salto de facilidade, principalmente por conta da quase extinção da película enquanto suporte majoritário, o mercado se fechou de uma maneira radical para os filmes com perfil menos comercial. Hoje, filmes de realizadores como Almodóvar e Woody Allen, que antes entravam em multiplexes e faziam boas bilheterias, foram escantilhados para o circuito alternativo – que era o espaço por excelência para filmes com o perfil dos que temos realizado. Multiplex agora só quer saber de produção em série com amplo potencial de bilheteria: filmes espetaculares, pirotécnicos, caríssimos e, em sua maioria, muito, muito ruins. 2. MAR - Nós temos a experiência do Vurto, site fundado por mim e Felipe Peres Calheiros. É um espaço para filmes que produzimos especificamente para internet: filmes curtos, que tentam resolver questões narrativas de forma mais sugerida, embora tentando manter um teor impactante. Mas fora isso, também tenho usado de outros meios para filmes feitos para o cinema mesmo. Por exemplo, Balsa. É um médiametragem que teve lançamento com debate em cinco escolas da RMR. E depois passou a circular em cineclubes, ficou disponível para download, foi lançado em camelôs etc. Você pode acompanhar um pouco desse lançamento pelo site http://docbalsa.blogspot.com.br/ Já com o longa-metragem Pacific, obtivemos um recurso do Governo do Estado para distribuição. O filme foi lançado em salas de 28 capitais brasileiras através da distribuidora Vitrine Filmes. Paralelamente, fizemos uma tiragem de 5 mil DVDs que foram encartados gratuitamente na revista Continente. E, finalmente, o filme teve uma tiragem de mil DVDs dentro de um encarte especial, que continha o que chamamos de material pedagógico. Trata-se de um livreto com cinco textos produzidos por pensadores de diferentes áreas que debatiam o filme a partir de cinco perspectivas diferentes. Esse material foi distribuído gratuitamente em cineclubes, pontos de cultura e faculdades de todo o Brasil. 3. MAR - Uma iniciativa como essa da distribuição do Pacific parte de um entendimento ampliado do que é o mercado cinematográfico. Pra mim, a disputa por salas de exibição é algo difícil, pois não termos recursos para brigar com filmes da franquia do Homem-Aranha, por exemplo. Então a ideia é correr por fora. Mas não numa perspectiva resignada. Um lançamento como o do Pacific parte do princípio da formação de público. Ao levar o filme para esses espaços, acompanhado de um material 73 que ajude a pensá-lo, a gerar debate, estamos partindo para uma ofensiva que pretende configurar novas posturas no público em relação cinema. Trata-se de uma formação de olhar mesmo, de apresentar novas possibilidades estéticas e sensibilizar o público para isso. Essa batalha talvez não possa mesmo ser travada no circuito exibidor comercial. Tem que ser por fora: nos cineclubes, escolas, pontos de cultura. É importante enxergar e alimentar essa rede, uma das iniciativas mais importantes voltadas para a cultura do Estado brasileiro recente. Se continuarmos fazendo isso e, principalmente, se muitos diretores também o fizerem (e isso já está acontecendo), podemos pensar até numa política pública que fomente essa iniciativa. Num médio prazo, poderíamos ter um público com formação atenta a um cinema menos alinhado à lógica do espetáculo, e esse público poderia voltar a criar uma demanda específica nas salas tradicionais. 4. MAR - Tem essas formas que já mencionei, mas acho que o mercado precisa levar um “se ligue” também. Não sei exatamente como seria isso, mas é absurdo você ir pra Fundaj e ter que disputar uma entrada pra ver um filme quase a tapa porque tem muita gente, filas enormes. Isso significa que já existe uma demanda enorme por esses filmes. Será que os exibidores não vem isso? Digo, até enquanto empresários mesmo porque não podemos esperar deles uma sensibilidade política ou engajamento cultural. A lógica deles é a do lucro e pronto. Mas porque eles não se ligam que esses filmes também podem dar lucro? Mas enfim, te respondendo mais diretamente, tem essas coisas de vale-cultura, de cota de cinema brasileiro no multiplex. Acho que são ferramentas importantes, mas não resolvem o problema sistêmico, que na minha opinião está ligado a uma cultura audiovisual tacanha. É preciso mudarmos a televisão brasileira da água pro vinho. Enquanto não qualificarmos nossa televisão, enquanto ela for reduzida a uma concentração do que há de pior em termos de dramaturgia (novelas, malhação, o escambau), de jornalismo, de entretenimento, de cultura, enfim, nós não conseguiremos qualificar nosso circuito exibidor. Porque pra mim há uma relação muito clara: a televisão contribui fortemente para a formação do olhar. Pra muita gente, ela é o principal meio de contato com imagens. E as pessoas tendem a procurar essas referências na hora de escolher um filme. Não é a toa que as comédias execráveis da Globo são recorde de bilheteria no Brasil. Aquilo é novela expandida, não é cinema. Falo isso, mas me corrijo: acho que deve ter espaço pra isso e que o público deve ter acesso e direito a um entretenimento leve, descomprometido. O problema é quando se tem só isso. 74 5. MAR - Acho que já respondi, né? É importante, mas seria meio que tapar o sol com a peneira. É feito as cotas raciais: pra mim são necessárias, mas é preciso haver uma requalificação do ensino público que gere igualdade de oportunidades para todos. Sem isso, fica esquisito. Mesma coisa pro Bolsa-família, né? Parece que o Estado brasileiro agora assumiu a consciência da gravidade de alguns problemas e está se esforçando em criar instrumentos para tentar corrigi-los. Parece-me que isso é importantíssimo e pode funcionar num curto prazo, enquanto medida emergencial. Mas que é preciso olhar para os problemas de forma mais sistêmica e pensar em políticas para solucioná-los no médio e longo prazo. Pedro Severien, Orquestra Cinema Estúdios. 1. P - A produção de um filme requer dedicação e persistência, pois é um processo longo, muitas vezes um filme passa anos para sair do papel. Para mim, a maior dificuldade é a falta de profissionais qualificados engajados na distribuição dos produtos audiovisuais. De certa forma, eu acredito que todo filme tem um mercado, existe um interesse para quase todo produto seja em qualquer formato, duração ou tema. A grande charada é: Como colocar esses produtos no mercado? No Brasil, ainda não temos empresas e profissionais suficientes trabalhando nisso. Portanto, na maioria dos casos, a responsabilidade fica com o realizador/diretor/produtor. A própria figura do produtor ainda é mal resolvida no país, e especialmente no Nordeste. Essa dinâmica de acúmulo de funções divide a força de distribuição. Não temos empresas de distribuição de conteúdos instaladas no Estado, e no Brasil esse ainda é um setor de formação. Há ainda o problema clássico das salas de cinema que dedicam-se especialmente ao cinema americano. Essa faceta do nosso parque exibidor é apenas a expressão final de um modelo dominado por interesses econômicos de uma elite, liderada pelas multinacionais da área de entretenimento. Recentemente, recebi uma proposta da Turner, empresa que controla uma série de canais de TV a cabo em toda a América Latina. A proposta de compra de um curta-metragem para exibição exclusiva em todos os canais, durante 03 anos. O valor proposto foi de R$ 500,00, dos quais R$ 100,00 seriam gastos com impostos necessários a exibição do produto. Ou seja, esse tipo de proposta demonstra o desrespeito desses grupos à produção nacional. 75 2. P - Ainda não faço isso comercial desse tipo de plataforma. Eu disponibilizo os meus filmes de curta-metragem na Internet, depois de cumprido o período de exibição em festivais. Existe um movimento de abertura para o mercado na Internet, com o pagamento por exibição e a disponibilização em sites de Video on demand. Vejo isso de forma bastante positiva, mas ainda não tive nenhuma experiência de sucesso nesse sentido. 3. P - O termo que você usa é bastante amplo: "setor cinematográfico". Para mim, isso inclui as salas, as distribuidoras, os canais de TV dedicados a filmes, e mesmo os canais abertos, assim como produtores, realizadores, atores e técnicos. Para responder essa questão da forma mais consistente, eu mesmo teria que iniciar um estudo, já que ela é tão abrangente. Posso dizer que vejo como algo muito positivo o crescimento do movimento cineclubista em Pernambuco e no Brasil. A maioria das cidades brasileiras não tem sala de cinema, e mesmo as que existem em shoppings não servem como lugar de democratização do acesso, pois cobram ingressos muito caros. Também vejo os festivais de cinema como principal janela do cinema nacional, todavia, diversos festivais não atingem um público mínimo. A disponibilização dos filmes na Internet é algo bem positivo, embora, muitas vezes isso não é feito pelo "setor cinematográfico", mas sim pelo público que se interessa por cinema. 4. P - Eu acredito que umas das formas de mudar essa situação é melhorar nível educacional. Por enquanto, o cinema nacional vive uma trágica dicotomia entre filmes "de público" e filmes "de arte". Não gosto desses termos, mas eles são utilizados com tanta frequência que reivindicam uma reflexão. Eu acredito que deve haver sim cota de tela, e que ela deve ser bem maior do que é hoje. Não faz sentido ter uma produção tão interessante, e não dar a ela a oportunidade de contato com o público. Deixar a regulação apenas para as leis de mercado, serve apenas aos grupos hegemônicos. A produção independente é necessária como instrumento de formação crítica e também da nossa identidade cultural. Para facilitar o acesso, acredito na manutenção de nossos cinemas públicos. Hoje, esmagadora maioria desses espaços não funciona de forma regular. Até mesmo os cinemas que foram reformados pelo Governo do Estado, vide o cinema de Goiana, não abrem espaço para a produção nacional, porque simplesmente não funcionam. Outros esperam por reforma, vide o Cine Olinda, há anos! Inclusive com investimentos equivocados. Ou seja, por esses espaços para funcionar é essencial! 76 O Museu da Imagem e do Som deveria ser um lugar aberto ao público, nos moldes da cinemateca Francesco, mas aqui o prédio está caindo aos pedaços e nunca cumpriu seu papel de disponibilização do acervo. Outra ação é instrumentalizar os canais de TV pública. A TV Pernambuco existe há décadas e até hoje não disponibiliza conteúdo produzido no Estado. A exemplo de países Europeus, os canais públicos de TV cumprem um papel essencial na formação de um público consumidor de cinema independente. 5. P - Eu acho que a política brasileira de cita de tela ainda é tímida. Os países onde o cinema nacional apresenta bons números de público para produções nacionais são justamente aqueles que têm uma política de cota de tela mais agressiva. A inclusão do tema da produção independente na nova lei da TV a cabo é interessante, porém, isso deveria se estender aos canais de TV aberta. Acredito que só assim teríamos um novo ciclo de diálogo entre público e a produção. Incluo o tema das salas públicas de cinema aqui nessa resposta também. Como disse, as poucas salas que ainda existem nas capitais e nos municípios do interior do Brasil, precisam estar ativas, exibindo filmes e convidando os espectadores. Projetos que levam ao cinema alunos das escolas de ensino médio, públicas e privadas, para assistirem filmes nacionais são essenciais. Deveriam ser ampliados por todos os Governos em todas as esferas. Há um projeto em andamento em nível nacional, que prevê a contabilização de público em locais de exibição não comerciais, como cineclubes, bibliotecas, associações, etc. Hoje, só é contabilizado o público em salas de cinema comerciais. Isso gera uma distorção, pois a maioria dos municípios não tem salas comerciais, no entanto, existem outros tipos de exibição. A ideia é fortalecer esse circuito alternativo. Eu apoio essa ideia. Raquel Daisy Ellis, Desvia Filmes. 1. R - Acho que distribuição de cinema autoral é um desafio não só no Recife mas no Brasil todo, e em muitos lugares do mundo. Existe duas dificuldades principais, que são interligados. Uma questão é a formação do público, que tem uma preferência de consumir produtos hollywoodianos, ou comedias românticas, ação etc. Outra questão é a falta de espaço em horários nobres para filmes nacionais e autorais estrangeiros em salas comerciais de cinema. Na realidade um problema exacerba a outra. Na medida que não há a opção de ver filmes nacionais/autorais estrangeiros, o público não vai 77 formando um olhar diferente, ao mesmo tempo se não há demanda do público, não há incentivo para cinemas comerciais colocar este filmes em cartaz. Porém, temos experiências de cinemas com a Fundaj de Recife que desafiam esta lógica. Com um nicho de público (bastante grande) e um preço mais acessível, um ambiente agradável diferenciado (o café em frente do cinema), as sessões de filmes nacionais tendem a lotar e há um processo muito positivo de oferta de filmes nacionais / estrangeiras independentes que acaba formando um público mais crítico que demanda mais produções diferenciadas. Acho que as salas de cinema precisam se diversificar (salas menores, equipamento digital, uma sessão por filme por dia, com mais variedade de oferta etc.). Colocar cinemas em espaços de cultura, casarões, ao ar livre etc. Esse tipo de empreendedorismo tem funcionado muito bem no exterior. Esporo ver aqui no Brasil em breve! 2. R - Usamos Vimeo e quando tiver interesse os filmes têm contratos com empresas de VOD. 3. R - Explorando meios alternativos de distribuição como os citados em cima. Mas acho que precisa fazer mais, trocar mais ideias e ter mais colaboração entre produtoras, realizadores e distribuidores. 4. R - Acho que o custo de um ingresso de cinema no Brasil caríssimo, e muito proibitativos em geral. Deve ter incentivo fiscal para cinemas que colocam filmes nacionais em horários nobres! Nos filmes que trabalhei tivemos um certo sucesso na distribuição porque focamos em meios alternativos de distribuição, com consciência de que nosso objetivo principal é que os filmes sejam vistos pelo maior número de pessoas possível, não ganhar dinheiro com a distribuição. Não tenho nada contra de depois de alguns anos, disponibilizar um filme de forma gratuita no internet, por exemplo. 5. R - Tem que ser ampliado!!! Renata Pinheiro, Aroma Filmes. 1. RE - Ainda não há muitas distribuidoras brasileiras, especialmente distribuidoras interessadas em filmes mais autorais. As maiores são multinacionais, que lançam um só 78 filme em dezenas de salas simultaneamente, e estão interessadas em filmes que reproduzem uma fórmula dita “de sucesso” como as comédias. Como o mercado tem mudado, acredito que essas distribuidoras deveriam reavaliar seus lançamentos e apostar em novos talentos. Nossos filmes pernambucanos têm feito grandes estreias internacionais, mas quando voltam ao Brasil não há um tratamento a altura. Existe uma grande carência de distribuidoras de médio ou pequeno porte que naturalmente lançariam filmes brasileiros autorais em circuito comercial. A exemplo disso temos a distribuidora “Vitrine (SP)” que está lançando filmes neste formato e utilizando criativamente plataformas de lançamento em redes sociais e mídias alternativas mas que não consegue absorver toda a produção. Esperamos que novas distribuidoras surjam ainda neste ano, pois inclusive existem recursos estaduais e federais para comercialização, o que coloca fora de risco à possibilidade de lançamento com recursos próprios. 2. RE - Ainda acredito que a sala de cinema é o melhor lugar para se assistir um filme. Investimos muito na finalização para chegar a uma excelente qualidade de som e imagem, além do quê as salas de cinema são espaços sociais, promovem encontros e discussões. Na Aroma Filmes costumamos disponibilizar nossos filmes no Vimeo (aberto para reprodução) quando o filme já cumpriu sua carreira em festivais. Temos nossa primeira experiência com lançamento com o Amor, Plástico e Barulho de Renata Pinheiro que está previsto para o segundo semestre de 2012, até lá o filme deve participar de festivais nacionais e internacionais. 3. RE - Tenho percebido um crescente público interessado em assistir a recente produção brasileira. Existem iniciativas isoladas como é o caso da Fundação Joaquim Nabuco e de alguns festivais. Mas ainda falta muito. Temos que ter salas dirigidas para essa produção e mais festivais interessados em exibir esses filmes. Público existe, mas os empresários ainda não estão acompanhando esta tendência do mercado. O filme “O Som ao Redor” de Kleber Mendonça pode ser um divisor de águas, lançado pela Vitrine, obteve um grande número de espectadores. Acredito que as grandes distribuidoras não tenham percebido o grande potencial do filme por falta de visão e adaptação a este novo público brasileiro. 79 4. RE - Precisamos de mais distribuidoras, não conheço nenhuma distribuidora pernambucana. Como o Funcultura também disponibiliza recursos para comercialização, já deveria ter surgido um produtor interessado em difundir esta produção do estado, podendo também absorver uma produção brasileira. Essa deve ser uma iniciativa privada, isso depende da visão comercial de empresários, uma visão ousada e positiva. Os recursos para lançamentos existem em alguns editais. Talvez para um bom começo, deveria existir uma espécie de reserva de mercado que obrigasse os cinemas a exibirem uma cota de filmes brasileiros. Não tenho certeza se existe esta política, talvez sim, mas não é o que vemos nos cinemas. A produção brasileira de comédias é o que, mas se vê, falta espaço para os outros gêneros de filmes produzidos hoje no Brasil. 5. RE - Talvez devesse existir uma clausula que obrigasse o cinema a exibir filmes de todos os gêneros. Por que não autoral ou filme de arte? Isso poderia minimizar a tendência de exibição das comedias. Não que tenha nada contra comédias, mas diante desta forte tendência poderia ser um fator de transformação. 80