Vanessa Costa Trindade
“Eu aumento, mas não invento”
Celebridades, valores e interesse público no TV Fama
Monografia apresentada ao Departamento de
Comunicação Social da Universidade Federal de
Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título
de Bacharel em Comunicação Social
Orientadora: Profa. Dra. Vera Regina Veiga França
Co-orientadora: Profa. Lígia C. Cerqueira Lana
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
Junho de 2008
Agradecimentos
Para além das estrelas das telinhas, que são as matérias-primas do objeto empírico desta
monografia, há as estrelas que iluminaram meu caminho desde a primeira dúvida até o final
da escritura. E que me ensinaram modos de agir tanto no desenvolvimento deste trabalho
quanto na vida.
O primeiro agradecimento é a Deus, por ter sido sempre minha principal fonte de luz.
Depois vêm minha mãe e a Duda, por serem meus grandes modelos de vida e por cuidarem
de mim e do meu aprendizado com tanto primor e carinho. Ao Filipe, pelas leituras do
projeto, dos capítulos, pela capa, mas principalmente pelo amor e por afagar o meu coração.
À Vera, por tantas coisas... Por ter me mostrado o caminho das teorias da comunicação, por
ter me dado a oportunidade de participar do Gris (lugar de aprendizado cotidiano), por me
ensinar a pesquisar, por ser sempre muito mais do que uma orientadora. Por ser amiga.
À Liginha, pela co-orientação, pelas dúvidas quase diárias tiradas pelo telefone, por toda a
ajuda e atenção. E mesmo que sempre diga que não é preciso agradecer, mais uma vez,
muito obrigada.
Ao Victor, por ter me ajudado na elaboração do projeto, por ter dado sugestões valiosas e
por me fazer rir.
Aos colegas do Grispop, por todas as discussões.
Aos amigos que já estiveram ou costumam estar presentes no dia a dia do Gris, por todos os
momentos de aprendizado e descontração: Carlinha, Roberto, Macaco, Glau, Cris, Geraldo,
Flávio, Flavinha Miranda, Denise, Lili, Ronei, Rafa, Renné, Cici, Marina.
À Regininha, Priscila e Paula, por todos os “momentos desabafo”.
Ao Humberto e à Flavinha Ayer, por serem grandes amigos e nunca se esquecerem de
perguntar se está tudo bem.
Alines, Reginas e agregadas, pela amizade.
Aos amigos de fora do curso, Pri, Paula, Renato, Miriam e Ciça, por tudo.
Ao CNPq, pelo financiamento.
Esse é o elenco das estrelas que me ajudaram neste trabalho – e que me ensinam a viver.
2
Já repararam? A má reputação sempre fez parte da fama...
Mário Quintana
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Sumário
Introdução --------------------------------------------------------05
1. Fofoca na TV --------------------------------------------------07
1.1. Fofoca boa e fofoca ruim -----------------------------------09
1.2. Em pauta ------------------------------------------------------10
1.3. As Estrelas se aproximam da Terra -----------------------11
1.4. Modelos de vida ----------------------------------------------13
2. Público x privado ---------------------------------------------18
2.1. Distinções e limites entre público e privado--------------18
2.2. Público, privado e interesse público -----------------------23
3. TV Fama -------------------------------------------------------26
3.1. História --------------------------------------------------------26
3.2. Caracterização ------------------------------------------------26
3.3. O formato “programas de fofoca” -------------------------31
4. Análise: o que as Estrelas andam fazendo? -------------37
4.1. Temas ---------------------------------------------------------39
4.1.1. Affairs ------------------------------------------------39
4.2.2. Pra lá de sensual -----------------------------------49
4.3.3. Carreira ---------------------------------------------58
4.2. Sábado à noite – a síntese ----------------------------------67
4.3. Linguagem e acesso aos famosos -------------------------71
4.3.1. Linguagem ------------------------------------------71
4.3.2. Acesso aos famosos --------------------------------73
Conclusão ----------------------------------------------------------76
Bibliografia --------------------------------------------------------79
Anexo ---------------------------------------------------------------81
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Introdução
Eis que em um zapping paramos no TV Fama. A sensação inicial de assistir ao
programa era um misto de curiosidade e incômodo. Curiosidade tanto em saber o que as
celebridades andavam fazendo, quanto no programa em si, que parecia ser constituído
somente de matérias sobre a vida dos famosos. E era mesmo – assistimos até o fim. O
incômodo foi com as notícias, que falavam muito da intimidade das estrelas e que não eram
bem apuradas, já que o programa se baseava no que “andam dizendo por aí” e em fontes
nomeadas como as “más línguas”. Além disso, enquanto o texto sobre a celebridade em
questão era locutado, normalmente eram exibidas imagens de arquivo ou seqüências de
fotos.
Resolvemos ver mais do mesmo: mais TV Fama e mais programas semelhantes.
Descobrimos vários, em distintos horários, todos na televisão aberta. E novamente paramos
no TV Fama, que dentre os programas de fórmula parecida é o que vai ao ar mais vezes por
semana (de segunda-feira a sábado) e também o mais antigo – produzido e exibido pela
Redetv! desde 2000.
O que era curiosidade e incômodo foi transformado em questões de pesquisa: qual o
interesse do público num programa como este? Quais os limites entre o que é público ou
privado? Estes programas de fofoca podem ser de interesse público?
Inserido no Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da UFMG (Gris), mais
especificamente no projeto Narrativas do cotidiano III: a interface televisiva e os sujeitos
ordinários, este trabalho não atribui o interesse nesses programas a uma mera curiosidade
na vida alheia e não toma a fofoca como uma frivolidade. Acreditamos que há mais
aspectos em jogo na relação estabelecida entre os sujeitos e a televisão. Assim como França
(2006), vemos os programas televisivos enquanto “narrativas que refletem e constroem
imagens, representações e valores sociais” (FRANÇA, 2006, p.10). Além disso, ainda
como a autora, tomamos os sujeitos da/em comunicação como seres atuantes. Eles estão
enredados numa teia de relações, tanto com outros sujeitos, quanto com materiais
simbólicos. E é por meio dessas relações que se constituem.
Partindo de nossas questões e dessa concepção da relação entre os sujeitos e a
televisão, estruturamos o nosso trabalho em quatro capítulos. O primeiro deles trata de
5
aspectos da fofoca na televisão e na sociedade, de questões sobre os lugares ocupados pelos
famosos e também das relações que tendem a ser estabelecidas entre os sujeitos e os
materiais simbólicos a respeito da vida das celebridades.
No segundo capítulo, discutimos os limites e distinções entre o que vem a ser
público ou privado e, em seguida, trazemos o conceito que adotamos de interesse público.
Feito isso, no capítulo posterior, exploramos o TV Fama no que diz respeito à sua história,
caracterização e formato. Já no capítulo quatro, trazemos uma análise das notícias
veiculadas em uma semana de programa. Nesse momento, nos voltamos para os valores
que perpassam o nosso objeto empírico e que podem suscitar o interesse do telespectador.
Para concluir, trabalhamos com a tensão estabelecida entre o intereresse público e o
interesse do público dentro do TV Fama.
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1. Fofoca na TV
Quer saber das últimas? Então ligue seu aparelho de televisão, escolha uma
emissora qualquer, e terá uma boa chance de ficar por dentro de tudo o que se passa com as
celebridades. Pois em quase todos os dias da semana, em horários diversos, é possível
assistir a um programa de fofoca sobre personalidades.
De segunda a sexta-feira, de 14h às 17h, a RedeTV! exibe o A Tarde é Sua,
apresentado pela jornalista Sônia Abrão. Boa parte do programa é voltada para informações
sobre o mundo dos famosos e bastidores das telenovelas. Nos mesmos dias da semana, a
partir das 15h, é possível assistir ao Atualíssima, programa da Band, exibido tanto no
território brasileiro quanto na cobertura da Band Internacional. Os anfitriões do programa
são Leão Lobo, que apresenta as fofocas sobre as celebridades, e Rosana Hermann,
responsável pelos demais quadros. Nas tardes de sábado, a partir das 13h45, a Rede Globo
traz o Estrelas, no qual a apresentadora Angélica visita residências de famosos,
acompanha-os em passeios e aprende receitas culinárias.
Para quem só pode ver televisão à noite, é exibido pela RedeTV!, entre 19h50 e
21h10, de segunda-feira a sábado, o TV Fama, programa voltado exclusivamente para a
cobertura da vida das celebridades. O programa está no ar desde julho de 2000 e é
apresentado pelo jornalista Nelson Rubens, pela atriz e radialista Adriana Lessa e por Íris
Stefanelli, participante da sétima edição do Big Brother Brasil. Nas madrugadas de terçafeira a sábado, a mesma emissora leva ao ar o Programa Amaury Jr. – apresentado por
Amaury Ribeiro Jr., também pautado pelas personalidades.
Todos esses exemplos são emblemáticos do que Eco (1984) chamou de
neotelevisão, essa televisão que fala de si mesma e do contato que estabelece com o
espectador. A neotelevisão se coloca como produtora de fatos e como enunciadora da
verdade e, embora os fatos ocorram de modo independente dela, a presença da televisão
muda toda a estrutura de um evento.
Ainda que tais programas não sejam líderes de audiência, são capazes de atrair um
público representativo, suficiente para manter o interesse dos anunciantes. Sintoma disso é
a grande parcela de tempo reservada em todos eles para merchandising de produtos
7
diversos. Os programas de fofoca sobre celebridades, independentemente de sua qualidade
técnica e de conteúdo, seduzem espectadores.
Segundo Imbert (2003), na neotelevisão a sedução é o operador de captação do
público, tanto no sentido de atrair quanto de fixar a atenção. Seduzir, explica ele, significa
desviar o outro de sua via e trazer para seu próprio lugar. Trata-se de fascinar. A televisão,
diz o autor, cria uma certa familiaridade com as representações midiáticas. Ela substitui a
estrutura familiar por meio da criação de seus próprios ídolos – aqueles íntimos estranhos
que constituem os personagens das ficções televisivas. Além disso, novos modos de ver são
introduzidos tendo por base as incursões cada dia mais freqüentes da neotelevisão na
privacidade. São moldados novos modos de sentir e seduzir.
Ao refletirmos a respeito dos programas de fofoca sobre celebridades, percebemos
que a difusão dessa fórmula se torna evidente, seja na atenção dedicada ao penteado da vilã
da novela das oito ou a seu provável novo caso de amor; à separação do cantor sertanejo
que foi curtir a “solterice” no carnaval baiano; ao ator famoso que foi pego em um flat com
um traficante de drogas e teve que depor na Polícia Federal; ou ao jogador de futebol que
foi lesionado, separou-se da namorada e terminou em um motel com o carro cheio de
travestis. É como se tudo que está ligado aos famosos, principalmente o que é íntimo,
provocasse interesse e, por isso, tivesse que ser dado a ver.
Se questionamos aqui o motivo de tamanho interesse nos programas
contemporâneos de fofocas sobre celebridades, devemos evitar a conclusão simplificadora
e precipitada de que o sucesso de tais programas resulta apenas do interesse dos
espectadores em frivolidades. De acordo com Braga (1999), os fatos sedutores tendem
simplesmente a ser oferecidos para consumo sem provocar um debate racional, analítico e
interpretativo. Mas o autor se questiona: será que esses fatos e pessoas sedutores não
podem ser lidos de modo interpretativo e argumentado?
Acreditamos que sim. Tomando o TV Fama como objeto exemplar desse formato –
uma vez que entre esses programas é o mais antigo ainda no ar pela mesma emissora e
aquele que é exibido mais vezes por semana – tentaremos responder às seguintes
indagações: qual o interesse do público nos programas de fofoca sobre celebridades? O que
é considerado como público e privado nos mesmos? Esses programas têm algo de interesse
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público? Qual a tensão estabelecida entre interesse público e interesse do público nos
programas em questão?
1.1. Fofoca boa e fofoca ruim
De acordo com Braga (1999), a fofoca normalmente é associada ao comportamento
provinciano, de quem não tem o que fazer. Entretanto, ela permeia todo o tecido social e, só
por isso, afirma o autor, seria merecedora de análise.
Elias e Scotson (2000), comparando habitantes de dois bairros proletários de
Winston Parva1, “aldeia” e “loteamento”, fazem algumas observações sobre a fofoca que
ampliam nossa forma de olhar para ela. “A fofoca [...] não é um fenômeno independente. O
que é digno dele depende das normas e crenças coletivas e das relações comunitárias”
(ELIAS e SCOTSON, 2000, p.121). Para esses autores, o uso comum nos leva a tomar por
“fofocas” as informações depreciativas sobre terceiros que são transmitidas pelas pessoas
umas às outras. Porém, a fofoca depreciativa é inseparável da fofoca elogiosa, que tende a
ser restrita ao próprio indivíduo e ao grupo com que ele se identifica.
De acordo com esses autores, a “aldeia”, que era a comunidade mais unida, tinha
canais mais adequados para noticiar assuntos de interesse público, bem como um número
maior de interesses comuns. Além disso, as notícias sobre as pessoas, principalmente as
pessoas publicamente conhecidas, deixavam a vida na comunidade mais interessante. As
fofocas eram uma forma de entretenimento.
“O aspecto essencial delas não era simplesmente o interesse que se tinha pelas
pessoas, mas o fato de se tratar de um interesse coletivo. As pessoas que
forneciam assunto para fofocas eram pessoas sobre quem se podia falar com as
outras” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p.122).
Elias e Scotson explicam que as fofocas elogiosas também eram um meio de
mobilização de ajuda. Podia se transmitir por meio delas, por exemplo, que uma ou outra
pessoa estava passando por dificuldades e que necessitava de apoio.
Esse tipo de fofoca, contudo, não está separado das fofocas depreciativas. E estas,
de acordo com os autores, pareciam intrigar mais.
1
Nome fictício dado a uma cidade Inglesa.
9
“Tinha-se a impressão de que as notícias sobre o desrespeito às normas aceitas,
cometido por pessoas conhecidas da comunidade, eram muito mais saborosas,
forneciam maior entretenimento e uma satisfação mais prazerosa, tanto para
narradores quanto para ouvintes, do que boatos sobre alguém que fosse digno de
elogios por defender os padrões aceitos, ou merecedor de apoio num momento de
necessidades” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p.124).
Essa atitude, explicam os autores, acabava por reforçar a comunhão dos virtuosos. A
censura do grupo aos que infringiam as regras tinha uma função de integrar esses que eram
considerados honrados e de afastar os que não o eram. Contudo, só mantinha vivos e
reforçava os vínculos já existentes anteriormente. A fofoca não se sustentava sozinha.
No caso das fofocas sobre celebridades, nos perguntamos sobre o que seria a sua
base de sustentação.
1.2. Em pauta
Segundo Morin (1969), as pessoas famosas que ocupam um lugar central na
programação midiática são os olimpianos modernos. O termo faz referência aos deuses do
Olimpo da mitologia grega, onipresentes e admirados – comparáveis, de certa forma, aos
famosos, que figuram em todos os canais, em todos os tipos de programas. O olimpismo
moderno nasce de papéis em filmes e telenovelas, de participações em programas de TV, de
bons desempenhos no esporte. De acordo com Morin, a informação transforma esses
olimpianos em vedetes e eleva acontecimentos destituídos de qualquer significação política
(casamentos, divórcios e partos de famosos, por exemplo) ao mesmo patamar de
acontecimentos históricos.
As vedetes, segundo esse autor, são uma resposta à reclamação por uma novidade
em meio à padronização promovida pela indústria cultural2. Morin explica que o imaginário
se organiza de acordo com arquétipos. Alguns figurinos do espírito humano servem de
2
Uma abordagem conservadora da indústria cultural, também conhecida como abordagem crítica, ressalta que
seus produtos foram feitos para serem digeridos sem questionamentos, já que o homem das massas é alguém
incapaz de julgar. De acordo com Adorno e Horkheimer, “a cultura de massa confere a tudo um ar de
semelhança” (ADORNO E HORKHEIMER, 1958, p.113), ela exclui o novo e aposta apenas no que já foi
testado. Ainda que os públicos apresentem alguma diferença, há uma esquematização das variedades. Os
produtos, segundo esses autores, acabam se revelando todos iguais. O esquematismo é o primeiro serviço que
a indústria presta ao cliente, não restando mais nada para o consumidor classificar.
10
modelo para os sonhos. Assim, a indústria cultural padroniza alguns temas, ao mesmo
tempo em que procura individualizar de alguma maneira as peças produzidas em cadeia. A
variedade e a individualidade são necessárias ao consumo e é aí que ganha importância a
figura da vedete – vista como uma forma de unir o arquétipo ao individual, sendo “o
melhor anti-risco da cultura de massa, e, principalmente, do cinema” (MORIN, 1969, p.31).
A imprensa de massa noticia tudo o que se relaciona aos olimpianos (conversas,
beijos, confidências, disputas). Essas informações são veiculadas como se o leitor fosse
voyeur de um grande show em que os deuses seriam os atores, sendo que os conteúdos
essenciais da cultura de massa são as necessidades privadas, afetivas, imaginárias ou
materiais. De acordo com Morin, quanto mais espetaculares, mais excepcionais são os fatos
privados (como nos casos de traições e violência conjugais, por exemplo). A vedete é
privilegiada e privilegia as situações comuns dos homens ordinários. Mas o caso ideal é o
olimpiano em situação espetacular.
1.3. As Estrelas se aproximam da Terra
As primeiras vedetes se originaram no teatro, na pele de atrizes de maior destaque.
Contudo – devido em grande parte ao surgimento do cinema –, a era das vedetes no teatro
foi efêmera. Segundo Morin, o cinema surgiu enquanto uma verdadeira fábrica de sonhos.
Graças a um dispositivo que favorecia a identificação com os protagonistas dos filmes, a
tela se converteu em um espelho no qual espectadores projetavam desejos e sonhos,
oferecendo ao século XX uma nova raça de semideuses, as estrelas cinematográficas.
Morin explica que a mitologia das estrelas se situa entre a crença e o divertimento.
Para ele, as estrelas são seres ao mesmo tempo humanos e divinos, sendo que em alguns
aspectos se aproximam tanto dos deuses do Olimpo que suscitam um culto, um tipo de
religião. Essa mitologia, defende Morin, não deve ser considerada como uma ilha de
ignorância no seio da civilização moderna, que é apontada como racional. A natureza ao
mesmo tempo divina e humana das vedetes efetua a circulação entre o mundo da projeção e
o da identificação. Relacionando a vida cotidiana com a vida olimpiana, os olimpianos
“encarnam os mitos de auto-realização da vida privada” (MORIN, 1969, p. 113).
11
A figura da estrela evoluiu com o cinema. Por volta de 1913, ela se cristaliza nos
Estados Unidos e na Europa, e surgem os primeiros arquétipos tanto femininos (a diva, a
virgem, a mulher fatal) quanto masculinos (heróis de filmes, lutadores, atletas). E o apogeu
na tela, conta Morin (1989), é acompanhado do apogeu na vida mítico-real das estrelas de
Hollywood. Elas são sublimes, excêntricas e residem em mansões que se assemelham a
castelos. Estão muito acima, muito distantes dos mortais.
A partir de 1930, o cinema ganha som; os filmes ficam mais complexos, realistas e
alegres. Eles passam a reunir e incorporar elementos que eram antes espalhados em gêneros
especializados. Segundo Morin, essa transformação está ligada ao aumento do público e é
estimulada pela busca de lucro máximo. O fato de vários temas serem tratados por um
mesmo filme diz da tentativa de atingir um público mais amplo e diversificado.
Outra mudança é a obrigatoriedade do final feliz, já que uma Hollywood otimista
tentava fazer com que seu público esquecesse os efeitos da grande depressão de 1929. O
imaginário cinematográfico evolui em direção a um aburguesamento. “O realismo, o
psicologismo, o happy end e o humor revelam precisamente a transformação burguesa
desse imaginário” (MORIN, 1969, p.11).
Com isso, o laço afetivo entre o herói e o espectador também é alterado, ele se torna
pessoal. Se antes o espectador exigia a morte do herói, agora passa a temê-la.
“Uma vez que as necessidades de assimilação afetiva se dirigem em primeiro
lugar aos heróis dos filmes, as estrelas foram o primeiro objeto dessa
transformação. Certamente os heróis continuam heróis, isto é, modelos e
mediadores. Mas, combinando cada vez mais intimamente, e de forma variada, o
excepcional e o habitual, o ideal e o quotidiano, eles passam a oferecer a
identificação dos pontos de apoio mais e mais realistas” (MORIN, 1989, p.13).
E, mais uma vez, as transformações não se dão apenas na imagem de tela da estrela.
Segundo Morin, muda também a imagem de sua vida privada-pública.
“A estrela se tornou efetivamente familiar (no duplo sentido do termo). [...] Já
não habita o simulacro de castelo feudal ou o templo pseudogrego, mas o
apartamento ou a casa, por vezes no interior. Antes de 1930, a estrela não podia
engravidar; depois de 1930, pode ser mãe, e mãe exemplar” (MORIN, 1989,
p.19-20).
As estrelas tornam-se mediadores entre o céu da tela e a Terra, entre o mundo dos
sonhos e o mundo da vida cotidiana. No culto às estrelas, diz Morin, a veneração cede lugar
à admiração. Os pontos de contato entre estrelas e mortais são estimulados e multiplicados.
12
Surgem fã-clubes, revistas, fotografias. De acordo com Morin, as estrelas que servem de
modelo de vida são um apelo das massas no sentido de uma salvação individual. Essa
salvação é concretizada em um sistema novo de relacionamento entre o real e o imaginário.
A individualidade humana afirma-se segundo um desejo de viver à imagem dos deuses e, se
possível, igualar-se a eles.
1.4. Modelos de vida
“Os novos olimpianos são, simultaneamente, magnetizados no imaginário e no
real, simultaneamente, ideais inimitáveis e modelos imitáveis; sua dupla natureza
é análoga à dupla natureza teológica do herói-deus da religião cristã: olimpianas e
olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na
existência privada que eles levam. A imprensa de massa, ao mesmo tempo que
investe os olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas vidas privadas a
fim de extrair delas a substância humana que permite a identificação” (MORIN,
1969, p. 112-113).
Segundo Freud (1996), a psicanálise conhece a identificação como a expressão mais
antiga de um laço emocional com outra pessoa. Ao abordar a questão da identificação, ele
mostra que esta não se dá de uma forma fixa, e sim ocorre de diferentes modos.
Freud explana que a identificação desempenha um papel na história primitiva do
complexo de Édipo. Um menino, por exemplo, mostrará interesse pessoal pelo pai; gostaria
de ser como ele e o toma como modelo. Esse mesmo menino também desenvolve um
desejo em relação à mãe. Nesse caso, são dois laços distintos: o menino deseja a mãe e se
identifica com o pai. Esses dois laços coexistem sem interferência até certo momento,
quando se reúnem e o menino nota que o pai está em seu caminho em relação à mãe. A
identificação passa a ser hostil, surge o desejo de substituir o pai no que diz respeito à mãe.
Por meio desse exemplo, Freud explica que a identificação é ambivalente, pode ser tanto
uma expressão de ternura quanto o desejo de afastamento de alguém.
O complexo de Édipo, diz Freud, também pode ser invertido. O pai pode ser tomado
como objeto de uma atitude feminina, objeto em que os instintos sexuais buscam satisfação.
Nesse caso, a identificação com o pai torna-se precursora de uma vinculação de objeto com
ele. Na identificação com o pai, ele é tanto o que o menino gostaria de ser, quanto o que
gostaria de ter (se o pai for escolhido como objeto). Vai depender de o laço se ligar ao
sujeito ou ao objeto de ego.
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Segundo Freud, há diferentes formas de identificação e esta “esforça-se por moldar
o próprio ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo”
(FREUD, 1996, p.116). Umas das formas de identificação é a que diz do laço emocional
com um objeto. Por exemplo, uma menina pode desenvolver a mesma tosse que sua mãe. A
identificação provém do complexo de Édipo e significa um desejo hostil de tomar o lugar
da mãe. O sintoma, explica Freud, expressa seu amor objetal pelo pai.
Outra forma é a identificação por meio da introjeção do objeto no ego. Uma menina
pode imitar a tosse do próprio pai. A identificação aparece no lugar da escolha de objeto. A
escolha de objeto regrediu para a identificação do ego e assume as características do objeto.
Um terceiro caso é a percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma
pessoa que não é objeto do instinto sexual. O exemplo que Freud dá é o de uma moça de
um internato que recebe uma carta de alguém por quem está enamorada, sente ciúmes por
causa de algo que está escrito e reage com uma crise de histeria. Algumas de suas amigas
sabem do ocorrido e desenvolvem a mesma crise. O mecanismo é o da identificação
baseada na possibilidade ou desejo de se colocar na mesma situação.
De acordo com Freud, o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é da
natureza de uma identificação baseada numa importante qualidade emocional comum.
Quanto mais importante for essa qualidade comum, maior a chance de a identificação se
tornar bem sucedida. Essa identificação pode até mesmo representar o início de um novo
laço.
Apesar de Freud se referir a identificações com pessoas próximas, acreditamos que
seus escritos nos podem ser úteis também para pensar na relação das pessoas com os
olimpianos. Não é por acaso que as pessoas acompanham novelas, tornam-se fãs, assistem a
programas que trazem os bastidores da televisão e noticiam a vida dos atores envolvidos em
suas tramas, compram revistas sobre celebridades. Enfim, trazem os famosos para mais
perto de si.
Hershmann e Pereira (2003), analisando materiais biográficos de um modo geral,
perceberam que há atualmente uma grande expansão do mercado das biografias
propriamente ditas e também dos produtos contaminados pela dimensão biográfica. Para
eles, a avaliação desses produtos não se fecha nos mesmos, mas no conjunto de relações em
que eles estão enredados.
14
Esses autores explicam que há um interesse na vida enquanto entretenimento.
Alguns críticos lêem o crescimento do biográfico na mídia como uma simples exaltação do
voyeurismo. Outros, todavia, acreditam que “as motivações que orientam o amplo consumo
do material biográfico também estão relacionadas a uma intensa preocupação com a
necessidade de referências e de identidades ou com a busca de significados para as
trajetórias de vida” (HERSCHMANN e PEREIRA, 2003, p.27).
Segundo Hershmann e Pereira, o crescimento do biográfico engloba a indústria de
maior sucesso atualmente na área de entretenimento, a de celebridades, e não deve ser
identificado apenas como “escapismo”. Esses fenômenos sociais podem propiciar um
sentimento de pertencimento e de referencialidade, já que a grande quantidade de material
biográfico produz a sensação de que estamos inseridos em uma coletividade capaz de
comportar tanto ídolos quanto fãs, já que os heróis, as celebridades, são mesclados com
situações do cotidiano. Desse modo, somos inseridos “num fugaz mas inebriante universo
de fantasias ao mesmo tempo triviais e espetaculares” (HERSCHMANN e PEREIRA,
2003, p.30).
Nos programas de fofoca sobre celebridades, percebemos que os famosos são
retratados tanto enquanto deuses, como enquanto simples mortais. Os programas mostram
que as celebridades ao mesmo tempo em que realizam trabalhos que não são feitos pelo
homem comum e freqüentam lugares reservados apenas para as vedetes, também namoram,
têm filhos, sofrem, se envolvem em problemas. E ainda que nem sempre as celebridades
efetuem realizações extraordinárias, Hershmann e Pereira lembram que o culto às mesmas
vem expandindo vertiginosamente e a produção biográfica marca a cultura contemporânea.
Conforme Morin (1969; 1989), os olimpianos fornecem modelos de vida,
funcionam como mitos. A partir da década de 1930, quando o ator se torna mais “natural”,
afastando-se da figura de um monstro sagrado e aproximando-se da figura de um sósia
exaltado do espectador, esse homem comum além de se projetar nas estrelas passa a se
identificar com elas. Relacionando a vida cotidiana com a olimpiana, os famosos tornam-se
modelos de cultura.
Neal Gabler, de acordo com Hershmann e Pereira, sugere que a vida virou um filme
e que as narrativas biográficas fornecem sentidos e significados que acabam orientando
nossas vidas. Além de divertir, algumas dessas narrativas têm função pedagógica, têm
15
caráter exemplar, outras sugerem estilos de vida e há, ainda, as que nos põem em contato
com a alteridade. Sendo que cada um atribui um conjunto de sentidos a essas trajetórias de
vida pública que são apresentadas.
Os olimpianos, diz Morin, colocam em comunicação o universo do imaginário, o da
informação e o dos conselhos e normas. Concentram os poderes mitológicos e práticos da
cultura de massa. O autor explica que a cultura de massa produz seus heróis
fundamentando-se no que decompõe o sagrado: o espetáculo e a estética. Os olimpianos
modernos estão longe da concepção tradicional do sagrado – enquanto algo que não deve
ser maculado, profanado (tanto que os programas de fofoca noticiam seus desvios de
conduta, e em tom de condenação) – e se aproximam dos mortais por meio da mitologia da
felicidade. Esta é projetiva e identificativa, ela é mito, é a projeção imaginária de arquétipos
de felicidade, mas é também a busca vivida por milhões de pessoas.
Existe, para Morin, a felicidade de ação de uma vida cheia de intensidade, que é
projetiva e se opõe ao ideal prático da segurança contra todos os riscos. Há compromissos
entre as duas felicidades, eles surgem tanto no realismo imaginário – em que há heróis não
aventurosos – quanto na vida dos olimpianos – menos aventurosa que a vida do herói da
ficção, porém, mais livre que a dos comuns mortais.
“Os Olimpianos, em sua intensidade de vida afetiva, sua liberdade de movimento,
suas paixões e seus lazeres, são como os grandes modelos projetivos e
identificativos da felicidade; há as que se expressam acima dêles, nas
personagens imaginárias dos filmes, soberanos da liberdade ativa, e os que se
expressam abaixo, na busca dos seguros contra todos os riscos, das seguranças do
welfare state, de um bem-estar que não é nem poder nem riqueza, mas
comodidade e tranqüilidade” (MORIN, 1969, p.136).
Tanto na mitologia projetiva quanto na práxis identificativa trata-se do indivíduo
privado; à felicidade pessoal adiciona-se a felicidade no amor, e, em ambas, a felicidade
está ligada ao presente. Os programas de fofoca cobram que as celebridades estejam
namorando. Noticiam o término de um casal de olimpianos e já especulam novos amores
para os dois. Assim como os comuns, os famosos devem ser felizes em todos os âmbitos da
vida, para isso devem amar. E essa felicidade não pode esperar, nem no caso dos
espectadores nem no caso das personalidades.
16
Para Hershmann e Pereira, o material biográfico seria também uma forma de
compensar a experiência atual de vida que é fragmentada e efêmera. As identidades
contemporâneas são norteadas por várias referências. É como se as narrativas biográficas
dessem coerência à vida e às identidades, já que elas normalmente narram o passado e
sugerem projetos.
Os indivíduos, contam esses autores, constroem a noção de self baseados cada vez
mais em elementos simbólicos mediados.
Segundo Thompson (1999), antes do
desenvolvimento dos meios de comunicação, os materiais simbólicos eram adquiridos
exclusivamente nos contextos da interação face a face. Desse modo, o que se apreendia era
um conhecimento local. Depois desse desenvolvimento, o processo de formação do self
passa a ser cada vez mais orientado pelo acesso às formas de comunicação mediada. O
conhecimento local é acrescido do conhecimento não local. Thompson explica que a
formação do self se torna mais reflexiva e aberta – mais reflexiva porque os indivíduos
dependem de seus próprios recursos para construir uma identidade coerente para si e mais
aberta por conta da quantidade de materiais simbólicos mediados disponíveis. Há mais
possibilidades para a formação do self.
De acordo com Hershmann e Pereira, dentro desses materiais simbólicos mediados,
a biografia atrai pela sua natureza transgressiva, pela promessa de algo desconhecido,
íntimo. Não é incomum que fãs pautem momentos de sua vida pela trajetória de vida dos
ídolos. Mesmo que sejam momentos íntimos.
Segundo esses autores, a intimidade é mostrada constantemente e de um modo que
parece completamente “natural”. Todavia, a retórica do espetáculo (linguagem da
encenação contemporânea) tende a transformar esses “fatos naturais” em algo que é, ao
mesmo tempo, extraordinário e familiar. É como se todos precisassem ver, de todos os
ângulos, mas sem se espantar.
Sabemos, porém, que nem tudo pode ser dado a ver. E na prática não o é. Ainda que
os sentidos de público e privado tenham se alterado desde a Grécia Clássica em direção a
uma fronteira cada vez mais tênue entre essas duas esferas, essa fronteira ainda existe. Em
nosso próximo capítulo discutiremos, então, os limites que foram se estabelecendo entre o
que vem a ser público ou privado.
17
2. Público x Privado
2.1. Distinções e limites entre público e privado
As distinções entre público e privado remontam aos debates da Grécia Clássica.
Nesse período, considerava-se como público o que era relevante para todos os cidadãos e
que, justamente por dizer do interesse comum, era discutido na polis. O objetivo era criar
uma ordem social voltada para o bem de todos. Já privado relacionava-se ao que era
discutido em família e à economia desenvolvida nesse ambiente do lar.
Thompson (1995; 1999), considerando não a polis, mas as sociedades ocidentais
modernas – capitalistas e caracterizadas por um estado constitucional que incorpora
instituições democráticas – aponta mais dois significados para a distinção entre público e
privado. No primeiro sentido, público se referia ao território do poder político
institucionalizado, à atividade ou autoridade relativa ao estado e dele derivada. E privado
dizia das relações pessoais que se colocam fora do controle direto do estado, bem como aos
campos de atividade econômica privada. O autor lembra, contudo, que essa divisão nunca
foi muito rígida ou definida3.
De acordo com o segundo sentido atribuído por Thompson, público significa o que
é visível, desempenhado diante de espectadores, aberto a muitos para ser percebido e
comentado. Privado, por sua vez, é aquilo que está escondido da vista, o que é realizado em
segredo ou em um círculo restrito de pessoas. “Um ato público é um ato visível, realizado
abertamente para que qualquer um possa ver; um ato privado é invisível, realizado
secretamente atrás de portas fechadas” (THOMPSON, 1999, p.112).
Araújo (2006) atenta para o fato de que Goffman, numa outra perspectiva teórica,
faz uma distinção entre fachada e fundo que pode ser útil na compreensão, respectivamente,
do que significa ser visível (público) ou invisível (privado) a um número maior de pessoas.
3
Em finais do século XVII e início do século XVIII, surgiu entre o domínio da autoridade pública e o
domínio privado da sociedade civil e da esfera íntima, a esfera pública burguesa. Tratava-se de um fórum
onde a autoridade do estado poderia ser questionada por um público informado e pensante. Este debate foi
estimulado pelo surgimento da comunicação de massa. Vários autores, Habermas entre eles, teorizam a
respeito da esfera pública e de suas transformações decorrentes, principalmente, do desenvolvimento dos
meios de comunicação de massa. Não discorreremos a respeito desse tópico, nosso viés é a discussão das
distinções e dos limites entre os domínios do público e do privado.
18
Goffman (1994), para explicar essa diferenciação, recorre à metáfora do teatro. Segundo
ele, o que se quer colocar em cena, o que ser quer dar a ver, é chamado de fachada, é “um
equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconsciente empregado pelo
indivíduo durante sua representação” (GOFFMAN, 1994, p.29).
De acordo com Goffman, a representação é toda atividade de um indivíduo frente a
um grupo de observadores, sendo que o indivíduo que representa tem alguma influência
sobre os que observam e vice-versa. Diante dos outros, os indivíduos exercem papéis que
podem variar de acordo com o contexto da interação estabelecida, e para cada contexto
específico, existirá uma fachada própria. A coerência da representação exige que algumas
ações sejam escondidas, já que nem todas são adequadas a qualquer situação. Esse material
que deve ser escondido, que deve ser mantido em uma esfera privada, é denominado por
Goffman como fundo. É como se fossem os bastidores do teatro. Assim, enquanto a
fachada tem um caráter do que pode ser exposto, com o fundo acontece o contrário.
Com o desenvolvimento da comunicação de massa, o ato de ver ou ser visto passa
por modificações. Antes, a visibilidade dos acontecimentos e indivíduos nos domínios
público e privado estava necessariamente ligada à partilha de um lugar comum. “O evento
público era um espetáculo que, por aqueles poucos indivíduos que calhavam de estar
presentes, podia ser visto, ouvido, talvez até cheirado ou sentido de alguma outra maneira”
(THOMPSON, 1999, p.114). O desenvolvimento da mídia, entretanto, possibilitou que
ações e eventos se tornassem públicos pela gravação e transmissão para pessoas fisicamente
distantes no tempo e no espaço.
Thompson (1995) explica que houve a emergência dos acontecimentos públicos
mediados e dos acontecimentos privados mediados. Os primeiros têm, originalmente, lugar
numa situação institucional dentro do domínio público, mas ao serem registrados por um
meio técnico de transmissão tornam-se acessíveis a espectadores que não estão presentes ao
local em que o fato ocorreu. Já os acontecimentos privados mediados têm, originalmente,
lugar no domínio privado, todavia, adquirem um novo status ao serem registrados e
transmitidos pelos meios de comunicação de massa. Desse modo,
“as vidas privadas das pessoas podem ser transformadas em acontecimentos
públicos pelo fato de serem veiculadas através dos meios de massa; e
acontecimentos públicos podem ser vivenciados em situações privadas, como
19
acontece quando os problemas de estado são vistos ou lidos na privacidade de
uma casa” (THOMPSON, 1995, p. 311).
Não há, portanto, uma correspondência necessária entre o que é relacionado e regido
pelo estado (poder político instituído) e a publicidade, nem do que está na esfera do familiar
e a privacidade. Com o desenvolvimento de novos meios de comunicação, principalmente a
televisão, a publicidade está ligada de forma cada vez mais crescente ao tipo de visibilidade
que é produzida e alcançada pela mídia.
Para Imbert (2003) e para França (2006), a televisão é um dos espaços públicos que
moldam nossas vidas. Somos arrancados por ela de nosso lugar próprio e projetados em
outros mundos possíveis.
A televisão é um espaço público; certamente o espaço público central da
sociedade contemporânea. Trata-se, portanto, de um terreno de grandes disputas,
e onde eclodem e se manifestam os mais diferentes discursos sociais. É um
espaço de diversidade marcado pela presença de muitas vozes. A TV apresenta e
reflete a diversidade da vida social e é o palco onde diferentes atores, situações,
temáticas e problemas se dão a ver (FRANÇA, 2006, p.36).
Imbert, contudo, levanta problemas no que diz respeito à televisão enquanto espaço
público. Segundo ele, apesar de a televisão diminuir a distância entre o sujeito e o mundo,
ela se intromete demais no íntimo. O indivíduo não pode se proteger do olhar indiscreto que
faz da intimidade um espetáculo. É como se as câmeras televisivas substituíssem as
fechaduras, que dão acesso a uma “parte maldita”, que está atrás do visível, que é secreta.
“...El inconsciente es objeto de ventilación pública; el sexo deviene discurso trivial; la
intimidad se ha vuelto espectáculo; la muerte, un accesorio más de la imaginería
mediática...” (IMBERT, 2003, p.109)4.
O autor argumenta que no império da visibilidade total já não há intimidade nem
segredo. Tudo está suscetível a ser projetado, a se tornar público. Com essa
espetacularização midiática o debate intelectual é transformado em espetáculo de pessoas e
na confrontação de vozes desconexas. Assim, cai a qualidade do discurso público, que
rebaixa a opinião pública a opinião comum. Se fazer parte do discurso público conferia um
4
O inconsciente é objeto de ventilação pública; o sexo se transforma em discurso trivial, a intimidade virou
espetáculo; a morte, um mais um acessório do imaginário midiático.
20
certo status ao sujeito, o consagrava como um sujeito de poder, hoje esse discurso se
trivializou.
Arendt (1983) junta-se a Imbert na discussão sobre os limites entre o que pode ou
não ser dado a ver. Para ela, o privado vive uma espécie de inexistência até que seja
desprivatizado: é a presença do outro que garante a realidade do mundo. A autora ressalta,
contudo, que nem tudo deve vir a público. No mundo comum “só é tolerado o que é tido
como relevante, digno de ser visto e ouvido, de sorte que o irrelevante se torna
automaticamente assunto privado” (ARENDT, 1983, p.61). O que não significa, todavia,
que o que está no mundo privado seja irrelevante. Para essa autora, a esfera do oculto, nas
condições de intimidade, pode ser rica e variada, mas não deve deixar de ser privada. “O
que a esfera pública considera irrelevante pode ter um encanto tão extraordinário e
contagiante que todo um povo pode adotá-lo como modo de vida, sem com isso alterar-lhe
o caráter essencialmente privado” (ARENDT, 1983, p.61).
Tomando por base essa proposição de Arendt e considerando, como Imbert, que
tudo é suscetível de se tornar público, percebemos que as fronteiras entre o que deve ser
público (visível) ou privado (invisível) estão mais tênues e indefinidas do que nunca. De
acordo com Mehl (1996), há um movimento de vai e vem entre público e privado. A
articulação entre vida privada e vida pública é mutável e fluida.
Segundo essa autora, o sociólogo britânico Richard Sennett propôs distinguir dois
modos de aparição pública das pessoas. No Antigo Regime, o público é formado por
desconhecidos. Os locais urbanos não formam mais que um lugar de encontro e de
sociabilidade, que permite aos indivíduos serem sociáveis a partir de bases impessoais. As
pessoas passam pela experiência da sociabilidade sem revelar muito de seus sentimentos,
de suas histórias pessoais e de suas posições sociais. Já no século XIX, a pessoalidade é
introduzida na vida pública. O indivíduo com seus desejos e gestos se transforma em uma
idéia social. Paralelamente, a observação silenciosa do mundo aparece como um princípio.
Estar em público torna-se uma experiência pessoal e passiva. Para Sennett, se no Antigo
Regime, a experiência pública estava ligada à formação da ordem social, no século XIX ela
acabou sendo ligada à formação da personalidade.
Mehl acrescenta que a era midiática introduz um terceiro processo, ela coloca em
cena o depoimento interpessoal, a relação, o feedback inter-humano em todas as suas
21
dimensões. Segundo a autora, a televisão não destruiu nenhum dos processos de exposição
pública e sim acrescentou esse terceiro modo de estar em público, que coexiste com os
demais. De acordo com a autora, por meio da difusão midiática e da visibilidade televisiva,
as propostas privadas ascendem ao status de conversa pública. Essa conversa articula o
pessoal e o coletivo, o escondido e o visível, segundo diferentes formas. A conversa
privada torna-se pública porque ela tem em retorno uma reação, um reconhecimento de
parte do corpo social.
Na era midiática, explica Mehl, os estados de ânimo e as dificuldades psicológicas
são expostos em praça pública, são investigados pelas câmeras. O relacional torna-se objeto
de publicidade. “L’espace public est toujours plus habité par l’espace privé” (MEHL, 1996,
p.153)5. De outro lado, também há um processo de privatização da vida pública. Ao lado da
“vida privada pública” está a “vida pública privada”. A vida política, por exemplo,
conheceu sérias inflexões, notadamente sob o efeito de sua mediatização. O homem político
não se preocupa apenas com o seu partido, ele elabora uma aparição para seu próprio
personagem e nessa aparição importa até mesmo sua vida familiar. Assim, as duas esferas
se interpenetram a ponto de suas fronteiras ficarem ilegíveis.
Uma observação da mediatização contemporânea aponta, segundo Mehl, para uma
indeterminação da intimidade. Os testemunhos da televisão atestam que a intimidade não é
mais uma noção evidente. Relatando entrevistas com participantes de reality shows, Mehl
conta que muitos deles consideram sua intimidade resguardada, apesar de mostrarem
aspectos de suas vidas diante das câmeras. É como se algo permanecesse preservado. Os
fenômenos de mediatização não diluem a intimidade no espaço público; ela é redefinida. A
confrontação de valores privados ao julgamento de outros contribuem à definição de si
mesmo. Além disso, cada um delimita as fronteiras de sua própria intimidade. “Le rapport
entre privé e public est circonscrit par le rapport entre visibilité et invisibilité, entre
dicibilité et indicibilité, chaque individu restant maître de ce partage” (MEHL, 1996,
p.164)6.
De acordo com a autora, as imbricações entre público e privado e as experiências
midiáticas que essas imbricações inspiram, contribuem a uma modificação em
5
O espaço público é cada vez mais habitado pelo espaço privado (tradução nossa).
A relação entre privado e público está circunscrita à relação entre visibilidade e invisibilidade, entre dizível
e indizível, cada indivíduo permanece o autor dessa divisão (tradução nossa).
6
22
profundidade do espaço público. O pessoal ganha lugar. É como se, contra um espaço
público fundado na razão, se desenhasse um espaço modelado pelas experiências
singulares, pela emoção.
2.2. Público, privado e interesse público
Discutindo os atos humanos, Dewey (2003) nos fornece uma distinção diferente das
oferecidas até aqui sobre o que vem a ser público ou privado. Segundo ele, todos os atos
humanos apresentam conseqüências sobre outros homens. Essas conseqüências podem ser
ou não percebidas. Quando essa percepção acontece, reage-se a ela. Essa ação seguinte à
percepção se dá no sentido de assegurar as conseqüências que são desejadas e evitar as que
não são. Sendo assim, se as conseqüências de um ato são ambicionadas, este ato também
passa a ser.
Dewey explica que as conseqüências dos atos são de dois tipos – há aquelas que
afetam somente as pessoas que estão engajadas na transação em questão e aquelas que
afetam outros além dos que estão imediatamente engajados. No primeiro caso, quando as
conseqüências de uma ação são restritas às pessoas diretamente engajadas, a transação é
considerada privada. Se nós percebemos que a conseqüência se estende para além dessas
pessoas, que ela afeta outros além daqueles diretamente envolvidos na ação, o ato adquire
uma natureza pública.
O autor observa que a distinção entre privado e público não se dá de maneira
equivalente à distinção entre o individual e o social. Vários atos privados são sociais, não
dizem respeito apenas ao indivíduo que o realiza. Os atos privados podem ser socialmente
preciosos tanto pelas suas conseqüências indiretas quanto pela intenção direta que os
preside. Não há nenhuma conexão necessária entre o caráter privado de um ato e seu caráter
não-social ou anti-social. Da mesma maneira, público também não pode ser considerado
como o que é socialmente útil. Segundo Dewey, um exemplo claro disso são as guerras.
Mesmo quando estas buscam adquirir recursos ou territórios para os cidadãos de um
determinado país, elas nunca são valiosas, ao mesmo tempo, para ambos envolvidos.
Assim, um comportamento não é mais precioso socialmente pela razão de ser colocado em
nome do público pelos agentes públicos.
23
Tendo por base a argumentação de Dewey, passamos a uma distinção entre público
e privado que depende da compreensão, por parte dos atores sociais, das conseqüências
possíveis de suas ações. Assim poderíamos dizer que certas ações ou transações são de
interesse público quando afetam indivíduos além daqueles que estão diretamente
envolvidos; esse público, em cada caso, seria composto pelos indivíduos passíveis de serem
afetados.
O controle sobre essas ações normalmente recai sobre um grupo determinado – em
geral funcionários do estado e instituições. Toda escolha, entretanto, provém de anseios e
objetivos de seres singulares, particulares; mas que não agem, necessariamente, visando o
bem pessoal. Para Dewey, o singular age, porém age junto. Cada ser singular vive em
conexão com outros seres e suas ações são influenciadas por essas conexões. As ações são
afetadas, ainda, pela percepção humana de seus resultados possíveis, assim como dos
resultados de outros empreendimentos7. Daí nascem os objetivos, os planos, a mensuração
e os meios para assegurar as conseqüências que são apreciadas e para eliminar as
indesejadas, agindo de acordo com um interesse comum. Em suma, é a percepção dos atos
públicos, que afetam as pessoas além das diretamente envolvidas em uma dada transação,
que faz nascer o interesse público. Este pode dizer tanto da vontade comum de evitar as
conseqüências do ato em questão quanto de assegurá-las.
Pensando na televisão, ao dar uma grande visibilidade ao que veicula, ela faz tudo o
que apresenta parecer de interesse público. Mas de acordo com Dewey, as coisas adquirem
o caráter de interesse público quando afetam concretamente a vida de pessoas além das
diretamente envolvidas em uma transação. Desse modo, informações sobre alterações no
trânsito, por exemplo, são claramente de interesse público. Pois auxiliam os motoristas no
planejamento de uma nova rota para chegar ao local de destino, podem dizer da
necessidade de sair mais cedo de casa para não se atrasar.
Já os programas de fofoca sobre celebridades, pelo menos num primeiro momento,
não são de interesse público. Todavia, despertam o interesse do público, por motivos vários
que discutimos anteriormente. Mas será que quando as pessoas acompanham um programa
7
Segundo Descombes (1996), além das significações pessoais e das partilhadas, há uma terceira classe de
significações que são as significações comuns, sociais – presentes nas práticas e resultantes de uma
negociação. É o que o autor chama de “espírito objetivo”, ou seja, a presença do social no espírito de cada
um.
24
desses, emocionam-se com a notícia de algum artista, o programa não passa a ser de
interesse público?
Olhando para essas emissões televisivas que privilegiam a visibilidade de aspectos
íntimos da vida das celebridades, nos interessa entender como os sentidos de público e
privado entram em jogo. Considerar que a simples publicização (no sentido de dar a ver) da
privacidade dos famosos dá a ela uma dimensão de interesse público, é deixar de lado a
complexidade das distinções e limites entre o público e o privado. A partir da análise das
notícias que o TV Fama traz sobre as celebridades buscaremos perceber que valores
aparecem no programa e como os mesmos são trabalhados. O que aparece no programa
pode adquirir um caráter de interesse público?
25
3. TV Fama
3.1. História
Em 1999, passa a ser transmitida a programação da RedeTV!, que substitui a então
extinta Rede Manchete. Junto com a nova emissora estréia também o TV Fama.
Inicialmente apresentado pela modelo Mariana Kupfer, o programa mostrava festas e
eventos. Durou apenas duas semanas.
No ano seguinte, mais precisamente em 17 de julho de 2000, a emissora volta a
apostar no programa, mas dessa vez noticiando celebridades. Desde a reestréia, há quase
oito anos, vários apresentadores passaram pelo TV Fama. Os primeiros foram Paulo Bonfá
e Monique Evans (2000). Depois veio Janaína Barbosa e, no ano seguinte, em 2001, o
jornalista Nelson Rubens é contratado e assume o comando ao seu lado. Janaína sai de
licença para se casar e em seu lugar entra Luísa Mell, que permanece até 2006, quando
decide ficar apenas no outro programa que apresentava na mesma emissora, o Late Show.
Em 2007 a atriz e radialista Adriana Lessa passa a ser a nova companheira de Nelson
Rubens na apresentação. No segundo semestre do mesmo ano é a vez da ex-big brother Íris
Stefanelli juntar-se ao quadro de apresentadores. O trio Nelson Rubens, Adriana Lessa e
Íris Stefanelli são os atuais anfitriões.
A mudança de apresentadores foi acompanhada por mudanças na organização da
estrutura do programa. O TV Fama já foi dividido nos quadros Receitas de cinema, em que
eram reproduzidas receitas culinárias mostradas em filmes; Avant Première, com os
lançamentos do cinema; e Notas Nacionais e Notas Internacionais, que eram pequenas
notas sobre os famosos. Atualmente o programa traz pequenas notas, normalmente no
início e no fechamento do programa, e também reportagens sobre as personalidades. O
merchandising de produtos diversos, que sempre esteve presente, permanece.
3.2. Caracterização
O TV Fama vai ao ar de segunda-feira a sábado, e em horário nobre – de 19h50 às
21h10. Durante a semana o programa é transmitido ao vivo. No sábado, dia em que são
26
reprisados os melhores momentos, o programa é gravado. Em seu site8 o TV Fama promete
“notícias, atualidades, curiosidades do meio artístico e tudo o que rola nos bastidores”. E é
isso o que tenta trazer.
Normalmente o programa é divido em quatro blocos. Em todos eles há minutos
reservados para o merchandising de pelo menos um produto. Essa divisão, contudo, pode
ser alterada, principalmente, em decorrência de falhas técnicas na exibição das matérias.
Tomando a organização habitual como exemplo, no primeiro bloco é realizada a escalada
do programa, momento em que são apresentadas as principais notícias do dia. Cada
apresentador é responsável por apresentar uma notícia. Nelson Rubens, enquadrado em
plano americano9 ao lado de Adriana Lessa, é o responsável pela abertura e sempre utiliza
seu bordão “Ok, Ok”. Nos dias em que o programa é ao vivo, ele informa as horas e
anuncia a “Bomba do dia”, que seria o “maior babado” entre as matérias que aparecem na
escalada. Após a “Bomba do dia” é a vez de Adriana. E, em seguida, Nelson passa a
palavra para Íris Stefanelli, que é filmada sozinha, em plano médio10.
Depois que os três falam, Nelson Rubens, ainda enquadrado ao lado de Adriana,
anuncia “As últimas das celebridades”, “As celebridades em manchete” ou “O que rola
entre as celebridades”11. Nesse momento três ou quatro manchetes são apresentadas, de
modo intercalado, ora por um locutor, ora por uma locutora. Os anúncios das notícias são
locutados sobre fotos e/ou imagens de vídeo das celebridades em pauta. Terminada essa
parte entra um merchandising e, ao fim do primeiro bloco, mais duas ou três manchetes,
locutadas sobre fotos e/ou imagens de vídeo da celebridade que é assunto. Funcionam como
uma chamada para o intervalo comercial.
No segundo bloco Nelson Rubens lê as cabeças12 das “Notas da Fama”, que são
pequenas notas sobre os famosos locutadas sobre fotos e/ou imagens de vídeo referentes à
celebridade que está sendo noticiada. Também há merchandising, geralmente mais de um.
Este bloco é encerrado de forma semelhante ao primeiro, mas com a locução de somente
uma manchete.
8
http://www.redetv.com.br/siteredetv/grupos/programas/tvfama/
Posicionamento de câmera que enquadra as pessoas dos joelhos para cima.
10
Posicionamento de câmera que enquadra as pessoas dos cotovelos para cima. É bastante utilizado em
entrevistas.
11
Cada dia ele anuncia de uma dessas formas.
12
Aberturas das notícias. Normalmente narra-se o fato mais importante, pois a função das cabeças é despertar
o interesse do telespectador.
9
27
O terceiro bloco é o maior. Nele são exibidas a maioria das notas cobertas13 e
reportagens a respeito do mundo das personalidades. Intercalados a essas notícias, ou no
final do bloco, são exibidos mais de um merchandising. A finalização do bloco se dá com a
locução do anúncio da manchete da última notícia, que aparecerá no bloco final.
O quarto bloco tende a ser bem curto. Normalmente os três apresentadores,
enquadrados em plano americano, lêem, de forma desordenada14, uma nota seca15 cuja
manchete foi anunciada ao final do terceiro bloco. Em seguida, os apresentadores se
despedem, anunciam a atração seguinte da RedeTV! e o TV Fama é encerrado com fotos ou
imagens de vídeo de uma ou mais celebridades que foram noticiadas no dia.
Título
O título TV Fama nos diz a que o programa veio: tornar públicas, no sentido de
tornar visíveis, as ações das celebridades. Conforme discutimos anteriormente, ao noticiar
as personalidades o programa disponibiliza modelos de vida. Os telespectadores vão se
apropriar desses modelos de diferentes maneiras.
Cabe ao TV Fama nos oferecer os famosos do momento, nos oferecer opções de
personalidades nas quais possamos nos projetar ou com as quais possamos nos identificar.
E a fama, que aparece até no nome do programa, também está presente nas figuras dos
apresentadores. Estes podem ser (e muitas vezes o são) assunto em outros programas de
fofoca sobre celebridades. Quando o assunto é a vida dos olimpianos, eles podem ser tanto
apresentadores quanto notícia.
Cenário
O mundo de que se fala é o das celebridades, mas o cenário do TV Fama, em
oposição ao glamour que tendemos associar aos famosos, é bastante simples. Ele se
constitui basicamente de uma chroma-key, uma chave de cor. Trata-se de um recurso
13
O apresentador lê uma pequena notícia enquanto são exibidas imagens sobre o assunto em questão.
A impressão que temos é que nenhum sabe ao certo em que momento deve falar. Um acaba interrompendo
e sendo interrompido pelo outro.
15
Diferentemente da nota coberta, na nota seca, ou nota pelada, não há imagens sobre o assunto noticiado
para serem exibidas. É o próprio apresentador que aparece em enquanto realiza a leitura da nota.
14
28
técnico que permite substituir uma imagem eletrônica por um material visual vindo de uma
outra fonte. Os apresentadores ficam posicionados na frente de uma tapadeira azul ou verde
e, quando o programa vai ao ar, no lugar da tapadeira aparece a imagem que se deseja
mostrar.
No caso do TV Fama as imagens que se mostram ao lado dos apresentadores são
reproduções da logo do programa (um círculo dourado preenchido com a cor vermelha
onde estão inscritas as letras “T” e “F”, provenientes do título) ou uma delimitação
retangular em que são exibidas fotos e/ou imagens de vídeo do celebridade que está sendo
anunciada na leitura que o apresentador faz das cabeças das notícias.
O espaço restante que aparece além desse lateral aos apresentadores – que ora é
ocupado pela logo do programa, ora por fotos e/ou imagens de vídeo – é preenchido com
diferentes tons de amarelo e com a cor azul celeste, algo semelhante ao crepúsculo. Em
meio a essas cores, em alguns momentos dos programas, são projetados rostos um pouco
abstratos. Não são rostos de pessoas conhecidas, mas todos eles olham para cima, como se
estivessem voltados para as estrelas, ou fossem eles mesmos as Estrelas.
Apresentadores
Conforme dissemos, os apresentadores do TV Fama também são vedetes16 – e isso
vale tanto para os que já passaram pelo programa quanto para os atuais.
Dentre estes, o jornalista Nelson Rubens é o mais antigo no programa e também no
ramo de fofocas sobre celebridades. Desde a estréia do TV Fama ele só não esteve presente
no primeiro ano (2000).
O programa é, de certa forma, coordenado por Nelson. É ele o responsável por
contornar e dar explicações ao vivo quando as matérias apresentam algum erro técnico; por
dar a palavra ou por interromper as duas outras apresentadoras; e também pela abertura
com o seu famoso “Ok, ok”, que, pelo visto, não é seu único bordão conhecido. Também é
dele o “Eu aumento, mas não invento”, tão divulgado no mundo da fofoca.
16
E isso abarca inclusive a forma como os apresentadores se vestem. Nelson Rubens sempre usa ternos
escuros que lhe dão um ar de seriedade e elegância. Adriana Lessa e Íris Stefanelli sempre se apresentam bem
vestidas, maquiadas, com cabelos arrumados e unhas feitas. Todos bem aparentados, como uma celebridade
sempre deve estar.
29
Nelson Rubens nasceu em Guararapes, interior de São Paulo, em 23 de agosto; o
ano de seu nascimento é desconhecido, ele não revela por nada17. Sua carreira teve início
em 1977, há mais de 20 anos. O primeiro emprego como jornalista foi na Folha de São
Paulo. Em seguida trabalhou no jornal Última Hora, onde começou na cobertura de TV e
bastidores. Na televisão foi jurado do Programa do Chacrinha (Rede Globo), do Show de
Calouros (SBT) e do Troféu Imprensa (SBT). Também trabalhou no Aqui Agora (SBT), no
Note e Anote (Record), na Rádio Record e foi colunista da revista Amiga (Bloch Editores),
já extinta.
Adriana Lessa e Íris Stefanelli são vedetes tanto por apresentarem um programa de
televisão, quanto por outros trabalhos que desempenham que são dignos dos olimpianos
modernos.
Adriana Lessa nasceu em 01 de fevereiro de 1971 e atua na televisão, no teatro e no
cinema. Além disso, é cantora, modelo, locutora, garota propaganda. Na televisão integrou
o elenco de várias novelas (Senhora do Destino, O Clone, Terra Nostra, Araponga) e
minisséries da Rede Globo (Aquarela do Brasil, Chiquinha Gonzaga, Retrato de Mulher).
Foi apresentadora da MTV, e também trabalhou nas emissoras Record e Band. No cinema
participou de filmes como Papel e Água, O Samba Mandou me Chamar e Capitalismo
Selvagem. No teatro, entre outras peças, atuou em Cabaret Brazil, Stravaganzza,
Macunaíma e A Hora e a Vez de Augusto Matraga.
Antes de iniciar seus trabalhos como atriz em 1986, Adriana participava da equipe
de vôlei do Sport Club Corinthians Paulista e da equipe de atletismo de Guarulhos. Nos
jogos pan-americanos sediados no Brasil no ano passado, Guarulhos foi uma das 50 cidades
brasileiras que participaram do “Revezamento da Tocha Pan-Americana Rio 2007”. E
Adriana Lessa foi a personalidade escolhida para realizar o último trecho a ser percorrido
com a tocha nessa cidade. Esse momento é considerado o ponto alto do revezamento, e só
poderia ser feito por uma pessoa ilustre.
Íris Stefanelli é famosa há menos tempo. Foi participando do Big Brother Brasil 7,
em 2007, mais precisamente de um triângulo amoroso que envolvia, além dela, os exparticipantes do reality show Fani Pacheco e Alemão, vencedor do prêmio de R$1 milhão,
17
Esta informação consta em todas as matérias em que sua idade é solicitada.
30
que Íris ganhou certa notoriedade18. Quando foi eliminada do programa posou para alguns
ensaios sensuais e foi capa da edição de aniversário de 32 anos da revista Playboy. Íris é de
Minas Gerais e nasceu em 23 de julho de 1979.
Íris tem muitos problemas como apresentadora. Ela erra a pronúncia de alguns
nomes de famosos, de produtos que são anunciados dentro do TV Fama. Ela já errou,
inclusive, o nome de Nelson Rubens. Apesar de sua inexperiência que transparece na
apresentação do programa, enquetes realizadas pela Folha Online e discussões da
comunidade do orkut TV Fama, revelam muitos fãs de Íris Stefanelli que aprovam o seu
trabalho como apresentadora. Para tentar melhorar, a apresentadora já fez visitas ao
fonoaudiólogo, está aprendendo sobre os bastidores do programa e faz aulas de teatro.
Nelson Rubens, Adriana Lessa e Íris Stefanelli, seja por conta da experiência
desenvolvida com programas de fofoca, seja porque enquanto famosos convivem com
outras personalidades, se colocam como privilegiados no acesso às últimas notícias sobre as
celebridades. Além disso, trabalham no TV Fama, que mostra “tudo” o que acontece no
mundo dos olimpianos.
O programa também conta com seis repórteres – Andréa Corazza, Fábio Borges,
Mônica Apor, Monique Evans, Soraya Moté e Tatiana Apocalypse. Eles aparecem
esporadicamente, nas matérias em que há entrevistas.
3.3. O formato “programas de fofoca”
Conforme já reiteramos, o TV Fama trabalha com informações sobre celebridades.
A organização dessas informações se dá de modo semelhante ao que ocorre na organização
das informações dentro do telejornalismo.
Uma primeira característica em comum é que tanto no programa que estamos
analisando quanto no telejornalismo é realizada uma escalada logo no início da exibição,
que faz a apresentação das principais notícias do dia. Outra, é que nos dois há notas secas e
notas cobertas para dar informações que não viraram uma reportagem com mais detalhes
18
Alemão dizia-se apaixonado pela Caipira (forma carinhosa pela qual se referia à Íris), mas flertava com
Fani, já que Íris se dizia tímida e acreditava que o reality show não era lugar para namorar. Fani não pensava
do mesmo modo, mas virou amiga de Íris e deixou de se relacionar com Alemão. Quando Íris foi eliminada
prometeu que iria esperar por Alemão do lado de fora da casa. Assim que o programa terminou os dois
começaram a namorar, mas não durou muito.
31
(também presente em ambos), mas que são consideradas relevantes. Além disso, as
unidades que compõem as reportagens do TV Fama são, assim como no telejornalismo, a
cabeça19, a passagem20, a sonora21, a entrevista22, o off23.
Tendo em vista essas semelhanças, no desenrolar de nossa pesquisa uma das
perguntas que nos incomodou o tempo todo foi: o que vem a ser o TV Fama? Seria o
programa um telejornalismo especializado em celebridades? Após nos debruçarmos sobre o
nosso objeto, percebemos que além das semelhanças existem muitas diferenças entre o TV
Fama e o gênero telejornalismo.
Antes de apontarmos essas diferenças, acreditamos ser necessário dizer o que
entendemos do conceito mesmo de gênero. Tomamos como ponto de partida a concepção
de gênero de Charaudeau, que diz que “um gênero é constituído pelo conjunto das
características de um objeto e constitui uma classe à qual o objeto pertence. Qualquer outro
objeto tendo as mesmas características integrará a mesma classe” (CHARAUDEAU, 2006,
p.204).
No exame do gênero (classe textual), Charaudeau chama a atenção para o lugar de
incidência de análise, e privilegia o produto (material textual). A análise começa com a
identificação das características que compõem determinada classe textual. Mas, lembra o
autor, isto não é suficiente, já que características semelhantes podem aparecer em gêneros
distintos. Dessa maneira, também é preciso observar o modo de organização discursiva do
texto e a sua configuração. É um conjunto de características aliado a uma certa organização
e configuração do texto que conformam o seu gênero.
No que diz respeito à especificidade do telejornal, Charaudeau a atribui a dois
aspectos dominantes da enunciação discursiva: seu propósito e a construção da identidade
dos parceiros e de suas relações. O propósito, explica o autor, é marcado pela atualidade. O
telejornal se volta para as notícias do dia, funciona como um cardápio que reúne pequenos
pedaços do cotidiano e disponibiliza para os telespectadores. Já a identidade dos parceiros é
19
Conforme já dissemos, são as aberturas das notícias. Nelas geralmente se narra o fato mais importante para
despertar o interesse do telespectador.
20
Parte da matéria em que o repórter aparece, normalmente gravada no local da ocorrência dos fatos
noticiados. Diz da proximidade do repórter com a notícia.
21
É um trecho da entrevista que a edição seleciona para ir ao ar. Pode tanto confirmar ou complementar o
texto do repórter.
22
É a gravação das perguntas que o repórter faz à sua fonte e as respostas às mesmas.
23
Vozes (normalmente a voz do repórter) ou sons que aparecem numa gravação sem que apareça a fonte
geradora desse som ou voz.
32
determinada pelas encenações apresentadas pelo telejornal. O principal papel, segundo
Charaudeau, é desempenhado pelo apresentador, responsável pela relação entre o mundo
referencial e o telespectador.
Voltando-nos para o TV Fama, que foi eleito por nós como objeto privilegiado
dentre os programas de fofoca sobre celebridades, e para o que foi aqui exposto a respeito
do conceito gênero, continua sendo possível perceber muitas semelhanças entre o nosso
objeto empírico e o que se caracteriza como telejornal.Todavia, ainda assim, percebemos o
TV Fama como distinto do que poderia ser, de repente, um telejornal sobre celebridades.
Não desconhecemos que os gêneros possam trazer em si características de outros.
Segundo Eco (1984), essa mistura de gêneros é um traço da neotelevisão. Ele explica, por
exemplo, que um mesmo programa televisivo traz ficção e informações juntas. E, se antes,
a televisão tentava separar opinião de fatos, hoje se aceita a imbricação dos dois. Além
disso, de acordo com Charaudeau, é uma tendência atual fazer da televisão “uma onda
contínua de programas que se sucedem e se assemelham, criando um universo
uniformizado no qual todo telespectador poderia reconhecer-se e sentir-se em família”
(CHARAUDEAU, 2006, p.232, grifos do autor). Charaudeau aponta, ainda, como
tendência atual, a mistura de temas públicos com temas privados na televisão atual, em
oposição à televisão do passado, que, para o autor, respeitava a fronteira entre essas duas
esferas.
No entanto, se o TV Fama agrega características do telejornalismo, ele também traz
uma série de distinções. Apresentaremos aqui as diferenças que fomos percebendo entre o
nosso objeto empírico e o telejornal. Não estabelecemos uma ordenação lógica para essas
diferenças, falamos delas na medida em que as reconhecemos.
Uma primeira diferença é a utilização de elementos do melodrama na composição
em todas as matérias. O melodrama, segundo Ponte (2005), surgiu enquanto forma de
expressão popular na primeira metade do século XIX, era sinônimo de ópera popular, em
que havia espaço para a livre circulação de emoções, principalmente as ligadas a amores
proibidos e à morte. Segundo essa autora, trata-se de “uma espécie de ‘lei’ moral, idêntica
para todos, e seus temas privilegiados podem ser considerados como representações
metafóricas dos conflitos sociais” (PONTE, 2005, p.62). O melodrama fala de valores,
sentimentos, heróis, traidores. E o TV Fama também. Não que os telejornais não façam
33
isso; em grande parte das matérias busca-se um elemento humano para tocar o
telespectador, para envolvê-lo. Mas no caso do TV Fama, essa utilização se dá a todo o
momento. Os sentimentos e as emoções são as matérias-primas de todas as notícias que vão
ao ar. Para aumentar a carga emotiva são utilizadas músicas cujas letras falam do assunto
que está sendo abordado. Inclusive aumenta-se o volume dessas músicas em alguns
momentos, enquanto são exibidas fotos e/ou imagens sobre as celebridades em pauta.
A utilização dessas “fotos e/ou imagens” que nos referimos até aqui, sempre com
esse “e/ou”, são a segunda diferença que percebemos entre o Tv Fama e o telejornal. No
nosso objeto empírico, as notas cobertas e as reportagens são construídas em cima de fotos
e/ou imagens não propriamente a respeito do assunto que está sendo abordada, mas a
respeito da celebridade em questão. Diferentemente do que ocorre com o telejornal, que
preza por imagens em movimento e inéditas, no TV Fama o mais comum são as imagens e
estáticas e antigas que, além disso, se repetem inúmeras vezes dentro de uma mesma
notícia. Às vezes o programa se preocupa em utilizar uma mesma imagem ora em preto e
branco, ora colorida para dar a impressão de uma maior quantidade de imagens disponíveis,
mas normalmente as imagens são incansavelmente repetidas. O telejornal utiliza sim
imagens de arquivo, mas geralmente o faz para fazer uma contextualização histórica do
assunto que está tratando e na tela aparece escrito “ARQUIVO”, indicando que não se trata
de uma imagem atual.
E não são só as imagens que são reaproveitadas inúmeras vezes pelo Tv Fama. O
programa também utiliza sonoras de entrevistas antigas. Não como no telejornal que,
quando faz uso desse recurso, tende a fazê-lo justificadamente – pode ser, como no caso
das imagens de arquivo, para contextualizar historicamente um fato. No caso do TV Fama,
as sonoras antigas são utilizadas para ilustrar um fato novo. Ainda que essa atitude seja
indicada, mostra que não é preocupação produzir notícias de boa qualidade técnica. Essa
ausência de preocupação também é percebida no uso indiscriminado de notícias locutadas
em off. O TV Fama preza pelo reaproveitamento – não se fazem novas entrevistas, nem se
produzem novas imagens. O telejornal se preocupa com isso.
No que diz respeito à apuração das matérias, as diferenças são ainda mais gritantes.
Mesmo que o telejornal se caracterize por dar a notícia de forma simples e rápida, há uma
preocupação em escutar diferentes fontes. Sabemos da impossibilidade de se ouvir todos os
34
lados, o telejornalismo não faz isso, mas ainda que mostre suas versões dos fatos, mostra a
partir da confrontação de mais de uma opinião. Além disso, no telejornalismo as fontes
tendem a ser identificadas. Isso só não ocorre em ocasiões extremas, normalmente para
garantir a segurança das fontes em casos de denúncias. As fontes, no telejornal, ajudam na
construção da credibilidade. No TV Fama, quando se fala, por exemplo, de uma briga entre
dois famosos, tende-se a escutar apenas um deles ou então a reconstituir a briga a partir do
que saiu em outros veículos midiáticos. Além disso, é bastante comum não identificar as
fontes e construir uma notícia baseado no que “andaram espalhando por aí” ou no que
“disseram as más línguas”. E isso não é um eufemismo para dizer que o programa não
consulta ou nomeia suas fontes; o programa enuncia mesmo essas duas frases antes de
várias informações sobre os famosos.
O TV Fama também traz nas cabeças das notícias as informações que não
necessariamente serão trabalhadas na notícia. Ao invés de anunciarem na cabeça o assunto
mais importante da pauta, que é o que acontece no caso do telejornal, o TV Fama fala do
assunto mais curioso, mais espetacular, mesmo quando ele aparece em apenas uma frase da
matéria que vai ao ar.
No caso do telejornal, há uma preocupação em se exibir as matérias que foram
anunciada na escalada. Esse é justamente o momento de dizer as informações que se
considera mais importantes que o telespectador tome conhecimento. Quando há algum
acontecimento extraordinário, o telejornal pode sim interromper a programação anunciada,
mas explica-se ao telespectador porque o telejornal será alterado. No TV Fama, ao
contrário, é recorrente não exibir assuntos que foram anunciados, ainda que eles apareçam
na escalada. Além disso, se entra uma matéria que não corresponde à que foi previamente
anunciada, não é feito um pedido de desculpas: os apresentadores chegam a dizer que a
matéria acabou entrando antes porque o telespectador precisava saber desse “babado”.
Diante de todas essas diferenças apontadas, que numa análise exaustiva poderiam,
inclusive, ser ampliadas, não é nossa intenção dizer que o TV Fama deveria ser mais
parecido com o telejornal, nem está em jogo a qualidade de um em relação ao outro. Nossa
intenção é apenas mostrar que o Tv Fama é outra coisa – e outra coisa que se encaixa
dentro do que denominamos “programas de fofoca sobre celebridades”. Esse formato se
caracteriza justamente pelas diferenças estabelecidas entre o Tv Fama e o telejornal.
35
Quando no início de nosso trabalho fizemos um apanhado dos programas de fofoca sobre
celebridades que passam na TV aberta atualmente, os identificamos por serem parecidos
nessas diferenças apontadas acima.
Os programas que enumeramos não são todos iguais. E não têm que ser mesmo que
cheguem a constituir um gênero “programas de fofoca sobre celebridades”. O gênero não é
algo que engessa. Há diferenças dentro dos gêneros e, de acordo com Charaudeau, eles
mudam com o tempo. Mas é o gênero, segundo Jost (2004), que permite à televisão agir
sobre o telespectador dentro de um quadro semântico. Para Jost, umas das funções do
gênero é o direcionamento (não uma limitação) da interpretação por parte do receptor. Esse
autor lembra, ainda, que a classificação do gênero ajuda na arquivagem dos produtos
televisivos e tem também repercussões econômicas. Os anúncios publicitários não são
feitos sem considerar o gênero do programa em exibição no horário comprado.
Pensar no TV Fama dentro de um formato que não é o do telejornalismo nos permite
fazer perguntas a ele que são coerentes dentro do seu universo. Mesmo que hajam críticas a
serem feitas ao nosso objeto empírico, estas devem ser feitas dentro do que o programa é,
não dentro do que ele parece ou deveria ser.
36
4. Análise: o que as Estrelas andam fazendo
Para respondermos à nossa pergunta orientadora, “qual a tensão entre interesse
público e interesse do público no TV Fama”, nosso caminho metodológico se desenvolveu
em algumas etapas.
Primeiramente a definição do recorte empírico. Como o TV Fama vai ao ar de
segunda-feira a sábado, optamos por gravar e analisar uma semana de programa, escolhida
de forma aleatória. O período eleito foi a semana de 11 a 16 de fevereiro de 2008.
Em seguida foi feita a transcrição dos seis programas gravados. Para isso,
elaboramos um quadro a ser preenchido com a transcrição – do áudio e das imagens – das
escaladas e de todas as matérias exibidas na semana. Além disso, dividimos cada matéria de
acordo com suas unidades composicionais (cabeça, passagem, sonora, entrevista, off). O
quadro seguinte exemplifica o que fizemos:
UNIDADES
COMPOSICIONAIS
TRANCRIÇÃO PROGRAMA XX – XX/XX/XXXX
ÁUDIO
VÍDEO
Escalada
Matéria X Cabeça
Passagem
Entrevista
Off
Sonora
A transcrição nos permitiu visualizar a estrutura do programa, sua linguagem, como
se dá o acesso aos famosos e também os temas com os quais o TV Fama trabalha. Partindo
dessas informações, o nosso exame do programa se deu a partir de três entradas.
A primeira delas trata dos temas. Um levantamento desse aspecto mostrou que
alguns temas são recorrentes. A partir deles, percebemos que valores são levantados, que
modelos de vida são privilegiados pelo nosso objeto empírico. Os temas mais constantes na
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semana que recortamos foram: relacionamentos, corpo e carreira. Eles são as nossas
categorias de análise.
A primeira categoria, denominada Affairs, trata do tema “relacionamentos”. Ela
abarca as notícias que falam sobre namoros, casamentos e casos das celebridades (inícios,
desentendimentos, términos) ou mesmo de que famoso está afim de quem. A segunda, Pra
lá de sensual, engloba as notícias cujo tema é “corpo”; por exemplo, a notícia de que um
famoso ou famosa fez um ensaio sensual ou nu. A terceira categoria, Carreira, é aquela que
traz as notícias que são construídas a partir de fatos referentes à “carreira profissional” das
personalidades, ainda que diversos outros assuntos perpassem este tema.
Separamos todas as notícias que tratavam de um desses temas recorrentes, as
dividimos de acordo com as categorias propostas e, em seguida, tentamos perceber os
principais valores que atravessam essas matérias.
Ao elegermos categorias para nossa análise, acabamos deixando algumas notícias de
fora – ou por elas não abordarem os temas que percebemos serem constantes ou por,
mesmo abordando esses temas, não as julgarmos como ilustrativas dos mesmos. Para uma
melhor visualização do que foi a semana do TV Fama que recortamos, ao final do trabalho
trazemos um anexo com as matérias de cada dia.
Voltando às nossas entradas de observação do TV Fama, a segunda diz respeito ao
programa exibido no sábado. A proposta do TV Fama é trazer no final de semana os
“melhores momentos” que foram veiculados de segunda a sexta-feira. Tendo por base o
programa do dia 16/02/08 (sábado), tentamos perceber qual a síntese que o programa faz da
semana, quais temas predominaram nas matérias que o TV Fama escolheu para serem
reprisadas no sábado à noite.
Já na última entrada olhamos para dois aspectos: a linguagem do programa e o
acesso aos famosos. No que diz respeito ao primeiro aspecto, buscamos perceber como a
linguagem foi utilizada pelo programa para a construção das matérias. No segundo,
observamos a abordagem aos famosos. Quais os locais e modos mais comuns de acesso aos
mesmos.
38
4.1. Temas
4.1.1. Affairs
“Artistas casam num dia e separam no outro”, “trocam de namorado como quem
troca de roupa”, “uma promiscuidade só”. Este é o senso comum a respeito do mundo dos
relacionamentos dos olimpianos. Porém, se olhado com atenção, percebemos que esse
mundo tem muito mais a revelar.
Uma das notas trazida pelo TV Fama no dia 11/02/08, conta que o ator Marcos
Pasquim foi flagrado namorando em um estacionamento:
Nelson Rubens: É isso aí. Aliás, quem foi visto fazendo ginástica, num
estacionamento do Rio de Janeiro, o Marcos Pasquim, com uma loira, chamada
Giovana, depois ele falou que é uma amiga e tal. O Marcos Pasquim gosta de
namorar em estacionamento, a última vez deu problema, ele foi flagrado pelo
paparazzo e acabou separando da mulher. Então está aí: Marcos Pasquim flagrado
novamente no estacionamento do Rio de Janeiro, depois no baile de máscaras,
com uma loiraça, amassando a moça, ele está solteiro, pode tudo.
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos).
Nessa nota o programa brinca com o fato de que o ator gosta de namorar em
estacionamentos. Como estes são locais em que as pessoas não permanecem (elas deixam
seus carros e vão onde têm que ir), fica parecendo que o ator aproveita qualquer brecha
para namorar. O programa faz questão de lembrar que ele foi flagrado “novamente” nesse
tipo de local. Na primeira vez, o ator era casado e foi surpreendido por um paparazzo com
uma outra mulher, o que acabou resultando na sua separação. Mas desta vez ele está
solteiro e o namoro não é visto como um problema, ainda que haja uma brincadeira com o
fato de ser no estacionamento.
Uma outra matéria sobre relacionamentos noticia um almoço da atriz Ildi Silva com
Marcelo Valente, ex de Daniella Cicarelli e Ivete Sangalo, conhecido como “o bonitão
baiano que arrasa o coração da mulherada” (TV Fama – 12/02/08). O problema, de acordo
com o TV Fama, “é que Ildi namora Caetano Veloso, ou seja, se ela estiver de rolo com
Marcelo, o cantor foi passado pra trás”. Logo na cabeça da notícia Adriana Lessa questiona
“E agora, hein, Caetano Veloso?”.
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Conforme podemos ver, há uma insinuação por parte do programa de um affair
entre Ildi Silva e Marcelo Valente tanto pelo fato de os dois terem almoçado juntos quanto
pelo fato de Marcelo arrasar os corações femininos. Ele, inclusive, já namorou a modelo
Daniella Cicarelli e a cantora Ivete Sangalo. Ildi poderia ser a próxima. Entretanto, o TV
Fama atenta para o fato de que a atriz tem um relacionamento com o cantor Caetano
Veloso. Se o caso com Marcelo não for somente suposição, ela está traindo o cantor. Este,
por sua vez, é colocado em uma situação desconfortável pelo programa. Caetano estaria
sendo “passado pra trás”, tanto que Adriana Lessa lhe pergunta: “E agora, hein?”. Há quase
uma cobrança para que Caetano Veloso faça alguma coisa. A traição, principalmente contra
o homem, é tomada como algo pesado e é ironizada pelo TV Fama, mesmo se tratando
apenas de uma suposição.
Nessas duas matérias, percebemos que a transgressão da fidelidade é utilizada como
um mote pelo TV Fama. Além disso, ao denunciar a infidelidade, o programa acaba
reafirmando a fidelidade enquanto um valor.
Na semana que analisamos, o TV Fama também traz uma matéria sobre o que
“rolou” no camarote da escola de samba Grande Rio, durante o desfile das escolas campeãs
do Rio de Janeiro. Quando cobrem eventos desse tipo, os repórteres do programa
aproveitam para conversar com a maior quantidade de famosos presentes, e como a
conversa com cada personalidade tende a ser sobre um tema distinto, analisamos trechos de
uma mesma matéria em categorias diferentes. Dentro da categoria Affairs, o trecho que nos
interessa dessa matéria feita no camarote da Grande Rio é a conversa de uma repórter do
TV Fama com a também repórter e apresentadora Monique Evans. As duas conversam
sobre um beijo que Monique deu no ator André Gonçalves e que foi notícia em vários sites
de fofoca.
Monique Evans: É, com ele foi beijo mesmo. Eu dou beijo em todo mundo de
selinho, ele também. Agora, foi um beijo mesmo, que eu não beijava há um
tempão. O cara beija bem.
Repórter: Olha, vai se comprometer.
M: Da onde ele é?
R: Daqui do Rio, tromba comigo todo dia. Sou do Rio.
M: Hum.
R: Ele é casado.
M: Aaaaaa, ele é casado. Tá. (A conversa é encerrada).
(TV Fama – 11/02/2008 – grifos nossos)
40
Monique demonstra interesse no ator, conta que ele beija bem. Mas a outra repórter
adverte: “vai se comprometer”. Monique parece não entender a deixa e pergunta de onde
ele é, a outra repórter diz que ele é do Rio de Janeiro e completa: “Ele é casado”. Nesse
momento Monique Evans encerra a conversa: “Aaaaaa, ele é casado. Tá”. Esse “tá” soa
como um “tudo bem, não toco mais no assunto”, propondo que o envolvimento com uma
pessoa casada não é bem visto.
Dentro desse tema relacionamentos, há duas notícias sobre o participante do Big
Brother Brasil 8, Rafinha. Na primeira, veiculada no dia 12/02/08, uma repórter do TV
Fama vai as ruas e pergunta para as pessoas se elas acreditam que Rafinha vai continuar
fiel à sua namorada, que não participa do reality show, mesmo com todas as mulheres da
casa investindo nele. A maioria das pessoas entrevistadas responde que sim. A repórter
também pergunta a algumas meninas se elas namorariam o BBB, as respostas mais uma vez
são afirmativas. Em seguida entra o seguinte off:
Off: Assim que começou o jogo todas as apostas estavam no corpão sarado de
Fernando, aquele que iria pegar todas dentro da casa. Até que Fernando não se
saiu mal nessa história não, pegou a super Natália. Mas ele não percebeu ainda
que sua namorada dentro da casa dá um mole daqueles para o todo tímido
Rafinha. Em um mês de confinamento, Rafinha não se rendeu ao charme das
sisters e se manteve fiel à sua namorada de três meses. E olha que as investidas
das moças são pesadas.
(TV Fama – 12/02/08 – grifos nossos)
Num primeiro momento, o programa questiona se Rafinha irá continuar fiel à
namorada com tantas mulheres tentando seduzí-lo. Ainda que os participantes do Big
Brother sejam filmados 24h por dia, nas edições anteriores, muitas pessoas que entraram na
casa namorando arrumaram outros namorados durante o reality show. O TV Fama encara a
atitude de Rafinha como diferente da habitual. Além disso, o programa dá a impressão de
estar apenas esperando um deslize do garoto para noticiar, até porque, como já dissemos, a
transgressão à fidelidade costuma ser um mote para o programa. Perguntar as meninas nas
ruas se elas namorariam Rafinha é uma forma de saber se o moço tímido também faz
sucesso fora da casa.
No off transcrito acima, o TV Fama deixa claro que inicialmente apostou em
Fernando, mais especificamente no seu corpo sarado, como “aquele que iria pegar todas
dentro da casa”. Rafinha é mirrado, magrinho e tem cara de adolescente. Há um
41
estranhamento por parte do programa que as mulheres invistam em Rafinha e não em
Fernando, que tem um corpo ideal.
A segunda matéria sobre Rafinha, logo na cabeça, diz que, mesmo dentro da casa do
BBB, ele já é capa de revista24. E levanta a seguinte questão: o que Rafinha tem para atrair
a mulherada? Abaixo um resumo da matéria:
Off: Pouco mais de um mês depois da estréia, o Big Brother 8 pode já ter
definido o grande vencedor. Trata-se de Rafinha, o verdureiro de Campinas, no
interior de São Paulo. O garoto com seu jeitinho meigo está conquistando o
público, principalmente o feminino, é claro [...].Todas disputam de alguma forma
a atenção do garoto [...]. É, mas por enquanto foi tudo em vão, Rafinha, que
entrou no Big Brother namorando uma estudante de 21 anos, chamada Luíza, se
manteve fiel.
(TV Fama – 14/02/08 – grifos nossos)
O programa indica o garoto como provável campeão do reality show25 e aponta o
seu “jeitinho meigo” como um atrativo para a conquista do público feminino. Diz também
que, apesar de todas as mulheres disputarem sua atenção, ele continua fiel à namorada
Luíza. Olhando em conjunto para as duas matérias a respeito de Rafinha, é possível dizer
que, segundo o programa, além de atrair por seu jeitinho tímido e meigo, ele também atrai
por sua fidelidade. É como se essas características de Rafinha servissem de compensação
para o fato de ele não ter um corpo como o de Fernando.
Uma outra notícia veiculada pelo TV Fama cujo tema é relacionamentos, trouxe a
seguinte cabeça:
Adriana Lessa: Ô gente, por que que tem homem que fica com mais de uma
mulher, várias mulheres ao mesmo tempo? Agora por que que tem um cantor aí
que revelou que já fez sexo com mais de 500 homens? E olha que ele é casado,
hein. Confira!
(TV Fama – 14/02/08 – grifos nossos)
A matéria diz que o cantor George Michael afirmou ter transado com mais de 500
homens em sete anos, sendo que ele é casado há 12. “Se bem que ele afirmou que sua
relação é aberta, mas mesmo assim 500 é demais, né”.
O programa continua:
24
25
A Capricho fotografou o BBB para ser capa de uma de suas edições.
O que se concretizou. Rafinha levou o prêmio de R$1 milhão do Big Brother Brasil.
42
Off: Agora que George Michael afirma ter esse currículo tão avantajado, aqui no
Brasil nós também temos ótimos pegadores, se bem que eles preferem adotar o
estilo “comer quetinho (sic)”.
(TV Fama – 14/02/08 – grifos nossos)
Para finalizar, o TV Fama faz uma lista dos famosos brasileiros que já ficaram com
muitas mulheres conhecidas.
Logo na cabeça da matéria, o programa questiona o fato de alguns homens ficarem
com várias mulheres ao mesmo tempo e também o fato de George Michael ter afirmado
que já fez sexo com mais de 500 homens, mesmo sendo casado. O programa conta que o
relacionamento do cantor é aberto, o que permitiria o envolvimento dele com outras
pessoas, mas também julga 500 como um número grande. É como se o programa
estipulasse um limite para sua atitude do cantor não ser caracterizada como promíscua.
Todavia, ao final da matéria, o TV Fama diz que “no Brasil nós também temos ótimos
pegadores” e faz uma lista de brasileiros que são conhecidos por terem ficado com muitas
mulheres, como uma disputa para provar quem ficou com mais gente. O programa não faz
apreciações a respeito da homossexualidade do cantor. E, se num primeiro instante julga o
fato de ele ter transado com 500 homens um exagero, utiliza-se do mesmo número para
fazer comparações com brasileiros. Desse modo, acaba reafirmando a figura do homem
enquanto um conquistador.
No dia 13/02/08, o TV Fama noticia:
Adriana Lessa: E a bela Yasmin Brunet, que este ano não participou do carnaval
fez uma declaração de amor. Para quem? Angelina Jolie. Confira!
(TV Fama – 13/02/08)
Após a leitura dessa cabeça por Adriana Lessa, a matéria entra ao ar alertando Brad
Pitt, o marido de Angelina Jolie, a abrir bem os olhos para não perder sua esposa para outra
mulher. O programa lembra que não é novidade o fato de Angelina ter uma “quedinha” por
mulheres, a surpresa está na paixão da modelo Yasmin Brunet, de 19 anos, por ela. A
jovem modelo é caracterizada como alguém que “diz o que pensa e faz o que quer”. O TV
Fama cogita o que Luíza Brunet, mãe de Yasmin, pensa do caso. E conclui que a mãe já
deve estar acostumada,
43
Off: ...afinal, a modelo já mostrou ser descoladinha pessoal e profissionalmente.
Recentemente, por exemplo, a lolita posou para uma revista francesa com os
seios à mostra e tirando a calcinha. Apesar de o ensaio ter gerado polêmica, a foto
foi um sucesso entre os rapazes. Agora, será que a Angelina também viu?
(TV Fama – 13/02/08 – grifos nossos)
Quando Adriana Lessa lê a cabeça da matéria, faz um certo suspense antes de
revelar que a declaração de amor da modelo Yasmin foi para a atriz Angelina Jolie. O tom
da locução é o tempo todo irônico. O programa fala da “quedinha” de Angelina por
mulheres, e da possível homossexualidade de Yasmin como algo que foge da
“normalidade”. A ironia encima desses fatos revela um fundo preconceituoso no tratamento
que o programa dá a homossexualidade.
Um dia depois o TV Fama traz uma matéria dizendo que as polêmicas sobre
participantes gays dentro do Big Brother Brasil são muitas e “a cada dia surge um novo
suspeito” (TV Fama – 14/02/08). Na cabeça da notícia, Adriana Lessa questiona: “Thati
Bione, será que ela saiu do armário?”. Esse questionamento também aparece nas legendas
que são exibidas no decorrer da matéria: “Será que ela é? Thati Bione revela que sua alma
gêmea é uma mulher” e “Alma gêmea! Thati Bione ganha prêmio e leva ‘amiga especial’
para dentro do BBB”26. O programa conta que tudo começou quando Thati atendeu um
telefonema no reality show e pôde escolher uma pessoa par visitar a casa do BBB. Ela
escolheu sua amiga Thessa. As duas não tiveram contato e Thati chorou muito de emoção
com um cartaz que a amiga levou em que estavam escritas suas qualidades. Segundo o TV
Fama, boatos sobre a sexualidade da BBB começaram a se espalhar em blogs e no orkut. A
justificativa para isso, de acordo com o programa, seria o fato de Thati ter um
comportamento moleque, gostar das brincadeiras de menino, como o futebol, por exemplo,
e durante os seus pileques ter demonstrado “muito pouco pudor e até xixi no chão do quarto
a moça fez”. A matéria diz, também que a mãe de Thati, “não gostou nada a respeito das
insinuações a respeito da homossexualidade da filha”.
Ao enunciar que as polêmicas sobre os participantes gays dentro do Big Brother são
muitas, o TV Fama aponta para a existência de opiniões controversas a respeito desses
participantes. Ademais, trata o possível gay como “suspeito”, palavra que normalmente é
26
No programa as legendas aparecem escritas em caixa alta, como se gritassem. Aqui optamos pela utilização
de maiúsculas e minúsculas para uma visualização mais uniforme no texto na página.
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associada a acusados criminais. A locução da cabeça e a forma como as legendas são
redigidas são bastante irônicas. Ademais, falam de Thati afirmando diferenças entre o
mundo de meninos e meninas e, além de a caracterizarem como alguém que está mais no
mundo dos meninos, assinalam a sua falta de pudor. Assim como na matéria a respeito de
Yasmin, a homossexualidade é colocada como uma orientação sexual que foge do habitual.
O programa, inclusive, diz ao final da matéria que a mãe da BBB não gostou das
insinuações a respeito da homossexualidade de Thati. Brincadeiras de mau gosto com o
comportamento de Thati e legendas que ficam insinuando sua homossexualidade revelam,
assim como na matéria a respeito de Yasmin, certo preconceito por parte do TV Fama.
Em outra matéria cujo tema é relacionamentos, veiculada no dia 12/02/08, o
programa especula que a apresentadora Xuxa e o ator Luciano Szafir, pai de sua filha
Sacha, estariam juntos novamente. E que, inclusive, Xuxa costuma ir ao trabalho de Szafir
com a filha. A matéria explica que no meio da gravidez o casal se separou e Luciano
acompanhou a criação da menina de longe. Mas agora, o casal é visto junto
freqüentemente, e a filha é apontada como o motivo da união da família.
Off: Uma das últimas aparições públicas deles foi na primeira comunhão da
garota, Xuxa e Szafir chegaram juntos e assistiram à cerimônia atentos. No final
foram embora juntinhos. Agora é esperar para ver se num futuro próximo eles
assumem de vez que se amam para viver felizes para sempre.
(TV Fama – 12/02/08 – grifos nossos)
Tendo por base encontros de Xuxa com Szafir, o programa especula que o ex-casal
estaria junto novamente. Conta, por exemplo, que Xuxa costuma ir ao trabalho do ator com
a filha, atitude que não é comum quando os pais são separados. O programa diz, ainda, que
apontar Sacha como o motivo da união da família pode ser apenas um pretexto para que os
dois se encontrem. De qualquer modo, o tom dessa matéria é de aprovação da possível
volta do casal. O programa acaba valorizando a família em que os pais vivem juntos como
a situação ideal para criar um filho. Há praticamente uma torcida para que Xuxa e Szafir
reatem o relacionamento, para que eles sejam “felizes para sempre”, o que é típico do amor
romântico.
No dia seguinte a essa matéria sobre Xuxa e Szafir, Nelson Rubens enuncia:
45
Nelson Rubens: Juliana Paes, lá vem a bomba, pode estar grávida antes do
casamento.
(TV Fama – 13/02/08) – grifos nossos)
O programa explica que uma barriga mais saliente do que o normal poderia ser um
indício de que Juliana Paes e Carlos Eduardo Batista teriam feito uma encomenda para a
cegonha, já que a atriz sempre teve um corpo enxuto. E continua:
Off: Outro indício de que Juliana Paes estaria mesmo grávida é o casamento
marcado para o primeiro semestre deste ano. O casal está apenas esperando uma
data livre numa igreja do Rio de Janeiro para oficializar a união.
(TV Fama – 13/02/2008 – grifos nossos)
Mas, segundo o programa, Carlos Eduardo declarou que “primeiro eles planejam se
casar e depois vão pensar em filhos”.
Ainda que as mulheres engravidem solteiras, Nelson Rubens anuncia como “uma
bomba” a possibilidade de Juliana Paes estar grávida antes do casamento. Um dos indícios
de gravidez seria uma barriga um pouco saliente, como se uma barriga um pouco maior
fosse inadmissível no mundo das celebridades, que têm que ter um “corpo enxuto”, como
era o de Juliana antes da suspeita. O casamento é apontado como mais um indício para a
gravidez, pois ainda é comum que casais de namorados se casem quando descobrem que
terão um filho. No final da matéria o noivo desmente a gravidez e afirma que vão casar e
depois ter filhos. A apreciação de Nelson Rubens da possível gravidez como uma bomba, a
marcação do casamento, e a declaração final do noivo, acabam dizendo que o mais
adequado é se casar e depois pensar em filhos.
O TV Fama também traz uma notícia sobre a possibilidade de a modelo Gisele
Bündchen estar viajando para se casar às escondidas. A matéria inicia com especulações a
respeito do local da cerimônia. Ao final, contudo, conta que a viagem com o namorado, que
é jogador de futebol americano, tinha outro motivo: “as más línguas dizem que o casal se
confinou na Costa Rica para ajudar Tom a esquecer a derrota de seu time na final mais
importante de futebol americano do país dele” (TV Fama – 12/02/2008 – grifos nossos).
Inicialmente, ao dizer de um possível casamento “secreto”, o programa joga com a
idéia de revelar algo que seria feito às escondidas, de contar ao telespectador algo que ele
não saberia em outro lugar. Mas ao final da matéria descobrimos que o motivo da viagem é
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outro. Gisele queria ajudar seu namorado, queria cuidar dele. Ainda que sejam as “más
línguas” a fonte da notícia, o zelo com o outro aparece enquanto importante dentro de um
relacionamento. É comum que o programa utilize-se das “más línguas” quando não nomeia
suas fontes, além disso, é uma forma de se isentar do comentário maldoso de que Tom
estaria sofrendo com o fracasso de seu time em um campeonato importante.
Uma matéria a respeito da atriz Grazi Massafera, veiculada no mesmo dia dessa
sobre Gisele Bündchen, traz a seguinte cabeça:
Íris Stefanelli: A Grazi Massafera vai revelar como que ela faz pra descontar a
raiva que ela passa com o namorado. Dá só uma olhada.
(TV Fama – 12/02/08)
A notícia conta que Grazi brilhou a frente da bateria da Grande Rio e está ainda
mais bonita na capa de uma revista feminina. Tendo por base a entrevista que Grazi
concedeu a essa revista o programa conta que quando está de TPM ou magoada com o
namorado a atriz desconta a raiva na academia. Outro segredo, é que para manter Cauã
apaixonado ela está sempre “cheirosa, disposta, bem humorada”. Para terminar o TV Fama
indaga: “É, diz aí, Cauã é mesmo um homem de sorte, hein!”.
Essa matéria também promete revelar algo desconhecido, segredos de Grazi
Massafera. São atitudes simples da atriz – como evitar brigas, estar bem cuidada para o
outro, ter bom humor – que ela atribui como importantes para viver bem com o namorado.
Este, por sua vez, é considerado um homem de sorte por ter uma namorada que pensa dessa
maneira.
Uma outra matéria a respeito de Grazi Massafera, veiculada no dia anterior, cobria a
sua participação no desfile das escolas de samba campeãs do Rio de Janeiro. A repórter do
TV Fama conversa com a atriz até o momento que ela entra na avenida. Quando isso
acontece, a repórter aproveita para falar com o seu namorado, o ator Cauã Reymond. Num
dos trechos da matéria, o programa quer saber como o ator cuidou dos machucados de
Grazi em decorrência da fantasia, sandália e do desfile de carnaval.
Repórter: O que você fez pra curar a Grazi durante essa semana pra ela se
recuperar?
Cauã: Ah, o normal. Água oxigenada, passou um mertiolate. Só.
R: E deu carinho, fez massagem pra curar?
C: Isso não te interessa, interessa eu e ela.
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R: Ah, não custa falar pra gente.
C: Ah, custa sim, minha intimidade. Eu guardo ela bem, com carinho.
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
Enquanto o programa joga com o fato de fazer revelações, contar segredos, Cauã
prefere não falar de sua vida pessoal. Quando o programa quer saber se ele deu carinho à
namorada para que seus machucados curassem, o ator responde que isso só diz respeito aos
dois. Cauã valoriza a intimidade e diz guardá-la com carinho. Ele limita os aspectos de sua
vida que são contados publicamente.
Numa de suas notas cujo tema também é relacionamento, o programa enuncia:
Off: Kadu Moliterno foi visto nos camarotes do carnaval do Rio de Janeiro com
uma nova namorada. Visivelmente uma mulher bem mais jovem do que ele. Pelo
sorrisão de Kadu parece que ele nem se lembra mais dos problemas que teve com
a ex Ingrid Saldanha.
(TV Fama – 11/02/2008).
Falando do novo amor Kadu e do sorriso que o ator trazia no rosto, o TV Fama
lembra que o ator foi acusado de bater em sua ex-mulher. Nesse momento exibem imagens
da época em que as agressões ocorreram, em que Ingrid aparece com os olhos roxos.
Apesar de não aprofundarem, tocam no assunto da violência contra a mulher.
Na última notícia que vamos tratar dentro desta categoria, o TV Fama anuncia que
Marcelo Frisoni, marido da apresentadora Ana Maria Braga, estava sendo procurado pela
polícia por não pagar pensão alimentícia para os filhos de seu antigo casamento. Em
entrevista ao programa, a ex-mulher conta que, além de não pagar pensão, Frisoni é uma
pessoa agressiva, que já a atacou fisicamente. Uma das legendas do TV Fama é: “Polêmica!
Ex-mulher diz que Marcelo Frisoni não paga pensão e é violento” (TV Fama – 11/02/08).
Nessa matéria, partindo do caso do marido de Ana Maria, o programa acaba falando
de atitudes desviantes como o não pagamento de pensão alimentícia e a violência.
Observando em conjunto essas duas últimas matérias, percebemos que o programa reafirma
a violência como algo negativo e as atitudes agressivas como desviantes.
Retomando o que vimos nesta categoria, percebemos que ao abordar o tema
“relacionamentos”, o TV Fama costuma prometer a revelação de algum segredo das
celebridades. Já que é bastante comum que os famosos não queiram falar de aspectos
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íntimos de suas vidas. Nas matérias normalmente não há entrevistas com as personalidades.
O programa tende a não nomear suas fontes e a se basear no que “ouviu dizer por aí”.
De um modo geral, no tratamento desse tema, é recorrente que o TV Fama aborde
desvios de comportamentos “normais” de forma bastante irônica. Dessa maneira,
ironizando a infidelidade, acaba reafirmando a fidelidade enquanto valor; ao ironizar
relacionamentos homossexuais, mostra um fundo de preconceito com o assunto; ao tratar a
agressão física enquanto uma atitude desviante, reafirma a importância de se tratar bem o
outro.
4.1.2. Pra lá de sensual
Não é incomum ouvir celebridades dizerem: “tenho que cuidar do meu corpo,
porque ele é meu instrumento de trabalho”. Mas isso não seria válido para qualquer pessoa?
De que se trata esse “cuidar do corpo” dos famosos? Nesta categoria iremos trabalhar com
o que o TV Fama fala dos corpos das personalidades, com o que eles podem ter de especial.
No programa do dia 11/02/08, o TV Fama noticia:
Adriana Lessa: Talita faz um ensaio pra lá de sensual e mostra tudo o que você
não viu na casa mais famosa do Brasil. Olha, essa ruiva é uma verdadeira
pimenta. Confira!
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
A matéria referente a essa cabeça conta que Talita fez um ensaio sensual em que
mostrou um pouco mais do que os telespectadores viram no Big Brother Brasil 8. As fotos
do ensaio vão sendo descritas em off: “ao lado de uma piscina, ela fez caras e bocas”, “um
strip-tease básico também faz parte dos fetiches”. Essa seqüência é quebrada com o
comentário: “Repare que o sapato é bem maior do que o pé dela, erro da produção que
armou o ensaio”. Mas depois continua: “E o que dizer dessas fotos na banheira no melhor
estilo ‘sou poderosa’? Sensacional!”.
A fala “pra lá de sensual” é recorrente em muitas notícias cujo tema é “corpo”. Ela
tende a ser usada para caracterizar ensaios fotográficos dos famosos. A locução dessa
matéria se dá em um tom elogioso, aprovando a sensualidade que transparece nas caras e
bocas da ex-BBB, em seu strip-tease. Contudo, o programa critica o fato de o sapato usado
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por Talita ser maior do que seu pé. É um modo de “cutucar” a ex-participante de reality
show que virou celebridade há pouco tempo.
No mesmo dia da notícia sobre o ensaio sensual de Talita, uma matéria traz a
cobertura dos famosos presentes no camarote da Grande Rio no desfile das escolas de
samba campeãs do Rio de Janeiro. Já comentamos um trecho dessa matéria na categoria
Affairs. Neste momento vamos falar de um trecho da entrevista realizada com a atriz Paola
Oliveira:
Repórter: E você só recebeu elogios, Paola. Tanto pelo desempenho na avenida
quanto pelo corpo. Você escutou esses comentários?
Paola: Não, eu vi gente falando “mas ela samba, e é loira”. Eu achava engraçado.
Mas foi muito bom. Eu agradeço os elogios.
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
A repórter comenta com a atriz dos elogios do público pelo seu desempenho no
carnaval e pelo seu corpo. A atriz agradece os elogios, e diz que o que lhe chamou atenção
foram pessoas falando “mas ela samba, e é loira”. Isso acaba lembrando o pensamento
popular de que o samba é para as mulatas e de que loira não sabe sambar. No que diz
respeito ao corpo de Paola Oliveira, que foi admirado durante o carnaval, trata-se de um
corpo bem delineado, com curvas.
Ainda no dia 11/02/08, há uma matéria gravada no mesmo local e dia da matéria
anterior, mas veiculada independente dela. A notícia é sobre a atriz Grazi Massafera, rainha
de bateria da Grande Rio, que, segundo anuncia o TV Fama, “arrasou no desfile das
campeãs, mas saiu de lá machucada”. Também já comentamos um trecho dessa notícia na
categoria Affairs, uma conversa com o ator Cauã Reymond, namorado de Grazi, quando a
atriz entra na avenida para desfilar. A matéria inicia com a passagem da repórter:
Repórter: Mais uma noite de estrela para Grazi Massafera, que foi eleita por
muitos, a rainha de bateria mais bonita de 2008. Mesmo cansada e machucada,
ela prometeu que não iria fazer feio no desfile das campeãs.
(TV Fama – 11/02/2008 – grifos nossos)
Depois da passagem, entra um off comentando que a chegada da atriz ao camarote
da escola foi tumultuada e, em seguida, a repórter segue conversando com Grazi enquanto a
atriz caminha até o vestiário em que iria se arrumar. Nesse momento, a atriz conta que
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chegou atrasada por conta do trânsito. A repórter diz a Grazi que ela arrasou no desfile, a
atriz agradece e entra no vestiário para se arrumar.
Quando Grazi sai do vestiário a repórter pergunta se ela está tranqüila para desfilar a
beleza da escola. A atriz responde que não está, pois está com os ombros arranhados e com
o pé enfaixado porque se machucou com a fantasia e adereços utilizados durante o
carnaval. Grazi comenta que o seu pé estava doendo e entra na avenida.
Logo no início da matéria o programa comenta que Grazi foi eleita por muitos a
rainha de bateria mais bonita do carnaval de 2008. Grazi tem cabelos longos, loiros e um
corpo bem torneado. No decorrer da matéria, mais elogios são feitos à atriz, a repórter conta
que Grazi “arrasou”. O interessante é que mesmo que mostrem um lado comum de Grazi –
ela se machucou no carnaval, ficou presa no trânsito, estava com o pé doendo -, o seu lado
especial, principalmente no que diz respeito à beleza, tende a ser colocado em evidência
pelo TV Fama.
Outras duas matérias dentro desta categoria são sobre um ensaio da atriz Mônica
Carvalho para uma revista masculina. A primeira delas, veiculada em 11/02/2008, conta
que a atriz posou nua pela terceira vez e comenta que suas curvas continuam “exuberantes”
mesmo depois de Mônica Carvalho ter sido mãe. “Segundo a atriz, ela chegou a engordar
14 quilos. É, mas a bela não perdeu tempo e voltou rapidinho à antiga forma”.
Nessa matéria, quando noticia que as curvas de Mônica Carvalho continuam
exuberantes, o programa acaba valorizando o tipo físico da atriz. O corpo de Mônica é
colocado como modelo mesmo para as mulheres que tiveram filhos. O programa considera
uma perda de tempo demorar a voltar à forma perfeita.
Na segunda matéria sobre Mônica Carvalho, veiculada em 14/02/08, o TV Fama
fala da noite de autógrafos da revista para a qual a atriz posou. Na passagem da repórter, o
TV Fama diz que não é qualquer pessoa que é convidada para posar nua por três vezes, isso
se deve ao “corpo perfeito” da atriz, que “mostra que está com tudo em cima”. O programa
fala que Mônica Carvalho é mãe e mesmo assim é sensual e dona de um corpo bem
delineado: “Para quem não sabe, Mônica já é mamãe de Yaclara, de três aninhos. Dá pra
acreditar?”.
A repórter também conversa com a atriz a respeito da escolha das fotos para a
revista:
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Repórter: Teve alguma coisa que você escolheu, tipo assim, que tal fazer assim
agora? Deu alguma sugestão na hora?
Mônica: Ah, sim, em tudo. Tinha uma pose, eu pedia pra ver na hora como
estava. Porque assim, eu queria ter esse cuidado. Minha preocupação era de
realmente não fazer fotos que ficassem vulgares, porque aí muda um pouco do
conceito. Todas as fotos fui eu que aprovei, nem sairia. Então eu tenho esse
cuidado, assim.
(TV Fama – 14/02/08 – grifos nossos)
Nessa cobertura da noite de autógrafos o programa volta a falar do “corpo perfeito”
de Mônica, que “está com tudo em cima”. Lembra novamente que a atriz é mãe, mas
continua tendo um corpo bem delineado. Quanto à escolha das fotos, percebemos uma
preocupação de Mônica Carvalho em não veicular nada que parecesse vulgar, que não era
esse o conceito que ela queria passar em seu ensaio. Por isso teve o cuidado de aprovar
cada foto.
Nas duas matérias sobre Mônica Carvalho percebemos um destaque por parte do
programa que mesmo as mulheres que tiveram seus corpos alterados pela gravidez podem
ter um físico bem delineado. Essas mulheres também podem voltar a ter corpos esculturais
e não precisam deixar de ser sensuais por conta da maternidade.
Em 13/02/08 o TV Fama traz uma notícia sobre a participante do Big Brother Brasil
8, Juliana. O programa conta que ela estava dentro da casa e já tinha uma revista masculina
querendo convidá-la para posar nua.
Off: E a história se repete. Basta uma bonitona entrar no Big Brother que as
revistas masculinas já ficam de olho, só esperando a sister sair do programa.
Nesta edição não está sendo diferente. E sabe quem é a mais cobiçada pelas
publicações? Juliana. Uma famosa revista masculina não vê a hora da santista ser
eliminada logo logo do jogo para assinar o contrato e mostrar suas belas formas.
E é bem provável que Juliana assine mesmo com a tal revista, já que ela, antes
mesmo de entrar para o BBB posou par um site em fotos sensuais como a musa
do Vasco.
(TV Fama – 13/02/08 – grifos nossos)
Nessa notícia o programa comenta que as revistas masculinas cobiçam as
“bonitonas” do Big Brother para convidá-las para posarem nuas. Eles contam que a
cobiçada da última edição do reality show é Juliana, cujo corpo tem curvas bem definidas.
Segundo o TV Fama, ela tem “belas formas”, que já lhe renderam fotos sensuais como
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musa do Vasco. O corpo de Juliana rende vários comentários positivos, e dada a sua
adequação ao que é valorizado em revistas masculinas, também pode lhe render trabalhos.
No mesmo dia dessa matéria sobre Juliana, o programa traz uma matéria a respeito
de um desfile de moda. Aqui vamos comentar apenas o trecho em que a modelo Caroline
Bittencourt foi entrevistada.
Repórter: Você está belíssima, num vestido curtíssimo, o salto altíssimo. O
Álvaro não fica com ciúmes não? Porque você chega e pára a festa.
Caroline Bittencourt: Não, ele já acostumou.
(TV Fama – 13/02/08 – grifos nossos)
No pequeno trecho transcrito acima percebemos que o TV Fama caracteriza a
modelo como “belíssima”, como alguém que “chega e pára a festa”. Caroline é loira, tem
cabelos longos e, apesar de ser modelo, seu corpo não é completamente magro. Ela tem
pernas compridas e bem torneadas que são destacadas pelo seu “vestido curtíssimo” e seu
“salto altíssimo”. Como as outras mulheres que são elogiadas pelo programa, ela também
exibe um corpo bem delineado.
Na semana que examinamos o TV Fama, duas matérias tratavam de ensaios sensuais
masculinos. Uma sobre o jogador de futebol Alexandre Pato, em 12/02/08, e outra do ator
Cláudio Andrade, em 13/02/08.
Sobre Alexandre Pato a cabeça era a seguinte:
Adriana Lessa: Agora é hora de falar de Alexandre Pato, o namorado da
Sthefany Brito, pois é, ele fez um ensaio pra lá de sensual na Itália. E olha, eu
tenho que admitir, isso sim é que é bater um bolão. Confira!
(TV Fama – 12/02/08)
Em seguida a matéria explica que o jogador está em alta e que, além de brilhar no
campo de futebol, está brilhando no campo da moda. O TV Fama conta que Pato foi um dos
escolhidos para estampar o calendário de uma grife italiana e que este foi o primeiro ensaio
sensual do atacante. Para concluir o programa enuncia:
Off: É mulherada, vamos combinar que no quesito namorado, Sthefany Brito está
muito bem servida, não é mesmo?
(TV Fama – 12/02/08)
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Mais uma vez o programa utiliza a frase “pra lá de sensual” para comentar um
ensaio. Além disso, diz que o jogador “bate um bolão”, no sentido de ter ficado muito bem
nas fotos. O corpo de Pato é atlético, com músculos bem trabalhados. Tendo por base o
ensaio do jogador, o programa brinca com o fato de sua namorada estar “muito bem
servida”. Em conjunto, esses comentários acabam atribuindo valor à forma física e à
sensualidade de Pato.
A matéria sobre Cláudio Andrade é anunciada por Íris Stefanelli:
Íris Stefanelli: Ator que já fez cena picante com Camila Pitanga posa peladão. E
olha, ele mostra os músculos de trabalhador braçal, hein. Assista!
(TV Fama – 13/02/08)
E começa com a descrição do ator:
Off: Ele tem um corpo sarado, sorriso largo e um olhar penetrante. Sabe de quem
estamos falando? De Cláudio Andrade, esse ator pernambucano de 24 anos, que
este mês, deixou os estúdios de gravação para virar capa de uma revista de nu
masculino.
(TV Fama – 13/02/08)
Depois o programa comenta as fotos do ensaio e os trabalhos que Cláudio Andrade
desempenhou na televisão.
Num primeiro momento o programa parece fazer um suspense a respeito de que ator
posou nu. Além de não ser identificado na cabeça lida por Íris, o início da matéria descreve
suas características – “corpo sarado”, “sorriso largo” e “olhar penetrante” –, comuns a
muitos olimpianos, e questiona “sabe de quem estamos falando?”. Somente depois desse
momento que sabemos que a matéria se trata de Cláudio Andrade. Ele não ganhou
notoriedade por conta de seu trabalho como ator. Sua aparição no programa se dá
justamente por ter sido capa de uma revista masculina. E se Cláudio Andrade não é
celebridade, é preciso aproximá-lo de um famoso, por isso o programa chama atenção para
o fato de ele ter contracenado com Camila Pitanga.
No dia 12/02/08, o TV Fama noticia que o elenco da novela Sete Pecados se reuniu
numa churrascaria do Rio de Janeiro. O motivo do encontro não é comentado. Como já
dissemos que ocorre na maior parte das coberturas de eventos desse tipo, a repórter do
programa aproveitou para entrevistar vários famosos. Trechos dessa matéria têm a questão
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do corpo como tema. São as entrevistas que a repórter realizou com atrizes do núcleo da
novela que representava o pecado da gula, já que a novela trazia os sete pecados capitais.
Ao ser questionada sobre a sua personagem da novela, a atriz Rosane Gofman, que
é gorda, respondeu:
Rosana: Eu gostei muito da novela. Eu acho assim, o nosso núcleo deixou a
desejar. A informação que a gente teve é que o público recebeu mal o fato do meu
personagem xingar muito os gordinhos, de elefante, de hipopótamo. E na verdade
eu até concordo, eu acho que não é bacana não.
(TV Fama – 12/02/08 – grifos nossos)
Enquanto a atriz falava o programa estampou a seguinte legenda: “Xô preconceito!
Rosana Gofman fala do seu personagem que xinga gordinhos” (TV Fama – 12/02/08).
Na resposta de Rosana Gofman percebemos que ela ficou insatisfeita com a forma
como sua personagem tratava as pessoas gordas do núcleo da gula. Xingamentos como
“elefante” e “hipopótamo”, que não aparecem somente na ficção, são vistos como
preconceituosos por ela. A legenda do programa também diz “Xô preconceito”.
Essa discussão envolvendo o núcleo da gula de Sete Pecados continua em entrevista
com outras duas atrizes gordas que participaram da novela, Valéria Sândalo e Carina Porto.
Valéria: Na verdade eu acho que é sim pra falar de gordo, de gorda, não tem, não
tem essa coisa de cheinho, é gordo. É como moreninho, não é, é negro, é loiro. Eu
acho que não deve ter medo ou usar eufemismo. Eu sou gorda e não tenho o
menor problema de falar, não tenho vergonha. Se eu tivesse vergonha eu seria o
quê? Eu seria uma profissão que eu me escondesse, eu não seria atriz. É uma
profissão que você se expõe muito. E inclusive já fiz teatro nua, já posei nua 500
vezes. Então é isso.
Carina: Também falando sobre o que a Valéria falou, eu acho super, eu acho que
além de importante, eu acho que tem que ter essas características diferentes na
novela. O meu vizinho não tem o manequim 38, a minha mãe, a minha amiga da
faculdade. Eu acho superimportante abordar esse tema porque aproxima o público
do personagem, porque fica de igual pra igual, porque a minha vizinha se
identifica.
(TV Fama – 12/02/08 – grifos nossos)
Em suas falas, as atrizes Valéria e Carina lembram que, como elas, muitas mulheres
fora da televisão também são gordas. Mas pelo que as duas dizem percebemos que o gordo
na televisão ainda sofre preconceitos. Nas vozes das atrizes, que destoa da voz do
programa, percebemos um pedido de respeito para com as pessoas gordas.
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Numa matéria do dia 15/02/08, o programa realiza a cobertura da festa de
aniversário de um empresário famoso, que não é identificado. Uma das entrevistadas no
evento é a comediante Fabiana Karla. Antes de exibir a entrevista com Fabiana, o programa
anuncia em um off que a comediante tinha uma novidade para as mulheres um pouco mais
cheinhas:
Repórter: Você está querendo abrir uma loja de lingerie para as gordinhas?
Fabiana Karla: Pois é, porque o povo faz umas roupas... Umas coisas nada a
ver, sem graça pra gordinha. Não é isso não, a gente gosta de parecer um
bombom mesmo.
R: Tudo igual, né. Direito igual.
F: Pois é, só muda o tamanho.
(TV Fama – 15/02/08)
Fabiana Karla atenta para o fato de que as gordinhas também gostam de lingerie
sensual, o tamanho é maior, mas o modelo é o mesmo. Para ela, a mulher gorda também
pode se sentir bonita. A fala da atriz é complementada pela legenda “Alegria das gordinhas!
Fabiana Karla lança marca de lingerie para ‘cheinhas’” (TV Fama – 15/02/08).
Em conjunto, essas conversas com as atrizes gordas, falam do preconceito contra
seus tipos físicos e vêm para lembrar que não é porque são gordas que não merecem papéis
em novelas ou que não são mulheres sensuais. Ainda que o TV Fama traga legendas que
afirmam o que elas estão dizendo, suas vozes são dissonantes da voz do programa, que
defende como modelo para as mulheres, corpos bem torneados, com curvas bem
delineadas.
Em uma notícia sobre famosos se divertindo na ressaca de carnaval em Recife, o
programa conta que uma boa parte do elenco da novela Duas Caras estava por lá, conversa
com os atores sobre a novela, pergunta se eles aprenderam a dançar frevo e, ao final da
matéria, trecho cujo tema é o corpo de famosas, enuncia:
Off: E nesta história toda, cadê a Carolina Magalhães? Está lá em cima,
comendo, comendo e comendo. Como a balada foi puxada, Sheron também não
perdoou os quitutes do nordeste e caiu de boca. Mas quando ela percebeu que nós
estávamos de olho, tratou logo de se esconder. Pena, Sheron, desta vez você
perdeu, pois já estava tudo registrado.
(TV Fama – 12/02/08 – grifos nossos)
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Esse final da matéria, que exibe imagens da cantora Carolina Magalhães e da atriz
Sheron Menezes comendo guloseimas regionais, tem um tom de locução bem irônico.
Somado a isso, quando as duas famosas percebem que estão sendo filmadas, tentam se
esconder da câmera, apesar de minutos antes aparecerem dando tchauzinho. As duas têm
corpos que seguem o modelo defendido pelo programa. A ironia da locução do programa
acrescida do fato tanto da cantora quanto da atriz tentarem se esconder parece dizer que não
combina com elas o papel de comilonas.
Também dentro da categoria Pra lá de sensual o TV Fama traz, no dia 15/02/08,
uma matéria a respeito de um ranking dos famosos mais repuxados que circula na internet:
Off: A cantora Cher está em 5º lugar. Na época em que ela começou a repuxar
seu rosto o botox ainda nem existia, a técnica da vez era o fio de ouro. Cher fez
tantas, mas tantas cirurgias que ela já perdeu a conta do preço que valia seu rosto
de tanto ouro que tinha implantado. [...] Em quarto lugar fica Elza Soares. [...]
Elza esticou tanto sua pele com cirurgias e botox que suas sobrancelhas
arquearam, estão quase na vertical. A cantora Rosana sempre se sentiu como uma
deusa. O único problema é que ela não quis assumir as marcas do tempo [...].
Quinze anos após o auge do seu sucesso, a deusa se transformou numa mulher
biônica, totalmente diferente da cantora do amor e poder. Ângela Bismarchi é tão
conhecida pelas cirurgias que fez que, inclusive, entrou para o livro dos recordes
como a mulher mais repuxada do mundo. O amor da loira pelo bisturi é tão
grande que seu ex e seu atual marido são cirurgiões plásticos. [...] Agora Ângela
quer presentear seu marido com uma cirurgia de reconstrução do hímen. Acredite
se quiser, mas Ângela Bismarchi quer, através de uma plástica, virar mocinha em
todos os sentidos. E em primeiro lugar, claro, Michael Jackson. O cantor
americano conseguiu o que poucas pessoas tentaram, mudar de raça (sic)27.
(TV Fama – 15/02/08 – grifos nossos)
O tom de toda a matéria é bastante irônico. O programa critica duramente famosos
que fizeram cirurgias plásticas que não deram certo, que ficaram ainda piores depois das
intervenções cirúrgicas que tinham como objetivo deixá-los mais belos. Como podemos
visualizar acima, os comentários são muito pesados: “Cher perdeu o valor de seu rosto por
causa de tanto fio de ouro que implantou”, “Elza Soares ficou com as sobrancelhas
arqueadas”, “Rosana virou uma mulher biônica”. A matéria é inteiramente construídas com
comentários desse tipo.
Ao falar dos corpos das celebridades, percebemos que o TV Fama estipula modelos
ideais tanto para as mulheres quanto para os homens. Estes devem ter corpos malhados,
27
O programa utiliza equivocadamente o termo “mudança de raça”, no máximo Michael Jackson muda de
cor.
57
aquelas, corpos bem torneados, belas curvas. Destoando da voz do programa aparecem
falas de atrizes que são gordas e que advertem que sofrem preconceito por conta de não
exibirem corpos esculturais. Suas vozes vêm para dizer que grande parte dos corpos
comuns não vestem “manequim 38” e que, mesmo assim, podem ser sensuais Porém, a
intervenção delas não passa disso. Conforme já dissemos, o TV Fama aproveita os eventos
para entrevistar o maior número de celebridades presentes – e essas atrizes gordas
aparecem nesse tipo de cobertura. Apesar de suas falas nos chamarem a atenção, elas não
eram o foco das matérias. Geralmente, as notícias privilegiadas pelo programa abordam
ensaios sensuais de homens e mulheres com “tudo em cima”, homens sarados e mulheres
donas de um “corpão”.
4.1.3. Carreira
Assim que nos interessamos pelo TV Fama tínhamos a impressão de que o
programa falava de tudo, menos da vida profissional das celebridades. Entretanto, ao
examinarmos o programa com mais cautela, percebemos que a carreira profissional dos
famosos está entre os temas mais recorrentes na semana que recortamos para análise. Além
disso, é o único assunto sobre o qual as celebridades aceitam dar entrevista, ou pelo menos
falam a partir de suas assessorias de imprensa. Porém, as informações sobre o tema são
atravessadas a todo o momento por dados referentes ao comportamento dos famosos.
Numa matéria sobre a atriz Grazi Massafera, já comentada por nós nas duas
categorias anteriores, o TV Fama também entrevista o seu namorado, o ator Cauã
Reymond. No final da conversa com Cauã, a repórter pergunta sobre sua carreira e ele
responde: “Eu vou fazer a próxima novela das oito. Depois de Duas Caras” (TV Fama –
11/02/08).
Apesar de o trecho em questão ser muito pequeno, decidimos comentá-lo porque ele
vem logo depois que Cauã fala à repórter do TV Fama que a vida dele e de Grazi Massafera
não diz respeito ao programa28. O ator não comenta sua intimidade, mas não tem problemas
em revelar aspectos profissionais de sua vida.
28
Ver páginas 47-48.
58
Uma outra matéria dentro dessa categoria trata do afastamento do ator Fábio
Assunção da próxima novela das oito, Juízo Final. De acordo com o TV Fama, a assessoria
do ator afirma que problemas pessoais seriam a causa do afastamento. Logo após fornecer
essa explicação da assessoria, o programa enuncia:
Off: Vale relembrar o inesperado episódio ocorrido com o ator Fábio Assunção
no mês passado. O galã foi detido pela Polícia Federal de São Paulo após ser
pego num flat, acompanhado de um traficante de drogas. Até onde se sabe,
fornecia cocaína a Fábio todas as vezes que o ator vinha a São Paulo.
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
De acordo com a notícia, Fábio Assunção, na tentativa de esclarecer o fato, disse
que deu um depoimento sobre o qual não pode falar e que não lhe diz respeito diretamente.
A essa tentativa de esclarecimento o programa acrescenta:
Off: A família, amigos e fãs do galã esperam que Fábio recupere-se logo e volte a
brilhar na telinha.
(TV Fama – 11/02/08)
Nessa matéria o TV Fama joga o tempo inteiro com as informações que tem a
respeito do afastamento do ator. Se num primeiro momento traz a versão da assessoria de
imprensa, que diz que foram motivos pessoais que levaram Fábio Assunção a se afastar da
novela, em seguida lembra do episódio em que o ator foi pego em um flat com um
traficante de drogas e teve que prestar depoimento na Polícia Federal. Depois disso, entra
novamente com a versão do ator, que conta que o depoimento que prestou é de um caso que
não lhe diz respeito diretamente. Mas o TV Fama comenta que família e amigos torcem
pela sua recuperação, o que mais uma vez aponta que o envolvimento do ator com as
drogas seria a causa de seu afastamento da novela.
Conforme percebemos, há uma insistência por parte do programa de que o possível
comportamento indecoroso de Fábio Assunção seria a causa do afastamento do ator do
trabalho. Ao fazer isso, o programa lembra que o envolvimento com drogas pode trazer
prejuízos também na carreira. Quando comenta a torcida da família e amigos para que o
ator se recupere e “volte a brilhar na telinha”, é como se o decoro fosse apontado como um
dos ingredientes para o sucesso profissional.
59
O afastamento do ator da novela Juízo Final repercute durante a semana. No
programa do dia 13/02/08 é veiculada uma nota a respeito da possível substituição de Fábio
Assunção por Marcelo Anthony.
Off: O ator Marcelo Antony pode ser o substituto de Fábio Assunção na próxima
novela das oito, Juízo Final. Fábio pediu para sair da trama para resolver assuntos
pessoais. Vale lembrar que recentemente ele se envolveu num escândalo com um
suposto traficante. Agora a emissora tem que fazer uma escolha, confirmar
Antony na novela das oito ou manter o ator no elenco da próxima novela das seis,
Ciranda de Pedra.
(TV Fama – 13/02/08)
A legenda utilizada durante a veiculação da nota dizia: “Após episódio na Polícia
Fábio Assunção deve ser trocado por Marcelo Anthony” (TV Fama –13/02/08 – grifos
nossos).
Na nota, fala-se mais uma vez no episódio relacionado ao envolvimento de Fábio
com as drogas como o motivo de sua saída da novela. E essa visão do programa acaba
sendo reiterada pela legenda que deixa claro que foi após o episódio na Polícia que Fábio
Assunção teve que ser substituído.
Uma outra matéria do TV Fama noticia que o ator Alexandre Frota decidiu não
fazer mais filmes pornôs e, além disso, se tornou evangélico. Baseado numa entrevista
concedida pelo ator ao programa em 2006 e outra 20 dias antes da matéria em questão ir ao
ar, o programa diz que, deixando de ser ator pornô, Alexandre Frota teria se tornado um
novo homem, mais calmo e recatado, conforme podemos ver no trecho abaixo:
Off: Durante uma entrevista exclusiva ao TV Fama, em setembro de 2006,
Alexandre Frota declarou ter se tornado um novo homem, mais calmo e disposto
a deixar trabalhos pornográficos e trabalhos ousados de lado. E há cerca de 20
dias ele confirmou, em mais uma entrevista, sua postura recatada e arrependida.
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
São exibidos trechos das entrevistas em que o ator diz que se pudesse não teria feito
os filmes e que se arrepende de seu passado. Depois disso, o TV Fama avalia:
Off: Ok, parece que Alexandre Frota mudou, mas as más línguas diriam que
depois de ter recebido uma pequena fortuna qualquer um se arrependeria do
passado conturbado que teve. Certo? Mas o ator vai além em sua transformação
da água pro vinho. Frota se tornou evangélico. [...] Agora, cá entre nós, você
60
consegue imaginar Alexandre Frota caminhando rumo à igreja com uma bíblia
embaixo do braço?
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
O programa conta que, deixando de ser ator pornô e se tornando evangélico,
Alexandre Frota teria se transformado em um homem mais calmo e recatado. O TV Fama,
contudo, parece duvidar da mudança do ator e trata sua nova postura de forma irônica. O
programa reproduz uma postura comum que é a de criticar as pessoas que passam por
guinadas em suas vidas – no caso de Alexandre, de ator pornô a evangélico. Como se isso,
apesar de socialmente mais adequado do que ser ator de filmes pornográficos, fosse algo
difícil de imaginar.
No dia 13/02/08, o programa volta a falar sobre a transformação de Alexandre
Frota, mas numa notícia sobre o lançamento do CD gospel de Mara Maravilha. A cabeça da
matéria dizia:
Nelson Rubens: Ok, Ok. Só reclamando com o bispo. Mara maravilha, surpresa,
Alexandre Frota também é evangélico? Dá só uma olhada nessa matéria.
(TV Fama – 13/02/08)
Nesse momento, entram informações sobre o lançamento do CD de Mara Maravilha
e uma entrevista com a cantora:
Repórter: Como que foi sua transição, porque você teve sucesso, auge, aquela
coisa toda, aquele glamour e hoje você é uma cantora gospel, como você chegou
à Igreja evangélica?
Mara: Há treze anos. E esse CD tem treze músicas.
R: Por que alguns famosos, por exemplo, o último agora que se converteu foi o
Alexandre Frota.
M: A foi?
R: A minha pergunta é a seguinte, por que, como que acontece isso, por que
algumas pessoas não vão pro espiritismo, não vão pro catolicismo, vão pro
evangelismo. Você consegue me explicar isso?
M: É uma pergunta, você é repórter, eu estudei jornalismo dois anos, vou voltar.
Deus é soberano e ele nos dá livre arbítrio.
(TV Fama – 13/02/08 – grifos nossos)
Bem no anúncio da matéria, Nelson Rubens diz; “só reclamando com o bispo” e
comenta que Mara Maravilha ficou surpresa com o fato de Alexandre Frota ter virado
evangélico. O primeiro comentário do apresentador, coloca a presença de Alexandre Frota
na igreja evangélica como um motivo de reclamação por parte dos outros fiéis, insinuando
61
como um problema a convivência com um ex-astro pornô. Em seguida, ressalta surpresa
por parte de Mara Maravilha ao saber da mudança de Alexandre Frota. Todavia, quando
acompanhamos a matéria, percebemos que a repórter força o comentário sobre o assunto,
que não tinha nenhuma conexão com a entrevista, e a única apreciação que Mara Maravilha
traz a respeito da conversão de Alexandre Frota é: “A foi”. O peso dado pelo programa à
guinada na vida do ator não despertou interesse nem surpresa na cantora gospel.
Um dia depois, o programa noticia que “andaram espalhando por aí” que Alexandre
Frota virou evangélico, mas que isso não é verdade. Inclusive, “em 2006, o TV Fama
esteve na casa do ator e, numa entrevista exclusiva, Frota disse que respeitava muito todas
as religiões, mas que era ateu” (TV Fama – 14/02/08).
Nessa última notícia a respeito de Alexandre Frota, há uma tentativa do programa
de se isentar das notícias a respeito da conversão do ator. O programa diz que “andaram
espalhando por aí” que Alexandre Frota virou evangélico, mas não se inclui entre os que
divulgaram a informação. Ao fazer isso, desmente um fato errado dado pelo próprio
programa, mas também acaba reafirmando que o TV Fama estava correto em duvidar da
transformação de Alexandre.
Em outra notícia dentro desta categoria, o TV Fama promete revelações a respeito
da atriz Nathália Rodrigues. Veiculada no dia 11/02/08, a matéria é anunciada da seguinte
maneira na escalada: “Nathália Rodrigues é vista em prostíbulo, o que será que ela está
fazendo por lá?”.
Abaixo um resumo da matéria:
Off: A ex-prostituta Raquel Pacheco, mais conhecida como Bruna Surfistinha,
terá sua história contada no cinema. Até aí nenhuma novidade. A notícia fresca é
que a atriz Nathália Rodrigues é uma das fortes concorrentes ao papel e ela está
se dedicando ao máximo para se tornar a protagonista do filme. Nathália nem
sequer recebeu a confirmação para integrar o elenco do longa O doce veneno do
escorpião e já deu início ao processo de caracterização e laboratório para compor
a personagem. [...] Nathália disse que leu os livros de Raquel Pacheco e visitou
prostíbulos e outros lugares que Bruna tinha o hábito de freqüentar, só para entrar
de cabeça no universo da Surfistinha. E depois de tanto trabalho, mesmo se não
for escalada para o papel, Nathália justifica o esforço dizendo que pelo menos
terá bagagem para fazer uma prostituta. Isso é que é amor à arte, não?
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
Ao noticiar que a atriz Nathália Rodrigues foi flagrada em um prostíbulo e
questionar “o que será que ela está fazendo por lá?”. O programa coloca a presença da atriz
62
no local como uma atitude suspeita, que requer explicações. Só depois disso o TV Fama
conta que a atriz está cotada para interpretar a ex-garota de programa Bruna Surfistinha no
filme a respeito do livro O doce veneno do escorpião. A presença no prostíbulo seria parte
do processo de laboratório para composição da personagem. Mas, usando de ironia, o
programa sugere que Nathália é muito afoita na sua preparação, já que o elenco do filme
ainda não foi decidido. Para o TV Fama, o “esforço” só seria justificado pela certeza de
interpretar Bruna Surfistinha, não pela sua possibilidade.
No dia 14/02/08, o programa enuncia: “Deborah Secco vai voltar a ser garota de
programa”. O TV Fama começa a matéria dizendo que abordar a prostituição em novelas é
garantia de sucesso. Em seguida, enumera atrizes que viveram prostitutas, entre elas,
Camila Pitanga e Flávia Alessandra. Feito isso, conta que depois de fazer uma participação
especial na novela Paraíso Tropical, em que contracenou com Bebel, personagem vivida
por Camila Pitanga, Deborah Secco iria voltar a interpretar uma garota de programa. E
completa:
Off: Deborah Secco já provou que não lhe falta talento como atriz. Além disso,
ela está mais enxuta do que nunca, com um corpão escultural. Só um detalhe,
para encarnar a nova personagem, a atriz abandonou o visual a lá Vitória
Beckham e alongou e escureceu os cabelos. Agora é só esperar para ver se
Deborah Secco vai arrasar no calçadão. Alguém duvida?
(TV Fama – 14/02/08 – grifos nossos)
O programa brinca com a quebra do decoro quando diz que Deborah Secco voltará a
ser garota de programa. Mas logo no início da matéria conta que isso se dará na ficção.
Todas as atrizes que já viveram prostitutas enumeradas pelo programa, têm corpos
curvilíneos, torneados. É como se esses corpos fizessem parte da fórmula de sucesso das
prostitutas das novelas. No caso de Deborah Secco, por exemplo, o TV Fama comenta que
ela é uma atriz talentosa, mas não esquece de acrescentar que Deborah “está mais enxuta do
que nunca, com um corpão escultural”. Esses atributos acabam sendo garantia de que a atriz
vai “arrasar”. Tanto que o programa questiona: “Alguém duvida?”.
Uma outra notícia dentro desta categoria fala, inicialmente, sobre a carreira solo da
cantora baiana Cláudia Leitte. A notícia comenta os detalhes do novo momento, como foi o
primeiro show depois que saiu do Babado Novo, o que muda na banda baiana com sua
saída. Mas interrompendo o tratamento que estava sendo dada à reportagem entra o
63
seguinte off (sobre imagens do primeiro show solo e fotos de um ensaio sensual da
cantora):
L: Dá pra acreditar que essa gata já foi do time das gordinhas? Pois é. Mas isso
são águas passadas. Afinal, hoje Claudinha Leitte exibe um corpão de dar inveja.
Tanto que ela acaba de mostrar todo o seu talento além da música, nas páginas de
uma revista masculina.
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos).
O programa, que num primeiro momento abordava a carreira solo da cantora, passa
a falar de seu “corpão”. O corpo de Cláudia Leitte tem curvas bem definidas e é valorizado
pelo programa em cima da desvalorização das mulheres gordas. Quando questiona se dá
para acreditar que a cantora já fez parte do “time das gordinhas”, o TV Fama marca a
diferença entre o corpo que Cláudia tinha quando era gorda e seu corpo atual, que é de “dar
inveja”. Além disso, a expressão “isso são águas passadas”, reafirma como algo ruim ter
sido gordinha.
Outra matéria na categoria Carreira, também sobre famosos do mundo da música,
diz respeito à volta do Grupo Dominó. A repórter do programa vai para a academia onde os
integrantes da nova formação do grupo ensaiam para conversar com eles. Num primeiro
momento a repórter apresenta os quatro novos integrantes, em seguida, pergunta a idade de
cada um, faz um teste com perguntas sobre a antiga formação e prossegue:
Repórter: A gente tem que fazer um teste com vocês, um outro teste. As
mulheres que estão olhando vocês agora, elas estão “nossa, eles parecem bonitos,
tem boa pinta”. Mas daria pra gente fazer um ensaio com vocês sem as camisas,
pra mostrar o biotipo de vocês. Vamos mostrar o tanquinho pra titia Monique?
(esta referência a Monique Evans, outra repórter do TV Fama, se dá porque a
mesma sempre pede para seus entrevistados mostrarem alguma parte do corpo)
De repente ela pode encontrar com vocês e fazer uma brincadeira. Eu vou roubar
a idéia, titia. Podemos?
Jou Jou: Podemos (os quatro integrantes do grupo tiram a camisa).
R: Eu acho que vocês podiam se apresentar desse jeito, eu acho que vai fazer
mais sucesso.
(TV Fama – 14/02/08)
Esse último teste proposto pela repórter do TV Fama revela mostra que os meninos
têm o corpo malhado e musculoso. Quando eles tiram as camisas e mostram “o tanquinho”,
que é um abdômen bem definido, a repórter brinca com os novos integrantes do Dominó
dizendo que eles fariam mais sucesso se cantassem exibindo seus corpos.
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Pensando nessa matéria sobre a nova formação do Dominó e na matéria anterior
sobre a carreira solo de Cláudia Leitte, percebemos que, para o programa, ter um corpo
malhado, no caso dos homens, e um “corpão”, no caso das mulheres, é importante também
no mundo da música.
Na mesma matéria a respeito de um desfile de modas em que a modelo Caroline
Bittencourt foi entrevistada e que comentamos na categoria Pra lá de sensual, o TV Fama
também traz uma entrevista com Renata Fan, apresentadora de um programa de esportes.
Abaixo a transcrição:
Repórter: Renata, a gente estava aqui de olho agora aqui em você e muitas
mulheres te curtem apesar de você ter um trabalho voltado aos homens.
Renata: Você sabe que eu tenho a maior satisfação quando um homem vem falar
de futebol, vem elogiar o trabalho meu, de todo o programa, mas quando uma
mulher vem falar de futebol “puxa, eu admiro sua postura, eu admiro sua
elegância” é muito prazeroso, e acima de tudo é compensador receber esse elogio
e esse reconhecimento das mulheres.
Repórter: Você que lida com futebol, já aconteceu de alguma menina, alguma fã
que já tenha ficado com jogador, pedir conselho pra você já que você conhece
todos eles?
Renata: Na verdade, eu tenho algumas mulheres de jogadores que são minhas
amigas. Eu acho engraçado que elas são inseguras com algumas coisas, mas
assim, eu vejo que pra elas não é fácil, porque elas são casadas com ídolos, com
pessoas que têm muitos fãs, lógico também que vai ter esse assédio, mas eu acho
que elas estão aprendendo a tirar de letra. Se precisar de alguma opinião...
(TV Fama – 13/02/08 – grifos nossos)
Nesse trecho, as falas da repórter do TV Fama e da entrevistada revelam a distinção
ainda comum entre o mundo dos homens e o das mulheres. O futebol é atribuído ao
universo masculino e as mulheres que se interessam por esse esporte são colocadas como
uma exceção, já que, para o TV Fama, o que atrai as mulheres no futebol são os jogadores.
Renata Fan, que gosta e entende de futebol, por fazer parte da exceção à regra aparece
como uma mediadora entre o que seria esse mundo dos homens e o mundo das mulheres.
Mais duas matérias serão analisadas por na categoria Carreira. Uma sobre a atriz
Maria Clara Gueiros e outra sobre Marco Antônio Gimenez, ambas veiculadas no dia
15/02/08.
Na matéria sobre a atriz Maria Clara Gueiros, Nelson Rubens diz:
Nelson Rubens: Pois é, quem planta colhe! Uma humorista famosa vai se
transformar na televisão. Vem cá, te conheço?
(Tv Fama – 15/02/08 – grifos nossos)
65
Depois entra a seguinte passagem da repórter:
Repórter: Uma atriz de mil e uma faces. Humorista, fazendo sucesso no cinema,
agora estreando sua primeira novela e atacando de garota propaganda. Pelo visto,
Maria Clara Gueiros, caiu mesmo no gosto do povo.
(Tv Fama – 15/02/08)
Completando a passagem, o programa explica que Maria Clara nem sempre
trabalhou com comédia e que ela já é atriz há mais de 20 anos. Depois disso, enumera os
vários trabalhos de Maria Clara na TV, no teatro e no cinema. E conta que a atriz ganhou
um papel na próxima novela das sete.
O provérbio inicial “quem planta colhe” reflete o tom de toda a matéria a respeito da
atriz Maria Clara Gueiros. Ao dizer que a atriz já tem mais de 20 anos de carreira e
enumerar seus trabalhos na televisão, no teatro e no cinema, o programa mostra que ela já
experimentou várias possibilidades dentro de sua profissão. De certo modo, o sucesso de
Maria Clara e o fato de ela ter “caído no gosto do povo” são apontados pelo TV Fama como
resultado de sua dedicação e investimento no trabalho.
A matéria sobre o ator Marco Antônio Gimenez também fala de suas atuações
profissionais. Apesar de um erro técnico ter interrompido sua exibição, queremos tecer
breves comentários a respeito da passagem da repórter:
Repórter: O ator Marco Antônio Gimenez, irmão da Luciana Gimenez, mostrou
que não vai pegar carona na fama da irmã, arregaçou as mangas e, olha, o garoto
veio pra ficar.
(Tv Fama – 15/02/08 – grifos nossos)
Quando comentam de uma forma positiva que Marco Antônio não quer “pegar
carona na fama da irmã”, mostram que a independência profissional é algo bem visto. Além
disso, assim como acontece na matéria sobre Maria Clara Gueiros, o dedicação ao trabalho
é vista como um dos caminhos para o sucesso. O programa comenta que Marco Antônio
“arregaçou as mangas”, ou seja, se voltou para o trabalho, e “veio para ficar”.
Retomando as matérias analisadas nesta categoria, podemos dizer que normalmente
o TV Fama relata o que acontece na carreira das estrelas tendo por base fatos externos ao
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ambiente do trabalho. É como se a carreira fosse utilizada como um pano de fundo, já que
costuma ser o tema sobre o qual os famosos falam com mais facilidade.
Nesta categoria, aparecem vários comentários do programa sobre os corpos dos
famosos, que acabam propondo tipos físicos ideais. Outro aspecto presente em grande parte
das matérias aqui analisadas, é o comportamento. Tendo a profissão quase como uma
desculpa, o programa se aproveita dos desvios dos famosos, julga suas atitudes e acaba
revelando valores válidos tanto para a carreira quanto para a vida que acontece além dela.
4.2. Sábado à noite – a síntese
Esta segunda entrada, conforme informamos anteriormente, trabalha com o
programa de sábado (16/02/08) – que traz os “melhores momentos” que foram exibidos de
segunda a sexta-feira. Esse programa nos mostra qual o resumo que o TV Fama faz da
semana, bem como os temas predominantes nessa síntese.
Algumas das matérias que aparecem nesse dia não chegaram a ser comentadas em
nossas categorias de análise. Isto porque não se enquadravam dentro dos temas abordados
nessas categorias, ou, mesmo se enquadrando nesses temas, não as julgamos ilustrativas
dos mesmos.
Vamos passar rapidamente pelas matérias já comentadas em outras categorias,
apenas dizendo em qual categoria apareceu e quais eram os valores que as perpassaram.
Quanto às outras notícias, vamos comentá-las com um nível maior de detalhamento.
A primeira matéria de sábado, já comentada na categoria Affairs, foi veiculada
originalmente no dia 13/02/08 e revela que a modelo Yasmin Brunet se declarou para a
atriz Angelina Jolie. Nessa matéria o programa trata a homossexualidade como algo que
foge do normal e, ao ironizar esse aspecto, acaba revelando um fundo de preconceito.
Tanto a segunda quanto a terceira matéria não apareceram em nossa análise por não
se encaixarem em nenhuma das categorias que utilizamos. As duas têm por tema “gafes dos
famosos”, mas como poucas notícias na semana que recortamos de programa eram sobre
esse tema, optamos por não criar uma categoria para explorá-lo.
Uma das matérias conta que a ex-BBB Fani Pacheco, que tem como bordão “Uhuuu
Nova Iguaçu”, estava de mudança de Nova Iguaçu (uma cidade pobre) para a Barra da
67
Tijuca (um bairro nobre do Rio de Janeiro). Mas, segundo o programa, a ex-BBB fez a
mudança de Kombi. De acordo com o TV Fama, mesmo depois de Fani ganhar dinheiro
com trabalhos decorrentes de sua participação no Big Brother Brasil, manteve costumes
típicos da classe pobre do país. E encerra: “Ah, mas Fani deve ser bastante econômica, para
não dizer pão dura. Fazer a mudança em uma Kombi não é nada glamouroso, né” (TV
Fama – 13/02/08).
O que inicialmente era apenas uma informação sobre a mudança de Fani Pacheco
passa a receber um tratamento pejorativo por parte do TV Fama quando é revelado que a
mudança da ex-BBB de Nova Iguaçu para a Barra da Tijuca foi feita de Kombi. Segundo o
programa, a mudança nesse modelo de carro é típica da classe pobre e não combina em
nada com o glamour ao qual Fani já deveria ter se habituado depois de começar a ganhar
dinheiro.
Na outra matéria sobre “gafes dos famosos” a repórter Andrea Corazza sai nas ruas
para perguntar às pessoas se elas conhecem: salada mística, mussarela de búfalo, nafta e
mik shake. Essas palavras foram ditas pela participante do Big Brother Brasil 8, Gyselle, no
lugar de: salada mista, mussarela de búfala, afta e milk shake. Todas as pessoas
entrevistadas dizem que não conhecem as palavras ditas por Gyselle e só entendem do que
se trata quando a repórter diz a palavra correta. Em um determinado momento da matéria, é
exibido um VT de uma antiga participante do Big Brother, a Sol, que ficou conhecida
justamente por seus erros gramaticais. No último off da matéria, sobre fotos de ensaios
sensuais tanto de Sol, quanto de Gyselle, o TV Fama comenta:
Off: E mesmo não sabendo tão bem a nossa língua, Sol se deu muito bem. Ficou
famosa e até posou nua.
Como o próprio irmão de Gyselle afirmou para um jornal: “Minha irmã quer ser
famosa, por isso não se preocupou em fazer uma faculdade”.
Já a Gyselle se defendeu: “Eu não sou burra, sou traumatizada”.
(TV Fama – 11/02/2008 – grifos nossos)
A matéria inteira ridiculariza Gyselle, desde o momento em que a repórter vai às
ruas para perguntar se as pessoas conhecem as palavras que ela disse no Big Brother, até o
momento em que o programa faz comparações entre Gyselle e Sol, que normalmente é
lembrada pelos erros gramaticais que cometeu dentro e fora do reality show. No final, o
programa ironiza o fato de Sol ter ficado famosa e ter posado nua mesmo não conhecendo a
68
nossa língua e lembra, também de forma irônica que o irmão de Gyselle disse que como ela
quer ser famosa, não se preocupou em estudar. Ainda que utilizando outras palavras, o
programa reproduz uma fala comum que é a de que não é necessário ter conhecimento se a
pessoa tiver um corpo bem delineado. A fama pode ser decorrente de atributos físicos.
A quarta matéria veiculada no sábado, exibida pela primeira vez em 12/03/08 e
comentada por nós na categoria Affairs, questiona se o participante do Big Brother Brasil 8,
Rafinha, iria continuar fiel à sua namorada que estava fora do reality show mesmo com
todas as mulheres da casa investindo nele. Nessa matéria a fidelidade de Rafinha é encarada
como algo diferente do que costuma ocorrer com as pessoas que entram no programa
namorando. Conforme dissemos, é como se o programa estivesse esperando um deslize do
garoto para utilizar como mote de outra notícia.
A matéria seguinte que o TV Fama trás no sábado havia sido veiculada
originalmente no dia 12/03/08. Trata-se da matéria sobre famosos se divertindo na ressaca
de carnaval em Recife, discutida na categoria Pra lá de sensual. A cantora Carolina
Magalhães e a atriz Sheron Menezes são mostradas comendo quitutes regionais e, quando
percebem que estão sendo filmadas tentam se esconder da câmera, como se o papel de
comilonas não correspondesse a elas, já que as duas têm corpos torneados.
A sexta matéria exibida no sábado é sobre o tema “corpo”, mas não havia sido
comentada por nós dentro da categoria Pra lá de sensual porque não trabalha com nenhum
valor recorrente nas outras matérias dentro do mesmo tema. A reportagem, veiculada
inicialmente no TV Fama do dia 13/03/08, conta que a mulher que desfilou com o menor
tapa sexo do carnaval, Viviane Castro, foi ameaçada por integrantes da escola de samba
São Clemente, pela qual saiu, e também por integrantes de outras escolas porque o seu tapa
sexo, que já era pequeno, teria caído. Na matéria Viviane explica que dependendo da forma
que ela sambava parecia que isso tinha acontecido, porque o tapa sexo media apenas três
centímetros e meio, mas afirma que o adereço não caiu e que ela só o retirou depois do
desfile. Em um off o TV Fama conta que os integrantes da escola teriam dito que Viviane
Castro usou a São Clemente para se promover, o que, segundo o programa, é negado por
ela, que se dizia interessada apenas em curtir o carnaval. A matéria termina com o seguinte
off:
69
Off: Uma semana depois do escândalo, ali está Viviane de roupão pronta para
posar nua para uma revista masculina, além disso, ela foi convidada para
protagonizar um filme pornô, por uma grande produtora de São Paulo.
Infelizmente ela não pôde abrir o roupão, até por motivos óbvios. Mas mesmo
assim mostrou que, polêmicas à parte, continua com muito samba no pé.
(TV Fama – 13/03/08)
O fato de Viviane querer desfilar quase nua, usando apenas três centímetros e meio
de tapa sexo, rendeu-lhe ameaças de integrantes da escola de samba pela qual desfilou e
também de integrantes de outras escolas. O tapa sexo foi considerado inadequado por ser
demasiadamente pequeno. Ao ironizar o fato de uma semana depois do escândalo, Viviane
estar posando nua e já ter sido convidada para protagonizar um filme pornô, o TV Fama
mostra não acreditar na boa fé da moça que negou ter se valido do episódio para promoção
pessoal.
A última notícia de sábado, que havia sido divulgada pela primeira vez no dia
11/03/08, fala da carreira solo da cantora baiana Cláudia Leitte e já foi analisada na
categoria Carreira. Conforme comentamos anteriormente, o que nos chamou a atenção foi
a afirmação de um corpo com curvas bem definidas em detrimento da desvalorização das
mulheres gordas. Um off da matéria diz que é difícil de imaginar que Cláudia Leitte já fez
parte do time das gordinhas, já que agora ela exibe um corpo de dar inveja.
No programa de 16/02/08, assim como nos programas de durante a semana,
aparecem matérias cujos temas são relacionamentos, corpo e carreira. Entretanto, neste dia
o programa trouxe duas matérias sobre gafes cometidas por famosos, que apareceram tão
raramente durante a semana que nem chegaram a constituir uma categoria de análise.
Uma outra diferença entre os programas veiculados de segunda a sexta-feira e o
programa que faz a síntese da semana, é que este não traz nenhuma nota curta. As matérias
que se repetem tendem a ser as mais longas e que demandam uma maior produção por parte
do programa. Além disso, nenhuma notícia que foi dada na quinta e na sexta-feira é
reprisada. Nos parece que o programa quer resgatar o que aconteceu durante a semana, mas
sem parecer repetitivo, por isso trabalha com as notícias de segunda (11/02/08), terça
(12/03/08) e quarta-feira (13/03/08), que não estão tão frescas na memória do telespectador
que assiste ao programa todos os dias.
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4.3. Linguagem e acesso aos famosos
4.3.1. Linguagem
A linguagem utilizada pelo TV Fama na construção das matérias é bem
característica. Sempre coloquial, o programa faz uso o tempo todo de aumentativos, da
ironia e da função fática. Abaixo comentamos essas utilizações e exemplificamos com
momentos do programa em que esses usos ocorrem.
A respeito do uso de aumentativos, um bastante comum utilizado pelo TV Fama é
“corpão”, conforme podemos observar nos seguintes trechos:
Off: Assim que começou o jogo todas as apostas estavam no corpão sarado de
Fernando, aquele que iria pegar todas dentro da casa.
(TV Fama – 12/02/08 – grifos nossos)
Off: Deborah Secco já provou que não lhe falta talento como atriz. Além disso,
ela está mais enxuta do que nunca, com um corpão escultural.
(TV Fama – 14/02/08 – grifos nossos)
Ao ser acrescido do sufixo aumentativo “-ão”, o substantivo corpo adquire um novo
sentido. O programa fala do corpo ideal tanto do homem quanto da mulher como um
“corpão”. Nos exemplos acima, a palavra “corpão” é seguida de adjetivos, mas isso não é
necessário para que o substantivo adquira esse sentido proposto pelo TV Fama, conforme
exemplificado em outros dois trechos transcritos abaixo:
Adriana Lessa: Mônica Carvalho, novamente ele posa nua. E você vai ver tudo
o que mudou no corpão da gata. Confira!
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
Off: Dá pra acreditar que essa gata já foi do time das gordinhas? Pois é. Mas isso
são águas passadas. Afinal, hoje Claudinha Leitte exibe um corpão de dar inveja.
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
No que diz respeito à ironia, segundo aspecto da linguagem que apontamos como
constante no programa, trata-se de expressar algo oposto ao que se quer dizer. A intenção
normalmente é de fazer uma crítica ou tratar alguém com desprezo. Os trechos a seguir
ilustram a utilização dessa figura de pensamento que aparece freqüentemente no TV Fama.
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Off: Nathália disse que leu os livros de Raquel Pacheco e visitou prostíbulos e
outros lugares que Bruna tinha o hábito de freqüentar, só para entrar de cabeça no
universo da Surfistinha. E depois de tanto trabalho, mesmo se não for escalada
para o papel, Nathália justifica o esforço dizendo que pelo menos terá bagagem
para fazer uma prostituta. Isso é que é amor à arte, não?
(TV Fama – 11/02/08 – grifos nossos)
Nesse trecho, retirado de uma matéria sobre a possibilidade de a atriz Nathália
Rodrigues interpretar Bruna Surfistinha num filme sobre a ex-garota de programa, o TV
Fama critica o fato de Nathália ser muito afoita se preparando para a personagem antes de
ser confirmada no elenco do filme. Quando o programa enuncia “Isso que é amor à arte,
não?”, a intenção de modo algum é elogiar a atriz.
Outro exemplo é o seguinte:
Off: Ângela Bismarchi é tão conhecida pelas cirurgias que fez que, inclusive,
entrou para o livro dos recordes como a mulher mais repuxada do mundo. O amor
da loira pelo bisturi é tão grande que seu ex e seu atual marido são cirurgiões
plásticos.
(TV Fama – 15/02/08 – grifos nossos)
Esse trecho faz parte da matéria em que o programa comenta os famosos que ficam
piores a cada intervenção cirúrgica. Quando diz que o amor de Ângela “pelo bisturi é tão
grande que seu ex e atual marido são cirurgiões plásticos”, o programa está fazendo uma
crítica às mais de quarenta cirurgias às quais a modelo já se submeteu.
Já a função fática, que também apontamos como recorrente na linguagem do
programa, está ligada a manutenção do contato com o interlocutor. É uma forma de testar o
canal de comunicação, de verificar o entendimento da pessoa com quem se fala. No caso do
TV Fama esse interlocutor com o qual se deseja manter contato pode ser tanto o
telespectador, quanto alguma celebridade que está sendo noticiada.
Na matéria a respeito do almoço de Ildi Silva com Marcelo Valente, o programa
especula um affair entre os dois. Mas conforme já comentamos, essa atriz namora Caetano
Veloso. Buscando estabelecer contato com o cantor, Adriana Lessa questiona: “E agora,
hein, Caetano Veloso?” (TV Fama – 12/02/08).
Ao enunciar “hein”, um dos indicativos da ocorrência da função fática, Adriana
acaba cobrando uma resposta, uma atitude, do cantor.
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Escolhemos outros dois trechos para ilustrar a ocorrência dessa função. Neles,
contudo, deseja-se estabelecer contato com o telespectador.
O primeiro trecho é o seguinte:
Adriana Lessa: Ô gente, por que que tem homem que fica com mais de uma
mulher, várias mulheres ao mesmo tempo? Agora por que que tem um cantor aí
que revelou que já fez sexo com mais de 500 homens? E olha que ele é casado,
hein. Confira!
(TV Fama – 14/02/08 – grifos nossos)
Ao dizer “E olha que ele é casado, hein”. Adriana pede que o telespectador preste
atenção no fato de que o cantor que fez sexo com mais de 500 homens é casado. É quase
como se estivesse perguntando “Você está percebendo que ele casado?”.
Já o segundo trecho é:
Íris Stefanelli: A Grazi Massafera vai revelar como que ela faz pra descontar a
raiva que ela passa com o namorado. Dá só uma olhada.
(TV Fama – 12/02/08 – grifos nossos)
Dizer que Grazi Massafera vai revelar algo e completar com “dá só uma olhada”, é
uma forma de Íris comentar com o telespectador que o que vai ser veiculado é interessante,
que merece ser visto.
Como a ação de assistir à televisão normalmente é dividida com outras, percebemos
que o uso constante da função fática é um dos recursos utilizados pelo TV Fama para
chamar a atenção para si.
4.3.2. Acesso aos famosos
Pelo que percebemos da semana que recortamos do TV Fama, o acesso do programa
aos famosos é bastante restrito. A maior parte das matérias não traz entrevistas com as
celebridades que estão sendo noticiadas. O programa costuma ter por fontes “as más
línguas”, “colegas do elenco” (que nunca são identificados), o que “andaram espalhando
por aí” e matérias publicadas em outros veículos.
Normalmente só quando se trata da carreira, ou de algum fator que possa afetá-la, é
que os famosos dão seus depoimentos ou conversam com o programa por meio de suas
73
assessorias imprensa. São raras as ocasiões em que o tema não é este e que o programa
consegue entrevistar as personalidades das quais fala.
Quando ocorre, o acesso aos famosos tende a se dar em entrevistas coletivas ou em
alguma festa ou evento que o TV Fama consegue cobrir. O segundo caso é o mais
freqüente. Desse modo, quando os repórteres estão nessas festas e eventos tentam conseguir
o maior número de entrevistas possível.
O material gravado nessas circunstâncias algumas vezes é divido em mais de uma
matéria. Um exemplo de quando isso ocorre apareceu no nosso corpus. A cobertura dos
famosos no camarote da Grande Rio deu origem a uma matéria sobre o que “rolou” nesse
local e a outra sobre o fato de Grazi Massafera ter se machucado com a fantasia durante o
desfile de carnaval. Quando não há essa divisão, o que vai ao ar são trechos soltos que,
mesmo editados, tratam de assuntos bastante distintos, como se fossem várias matérias
dentro de uma. É o que percebemos, numa notícia sobre um desfile de moda veiculada no
dia 13/02/08. Um dos trechos, que traz uma conversa com a modelo Caroline Bittencourt,
foi comentado por nós na categoria Pra lá de sensual, outro, que traz uma entrevista com a
apresentadora Renata Fan, foi analisado na categoria Carreira. A conversa com uma
famosa era sobre o tema corpo e com a outra sobre o seu trabalho.
Como as situações de entrevistas são poucas, o programa chega a utilizar sonoras
antigas para ilustrar matérias atuais. E isso é feito sem nenhum pudor. Algumas vezes, o
telespectador nem é avisado da ocorrência deste fato.
Ademais, quando há entrevistas, as perguntas tendem a ser simplórias. Abaixo dois
exemplos de perguntas. O primeiro, retirado da cobertura dos famosos no camarote da
Grande Rio. O segundo, da cobertura do lançamento do CD Gospel de Mara Maravilha,
logo depois que a repórter conta à cantora que Alexandre Frota se converteu à religião
evangélica.
Repórter: E você só recebeu elogios, Paola. Tanto pelo desempenho na avenida
quanto pelo corpo. Você escutou esses comentários?
Paola: Não, eu vi gente falando “mas ela samba, e é loira”. Eu achava engraçado.
Mas foi muito bom. Eu agradeço os elogios.
(TV Fama – 11/02/08)
Repórter: A minha pergunta é a seguinte, por que, como que acontece isso, por
que algumas pessoas não vão pro espiritismo, não vão pro catolicismo, vão pro
evangelismo. Você consegue me explicar isso?
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Mara: É uma pergunta, você é repórter, eu estudei jornalismo dois anos, vou
voltar. Deus é soberano e ele nos dá livre arbítrio.
(TV Fama – 13/02/08)
Pouco habituados a situações de entrevista, o que parece é que os repórteres querem
simplesmente falar com as celebridades – não importando o assunto nem a forma de
abordagem do mesmo.
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Conclusão
As estrelas descem do céu, ficam mais próximas da Terra, aparecem no TV Fama.
Elas atraem pelo seu brilho, mas também (e em grande parte) por serem de carne e osso,
por participarem de nossa humanidade. Ao falar das celebridades – de seus
relacionamentos, corpos e carreiras –, o TV Fama realça o caráter divino e humano das
mesmas, disponibiliza modelos de vida. E isso interessa ao público. Relembrando
Hershmann e Pereira (2003), cada vez mais o indivíduo constrói a noção de self tendo por
base materiais simbólicos mediados. O TV Fama é mais um desses materiais.
O programa mostra que os famosos, assim como nós, separam-se, machucam, têm
problemas. E saber disso alivia, provoca uma espécie de catarse. Se até as personalidades –
que estão investidas de uma aura divina – sofrem, erram, fica mais fácil aceitar que um
simples mortal lide com as mesmas coisas. Acabamos nos purificando sabendo que o outro
– ainda mais quando o outro é uma estrela – sofre e erra também.
Perpassado por distintos valores, o TV Fama propõe modos de agir. São modos que
já conhecemos, mas que, ao afirmarem ou negarem determinado valor, acabam reforçando
certos modelos que imprimimos em nossos cotidianos.
Ao abordar os relacionamentos, o programa toca em assuntos como a infidelidade, a
homossexualidade e a agressão física. Há uma tendência em tratar esses assuntos de forma
irônica e a indicá-los como uma transgressão à “normalidade”. Ao ironizar esses “desvios”,
o programa acaba reafirmando a fidelidade, a heterossexualidade e o zelo como valores
num relacionamento.
Quando o assunto são os corpos dos famosos, o que vale para as mulheres, segundo
o TV Fama, são os corpos curvilíneos, o “corpão”. Para os homens, músculos bem
definidos, corpos malhados. Em determinados momentos, contudo, vozes dissonantes de
atrizes que são gordas discutem o preconceito por que passam na televisão e lembram que
também são mulheres sensuais. Essas atrizes, tocando na importância do respeito com os
gordos, chamam a atenção. Mas provavelmente não é pela relevância de suas falas, e sim
porque suas vozes destoam da voz do programa, que, a todo o momento, julga “pra lá de
sensuais” mulheres cujos corpos em nada se parecem com os dessas atrizes.
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No que diz respeito às notícias sobre as carreiras das celebridades, percebemos que
abordar a vida profissional é quase uma desculpa, um meio para obter uma entrevista com
os famosos ou para conseguir que eles se pronunciem por meio de suas assessorias de
imprensa. Ao tratar das carreiras das personalidades, ainda que o programa mostre a
dedicação ao trabalho como um dos ingredientes do sucesso, percebemos que a
preocupação está em revelar comportamentos indecorosos que trouxeram prejuízos na
carreira, em descobrir affairs entre famosos, em reafirmar a importância de se ter um
“corpão” no meio artístico.
Em contraste com a postura que adotam quando instados a comentar seus
“relacionamentos”, “carreiras” não é um tópico sobre o qual os famosos têm objeção a
falar. No caso dos relacionamentos, é como se as celebridades acreditassem que ao
comentar seus romances estivessem expondo um lado da vida que deve ser vivido na esfera
privada. É como se a intimidade não devesse vir a público. Tanto que as matérias sobre
relacionamentos tendem a não trazer entrevistas com os famosos em questão. O programa
consegue dados com terceiros, com as “más línguas”, ou simplesmente baseia-se em
suposições e especulações.
Da mesma forma, parece haver um consenso entre as estrelas de que seus trabalhos
devem ser públicos, visíveis. Na prática, o que vemos são notícias dadas incidindo sobre
aspectos íntimos da vida dos famosos, e que têm a carreira apenas como pano de fundo.
Fala-se de uma briga nos bastidores, de um ator que é casado e que não aceitou um papel
por conta do assédio de uma colega de trabalho, de outro que foi afastado por problemas
com drogas. E essas matérias tendem a ser respondidas pelas assessorias das celebridades
que geralmente aparecem para dizer que “não houve briga”, que “o motivo para não aceitar
o trabalho foi um outro compromisso profissional”, que “a causa do afastamento foi a
necessidade de resolver problemas pessoais”. Os famosos se importam muito com sua
carreira. Desmentir boatos sobre relacionamentos não é algo constante, mas sobre a carreira
é freqüente.
Tendo por base o exposto até aqui, percebemos que o TV Fama traz vários
elementos de interesse do público – o programa possibilita identificações, provoca
processos catárticos, coloca em jogo valores sociais, disponibiliza modelos de vida. A
experiência proporcionada pelo programa penetra na vida das pessoas. Além disso, ele
77
fornece entretenimento. Mas a indagação sobre o interesse público do o TV Fama não
fornece uma resposta tão clara.
Retomando Dewey (2003), para que uma ação adquira a natureza de interesse
público, ela deve afetar concretamente a vida de pessoas além daquelas que estão
diretamente envolvidas, deve incidir de alguma forma em sua condição de vida e ação. Em
meio a tantos outros materiais simbólicos mediados, o TV Fama é apenas mais um dos
lugares em que o indivíduo colhe material para a construção do self ; não negamos a
relevância desse aspecto, mas também não podemos superestimá-lo. Por outro lado, ele
cumpre também um importante papel de entretenimento – e esta não é uma dimensão
menor na vida das pessoas; o entretenimento, o riso, o relaxamento possibilitado por um
consumo simbólico descomprometido cumpre um papel de descompressão do cotidiano –
não necessariamente o papel de alienação apontado pela perspectiva crítica, mas um papel
de equilíbrio. Poderíamos atribuir a esta função de entretenimento um caráter de “interesse
público”, independente do conteúdo desse entretenimento? Há outras formas de
entretenimento, e esta função não vale por si; sua análise deve conjugar os dois aspectos, a
função e a configuração (ou seja, aquilo que ela produz). O que nos leva antes a concluir:
Há o interesse do público, mas não o interesse público. Ou, mudando a ordem, para ficar
mais coerente, o TV Fama não é exatamente de interesse público, entretanto, é de interesse
do público.
78
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80
Anexo
Quem fez o que?
Indicação dos casos apresentados em cada dia a partir das personagens e suas ações.
Segunda-Feira – 11/02/08
A atriz Samara Felippo posou para os homens; o ator Kadu Moliterno arrumou uma nova
namorada; Marcos Pasquim foi visto com uma loira num estacionamento; Fábio Assunção
foi afastado da próxima novela das oito por causa de um episódio que envolve drogas e
Polícia Federal; o ator Alexandre Frota se arrependeu de ter feito filmes pornográficos e
virou evangélico; a ex-BBB Gyselle foi eleita rainha das gafes; a ex-BBB Talita posou para
um ensaio sensual; a atriz Paola Oliveira, o ator Maurício Mattar, a atriz Sheron Menezes, o
diretor Marcos Paulo, a repórter e apresentadora Monique Evans, a atriz Vera Gimenez, a
escritora Glória Peres, o ex-BBB Kléber Bambam, o humorista Castrinho, o ex-jogador de
futebol Romário e a atriz Carla Dias foram flagrados no desfile das campeãs do Rio de
Janeiro no camarote da Grande Rio; a ex-BBB e atriz Grazi Massafera arrasou no desfile
das campeãs, mas saiu de lá machucada; Grazi perderá o posto de rainha para Deborah
Secco, o cantor Belo desmarca o casamento com a dançarina e rainha de bateria Gracyanne
Barbosa; o marido da atriz Susana Vieira explica por que não deixou que ela desfilasse
sozinha; o marido da apresentadora Ana Maria Braga teve que pagar pensão alimentícia
para sair do Brasil e o ex-marido da apresentadora vai processar o atual; a atriz Mônica
Carvalho posa nua novamente; a atriz Alinne Moraes mal terminou com o ator Sérgio
Marone e já estaria com um novo amor; a mulher que desfilou com o menor tapa sexo da
história do carnaval, Viviane Castro, virou celebridade e prepara outra bomba; a cantora
baiana Cláudia Leitte estréia carreira solo em Porto Seguro; Nathália Rodrigues quer ser a
ex-garota de programa Bruna Surfistinha e é vista em um prostíbulo; Miguel Falabela está
com dengue.
Terça-feira – 12/02/08
O diretor Marcos Paulo toma comprimido azul para bombar na hora H; a atriz Marília Pêra
quebra o pau com o ator Stênio Garcia; a atriz Narjara Tureta vai entrar na reta final da
novela Sete Pecados; o ator Fábio Assunção teria contratado segurança após episódio com
traficante e Polícia Federal; os detalhes do casamento de Gisele Bündchen, a noiva mais
bonita do ano; a atriz Ildi Silva foi vista com Marcelo Valente; a comediante Gore Milagres
foi ao cinema; a apresentadora Xuxa estaria de volta com o ator Luciano Szafir, pai de sua
filha; após ser preso o ex Big Brother argentino Paletó revela que foi injustiçado; será que o
Rafinha do Big Brother Brasil 8 também arrasa o coração da mulherada fora da casa?; o exBBB Alexandre faz um ensaio sensual; o elenco de Sete Pecados participa de festança no
Rio de Janeiro; a atriz Grazi Massafera conta o que faz para descontar a raiva que passa
com o namorado; a apresentadora Ana Maria viaja com o marido Marcelo Frisoni e explica
os problemas dele com a polícia; o jogador de futebol Alexandre Pato fez um ensaio
sensual na Itália; a cantora de funk Tatiana Gomes vai posar nua; a modelo Ângela
Bismarchi fez uma cirurgia reversível para desfilar com os olhos de gueixa durante o
carnaval, agora quer virar japonesa pra sempre; a modelo Yasmin Brunet fez um ensaio
81
picante no Havaí; o ex-BBB Fernando Fernandes fala da prisão após invadir uma mansão e
um cantor global revela que pulou a cerca no carnaval; ressaca de carnaval em Recife cria
um novo casal romântico; apesar de ter sido barrada nos Estados Unidos, Amy Winehouse
fatura cinco prêmios num famoso festival de música; o TV Fama leva Piu-Piu para as ruas
para descobrir se a galera aprovou seu ensaio nu; cantor sertanejo acaba o casamento e vai
esfriar a cabeça em Porto Seguro; quem será que vai sair no paredão do BBB8?
Quarta-feira – 13/02/08
O ator Marcelo Anthony pode substituir Fábio Assunção na próxima novela das oito; o ator
Jonatas Faro entrou no mar da Barra da Tijuca com uma desconhecida e fez a temperatura
subir; a modelo Yasmin Brunet fez declaração de amor para Angelina Jolie; tudo sobre o
fim do casamento de Pelé; todo o mistério da viagem do ator Fábio Assunção para os
Estados Unidos, foi de férias ou foi fazer um tratamento?; Juliana do Big Brother nem saiu
da casa e já está sendo cotada por uma revista masculina; a ex-BBB Fani Pacheco é pega
fazendo mudança em Nova Iguaçu; a atriz Juliana Paes pode estar grávida antes do
casamento; noite de samba para Martinho da Vila em seu aniversário; a atriz Ana Paula
Arósio cai do cavalo e termina namoro com jogador de pólo; a modelo Luma de Oliveira dá
beijaço em tenente e reata em plena Sapucaí; Viviane Castro, musa do menor tapa sexo do
carnaval brasileiro desabafa; Cláudio Andrade, ator que já fez cena picante com Camila
Pitanga posa peladão; quem vai ficar no lugar da cantora Cláudia Leitte no Babado Novo?;
a cantora gospel Mara Maravilha se surpreende com o fato do ex-ator pornô Alexandre
Frota ter se tornado evangélico; taróloga revela se os casamentos dos famosos darão certo;
a modelo Caroline Bittencourt revelou que ama usar uma roupa assanhada para que seu
marido sinta ciúmes; ex de Ivete está pegando a apresentadora Babi.
Quinta-feira – 14/02/08
A cantora Britney Spears se casou com paparazzo que já era casado; a atriz Mara Manzan
revela que já tomou ácido; Christina Aguilera é capa da próxima revista People; o
apresentador Milton Neves está fora da Record; Alinne Moraes e Dalton Vigh podem estar
juntos; o que fez o jogador de futebol Ronaldo Fenômeno sofrer a lesão no seu joelho?; o
desabafo de Alexandre Frota, andaram espalhando por aí que ele virou evangélico; Rafinha
do Big Brother já é capa de revista; Polêmica dentro do Big Brother: será que Thati Bione
saiu do armário?; a atriz Mônica Carvalho posa nua; Ivete Sangalo tira férias; a atriz
Deborah Secco vai voltar a ser garota de programa; o ator Marcelo Faria fica peladão no
palco com a atriz Carol Castro; novela de Glória Perez promete polemizar, vai ter até
travesti; Sabrina Sato e Monique Evans curtem balada ao som de muito funk; o grupo
Dominó está de volta com uma nova formação; George Michael revela que já fez sexo com
mais de 500 homens; mulher do Pelé não aceita separação; quem vai levar o título de
“periguete 2008”?; a atriz Joana Balanguer diz que vai pegar Rafinha quando ele sair do
Big Brother.
Sexta-feira – 15/02/08
O jogador de futebol Ronaldo Fenômeno programou engravidar a namorada; notícia da
internet diz que um lustre com formato fálico teria sido comprado pelo estilista e deputado
82
Clodovil para seu gabinete em Brasília; Ivete Sangalo mal terminou seu namoro e já estaria
com um novo amor; a ex-BBB Bianca Jahara estaria na mira de uma revista masculina; o
ator Alexandre Borges teria recusado papel em novela para fugir do assédio de uma atriz; a
dançarina Gracyanne Barbosa está pegando pesado na malhação; veja quem Preta Gil vai
processar por ter sido chamada de gorda; Thiago Rodrigues está em pé de guerra com fãs e
amigos; espalharam que a Juliana do Big Brother sofreu um grave acidente; Marcelo, o
novo líder do Big Brother resolveu entregar todo mundo; a atriz Maria Clara Gueiros vai se
transformar na televisão; mulher do menor tapa sexo do carnaval vai para a justiça
furiosamente; americano humilha a modelo Ângela Bismarchi; o ator Marco Antônio
Gimenez está solto e revela qual sua grande paixão; a atriz e dançarina Sheila Mello
comprou uma briga com o É o Tchan; a socialite Narcisa Tamborindeguy mostrou mais do
que devia e virou febre no You Tube; Cláudia Leitte provoca Ivete Sangalo chamando
Daniela Mercury para dueto; a modelo Naomi Campbell está imitando o cantor Michael
Jackson; que famoso fez mais plásticas?; a atriz Betty Faria e dois galãs revelam as
surpresas do final de Duas Caras; o marido da apresentadora Ana Maria pode voltar das
férias direto para a cadeia.
Sábado – 16/02/08
A modelo Yasmin Brunet fez declaração de amor para Angelina Jolie; a ex-BBB Fani
Pacheco é pega fazendo mudança em Nova Iguaçu; a ex-BBB Gyselle foi eleita rainha das
gafes; será que o Rafinha do Big Brother Brasil 8 também arrasa o coração da mulherada
fora da casa?; ressaca de carnaval em Recife cria um novo casal romântico; Viviane Castro,
musa do menor tapa sexo do carnaval brasileiro desabafa; a cantora baiana Cláudia Leitte
estréia carreira solo em Porto Seguro.
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“Eu aumento, mas não invento” - Fafich