Jairo e o Rio Naquele rio pedregoso perto de casa, Jairo Garcia encontrou muitas coisas. No verão de seus dezoito foi um peixe roxo. Em maio do ano seguinte foi uma resposta. Estava na beira do rio e isso era só um momento. Cada um deles deveria seguir, deveria passar. No tempo certo, escreveria uma canção, encontraria algum amor. Depois do peixe roxo, sabia que naquele rio pedregoso perto de casa encontraria muita coisa. O peixe roxo não era seu. Por isso, mesmo tendo-o em suas mãos por um instante, Jairo o deixara partir. Sobre isso ele aprendeu sem que alguém lhe ensinasse. Ali naquele gramado estava acompanhado apenas do rio, mestre silente em suas lições, ruidoso anunciante da passagem do tempo. De vez em quando, trazia consigo o violão preto, cordas de nylon. De vez em quando, levava de volta a vontade de ter ficado ali. Acabava voltando para casa e dormindo enrolado num lençol branco, com o pé para o lado de fora, pois nunca conseguia evitar esse desfecho. O dia começava e acabava e começava no mesmo lugar; quando começasse de novo, sairia fazer qualquer outra coisa e, sem planejar, chegaria até o rio; saudava-o sem dizer palavra; acompanhava por querer o seu correr, divagando sobre ele e aquilo. Isso começava e nunca acabava no mesmo lugar. Ali havia mistério. Mas não sabia exatamente como dizer isso, como compor aquela percepção em poesia, música. Enquanto caminhava, tentando pensar em algo bonito, encontrou uma beleza inesperada. Ela tinha 16 e ele não sabia seu nome. Por entre as pedras, sobre elas, em volta delas, a água corria para o mesmo lado de sempre; Jairo olhava para o mesmo lado de sempre. Desta vez a paisagem era diferente. Cabelos loiros. Desta vez a caminhada de Jairo deixou de ser um impulso irrefreado. Gestos suaves. O ato solitário de contemplar aquele lugar estava, agora, inevitavelmente alterado para sempre, mesmo sem ele saber. Molhava os pés. Teria ela não o notado ou não se importado? Lavava as mãos. Brancas. Parado em frente a ela, Jairo esperava ansiosamente, sem saber exatamente disso, pelo momento em que ela levantaria o olhar e cravaria nele algum sentimento que ele não saberia sequer nomear. Erguia o rosto. Nele Jairo viu, sem entender, um mundo que ele jamais imaginara. Sorria. Sem saber, ele também sorria. Usava um vestido colorido e se levantava para ir embora. Ele não a seguiria, não hoje, pois não seria capaz. Era época de chuvas e o rio estava muito cheio. Pela primeira vez, ele se tornara um obstáculo. No resto do dia, Jairo Garcia ficou a se perguntar: - Quem seria aquela guria do lado de lá? Fascinado por sua nova descoberta, chegou a esquecer o peixe roxo. Passou a lembrar mais vezes do violão. Ah, se o tivesse consigo aquele dia, talvez tivesse mantido a moça por lá mais um momento. Talvez brotasse ali uma canção e até um amor, do jeito que deveria ser algum dia. E no dia seguinte ela não apareceu por lá. Isso causou nele um certo abatimento; andou pela margem como costumava fazer. Chovia. Cobriu o violão com seu casaco marrom e seguiu a esmo, procurando alguma coisa, como sempre, porém desta vez, de maneira inédita, sabendo exatamente o que queria encontrar. Olhava a outra margem esperando uma presença, frustrando-se pouco a pouco em cada busca. Ouviu os cães do velho Jacó latindo ao longe, e, sem saber no que pensava, descobriu por acaso que todas as histórias eram de amor e que por isso ainda não conseguira escrever uma canção. Era um bom momento para tentar. Sentou debaixo de um jacarandá e dedilhou alguma coisa em lá menor, esfolando alguma rima aqui e ali; soou bem; nunca mais se lembraria dessa canção. Era um dia chuvoso e Jairo encontrara algo que não sabia procurar. Tinha para si, naquele olhar da véspera, um mistério; uma força exercida sobre si que ele não saberia - jamais - controlar. Fechando os olhos e se escorando no tronco da árvore, descobriu que isso era bom.