A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR: ANÁLISE DE DEPOIMENTOS DE EX-ALUNOS DA CIDADE DE BROTAS/SP Gustavo Batista1 Luiz Gonçalves Junior (O)2 Resumo Com o intuito de analisar como eram as aulas de Educação Física Escolar entre as 5ª e 8ª séries no período da ditadura militar (1964 -1985) na cidade de Brotas, utilizamos como fonte de informação entrevistas com alunos que frequentaram as aulas de Educação Física nesta época. A partir dos dados coletados junto aos entrevistados consideramos que as aulas de educação física eram: voltadas aos esportes e a preparação física; separadas por sexo; realizada em horários opostos a outras disciplinas; exigentes quanto ao uso de uniforme; atribuíam extrema importância aos exames biométricos. Palavras-chave: Educação Física Escolar; Ditadura Militar; Esporte. Abstract Aiming to analyze how were the classes of Physical Education between the 5th and 8th grades during the military dictatorship (1964 -1985) in the town of Sprout, used as a source of information interviews with alumni classes Physical Education at this time. From these interviews, I found that: pure sports and physical preparation; classes were separated by sex; at times opposed to other disciplines; demand for the use of uniforms; the extreme importance given to biometric tests. Key-words: Classes of Physical Education; Military Dictatorship; Sports. Introdução A partir do golpe militar de 1964, a Educação Física Escolar passou a ser uma ferramenta de propaganda do governo, o qual enfatizou a formação de turmas de treinamento para variadas modalidades esportivas, a preparação física e as competições. O objetivo desse estudo foi analisar como eram as aulas de Educação Física Escolar entre as 5ª e 8ª séries realizadas no período da ditadura militar (1964 -1985) na cidade de Brotas, a partir de alunos que frequentaram as aulas de Educação Física nesta época. O contexto do pré e pós-golpe Com ampla oposição no Congresso, que impedia a aprovação de seus projetos, no dia 25 de agosto de 1961, sete meses depois de iniciado seu mandato, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. A expectativa era que o Congresso não aceitasse a renúncia, pois os parlamentares mais conservadores e o alto comando das Forças Armadas, assim como muitos dos 1 Professor de Educação Física Escolar da Rede SESI de Ensino; aluno da III Turma do Curso de Especialização em Educação Física Escolar do DEFMH/UFSCar e Mestrando em Educação UFSCar. 2 Professor Associado do DEFMH-PPGE/UFSCar e Coordenador do Curso de Especialização em Educação Física Escolar. 2 eleitores que o elegeram, não aceitariam que a Presidência fosse entregue a um político ligado à esquerda e aos sindicatos, como o vice João Goulart (SERIACOPI, 2005). O Congresso, entretanto, aceitou a renúncia. Como na ocasião João Goulart encontrava-se na China, a Presidência foi ocupada interinamente pelo presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazzili. Enquanto isso, o alto comando das Forças Armadas, apoiado por grupos conservadores ligados à União Democrática Nacionalista (UDN) tentou impedir a posse de João Goulart, sob a alegação de que ele teria ligações com o comunismo (SERIACOPI, 2005). Para evitar que o país entrasse em uma guerra civil, o Congresso Nacional aprovou emenda constitucional instituindo o parlamentarismo. Com isso, o poder seria exercido não mais pelo presidente, mas pelo primeiro-ministro, escolhido pelo Congresso. João Goulart, que havia desembarcado no Uruguai, retornou ao Brasil e, no dia 7 de Setembro de 1961, assumiu a Presidência (SERIACOPI, 2005). Entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, o Brasil viveu sob um regime parlamentarista frágil, marcado por manifestações de insatisfações política e social. O presidente João Goulart procurou por em prática as chamadas reformas de base, um conjunto de medidas que previam grandes mudanças nas áreas administrativas, fiscal, eleitoral, tributária, educacional e agrária. Entre as principais medidas defendidas por João Goulart estavam à reforma agrária, o direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente, a nacionalização das empresas concessionárias de serviços públicos e o imposto progressivo (quanto maior a renda, mais alta a alíquota do imposto) (SERIACOPI, 2005). As reformas de base, entretanto, encontravam forte oposição entre os grupos conservadores da sociedade: associações patronais, empresários, oficiais de alta patente das Forças Armadas, setores da alta hierarquia da igreja católica, políticos de direita, etc. Para esses setores, João Goulart pretendia, na verdade, implantar o comunismo no Brasil (SERIACOPI, 2005). Com tais pressões, no dia 31 de março de 1964, o chefe do estado-maior do Exército, general Castelo Branco, contando com o apoio do governo dos Estados Unidos e de alguns governadores, como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo, colocou-se à frente de um golpe militar que destituiu João Goulart do poder (SERIACOPI, 2005). Por duas semanas, o deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, assumiu interinamente a Presidência da República. No dia 15 de abril, o governo foi entregue ao general Castelo Branco. Iniciava-se, assim, um dos períodos mais sombrios da história brasileira: a ditadura militar, que se estenderia até 1985 (SERIACOPI, 2005). A partir do início de fins da década de 1960 e início da década de 1970 a economia brasileira deu sinais de recuperação e entrou em um período de intenso crescimento. Assim, esse 3 período, que tem sido chamado de “anos de chumbo” devido a forte repressão militar, foi também caracterizado pelo que ficou conhecido como do “milagre econômico” (SERIACOPI, 2005). Empréstimos obtidos a juros baixos em bancos estrangeiros garantiram o aporte financeiro para a expansão industrial do país, mas triplicaram a dívida externa brasileira entre 1967 e 1972. Muitas multinacionais se instalaram no país, onde passaram a produzir, com mão-de-obra barata, mercadorias modernas e sofisticadas a preços acessíveis. Graças a uma política de facilitação do crédito ao consumidor, as classes médias passaram a ter acesso a bens como automóveis, eletrodomésticos, etc. Já as camadas mais baixas sofriam com o achatamento de seus salários. (SERIACOPI, 2005). A organização do país sob a direção dos militares intensificou a centralização administrativa aumentando o controle do Conselho de Segurança Nacional, criando o Serviço Nacional de Informação (SNI) e estabelecendo setores de Segurança Nacional nos ministérios e autarquias, procurando cada vez mais ligar os órgãos de planejamento e controle do executivo às forças armadas. Concomitantemente, reprimiam o protesto social e procuravam desmantelar as organizações de classe, eliminando dessa forma qualquer oposição ao projeto de governo (CARDOSO FILHO, 2001). O término do período ditatorial ocorre no ano de 1985, quando termina o mandato do Presidente General João Batista Figueiredo, um dos responsáveis pelo processo de reabertura do país3, culminando com a ascensão de um Presidente da República civil, José Sarney, embora ainda eleito por processo eleitoral indireto, sendo vice na chapa de Tancredo Dornelles Neves, que veio a falecer antes de sua posse (GONÇALVES JUNIOR, 2002). O contexto da educação e da educação física Na ideologia de segurança nacional estava expressa que a subversão deveria ser combatida em todos os setores, principalmente nas instituições difusoras de ideias que são as escolas, Universidades e igrejas. Professores e alunos foram expulsos das universidades, cassados e presos. Os programas de educação popular acusados de subverter a ordem social foram desmantelados. A política educacional, do período, para todos os níveis de ensino tinha como um dos seus principais eixos contribuírem com o controle político ideológico. As reformas educacionais se caracterizaram pela centralização das decisões e do planejamento com base no saber dos tecnocratas (GERMANO, 1994). 3 Evidentemente que o processo de abertura política do Brasil era inevitável diante das pressões de populares, do movimento sindical, de partidos políticos que voltavam a se organizar e dos intelectuais exilados que pouco a pouco retornavam ao país (GONÇALVES JUNIOR, 2002). 4 Em 1971 com o decreto lei 69450/71 (BRASIL, 1971) são nítidas as interferências nas funções do professor. No item referente à composição das turmas, por exemplo, era estabelecido que elas tivessem que ser separadas por sexo. Para Germano (1994) a Educação Física da época se pautava na busca pelo desempenho esportivo e pela vitória. O pressuposto é que para as aulas serem dadas com o objetivo de formar atletas, a turma devia ser composta por alunos que tinham condições físicas semelhantes, o que possibilitaria competição equilibrada. Preocupados com a resistência que os estudantes vinham fazendo ao regime, os governantes além de reprimi-los pela força, utilizaram-se do esporte como uma forma de desmobilização e alienação. Nas universidades enquanto os diretórios acadêmicos eram fechados, as atléticas eram incentivadas, e a participação esportiva passava a substituir a política. A Educação Física se tornou obrigatória, também no terceiro grau e os jogos universitários e estudantis receberam um acentuado incentivo dos governos o que resultou no expressivo crescimento da participação de estudantes de todas as partes do Brasil (CASTELLANI FILHO, 1994). O ano de 1970 se caracterizou pela arbitrariedade, pelos assassinatos, prisões e tortura de militantes políticos contrários ao regime. Enquanto isso os meios de comunicação em convivência com o governo, enalteciam a vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970 (GHIRALDELLI, 1988). As glórias do nosso futebol foram exaustivamente divulgadas com o objetivo de fazer crer que os resultados obtidos pelas nossas equipes tinham uma relação com o nosso desenvolvimento enquanto nação. Outro uso político do futebol foi o de encobrir as denúncias feita contra as graves violações dos direitos humanos que aqui aconteciam (GHIRALDELLI, 1988). Os militares acreditavam que o esporte deveria ser aprendido na escola, e que lá seria formada a base da pirâmide em cujo topo estaria os nossos campeões. Como parte dessa política de formação de atletas, tinham estes prioridade na concessão de bolsas de estudo (GHIRALDELLI, 1988). Ressaltamos que nos idos de 1975, o Governo Federal propôs, pela primeira vez, um Política Nacional de Educação Física e Desportos, que tinha por objetivo massificar as práticas esportivas no âmbito escolar e não-escolar com o intuito de aumentar a base da pirâmide de praticantes e assim favorecer o incremento do topo da pirâmide ou do chamado na época Desporto de Alto Nível, ou seja, a elite esportiva do país em termos de representação nacional e internacional. (GONÇALVES JUNIOR, 2002). Procedimentos Metodológicos 5 Após refletir sobre os aspectos que permearam o período da Ditadura Militar (1964-1985) referentes à Educação Física Escolar, realizamos três entrevistas com alunos que estudaram, da 5ª a 8ª série entre 1979 e 1984, na Escola Estadual Dinah Lucia Balestrero, localizada na cidade de Brotas/SP. Todos foram contatados previamente e concordaram em conceder entrevista, as quais foram realizadas em situações de diálogos, sendo registradas as informações em diários de campo (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Decorrente de preceitos éticos os entrevistados adotaram os seguintes nomes fictícios: Claudio, Henrique e Maria. Como ponto de partida a entrevista realizamos a questão: como eram suas aulas de Educação Física enquanto alunos de 5ª a 8ª séries. Para estabelecer uma compreensão dos dados coletados, organizamos categorias temáticas. De acordo com Gomes (2004), “as categorias são empregadas para se estabelecer classificações. Nesse sentido, trabalhar com elas significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso” (p.70). A seguir, apresentamos a análise dos dados. Análise dos Dados TABELA 1: Categorias Temáticas ENTREVISTA CATEGORIA A. Educação Física Escolar separada por sexo e em horário oposto as demais disciplinas I - Claudio II - Henrique III - Maria 1 6 4,6 B. Professores de Educação Física exigentes C. Atribuição de importância aos exames biométricos D. Esportivização da Educação Física Escolar E. Preparação física F. Exigência de uniformes específicos 2 1 8 3 2 5,6 4 7,9 4 2 5 3,1 6 Foram formados seis categorias (“A” à “F”) e alguns trechos das transcrições dos professores que revelam como eram as aulas de educação física no período da ditadura militar seguem no corpo da análise. A) Educação Física Escolar separada por sexo em horário oposto as demais disciplinas. Conforme o relato de Henrique ‘‘as aulas eram realizadas no período ao contrário do meu caso, á tarde e separado por sexo. (I, 1); Maria disse: “As aulas eram separadas por feminino e masculino, mas tínhamos o ensino professor (sexo) masculino (III, 4); algumas meninas sentiam vergonha, devido ao professor ser do sexo masculino, mas lembra que tinham uma professora (III, 6); Claudio diz que o professor tornou o responsável pelos treinos masculinos e a professora, pelos treinos femininos (II, 2). B) Professores de Educação Física exigentes Fato bem caracterizado a época segundo relato de Claudio: “principalmente no ensino fundamental era muito exigente” (I, 2) e Henrique pautou- “todos os dias os alunos ficavam perfilados, seguido orientações militares; esquerda volver, direita volver e a frente” (II, 1) e Maria lembra: “os treinamentos eram rigorosos e o professor exigia muita disciplina e dedicações” (III 8). C) Atribuição da importância de exames biométricos. Segundo Claudio: “no início do ano letivo eram feitos as medições de peso e altura. (I, 3); Maria também relata que no inicio do ano eram feitas as avaliações de peso e altura (III, 2). D) Esportivização da Educação Física Escolar. Os jogos eram divididos durante os bimestres (handebol, voleibol, basquetebol e futebol) se não nos esforços físicos nos exercícios poderá ser punidos, participando das atividades de fundamental de lado modalidade esportivas dos jogos (I, 5) e; muitas vezes eram desenvolvidas nas competições intercalasses e, até mesmo entre times que formamos nas aulas de educação física que, vale lembrar também, eram divididos por séries. Algumas vezes formavam uma seleção para jogar contra outras escolas (I, 6). Colocado também, Henrique se destacava pelo treinamento esportivo onde os alunos eram habilidosos e se especializavam em determinada modalidade esportiva, a fim de representar a escola nos Campeonatos Escolares, caracterizando assim um método tecnicista e esportivista (II, 4). Já Maria reafirma: “tinham jogos (voleibol, basquetebol), as meninas que se destacavam (nesses jogos) eram convidadas a realizarem um treinamento a parte para participar de jogos contra outras cidades: Dois Córregos, Jaú e Rio Claro (III, 7) e a escola inteira convidada para assistir as competições (III 9). 7 E) Preparação física. Claudio nos conta que, “nas primeiras aulas, o professor desenvolvia um circuito de exercícios e, durante o ano todo fazíamos exercícios nas barras perpendiculares e paralelas, além de flexões (que chamávamos de apoio) e exercícios abdominais” (I, 4), Henrique conta “em desfiles de datas comemorativas, ex: sete de setembro e aniversário da cidade, evidenciavam os exercícios militares na aula de educação física (II, 23); Maria relata como eram as seqüências, “corríamos em volta da quadra, fazíamos exercícios de flexões (com uso de bastões) e abdominais. O professor desenvolvia uma série de exercícios que chamávamos de circuito, eram exercícios que exigia condicionamento físico e persistência”(III, cinco). F) Exigência de uniformes específicos. Apenas a entrevistada Maria comentou sobre tal assunto, como segue: “também era solicitado o uniforme. Para as meninas, shorts vermelho com elástico, camiseta ou saia branca com shorts embaixo, o tênis também tinham que ser branco” (III, 3). Considerações As entrevistas colaboraram para melhor esclarecer como eram as de Educação Física no período da ditadura militar. Percebemos que as aulas eram sobremaneira voltadas para modalidades esportivas. No citado período era responsabilidade do professor de Educação Física a formação das turmas de treinamento, ou seja, havia uma seleção em que os melhores de cada modalidade representariam a escola nas competições promovidas pela Secretaria Estadual de Esportes e Cultura, visando inclusive formação de uma elite esportiva no país para realizar propaganda do regime. Decorrente de tal situação ocorria exclusão dos alunos menos hábeis das turmas de treinamento, os quais eram destinados as aulas de Educação Física pautadas na ginástica, gerando descontentamento e solicitações de dispensa das aulas por motivos diversos, tais como: problemas de saúde, trabalho, entre outros. A partir dos dados coletados junto aos entrevistados consideramos que as aulas de educação física eram: voltadas aos esportes e a preparação física; separadas por sexo; realizada em horários opostos a outras disciplinas; exigentes quanto ao uso de uniforme; atribuíam extrema importância aos exames biométricos. 8 Referências BRASIL, MEC, Parâmetros Curriculares Nacionais, 3º edição, 2001. BOGDAN, Roberto; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto (Portugal): Porto Editora, 1994. CARDOSO FILHO, J, Programa de Educação continuada: “O pensar e o fazer’’ em Educação Física, Serviço Social da Indústria, SESI. 2001. CASTELANI FILHO, Lino. Política Educacional e Educação Física, 2º edição, 2002. GERMANO, J. W. Estado militar e educação no Brasil (1964-1985). São Paulo: Cortez, 1994. GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MYNAIO, Maria C. de S. (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Lazer no período da ditadura militar: o desvelar de depoimentos de sindicalistas da Grande São Paulo - Brasil. Revista Corpoconsciência, Santo André, n. 10, p. 3555, 2o sem., 2002. SERIACOPI, G. História. São Paulo: Ática, 2005.