UMinho|2012 Stressores e estratégias de coping com Maria das Dores Ferreira da Silva o luto conjugal: um estudo longitudinal em adultos idosos. Universidade do Minho Instituto de Educação Maria das Dores Ferreira da Silva Stressores e estratégias de coping com o luto conjugal: um estudo longitudinal em adultos idosos. Junho de 2012 Universidade do Minho Instituto de Educação Maria das Dores Ferreira da Silva Stressores e estratégias de coping com o luto conjugal: um estudo longitudinal em adultos idosos. Tese de Doutoramento em Ciências da Educação Especialidade em Psicologia da Educação Trabalho efetuado sob a orientação do Professor Doutor José Ferreira-Alves Junho de 2012 DECLARAÇÃO Nome: Maria das Dores Ferreira da Silva Endereço Eletrónico: [email protected] Nº do Bilhete de Identidade: 7407205 Título de Tese de Doutoramento: Stressores e estratégias de coping com o luto conjugal: um estudo longitudinal em adultos idosos. Orientador: Professor Doutor José Ferreira-Alves Ano de conclusão: 2012 Ramo do Conhecimento do Doutoramento: Ciências da Educação, Área de Conhecimento em Psicologia da Educação DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO EM VIGOR, NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO DE QUALQUER PARTE DESTA TESE Universidade do Minho, _____ de __________________ de__________ Assinatura:__________________________________________________ II Agradecimentos Esta foi mais uma etapa do meu percurso enquanto pessoa e professora. Quis percorrê-la, porque me pareceu ser a atitude mais acertada depois de ter realizado o mestrado. Pensei que o trabalho, então realizado, ficaria mais completo se o aprofundasse mais. E se bem o pensei, melhor o fiz. Foram cinco anos de muitos sacrifícios, de muitas alegrias, de algumas tristezas e, sobretudo, de muitas aprendizagens. Neste percurso, cruzei-me com muitas pessoas sem as quais este trabalho não se teria realizado e às quais tenho e devo agradecer. Umas, porque se constituíram como as personagens principais deste trabalho, outras, porque colaboraram para que ele se concretizasse e ganhasse forma. Refiro-me, em primeiro lugar, às cinquenta e nove mulheres viúvas idosas sem as quais este trabalho não se teria realizado. Agradeço a sua colaboração, a sua confiança neste trabalho, a sua disponibilidade e a generosidade com que me receberam em suas casas e comigo partilharam momentos das suas vidas. Ao meu pai, que faleceu enquanto realizava este trabalho, dedico este projeto. Tenho a certeza que a sua alegria é imensa. À minha mãe agradeço a sua paciência para me aturar nos momentos menos bons e o espaço que me deu para realizar este trabalho. À minha mãe pela minha ausência, pelo apoio e confiança que sempre depositou em mim, um agradecimento eterno. Agradeço à Ana Isabel, à Ilidia, à Dite e à Zélia amigas, conselheiras, sempre presentes quando delas precisei, agradeço a sua amizade, paciência para me ouvir, motivação e encorajamento para prosseguir nos momentos em que desistir parecia ser mais fácil. Umas palavras especiais de agradecimento ao Professor Doutor José FerreiraAlves, meu orientador neste trabalho. Sempre presente e disponível para as minhas dúvidas e questões, fosse a que dia e a que hora. Sempre com uma palavra de motivação e encorajamento nos momentos em que estes pareciam falhar, o professor pautou sempre a sua ação pelo rigor e confiança neste trabalho. A ele agradeço a força, o incentivo e otimismo que me transmitiu ao longo destes anos, bem tudo o que aprendi. À Sandra Ferreira, cuja amizade se foi construindo e solidificando ao longo dos poucos anos que tem a nossa amizade, construída em torno de um interesse comum: o luto nas suas mais variadas formas. À Sandra, agradeço o apoio na aplicação dos III instrumentos e a paciência para ouvir os meus desabafos em torno deste projeto. Agradeço à Teresa que, incansavelmente, me ajudou na localização da morada de algumas senhoras viúvas. Mais do que ninguém, a Teresa conhece os meandros de todo o processo que levou ao contacto com estas pessoas. Conhece as alegrais de termos conseguido um consentimento de entre quatro ou cinco e as tristezas de não conseguirmos nenhum. Foi uma ajuda preciosa. As tardes de sábado serão sempre recordadas, agora com saudade e alguma nostalgia. À Paula Pereira que me ajudou na identificação e contacto com as pessoas viúvas idosas. Agradeço a sua ajuda que veio a revelar-se fundamental. Partilhámos momentos de alegria, mas também de algum desânimo que depressa era ultrapassado, pois apoiávamo-nos mutuamente numa amizade que entretanto se formou. À Helena Sarmento agradeço a sua sinceridade e entusiasmo com este projeto. Depressa aceitou colaborar de uma forma genuína e verdadeira, muitas vezes à custa de grandes sacrifícios. Agradeço à Cárlene Barbosa e à Isabel Matos que participaram neste projeto através da aplicação dos instrumentos de medida junto das participantes. Também elas interessadas nesta temática que é a perda e o luto, a sua ajuda revelou-se preciosa. Agradeço aos párocos que tão gentilmente me forneceram elementos que permitiram chegar junto das senhoras que procurava. A eles agradeço a confiança depositada e a oportunidade que me deram de partilhar com eles o conteúdo deste trabalho. Aos agentes das agências funerárias que, sempre que possível, se dispuseram a fornecer-me a informação que procurava para este trabalho, tenho, igualmente, muito a agradecer. Consciente de que será impossível nomear todos aqueles que me ajudaram nesta última etapa, irei fazer referência a alguns. Agradeço à Dr.ª Margaret Stroebe com quem mantive contacto durante estes e outros anos. Agradeço a sua contínua disponibilidade e humildade para esclarecer algumas dúvidas sobre o modelo da sua autoria. Uma atitude que muito me honrou. Às minhas colegas de trabalho, em especial àquelas que comigo conviveram neste últimos anos e que seguiram de perto a construção desta tese. Falo da Alice e da Fátima, aquelas que sempre foram mais cúmplices. Agradeço ao Barros, ao Alcino, à Olinda, à Amélia, ao Cassiano e ao Zé Luís pelo ambiente de partilha, de interesse e de compreensão em torno do meu trabalho. É, contudo, impossível referir todos aqueles que, de uma forma ou de outra, fizeram parte do meu percurso. Nesta impossibilidade a todos eles eu agradeço. IV Stressores e estratégias de coping com o luto conjugal: um estudo longitudinal em adultos idosos. Resumo O Modelo Dual de Processar o Luto sugere que uma boa adaptação ao luto constitui um processo dinâmico, envolvendo o confronto e o evitamento de stressores orientados para a perda e stressores orientados para o restabelecimento. Segundo Stroebe e Schut (1999) a pessoa enlutada executa um movimento dinâmico de coping, denominado de Oscilação, quando orienta a sua atenção de forma alternada para os diferentes stressores. A utilização deste modelo no estudo de processos de luto, revela-se de todo o interesse, porque nos permite identificar e compreender a natureza das tarefas do luto com que o enlutado tem que lidar (stressores), bem como a forma como o pode fazer (confrontando ou evitando). O presente trabalho apresenta dois objetivos centrais: a) uma proposta de operacionalização do Modelo Dual de Stroebe e Schut (1999) e b) a apresentação dos primeiros dados longitudinais do processo de luto em adultos idosos, recorrendo à operacionalização proposta. Para a operacionalização do modelo dual desenvolvemos dois inventários: um inventário de stressores de perda e de restabelecimento e um outro de estratégias de coping orientadas para a perda e para o restabelecimento. Como objetivos do estudo longitudinal estabelecemos os seguintes: a) descrever o autorrelato da trajetória de stressores e de estratégias de coping com o luto nos primeiros dezassete meses após a perda; b) avaliar as diferenças na evolução das dimensões do Modelo Dual de Processar o Luto em função da idade, da escolaridade e das circunstâncias da morte; c) avaliar a existência de Perturbações Prolongadas do Luto e sua associação com os stressores e as estratégias de coping; d) avaliar o comportamento dos stressores e das estratégias de coping em função de estilos de vinculação; e) avaliar a associação entre os stressores e estratégias de coping e o estado geral de saúde. Dos cento e noventa e nove (199) contactos, cinquenta e nove (59) aceitaram integrar a amostra de participantes. A amplitude de idade dos participantes situou-se entre os 65 e os 85anos, (M=72.49 e DP=6.18). As participantes responderam aos seguintes instrumentos de avaliação: Mini – Cog, (Doerflinger & Fairfax, 2007). Questionário Sociodemográfico (QSD) e Escala de Vinculação do Adulto (Adaptação de Canavarro, M, C, 1995; versão portuguesa da Adult Attachment Scale-R; Collins & Read, 1990). Além destes instrumentos, que só foram aplicados uma vez, todos os seguintes foram aplicados em todos os momentos do estudo, de quatro em quatro meses V até perfazer um total de dezassete meses: o Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR), Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento (IECOPR) e o Questionário Geral de Saúde (Adaptação de McIntyre, McIntyre & Redondo, 1999; versão portuguesa do General Health Questionnaire (12); Goldberg, 1981). Administrámos, ainda, um outro instrumento a partir do 9º mês que foi Perturbação Prolongada do Luto (PPL-13) (Traduzido por Silva e Ferreira-Alves (2009). Versão para investigação de Prolonged Grief Disorder (PGD -13) (Prigerson & Maciejewski, s/d). Os resultados mostraram que o autorrelato da experiência dos stressores de perda indicava uma maior intensidade desses stressores nos primeiros tempos do que nos tempos mais tardios (17 meses após a perda) apoiando, deste modo, o postulado por Stroebe e Schut (1999) para o Modelo Dual de Processar o Luto. Apurámos que o autorrelato do uso de estratégias de evitamento com a perda foi significativamente maior nos primeiros 5 meses do que passados 17 meses. Verificámos que as participantes com idades compreendidas entre os 65 e os 74 anos tendem a experienciar mais intensamente os stressores de perda nos primeiros tempos do que em tempos mais tardios, o mesmo sucedendo com o uso das estratégias de evitamento com a perda que diminuem significativamente com o tempo. Relativamente à escolaridade, constatámos que as participantes com escolaridade usam mais estratégias de evitamento da perda nos primeiros meses do que em momentos mais tardios no luto. As participantes cuja morte do cônjuge se antecipava, experienciaram com mais intensidade os stressores de perda no primeiro mês do que no décimo sétimo mês. Os resultados indicaram que o estado geral de saúde das participantes é pior nos primeiros cinco meses do que no décimo sétimo mês. Identificámos, apenas, uma participante com Perturbação Prolongada do Luto. Para as participantes com um estilo de vinculação seguro o autorrelato da experiência dos stressores de perda indicou uma maior intensidade destes stressores nos primeiros meses do que após dezassete meses a perda ter ocorrido. Os resultados deste trabalho fornecem, a par de Caserta e Lund (2007), apoio empírico ao modelo de Stroebe e Schut (1999). Em termos de implicações práticas, os resultados indicam que um processo de ajuda às pessoas idosas que sofreram uma perda conjugal é um processo que tem de integrar de forma adaptada a cada indivíduo, a compreensão dos stressores de perda e de restabelecimento bem como o uso de formas de coping de confronto e de evitamento com a perda e com o restabelecimento. Palavras-Chave: Luto, processos de coping; stressores, modelo dual, adultos idosos. VI Stressors and coping strategies with marital bereavement: A longitudinal study in elderly adults. Abstract The Dual Process Model of Coping with Bereavement suggests that a good bereavement adaptation is a dynamic process, involving the confrontation and the avoidance of stressors aimed at the loss and stressors oriented for the restoration. According to Stroebe & Schut (1999), the bereaved person performs a dynamic coping movement, designated Oscillation, whereby his/her attention is oriented alternately towards the different stressors. The use of this model in the study of bereavement processes, is of the utmost complete interest, as it allows us to identify and understand the nature of the bereavement with which the bereaved has to deal (stressors), as well as the manner how it can be done (confrontation or avoidance). The current work has two central objectives: a) an operationalization proposal of the Dual Process Model by Stroebe & Schut (1999) and b) a presentation of the first longitudinal data of the bereavement process in elderly adults by using the proposed operationalization. Two inventories for the operationalization of the dual process model were developed: A loss stressors and restoration inventory and a coping strategies oriented towards loss and restoration inventory. The established study purposes were the following: a) describe the self-report of the stressors trajectories and the bereavement coping strategy with the first seventeen months after the loss; b) evaluate the different evolution dimensions of the Dual Process Model of Coping with Bereavement based on age, education and the circumstances of death; c) evaluate the existence of Prolonged Grief Disorders and their association with stressors and coping strategies; d) evaluate the behavior of the stressors and the coping strategies depending on attachment styles; e) evaluate the association between the stressors and coping strategies and the general state of health. Of the hundred and ninety nine (199) contacts, fifty nine (59) accepted to be integrated in the participant sample. The age range of the participants was between 65 and 85 years old, (M=72.49 and DP=6.18). The participants responded to the following assessment instruments: Mini – Cog (Doerflinger & Fairfax, 2007), Socio-demographic questionnaire (SDQ) and the Adult Attachment Scale (Adapted from Canavarro, M, C, 1995; the Portuguese version of the Adult Attachment Scale-R; Collins & Read, 1990). Besides these instruments, which were only applied once, all the following instruments were applied at all times of the study, every four months until reaching a total of VII seventeen months: Stressors Oriented to Loss and Restoration Inventory (SOLRI), Coping Strategies Oriented to Loss and Restoration Inventory (CSOLRI) and the General Health Questionnaire (GHQ) (Adaptation of McIntyre, McIntyre & Redondo, 1999; the Portuguese version of General Health Questionnaire (12); Goldberg, 1981). Another instrument was also administered starting from the 9th month which was the Prolonged Grief Disorder (PGD-13) (Translated by Silva & Ferreira-Alves (2009)). Research version of the Prolonged Grief Disorder (PGD -13) (Prigerson & Maciejewski, s/d). The results showed that the self-report of the experience of the loss stressors indicated a higher intensity of these stressors in the earlier period than in the later period (17 months after the loss) thus supporting what was the postulated by Stroebe & Schut (1999) for the Dual Process Model of Coping with Bereavement . We also determined that the self-report of the use of loss avoidance strategies was significantly higher in the first 5 months than after 17 months. We also determined that the participants with ages between 65 and 74 years tended to experiment more intensely the loss stressors in the earlier period than in the later period, and the same happens with the use of the loss avoidance strategies which significantly diminish over the course of time. In regards to education, we also observed that the participants with higher education used more loss avoidance strategies in the first months than at a later period of bereavement. The participants, whose spousal death was expected, experienced more intensely the loss stressors in the first month than in the seventeenth month. The results indicated that the general health state of the participants is worse in the first five months than at seventeenth months. Only one participant was identified with Prolonged Grief Disorder. In the case of the participants with a safe attachment style, the self-report of the loss stressors experience indicated a bigger intensity of these stressors in the first months than seventeenth months after the loss occurrence. The results of this work provide, alongside Caserta & Lund (2007), an empirical support of the model established by Stroebe & Schut (1999). In what concerns the practical implications of this study, the results indicate that an aid or support process supplied to elderly people who have suffered spousal loss is a process that must integrate (in a manner adapted to each individual) the understanding of loss stressors and reestablishment as well as the use of coping manners pertaining to confrontation and avoidance of loss and reestablishment. Key words: Grief, bereavement, coping processes, stressors, dual model, elderly adults. VIII Índice de Quadros Quadro 1.1.1 - População residente por sexo e por estado civil, 2001 e taxa de variação 1991-2001 (Fonte: Destaque do INE, 2002a) Quadro1.1.2- (Adaptado) – Casamentos segundo o estado civil anterior (%) – 19812001 (Carrilho, 2002, p.158) Quadro 1.1.3 (Adaptado) – Percentagem de casamentos, segundo o estado civil anterior dos nubentes, em Portugal (1999) (Rosa, 2002, p.671). Quadro 4.1. Esquema representativo do total de contactos aceites e recusados, bem como os motivos das recusas, em cada um dos cinco momentos temporais Quadro 4.2. Ordem de aplicação dos instrumentos de medida Quadro 4.3- Características sociodemográficas da amostra IX Índice de Figuras Figura 1.1.1 (Adaptado) – Taxa de viuvez por escalão etário e sexo (por 1000 habitantes), Portugal, 1999. (Fonte INE, 2002). Figura1.3.2. Modelo do Coping Original (Folkman, 1997, p.1217). Figura 1.3.3. Modelo do Coping Revisto (Folkman, 2001, p.574). Figura 1.3.4 – Esquema representativo do Modelo Dual de Processar o Luto (Hansson & Stroebe 2007, p.45). Figura 1.3.5. Modelo Dual de Processar o Luto: processos de reavaliação (Stroebe & Schut, 2001a, p.68). Figura 2.1.1- Estádios psicossociais de Erikson (Erikson, 1982) Figura 5.2.1. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda em cada tempo. Figura 5.2.2. Média da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimento em cada tempo. Figura 5.2.3. Intensidade experienciada nos Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento nos 5 tempos. Figura 5.3.1. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo (n=19). Figura 5.3.2. Média da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda, em cada tempo (n=19). Figura 5.3.3. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo (n=19). Figura 5.3.4. Média da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimento, em cada tempo (n=19). Figura 5.3.5. Média da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda em cada tempo (n=19). Figura 5.3.6. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo (n=19). Figura 5.3.7. Média da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda, em cada tempo (n=19). Figura5.4.1. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de confronto com a perda em cada tempo. X Figura 5.4.2. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de evitamento com a perda em cada tempo. Figura 5.4.3. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de confronto com o restabelecimento em cada tempo. Figura 5.4.4. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de evitamento com o restabelecimento em cada tempo. Figura 5.4.5 – Evolução das médias da intensidade das estratégias de confronto e evitamento dos stressores de perda e restabelecimento. Figura 5.5.1. Média do estado geral de saúde em cada tempo Figura 5.5.2. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo, das participantes com estilo de vinculação seguro. XI Índice de Tabelas Tabela 5.2.1. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR) Tabela 5.2.2. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.2.3. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Tabela 5.2.4. Valor da Média de cada item (M) da subescala SOP em cada momento temporal Tabela 5.2.5. Valor da Média de cada item (M) da subescala SOR em cada momento temporal Tabela 5.2.6. Diferenças entre a intensidade experienciada dos SOP e dos SOR nos cinco momentos temporais. Tabela 5.3.1. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR) Tabela 5.3.2. Média e desvio padrão dos autorrelatos de stressores de perda e restabelecimento na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de idade. Tabela 5.3.3. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.3.4. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Tabela 5.3.5. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Estratégias de Confronto (ECP) e de Evitamento (EEP) com a Perda e com o Restabelecimento (ECR e EER) Tabela 5.3.6. Média e desvio padrão dos autorrelatos das estratégias de coping na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de idade. Tabela 5.3.7. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.3.8. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni XII Tabela 5.3.9. Média e desvio padrão dos autorrelatos de stressores de perda e restabelecimento na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de escolaridade. Tabela 5.3.10. Média e desvio padrão dos autorrelatos de estratégias de coping na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de escolaridade. Tabela 5.3.11. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.3.12. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Tabela 5.3.13. Média e desvio padrão dos autorrelatos de stressores de perda e restabelecimento na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois tipos de morte. Tabela 5.3.14. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.3.15. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Tabela 5.3.16. Média e desvio padrão dos autorrelatos das estratégias de coping na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois tipos de morte. Tabela 5.4.1. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Estratégias de Confronto (ECP) e de Evitamento (EEP) com a Perda e com o Restabelecimento (ECR e EER) Tabela 5.4.2. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.4.3. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Tabela 5.4.4. Valor da Média de cada item (M) da subescala ECP em cada momento temporal. Tabela 5.4.5. Valor da Média de cada item (M) da subescala EEP em cada momento temporal. Tabela 5.4.6. Valor da Média de cada item (M) da subescala ECR em cada momento temporal. XIII Tabela 5.4.7. Valor da Média de cada item (M) da subescala EER em cada momento temporal. Tabela 5.4.8. Diferenças entre a intensidade experienciada das ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais. Tabela 5.5.1. Propriedades Psicométricas do QGS Tabela 5.5.2. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.5.3. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Tabela 5.5.4. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR Tabela 5.5.5. Correlações, médias e desvios padrão para as pontuações no QGS e nos stressores de perda para os cinco momentos Tabela 5.5.6. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Estratégias de Confronto (ECP) e de Evitamento (EEP) com a Perda e com o Restabelecimento (ECR e EER) Tabela 5.5.7. Distribuição das participantes por protótipos de vinculação Tabela 5.5.8. Distribuição das participantes por estilos vinculação com participação em todos os momentos temporais. Tabela 5.5.9. Valores da pontuação média (desvio padrão) das participantes com um estilo de vinculação Seguro, Preocupado e Desligado Tabela 5.5.10. Valores da pontuação média (desvio padrão) das participantes com um estilo de vinculação Seguro, Preocupado e Desligado Tabela 5.5.11. Valores da pontuação média (desvio padrão) das participantes com um estilo de vinculação Seguro, Preocupado e Desligado Tabela 5.5.12. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Tabela 5.5.13. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Tabela 5.5.14. Propriedades Psicométricas do PPL e no estudo de adaptação da versão portuguesa de Delalibera e col. (2010) Tabela 5.5.15. Frequências da presença dos critérios PPL em cada momento. XIV ÍNDICE Agradecimentos ………………………………………………………………………. III Resumo …………………………………………………………………………………V Abstract ……………………………………………………………………………... VII Introdução ……………………………………………………………………………...19 PARTE I – Demografia do envelhecimento e da viuvez. História e perspetivas teóricas sobre o luto…………………………………………………………………………….24 Capítulo 1. Dinâmicas demográficas sobre o envelhecimento e a viuvez…………….25 1.1. Movimento populacional: indicadores demográficos sobre o envelhecimento…………………………………………………………………………25 1.2. Situação demográfica das pessoas viúvas………………………………….27 1.3. Síntese……………………………………………………………………...31 Capítulo 2. Breve incursão à história do pensamento sobre a morte e o luto…………..32 2.1. O significado de luto……………………………………………………….32 2.2. Relação entre o Homem e a Morte………………………………………...34 2.3. Do culto do morto à experiência do luto…………………………………..40 2.4. O luto como assunto de investigação………………………………………41 Capítulo 3. Modelos de entendimento do processo de luto…………………………….43 3.1. O luto como uma experiência a trabalhar………………………………….43 3.2. Teoria do stress cognitivo………………………………………………….45 3.3. Fases do luto……………………………………………………………….50 3.4. Tarefas da pessoa enlutada………………………………………………...57 3.5. Teoria da vinculação……………………………………………………….58 3.6. Limitações das Teorias e dos Modelos…………………………………….62 3.7. O Modelo Dual de Processar o Luto ou um processo dinâmico de lidar com o luto…………………………………………………………………………....64 3.7.1.Mecanismos Cognitivos no Modelo Dual de Processar o Luto……………………………………………………………………..67 XV 3.7.2. O Modelo Dual de Processar o Luto e o comportamento dos estilos de vinculação……………………………………………………………69 3.7.3. Síntese…………………………………………………………....70 PARTE II – O processo de luto dentro do Ciclo de Vida……………………………..71 Capítulo 1 – O luto como uma tarefa desenvolvimental……………………………….72 1.1. Teorias desenvolvimentais………………………………………………....72 1.1.1. A perspetiva desenvolvimental do Ciclo de Vida………………..74 1.1.2. Teoria dos estádios de Erikson…………………………………..78 1.1.3. Tarefas desenvolvimentais de Havighurst ………………………80 1.1.4. Síntese……………………………………………………………83 1.2. Aspetos protetores do desenvolvimento…………………………………...84 1.2.1. Experiência emocional do adulto idoso………………………….84 12.1.1.Sabedoria………………………………………………..91 1.2.1.2. Autoconceito…………………………………………...94 1.3. Aspetos problemáticos do desenvolvimento……………………………….96 1.3.1. Mudanças físicas e psicológicas…………………………………96 Capítulo 2 – Implicações para o coping com o luto……………………………………97 2.1. Síntese…………………………………………………………………….100 Capítulo 3 – O luto como um período de transição para a viúva……………………..100 PARTE III – Natureza, fatores de adaptação e impacto do luto……………………..105 Capítulo 1 – A natureza do luto: luto normal e luto complicado……………………..106 1.2. Síntese…………………………………………………………………….113 Capítulo 2 – Fatores de adaptação do luto conjugal…………………………………..114 2.1. Idade………………………………………………………………………115 2.2. Género…………………………………………………………………….117 2.3. Recursos materiais………………………………………………………..123 2.4. Apoio social………………………………………………………………124 XVI 2.5. Estilos de vinculação……………………………………………………..132 2.5.1.Estilos de vinculação e reações ao luto………………………….135 2.6. Qualidade da relação conjugal……………………………………………139 2.7. Circunstâncias da morte…………………………………………………..144 2.7.1. Morte repentina vs. Morte esperada…………………………….144 2.7.2. Qualidade da morte…………………………………………….146 2.7.3. Síntese…………………………………………………………..147 Capítulo 3 – O impacto do luto conjugal……………………………………………...152 3.1. Impacto físico e psicológico……………………………………………...152 3.1.1. A mortalidade do luto………………………………………….157 3.2. O impacto na vida diária da pessoa enlutada……………………..161 3.3. O impacto na participação social…………………………………162 3.4. Síntese…………………………………………………………….165 PARTE IV - Stressores e estratégias de coping com o luto conjugal: um estudo longitudinal em adultos idosos………………………………………………………..166 Capítulo 1 – Metodologia ……………………………………………………………167 1.1. Introdução………………………………………………………………..167 1.2. Objetivos………………………………………………………………….167 1.3. Método……………………………………………………………………167 1.3.1. Participantes…………………………………………………….167 1.3.2. Medidas…………………………………………………………172 1.3.3. Procedimento…………………………………………………...178 1.3.3.1. Desenho da investigação……………………………………...178 1.3.3.2. Recrutamento e treino de colaboradores da investigação…….179 13.3.3. Administração dos instrumentos de medida…………………..179 PARTE V – Apresentação dos estudos………………………………………………181 1º Estudo………………………………………………………………………182 XVII 2º Estudo………………………………………………………………………189 3º Estudo………………………………………………………………………211 4º Estudo……………………………………………………………………....252 5º Estudo………………………………………………………………………280 PARTE VI – Conclusão………………………………………………………………312 PARTE VII – Referências……………………………………………………………316 ANEXOS Anexo 1 – Consentimento Informado Anexo 2 - Questionário sociodemográfico Anexo 3 - Escala de Vinculação do Adulto – EVA Anexo 4 - Questionário Geral de Saúde – QGS Anexo 5 - Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento – ISOPR (30 dias e 4 meses) Anexo 6 - Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento – IECOPR (30 dias e 4 meses) Anexo 7 - Perturbações Prolongadas do Luto – PPL-13 XVIII INTRODUÇÃO Para Fonseca (2006) o aumento e expansão dos problemas relativos ao envelhecimento da população trouxeram consigo a necessidade de aumentar o conhecimento em torno desta fase do ciclo de vida, durante muitos anos negligenciada em favor de outras fases, como foi o caso da infância e da adolescência. A perda por viuvez em idade avançada é, porventura, de entre vários acontecimentos do ciclo de vida, um dos mais normativos e, simultaneamente, dos menos investigados. Além dos desafios inerentes à falta de projetos ou expectativas culturais para a idade avançada, a perda por viuvez aparentemente adiciona complexidade e dificuldade à vida do adulto idoso, pelos novos problemas que deve enfrentar e lidar. A viuvez é uma ocorrência maioritariamente feminina, tendência que tende a acentuar-se perante dados demográficos que revelam uma maior capacidade das mulheres em sobreviverem aos seus maridos. Com o aumento da esperança de vida, a viuvez nos adultos idosos ocorre cada vez mais tarde no ciclo de vida, é um acontecimento expectável e parece haver vantagens em conceptualizá-lo como uma importante transição psicossocial que implica a reconfiguração do significado da vida e dos seus propósitos (Parkes, 1988, 1993). Para os adultos idosos a viuvez, para além de ser um acontecimento com um grau elevado de probabilidade de acontecer, quando comparado com a população mais jovem (Bennet, 1997; Moss, Moss & Hansson, 2001; Schaefer & Moos, 2001), constitui uma ocorrência central da idade avançada, pelas mudanças pessoais, familiares e sociais que implica - para além da sua influência no bem-estar físico e psicológico da população enlutada (Bennet, 2005; Ward, Mathias & Hitchings, 2007; Lee & Carr, 2007; Carr & Bordnar-Deren, 2009); essas mudanças podem ter um impacto significativo na identidade da pessoa e no sentido da própria vida que desafiam o aparecimento de novas orientações para significar a perda e também implicam novas exigências práticas do viver diário (cf. Antonucci, e col., 2001). Num recente estudo realizado em lares residenciais na segunda cidade portuguesa, as perdas que apresentavam as consequências físicas, emocionais, cognitivas e comportamentais mais negativas foram, em primeiro lugar, a do cônjuge e depois, já bem distante, as perdas dos irmãos e dos amigos (Malheiros & Ferreira-Alves, 2010). A importância da consideração do luto em idade avançada pode ver-se a três níveis: a um nível prático através da necessidade evidenciada por muitas mulheres que se constituem em grupos de entreajuda (Silverman, 1981); a um nível teórico e de investigação onde nos parece fundamental reconsiderar a mais clássica teoria do luto 20 (Freud,1917/2001) e, finalmente, a uma nível preventivo onde pensámos ser fundamental estudar mais o luto para que os seus sintomas não possam ser confundidos com o envelhecimento, mas antes para que possam ser associados a uma transição necessária e da qual se conhecem os processos. A realização do presente trabalho consistiu, fundamentalmente, numa proposta de operacionalização de um inovador modelo conceptual do luto denominado Modelo Dual de Processar o Luto, da autoria de Margaret Stroebe e Henk Schut (1999). O nosso interesse pelo estudo do luto iniciou-se com um trabalho prévio e onde construímos um manual de avaliação de entrevistas a pessoas em luto utilizando o modelo de Stroebe e Schut (Silva, 2004; Ferreira-Alves & Silva, 2006). O estudo da operacionalização do modelo prosseguiu mais tarde com o trabalho de Pereira, Silva e Ferreira-Alves (2010) e Pereira (2009). Foi aqui que iniciámos uma operacionalização parcial do modelo construindo os inventários que viriam a ser os eixos basilares da avaliação do modelo dual de processamento do luto: um inventário constituído por stressores de perda e um inventário constituído por estratégias de coping. Com este trabalho concluiu-se uma fase de construção de instrumentos básicos de avaliação completa do modelo dual de processamento do luto da Stroebe e Schut (1999). Este trabalho encontra-se dividido em seis partes. A primeira parte caracteriza demograficamente a mulher idosa enlutada por viuvez num contexto demográfico desde 1960 até 2001. A informação recolhida permitiu-nos alargar a nossa compreensão em torno destes dois fenómenos que são o envelhecimento e a viuvez e, deste modo, melhor contextualizar o nosso estudo. Ainda nesta parte fazemos uma breve incursão à história do pensamento sobre a morte e o luto, procurando entender a relação que o Homem estabeleceu com a morte desde a Idade Média até aos nossos dias. Neste contexto de evolução histórica de conceitos e de conceções, procuramos saber que modelos e teorias estariam na base do entendimento de um processo de luto. Desde a teoria do “Trabalho de Luto” até ao Modelo Dual de Processar o Luto, caracterizámos todas, procurando traçar uma linha condutora representativa de uma evolução na compreensão e entendimento do luto. Analisámos mais profundamente o Modelo Dual de Processar o Luto, porque constituiu a base concetual do nosso trabalho. Segundo este modelo, o enlutado lida com dois tipos de stressores, agrupados em duas dimensões: Orientação para a Perda e para o Restabelecimento. 21 Na segunda parte exploramos o luto de um ponto de vista desenvolvimental, assentes na ideia de que o luto é portador de sentidos e significados diferentes em diferentes momentos do ciclo de vida e, como tal, provocador de desafios a distintos indivíduos nesses diferentes momentos. Abordamos a perspetiva desenvolvimental do ciclo de vida que enfatiza o desenvolvimento humano ao longo da vida, como o resultado de um processo de interação entre o individuo e o ambiente social, cultural e histórico que o rodeia. Na teoria de Erikson (1982) encontramos o desenvolvimento humano distribuído por uma série de oito estádios, marcados pela resolução de conflitos próprios de cada idade. Havighurst (1972) apresenta-nos o desenvolvimento humano como estando dependente da realização de um conjunto de tarefas que as pessoas devem realizar para poderem progredir ao longo do ciclo de vida. Uma das tarefas do adulto idoso é adaptar-se à morte do cônjuge. A viuvez surge, assim, como uma tarefa do desenvolvimento capaz de desafiar as capacidades de adaptação e de reorganização do indivíduo. Nesta parte do trabalho vimos que, em idade avançada, existem aspetos do desenvolvimento capazes de proteger o individuo durante o processamento do luto (regulação e gestão emocional, autoconceito) e outros que poderão dificultar este processo (mudanças físicas e psicológicas). Na terceira parte abordamos a influência no luto conjugal de um leque alargado de fatores de que são exemplos as circunstâncias da morte, o género, a idade, o estilo de vinculação e o apoio social. Os estudos efetuados neste âmbito revelaram que o papel mediador destes fatores se revelou fundamental no entendimento das reações ao luto contribuindo para uma melhor compreensão e esclarecimento das vulnerabilidades de alguns indivíduos para apresentarem lutos complicados (Boerner & Schultz, 2009). O impacto causado por algumas variáveis na saúde física, psicológica e na participação social dos indivíduos foi também alvo de desenvolvimento nesta terceira parte, tendo os estudos revelado, por exemplo, que os efeitos da perda do cônjuge são mais fortes e penalizantes junto dos homens do que junto das mulheres. Verificou-se que o luto se encontrava associado a um excesso risco de mortalidade junto dos homens enlutados. Nesta parte incluímos um capítulo centrado na natureza do luto, mais especificamente nas características do luto normal e do luto complicado. Neste capítulo é apresentada uma conceptualização do luto complicado através de um instrumento construído para detetar sintomas de uma perturbação no processo do luto. Este instrumento denomina-se “Prolonged Grief Disorder – 13” e foi desenvolvido por Prigerson, Vanderweker e Maciejewski (2007). 22 A quarta parte deste trabalho é constituída pelo estudo empírico no qual são descritas as diferentes etapas e procedimentos desenvolvidos para a concretização dos objetivos a que nos propusemos. Na quinta parte deste trabalho são apresentados os cinco estudos que sustentam objetivos específicos de investigação que este modelo permite. Finalizamos com a apresentação da conclusão onde sumariamos as descobertas feitas ao longo dos cinco estudo, teceremos implicações práticas para a investigação e concluiremos com algumas limitações que este trabalho apresenta. 23 PARTE I Demografia do envelhecimento e da viuvez. História e perspetivas teóricas sobre o luto 24 Cap. 1. Dinâmicas demográficas sobre o envelhecimento e a viuvez No desenvolvimento deste capítulo, traçamos como principal objetivo caracterizar demograficamente a mulher idosa enlutada por viuvez. Para tal, serão explorados alguns aspetos relacionados com o movimento populacional registado no nosso país ao longo de diferentes momentos censitários (1960 até 2001) Em concreto, analisaremos alguns dados estatísticos sobre a população portuguesa residente, com particular destaque para o envelhecimento e para a viuvez, esperando, deste modo, conseguir uma compreensão mais ampla destes dois fenómenos, em particular para as pessoas idosas. Consideramos que a análise demográfica poderá ajudar a clarificar alguns aspetos que caracterizam as dimensões do envelhecimento e da viuvez no feminino e, de uma forma mais geral, a compreender as razões das mudanças operadas na dinâmica demográfica. Para a concretização deste objetivo recolhemos informação onde o cruzamento de variáveis como o estado civil, o género e a idade foi objeto de análise e reflexão. 1.1. Movimento populacional: indicadores demográficos sobre o envelhecimento Em Portugal, segundo dados da PORDATA, a evolução da esperança média de vida, desde 1960 até 2001, traduz-se num aumento deste indicador, quer para os homens quer, para as mulheres: para os homens passou de 60,7 anos para 73,4 anos e para as mulheres passou de 66,4 anos para 80,4 anos. Desde logo se pode verificar que as mulheres têm em média um ciclo de vida mais extenso do que os homens em 7 anos. Este aumento da esperança média de vida parece sugerir uma diminuição da probabilidade de se morrer antes da chegada de meia-idade, remetendo assim a viuvez para as últimas fases do ciclo de vida e transformando este acontecimento num fenómeno predominantemente da idade avançada. Reflitamos, agora, num conjunto de dados sobre a evolução do número de pessoas residentes em Portugal desde 1960 até 2001 fornecidos por Leite (2002). Verificamos que, entre 1960 e 2001, houve um aumento da população total ao longo dos diferentes momentos censitários. Em termos de grupos etários o número de pessoas com menos de 14 anos oscilou de uns momentos para os outros, ora aumentando, ora diminuindo. No grupo dos 15 aos 24 anos o padrão parece ter-se repetido. Contudo, no grupo das pessoas com 65 e mais anos de idade esta tendência não se verificou, registando-se um aumento regular do número de pessoas desde 1960 até 2001. De 25 registar, ainda, que em todos os momentos censitários é no grupo etário dos 25 aos 64 anos que se regista o maior número de pessoas. Podemos ainda constatar que foi em 2001 que o número de pessoas idosas ultrapassou pela primeira vez (desde 1960) o número de jovens (0-14 anos). Equacionados estes dois extremos (pessoas idosas e pessoas jovens), conseguimos observar em Leite (2002) que os valores referentes a estes dois grupos etários, em 2001, parecem traduzir uma tendência crescente de envelhecimento da população, verificando-se um aumento da proporção de pessoas idosas no total da população e uma diminuição da proporção da população mais jovem. O número de pessoas com 65 e mais anos de idade excede o número de jovens, isto é, pessoas com menos de quinze anos. Carrilho (2002) avança com uma explicação para este fenómeno afirmando que os baixos níveis de natalidade podem provocar uma forte redução da população mais jovem, traduzindo-se este facto num aumento da importância relativa das pessoas idosas. Trata-se de um fenómeno conhecido por “envelhecimento demográfico” e definido da seguinte forma pelo INE “O envelhecimento demográfico (…) define-se pelo aumento da proporção das pessoas idosas na população total. Esse aumento consegue-se em detrimento da população jovem, e/ou em detrimento da população em idade ativa” (2002b, p.188). Com efeito, os números indicam-nos que a proporção da população idosa em 1960 mais do que duplicou em quatro décadas, passando de 8,0% para 16,4% em 2001, contrariamente ao peso da população jovem na população total que passou de 29,2% em 1960 para 16% em 2001.Carrilho e Gonçalves (2004), citando projeções demográficas do INE, referem que a proporção da população idosa voltará a duplicar nos próximos 50 anos, representando, em 2050, trinta e dois por cento do total da população. A informação contida em Leite (2002) possibilita-nos, ainda, fazer uma outra leitura. Podemos constatar que desde 1960 o número de mulheres foi sempre superior ao número de homens, tendo chegado a um aumento de quase um milhão em 2001, refletindo uma diferença de proporções de cerca de 4.2%, ou seja, uma diferença entre 18.4% para as mulheres e 14.2% para os homens. Esta superioridade das mulheres em termos proporcionais é, também, notória no grupo dos 65 e mais anos de idade justificada, talvez, pela maior longevidade das mulheres. Sintetizando a informação recolhida, ficámos a saber que em 2001 Portugal apresentava uma população maioritariamente feminina e envelhecida resultante dos baixos níveis de natalidade e do aumento da esperança média de vida, perspetivando-se um agravamento desta nova realidade demográfica nas próximas décadas, especialmente na proporção de indivíduos 26 idosos. Os dados estatísticos aqui apresentados refletem uma evolução demográfica que parecem justificar a importância que tem vindo a ser dada a este grupo da população em idade avançada. 1.2. Situação demográfica das pessoas viúvas Olhemos agora para os dados que a demografia nos fornece sobre o estado civil da população residente em Portugal e a sua relação com o sexo. Taxa de variação População residente Estado Proporção (%) 1991-2001 (%) Civil HM H M HM H M HM H M 3 880 268 2 019 933 1 860 335 37,5 40,4 34,7 -3,0 -2,3 -3,9 5 139 592 2 571 823 2 467 769 49,6 5,1 47,9 6,7 6,9 6,5 381 120 187 796 193 324 3,7 3,8 3,6 96,1 93,4 98,8 Viúvos 680 118 122 235 557 883 6,6 2,4 10,4 7,0 4,0 7,6 Separados 75 058 28 996 46 062 0,7 0,6 0,9 -37,1 26,4 -42,4 Divorciado s 199 961 69 358 130 603 1,9 1,4 2,4 104,2 134,8 91,0 TOTAL 10 356 117 5 000 141 5 355 976 100,0 100,0 100,0 5,0 5,1 4,8 Solteiros Casados com registo Casados sem registo Quadro 1.1.1 - População residente por sexo e por estado civil, 2001 e taxa de variação 1991-2001 (Fonte: Destaque do INE, 2002a) No Quadro 1.1.1 constatamos que em 2001 o número de pessoas viúvas é superior ao número de casados sem registo (vivem em união de facto), ao número de separados e ao número de divorciados. Em 2001, a maioria da população residente em Portugal estava casada com registo (49,6%) ou era solteira (37,5%). Observando a taxa de variação entre os censos de 1991 e 2001, destacamos o aumento significativo dos divorciados (104,2%) e dos casados sem registo (96,1%), assim como a diminuição dos separados (-37,1%). É de destacar neste quadro que em 2001 existiam mais mulheres viúvas e divorciadas do que homens. A viuvez é muito mais prevalente no género feminino do que no masculino (557 883 viúvas para 122 235 27 viúvos), constituindo cerca de 10,4% e 2,4% do total de mulheres e homens viúvos respetivamente. Estes valores parecem esconder uma sobremortalidade masculina e um maior número de mudanças no estado civil dos homens: por cada 100 pessoas viúvas, 82 são mulheres e 18 são homens. Segundo dados do INE (Destaques, 2003) em 2002, do total de 46 348 casamentos dissolvidos por morte, 32 984 (71,2%) resultaram da morte do cônjuge masculino e 13 363 (28,8%) resultaram do falecimento do cônjuge feminino. Podemos afirmar, diante destes valores, que, por cada 100 casamentos dissolvidos por morte, 71 mulheres ficaram viúvas e 29 homens ficaram viúvos. Um ano após os censos de 2001 notamos, pois, uma diminuição do número de mulheres viúvas e um aumento no número de homens viúvos. No seu conjunto, estes valores parecem sugerir que em Portugal, a condição de viuvez seja mais frequente nas mulheres que nos homens, talvez devido ao facto de os homens se recasarem mais cedo do que as mulheres, isto é, o tempo decorrido desde o estado civil anterior até ao novo casamento é menor para os homens (INE, 2002; Rosa, 2002). O Quadro 1.1.2. retrata o número de casamentos segundo o estado civil anterior, ou seja, o número de recasamentos nos homens e nas mulheres. Podemos observar que a proporção de casamentos de solteiros no total de casamentos, tanto para homens como para mulheres, diminuiu de 1981 para 2001. Pelo contrário, a importância relativa dos casamentos de divorciados cresceu mais significativamente entre as mulheres que passaram a representar 7,5% (em 2001) do total dos casamentos (58 390) contra 2,8% em 1981. Os divorciados parecem recasar mais frequentemente que os viúvos. Paralelamente, voltar a casar, depois de uma situação de viuvez parece constituir uma preferência mais frequente entre os homens do que entre as mulheres, com estes a apresentarem valores sempre superiores aos das mulheres nos três momentos censitários. Vislumbra-se aqui, na nossa opinião, uma necessidade de os homens evidenciarem um maior interesse em conservarem o estado civil de casados, podendo este facto significar a necessidade de quebrar a solidão que a viuvez no masculino pode trazer. 28 Tempo Estado civil anterior Casamentos de mulheres solteiras -% 1981 1991 2001 95,4 94,4 91,5 92,0 91,5 89,0 1,8 1,3 1,0 3,2 2,3 1,7 2,8 4,3 7,5 4,8 6,3 9,3 Casamentos de homens solteiros - % Casamentos de mulheres Viúvas - % Casamentos de homens viúvos -% Casamentos de mulheres divorciadas - % Casamentos de homens divorciados - % Quadro1. 1.2- (Adaptado) – Casamentos segundo o estado civil anterior (%) – 1981-2001 (Carrilho, 2002, p.158) De acordo com Rosa (2002), em 1999, cinquenta e oito por cento dos casamentos de homens divorciados e 45% dos casamentos de homens viúvos foram com mulheres solteiras (Quadro1.1.3). Se compararmos estes valores com as percentagens dos casamentos das mulheres divorciadas e viúvas com homens solteiros, constatamos que são inferiores: 43% e 32%, respetivamente. Podemos, ainda, saber mais em Rosa (2002). No caso dos homens divorciados e viúvos a categoria mais frequente é a do seu casamento com mulheres solteiras, no caso das mulheres divorciadas ou viúvas a categoria mais frequente é a do seu casamento com homens divorciados ou viúvos e não com homens solteiros. Rosa adianta-nos que “ (…) em 1999, a proporção de homens viúvos ou divorciados que se casaram novamente menos de dois anos após a dissolução anterior, correspondeu a 37% do total de «recasamentos» de viúvos ou divorciados, valor que, para as mulheres nas mesmas circunstâncias, baixa para 25% “ (2002, p.671). Os homens viúvos ou divorciados parecem, pois, ter mais urgência do que as mulheres em sair da sua condição de viúvos 29 ou divorciados. Baseando-nos na informação de Rosa (2002), os homens parecem querer manter o estado civil de casados, contrariamente às mulheres viúvas ou divorciadas que parecem querer permanecer nesse mesmo estado. Mulheres Solteiras Solteiros Viúvas Divorciadas 32% 43% Total Homens Viúvos 45% 22% 33% 100% Divorciados 58% 4% 38% 100% Quadro 1.1.3 (Adaptado) – Percentagem de casamentos, segundo o estado civil anterior dos nubentes, em Portugal (1999) (Rosa, 2002, p.671). Relativamente à questão de sabermos em que idade, ou idades, homens e mulheres recasam com mais frequência apurámos que é entre os 30 e os 34 anos que o número de mulheres viúvas e divorciadas atinge o seu auge em relação ao recasamento – 20,4% (INE, 2002). Os homens viúvos e divorciados apresentam neste mesmo intervalo de idade um valor inferior – 14,9%. Esta tendência manteve-se, neste mesmo ano de 1999, no grupo etário dos 35-39 anos, com os recasamentos das mulheres a apresentarem uma maior percentagem: 18,8% contra 16,2% nos homens. Contudo, a partir destes grupos etários a percentagem de homens que voltou a casar foi superior à das mulheres, com destaque para o grupo etário dos 65 e mais anos de idade em que a superioridade percentual dos homens com estado civil anterior de viúvos e divorciados, é significativamente superior à das mulheres nas mesmas condições – 11,3% contra 4,1% nas mulheres (INE, 2002). Estes valores parecem indicar, segundo o INE, que “a formação de uma nova família na população idosa ainda é um fenómeno presente, apesar da dissolução familiar ser a característica mais marcante” (2002, p.33). A Figura1.1.1 fornece-nos uma informação relevante ao relacionar o estado civil, o género e a idade da população; em concreto informa-nos sobre a taxa de viuvez e a idade em que é mais frequente. Esta figura parece ser bem clara ao realçar a prevalência da viuvez no grupo etário dos 65 e mais anos, em detrimento do grupo dos 20-64 anos. A viuvez além de afetar sobretudo as mulheres, afeta também os indivíduos idosos. A população com 65 e mais anos apresentou, de facto, a maior taxa de viuvez: 3,42 viúvos idosos por mil habitantes; por cada mil mulheres, 4,73 eram viúvas e tinham 65 ou mais anos e por cada mil homens, 2,00 eram viúvos daquelas idades (INE, 30 2002). A maior longevidade das mulheres pode constituir uma explicação para o surgimento destes valores, ou seja, para o facto de existirem mais mulheres viúvas idosas que homens viúvos idosos. Mulheres Homens Figura 1.1.1 (Adaptado) – Taxa de viuvez por escalão etário e sexo (por 1000 habitantes), Portugal, 1999. (Fonte INE, 2002). 1.3. Síntese Após a análise e reflexão em torno da literatura consultada e dos dados apresentados neste capítulo, podemos afirmar que as mulheres apresentam uma maior esperança de vida, sendo que as mulheres idosas podem esperar viver mais anos que os homens. Em 2001, havia 104 idosos por cada 100 jovens com menos de 15 anos. Relativamente ao número de pessoas viúvas, averiguámos que o número de mulheres viúvas é superior ao número de homens viúvos, que estes recasam em maior número que as mulheres e até idades mais tardias. Constatámos, igualmente, que é na faixa etária dos 65 e mais anos de idade que se concentra a maior taxa de viuvez e que esta é superior junto das mulheres. No seu conjunto, estes valores confirmam que em Portugal a viuvez é mais frequente nas mulheres que nos homens, talvez devido à maior esperança de vida das mulheres, ao facto de o número de casamentos de homens viúvos superarem o das mulheres e ao facto de em idade avançada ser muito difícil para a mulher viúva encontrar um parceiro na mesma faixa etária para casar. 31 Cap. 2. Breve incursão à história do pensamento sobre a morte e o luto Neste capítulo começaremos por apresentar o significado de luto desde Freud até à atualidade. Na literatura por nós consultada sobre o luto (a maioria em língua inglesa) e sobre a experiência vivida por pessoas enlutadas, constatámos o uso frequente de três conceitos: grief, bereavement e mourning. Observámos que os termos grief e mourning eram, por vezes, usados como tendo o mesmo significado. Decidimos, por isso, procurar obter um melhor entendimento destes conceitos com vista a uma melhor compreensão da literatura em que se incluem, bem como do contexto em que se encontram envolvidos. De resto, o luto tem constituído cada vez mais um assunto de investigação, através da qual pudemos observar que a experiência do luto não é universal, ou seja, cada cultura, cada sociedade experiencia o luto de uma forma única e singular. No desenvolvimento deste capítulo, veremos, relativamente à sociedade ocidental, de que forma esta experiência era vivida e experienciada, através de um percurso histórico e de algumas perceções e práticas culturais em torno da morte e do morrer desde a Idade Média até aos nossos dias. 2.1. O significado de luto Freud, no seu artigo "Luto e Melancolia", publicado em 1917, define o luto como uma reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar desse ente, desânimo profundo, falta de interesse pelo mundo externo e perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor. O objeto amado já não existe, levando a que a libido seja desviada para outro objeto, causando um grande desgosto à pessoa enlutada. Quando, finalmente, o trabalho do luto termina, o ego está novamente livre e desinibido. No Dicionário de Psicologia da autoria de Roland Doron e Françoise Parot de 2001, a procura da palavra “luto” é remetida para a expressão “trabalho de luto”, sendo a definição desta semelhante àquela que encontramos pulicada em 1917. Neste dicionário encontramos, ainda, que a tradução para inglês deste conceito surge como “mourning”. Na página da Wikipédia a definição de luto surge assim: “O luto é um conjunto de reações a uma perda significativa geralmente pela morte de outro ser. (…) O uso de determinadas cores, por exemplo, pode indicar que um individuo ou grupo está em luto. Na maior parte da cultura ocidental quando um amigo ou familiar de uma pessoa morre, é comum ele usar roupas pretas para mostrar os seus sentimentos e respeito pela pessoa”. Podemos dividir esta definição em duas partes: a primeira referindo-se à 32 natureza emocional da perda refletindo um conjunto de reações emocionais e a segunda à natureza cultural dessa mesma perda refletida no uso da cor preta como exteriorização dos sentimentos. Parece-nos, no entanto, que sob a palavra luto cabem estas duas partes, ou seja, podemos dizer que uma pessoa está em luto caracterizando-se este estado por reações emocionais mais ou menos intensas e exteriorizadas através do uso de vestuário de cor preta. Na literatura anglo-saxónica, por nós consultada e utilizada, deparámo-nos com a existência de três termos associados à experiência da perda: “bereavement”, “grief” e “mourning”. Quisemos saber o seu significado e consultámos o Dicionário de Oxford. Neste dicionário “bereave” surge definido da seguinte forma: Be deprived of a close relation or friend through their death; “bereavement” – The action or condition of being bereaved; “mourning” – The experience of sorrow for someone’s death. Black clothes worn as an expression of sorrow when someone dies; “grief” – Intense sorrow, especially caused by someone’s death. Parece-nos que o significado dos termos “grief” e “mourning” são algo semelhantes. Daí termos sentido a necessidade prévia de esclarecer o significado destes conceitos, além de que, o consenso em torno do uso destes conceitos não parece ser unânime entre todos os autores. Da leitura que fizemos em Worden (2002), pudemos constatar que este autor faz uma clara distinção entre os termos grief e mourning não apontando qualquer possibilidade de confusão entre os mesmos, contrariamente a outros autores que nos dão conta da existência desta confusão em diversa literatura. Para Worden (2002) grief é a experiência vivida pela pessoa que perdeu um ente querido através da morte, podendo ser aplicado noutros contextos; já o termo mourning é aplicado ao processo de adaptação pela morte de alguém. Cowles (1996) considera que os termos grief e mourning não devem ser utilizados como se de sinónimos se tratasse, alegando que o conceito de grief é altamente individualizado e que são estes os comportamentos ou reações à perda de alguém que ditam o comportamento social e cultural da pessoa enlutada – mourning. Stroebe, Hansson, Stroebe e Schut (2001) consideram que, apesar de haver dificuldades em distinguir os conceitos grief e mourning, a sua distinção deve ser feita num quadro de investigação sobre o luto. Deste modo, consideram que o termo bereavement se refere à situação objetiva da perda de alguém através da morte. A reação vulgar a esta situação é denominada de grief, definida por estes autores como um comportamento predominantemente emocional à morte de uma pessoa querida 33 envolvendo manifestações de caráter psicológico e físico. Referem que grief e mourning são termos usados sinonimamente por aqueles que seguem a perspetiva psicanalítica (Freud, por exemplo). Os autores, contudo, optam por definir mourning como uma manifestação social de grief e que é moldada pelas práticas de uma sociedade ou grupo cultural específico. Concordam que, por vezes, é difícil distinguir grief e mourning exemplificando com a dificuldade em saber se um ato de choro poderá refletir uma reação emocional, pessoal ou uma norma social de chorar numa determinada ocasião (exemplo das carpideiras). Hansson e Stroebe (2007) consideram, da mesma forma que Stroebe, Hansson, Stroebe e Schut (2001), que os termos grief e mourning têm sido utilizados alternadamente, mas que os dois são mutuamente dependentes. O primeiro reflete um conjunto de respostas emocionais complexas à morte de uma pessoa e o segundo representa as formas e os comportamentos de expressar as respostas emocionais à morte dessa pessoa, abarcando um grupo de normas e costumes associados a determinado grupo cultural. A dependência entre os conceitos de grief e mourning, bem como o seu uso de forma alternada, pode observar-se no exemplo que nos é fornecido em Hansson e Stroebe (2007). A expressão exterior do luto, refletida nas cores do vestuário (preto ou branco) pode influenciar as emoções sentidas pelo enlutado. Por outro lado, a dimensão das reações à morte de uma pessoa pode influenciar a natureza e a elaboração social e cultural dessa perda. Como pudemos constatar, para os diversos autores a definição e utilização dos conceitos de mourning e grief não é consensual. Deste modo, durante a pesquisa por nós efetuada optámos por utilizar os conceitos referidos de acordo com o contexto do artigo ou do livro e a opinião de cada autor. 2.2. Relação entre o Homem e a Morte No âmbito da elaboração de um Roteiro Monográfico sobre o concelho de Mafra, Costa (1996) recolheu dados sobre a morte entre a população saloia da região de Mafra há muito anos atrás (não referindo períodos de tempo), começando, desde logo, por elucidar o leitor que o culto da morte entre esta população não difere muito do que vigora noutras zonas do país. Costa (1996) relata-nos várias etapas referentes ao processo que decorre desde a morte da pessoa, passando pelo luto até ao culto da pessoa falecida. A autora começa por descrever os acontecimentos quando o indivíduo ainda lutava pela vida. Nesta fase já algumas mulheres se aproximavam do leito para rezar e proferir alguns dizeres à Senhora da Boa Morte; o padre era chamado para ministrar a 34 Santa Unção e logo que a pessoa falecia, os gritos ecoavam assim como várias manifestações de pesar entre os familiares e amigos. As carpideiras não eram contratadas na região de Mafra, contrariamente ao que acontecia noutras regiões do país. Entre 1700 e 1830 o ritual da morte também começava antes do falecimento. Araújo (1997) refere ser esta a primeira fase de um longo processo de preparação. Da mesma forma que no concelho de Mafra, Araújo (1997) informa-nos que em Lisboa no período de tempo já mencionado, a família, os amigos e os vizinhos rodeavam o doente, invocavam os santos e entoavam cânticos e ladainhas. Por fim, convocavam o padre e o anúncio da morte acontecia, assim como se procedia à encomendação (ver definição mais adiante). A fase seguinte consistia em vestir condignamente a pessoa defunta, a que se dava o nome de amortalhar. O fato do casamento era o escolhido, por ser considerado o melhor fato. Os melhores sapatos também eram os eleitos. O corpo era coberto com o lençol, quase sempre o do casamento, e o rosto com um lenço branco. Caso os olhos permanecessem abertos, eram fechados, juntavam-se os pés e cruzavamse as mãos sobre o peito. A chegada do caixão era então aguardada. A terceira fase consistia no velório. Para a preparação deste começava-se por tirar as cortinas das janelas (voltando a ser colocadas mais tarde) e tapando-se todos os móveis. Quando o caixão chegava o corpo era depositado nele e o caixão colocado em cima de um cavalete. Conforme as posses e gostos dos familiares ou do defunto, o caixão era caiado interiormente para disfarçar as imperfeições e envolto com um lençol. O exterior era coberto com um tecido de cor roxa ou preta. Após a chegada do padre e do sacristão e, depois de se fazerem as orações e rituais para que o corpo tenha o descanso eterno (encomendação), formava-se um cortejo em procissão para o cemitério. Era o funeral. Antes de sair o cortejo era costume oferecer comida e bebida aos homens que transportavam o caixão e as insígnias. Esta refeição era constituída por pão com chouriço ou bacalhau cru e vinho. Relativamente ao luto, em particular das viúvas, Costa refere que “As viúvas vestiam-se completamente de preto, usando lenço na cabeça, nunca mais deixando de usar tal indumentária” (Costa, 1996, p.80). Os homens viúvos usavam obrigatoriamente uma camisa preta e na manga do casaco colocavam uma tira preta (fumo). Após o falecimento eram rezadas missas do sétimo e do trigésimo dia. Num outro concelho de Portugal (Alfândega da Fé) os costumes atuais, relativamente ao velório, são descritos em Nunes (1997) como envolvendo os familiares da pessoa falecida em altos gritos como forma de anunciar a morte a toda a gente, funcionando, ao mesmo tempo, como uma manifestação da dor que sentem. Durante o 35 velório as pessoas choram, rezam e conversam recordando o morto. Uma outra forma de anunciar a morte é o toque do sino. Ariés (1989) descreveu a construção histórica dos rituais, dos cultos e das perceções que rodeiam a morte e o morrer no Ocidente, desde a Idade Média até à modernidade. De uma forma resumida, este historiador descreve-nos a morte como parte de um processo que era aceite e que era inerente à vida. Os protagonistas deste processo eram a pessoa prestes a morrer, a sua família, os amigos, os vizinhos, o médico, o padre e as crianças. A partir da Idade Média a morte viu-se envolvida em contornos associados à vergonha e à proibição. De acordo com Feliciano (2008) as mudanças significativas em relação à morte e ao morrer permitem identificar diferentes atitudes ou se quisermos diferentes etapas: a morte domesticada, a morte de si próprio, a morte do outro (romântica) e a morte invertida. Ariés (1989, 2000) refere que na Idade Média Alta (entre o século V e os séculos XI-XII) a morte era “domesticada”, “domada” ou “familiar”. A grande característica desta morte residia na sua antecipação, ou seja, em dar tempo para o aviso (Ariés, 2000). Só o moribundo avaliava o tempo que lhe restava, deixando de fora médicos, amigos e padres. Esclarece Ariés (1989) que existia uma maior intimidade entre o morrer e o quotidiano da sociedade. Neste período a morte era esperada em casa e o moribundo na cama encontrava-se rodeado de amigos, familiares e vizinhos. O moribundo despedia-se de todos, reconciliava-se com quem tinha de o fazer, expunha a suas últimas vontades e esperava alcançar o paraíso celeste. A morte era um acontecimento público e desejado, organizado pelo próprio moribundo que a ela preside e conhece o protocolo. A cerimónia era pública, porque todos podiam entrar no local onde o moribundo se encontrava, inclusive as crianças. Segundo Ariés (1989), não havia representação do quarto de um moribundo até ao século XVIII que não incluísse crianças. Feliciano (2008) refere que nesta época as mortes repentinas e inesperadas eram consideradas vergonhosas e às vezes castigo de Deus, uma vez que o processo descrito anteriormente não se verificava, ou seja, o moribundo não tinha possibilidade de se despedir. E logo após a morte do moribundo, era comum a amigos e familiares exibirem grandes e espontâneas manifestações de luto, exaltando a dor. Os rituais da morte eram cumpridos e aceites por todos duma forma cerimonial, mas sem um caráter dramático e de emoção excessiva. Ariés não deixa de comparar esta atitude com a atual e afirma: “A atitude antiga, em que a morte é simultaneamente familiar, próxima e atenuada, indiferente, opõe-se muito à nossa, em que a morte provoca medo, a ponto de 36 nem ousarmos dizer-lhe o nome” (1989, p.25). Neste período a morte parecia, naturalmente, fazer parte da vida. Ariés (1989) aponta o século XII como a data de início das mudanças nas atitudes perante a morte. Não se trata da substituição de uma atitude por outra, mas de modificações subtis que irão conferir um outro sentido à familiaridade do homem e da morte, vão conferir um sentido dramático e pessoal. É assim que a partir do século XII a incerteza passa a predominar, uma vez que, segundo Vilar (2000), a representação do Juízo Final (o julgamento que aconteceria no final dos tempos e pelo qual todos os homens passariam) é alterada. A ideia de juízo final representava um tribunal de justiça. Cada homem era julgado pelo balanço da sua vida, em que as boas e más ações eram escrupulosamente separadas. Cabia agora à Igreja intermediar este processo que resultava na descida ao inferno ou na ascensão aos céus dependendo da conduta e das atitudes do moribundo em vida (Feliciano, 2008). “A partir do século XI estabelece-se uma relação, até então desconhecida, entre a morte de cada um e a consciência que possuía da sua individualidade” (Ariés, 1989, p.41). Acreditava-se que cada homem revia toda a sua vida no momento de morrer. Contudo, surgem mudanças nos séculos XVII e XVIII. Sob influência da Reforma Católica os responsáveis espirituais lutam contra a crença popular, segundo a qual não era tão necessário levar uma vida sem faltas, uma vez que uma boa morte resgatava tudo o que tivesse sido menos virtuoso. Foi preciso esperar pelo século XX para que esta crença enraizada fosse afastada. Talvez possamos caracterizar a morte neste período como uma provação, uma vez que esta deixou de ser algo de natural. A familiaridade entre o homem e a morte desaparecera e o homem voltava-se para a morte de si próprio, não sendo mais legítimo perder o controlo e chorar os mortos. O corpo da pessoa falecida tornou-se insuportável. Para atenuar este sofrimento o corpo era cosido numa mortalha da cabeça aos pés e fechado numa caixa, deixando, portanto de ser visível (Ariés, 1989). Ilustrámos, até aqui, duas atitudes perante a morte. A primeira, mais antiga, mais longa e mais comum, tem a ver com a resignação das famílias ao destino coletivo resumida na ideia de que todos nós morreremos. A segunda, que aparece no século XII, reflete a importância atribuída nos tempos modernos à existência individual e que se traduz na ideia da morte de si próprio. No entanto, a morte continua familiar e domesticada. No decorrer do século XVIII, a morte passou a ser romantizada, traduzindo-se em mudanças nas atitudes do homem perante esta. O homem ocidental tende a dar à 37 morte um sentido novo, exaltando-a, dramatizando-a, tornando-a impressionante e dominadora (Ariés, 1989). A morte é encarada como um momento de rutura, como algo admirável que foge ao quotidiano (Vilar, 2000; Feliciano, 2008). No século XIX a emoção agita as pessoas que estão junto do leito do moribundo, chorando, rezando, gesticulando. A ideia da morte passa a ser comovente. O luto adquire um outro sentido e, como se lê em Feliciano (2008), o luto é resinificado passando a ocorrer um exagero na vivência do mesmo. A atenção centra-se na família e não no morto. Não se teme a própria morte, mas a morte do outro. Nas palavras de Ariés “ (…) os sobreviventes aceitam a morte do próximo mais dificilmente do que noutros tempos. A morte temida não é, por conseguinte, a morte de si mesmo, mas a morte do próximo, a morte do outro” (1989, p.48). Neste período as igrejas deixaram de ser o local em que os mortos eram enterrados, processo que passou a ser feito nos cemitérios construídos quase sempre nas margens das cidades definindo, deste modo, uma clara separação entre os vivos e os mortos. A ideia do Juízo Final desaparece e surge uma forte crença na vida para além da morte e na ideia que a morte é bela e sublime e que após a morte as pessoas se poderão unir. Mas a maior modificação operada na atitude do Homem perante a morte foi, para Ariés, a atitude dos indivíduos presentes diante do moribundo. Se este conservou até esta época o papel principal, os assistentes já não são mais os figurantes de antes, com uma atitude passiva e refugiados na oração. Desde o século XII o luto excessivo da Alta Idade Média havia-se ritualizado, começando apenas após a verificação da morte do moribundo e traduzia-se por um vestuário e um conjunto de hábitos usados durante um certo tempo. A partir do século XVIII, o luto para Ariés (1989, 2000), apresentava uma dupla finalidade: obrigava a família do defunto a manifestar, durante um certo tempo, um desgosto que nem sempre experimentava e defendia o sobrevivente, verdadeiramente desgostoso, contra a sua própria dor. Obrigava-o a cumprir um calendário de visitas a amigos e vizinhos durante as quais podia exteriorizar a sua dor e desgosto, com um limite que não ultrapassasse o socialmente conveniente. No século XIX este limite foi ultrapassado e o luto passou a exibir uma ostentação: há quem chore, quem perca os sentidos, jejue e se deixe definhar como outrora. A morte que noutros tempos se revelara tão presente e tão familiar vai desvanecer-se e desaparecer. Um novo tipo de morrer surge durante o século XX em alguns países mais industrializados, urbanizados e tecnicamente mais avançados (Ariés, 2000). Na origem deste acontecimento, encontra-se um sentimento já expresso na 38 segunda metade do século XIX: todos os que rodeavam o moribundo começam a poupálo, escondendo-lhe a gravidade do seu estado (Ariés, 1989). Algo de essencial mudara na relação entre o moribundo e o seu ambiente. Em Ariés (2000) encontrámos uma excelente descrição desta mudança. O Inicio da Mentira é caracterizado pelo surgimento da hesitação entre os que rodeiam o moribundo e em lhe ser comunicada a real gravidade do estado da sua saúde e que tal o levará à morte. A advertência vai tornar-se mais difícil a partir do século XIX, contrastando com a espontaneidade de outrora. O doente, apesar de saber a sua real situação, cala-se para evitar a destruição da ilusão criada entre aqueles que o rodeiam, que acham que não precisa de ser verdadeiramente advertido. O dever do ambiente que rodeia o moribundo é manter o moribundo na ignorância do seu estado. Todos são, portanto, cúmplices de uma mentira que alastra a morte para a clandestinidade. A instituição da mentira instalara-se em redor do moribundo. Neste conluio, os médicos eram cúmplices ao esconder dos doentes o estado real da sua saúde. Ariés (2000) afirma que se tratava o doente como uma criança adotando-se posturas de recusa em admitir a gravidade do seu estado. Durante a segunda metade do século XIX a morte deixa de ser encarada como bela e sublinham-se os seus aspetos desgostosos e menos belos. Ariés (2000) refere que as imagens horrendas da decomposição do corpo do moribundo após a sua morte, e relatadas outrora são, no final do século XIX, relatadas sobre o antes da morte, sobre a agonia e o sofrimento do doente: “A morte já não mete medo apenas por causa da sua negatividade absoluta, revolve o coração, como qualquer espetáculo nauseabundo. Torna-se inconveniente, como os atos biológicos do homem e as secreções do corpo” (Ariés, 2000, p.320). Já não se tolera a entrada de alguém num quarto que cheira a suor, a urina, a gangrena e onde os lençóis estão sujos. Surge, então, uma nova imagem da morte: a morte feia e escondida e escondida, porque é feia e suja (Ariés, 2000). Surge o conceito de morte invertida. No início do século XX torna-se difícil defender o quarto do moribundo contra as simpatias desajeitadas e as curiosidades indiscretas que ainda permaneciam como os últimos elementos da participação pública na morte. Quanto mais se avançava no século XX, mais difícil se tornava suportar a promiscuidade causada pela doença. O grupo de suporte, formado por amigos, vizinhos e familiares, prestador de cuidados, começou por se contrair, acabando por ficar limitado aos parentes mais próximos, em muitos casos ao casal. O hospital surge como o local assepsiado da higiene, da medicina, oferecendo tratamentos médicos e os recursos necessários para o doente. O hospital passou a 39 funcionar, também, como asilo onde as famílias conseguiam esconder o doente inconveniente aos olhos do mundo. O quarto do moribundo passara da casa para o hospital: “O hospital é a partir de então o único lugar onde a morte pode escapar seguramente a uma publicidade – ou àquilo que resta – a partir de então considerada como uma inconveniência mórbida” (Ariés, 2000, p. 322). A morte adquire, então, uma característica solitária e clandestina, impedindo, na maioria das vezes, que os familiares assistam à morte do seu parente mais próximo. 2.3. Do culto do morto à experiência do luto A partir do início do século XX à morte foi-lhe retirado o seu caráter de cerimónia pública, fazendo dela um ato privado que, com o tempo, foi afastado da própria família quando a hospitalização se tornou uma regra para doentes terminais. Ariés (2000) refere-nos a existência de dois períodos de comunicação entre o morto e a sociedade: os últimos momentos em que o moribundo tomava consciência de que perdera a sua luta contra a morte e o luto e a supressão deste último, definido por Ariés (2000) como o segundo grande acontecimento na história contemporânea da morte. Uma história em que as crianças ficam afastadas e não são informadas da verdade sobre a morte dos familiares. É-lhes dito que o pai foi fazer uma viagem ou que Jesus o levou. Observa-se, também, o desaparecimento completo do Inferno. As pessoas já não acreditam na condenação eterna. Relativamente às solenidades relacionadas com o funeral, Ariés (2000) relata-nos a existência de duas modalidades: a incineração e a inumação, com a primeira a ganhar a preferência das pessoas. A escolha da incineração significa que se recusa o culto dos túmulos e dos cemitérios, tal como se desenvolvera outrora. Pelo contrário, o cemitério continua a ser o local de recordação e de visita. O enlutado vai ao cemitério para florir o túmulo e recordar-se do morto. Já os enlutados que escolheram a incineração sofrem e choram em privado na sua casa. O culto dos túmulos é substituído por um culto da recordação em casa através da colocação de flores defronte das fotografias do morto, por exemplo. São, portanto, duas formas de cultivar a lembrança: a tradicional desde final do século XVIII sobre o túmulo e a outra em casa. Sabemos hoje que o culto dos mortos faz parte do processo de luto. Estas práticas, para Silverman (1986), constituem momentos em que a pessoa enlutada pode legitimar sentimentos e ajudar no coping com a perda, isto é, podem ajudar a realizar o trabalho de luto e, por conseguinte, facilitar o processo do luto. Os rituais do luto parecem, pois, ajudar a pessoa enlutada a entender o acontecimento, a possibilitar que a pessoa em luto seja confortada por outros e que possa reorganizar a sua vida sem a 40 presença do seu marido. Nos dias de hoje, segundo Ariés (2000), a regra em quase todo o Ocidente é a ausência de manifestação pública da dor e do desgosto dos enlutados, contrariamente ao que acontecia outrora. A partir de meados do século XX o recato parece prevalecer e a morte e o luto surgem, nos tempos atuais, como dois impulsos que devem ser dominados. Ariés (2000) revela que a sociedade é a principal culpada por este recato e por esta supressão na expressão dos sentimentos do luto. Segundo o autor a sociedade recusa-se a participar na emoção do enlutado, uma forma de recusar, igualmente, a presença da morte. A manifestação pública e privada do luto são de natureza mórbida. O luto é uma doença que Ariés ilustra da seguinte forma: “ O período do luto já não é o do silêncio do enlutado no meio de um ambiente apressado e indiscreto, mas do silêncio do ambiente: o telefone já não toca, as pessoas evitam-nos. O enlutado está isolado por uma quarentena” (Ariés, 2000, p.333). Para este autor a sociedade não suporta tudo o que diga respeito à morte, ao corpo do morto nem tão pouco àqueles que são próximos do morto e que o choram: “O sobrevivente é, portanto, esmagado entre o peso da sua dor e o do interdito da sociedade” (Ariés, 2000, p. 336). Sintetizando, no século XX assistimos a uma mudança brusca – a negação do luto. A morte deixa de ser familiar e passa a ser um objeto interdito. A transferência do local da morte constituiu um facto importante para esta negação e interdição. De facto, o local mais comum da morte, e onde se velava o morto, deixou de ser a casa e passou a ser o hospital. A morte é ocultada e a família afastada. A morte tornou-se um tabu, deixando de ser vista como uma transição necessária para passar a ser temida. Silverman (1986) fornece-nos um importante contributo ao referir que ao longo do século XX as práticas e rituais do luto foram deixando de existir na sociedade ocidental. Uma situação que, segundo Ariés (2000), teve continuidade ao longo deste século em que vivemos. 2.4. O luto como assunto de investigação O luto tem vindo a adquirir uma importância crescente na literatura internacional revelando um interesse cada vez maior por parte de investigadores das ciências sociais e humanas. De facto, ao longo do último século muita literatura foi produzida com a finalidade de descrever o processo de luto ao mesmo tempo que se desenvolviam metodologias para tentar compreender a forma como as pessoas lidavam com a perda de um ente querido. Segundo Bonanno e Kaltman (1999) a produção desta literatura fica-se a dever, em grande parte, ao trabalho desenvolvido por Freud. É com a publicação do artigo em 1917, denominado Mourning and Melancholia, que surgem as primeiras 41 tentativas da comunidade científica para entender as reações das pessoas enlutadas até porque, eram poucos os investigadores que, anteriormente a Freud, se dedicavam ao estudo do fenómeno do luto (Granek, 2010). No seu artigo Freud apresentou-nos o conceito de “trabalho de luto” que durante muito tempo dominou a literatura sobre o luto. Freud (1917/2001) descreve o trabalho de luto como o rompimento dos laços que unem a pessoa enlutada ao objeto perdido (pessoa falecida). Um luto normal será caracterizado como o trabalho desenvolvido pela pessoa enlutada que, “testando a realidade”, consegue libertar-se dos laços que a unem à pessoa falecida, investindo a sua energia em novas relações. Um luto de natureza patológica, segundo Freud (2001), poderia surgir no caso de a pessoa enlutada não conseguir romper os laços de vinculação que a unem à pessoa falecida. Logo surgiram algumas vozes reclamando evidência empírica para esta visão do processo de luto. De entre estas vozes destacamos, entre outros, Wortman e Silver (1989), Stroebe e Schut (1999) e Stroebe (2002). O reconhecimento das limitações da perspetiva do trabalho de luto contribuiu para o desenvolvimento de novas pesquisas e para a construção de novos modelos teóricos sobre o luto orientados por perspetivas teóricas especializadas oriundas de outras áreas da psicologia (Bonanno & Kaltman, 1999) como por exemplo a teoria do stress cognitivo, a teoria da vinculação ou a teoria do trauma. A este propósito, Parkes (2001) refere que a pesquisa relevante para a compreensão do luto provém de várias fontes que se podem subdividir em três fontes principais: estudos das perdas e das suas consequências, estudos das vinculações anteriores à perda e outros estudos de trauma psicológico. Face à existência de um trabalho individualizado entre cada um destes grupos de pesquisas, Parkes (2001) defende a existência de um trabalho articulado e integrador entre estes três grupos de estudos para que, deste modo, se possa obter uma visão mais integradora e global do luto, da forma como é processado e das suas consequências. Para Parkes (2001) esta situação provém da existência de investigadores oriundos de diferentes disciplinas, como médicos, psiquiatras, psicólogos, sociólogos, antropólogos que vêm o luto de um ponto de vista mais específico e mais relacionado com a sua área de especialização. Esta situação é, por isso, promotora da fragmentação e não da integração do conhecimento produzido sobre o luto. Para além da integração a que poderemos chamar de disciplinar, tem-se defendido uma integração de diferentes perspetivas sobre o luto. Nos últimos anos as investigações produzidas têm procurado não só compreender o papel desempenhado no processo do luto de diferentes fatores, como os contextuais (Carr, House, Wortman, Nesse, & 42 Kessler, 2001), o género (Stroebe, Stroebe & Schut, 2001) ou o tipo de vinculação entre a pessoa falecida e a pessoa enlutada (Bowlby, 1969,1980), mas também procurar construir modelos integradores que incluam estes fatores, porque nenhum deles por si só nos ajuda a compreender o processo de luto (Stroebe, Folkman, Hansson & Schut, 2006). É neste sentido que têm surgido novas propostas como o Modelo Dual de Processar o Luto da autoria de Stroebe e Schut (1999). No capítulo seguinte apresentaremos propostas que nos ilustram como a experiência do luto é vivida e processada, entre elas o Modelo Dual de Processar o Luto. Cap.3. Modelos de entendimento do processo de luto Neste capítulo tentaremos sumariar os desenvolvimentos mais significativos surgidos na área do luto, procurando traçar uma linha condutora representativa de uma evolução na compreensão e entendimento do luto. Focaremos a nossa atenção nos contributos de cada teoria, de cada perspetiva ou de cada modelo para o estudo deste fenómeno, reconhecendo o esforço que, durante o último século, académicos, clínicos e outros fizeram para tentar entender o processo do luto que se segue a uma perda (Bennet & Bennet, 2001). De acordo com Hansson e Stroebe (2007) e Stroebe e Schut (2001b) a teoria do trabalho de luto e a teoria da vinculação inserem-se num grande grupo de teorias intitulado Teorias Gerais do Luto. As tarefas de Worden e o Modelo Dual de Processar o Luto inserem-se num outro grupo denominado de Modelos de Coping com o Luto, sendo que o primeiro pertence ao subgrupo Modelos de Coping Intrapessoais e o último aos Modelos Integradores de Coping com o Luto. Já a teoria do stress cognitivo inserese no grupo das Teorias do Stress e do Trauma, as quais fornecem explicações para a forma como as pessoas respondem a eventos stressantes de uma forma geral, como por exemplo, guerras, acidentes de viação ou luto. Enquanto as teorias mais gerais procuram explicar as manifestações e processos de luto, os modelos mais específicos de coping com o luto tentam distinguir e elucidar formas adaptativas e não adaptativas de processar o luto (Stroebe & Schut, 2001b). 3.1. O luto como “uma experiência a trabalhar” As origens do conceito “trabalho de luto” podem ser encontradas em Freud, mais precisamente no seu artigo “Mourning and Melancholia”, escrito em 1915 e publicado, posteriormente, em 1917. Este conceito serviu de fundamento a muita literatura sobre a dor e o luto (Lindemann, 1944), mantendo o seu significado teórico e prático ainda hoje (Bowlby, 1980; Stroebe & Schut, 1999; Schut, Hansson, Folkman & Stroebe, 2006). 43 Este conceito foi definido por Freud, (2001), como um processo de diminuição gradual de energia, que liga o indivíduo enlutado ao objeto perdido ou à pessoa falecida. Nas palavras de Stroebe e Stroebe: “ (…) o conceito de “trabalho de luto” implica um processo cognitivo de confronto com a realidade da perda, de lidar com os acontecimentos que ocorreram antes e depois da morte, de concentração em memórias e trabalhar no sentido da desvinculação da pessoa falecida” (1991, p.478). Durante este processo, apesar do forte desejo da pessoa enlutada em negar a realidade, conscientemente, ela tem que enfrentar a realidade da perda da pessoa querida e começar a desvincular-se dela: “Normalmente, o respeito pela realidade prevalece. Contudo, as suas ordens não podem ser levadas a cabo ao mesmo tempo. São concretizadas aos poucos, através do dispêndio de grande parte do tempo e de energia catética, enquanto, a existência do objeto perdido é psicologicamente prolongada. Cada uma das memórias e expectativas nas quais a libido se une ao objeto são evocadas, hipercatetizadas e a desvinculação da libido é conseguida” (Freud, 1917/2001, p.245). Perante a perda de uma pessoa querida o enlutado realiza aquilo a que Freud (1917/2001) chamou “grief work” (trabalho de luto). Este é um trabalho que consiste no reconhecimento da realidade por parte da pessoa enlutada, de que o objeto (pessoa) perdido já não existe, libertando a energia que a ligava à pessoa falecida, desvinculando-se dela e investido em novas relações. As reações à perda caracterizamse por um profundo desânimo, desinteresse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar, remorsos (Freud, 1917/2001). Trabalhar o luto significa, pois, confrontar as fortes emoções e os sentimentos associados à perda, que incluem falar sobre aspetos relacionados com o morto (chorar a morte, exprimir uma tristeza profunda ou saudades do morto) e com as circunstâncias da morte. Segundo esta perspetiva, a principal tarefa do trabalho de luto é a quebra dos laços com a pessoa falecida (memórias, por exemplo). Caso este objetivo não se concretize então, segundo Freud (1917/2001), estamos em presença de um luto patológico. Inicialmente, a pessoa enlutada experiencia um forte desejo de manter os laços com a pessoa falecida. Mas, incapaz de abandonar esta relação, a pessoa vai testando a realidade da perda procurando incluir a pessoa falecida como parte da sua vida (Russac, Steighner & Canto, 2002). O enlutado toma consciência da inviabilidade destas tentativas e chega à conclusão que manter uma relação progressiva com o morto é impossível. O indivíduo fica, então, numa situação de desapego da pessoa morta, adquirindo liberdade para investir e orientar as suas 44 emoções e atenção em direção a alguma outra coisa e noutras relações (Russac, Steighner & Canto, 2002). Enquanto esta teoria se foca na necessidade de quebrar os laços com o morto, a teoria do stress cognitivo incide a sua atenção nos processos de coping. 3.2. Teoria do Stress Cognitivo Para melhor entendermos os efeitos e consequências resultantes da experiência de uma perda, não podemos dispensar o entendimento do processo de coping envolvido. O estudo dos processos de coping representa nas ciências sociais e humanas um avanço em relação às perspetivas que apenas encaravam o impacto do ambiente ou dos acontecimentos sobre o indivíduo. Vamos olhar um pouco além da literatura relacionada com o luto, uma vez que esta teoria não só influenciou a compreensão sobre processos de coping no luto, como, também, contribuiu com elementos que nos ajudaram a melhor compreender o modelo que queremos fundamentar empiricamente e que serviu de base ao nosso trabalho – Modelo Dual de Processar o Luto, influenciando a definição e formulação deste modelo (Stroebe & Schut, 1999). Iremos, pois, descrever de uma forma mais detalhada esta teoria, para posteriormente discutirmos a sua aplicação ao luto. Na teoria do stress cognitivo privilegia-se a relação indivíduo/acontecimento/ stressor e a avaliação que o indivíduo faz do acontecimento. Durante este processo o indivíduo verifica os seus recursos: serão suficientes ou insuficientes para lidar com as exigências do acontecimento? Se o indivíduo julgar que são suficientes e adequados, irá mobilizar recursos compatíveis com a avaliação feita. Por outro lado, se o indivíduo julgar que são insuficientes para enfrentar as exigências do acontecimento, então irá experienciar muito stress. Perante este stress, irão ser desencadeados esforços de coping direcionados para a resolução de problemas ou para a estabilização/regulação de emoções. Dependendo do sucesso destes esforços, podem surgir dois cenários: os esforços são bem-sucedidos e as reações ou consequências são positivas; os esforços não são bem-sucedidos e um novo processo de avaliação da situação recomeça (Hansson & Stroebe, 2007). Esta descrição está de acordo com a seguinte definição de coping: “ (…) conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, para responder (reduzir, minimizar, dominar ou tolerar) às exigências internas e externas da interação indivíduo – ambiente e que são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo os recursos do indivíduo” (Folkman, e col., 1986, p.572). Em torno desta definição há a 45 considerar alguns aspetos que passaremos a referir (Folkman e col., 1986; Folkman, 2001; Ribeiro-Pais, & Santos, 2001; Lazarus & Lazarus, 2006): a. O coping é um processo. Refere-se ao que as pessoas pensam e fazem quando estão perante um acontecimento ou situação específica e não no que as pessoas fazem normalmente. Sendo um processo, o coping implica mudanças, as quais vão acontecendo ao ritmo de um conjunto de avaliações e reavaliação da situação causadora de stress durante a relação indivíduo – meio; b. O coping é contextual e influenciado pela avaliação que o individuo faz do acontecimento e dos recursos disponíveis para fazer face às suas exigências. Ou seja, os esforços despendidos no coping são moldados pela interação entre indivíduo e meio. Estes podem revelar-se eficazes num contexto e noutro não; c. Não há bom ou mau coping. A definição de coping refere-se aos esforços despendidos pelo indivíduo na gestão das exigências do acontecimento, independentemente destes serem ou não bem-sucedidos; d. Um coping eficaz permite às pessoas manterem o stress com níveis moderados de forma a viverem com stress sem consequências fisiológicas negativas. Avaliação primária e secundária O processo de coping tem o seu início quando se dá o encontro entre um indivíduo (com as suas crenças, valores, princípios, objetivos), os seus recursos para o coping e um acontecimento que assinala uma mudança ou ameaça alterar o seu bemestar (Folkman, 2001). Perante esta situação a pessoa avalia o acontecimento (primeira avaliação) e as opções ou recursos de que dispõe para o coping (segunda avaliação). Estes dois processos avaliativos vão influenciar e determinar não só as emoções e sentimentos experienciados, mas também o que a pessoa faz para lidar com o acontecimento causador de stress, ou seja as estratégias de coping que vai utilizar. Estratégias de coping O processo de lidar com o elemento stressor envolve a definição de estratégias de coping que refletem ações comportamentos ou pensamentos usados para lidar com o elemento stressor (Folkman e col., 1986). Estas estratégias podem ser classificadas em dois tipos, dependendo da sua função: coping focado na emoção e coping focado no problema. 46 O coping focado na emoção refere-se ao esforço desencadeado pelo indivíduo para regular as emoções resultantes do impacto com o elemento stressor. Segundo Folkman e col., (1986a) as formas de coping focadas na emoção incluem ações como o distanciamento (ex: continuar como se nada tivesse acontecido), autocontrole (ex: não querer que os outros saibam que as coisas estão muito mal), procura de apoio social (ex: falar com alguém que possa fazer alguma coisa acerca do problema), evitamento (ex: medicação, álcool, drogas), aceitação da responsabilidade (ex: aperceber-se de que o problema está em si próprio) e avaliação positiva (ex: crescer como pessoa). O coping focado no problema refere-se ao esforço desencadeado pelo sujeito para alterar o problema existente na relação entre a pessoa e o elemento stressor. Nesta dimensão do coping são utilizadas estratégias tais como a aprendizagem de novas habilidades, encontrar novas vias de satisfação ou adotar novos padrões de comportamento. De uma forma geral, o coping focado na emoção é mais apropriado em situações que não se alteram, enquanto o coping focado no problema é mais adequado em situações que são modificáveis (Stroebe & Schut, 1999). Será importante reter a ideia de que as pessoas usam diferentes estratégias conforme a situação stressora, utilizando, simultaneamente, várias estratégias de coping em quase todas as situações stressantes, nomeadamente estratégias focadas na emoção e estratégias focadas no problema (Ribeiro-Pais & Santos, 2001). Atendendo ao significado destas duas dimensões (coping focado no problema e na emoção) podemos perspetivar que certas estratégias de coping servem as funções de coping focado no problema e coping focado na emoção, como por exemplo, a procura de apoio social. Esta estratégia pode ser utilizada quando se procura alguém que possa fazer alguma coisa pelo problema, que o possa resolver (coping focado no problema) ou quando se procura alguém com quem partilhar os sentimentos e emoções (coping focado na emoção). Na Figura 1.3.2 podemos observar esta constância na avaliação que as pessoas fazem durante as suas transações com o ambiente que as rodeia. Transações avaliadas pelo indivíduo como ameaças, desafios, ou prejudiciais, requerem ações de coping para lidar com essas situações, quer para regular a angústia e tristeza sentida (coping focado na emoção), quer para modificar a situação causadora do stress e gerir o problema (coping focado no problema). Como resultado destas ações, os resultados ou consequências podem ter dois desfechos: favorável ou desfavorável. Se o desfecho for 47 favorável, então surge uma emoção positiva, podendo dar-se por concluído o processo de coping. Caso o desfecho seja desfavorável com consequências negativas, então o processo de coping recomeça, com novas avaliações e estratégias. É neste ponto, que surge o motivo pelo qual o modelo apresentado em Folkman (1997) precisou de ser revisto: para introduzir os estados psicológicos positivos e explicitar o papel por eles desempenhas no processo de coping (Figura 1.3.3) Avaliação Ameaça Aconteci mento Desafio Prejudicial Resultado do acontecimento Coping Coping focado no problema Resolução favorável Coping focado na emoção Resolução desfavorável Resultado da emoção Emoção positiva Angústia Não resolução Favorável Ou Irrelevante Figura1.3.2. Modelo do Coping Original (Folkman, 1997, p.1217). Contributo desta teoria para o luto Independentemente de qualquer teoria, o luto constitui um stressor, um acontecimento que coloca as suas exigências ao indivíduo, as quais podem sobrecarregar ou exceder os recursos individuais, constituindo uma ameaça ao seu bemestar. O luto é um stressor global, mas que envolve outros stressores mais específicos que surgem no decorrer do processo do luto e são de natureza diversa. São exemplos, os stressores relacionados com a figura de vinculação e os stressores relacionados com aspetos financeiros. A teoria do stress cognitivo forneceu elementos que contribuíram para o avanço do conhecimento sobre os processos de coping, em especial sobre os processos de coping do luto. O modelo, descrito na Figura 1.3.2 foi, contudo, alvo de uma revisão quando Folkman (2001) conheceu os resultados de um estudo sobre o luto. Nesse estudo, Folkman (2001) entrevistou cuidadores homossexuais de homens com Sida. Muitos destes cuidadores ficaram enlutados durante o estudo. Hansson e Stroebe (2007) referem que este estudo alertou Folkman para o papel que as emoções positivas desempenham no acompanhamento destes doentes e no luto. Os cuidadores 48 encontraram força e coragem para desempenhar o seu papel, descobrindo aspetos positivos no seu trabalho, mesmo quando a sua vida se tornava insuportável (Folkman, 1997). No modelo reformulado, Folkman (1997, 2001) integrou esta atitude chamandolhe afeto positivo, com o objetivo de avaliar o seu papel no coping. Nas palavras de Folkman “ (…) o estudo destacou questões importantes que precisaram de ser referidas para adaptar o modelo, incluindo a sua forma revista, ao estudo do luto” (2001, p.567). Como pode ser visto na Figura 1.3.3 o papel desempenhado pelo afeto positivo é manter o processo de coping. Este afeto positivo surge como uma reação do indivíduo ao estado de angústia e tristeza sentidas. Este estado pode motivar a pessoa (consciente ou inconscientemente) a procurar e a criar um estado psicológico mais positivo para ganhar alívio, mesmo que momentaneamente, de todo o sofrimento (Folkman, 2001). No seu estudo com parceiros cuidadores e enlutados de homens com HIV (Folkman, 1997) Folkman encontrou quatro tipos de coping associados a estados psicológicos positivos e responsáveis pela continuação do coping com as situações stressantes de ser cuidador e de enlutado. Os quatro tipos de coping foram os seguintes: reavaliação positiva (ex: reconstruir a situação stressora, procurando ver nela algo de positivo); coping focado no problema (ex: aprender a administrar uma injeção pode aliviar o sentimento de impotência perante o avançar da doença); crenças e práticas espirituais (ex: acreditar que o espírito do parceiro foi para um lugar melhor e mais seguro) e, finalmente, integrar acontecimentos vulgares com um significado positivo (ex: ir ao cinema, dar uma festa, fazer uma viagem, contribuem para que o cuidador/enlutado se distraia das tarefas do dia a dia). Este passo em frente em relação ao modelo original revelou que os afetos e sentimentos positivos promovem a adaptação à perda e que tipo de processos de coping podem ajudar as pessoas a lidar com a perda. Contudo, há que saber e investigar mais acerca da duração e intensidade dos estados psicológicos positivos que ajudam os indivíduos no coping com situações adversas (Folkman, 1997). Poderá afirmar-se que a sua excessiva duração poderá impedir o trabalho de luto de ser feito. Contrariando a especificidade do modelo, que se pretendia adaptado ao estudo do luto, Hansson e Stroebe (2007) consideram que o mesmo continua a ser um modelo genérico, isto é, aplicável a uma variedade de acontecimentos stressantes. 49 Avaliação Ameaça Aconteci mento Desafio Ferimento Resultado do acontecimento Coping Coping focado no problema Resolução favorável Coping focado na emoção Resolução desfavorável Resultado da emoção Emoção positiva Não resolução Angústia Coping baseado no significado Emoção positiva Favorável Ou Apoia o processo de coping Irrelevante Figura 1.3.3. Modelo do Coping Revisto (Folkman, 2001, p.574). 3.3. Fases do Luto “As teorias das fases postulam que o luto entre indivíduos com doenças terminais ou pessoas enlutadas se desenvolve através de uma sequência de fases psicologicamente distintas” (Prigerson & Maciejewski, 2008, p.435). O conceito de fases foi popularizado por Elisabeth Kübler-Ross, através de um estudo baseado em relatos obtidos de indivíduos, quando confrontados com uma morte iminente, tendo observado a existência de uma padronização na experiência dos mesmos. Este modelo, que Kübler-Ross (1997) chama de etapas, apesar de se referir às etapas da morte foi, largamente, adotado e aplicado por outros autores (Silverman 1981; Weizman & Kamm, 1987), a muitas outras situações, como o processo de luto. Estes, não só adotaram o modelo como preferiram atribuir outro termo, que não o de etapa, para definir o processo. Surge assim o conceito de fases do luto. Há necessidade, contudo, de salientar que os percursos que o luto percorre não são iguais para todas as pessoas, ou seja, cada percurso é único e singular, podendo os indivíduos manifestar ou não as características de cada fase; algumas delas podem até manifestar-se mais tarde; o tempo de permanência numa fase difere de indivíduo para indivíduo. Weizman e Kamm (1987) consideram que o termo “fases” caracteriza a flexibilidade e transitoriedade de um processo de luto e que tem sido interpretado de uma forma muito rígida. Por outro lado, estas autoras deixam claro que estas fases não são limitadas no tempo nem sequenciais. São orientações flexíveis e são interpretadas e aplicadas a cada indivíduo e circunstância. De acordo com isto, Cavanaugh (1993) 50 sustém o seguinte: “Apesar de existir uma sequência implícita nas fases, devemos ter em mente que algumas pessoas as experienciam mais do que uma vez ao longo do tempo e que progredir através delas nem sempre é predizível” (p.467). Significa que todo o processo de luto é único e pessoal, sendo necessário considerar e reconhecer estes aspetos no momento de o descrever e caracterizar. Etapas da morte Kübler-Ross (1997, p.176) refere que os familiares experienciam etapas semelhantes àquelas descritas pelos doentes terminais: “Da mesma forma que o doente passa por uma etapa de raiva, a família mais próxima irá experimentar a mesma reação emocional”. O processo de confronto com a morte, que os indivíduos com doenças terminais desenvolvem, parece não ser substancialmente diferente do processo experienciado pelos seus familiares. Primeira etapa - Negação A primeira etapa, descrita por Kübler-Ross, é a etapa da negação: “ A negação funciona como um escudo após a chegada de notícias inesperadas e chocantes. Permite ao paciente guardá-las e, com tempo, mobilizar outras defesas menos radicais” (1997, p.52). Com efeito, a negação é só uma defesa temporária que, a curto prazo, é substituída por uma aceitação parcial. Na verdade, quando as pessoas recebem a notícia de que são portadoras de uma doença terminal, a sua primeira reação é de choque e de descrença da qual irão recuperar gradualmente. Kübler-Ross (1997) revela que uma das atitudes mais comuns nestes doentes é procurar outros diagnósticos, outras opiniões, para a sua doença, na esperança de que o primeiro diagnóstico esteja errado. A persistência em manter a atitude de negação ao longo de todo o processo de adaptação à doença também foi verificada por Kübler-Ross, apesar de o considerar uma raridade. A este propósito, Kübler-Ross confirma, somente, a existência de três pessoas que o conseguiram fazer entre os duzentos entrevistados do estudo. É que, na verdade, a necessidade de negação existe em todos os pacientes, de tempos a tempos, sendo mais frequente no início de uma doença grave. Raramente se mantém durante o resto da vida. Kübler-Ross (1997) considera que, dependendo da forma como se transmite ao doente a sua situação clínica e da forma como o doente se preparou ao longo da sua vida, para lidar com situações stressantes, o doente, irá, gradualmente, desistir da sua atitude de negação e usar formas menos radicais de mecanismos de defesa. Segunda etapa – Raiva 51 “Quando a primeira etapa de negação não consegue ser mantida durante mais tempo, é substituída por sentimentos de raiva, angústia, inveja e ressentimento” (Kübler-Ross, 1997, p.63). A clareza desta frase ilustra o sofrimento de quem continua a lutar contra a morte. Nesta etapa os doentes interrogam-se “porquê eu?”. Segundo Kübler-Ross, esta etapa é mais difícil de lidar que a anterior, do ponto de vista da família e do pessoal hospitalar. Ou seja, a raiva é sentida pelo doente em relação aos que lhe são mais queridos, a ele próprio, ao pessoal hospitalar, ao médico ou a Deus. Kübler-Ross sugere às pessoas que lidam com estes doentes a criação de oportunidades para que eles se expressem livremente e os seus sentimentos e pensamentos possam ser partilhados. Contudo, à medida que estes sentimentos de raiva, de fúria e ressentimento começam a diminuir o doente poderá começar a negociar. Terceira etapa - Negociação Nesta etapa, o pensamento que domina a mente dos doentes é o seguinte: “(...) talvez possamos entrar em algum tipo de acordo que possa adiar o inevitável” (Kübler-Ross, 1997, p.93). Apesar de Kübler-Ross esclarecer que esta etapa é menos conhecida, a maioria dos acordos é feita com Deus e guardados em segredo. É quando os doentes se apercebem que não têm saída, que o processo de negociação se inicia, fazendo promessas, como por exemplo, dedicar a vida a Deus ou à Igreja, em troca de mais algum tempo de vida (Kübler-Ross, 1997). Quarta etapa – Depressão Quando o doente já não pode continuar a negar a sua doença, quando a sua situação se agrava, começando a emagrecer e a ficar mais fraco, surge a nova etapa – depressão. Esta não vem sozinha e traz consigo uma sensação de perda. O doente está perto de perder tudo e todos de quem gosta (Kübler-Ross, 1997). No decorrer desta etapa, Kübler-Ross (1997) considera que seria de grande ajuda para o doente permitir que ele partilhe os seus sentimentos com outras pessoas (por exemplo a família), sem que estas lhe digam, constantemente, para não estar triste. Desta forma, o doente sentirá mais facilidade em chegar à etapa final da aceitação. Quinta etapa - Aceitação Nesta etapa, de aceitação, o doente aceita a inevitabilidade da morte e, muitas vezes, aparenta uma atitude de alheamento da realidade e de paz. Kübler-Ross afirma que é nesta etapa que, mais do que o próprio doente, é a família quem mais precisa de apoio e compreensão. Fases do processo de luto 52 “As fases refletem o facto de que quando alguém próximo de nós morre, devemos reorganizar as nossas vidas, estabelecer novos padrões de comportamento e redefinir a nossa relação com a família e amigos” (Cavanaugh, 1993, p.467). Contrariamente a Kübler-Ross (1997) que utilizou o conceito de “etapa” para se referir à evolução do processo de adaptação à morte, outros autores preferiram o termo “fases”. Além de Cavanaugh (1993), Bowlby (1980), Silverman (1981) e Weizman e Kamm (1987) também adotam o termo “fase”. Silverman (1981) adota este conceito de fases para caracterizar este período de transição, característico do ciclo de vida, que é a morte. O estabelecimento do número de fases difere de autor para autor, bem como o nome que lhes é atribuído. Bowlby (1980) conceptualizou o processo de luto como um conjunto de fases: choque, saudade e protesto, desespero e a fase de reorganização. a) Fase de choque – caracterizada por sintomas de negação e inércia; b) Fase de saudade e protesto – fase em que se tenta recuperar a pessoa falecida. A ansiedade, a revolta e o medo são as emoções dominantes; c) Fase do desespero – esta fase é acompanhada de um afastamento social e caracterizada por uma revolta devida à constatação de que a pessoa falecida não vai regressar; d) Fase de reorganização – nesta fase é visível uma recuperação, marcada por um crescente bem-estar e aceitação da perda. Contudo, inicialmente, Bowlby definiu três fases: protesto, desespero e desorganização e desvinculação. Mais tarde, aquando da adaptação deste modelo ao processo de luto, é que se incluiu uma fase inicial de inércia logo a seguir à perda ter ocorrido. Segundo Canavarro (2004), a mudança desta primeira fase deveu-se à verificação de que os indivíduos, por vezes, revelam um comportamento de negação após a perda. Já o termo desvinculação parece referir-se a momentos anteriores a 1980. Shaver e Tancredy (2001) informam-nos que desvinculação é um termo usado anteriormente, mais em concreto, em 1969 para caracterizar a terceira fase da reação das crianças à separação prolongada dos pais. Reorganização não significa desvinculação ou rutura dos laços com a pessoa falecida. É um termo que se aproxima mais da ideia de continuação dos laços do que do conceito de desvinculação. Parece tratar-se de reorganizar a nova situação, entretanto criada, restabelecendo atividades e tarefas da vida diária. Weizman e Kamm (1987) apresentam cinco fases: Choque, Desconcerto, Raiva, Tristeza e Integração. Já Silverman (1981) apresenta três fases: Impacto, Hesitação e 53 Acomodação. Cavanaugh (1993) apresenta, também três fases, mas com nomes diferentes: Fase Inicial, Fase Intermédia e a Fase de Recuperação. Weizman e Kamm (1987) consideram que o luto ocorre ao longo de cinco fases. A primeira fase, “Choque”, encontra-se ligada ao peso que a circunstância da morte tem neste início do processamento do luto. Durante esta fase são experienciados sentimentos de choque, descrença, negação, confusão, embaraço, isolamento ou afastamento. Podem, contudo, ser vividos outros sentimentos tais como tristeza, revolta ou culpa. Segundo Weizman e Kamm (1987) estes sentimentos não duram muito tempo, sendo a sua vivência mais intensa deixada para mais tarde. Significa, após este primeiro impacto, que a realidade e a dor se instalam fazendo surgir variados e intensos sentimentos (Silva, 2004). Este impacto inicial pode provocar uma certa confusão e embaraço. O enlutado fica sem saber o que fazer, a quem se dirigir ou como se expressar. O choque e a negação são reações normais e que visam a autoproteção do impacto e da dor. Esta atitude é mais notória quando a morte é repentina, isto é, a descrença, o não acreditar, são mais acentuados quando ocorre este tipo de morte. Silverman (1981) caracteriza a fase de “impacto” como uma fase devastadora, quando a morte do marido é repentina e inesperada. Sobre este assunto, Cavanaugh (1993) afirma que nesta primeira fase, a que ele chama de “inicial”, a pessoa enlutada apresenta uma reação de choque, descrença e de entorpecimento. As pessoas revelam, frequentemente, sentimentos de vazio, frio e confusão. Para Weizman e Kamm (1987), o período de choque varia conforme a circunstância da morte. Com efeito, se esta se ficar a dever a um acidente, assassínio ou suicídio, o período de choque pode durar cerca de seis ou sete meses, quando, em circunstâncias ditas “normais”, este período tem uma duração de dois a três meses. No caso de se tratar de uma doença prolongada, o sentimento de alívio é predominante. Pode haver alívio pelo fim do sofrimento da pessoa, pela família que se envolveu em muitas obrigações durante a doença terminal ou pelo período de espera da morte. Houve tempo, portanto, para uma preparação emocional do que se avizinhava. Tal como Weizman e Kamm (1987), também Silverman (1981) concorda em afirmar que a duração desta fase depende da circunstância da morte do marido. Para esta autora, quando a morte se segue após uma longa doença o sentimento de alívio é inevitável e o choque não é de grande intensidade, uma vez que a morte não foi uma surpresa. Por outro lado, ainda segundo Silverman (1981), quando a morte do marido é súbita e inesperada, o choque é mais profundo e intenso. Não houve tempo para a 54 pessoa enlutada se preparar; não houve tempo para dizer adeus, para pensar como serão as coisas, agora que se encontra só (Silva, 2004). Contudo, Cavanaugh (1993) citando Hill, Thompson e Gallagher, chama a atenção para o facto de que os sentimentos, só por si, não diferenciam as viúvas, cujos maridos estiveram doentes pelo menos um mês, daquelas cujos maridos morreram subitamente, ou seja, o tempo de recuperação não depende do tipo ou circunstância da morte. Poderemos caracterizar esta fase com base em dois aspetos essenciais: a autoproteção refletida nos sentimentos de confusão, desorientação, descrença e negação; a circunstância da morte que determina a duração da fase e influencia a forma de vivenciar estes primeiros momentos do luto. Em relação à segunda fase Weizman e Kamm (1987), Cavanaugh (1993) e Silverman (1981) estão de acordo em relação aos sentimentos que caracterizam esta fase. Assim, podemos encontrar, nesta fase, sentimentos de culpa, autocensura e impotência. O enlutado responsabiliza-se pela morte e sente-se culpado, querendo recuperar a pessoa perdida e trazê-la de volta à vida. Weizman e Kamm (1987) explicam este sentimento de culpa atribuindo-o a ações que foram omitidas ou a oportunidades falhadas. Cavanaugh (1993) afirma que os enlutados tentam perceber porque é que a pessoa morreu; sentem a presença da pessoa morta, conversam e sonham com ela. Silverman (1981) concorda com esta ideia ao afirmar que a viúva pode continuar a imaginar que o seu marido foi fazer uma viagem, tornando a sua vida de certa forma irreal. Para esta autora, esta fase revela ainda outros sentimentos que, por exemplo, Weizman e Kamm (1987) distribuem por mais duas fases: a terceira e a quarta. Para estas autoras a terceira fase caracteriza-se pelo aparecimento de alguns sentimentos como a raiva. Esta é sentida pelo facto de o morto não se ter cuidado como devia ou por ter deixado a viúva encarregue de assuntos, antes da sua responsabilidade. Na impossibilidade de dirigir este sentimento ao objeto perdido (morto), o enlutado fálo em relação a outros, como a família ou os amigos. O sentimento de raiva encontra-se, muitas vezes, associado a sentimentos de culpa (Weizman & Kamm, 1987). Esta situação é muito frequente quando o enlutado se culpa por sentir raiva do morto. A tristeza, por seu lado, surge na quarta fase. Para Weizman e Kamm (1987) este sentimento torna-se predominante quando a realidade da morte se torna mais clara para a pessoa enlutada que reconhece a morte da pessoa querida. Nesta altura, então, surgem sentimentos associados como a dor e a agonia. O enlutado tenta evitar estes sentimentos, pois começam a tornar-se difíceis de suportar. São, então, engendrados 55 alguns estratagemas para evitar estes sentimentos como por exemplo, aumentar a atividade profissional ou sair com amigos. Poderemos afirmar que estas fases (segunda, terceira e quarta) são dominadas por sentimentos de culpa, de raiva e por um reconhecimento gradual da realidade (Silva, 2004). A última fase deste processo (quinta para Weizman & Kamm) consiste na integração, acomodação ou recuperação. Cavanaugh (1993) revela-nos que esta fase consiste na tomada de consciência, por parte da viúva, de que não adianta viver no passado. Weizman e Kamm clarificam esta ideia da seguinte forma: “Este é o tempo em que a viúva aceita a suas limitações (…). A viúva adapta-se à mudança de papéis que surge como resultado da relação perdida” (1987, p. 61). Silverman (1981), por seu lado, afirma que a viúva desenvolve uma “nova” identidade. Significa que a pessoa não corta com o passado nem renúncia a ele; antes muda a sua relação com ele. Daí que recordar e relembrar são partes importantes da integração, como afirmam Weizman e Kamm (1987). Por outras palavras, as suas lembranças constituem uma forma de ligar o passado e o futuro. A teoria das fases do luto tem sobrevivido ao longo de décadas, apesar de só recentemente (2007) ter surgido a primeira verificação empírica desta teoria. O estudo de Maciejewski e colegas foi o primeiro a testar esta teoria (Maciejewski, Zhang, Block & Prigerson, 2007). Nesta pesquisa (Maciejewski, Zhang, Block & Prigerson, 2007) procuraram analisar o percurso de cinco fases do luto: descrença, saudade, raiva, depressão e aceitação ao longo de vinte e quatro meses após a perda. Verificaram que, no contexto de uma morte natural, a saudade foi a reação mais frequente tendo suplantado a descrença nos primeiros seis meses e sido mais comum que a depressão, a qual atinge o seu valor mais elevado nos seis meses após a perda. Verificaram, ainda, que dentro de cada período de observação (1-6 meses; 6-12 meses e 12-24 meses) a aceitação obteve valores superiores às restantes reações. Apesar da saudade se revelar como a reação mais frequente, as reações associadas a cada uma das fases atingiram o seu valor máximo nos primeiros seis meses após a perda, tendo começado a diminuir a partir daqui (Maciejewski, Zhang, Block & Prigerson, 2007). Consideram que o estudo é revelador dos padrões normais de processar o luto e que os resultados suportam a teoria das fases: “ (…) estes resultados fornecem, pelo menos, um suporte parcial para a teoria das fases do luto” (Maciejewski, Zhang, Block & Prigerson, 2007, p.721). Esta verificação empírica da teoria das fases não foi bem acolhida entre alguns os estudiosos 56 do luto, tendo-lhe sido apontadas algumas críticas. Silver e Wortman (2007) começam por esclarecer que nem todas as pessoas fazem o seu luto através de uma série de reações com fases definidas. Bonanno e Boerner (2007) consideram que o estudo não fornece uma evidência empírica sólida para a teoria das fases do luto, exemplificando com o facto de a aceitação da morte, segundo a teoria surgir no final do processo, enquanto no estudo é uma das reações que apresenta valores mais elevados em todos os momentos da observação. Numa oposição, que nos parece evidente ao modelo de fases, Bonanno e Boerner (2007) revelam que este modelo nos diz muito pouco sobre a forma como as pessoas lidam com a perda e porque é que experienciam diferentes níveis de angústias em diferentes momentos do processo. Parece-nos que testar empiricamente as fases do luto possa envolver alguma dificuldade devido a algumas características associadas ao próprio modelo: as pessoas podem experienciar mais que uma fase em simultâneo; podem mover-se ao longo das fases adiantando-se ou retrocedendo; podem até “saltar” alguma fase; as fases não são limitadas no tempo nem sequenciais. Contudo, os modelos explicativos do processo de luto não se esgotam neste modelo de fases. 3.4. Tarefas da pessoa enlutada Worden (2002) define um modelo baseado em tarefas que a pessoa enlutada deve desempenhar para se adaptar ao luto. Ao contrário do modelo de fases, este é um modelo com mais dinamicidade envolvendo o enlutado numa adaptação mais ativa (Stroebe & Schut 2001a). Hansson e Stroebe (2007) consideram que este modelo de tarefas apresenta uma definição mais precisa dos stressores que precisam de ser trabalhados. Através deste modelo podemos visualizar uma descrição elaborada do “trabalho de luto” (Neimeyer & Gamino, 2003). Nas palavras de Worden: “As fases implicam uma certa passividade, algo que o enlutado deve passar por” (2002, p.26). As tarefas definidas por Worden (2002) são quatro: a) Tarefa 1 - Aceitar a realidade da perda Aceitar a realidade de que a pessoa realmente morreu, que partiu e não vai regressar; aceitar que a reunião com essa pessoa não vai acontecer. Parte desta aceitação é acreditar que é impossível o reencontro com a pessoa falecida. Algumas pessoas sentem muita dificuldade em acreditar que a morte realmente ocorreu, ficando paralisadas nesta primeira tarefa do processo. b) Tarefa 2 - Trabalhar a dor do luto 57 Worden (2002) refere a necessidade de se trabalhar a dor do luto, caso contrário este pode manifestar-se através de sintomas físicos ou de comportamentos aberrantes, ou seja, é necessário fazer o trabalho do luto. Bowlby já havia confirmado isto quando afirmou: “Mais cedo ou mais tarde alguns dos que evitam a dor e o sofrimento, quebram – geralmente sob a forma de algum tipo de depressão” (1980, p.158). Evitar pensamentos dolorosos, idealizar a pessoa falecida, evitar memórias ou lembranças dela, são formas que impedem a conclusão desta tarefa. c) Tarefa 3 - Adaptar-se a um ambiente do qual a pessoa falecida está ausente Criar os filhos, consciencializar-se de que vive só, enfrentar uma casa vazia, gerir as finanças sozinha, são algumas das adaptações que a pessoa enlutada terá de fazer, agora que a pessoa querida não está presente. Estas adaptações dependem dos papéis desempenhados pelo morto e tentativas em desempenhá-los podem falhar, conduzindo a uma diminuição da autoestima. Com o tempo, no entanto, estes sentimentos tendem, geralmente, a desaparecer dando lugar a outros mais positivos, uma vez que a pessoa enlutada se sente capaz de desempenhar os papéis, antes da responsabilidade do morto. d) Tarefa 4 - Recolocar, emocionalmente, a pessoa falecida e continuar a viver A pessoa enlutada sente necessidade de manter vivas as memórias e recordações do morto, de continuar os laços, mas de uma forma que não a impeça de continuar a viver a sua vida. Esta tarefa pode ser impedida de se realizar, caso o enlutado insista em manter-se vinculado ao passado e não invista em novas relações. Nesta tarefa podemos ver refletida a ideia de que a continuação dos laços com a pessoa falecida é possível e potencialmente saudável (Moss & Moss, 1996). Talvez a qualidade do vínculo entre a pessoa enlutada e a pessoa falecida nos ajude a melhor entender estas reações ao luto. Para tal, precisamos conhecer a teoria da vinculação. 3.5. Teoria da Vinculação Porque nos parece que o impacto produzido pela natureza da vinculação poderá influenciar o desenrolar do processo de luto, daremos relevância ao contributo desta teoria para o entendimento da experiência da perda. Segundo Sable (2004), a teoria da vinculação é vista como um contributo cada vez mais significativo para o entendimento do comportamento social do ser humano, não só na infância, mas também ao longo do seu ciclo de vida. A literatura, relacionada com esta temática, tem vindo a debruçar-se cada vez mais sobre o significado da vinculação junto da população idosa, uma vez que a possibilidade de experienciar perdas aumenta com a idade. Daremos destaque à forma 58 como se desenrola o processo vinculativo e a dois conceitos chave na teoria da vinculação: esquemas mentais (“working models”) e situação estranha. “Working models” Segundo a teoria da vinculação, o objetivo do comportamento vinculativo é manter e desenvolver laços afetivos entre a criança/adolescente e a pessoa adulta responsável pela sua segurança e bem-estar (pode ser o pai, a mãe ou outra pessoa, mas é geralmente a mãe), visando a segurança e a proteção da criança (Scher, Ingram & Segal, 2005). Estes comportamentos vinculativos são observados ao logo de todo o ciclo de vida, isto é, mais tarde é também observado entre pessoas adultas (Bowlby, 1980). É, contudo, durante a infância e a adolescência que a natureza dos laços afetivos entre a criança e o seu “responsável” se irá repercutir nas relações futuras. Dependendo das atitudes da pessoa “responsável” para com a criança, esta irá desenvolver um tipo de vinculação seguro ou inseguro, podendo ocorrer situações que influenciem o processo vinculativo. Ingram, Miranda e Segal (1998) referem que este processo, quando afetado por acontecimentos stressantes, conduz a uma perturbação no processo vinculativo: “ (…) stress desenvolvimental significativo conduz a alguma forma de rutura no processo de vinculação” (p.205). Quando esta situação se verifica a criança pode desenvolver e “aprender” comportamentos como sentir-se rejeitada, insegura, com baixa autoestima, abandonada, tornando-a, mais tarde, uma potencial candidata à vulnerabilidade e à depressão. Um dado importante para um melhor entendimento deste processo é o conceito de “internal working models” ou representações internas (expectativas, crenças, regras…) Bowlby (1969, 1980). Estes esquemas são formados por representações cognitivas elaboradas ao longo de relações interpessoais com determinadas figuras consideradas essenciais para o desenvolvimento do indivíduo que com ele estabelecem laços de vinculação. Como afirmam Ingram, Miranda e Segal (1998): “Os esquemas mentais refletem a representação cognitiva de relações que foram generalizadas durante interações anteriores com figuras chave na vida do indivíduo” (p.206). A criança assimila as mensagens (positivas e negativas), sob a forma de representações cognitivas, incorporando-as nos seus esquemas mentais em desenvolvimento. Estes modelos resultam, pois, das experiências individuais de cada pessoa. No entanto, os modelos das pessoas consideradas vulneráveis à depressão são constituídos por perspetivas negativas do indivíduo sobre si próprio e dos que o rodeiam, fruto da perturbação no processo vinculativo na infância/adolescência e que, quando ativados 59 por um acontecimento stressante, conduzem à depressão. Deste modo, o padrão depressivo que uma pessoa desenvolve é o resultado das suas experiências passadas na infância e da natureza e circunstâncias de um acontecimento adverso, recentemente experienciado por essa pessoa (Bowlby, 1980). Esta compreensão do desenvolvimento dos esquemas mentais ajuda-nos a melhor entender a teoria da vinculação. A “Situação estranha” Para Stroebe (2002), a teoria da vinculação é a força teórica mais poderosa na investigação contemporânea sobre o luto. De acordo com Bowlby (1969, 1980) a teoria da vinculação baseia-se na capacidade evidenciada pelos seres humanos, e por outros animais, em estabelecer laços afetivos entre si. Uma vez estabelecidos, a natureza destes laços, passa a estar relacionada com o bem-estar físico e psicológico ao longo da vida do ser humano. A formação de um laço é definida por Bowlby (1980) como apaixonarse, manter um laço amando alguém e perder o parceiro, sofrendo com essa perda. Um conjunto de emoções surge durante a formação, manutenção e rutura destes laços, como o confirma Bowlby “ (…). Da mesma maneira, a ameaça da perda faz surgir a ansiedade e a sua realidade dá lugar à tristeza enquanto, cada uma destas situações provavelmente provocará raiva. A inalterável manutenção de um laço é experienciada como uma fonte de segurança e a renovação de um laço como uma fonte de alegria” (1980, p.40). As relações vinculativas são, pois, vistas por Bowlby como desempenhando um forte papel na vida emocional dos adultos. Mas é desde cedo, na infância, que estas relações são estabelecidas entre a criança e a figura cuidadora, geralmente a mãe. As crianças estabelecem uma relação de vinculação emocional com a figura cuidadora, a qual se torna a preferida das crianças. Quando separadas desta figura, e na presença de pessoas estranhas, as crianças demonstram medo ou agem com cautela (Shaver & Tancredy, 2001). Esta situação foi alvo de um estudo realizado por Mary Ainsworth denominado de “Situação Estranha”. Este interesse surge na sequência do trabalho com John Bowlby. Entre 1950 e 1954 Bowlby concluiu um trabalho solicitado pela Organização Mundial de Saúde cujos resultados impressionaram Ainsworth, nomeadamente “ (…) a evidência de efeitos adversos no desenvolvimento, atribuídos à falta de interação com a figura materna, quando as crianças passavam longos períodos em instituições de acolhimento” (Ainsworth & Bowlby, 1991, p.3). Bowlby tentava compreender a angústia experienciada pelas crianças que tinham sido separadas dos seus pais e postulou que os comportamentos de vinculação por ele observados (choro e 60 procura) eram respostas adaptativas da criança à separação da figura de vinculação aquela que providencia suporte, proteção e cuidados. Bowlby estava consciente de que existiam diferenças individuais na forma como as crianças avaliavam a sua aproximação à figura de vinculação e de como avaliavam o seu comportamento vinculativo perante uma ameaça (separação da figura de vinculação, por exemplo). O entendimento destas diferenças individuais tornou-se mais articulado e coerente quando, no outono de 1953, Ainsworth resolveu levar a cabo uma investigação que pudesse ser esclarecedora sobre o que existe entre uma criança e a sua mãe, que possa contribuir para a formação de laços entre elas e cuja ausência dos mesmos pode provocar efeitos adversos no desenvolvimento da personalidade da criança. Decidiu, ainda, basear o seu estudo em observações diretas de crianças e das suas mães no seio da família e em suas casas. Na sequência do seu trabalho, Ainsworth desenvolveu a primeira forma sistemática de estudar os vínculos entre os pais e os filhos, o Teste da Situação Estranha (Parkes, 2001). Este teste é constituído por uma situação laboratorial estandardizada, na qual as crianças e as suas mães podem ser estudadas e observadas, antes, durante e depois de um breve período de separação (Ainsworth & Bowlby, 1999; Parkes, 2001; Soares & Tereno, 2007). A Situação Estranha, tal como a refere Soares, “tem subjacente a noção de base segura, ou, seja, permite observar em que medida a mãe pode constituir para o bebé um apoio a partir do qual esta pode explorar o mundo com confiança” (1996, p.65). Com base nas observações de laboratório e em casa das famílias, Ainsworth conseguiu distinguir três tipos de vinculação entre a criança e a sua mãe: vinculação segura e insegura (ansioso/ambivalente e evitante). Estes padrões de comportamento permitem predizer vinculações subsequentes destas crianças ao longo da sua adolescência e vida adulta. Influenciam a reação dos indivíduos à perda quando são quebradas ou quando chegam ao fim (Parkes, 2001). O trabalho desenvolvido por Ainsworth revelou-se importante, por ter sido uma das primeiras demonstrações empíricas dos estilos de vinculação em contextos seguros (casa) e inseguros (laboratório), ao mesmo tempo que definia a existência de três tipos de crianças: aquelas que são seguras no seu relacionamento com os pais, aquelas que são ansiosas/ambivalentes e aquelas que são evitantes (Fraley, 2004). A investigação de Ainsworth mostrou, ainda, que estas diferenças individuais no comportamento de vinculação das crianças são o resultado da sua interação com os pais nas suas casas durante o primeiro ano de vida. Fraley (2004) exemplifica com o facto de que as 61 crianças com uma vinculação segura na “Situação Estanha” tinham pais responsivos às suas necessidades. 3.6. Limitações das teorias e dos modelos Teoria do trabalho de luto À teoria do trabalho de luto são apontadas algumas críticas, nomeadamente a falta de confirmação empírica. Contudo, estas críticas abriram as portas à exploração de novos modelos e teorias do luto (Lister, Pushkar & Connoly, 2008). Wortman e Silver (2001) numa revisão da literatura sobre os mitos de lidar com perda, revelam-nos que a teoria do trabalho de luto constitui uma matéria a precisar de mais investigação. Revelam-nos, ainda, uma série de mitos sobre o coping com a perda, como a necessidade de trabalhar o luto ou que todas as pessoas recuperam da perda que sofreram. Wortman e Silver (2001) referem que é importante identificar fatores que condicionam este “trabalho”, como por exemplo o tipo de perda (cônjuge, filho…), as circunstâncias em que a morte ocorreu (esperada ou repentina), o tipo de vinculação com a pessoa falecida (seguro ou inseguro). Stroebe e Stroebe (1991) consideram que a visão que defende a necessidade de que “todos precisam de fazer o trabalho de luto” é uma simplificação que precisa de ser mais especificada e testada empiricamente. Stroebe e Schut (1999) afirmam que esta teoria não envolve aspetos do processo de luto aos quais o enlutado terá, também, que se adaptar. Stroebe e Schut (1999) chamam-lhes stressores secundários. Uma outra crítica que os mesmos autores apontam à teoria “trabalho de luto” é a falta de dinamicidade na realização desta tarefa. Para Stroebe e Schut (1999) o confronto da perda, a sua aceitação ou o seu evitamento, é um aspeto negligenciado nesta teoria, a mesma para a qual a negação era sinónimo de patologia. Ainda em relação à teoria do “trabalho de luto”, é referido por Stroebe e Schut (1999) a ausência de uma dimensão interpessoal na adaptação ao luto por parte da pessoa enlutada. Para estes autores esta teoria foca a sua atenção mais no nível intrapessoal quando, na realidade, deveria considerar ambas. Teoria do stress cognitivo O conceito de stressores, recursos, exigências, mecanismos de coping e primeira e segunda avaliação constituíram valiosos constructos na elaboração do novo modelo. Contudo, aquando da integração de alguns dos componentes deste no novo modelo, Hansson e Stroebe (2007) encontraram algumas limitações: o modelo da teoria do stress cognitivo não contempla qualquer processo de avaliação e de coping com os diferentes stressores, tal como acontece quando se processa o luto. Ou seja, apesar de o modelo 62 possibilitar a coexistência de diferentes stressores, não oferece uma explicação de como os avaliar e lidar com eles. Esta descrição está presente, mas para um stressor de cada vez. Acrescenta-se, ainda, a ausência de qualquer forma de alternância ou de oscilação no coping com os diferentes stressores (Stroebe & Schut, 1999; Hansson & Stroebe, 2007); a teoria do stress cognitivo pouco adianta em relação à gestão da emoção em termos da dinâmica do processo de confronto e de evitamento de stressores do luto; as estratégias (focadas na emoção e no problema), definidas por Folkman (2001), apresentam diferentes cenários de aplicabilidade: são mais ou menos adequadas a situações que se podem ou não alterar. Por exemplo, no caso do luto, o facto da pessoa falecida não regressar constitui um aspeto em que a utilização de estratégias focadas na emoção se apresenta como a mais adequada, enquanto as estratégias focadas no problema são mais adequadas para lidar com aspetos como a necessidade de ganhar dinheiro para equilibrar as finanças (Stroebe & Schut, 2001). Contudo, a distinção entre o coping focado na emoção e o coping focado no problema parece pouco clara no contexto do luto. Quando a pessoa decide que expressar o seu sofrimento pode ser-lhe muito penoso e doloroso, então ela pode evitar esta emoção; por outro lado, pode ser benéfico, e até ajudar no processo de luto, expressar estes sentimentos. A estratégia de coping focada na emoção incorpora, pois, o confronto e o evitamento de emoções próprias do processo de luto. Cada uma destas estratégias pode beneficiar ou prejudicar a pessoa enlutada, portanto a eficácia destes mecanismos também não está clara; apesar da teoria do stress cognitivo ser aplicável ao luto, esta é uma teoria de caráter genérico que serve eventos stressantes. Num modelo específico do luto há que considerar fatores como a relação de vinculação com a pessoa falecida ou as circunstâncias da morte. Modelo das Fases e as Tarefas de Worden Devido à reduzida evidência empírica do modelo de fases, tem-se verificado uma crescente especulação sobre a utilidade desta proposta teórica no entendimento do processo de luto. (Wortman, Silver & Kessler, 1993) referem como exemplos o facto de este modelo não propor nenhum mecanismo que possa explicar o impacto produzido pela perda na saúde física e mental das pessoas enlutadas, nem possa explicar a razão pela qual uma pessoa possa ficar devastada por uma perda e outra não. Da revisão da literatura por nós realizada, pudemos constatar que o modelo de fases se aplica a todas as pessoas enlutadas, independentemente do género, da idade ou das diferenças culturais, à semelhança da teoria do trabalho de luto. As diferenças individuais na adaptação à perda parecem-nos ausentes nestes modelos. 63 Sendo óbvio que a concretização de uma tarefa é facilitadora da adaptação à perda, Stroebe e Schut (2001) consideram que se deveria ponderar a definição de tarefas adicionais, como por exemplo, trabalhar no sentido de aceitar que o mundo mudou e não só aceitar a realidade da perda. Apontam, ainda, a necessidade que as pessoas têm de desenvolver novas identidades, novos papeis, novas relações e não só recolocar a pessoa falecida e continuar a vida. Apesar das limitações encontradas, as teorias atrás referidas ofereceram ideias complementares, tendo contribuído para a elaboração de um modelo mais integrador e específico sobre o luto – O Modelo Dual de Processar o Luto. A teoria do trabalho de luto contribuiu com a noção de que as pessoas precisam de confrontar a realidade da perda (como é o caso da nossa cultura) e adaptar-se a uma vida sem a presença da pessoa perdida; a teoria do stress cognitivo sugere-nos a possibilidade de enumerar stressores, avaliar processos e formas de coping. A teoria da vinculação com o seu foco de atenção na natureza da relação formada e, posteriormente, perdida. 3.7. O Modelo Dual de Processar o Luto ou um processo dinâmico de lidar com o luto No Modelo Dual de Processar o Luto podemos encontrar uma estrutura de entendimento sobre a forma como um indivíduo faz a adaptação à perda de uma pessoa significativa. Trata-se de um modelo mais construtivo, como o considera Parkes (2002) e na leitura do mesmo há que considerar que uma pessoa que experiencia o grande stressor, que é o luto, precisa de lidar com dois tipos específicos de stressores: stressores de orientação para a perda e stressores de orientação para o restabelecimento. Esta especificação torna-se necessária, porque na realidade as pessoas enlutadas têm que lidar não só com a perda da pessoa que perderam, mas têm, igualmente, de fazer adaptações no seu dia a dia. Estas surgem como consequências secundárias da perda. Mas o que distingue este modelo dos restantes é o processo de oscilação entre estes dois tipos de stressores. A alternância no coping com estes stressores faz-se através do confronto ou do evitamento dos mesmos. Orientação para a Perda Esta dimensão do processo caracteriza-se por uma focagem da atenção da pessoa enlutada na pessoa falecida ou em eventos relacionados com a morte do cônjuge (ex: olhar para velhas fotografias). São referidos outros sentimentos, como a saudade ou chorar a morte da pessoa falecida. Imaginar a reação da pessoa morta a determinadas situações, também faz parte desta dimensão do luto. Perante este cenário podem-se 64 adivinhar, então, uma série de reações emocionais, desde recordações agradáveis ao sofrimento longo; desde a alegria sentida pelo facto do morto não estar mais a sofrer, até ao desespero de se estar só e à reorganização da vinculação com a pessoa falecida (Stroebe & Schut, 1999, Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Estes aspetos em conjunto com a natureza da relação com a pessoa falecida, assim como a natureza da relação conjugal ou as circunstâncias que rodearam a morte refletem o conceito de trabalhar o luto e que esta dimensão incorpora. O coping com o stressor perda irá dominar o processo de luto durante a sua fase inicial, sendo que mais tarde a atenção se dirija para outras fontes de stress e consequentes reações (Stroebe & Schut, 1999; Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Orientação para o Restabelecimento A orientação para o restabelecimento tem sido um aspeto da perda que não tem tido, na literatura, o mesmo desenvolvimento que a orientação para a perda. Stroebe, Schut e Stroebe, (2005) alertam para o facto de que o termo “restabelecimento” se refere a fontes secundárias de stress e a formas de lidar com o próprio stress. Isto é, a análise destes stressores centra-se naquilo que precisa de ser lidado, como é lidado e não com o resultado deste processo, ou seja, centra-se no próprio processo. Estes stressores, consequências secundárias da perda, irão constituir uma espécie de fardo que a pessoa enlutada terá que suportar, causando, desta forma, uma ansiedade e um aborrecimento adicional: “Quando uma pessoa querida morre, não sofremos somente por ele ou por ela, temos, também, que adaptarmo-nos a mudanças significativas que são consequências da perda” (Stroebe, 1998, p.10). Com efeito, a pessoa enlutada terá que dominar determinadas tarefas, outrora realizadas pela pessoa falecida, como por exemplo gerir as finanças e cozinhar; lidar com preparativos para reorganizar a vida sem a pessoa querida, como por exemplo vender a casa; desenvolver uma identidade, desempenhar novos papeis, por exemplo de esposa para viúva (Stroebe & Schut, 1999). Outras tarefas são referidas: aceitar a realidade de que o mundo mudou; adaptar-se a um ambiente do qual a pessoa falecida já não faz parte; recolocar, emocionalmente, a pessoa falecida e continuar com a própria vida desenvolvendo uma nova identidade. Mais uma vez, se perspetiva um conjunto de reações emocionais, envolventes nesta componente de restabelecimento: desde o alívio ao orgulho em conseguir dominar algo ou adquirir coragem para sair sozinho(a), até à ansiedade e medo de que não será bem-sucedido(a) (Stroebe & Schut, 1999). Oscilação 65 Em Stroebe, Schut e Stroebe, (2005) podemos ler que a alternância entre esta dualidade, que é o confronto e o evitamento, constitui o mecanismo teórico principal, considerando, mesmo, o único processo central no luto adaptativo. Esta alternância ou oscilação justifica-se pelo simples facto de que não é possível atender em simultâneo aos dois tipos de stressores. É o dinamismo incutido por este movimento que distingue este modelo dos restantes. A certa altura do processo a pessoa enlutada irá confrontar-se com algum aspeto da perda e enfrentá-lo, ao mesmo tempo que evita lidar com outros. Por exemplo, algures no tempo, a pessoa pode sentir necessidade de inibir ou controlar expressões de angústia ou de tristeza acerca da perda e decidir orientar a sua atenção para outras coisas relacionadas com o restabelecimento. Esta dualidade de necessidades e de exigências implicam uma escolha e uma alternância da atenção entre os dois tipos de stressores (Stroebe & Schut, 1999; Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). A pessoa enlutada poderá, também, “tirar um tempo” e decidir não lidar com qualquer dos stressores associados às duas orientações (por exemplo, ler um livro ou ir ao cinema). Este é, portanto, um processo cognitivo constituído por um mecanismo no qual a pessoa enlutada orienta a sua atenção quer para a perda, quer para o restabelecimento. A oscilação é, pois, um processo dinâmico e central na adaptação à perda. Apesar de proporem que o coping dos stressores de perda e de restabelecimento ocorrem alternadamente, geralmente, existe uma mudança gradual na atenção das pessoas da perda para o restabelecimento à medida que o luto decorre no tempo até se atingir a adaptação (Stroebe & Schut, 1999). Esta mudança, no entanto, não significa a substituição de uns stressores por outros. Estas duas dimensões continuam a coexistir, mas com intensidades diferentes, ou seja, num coping adaptativo, a intensidade dos stressores de perda diminui e a intensidade dos stressores de restabelecimento aumenta. Focar a atenção em exclusivo numa só dimensão não é indicativo de uma boa adaptação e será psicologicamente exaustivo. Stroebe e Schut (1999) advertem que este não é um modelo de fases. Ao contrário deste modelo, o modelo fásico não contempla stressores secundários, nem tão pouco lhe tem sido dada a devida atenção por parte dos estudiosos do luto. Divergindo do modelo de fases, o Modelo Dual de Processar o Luto propõe um conjunto de adaptações que a pessoa falecida tem que realizar, não considerando somente aquelas relacionadas com o stressor perda. Com efeito, esta teoria defende que a pessoa enlutada tem que passar por uma série de adaptações a stressores secundários que incluem tarefas que o enlutado se vê, agora, obrigado a desempenhar. 66 A oscilação constitui a dimensão que distingue este modelo de outros relacionados com o processo de luto. Ao defender uma espécie de vaivém entre as duas outras dimensões, baseando-se na capacidade de escolha das pessoas enlutadas entre o confronto e o evitamento, este modelo diferencia-se do modelo fásico, onde estas atitudes são vistas, separadamente, como uma característica do processo de lidar com o luto e não como um processo dinâmico, como uma estratégia cognitiva, tal como se ilustra na Figura 1.3.4 Contexto da vida diária Orientação para a Perda Trabalho de luto Intromissão da dor Quebra dos Orientação para o Restabelecimento laços/recolocação Negação/Evitamento das tarefas de restabelecimento Atender às mudanças da vida Fazer coisas novas Distração da dor Negação/Evitamento da dor Novos papeis/identidades/relaç ões Oscilação Figura 1.3.4 – Esquema representativo do Modelo Dual de Processar o Luto (Hansson & Stroebe 2007, p.45). 3.7.1. Mecanismos cognitivos no Modelo Dual de Processar o Luto Já tínhamos visto em Folkman (2001) e em Folkman (1997) a importância que as emoções positivas assumem no processo de coping, fazendo com que se reavaliem estratégias e se inicie um novo ciclo de coping. Trata-se de um mecanismo cognitivo promotor da adaptação. A ruminação, tão característica do trabalho de luto é, também ela, um mecanismo cognitivo de coping. Stroebe e Schut (2001a) foram buscar ao 67 modelo revisto de Folkman (2001) o papel das emoções positivas no processo de coping e a Nolen-Hoeksema (2001) o papel negativo desempenhado pela ruminação no processo de luto. Integraram estes dois processos no Modelo Dual, porque consideram que subjacentes ao processo de oscilação entre os dois tipos de stressores (Orientação para a Perda e para o Restabelecimento) existem cognições relacionadas com o processo de confronto e evitamento de cada um destes stressores. Trata-se do significado positivo e negativo atribuído à situação que está a ser confrontada ou evitada. De acordo com Stroebe e Schut (2001a; 2001b), o encontro de um significado positivo (através da reavaliação da situação) é parte integrante de um coping bem-sucedido com a perda e está diretamente relacionado com a adaptação. Por outro lado, um significado negativo assente na ruminação acarreta consequências negativas para o processo de luto (Stroebe, Schut & Boerner, 2010; Hansson & Stroebe, 2007; Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Como no luto, o afeto ou o significado negativo não podem ser evitados, porque trabalhar o luto também implica a ruminação; como as emoções positivas que sustentam o esforço de coping, não podem ter uma duração eterna, porque senão o trabalho de luto não seria feito; então, uma oscilação entre o confronto e o evitamento entre estes dois estados psicológicos (emoções positivas e negativas) surge como essencial dentro de cada conjunto de stressores (Stroebe & Schut, 2001a). A Figura 1.3.5 descreve este processo. 68 Contexto da vida diária Oscilação Orientação para a Perda Orientação para o Restabelecimento (Re) construção do significado positivo Re) construção do significado negativo (Re) construção do significado positivo Re) construção do significado negativo Reavaliação positiva Objetivos construtivos revistos Interpretação positiva da situação stressora Expressão de afeto positivo Reavaliação negativa Ruminação/desejos muito fortes Objetivos destrutivos revistos Interpretação negativa da situação stressora Ventilação/disforia Reavaliação positiva Objetivos construtivos revistos Interpretação positiva da situação stressora Expressão de afeto positivo Reavaliação negativa Ruminação/desejos muito fortes Objetivos destrutivos revistos Interpretação negativa da situação stressora Ventilação/disforia Figura 1.3.5. Modelo Dual de Processar o Luto: processos de reavaliação (Stroebe & Schut, 2001a, p.68). 3.7.2. O Modelo Dual de Processar o Luto e o comportamento dos estilos de vinculação A integração da teoria da vinculação no Modelo Dual de Processar o Luto é descrita por Stroebe (2002), Hansson e Stroebe (2007) e Stroebe, Schut e Stroebe (2005). Nesta integração os estilos de vinculação relacionam-se com as diferentes estratégias de coping, como aliás vimos nas investigações referidas no ponto anterior. Nesta integração, em que se pretende predizer a adaptação ao luto, os estilos de vinculação da pessoa enlutada influenciam o coping com a perda. Os indivíduos com um estilo de vinculação seguro sofrem, mas não excessivamente, uma vez que têm que lidar com os stressores secundários. Estes indivíduos movem-se com uma certa flexibilidade, orientando a sua atenção, quer para os stressores orientados para a perda, quer para os stressores orientados para o restabelecimento. Citando George e Solomon´s (1999), Stroebe, Schut e Stroebe (2005) 69 referem que os indivíduos com aquele estilo de vinculação oscilam entre a atenção que dedicam às tarefas de restabelecimento e a expressão de dor e sofrimento pela perda. Já os indivíduos com um tipo de vínculo preocupado centrarão a sua atenção nas tarefas relacionadas com a perda, como sejam os pensamentos constantes em torno da pessoa falecida e ruminação (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Por conseguinte, se depreende que estes indivíduos pouco ou nada oscilam, dedicando pouca atenção às tarefas de restabelecimento. Contrariamente aos indivíduos com uma orientação preocupada as pessoas com um estilo de vinculação evitante tendem a focar a sua atenção nas tarefas de restabelecimento, evitando lidar com a perda, mostrando poucos sinais de sofrimento e de dor (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Quanto aos indivíduos com um estilo de vinculação desorganizado, estes tendem a evidenciar uma grande perturbação no seu processo de luto, revelando-se incapazes de responder à experiência de perda e de lidar com ela de uma forma eficaz. Estas pessoas parecem reexperienciar os sentimentos e ideias relacionados com a experiência da perda, ao mesmo tempo que entram num processo de evitamento, com reações de amnésia e incapacidade de visualizar memórias (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). 3.7.3. Síntese O Modelo Dual de Processar o Luto (DPM) revela-se, de facto, um modelo portador de um dinamismo, aparentemente ausente dos restantes modelos. Parece-nos um modelo, de certa forma unificador e integrador por englobar elementos de outras teorias e modelos capazes de tornar este modelo mais completo. O processo de oscilação surge como fundamental neste modelo, constituindo-se como um mecanismo cognitivo central na adaptação à perda. O DPM apresenta-nos o processo e a experiência do luto inserido no contexto da vida diária da pessoa enlutada. Atribui a esta a possibilidade de escolha no coping com os diferentes stressores e a forma de o fazer. 70 PARTE II O processo de luto dentro do Ciclo de Vida 71 Cap.1. O luto como uma tarefa desenvolvimental Considerando que as perdas e, por isso, os processos de luto são fenómenos inevitáveis da existência humana, e tendo esta uma natureza desenvolvimental, pensamos que fará sentido explorar a possibilidade de o luto poder ter sentidos e significados diferentes em diferentes momentos do ciclo de vida e provocar desafios a distintos recursos dos indivíduos nesses diferentes momentos. Estes diferentes significados e estes desafios cumprem necessidades de adaptação à mudança que permitam ao indivíduo prosseguir a sua vida não obstante as perdas e o grau de dificuldade em integrá-las. Começaremos o desenvolvimento deste capítulo por enquadrar a experiência do luto numa perspetiva desenvolvimental para depois integrarmos alguns aspetos (uns protetores e outros problemáticos) desse desenvolvimento no processo de luto. Abordaremos, logo de início, três teorias desenvolvimentais: a perspetiva do ciclo de vida, a teoria dos estádios de Erikson e as tarefas desenvolvimentais de Havighurst. A perspetiva desenvolvimental do ciclo de vida retrata o desenvolvimento humano como o resultado de um processo de interação entre o individuo e o ambiente social e histórico em que se insere e que tem lugar desde o nascimento até à morte. Durante este processo de desenvolvimento os indivíduos sofrem perdas e ganhos em todos os domínios de funcionamento. Esta perspetiva parece sugerir, pois, que, à medida que os indivíduos vão envelhecendo, algumas competências se vão mantendo, outras perdem-se e outras podem melhorar. Já a teoria de Erikson propõe o desenvolvimento como uma série de oito estádios, caraterizando-se cada um deles pela resolução de conflitos próprios de cada idade. Havighurst apresenta o desenvolvimento humano como um conjunto de tarefas desenvolvimentais distribuídas por seis períodos etários. Estas tarefas devem ser executadas com sucesso, caso contrário o individuo não será bem-sucedido e será alvo da reprovação social e de infelicidade. De uma forma geral, neste capítulo, o luto será explorado como uma tarefa desenvolvimental a ser realizada por adultos viúvos idosos e, neste âmbito, parece-nos fundamental conhecer o momento do ciclo de vida em que estes indivíduos enlutados se encontram para, assim, melhor compreender de que forma alguns aspetos do desenvolvimento da população idosa podem facilitar ou dificultar o processo de luto. De entre os aspetos ou processos desenvolvimentais considerados como protetores do processo de luto, orientamos a nossa atenção para a experiência emocional do adulto idoso, para a sabedoria e para o autoconceito. Os aspetos desenvolvimentais que 72 poderão ser considerados problemáticos para a experiência do luto e, dessa forma, dificultá-la, são as mudanças físicas e psicológicas surgidas com a idade avançada. Por outras palavras, conhecendo os efeitos do envelhecimento no modo como o luto se processa e vice-versa, estaremos melhor posicionados para compreender o processo do luto e consequentemente para intervir. 1.1. Teorias desenvolvimentais Neste capítulo abordaremos a perspetiva desenvolvimental do ciclo de vida, a teoria dos estádios de Erikson e as tarefas desenvolvimentais de Havighurst. Consideramos que os contributos destas teorias são essenciais para melhor entendermos as mudanças que vão acompanhando as pessoas à medida que envelhecem, pois estas parecem ter relevância na compreensão da experiência do luto da população idosa. As três teorias aqui apresentadas exibem diferentes, mas complementares visões sobre o desenvolvimento. A perspetiva do ciclo de vida (Baltes, 1987; Baltes, Staudinguer & Lindenberger, 1999) enfatiza o desenvolvimento como o resultado de um processo de interação entre o indivíduo e o ambiente (social, cultural, histórico…) que o rodeia, ao longo da vida. Durante este processo de interação, o desenvolvimento é constituído por ganhos e perdas que abrangem todas as áreas ou domínios de funcionamento do indivíduo. As mudanças relacionadas com a idade, que descreveremos nos pontos seguintes deste capítulo, são de melhor entendimento quando enquadradas no contexto da teoria do ciclo de vida. Com efeito, esta teoria aborda de uma forma mais simples e eficaz as complexidades do desenvolvimento e do envelhecimento em particular. Esta teoria procura enfatizar a influência de fatores biológicos, físicos e sociais que surgem na trajetória de vida de cada indivíduo. Em poucas palavras Moody descreve-nos esta ideia, aplicando-a aos indivíduos idosos “Podemos, de uma forma mais frutífera, entender a terceira idade não como um período separado da vida, mas como parte de todo o ciclo de vida, desde o nascimento até à morte” (1998, p.69). A teoria de Erikson apresenta-nos o desenvolvimento como uma série de oito estádios, sendo que cada um se caracteriza pela resolução de conflitos próprios de cada idade. Na idade do adulto idoso, por exemplo, o equilíbrio alcançado entre a integridade e o desespero dá lugar ao desenvolvimento da sabedoria que veremos, mais adiante, como um aspeto protetor do desenvolvimento. Havighurst (1972), em sintonia com Erikson, argumenta que ao longo do ciclo de vida as pessoas progridem através da realização de um conjunto de tarefas 73 desenvolvimentais. Defende que, se a aprendizagem for bem-sucedida, haverá satisfação e recompensa; por outro lado, se a aprendizagem for pobre haverá infelicidade e reprovação social. Uma das tarefas do adulto idoso é adaptar-se à morte do cônjuge. 1.1.1. A perspetiva desenvolvimental do ciclo de vida Encontrámos na nossa pesquisa algumas definições sobre esta ciência. Segundo Levine (1987), esta ciência tem-se preocupado em descrever e explicar a mudança relacionada com a idade, desde o nascimento até à morte. No mesmo sentido, Baltes (1987) define a psicologia desenvolvimental do ciclo de vida como uma ciência que envolve o estudo da estabilidade e da mudança, no comportamento das pessoas, também, desde o nascimento até à morte. Levine (1987) refere que o estudo desta relação (idade e mudança) se tem centrado, atualmente, na exploração da vida adulta, ao contrário do que até aqui acontecia, onde existia uma atenção mais centrada na infância e na adolescência: “ (...) os psicólogos começaram a explorar a adultez gradualmente, reconhecendo que os indivíduos continuam a desenvolver-se ao longo das suas vidas” (Levine, 1987, p.7). Para Moody (1998) esta perspetiva reconhece que existem indicadores da passagem ao longo da vida, que definem pontos de transição, como o primeiro emprego, o casamento, a viuvez ou a reforma. Para Hansson, Remondet e Galusha (1993) o desenvolvimento é encarado como um processo que se desenrola ao longo da vida, em que as mudanças comportamentais podem ocorrer em qualquer ponto do ciclo de vida. As diferentes exigências, oportunidades e desafios com que os indivíduos se deparam ao longo do seu ciclo de vida, impõem a aprendizagem de um conjunto de tarefas desenvolvimentais que consubstanciam o desenvolvimento. Deste modo, talvez possamos afirmar que o percurso desenvolvimental, por nós traçado ao longo da nossa vida, repercuta todas as tarefas desenvolvimentais por nós realizadas. O que caracteriza a perspetiva do ciclo de vida é a aplicação coordenada de uma família de crenças ou proposições que Baltes (1987) refere serem características da psicologia desenvolvimental do ciclo de vida. Estas proposições são ideias orientadoras perspetiva do ciclo de vida: a) Desenvolvimento ao longo do ciclo de vida e multidireccionalidade O desenvolvimento humano é um processo que se desenrola ao longo de toda a vida através do surgimento de mudanças desenvolvimentais. Segundo Baltes (1987) nenhum período etário tem supremacia na regulação da natureza do desenvolvimento, 74 contribuindo todos em igual importância e intensidade para o processo do desenvolvimento. Quer dizer que o desenvolvimento de qualquer categoria de comportamento (como por exemplo, vinculação, inteligência, identidade, personalidade) pode ocorrer em qualquer momento do ciclo de vida, sendo todos igualmente importantes no processo de desenvolvimento. Baltes (1987) exemplifica com dados de pesquisas psicométricas sobre inteligência. Segundo esta teoria, a inteligência é constituída por vários subcomponentes. A inteligência fluida (memória, atenção, capacidade de raciocínio) e cristalizada (compreensão verbal, linguagem, capacidade para avaliar e raciocinar sobre a experiência e problemas sociais) constituem os dois grupos mais importantes desta teoria. Os resultados revelaram haver um declínio na inteligência fluida – mais dependente das influências biológicas e fisiológicas - na vida adulta, enquanto a inteligência cristalizada - mais dependente da aculturação e dos conhecimentos adquiridos - aumenta. A inteligência fluida refere-se à inteligência como um processo básico de processamento da informação e a inteligência cristalizada referese à inteligência como um produto de conhecimento cultural. A sabedoria surge como exemplo de uma tarefa da inteligência cristalizada e que mostra mais progressos na vida adulta. Ao longo do tempo constata-se, pois, que estes diferentes subcomponentes apresentam diferentes evoluções, diferindo na direção do seu desenvolvimento. Com efeito, os valores da inteligência fluida revelam uma diminuição na idade adulta, enquanto a inteligência cristalizada exibe valores que revelam um aumento continuo no mesmo período de desenvolvimento. Baltes (1987) considera que este é um exemplo da multidimensionalidade e multidireccionalidade do desenvolvimento, isto é, o desenvolvimento humano não evolui numa única direção nem se limita a uma só dimensão. b) O desenvolvimento visto como uma relação dinâmica entre crescimento e declínio Esta proposição argumenta que o processo de desenvolvimento não é linear, ou seja, o desenvolvimento não se desenrola, unicamente, em direção a uma maior eficácia tal como o é o crescimento. Qualquer processo de desenvolvimento envolve ganhos e perdas, ou seja, crescimentos e declínios ao longo do ciclo de vida de cada indivíduo, envolvendo, também, aqui uma multidireccionalidade do desenvolvimento. Esta proposição parece sugerir que o individuo tem que desdobrar a sua atenção em direção a situações que envolvam ganhos/crescimento e perdas/declínios de capacidades nos vários domínios do desenvolvimento num processo de adaptação desenvolvimental. 75 Qualquer que seja a etapa representativa de progresso, esta envolve adaptação a novas situações e perda de aquisições entretanto ganhas “Não existe nenhuma mudança desenvolvimental durante o ciclo de vida constituída unicamente por ganhos” (Baltes, 1987, p.616). Com efeito, ao longo do nosso percurso de vida vamos desenvolvendo as nossas capacidades de adaptação a novas situações e promovendo, ao mesmo tempo, novas capacidades de adaptação à perda (declínio) de capacidades anteriores. Parecenos rever neste último período a ideia de tarefa desenvolvimental criada por Havighurst (1972). c) Plasticidade do Desenvolvimento O desenvolvimento do indivíduo adquire diferentes formas de comportamento ou de desenvolvimento, dependendo das condições, das experiências e situações vividas (Baltes, 1987). Argumenta-se que o baixo desempenho intelectual em idade avançada apresenta uma probabilidade menor de ficar a dever-se ao declínio intelectual associado ao envelhecimento, mas que poderá ser uma função de experiências ambientais vividas na idade adulta (Willis, 1982). Willis refere alguns estudos em que foram utilizados programas de intervenção junto de pessoas idosas, com o objetivo de estimular a capacidade intelectual. Em alguns estudos verificou-se que a melhoria do desempenho cognitivo se manteve durante seis meses após a intervenção estendendo-se a outras tarefas. Estes programas ativam capacidades cognitivas já existentes nos adultos idosos, mas que não são espontaneamente reveladas durante o seu desempenho intelectual (Willis, 1982). Talvez se possa afirmar que aquelas pessoas, vítimas de perdas associadas à idade avançada e que sofreram um declínio em alguns domínios da inteligência fluida, possam ser estimuladas e motivadas através do acesso a atividades características deste tipo de inteligência (resolução de problemas, por exemplo). Uma pesquisa levada a cabo com este objetivo, mostrou que muitas pessoas idosas exibiram níveis de desempenho comparáveis aos de jovens adultos (Baltes, 1987). Esta variabilidade intra-individual, como lhe chama Fonseca (2007), está bem patente na idade avançada. Trata-se, segundo Fonseca, de uma capacidade que permite “(…) alterar o curso do seu desenvolvimento para prevenir a ocorrência de certos comportamentos não desejados, bem como para otimizar os mais interessantes sob o ponto de vista adaptativo” (2007, p.283). Este estudo mostrou que a compreensão e o entendimento dos processos de desenvolvimento pressupõem um estudo das condições que influenciam o curso dos mesmos. Esta capacidade do indivíduo conseguir obter melhorias desenvolvimentais em domínios que 76 sofreram declínios através da participação em atividades estimuladoras e motivantes caracteriza a plasticidade do desenvolvimento. d) Influência histórica Nesta proposição são abordadas as influências determinantes para o desenvolvimento ao longo da vida, como são as condições histórico-culturais (Baltes, 1987). A forma como decorre o desenvolvimento ontogénico é claramente influenciado pelo tipo de condições socioculturais, que existem num dado período histórico (por exemplo: guerra), e de como estas emergem ao longo do tempo. e) Contextualismo Esta proposição acrescenta à proposição anterior outras influências no desenvolvimento ao longo da vida. Acontecimentos na vida do indivíduo são referidos como importantes reguladores da natureza do desenvolvimento durante a vida adulta como são as mudanças, de caráter fisiológico e social, ocorridas com a idade. As influências relacionadas com um período histórico determinante definem um contexto cultural e de evolução histórica no qual a mudança ocorre. Isto é, o contexto influencia o desenvolvimento, na medida em que este último resulta da interação entre os sujeitos e os contextos em que vivem. As influências não normativas não seguem um caminho previsível. A sua ocorrência não está dependente da evolução ontogénica ou histórica dos indivíduos. São influências cuja ocorrência, frequência e sequência não se aplicam a muitos indivíduos, como por exemplo a lotaria. f) O desenvolvimento humano como um campo multidisciplinar Baltes (1987) refere a necessidade de entender o desenvolvimento humano num contexto multidisciplinar, colocando de parte uma representação mais purista e parcial do desenvolvimento. Com efeito, o estudo das influências no desenvolvimento relacionadas com a idade ou com períodos históricos não “caberiam” numa única ciência como a psicologia. Em suma, a perspetiva do ciclo de vida mostra-nos que o desenvolvimento das capacidades humanas nos diversos domínios é feito de ganhos e perdas. Este desenvolvimento é influenciado pelo contexto social e cultural em que o individuo se insere, pelas mudanças relacionadas com a idade e pela capacidade adaptativa dos indivíduos a todas as mudanças que vão ocorrendo ao longo do seu ciclo de vida. Neste contexto, é necessário lembrar que o processo desenvolvimental implica a melhoria de alguns domínios e o declínio de outros, ou seja, com o envelhecimento o saldo entre 77 ganhos e perdas vai-se tornando menos positivo, com as mudanças, consideradas menos desejáveis com a idade, a surgirem de uma forma mais constante. A perda de um ente querido e o luto consequente parecem constituir-se como agentes perturbadores e desafiadores para os indivíduos. No caso das pessoas idosas o processo de luto constitui-se como um desafio de mudança e reorganização que se junta a uma etapa da vida em que as perdas parecem suplantar os ganhos. 1.1.2. Teoria dos estádios de Erikson Um dos primeiros psicólogos desenvolvimentais a lidar com as fases da vida adulta foi Erik Erikson. Erikson descreve o desenvolvimento humano como uma série de conflitos ou pontos de viragem (Erikson, 1982; Weiland, 1993; Gallatin, 1978). Um total de oito conflitos emerge entre o período de bebé e do adulto idoso (Figura 2.1.1). Erikson (1982) considera que toda a existência humana evolui em decorrência da necessidade de se manter um certo equilíbrio. Este consegue-se através da resolução dos conflitos característicos de cada idade do homem. Erikson (1982) fala de oito idades do homem: período de bebé, infância inicial, período pré-escolar, idade escolar, adolescência, jovem adulto, adulto e adulto idoso. Cada uma destas idades, segundo Erikson (1982), debate-se com um conflito (Figura 2.1.1). Do equilíbrio alcançado entre cada um dos conflitos nascem forças psicossociais ou virtudes, como a “esperança”, “fidelidade” e “cuidado”. Figura 2.1.1- Estádios psicossociais de Erikson (Erikson, 1982) Adulto idoso: Integridade vs. Desespero, desgosto. Virtude: Sabedoria Adulto: Generatividade vs. Estagnação. Virtude: Cuidado Jovem adulto: Intimidade vs. Isolamento. Virtude: Amor Adolescência: Identidade vs. Confusão de Identidade. Virtude: Fidelidade Idade Escolar: Diligência vs. Inferioridade. Virtude: Competência Período Pré-escolar: Iniciativa vs. Culpa. Virtude: Propósito Infância Inicial: Autonomia vs. Vergonha, Dúvida. Virtude: Vontade Período de Bebé: Confiança Básica vs. Desconfiança Básica. Virtude: Esperança Observando a Figura 2.1.1 podemos verificar que seis dos oito estádios são vividos até à fase do jovem adulto. Para o nosso estudo, contudo, reveste-se de mais significado a fase do adulto idoso, bem como os conflitos ou crises normativas a ele 78 associados. É sobre ele que nos debruçamos a seguir. Adulto Idoso Esta é uma idade em que dar significado e continuidade à experiência se torna mais marcante. É durante esta idade que a pessoa luta para dar um sentido a todo o seu passado (Gallatin, 1978). Na verdade, em muitas culturas o adulto idoso é considerado uma pessoa enfraquecida na sua saúde e com perda das suas capacidades. Aliado a esta situação, do retrato da pessoa idosa faz parte uma pessoa fraca, desorganizada e com pouca capacidade de realizar um trabalho produtivo. Nesta idade a crise dominante é constituída pelo conflito integridade versus desespero (Erikson, 1982). Marchand (2001) considera que, para Erikson, a integridade resulta da realização positiva, ou seja, do equilíbrio alcançado nos sete estádios precedentes. Isto é, resulta de uma espécie de balanço positivo de todos os estádios anteriores dando origem a um sentimento de satisfação e plenitude. Caso este equilíbrio não se alcance, caso o balanço seja negativo, então desenvolve-se o desespero. Este sentimento exprime o desgosto para com as instituições, os outros e o próprio (Marchand, 2001). Para Erikson (1982) a integridade, parece transmitir sabedoria que o autor descreveu como uma espécie de preocupação com a própria vida na presença da própria morte. A resolução positiva desta crise ou deste conflito do final do ciclo de vida, culmina na emergência da sabedoria. Podemos, talvez, afirmar em relação a este assunto, que a sabedoria é o resultado de uma interação, de um envolvimento da pessoa com aquilo que a rodeia. Uma atitude de abertura, de questionamento, de reflexão, de respeito pela opinião do outro, de aprendizagem, conduz a um desenvolvimento da sabedoria. Griffin (2001) considera que, de acordo com a teoria de Erikson, após uma bemsucedida conclusão dos estádios existe uma transformação do eu, acompanhada pela sensação de perda que durará para sempre. Exemplificando, Griffin refere: “Apesar de haver triunfo na separação da criança do peito da mãe, há, também, uma sensação de perda de uma magnitude profunda ao deixar o peito da mãe” (2001, p.420). Neste sentido, Griffin considera que sentimentos de dor e perda, experienciados durante todas as idades do ciclo de vida, nos preparam para a jornada final da vida, até à morte. Com efeito, o último estádio de Erikson – adulto idoso – caracteriza-se por uma luta entre a integridade e o desespero dando origem à sabedoria. Esta, torna-se essencial para suportar a ideia de que o nosso corpo está mais enfraquecido e a nossa saúde debilitada, no sentido de que a pessoa, então, compreende o seu próprio desenvolvimento e tem consciência das mudanças. 79 Erikson mostra-nos, através da sua teoria dos estádios, que a resolução dos conflitos de cada idade concorre para o desenvolvimento psicossocial dos indivíduos. 1.1.3. Tarefas desenvolvimentais de Havighurst Havighurst propôs uma singular forma de conceber o desenvolvimento humano e as mudanças que ele transporta. O indivíduo, vivendo numa sociedade que é moldada por certos padrões culturais deve aprender uma série de tarefas para nela ser bemsucedido. Se a aprendizagem for bem feita haverá satisfação e recompensa. Contudo, se a aprendizagem for pobre haverá infelicidade e reprovação social. Este autor refere que o conceito “tarefa desenvolvimental” foi influenciado pela teoria do desenvolvimento psicossocial de Erikson. Robert Havighurst propõe que ao longo do ciclo de vida – da infância até à velhice – todas as pessoas progridem através da realização de um conjunto de tarefas desenvolvimentais. Havighurst define, desta forma, uma tarefa desenvolvimental: “Uma tarefa desenvolvimental é uma tarefa que surge na vida do individuo num determinado período de tempo cujo desempenho bem-sucedido conduz à sua felicidade e sucesso com as tarefas seguintes, enquanto o seu mau desempenho conduz à infelicidade do individuo, à desaprovação da sociedade e à dificuldade em realizar as próximas tarefas” (1972, p.2). Esta definição e esta conceção de desenvolvimento ajuda-nos não só a compreender o desenvolvimento de um ponto de vista comportamental como também temporal. Tal como Erikson (1982), também Havighurst (1980) considera que as tarefas desenvolvimentais têm a sua origem em forças dentro e fora do indivíduo. As forças interiores são consideradas biológicas e as exteriores são culturais e sociais. As forças culturais e sociais surgem da pressão cultural da sociedade, como por exemplo uma criança aprende a ler; um adulto jovem aprende a ser um cidadão responsável e a participar na sociedade. Uma terceira fonte de tarefas desenvolvimentais pode ser a personalidade do indivíduo, constituída por valores pessoais e aspirações. As tarefas desenvolvimentais podem, portanto, ter a sua origem no desenvolvimento orgânico, na pressão da sociedade e nos desejos, valores e aspirações pessoais que constituem a personalidade em desenvolvimento do indivíduo. Tal como Havighurst (1972) refere, as tarefas desenvolvimentais têm a sua origem na combinação destas três fontes. Estas tarefas, propostas por Havighurst (1972), compreendem vários períodos etários. Para todos eles, seis no seu total, são definidas tarefas desenvolvimentais. Interessa-nos considerar aqui, aquela que se relaciona com o período etário pós-reforma que, 80 normalmente, coincide com os sessenta e cinco anos. Tarefas desenvolvimentais na velhice Havighurst (1972) considera que as pessoas na fase da velhice ainda têm novas experiências e situações para viver. Com efeito, com a esperança de vida a prolongar-se mais, atualmente, as pessoas aos sessenta e cinco anos de idade, ainda têm a possibilidade de viver mais alguns anos. Durante estes anos, as pessoas podem experienciar vários acontecimentos stressantes, como por exemplo a diminuição dos seus rendimentos, mudarem-se para uma casa mais pequena, passar pela perda do cônjuge através da morte, contrair uma doença incapacitante ou sofrer um acidente. A passagem por estes acontecimentos provoca alterações e mudanças na vida destas pessoas. As tarefas desenvolvimentais que envolvem a velhice caracterizam-se pela despreocupação em relação a alguns papéis mais ativos da meia-idade, como por exemplo alcançar e manter um desempenho satisfatório na área profissional, ou como obter um bom ordenado. Em contrapartida, preocupam-se mais em adotar outros papéis, como o de avô, cidadão, fazer parte de uma associação ou ser amigo. Havighurst definiu, para esta etapa da vida, as seguintes tarefas: 1- Adaptar-se ao declínio na saúde e força física Esta tarefa consiste na adaptação das pessoas idosas a todo um processo de deterioração da saúde física. O processo de envelhecimento trás consigo algumas mazelas que se instalam, impedindo as pessoas de prosseguirem a sua vida com alguma qualidade. Havighurst (1972) fala de doenças cardiovasculares, de problemas dos rins e da deterioração das articulações. 2- Adaptação à reforma e a baixos rendimentos Havighurst (1972) refere a necessidade de uma adaptação à situação de reforma. Esta surge por volta dos sessenta e cinco anos de idade, muitas vezes, antes. As pessoas reagem de diferentes formas: enquanto uns aceitam, arranjando uma ocupação para os tempos livres, outras preocupam-se e mostram-se desanimadas com a inatividade forçada. Contudo, uma outra adaptação surge quando a reforma significa uma redução dos rendimentos. As pessoas veem-se forçadas a reduzir as suas despesas, o que implica, muitas vezes, a anulação de encontros com amigos ou a não participação em atividades de lazer. 3- Associar-se a um grupo de pessoas com a mesma idade que a sua A realização desta tarefa implica a aceitação do facto de que se é um membro 81 idoso da sociedade, mas participar de uma forma construtiva no mesmo grupo etário que o seu. Esta participação, contudo, apresenta, segundo Havighurst (1972), vantagens e desvantagens. No grupo das vantagens inclui-se o companheirismo, facilmente encontrado, mais tempo de lazer para a pessoa e maior acessibilidade a posições de prestígio. Por outro lado, as desvantagens também existem e a primeira é a consciência de que a pessoa se tornou velha. Surgem, igualmente, dificuldades associadas à aprendizagem para participar em novos grupos, agora uma tarefa mais difícil. 4- Adotar e adaptar papéis sociais de uma forma flexível Havighurst (1972) dá-nos conta de um estudo sobre a adaptação à reforma de homens com idades compreendidas entre os setenta e os setenta e cinco anos em vários países. Para estas pessoas viver bem corresponderia aos seguintes padrões: desenvolver e expandir papéis familiares (como o papel de avô); desenvolver e expandir papéis relacionados com a atividade comunitária (membro de igreja, de um clube, cidadão, amigo, vizinho); cultivar um corpo ativo e saudável ou uma atividade de lazer. Desta forma, é compensada a perda de papéis associados a atividades mais ativas desenvolvidas durante a meia-idade. 5- Estabelecer preparativos para uma vida satisfatória Trata-se de encontrar aposentos em Instituições ou Lares da Terceira Idade, que possibilitem uma vida confortável e prática. O aumento de debilidades físicas faz com que a assistência a estas pessoas seja necessária. 6- Adaptar-se à morte do cônjuge A adaptação a outras situações da vida e a adoção de novos papéis surge em alguns momentos da vida de uma pessoa como, por exemplo, com a morte do cônjuge. Nesta altura, homens e mulheres, viúvos e viúvas, passam por um processo de aprendizagem desses novos papéis. É assim que uma viúva, de repente, terá que aprender a lidar com assuntos relacionados com negócios, poderá ter que mudar para uma casa menor e, por vezes, aprender a viver sozinha. Trata-se do “ (...) desaprender de velhos estilos e de aprender novas formas, num tempo em que a aprendizagem se torna mais difícil que noutros anos” (Havighurst, 1972, p.110). O homem poderá ter que aprender a cozinhar, a manter a casa e a roupa conservadas e limpas. A adaptação à morte do cônjuge constitui, pois, um processo de transição que envolve mudanças de vária ordem na vida das pessoas enlutadas por viuvez. A experiência de viuvez traz consigo uma aprendizagem, refletida no desempenho de novos papéis, no confronto com novos desafios, quer para o homem, quer para a mulher 82 viúva. Segundo Havighurst (1972) a ausência destes papéis constituiu o único aspeto que torna diferente esta etapa da vida das restantes. Para muitas mulheres idosas, o desempenho do papel de esposa foi durante muitos anos aquele que lhes conferiu algum status, alguma identidade. Aprender e envolver-se no desempenho de outros papéis (amigo, vizinho, membro de alguma associação, viúvo/viúva, avó/avô) que voltem a proporcionar algum sentido ou significado na vida requer todo um processo de adaptação e ajustamento às novas situações. A aprendizagem destes novos papéis pode ser uma experiência bem-sucedida e conduzir a uma boa adaptação à perda e, por conseguinte, a uma tarefa desenvolvimental igualmente bem-sucedida, ou revelar-se uma experiência fracassada com consequências físicas e psicológicas para a pessoa enlutada. 1.1.4. Síntese Com o desenvolvimento destas perspetivas quisemos mostrar de que forma as mesmas podem pensar a experiência do luto num contexto desenvolvimental. Vimos que a experiência do luto pode constituir um acontecimento que desafia as capacidades do indivíduo levando-o a adaptar-se a essa nova situação e a reorganizar-se, perante um desenvolvimento feito de ganhos e perdas (Perspetiva do Ciclo de Vida). Vimos, ainda, que esta experiência normativa se pode constituir como uma tarefa associada a uma etapa da vida do indivíduo. A viuvez constitui um acontecimento que poderá ser desiquilibrante e perturbar equilíbrios já existentes criando ruturas constituindo-se, deste modo, como um período de transição (Erikson). Esta ideia de transição pode encontrar-se na proposta de Havighurst, uma vez que uma das tarefas do período da velhice é a adaptação à morte do cônjuge com a consequente aprendizagem de novos papéis e novas tarefas. À semelhança das anteriores, a qualidade do desempenho desta tarefa de adaptação irá influenciar o desenvolvimento do indivíduo. A viuvez surge assim como uma tarefa do desenvolvimento, capaz de desafiar as capacidades de adaptação e de reorganização do individuo (Silva, 2004). O processamento do luto decorrente da morte do cônjuge poderá ser influenciado por diversos fatores, como veremos na parte três. Existem, contudo, aspetos no desenvolvimento dos indivíduos em idade avançada que poderão desempenhar um papel protetor no processamento do luto e outros que poderão dificultar este processo. É sobre eles que a seguir nos debruçamos. 83 1.2. Aspetos protetores do desenvolvimento 1.2.1. Experiência emocional do adulto idoso Se, tal como noutros domínios do desenvolvimento, a experiência emocional muda ao longo do ciclo de vida, como resultado da influência de fatores diversos, a resposta emocional a um luto poderá estar relacionada com o desenvolvimento emocional. Alguns estudos foram realizados com o objetivo de analisar não só a forma como a experiência emocional evolui ao longo do ciclo de vida, mas, também, a forma como é gerida em situações de stress (Schaie, 1994; Carstensen, Gottman & Leveson, 1995; Schaie, 1996; Carstensen, Pasupathi, Mayr & Nesselroade, 2000; Carstensen, Fung & Charles, 2003; Charles & Carstensen, 2008; Goeleven, De Raedt & Dierckx, 2010; Scheibe & Carstensen, 2010). E como o stress pode ser um elemento que nos pode ajudar a aferir o traço central das experiências de luto, o conhecimento destes estudos pode trazer entendimentos importantes do processo de luto, que a seguir trataremos e que poderão ser, em muitos casos, caracterizadas como experiências de stress. A atenção a estes estudos será importante para quem se interessa em compreender o processo de luto. No estudo efetuado por Goeleven, De Raedt e Dierckx (2010) analisou-se as mudanças associadas com a idade no processamento da informação emocional, utilizando dois grupos de participantes: um grupo formado por 27 participantes com idades compreendidas entre os 67 e os 82 anos de idade (16 mulheres e 11 homens) e um grupo de 27 participantes com idades compreendidas entre os 23 e os 49 anos de idade (17 mulheres e 10 homens). Mais concretamente, pretendeu-se investigar a interferência e a inibição, em relação a imagens de expressões faciais felizes e tristes, em pessoas idosas sadias e comparar os resultados com os de uma população mais jovem. O material utilizado envolveu 88 imagens coloridas de expressões emocionais (retiradas da base de dados de rostos Emocionais de Karolinska), as quais poderiam ser classificadas entre positivas (felizes), negativas (tristes) ou neutras pelos participantes. Cada uma destas imagens desempenhava uma tarefa específica: alvo ou distrativa. Era dito aos participantes que iriam surgir 2 imagens (estímulos) no monitor do computador: uma com uma moldura preta e outra com uma moldura cinzenta. Foi-lhes solicitado que avaliassem a valência da imagem alvo (positiva, negativa ou neutra) indicada por uma cor específica da moldura (poderia ser preta ou cinzenta), pressionando a tecla correspondente (q ou m). Os participantes foram instruídos para 84 ignorarem a imagem distrativa (poderia ser preta ou cinzenta). A inibição era medida pela capacidade de ignorar a imagem distrativa, enquanto a interferência era medida pela capacidade de avaliar a imagem alvo. Nesta investigação, os autores observaram diferenças significativas entre o grupo de jovens e o grupo de adultos idosos relativamente à interferência da informação negativa durante a execução de algumas tarefas no computador. Baseando-se no uso de t-tests independentes para comparar a interferência de estímulos positivos e negativos entre jovens e adultos idosos os autores observaram que, entre a população de adultos idosos, os valores de interferência da informação negativa (distractores emocionais irrelevantes) eram inferiores aos da população de adultos jovens, significando que os adultos idosos orientam menos a sua atenção para este tipo de estímulos que os adultos jovens. Esta capacidade, segundo os autores, foi responsável por um processo de inibição, igualmente, reduzido. Comparados com os jovens adultos, os adultos idosos, revelaram níveis mais baixos de inibição de estímulos negativos (elementos distractores). Esta estratégia de coping com a informação considerada negativa torna-se importante, porque parece revelar uma capacidade da população idosa em se tornar menos influenciável por informação negativa. Parece-nos que os resultados deste estudo nos permitem pensar que o avançar dos anos poderá ser acompanhado por uma focagem da atenção na regulação e gestão do estado emocional que, neste estudo, significou uma diminuição pela preferência de informação negativa. De um ponto de vista diferente da pesquisa anterior, Carstensen, Pasupathi, Mayr e Nesselroade (2000) mediram a frequência, intensidade e a complexidade de experiências emocionais ocorridas no dia-a-dia de um conjunto de 180 pessoas adultas com idades compreendidas entre os 18 e os 94 anos de idade. Os participantes mediram a sua experiência emocional num total de 19 emoções durante uma semana, 5 vezes por dia, perfazendo um total de 665 emoções por cada participante. Esta medição foi feita através do preenchimento, pelos próprios participantes, de um questionário no qual indicavam, numa escala de 1 (de forma nenhuma) até 7 (extremamente) o grau de frequência relacionado com cada uma das 19 emoções que sentiam naquele momento. A lista de emoções incluía vergonha, medo, tristeza, felicidade, culpa, orgulho, ansiedade, alegria, irritação, desgosto e outras e continha 11 emoções consideradas positivas e 8 consideradas negativas. Verificaram que as pessoas idosas experienciavam o mesmo número de vezes as emoções positivas que o grupo das pessoas mais jovens, mas os adultos idosos mostraram ser mais capazes de manter períodos com níveis mais 85 elevados de emoções positivas e de manter a ausência de estados emocionais negativos de uma medição para outra. Este resultado parece sugerir um maior controlo emocional ou, então, um viés interpretativo que pode ter importantes funções adaptativas ou compensatórias por parte dos adultos idosos em relação aos mais jovens. Observaram que as pessoas mais idosas, da mesma forma que as mais jovens, experienciaram as emoções com igual intensidade, ou seja, as emoções eram sentidas pelos mais idosos tão intensamente como pelos mais jovens. Este dado parece questionar a ideia de que com o envelhecimento há menor intensidade emocional. De acordo com este estudo, a manutenção de elevados níveis de emoções positivas parece significar maior intensidade na experiência das emoções. Através do cálculo de correlações entre a idade e a frequência de emoções negativas, os autores obtiveram correlações negativas que aumentavam de magnitude com a idade. A partir dos 60 anos esta diminuição terminava, observando-se uma ligeira subida, mas muito pouco significativa. Os autores puderam, assim, confirmar a hipótese de que as emoções negativas entre a população idosa são menos frequentes que na população mais jovem. Por fim, os adultos idosos foram mais capazes de indicar, simultaneamente, emoções positivas e negativas, podendo este resultado ser um reflexo da complexidade da experiência emocional nesta idade avançada. Carstensen, Pasupathi, Mayr e Nesselroade (2000), com este estudo sugerem que as pessoas idosas têm a experiência de um conjunto alargado de emoções, controlando mais o aparecimento de emoções negativas; por outro lado, sugerem que a experiência emocional parece ser mais complexa. Este controlo da emoção foi também analisado por Carstensen, Gottman e Leveson (1995) num conjunto de 156 casais de adultos e de adultos idosos com diferentes níveis de qualidade da relação conjugal e num contexto de discussão de problemas conjugais. Concretamente, os autores quiseram explorar o clima emocional de casamentos de longa duração. Para a concretização deste objetivo os participantes foram colocados num espaço adequado no qual foram observados 3 tipos de interação: a) discussão de acontecimentos daquele dia; b) discussão de um tema problemático sobre o qual existia um desentendimento duradouro no casamento; c) discussão de um tema agradável escolhido pelo casal. Estes casais foram filmados enquanto debatiam os temas e acontecimentos referidos anteriormente. Cada sessão demorou cerca de 15 minutos precedida de um período de 5 minutos de silêncio. Após cada sessão, cada elemento do casal, durante duas sessões, visionava o vídeo das interações e fornecia informação sobre a forma como se sentiram durante a sessão em que interagiram com o 86 cônjuge. Concretamente, antes da interação relacionada com a área problemática os casais participantes preencheram o Inventário dos Problemas dos Casais, no qual classificavam 10 aspetos conjugais numa escala compreendida entre 0 e 100. Este procedimento era utilizado pelo investigador para ajudar os casais a escolherem o aspeto com mais pontuação para, posteriormente, os entrevistar acerca do mesmo e assim se focassem mais na área de desentendimento. Para a codificação das emoções foi constituída uma equipa que utilizou o “Specific Affect Coding System” (SPAFF) o qual consegue diferenciar no discurso dos elementos de cada casal emoções positivas e negativas que foram depois codificadas pela equipa de investigadores para a discussão do tema problemático ou conflituoso do casal. A análise destas gravações revelou que a resolução dos conflitos foi emocionalmente menos negativa e mais afetiva nos casais idosos participantes que nos casamentos dos adultos. Nestes últimos verificou-se que as interações foram mais emocionais que nos casais de adultos idosos, apresentando um elevado nível de afetos negativos como a raiva, o desgosto, a agressividade e os lamentos. Relativamente aos afetos positivos, os casais de adultos exibiram níveis mais elevados de humor que os casais de adultos idosos. Ainda no domínio da expressão de emoções, os casais idosos expressaram níveis mais elevados de afeto que os casais adultos. Os autores referem que este resultado confirma a ideia de que a vitalidade emocional é uma realidade nesta população. Argumentam que, mesmo quando a gravidade dos problemas conjugais foi estatisticamente controlada, os casais de adultos idosos revelaram valores mais elevados de afeto e foram menos negativos emocionalmente que os casais adultos. Apesar de se verificarem momentos de emoções negativas (a probabilidade era grande) os adultos idosos foram capazes de intercalar as discussões expressando um grande número de emoções positivas. Estes resultados sugerem que os adultos idosos usam estratégias que limitam o uso de emoções negativas e que já observámos noutras pesquisas. De facto, os casais idosos focaram-se nas emoções positivas, evitando de uma forma ativa e consciente, discussões que pudessem conduzir e provocar emoções negativas. Talvez possamos afirmar que os adultos idosos pareceram ser mais proactivos na utilização de estratégias de coping. O coping focalizado na emoção foi explorado no estudo realizado por Charles e Carstensen (2008) através do qual pretenderam examinar emoções e avaliações relatadas por adultos jovens e idosos perante uma situação stressora. Este estudo envolveu a participação de uma amostra de 195 pessoas, das quais 97 eram jovens adultos (M=24.82 anos) e 98 eram adultos idosos (M=70.90 anos). Neste estudo, os 87 participantes foram convidados a comentar 3 conversas gravadas em diferentes contextos sobre eles próprios. Especificamente, os participantes foram convidados a ouvir a gravação de 3 conversas (em diferentes cenários) entre duas pessoas que os criticam e insultam. Um destes cenários foi apresentado da seguinte forma aos participantes: “(…) imagine que está na casa de um membro da sua família. Você está na cozinha preparando alguma coisa para beber e ouve, por acaso, dois membros da sua família mais próxima a falar acerca de si na outra sala. Mais uma vez, sabe que estão a falar de si” (Charles & Carstensen, p.4, 2008). Os autores acrescentam que este cenário inclui momentos em que o participante é criticado pela suposta família acerca da forma aborrecida como falava e de como se vestia muito mal. Em cada conversa eram ouvidos 4 segmentos diferentes, cada um deles seguido por um som, após o qual eram mantidos 30 segundos de pausa. Seguia-se um convite aos participantes para registarem numa folha de código o quanto se sentiram furiosas e tristes, utilizando uma escala de Tipo Likert de 1 (de maneira nenhuma) até 7 (extremamente) para cada emoção. Depois, os participantes expressavam-se em voz alta sobre o que lhes passava na mente até ouvirem o próximo som. As respostas fornecidas oralmente eram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. A conversa, então, continuava no ponto onde tinha sido interrompida. Cada cenário durava dois minutos, sem incluir os 30 segundos de pausa. Este procedimento repetiu-se para os restantes 2 cenários. Os autores observaram que ao longo dos quatro momentos da avaliação de cada cenário, os adultos idosos revelaram níveis mais baixos de fúria que os jovens adultos. Em relação à tristeza, os valores obtidos para os adultos idosos e para os jovens adultos não diferem em relação à intensidade que é vivida de forma idêntica pelos dois grupos. Os autores verificaram que somente os adultos idosos relataram níveis idênticos para as duas emoções, uma vez que os jovens adultos relataram níveis mais elevados de fúria que de tristeza. Charles e Carstensen (2008) verificaram que os adultos idosos expressaram valores mais baixos de negatividade que os jovens adultos, em relação à situação adversa. Relativamente às avaliações cognitivas das conversas constantes dos diferentes cenários, os autores notaram que os adultos idosos, relativamente ao emissor presente nas conversas, apresentaram um reduzido número de avaliações cognitivas, o que pode sugerir um afastamento da atenção da informação negativa contida nas conversas. Este evitamento, segundo os autores, pode ser indicativo da utilização de estratégias de regulação emocional por parte dos adultos idosos, as quais parecem ser utilizadas logo após o surgimento da situação adversa ou stressora. 88 Em suma estes estudos parecem indicar-nos a existência de uma relação entre a idade e a regulação emocional: 1º. Com a idade os adultos idosos parecem estar mais aptos para aceitar situações adversas, entendendo a complexidade e ambiguidade da vida; 2º. Coletivamente, os resultados obtidos nestes estudos sugerem que a emoção adquire uma importância crescente com o avançar da idade e que as pessoas em idade avançada aplicam, de uma forma ativa, estratégias de evitamento de experiências e emoções negativas, conseguindo otimizar experiências positivas e minimizar experiências emocionais negativas, ou seja conseguem regular as emoções; 3º. Pode ser diferente olhar para o impacto do luto (visto como uma situação adversa) em pessoas jovens e em pessoas idosas. Os resultados sugerem que, à partida, os Stressores Orientados para a Perda teriam um impacto maior na população mais jovem que na população mais idosa, revelando uma tendência do processo oscilatório se inclinar mais para o coping com os stressores de perda do que para as tarefas do restabelecimento. Já a maior capacidade de regulação da emoção demonstrada pela população mais idosa, poderá permitir-lhe oscilar, de forma mais equilibrada, entre a Orientação para a Perda e a Orientação para o Restabelecimento. 4º. Estes resultados podem ser analisados à luz da teoria da seletividade sócio emocional que refere o uso de estratégias de pro-atividade como forma de regular e gerir a emoção (Carstensen, Fung & Charles, 2003). Segundo esta teoria o avanço na idade está associado à perceção de que o tempo que resta para se viver é muito curto e, por isso, os adultos idosos sentem-se motivados em não desperdiçar o seu tempo e energia no coping com experiências negativas; 5º. Parece-nos que esta competência de regular a emoção, evidenciada pelos adultos idosos, constitui uma faceta positiva da capacidade cognitiva desta população refletindo a utilização simultânea da compreensão das situações causadoras de stress e a utilização de estratégias para minimizar os seus efeitos negativos. Vimos que a capacidade para gerir emoções na presença de acontecimentos negativos não é a mesma para adultos idosos e para adultos mais jovens. Pareceu-nos que esta capacidade pode tornar-se um recurso para a população idosa no coping com o luto e, portanto, um elemento protetor do seu desenvolvimento. Contudo, o processamento do luto requer, da parte do enlutado, não só uma gestão e regulação 89 emocional como também desafia a sua capacidade intelectual para efetuar mudanças em si mesmo, no papel que desempenham e na gestão de problemas mais práticos, como por exemplo, gerir as finanças ou estabelecer novas relações, etc. Segundo Norris (2006) só muito tarde na vida é que o declínio intelectual se torna mais evidente, mas nas capacidades para as quais a velocidade de resposta é exigida. De facto, as mudanças que ocorrem no domínio intelectual de acordo com Schaie (1996) surgem muito tarde e afetam mais as capacidades com uma relevância menor no dia-a-dia dos indivíduos e, portanto, menos usadas. O Estudo Longitudinal de Seattle teve como objetivo entender a evolução de vários aspetos do desenvolvimento psicológico durante a idade adulta, procurando saber como é que as pessoas se desenvolvem ao longo do ciclo de vida (Schaie, 1994). Este estudo envolveu, até 2005, um total de 5676 indivíduos com idades compreendidas entre os 25 e os 88 anos de idade, avaliados de 7 em 7 anos, continuando, atualmente em execução. Iniciou-se em 1956 e prolonga-se ao longo de ciclos avaliativos de 7 anos: 1956, 1963, 1970, 1977, 1984, 1991, 1998, 2005…. Especificamente, neste estudo, pretendeu-se avaliar as aptidões mentais primárias, nomeadamente o significado verbal, a orientação espacial, o raciocínio indutivo, a aptidão numérica e a capacidade para recordar uma palavra de acordo com uma regra lexical. Segundo Schaie (1994, 1996) estas capacidades estão representadas no dia-a-dia e no trabalho de cada individuo. Longitudinalmente, Schaie (1994) verificou haver ganhos nas capacidades mentais até aos 30/40 anos, estabilizando por volta dos 50 anos. No período correspondente aos 60 anos verificou-se haver um declínio em pelo menos uma capacidade avaliada, sendo que poucos revelaram um declínio geral. Da mesma forma, ninguém evidenciou um declínio geral em todas as capacidades, mesmo aos 80 anos. Contudo, há que diferenciar de entre as cinco capacidades mentais primárias aquelas que são classificadas como inteligência fluida e inteligência cristalizada (Hansson & Stroebe, 2007). Os valores da aptidão numérica e de recordar palavras (inteligência fluida) começam a diminuir mais cedo, por volta dos 50 anos; por volta dos 70 anos a capacidade de raciocínio indutivo e a capacidade para recordar palavras (inteligência cristalizada) mantém-se estável até cerca dos 75 anos (Schaie, 1994). A partir desta idade, muitas pessoas revelam declínios em pelo menos uma capacidade, mas no período dos 80 anos, muito poucos indivíduos mostraram declínios significativos em todas as suas capacidades. Neste estudo (Schaie, 1994) obteve resultados importantes ao analisar o impacto de algumas variáveis nos valores obtidos, ou seja, procurou saber o 90 porquê de alguns indivíduos apresentarem níveis elevados de funcionamento intelectual numa idade já avançada, enquanto que outros tenderam a apresentar um declínio mais cedo. As variáveis encontradas por Schaie (1994) que conduzem a uma diminuição do risco de declínio cognitivo na terceira idade são as seguintes: saúde cardiovascular e ausência de doenças crónicas, a existência de um ambiente complexo e desafiador, envolvimento social, um nível elevado de processamento percetual e a presença de um cônjuge com um funcionamento cognitivo elevado. Entre as diferentes gerações de indivíduos, Schaie (1994) encontrou valores crescentes relativamente ao significado verbal e à capacidade de raciocínio, valores que atribui a um nível também crescente de escolarização de umas gerações para outras. Este estudo sugere, pois, que o desenvolvimento intelectual é determinado por fatores associados à própria idade (declínio físico e fisiológico) e por fatores associados à interação do indivíduo com o ambiente sociocultural (por exemplo, escolarização, melhor saúde, condições materiais favoráveis) que o envolve. Perante um acontecimento stressante, como é o caso da perda do cônjuge, por exemplo, que competências intelectuais poderão ser desafiadas no processo de luto? Apresentamos algumas hipóteses: a experiência e o coping com os stressores da perda (ex: aceitar a realidade da perda e pensar nas circunstâncias da morte) poderão ser influenciados pela maior longevidade da inteligência cristalizada, uma vez que estes stressores se relacionam com a inteligência cristalizada a qual parece manter-se estável nesta fase do ciclo de vida até aos 70 anos tal como afirma Baltes, Staudinger e Lindenberger “ (…) as capacidades mais pragmáticas, tais como o conhecimento verbal (…) e alguns aspetos da capacidade numérica, apresentam relações fracas e, algumas vezes positivas, com a idade a partir dos sessenta ou setenta anos, começando a diminuir já numa idade mais avançada” (1999, p.487). Poderá ser plausível afirmar que o uso de estratégias para fazer face aos stressores orientados para o restabelecimento (lidar com finanças, gerir a casa) poderá sair comprometido a partir dos 50 anos de idade, isto é, mais cedo, uma vez que as capacidades associadas à inteligência fluida dão indicações de sofrer um declínio muito mais cedo (Hansson & Stroebe, 2007). 1.2.1.1 Sabedoria Para Fonseca (2006) a inteligência cristalizada ou pragmática, baseada na experiência e no conhecimento, adquire durante a idade adulta e a velhice uma nova expressão com o nome de “sabedoria”. Nas palavras de Baltes, Staudinger e 91 Lindenberger (1999) a sabedoria é encarada “como a expressão ótima do conhecimento quanto à pragmática fundamental da vida, isto é, um conhecimento apurado e integrado acerca do significado da vida que coordena fatores da mente, personalidade e emoção” (p.494). Erikson (1982) apresenta-nos a sabedoria como o resultado do conflito entre a integridade e o desespero. Hansson e Stroebe (2007) afirmam que a sabedoria reflete um conjunto de capacidades, de conhecimentos, de avaliação de problemas, aprendidos ao longo da vida e com um grande potencial para compensar perdas baseadas, essencialmente, nos domínios fisiológicos das capacidades intelectuais. Baltes e Kunzmann (2003) definiram a sabedoria como o conhecimento e opiniões especializadas aplicados a situações importantes e difíceis surgidas na vida de cada pessoa. Acrescentaríamos que a sabedoria poderá funcionar como um recurso individual que poderá ser utilizado perante diversas situações stressantes e desafiantes para o indivíduo. Baltes (1987) refere que a sabedoria surge como o exemplo protótipo da inteligência cristalizada à semelhança de Fonseca (2006), refletindo o conhecimento adquirido ao longo do ciclo de vida. Mais concretamente, a sabedoria exibe grandes progressos a partir da fase adulta do ciclo de vida. É apenas numa velhice muito avançada que, segundo Baltes, Staudinger e Lindenberger (1999), as estruturas associadas com a resolução de tarefas relacionadas com a sabedoria, apresenta um ligeiro declínio. A velhice, contudo, por si só não garante a existência de sabedoria. É necessária uma coligação de fatores oriundos de domínios tão vastos como os psicológicos, sociais, históricos ou profissionais. Se esta coligação existir é possível que alguns indivíduos consigam desenvolver com sucesso uma trajetória desenvolvimental repleta de elevados níveis de conhecimento associados à sabedoria (Baltes & Kunzmann, 2003). Daí que se considera natural que as pessoas mais idosas apresentem níveis mais elevados de conhecimentos relacionados com a sabedoria. Bluck e Glück (2004) analisaram narrativas descritivas de indivíduos, relativas a momentos em que cada indivíduo pensou, disse ou fez algo sábio, com o objetivo de entender que lições foram aprendidas através da vivência destes momentos. Os autores definiram estes relatos como “sabedoria experienciada”. A amostra incluiu 86 participantes: 28 adolescentes, 27 jovens adultos e 31 adultos idosos. Os dados deste estudo foram recolhidos de entrevistas autobiográficas semiestruturadas, através das quais os participantes eram convidados a falar sobre as próprias vidas. Numa folha de papel com 15 linhas os participantes escreviam tantas situações, quantas as possíveis, 92 nas quais disseram, fizeram ou pensaram algo considerado sábio de alguma forma. Os resultados mostraram que todos os grupos etários da amostra utilizaram a sabedoria experienciada na transformação de situações negativas em situações positivas. Quer os jovens adultos, quer os adultos idosos relacionaram as experiências de sabedoria à sua história de vida, explicando como estas foram aplicadas a novas situações. Apesar de todos os participantes terem aprendido lições com as situações vividas, os adolescentes parecem não ter ainda desenvolvido a capacidade de tirar o máximo proveito das suas experiências de vida, através da sua aplicação noutras situações ou das lições adquiridas. Bluck e Glück (2004) mostraram que os adultos jovens e os adultos idosos apresentaram uma maior capacidade de integrar a sabedoria experienciada na sua história de vida e de aplicar lições e competências já adquiridas, em desafios futuros. Grossmann e col. (2010) efetuaram um estudo em que pretendiam avaliar a capacidade de raciocínio de adultos idosos na resolução de conflitos e dilemas sociais, apoiados no facto de que com o avançar da idade alguns aspetos cognitivos registam melhorias. Pretendendo contribuir para a pouca pesquisa que, segundo Grossmann e col. (2010), tem sido feita em torno desta relação entre a idade e ganhos em alguns aspetos cognitivos, obtiveram a colaboração de um grupo de pessoas na leitura de histórias abordando conflitos intergrupais e interpessoais, predizendo como estes conflitos se esclareceriam. Os resultados revelaram que os adultos idosos, comparados com os mais jovens e com os adultos de meia-idade, evidenciaram um uso mais frequente de esquemas de raciocínio superiores que realçam a necessidade de perspetivas múltiplas, permitem o compromisso e reconhecem os limites do conhecimento. Poderemos, talvez, afirmar que estes esquemas refletem um uso mais eficaz da sabedoria experienciada, como vimos no estudo anterior. A obtenção destes resultados permitiu a Grossmann e colegas afirmar que a capacidade de raciocínio social melhora com a idade apesar dos declínios na inteligência fluida, como de resto já tivemos oportunidade de aqui abordar. Parece, no entanto, que a relação entre a sabedoria e a idade tem sido alvo de muita pesquisa, contrariamente ao postulado por Grossmann e col. (2010). Após uma revisão de literatura, publicada em 2005, Sternberg concluiu que: a. Não existe uma visão universalmente aceite acerca da relação entre a idade e a sabedoria; b. Os dados empíricos revelam resultados contraditórios; c. Existem diferenças individuais que influenciam não só a trajetória da sabedoria, mas também os resultados obtidos; 93 d. O desenvolvimento da sabedoria encontra-se condicionado pelas circunstâncias em que as pessoas vivem; e. Alguns dos resultados obtidos podem depender da forma como a sabedoria é operacionalizada. Parece-nos que a sabedoria não depende exclusivamente da idade, mas sim de um conjunto de fatores como a personalidade dos indivíduos ou as circunstâncias em que vivem, isto é, se vivem isolados ou com dificuldades em interagir com outros. Por outras palavras a sabedoria parece envolver um conjunto de características cognitivas, emocionais e sociais que poderão contribuir para um processo de luto bem-sucedido, funcionando, assim, a sabedoria como um elemento protetor do processo de luto. O mesmo se poderá dizer do autoconceito alicerçado em experiências vividas e reforçado por elevadas capacidades de adaptação por parte dos adultos idosos a novas circunstâncias. A formação de um autoconceito parece fazer parte deste conjunto de características. 1.2.1.2 Autoconceito Na Enciclopédia do Desenvolvimento Humano, Norris (2006) refere que o autoconceito está ligado à capacidade do ser humano de refletir sobre o próprio comportamento, sobre processos psicológicos e sobre a própria existência. No adulto idoso, o autoconceito é seriamente comprometido pelo processo de envelhecimento e consequente perda de papéis e de competências centrais. Um dos papéis sociais e fundamentais na construção do autoconceito da mulher idosa, e que se perde na terceira idade (pela perda do cônjuge), é o papel de esposa. O desempenho deste papel é parte integrante do self da pessoa e a transição para o papel de viúva pode tornar-se algo problemática. A transição de papéis ocorre quando a mulher perde o papel de esposa, adquirido quando casada, para passar a assumir um novo papel – o papel de viúva. Com a perda do marido, a agora viúva, perde também a sua identidade que terá de reconstruir e com o passar do tempo, abandonará o seu papel de esposa, adaptando-se e acomodando-se à sua nova situação, ao mesmo tempo que fortalece o seu autoconceito resgatando forças dos seus papéis como avó ou como mãe. Esta capacidade de adaptação dos adultos idosos a novas circunstâncias melhora o seu autoconceito e, através da consolidação dos seus esquemas de self e do entendimento de experiências vividas, ganham uma maior competência e controlo emocional (Hansson & Stroebe, 2007), permitindo-lhes uma adaptação mais bem-sucedida a situações stressantes como é o caso da perda do cônjuge. Se, por um lado, a perda provoca uma 94 quebra no desenvolvimento do self entre os adultos idosos, por outro, o reforço do autoconceito desta população poderá funcionar como um aspeto protetor, promovendo a resiliência ao luto, entre os adultos idosos (Hansson & Stroebe, 2007). Na opinião de Hansson e Stroebe (2007) os indivíduos têm consciência da existência de selves presentes, passados e futuros (ou possíveis). É o conjunto destes selves que forma o autoconceito de cada indivíduo. O estudo realizado por DarkFreudman, West e Viverito (2006) procurou saber se os “selves” futuros relacionados com a memória estão inseridos nos autoconceitos de adultos jovens e idosos. Segundo os autores do estudo, estes selves são elementos que fazem parte do autoconceito e representam aquilo que um indivíduo pode ser, ou tem medo de ser. Um possível self pode ser uma ideia criada por nós, que representa aquilo que poderemos ser no futuro. Pode ser positivo, negativo ou neutral, assim como pode real, vago ou improvável. Dark-Freudman, West e Viverito (2006) consideram que, para os adultos idosos, em particular, os seus “selves” cognitivos representam a sua visão daquilo que serão nos últimos anos de vida. Investigaram a natureza dos “selves” enquanto esperançosos ou temidos. Esta investigação assenta no facto de que a memória é um aspeto preocupante para os adultos idosos e, como tal, é natural que faça parte do seu autoconceito. A maioria das pessoas espera que, com o avançar da idade, a capacidade de memória diminua. Esta expectativa estandardizada acerca do envelhecimento torna-se relevante para a população idosa, influenciando a visão que esta tem de si própria (DarkFreudman, West & Viverito, 2006). Nesta pesquisa participaram 27 adultos jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 33 anos de idade (M=19.11, DP=2.99) e 24 adultos idosos com idades compreendidas entre os 53 e os 87 anos de idade (M=65.38, DP= 9.59). Os participantes preencheram um questionário de administração direta com o objetivo de examinar possíveis selves. A frase inicial era a seguinte: “Por favor demore alguns minutos e pense acerca de todos os possíveis selves esperançosos. Podem ser alguns ou vários “selves”. Algumas questões que o poderão ajudar a definir os selves incluem: Existe alguma coisa que deixei de ser e que gostaria de ter sido? Quais são as minhas esperanças para o futuro? Por favor liste os seus possíveis “selves” esperançosos (liste tantos os que se conseguir lembrar) ”. O procedimento foi o mesmo para a listagem dos possíveis selves mais temidos. Os participantes eram livres de listarem todos os possíveis “selves” esperançosos e temidos surgidos espontaneamente. Por fim, foram elaboradas categorias onde foram agregados “selves” surgidos. Os resultados revelaram que os “selves” 95 considerados mais centrais para o desenvolvimento do autoconceito de um indivíduo, diferem com a idade. De facto, os dados obtidos mostraram que os jovens adultos não revelaram qualquer self futuro relacionado com a memória, contrariamente a 1/3 dos adultos idosos que demonstraram temer perder a memória. As esperanças futuras dos adultos jovens incidiram mais em aspetos relacionados com a educação, com as atividades sociais e com as características pessoais. Os adultos idosos mostraram-se menos satisfeitos com a sua memória atual que os jovens adultos, tendo revelado um maior medo da doença de Alzheimer que os jovens adultos. O self mais temido pelos adultos idosos relacionou-se com a saúde (33%) e com situações relacionadas com os acontecimentos da vida (como a morte e o morrer), com 12% dos adultos idosos a temer este self. Estes resultados parecem indicar que um fortalecimento do autoconceito dos adultos idosos possa passar pela tomada de consciência de que as situações relacionadas com os acontecimentos da vida são, para eles, motivo de preocupação. Em suma, vimos que a sabedoria e o autoconceito, como fatores importantes no desenvolvimento humano, podem exercer um papel positivo no coping com o luto, ajudando no processamento da perda. A capacidade de regular a emoção parece, igualmente, contribuir para uma experiência de perda bem-sucedida. Existem, no entanto, aspetos do desenvolvimento que poderão dificultar o coping com o luto. 1.3. Aspetos problemáticos do desenvolvimento 1.3.1. Mudanças físicas e psicológicas As mudanças no aspeto físico de cada indivíduo parecem ser das mudanças mais óbvias relacionadas com a idade. Começam por afetar a aparência, a funcionalidade e aumentam o risco de doença. O cabelo fica mais fino e cinzento, surgem as rugas e as manchas na pele, a capacidade de cicatrização diminui, assim como a massa óssea, fazendo aumentar o risco de fraturas. A força muscular diminui em cerca de 30% a 40% durante a vida adulta, reduzindo a capacidade de desempenhar as tarefas e limitando a flexibilidade de movimentos (Hansson & Stroebe, 2007). As mudanças relacionadas com a idade ocorrem em todos os sistemas sensoriais. As mudanças na visão têm efeitos significativos na capacidade de cada indivíduo em movimentar-se no ambiente que o rodeia. Estas mudanças incluem a diminuição da sensibilidade à luz, um enfraquecimento da perceção da adaptação ao escuro, da discriminação e da visão periférica. Estas “perdas” criam problemas na condução, a qual 96 envolve muita concentração e focagem. A diminuição na acuidade visual e na capacidade para discriminar padrões visuais afeta a habilidade para ler textos com um tamanho de letra pequeno, como aqueles que surgem nas bulas dos medicamentos. Os problemas de audição são o tipo mais frequente de debilidade relatado por adultos idosos (Norris, 2006). As mudanças na audição refletem-se nos elevados limites da audibilidade do reconhecimento do som, no entendimento do discurso, na pouca capacidade de diferenciação dos sons e na audição de alarmes. O sistema imunitário parece ser, também, afetado pelas mudanças relacionadas com a idade, apesar de, também, poder ser o impacto do stress, da nutrição, do exercício e da doença (Hansson & Stroebe, 2007). Por exemplo, os adultos idosos constituem um grupo em que o risco de serem afetados por doenças infeciosas ou por cancro é elevado. A saúde parece, pois, tornar-se um problema para as pessoas em idade avançada, refletindo uma elevada incidência de situações relacionadas com a hipertensão, artroses, doenças cardíacas, cancro, diminuição da visão, audição e memória (Hansson & Stroebe, 2007). Lidar com diversas situações de doença pode, na terceira idade, representar um grande esforço intelectual, colocando à prova a resistência do idoso doente. Apesar de terem desenvolvido competências que utilizam com eficácia em diversas situações (ex: sabedoria), os adultos idosos deparam-se com um reduzido número de recursos cognitivos necessários para lidar com novos problemas de saúde, como por exemplo entender um regime medicamentoso. O stress que surge com a necessidade de lidar com situações médicas (ataques cardíacos, diabetes, hipertensão, artroses) encontra-se associado a um estado cognitivo enfraquecido nas pessoas idosas (Schaie, 1994). Esta diminuição de capacidades cognitivas tornou-se clara no Estudo Longitudinal de Seattle ao constatarem uma diminuição na inteligência fluida por volta dos cinquenta anos de idade. Cap.2. Implicações para o coping com o luto Parece-nos que, apesar de experienciarem uma diminuição em algumas das suas capacidades físicas e psíquicas, a maioria dos adultos idosos encontra-se emocionalmente bem adaptada, salvaguardando as devidas diferenças individuais (Scheibe & Carstensen, 2010). Recordemos a influência que, por exemplo, os acontecimentos stressantes produzem no bem-estar das pessoas, a qual é, em parte, determinada pelas reações cognitivas e emocionais provocadas por esses acontecimentos (Charles & Carstensen, 2008). Perante tantos reveses nesta etapa do 97 ciclo de vida, em que se incluem a deterioração física, os problemas de saúde, as falhas de memória, as perdas de entes queridos, como conseguem os adultos idosos manter níveis elevados de bem-estar emocional? A resposta talvez esteja nos resultados da pesquisa efetuada por Carstensen, Pasupathi, Mayr e Nesselroade (2000) na qual se observou uma crescente motivação na regulação de estados emocionais e na competência para o fazer com o avançar da idade. Nas palavras de Scheibe e Carstensen “Em contraste com o declínio associado ao envelhecimento físico e cognitivo, o envelhecimento emocional parece beneficiar com a idade” (2010, p.141). Estas pesquisas sugerem-nos que em resposta a situações stressantes, como no caso de um luto, os adultos idosos apesar de experienciarem emoções negativas, são as emoções positivas que parecem dominar num tempo de preocupações com a saúde e com as perdas. A otimização do funcionamento cognitivo remete-nos para a teoria da Seleção, Otimização e Compensação, lembrando-nos que, da parte dos idosos, poderá haver uma seleção e manutenção das suas capacidades, procurando geri-las e otimizá-las. A propósito da teoria da Seleção, Otimização e Compensação (SOC) Baltes (1987) referenos que, quando os limites da capacidade de cada indivíduo são excedidos durante o processo de envelhecimento, são esperadas as seguintes consequências: Uma seleção crescente e, mais tarde, uma redução do número de domínios altamente eficazes, como é o caso da digitação de um texto; Desenvolvimento de mecanismos de compensação. Para Baltes, Staudinger e Lindenberger (1999) qualquer processo de desenvolvimento humano envolve uma articulação dos processos de seleção, otimização e compensação, ou seja, um processo de uma adaptação seletiva e respetiva transformação. Trata-se de um conjunto de estratégias utilizadas para fazer face aos desafios da vida, como por exemplo lidar com a perda do cônjuge. Vimos, nas pesquisas do capítulo anterior, que a população idosa revelava um controle emocional perante determinados acontecimentos, procurando exprimir emoções positivas evitando o desgaste emocional. Vislumbrámos aqui aspetos de estratégias de seleção. As pessoas que recorrem a este tipo de estratégias são seletivas relativamente aos objetivos, capacidades e domínios do seu desenvolvimento os quais podem ser geridos ou mantidos (Hansson & Stroebe, 2007). Como exemplo de utilização destas estratégias Hansson e Stroebe (2007) referem o caso de uma viúva que opte por centrar a sua atenção nos cuidados a ter com a sua saúde (seleção), colocando em segundo plano o estabelecimento e fortalecimento de contactos sociais. A 98 otimização caracteriza-se por empreender esforços e utilizar recursos para levar a cabo a escolha adotada (cuidar da saúde), através da prática de exercício físico, por exemplo. A terceira estratégia (compensação), segundo Hansson e Stroebe (2007), é utilizada para compensar perdas sofridas e, por conseguinte, capacidades perdidas. Estas perdas ocorrem, geralmente com a idade, como é o caso da osteoporose, sendo necessário recorrer à colocação de próteses. A população idosa pode, pois, utilizar a estratégia de seleção para escolher os stressores com os quais se sente mais capaz de lidar. Torna-se notório na Teoria da Seleção, Otimização e Compensação que o papel desempenhado pelo individuo é um papel central, ou seja, é ele quem seleciona as estratégias e os recursos por forma a otimizá-los e a torná-los mais eficazes. Esta teoria parece remeternos para o Modelo Dual de Processar o Luto no qual o indivíduo enlutado também seleciona que stressores serão alvo da sua atenção e os recursos e estratégias que serão adotadas para confrontar ou evitar esses stressores, ou seja, que recursos e estratégias serão mais eficazes no coping com o luto. Elementos da Teoria da Seleção, Otimização e Compensação parecem, pois, estar presentes no Modelo Dual de Processar o Luto. A sabedoria, por exemplo, é vista como refletindo uma espécie de perícia adquirida, funcionando como um agente regulador dos problemas da vida, compensando os declínios observados no domínio intelectual ao longo do ciclo de vida que irão comprometer o coping com os stressores orientados para o restabelecimento (ex: finanças) e o coping com os stressores orientados para a perda (ex: aceitar a realidade da perda). Conhecer o estado de saúde da população idosa constitui um contributo importante para uma melhor compreensão do processo de adaptação ao luto. As mudanças relacionadas com a idade na aparência física ou no funcionamento do organismo podem interferir na visão que o adulto idoso tem de si próprio e nas atividades e tarefas de que se sente capaz. Perante o conjunto de incapacidades e de debilitamento físico imposto pelo avançar da idade, o adulto idoso pode limitar-se a si próprio na realização de atividades e na mobilidade, procurando evitar o risco. Nas palavras de Hansson e Stroebe “Para as pessoas idosas enlutadas que se movimentam nesta trajetória de uma crescente debilidade será de esperar que experienciem uma dificuldade crescente nos seus esforços para lidar com os stressores orientados para a perda, especialmente, porque a sua competência em lidar com esses aspetos como um desempenho pessoas e estatutário será severamente afetado” (2007, p.168). A pessoa enlutada vê, deste modo, a sua mestria reduzida e as suas expectativas e objetivos de 99 interações sociais diminuídas (Hansson & Stroebe, 2007). Esta debilidade física e psicológica pode tornar o adulto idoso mais vulnerável às próprias consequências físicas e psicológicas que surgem com o luto ou, então, exacerba sintomas resultantes do luto (Hansson & Stroebe, 2007). 2.1. Síntese Podemos afirmar que o estado de saúde de um adulto idoso, anterior à perda, pode interferir no coping com o luto, uma vez que pode alterar a eficácia da adaptação. Em 2001, Moss, Moss e Hansson acentuavam o quão importante era observar e estudar a relação entre o luto e a terceira idade no contexto de declínio físico, psicológico e comportamental. Hansson e Stroebe (2007) apontam algumas razões que legitimam o interesse crescente no entendimento e compreensão do papel desempenhado pelo envelhecimento no processo de luto: a) o envelhecimento do indivíduo constitui um processo que traz consigo uma diminuição progressiva do seu status fisiológico e das suas reservas adaptativas; b) o número de pessoas idosas está constantemente a aumentar, reclamando da sociedade um apoio e adaptação às suas necessidades; c) o impacto do luto estende-se à família, de quem se tornam dependentes, e à comunidade a que recorrem para solicitar apoio e cuidados; d) as famílias e os profissionais médicos e sociais, que lidam com as pessoas idosas, desconhecem a influência que o envelhecimento pode causar na capacidade de adaptação a situações stressoras, como é o caso do luto. Cap. 3. O luto como um período de transição para a viúva O luto é considerado um estado específico causado pela morte de alguém que nos é querido ou próximo. Pode encontrar várias formas de exprimir a dor a ele associada, ora através do choro, ora através de uma tristeza profunda, ou então exprimindo outros sentimentos através de um mal-estar psicológico ou físico. Este acontecimento – morte – marca o início do processo de transição da pessoa enlutada (Silva, 2004). A transição que o luto representa tem sido conceptualizada teoricamente de forma plural, após um período de cerca de um século onde a perda era vista, mesmo na ausência de suporte empírico, como um período que exigia um trabalho de luto cujo fim último era o desligamento do objeto da perda (Bonanno & Kaltman, 1999). Em idade avançada a perda por viuvez é, porventura, de entre vários acontecimentos do ciclo de vida, um dos mais normativos e, simultaneamente, dos menos investigados. Além dos desafios inerentes à falta de projetos ou expectativas culturais para a idade avançada, a perda por viuvez aparentemente adiciona 100 complexidade e dificuldade à vida do adulto idoso, pelos novos problemas que deve enfrentar e lidar. A viuvez é uma ocorrência maioritariamente feminina, tendência que tende a acentuar-se perante dados demográficos que revelam uma maior capacidade das mulheres em sobreviverem aos seus maridos. Com o aumento da esperança de vida, a viuvez ocorre cada vez mais tarde no ciclo de vida, é um acontecimento expectável para os adultos idosos e parece haver vantagens em conceptualizá-lo como uma importante transição psicossocial que implica a reconfiguração do significado da vida e dos seus propósitos (Parkes, 1988). De acordo com Silverman (1986), o surgimento de um acontecimento desiquilibrante, (por exemplo, a morte do cônjuge), requer uma mudança de papel e de um período de tempo para lidar com a experiência causadora do desequilíbrio e para fazer a mudança. Golan (1975) define desta forma o período de transição: “Uma crise de transição é um período, no qual uma pessoa se movimenta de um estado de relativa certeza para outro. Perturba o normal equilíbrio de uma pessoa e cria uma mudança nos seus papéis vitais” (p.369). A transição de papéis ocorre quando a mulher perde o papel de esposa, adquirido quando casada, para passar a assumir um novo papel – o papel de viúva. Golan (1975) vai mais longe e, completando a ideia de Silverman (1986), revela que, perdendo o papel de esposa, ela deve tornar-se uma viúva e, depois, uma mulher pronta para se comprometer num futuro envolvimento pessoal com outros, incluindo outro homem. Com a perda do marido, a agora viúva, perde também a sua identidade. A este propósito Silverman (1986) acrescenta que a viúva perde também uma parte significativa de si própria. A viúva depara-se, assim, com uma identidade “roubada”, construída ao longo do seu casamento e fruto da sua relação com o cônjuge e que agora precisa de ser reconstruída. Talvez se possa afirmar que a mulher sofre, então, uma dupla perda: a sua relação (de vinculação com o morto) e a sua identidade (construída com o marido enquanto sua esposa). Como veremos mais adiante, a viuvez influencia muitas das áreas da vida de uma mulher: saúde física e psicológica, participação social, situação financeira. Por sua vez, cada um destes aspetos pode condicionar a forma como a viúva vê a sua identidade. Para as mulheres idosas atuais, nascidas antes ou durante a Segunda Guerra Mundial, ser casada era a norma e a vida era centrada na casa. Apesar de, durante o século XXI, a centralidade do papel de esposa possa mudar, para as mulheres idosas viúvas este papel permanece atual. Os dados de um estudo recente realizado por Bennet (2010) vieram de dois 101 estudos independentes efetuados em Inglaterra e envolveram homens viúvos idosos e mulheres viúvas idosas. Com este estudo pretendeu-se saber mais sobre a forma como as mulheres viúvas idosas reconstroem a sua identidade. Participaram 65 mulheres viúvas idosas com idades compreendidas entre os 57 e os 92 anos (M=72) e um tempo de viuvez compreendido entre 1 e os 32 anos. As entrevistas foram realizadas em casa das respondentes e áudio-gravadas. Do total das pessoas entrevistadas 53 discutiram aspetos relacionados com a identidade. Bennet (2010) esclarece que o tema da identidade se refere a relatos sobre as mudanças nas relações da viúva com o falecido marido, a mudanças na forma como se veem a si próprias e a mudanças na sua relação com o papel de esposa. Da análise das entrevistas a autora constatou que o processo de reconstrução da identidade se reflete em três temas: continuação dos laços com o falecido marido, rutura desses laços e crescimento e desenvolvimento pessoal. Manter os objetos pertencentes ao falecido marido, reconhecer a perda ou continuar a procurar a aprovação do marido para a realização de tarefas, são formas de manutenção dos laços. Esta ligação ao falecido marido permite à mulher viúva pensar que ainda é esposa e não viúva. Contudo, ao mesmo tempo, as viúvas reportaram que pensavam nos maridos com menos frequência começando, deste modo, o processo de reconstrução das identidades. Bennet (2010) relata que 47% das viúvas entrevistadas se desfizeram dos pertences dos seus maridos, sendo esta uma das atividades mais relevantes no processo de reconstrução da identidade. Os dados parecem sugerir que estes dois aspetos – continuação/quebra dos laços, desempenham um importante papel no processo de reconstrução da identidade. Uma identidade em que o papel de esposa e de viúva se parecem misturar, sem deixarem de existir na sua individualidade. Esta relevância torna-se mais evidente quando a viúva decide guardar pelo menos um dos pertences do falecido marido, mantendo os laços, e quando resolve libertar-se dos objetos pertencentes ao cônjuge falecido, quebrando os laços. À medida que os laços vão sendo quebrados abre-se espaço para o desenvolvimento e crescimento pessoal. Neste estudo, 58% das mulheres descreveram mudanças e crescimento pessoal e 47% descreveram atitudes de desconfiança e de autoeficácia. A reconstrução da identidade constitui para as mulheres uma luta pessoal, refletida no conflito entre a permanência no papel de esposa e a consciência de que necessita de adquirir uma identidade como pessoa independente e individual. Nas palavras de Bennet (2010) esta luta pessoal parece desempenhar um papel central na quebra dos laços marcando o início da reconstrução da identidade. As expectativas da sociedade relativamente à viúva centram-se no desejo 102 dual de que estas voltem a casar ou que então desistam da sociedade. No entanto, segundo Bennet (2010), a viúva deseja encontrar novos interesses, novos amigos, tornar-se independente e afastar-se das expectativas da sociedade. Com este estudo, ficamos a saber que as mulheres se mostram capazes de reconstruir a sua identidade após a perda do cônjuge. Vimos que não colocam de lado a sua identidade de esposa, apesar de terem consciência que a sociedade as vê como viúvas e não como esposas. A reconstrução da sua identidade não é a de esposa, mas sim uma identidade acrescida de esposa/viúva. Para Silverman, (1986) com o passar do tempo, a viúva abandonará o seu papel de esposa, adaptando-se e acomodando-se à sua nova situação. Este processo é feito através de várias fases e para facilitar o movimento através destas fases, a viúva precisa de aprender a encontrar novas formas de lidar com o passado e com a sua perda de um modo que lhe permita fazer a acomodação e adquirir uma nova identidade. A adaptação ou acomodação à perda ocorre quando as pessoas enlutadas desenvolvem estratégias capazes de as ajudar a lidar com este estado de transição. Na verdade, Silverman (1986) refere que as pessoas precisam de aprender a ser viúvas, tal como precisam de aprender a ser pais. Danforth e Glass (2001) acrescentam que, à medida que o tempo passa, a viúva vai aprendendo a viver sem o cônjuge, convivendo, restabelecendo-se social e emocionalmente e acomodando-se às mudanças surgidas na sua vida. Ao desenvolver esta capacidade de adaptação e de acomodação à perda, a viúva também cresce pessoalmente. Defensor desta perspetiva, Griffin (2001) considera que, por mais dolorosa que a experiência da perda possa ser, esta deve ser tolerada para que a mudança se incorpore assim como o crescimento pessoal. No entanto, nem todos estarão preparados, da mesma forma, para gerir esta mudança. A atitude das pessoas depende de vários aspetos, tais como a sua experiência com a mudança, da sua capacidade em aceitar a necessidade de mudança, do significado que o acontecimento tem para as suas vidas ou dos seus valores (Silverman, 1986). Deste estado de luto não se espera uma cura ou uma recuperação, mas antes uma acomodação ou uma mudança. Na verdade, uma pessoa não domina a dor deixando de se preocupar com a pessoa falecida, mas antes deve separar o que era fundamentalmente importante na sua relação e reabilitar esses aspetos. Ou seja, as pessoas não desistem do passado, mas mudam a sua relação com ele durante um longo período de tempo (Silva, 2004). Trata-se de um processo cognitivo em que a pessoa enlutada desenvolve novas estruturas para lidar com a nova situação, estabelecendo, desta forma, uma ligação entre 103 o passado, o presente e o futuro (Silverman, 1986). Ao redefinir o seu papel, o enlutado não deve esquecer o passado, mas antes encontrar uma forma de incorporar aspetos de relações passadas no presente e no futuro. Quando a morte ocorre o enlutado deve estar psicologicamente preparado para fazer a mudança da situação antiga para a nova, ou seja para fazer a mudança de papel (Silva, 2004). Contudo, esta mudança não é assim tão linear. Na verdade, a consideração atribuída ao novo papel social e a forma como é encarado pelo resto da sociedade, deve condicionar a mudança. Significa que as pessoas precisam de se sentir legitimadas como indivíduos no seu novo papel, ao mesmo tempo que têm que lidar com um possível estigma a ele associado. Para facilitar esta transição de papéis, Silverman (1986) sugere a criação de um modelo educacional adequado, de modo a facilitar a transição através do tempo, fazendo com que, desta forma, a viúva atinja novas perspetivas em relação ao seu comportamento e sentimentos e, assim, assuma gradualmente novos papéis e novas formas de se relacionar com ela própria e com o mundo que a rodeia. Como nem todas as pessoas conseguem processar o luto e fazer a transição de papéis devido à existência de fatores que podem dificultar este processo, escreveremos sobre os mesmos no capítulo seguinte. 104 PARTE III Natureza, fatores de adaptação e impacto do luto conjugal 105 No desenvolvimento desta terceira parte começaremos por abordar a questão relacionada com a natureza do luto, nomeadamente o que distingue um luto normal de um luto complicado bem como apreciações de alguns autores sobre a utilização destes conceitos. O segundo capítulo focar-se-á sobre alguns fatores que poderão influenciar o processo do luto e a forma como interferem no normal desenrolar deste processo. No terceiro e último capítulo faremos uma incursão pelo impacto que a experiência do luto provoca em alguns domínios da experiência da vida da pessoa enlutada, como é o caso da participação social. Cap.1 A natureza do luto: luto normal e luto complicado Vimos, nos capítulos anteriores, a influência de alguns aspetos desenvolvimentais no coping com o luto (uns protetores e outros problemáticos) e a forma como podem interferir no processo de adaptação à perda. De facto, se a maioria das pessoas processa o luto de uma forma bem-sucedida, experienciando momentos de saudade e de tristeza, existe uma minoria de indivíduos que experienciam um luto prolongado, debilitante e complicado (Shear & Shair, 2005). Distinguir um luto normal de um luto anormal tem sido algo que tem sido analisado e debatido na diversa literatura relacionada com esta temática, sendo o consenso em torno de uma definição clara de cada um destes conceitos, difícil de alcançar (Bonanno & Kaltman, 2001; Holland, Neimeyer, Boelen & Prigerson, 2008). Lindemann descreve-nos, deste modo, o desenvolvimento de um luto normal: “A duração das reações ao luto parece depender do sucesso com que cada pessoa faz o seu trabalho de luto, nomeadamente, a libertação dos laços que a unem à pessoa falecida, a readaptação a um ambiente sem a presença da pessoa falecida e a formação de novas relações” (1944, p. 143). Nesta descrição Lindemann parece reforçar o conceito de “trabalho de luto” de Freud ao assumir que a quebra dos laços com a pessoa falecida (desvinculação das memórias e lembranças da pessoa falecida) é necessária numa adaptação bem-sucedida. Para Horowitz e col. (2003), por seu lado, um luto normal pode envolver humores stressantes e turbulentos, assumindo-se que, com o passar do tempo, se atingirá um equilíbrio como resultado final. Prigerson e col. (2007) considera que, apesar de o luto normal poder ser doloroso e perturbador, a maioria dos indivíduos enlutados ultrapassa a sensação inicial de descrença e, gradualmente, aceita a perda como uma realidade. Esta aceitação reflete-se na capacidade das pessoas em continuarem as suas vidas com as suas atividades e rotinas. A descrição de sintomas de um luto normal, feita por Melges e DeMaso (1980) passa pela tristeza, insónia, perda de 106 peso e de interesse, dificuldades de concentração – sintomas semelhantes aos de uma depressão. Após contextualizar o estudo levado a cabo por Lindemann (1944), Worden (2002) constata que as reações associadas a um luto normal descritas nesse estudo ainda se verificam nos enlutados de hoje. Worden (2002) enumera os comportamentos que considera fazerem parte de um luto normal, alargando o número de comportamentos registados por Lindemann no seu artigo de 1944. Segundo Worden (2002), um luto normal envolve muita tristeza (o mais comum dos sentimentos), raiva, solidão, ansiedade, saudade, choque, descrença, confusão, sensação da presença do morto, perturbações, choro e sensações físicas, tais como um aperto no peito, fadiga muscular, falta de energia e sensibilidade ao barulho. Mas então, como poderemos identificar um luto normal e um luto anormal? Diferenciar luto normal de luto anormal (complicado, traumático ou patológico) não é uma tarefa fácil, porque, segundo Stroebe, Hansson, Stroebe e Schut (2001) as definições de luto complicado, patológico ou traumático procederam, não da teoria, mas de estudos empíricos e estes talvez tenham usado diferentes critérios para classificar as consequências do luto, sugerem Shear e Shair (2005). Esta tarefa de distinção entre luto normal e luto complicado constitui uma preocupação partilhada por outros investigadores, como é o caso de Middleton, Raphael, Martinek e Misso (1993). Stroebe, Schut e Stroebe (2005), atentos, apontam três razões para que esta preocupação se verifique: referem que o luto complicado não é uma patologia com critérios claros e específicos, agravada pela ausência de acordo entre cientistas quanto à definição de critérios para o diagnóstico de um luto patológico; que a linha que separa o luto normal do luto complicado é uma tarefa difícil; que é difícil diferenciar o luto patológico de outras perturbações relacionadas, como é o caso da depressão ou do stress póstraumático. Por seu lado, Sable (1992) acrescenta que o luto complicado é uma variante do luto normal. Caracteriza-se, segundo a mesma autora, pela incapacidade do individuo em constituir e manter relações satisfatórias com outros, pela dificuldade em fazer planos ou por apresentar uma saúde debilitada. Recuando no tempo, Freud (1917/2001) via o luto normal como um processo, através do qual, a pessoa enlutada de uma forma progressiva libertava a libido investida na relação perdida, preparando-a para ser reinvestida em novas relações. Freud (1917/2001) distinguiu entre “mourning” (luto) e “melancholia” (estado depressivo). A melancolia envolve um conjunto de sintomas caracterizados por um profundo abatimento, perda de interesse pelo mundo exterior, perda de capacidade de amar, uma 107 diminuição de sentimentos de autoestima de tal forma, que este abatimento se reflete no surgimento de remorsos e no auto insulto. O luto é a reação à perda de uma pessoa querida ou de alguma abstração, como o país ou o emprego. O estado de luto é caracterizado, segundo Freud (1917/2001), pelas mesmas atitudes do estado melancólico, com exceção de uma que se encontra presente neste último estado – a autoestima – e não se encontra no estado do luto. Neste último a pessoa enlutada vê-se a si própria como alguém que espera ser rejeitado e castigado, uma vez que se sente como alguém desnecessário à sociedade e portador de uma moralidade suspeita, digna de desprezo: “O paciente representa-nos o seu ego como inútil incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; repreende-se e insulta-se a si próprio e espera ser rejeitado e castigado” (Freud, 1917/2001, p.246). Enquanto no trabalho do luto é o mundo exterior que fica vazio e sem interesse, no estado melancólico é o próprio ego. A explicação para esta situação reside no facto de que a pessoa enlutada transferiu para si própria as autorrecriminações e os remorsos da pessoa falecida, não conseguindo desvincular-se dela, dando, por isso, lugar a um luto de natureza patológica: “Em algumas pessoas as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto e nós, por conseguinte, suspeitamos de um estado patológico” (Freud, 1917/2001, p.243). Contudo, relativamente ao estado do luto, Freud refere nunca lhe ter ocorrido olhar para este estado como patológico nem indicá-lo para tratamento médico. Acrescenta esperar que o mesmo seja ultrapassado após um certo período de tempo. O luto patológico pode apresentar-se sob a forma de duas variantes: luto adiado e luto crónico. Luto adiado O período de um luto adiado pode durar semanas ou anos (Middleton, Raphael, Martinek & Misso, 1993). As reações de um luto adiado são, por vezes, chamadas de inibidas ou suprimidas. Worden (2002) explica que, perante situações de um luto adiado, a pessoa pode ter tido uma reação emocional no momento da perda, mas não suficiente para a perda. No futuro, esta mesma pessoa, perante uma outra perda, pode ver o seu sofrimento ser tal que o seu luto se pode tornar excessivo. Uma possível explicação para este facto parece residir no retorno ao confronto dos laços estabelecidos com uma figura de vinculação anterior. Nas palavras de Bowlby: “ (…) quando se perde a pessoa por quem estamos, atualmente, ligados é natural que procuremos o conforto numa figura de vinculação anterior” (1980, p.160). Sobre este tipo de luto, Bowlby (1980) afirma que as pessoas com luto adiado são pessoas autossuficientes, 108 orgulhosas da sua independência e autocontrolo. Conduzem a sua vida como se nada tivesse acontecido orgulhando-se disso. São pessoas ocupadas e eficientes e parecem aparentar que estão a confrontar a perda com sucesso. Para Weizman e Kamm (1987) o luto adiado verifica-se quando o indivíduo recusa e reprime os sentimentos. Casement (1999) considera que estes sentimentos continuam numa espécie de “lista de espera”, causando danos à pessoa enlutada, sem que esta tenha consciência disso. Weizman e Kamm (1987) sustentam que esta repressão de sentimentos não durará para sempre e que “No futuro, o sistema defensivo irá, eventualmente falhar e continuará a ser necessário fazer o trabalho de luto” (p.104). Luto crónico O luto crónico é descrito por Bowlby (1980) como uma resposta emocional intensa, prolongada e invulgar, em que a tristeza está ausente, mas a raiva e a autorrecriminação dominam e persistem. As consequências repercutem-se na incapacidade do enlutado em retomar a sua vida, que se torna desorganizada. A depressão surge como principal sintoma deste tipo de luto (Bowlby, 1980). Worden (2002) define a reação de um luto crónico como aquela que é excessiva na sua duração e nunca atinge um resultado satisfatório. Sem se fixar nos sintomas, Worden aconselha uma avaliação dos fatores que poderão influenciar o surgimento deste tipo de reações, como o estilo de vinculação ou as circunstâncias da morte. A este propósito, Bowlby salientou alguns fatores associados a um luto crónico “ (…) a morte repentina, uma resposta tardia, pesadelos relacionados com a morte, desavenças com familiares e outros, tentativas de escapar da situação e, antes da perda, o surgimento da história de uma infância mal resolvida” (Bowlby, 1980, p. 149). Este tipo de luto pode envolver, segundo Stroebe, Schut e Stroebe (2005), a ruminação, preocupação com pensamentos acerca da pessoa falecida e uma disposição depressiva. Estes dois tipos ou variantes do luto (luto adiado e luto crónico), segundo Bowlby (1980), apresentam aspetos comuns, apesar de se apresentarem como opostos. Para ambos, a perda é uma realidade, no entanto, reversível, isto é, a urgência da procura da pessoa falecida pode continuar a ocupar a mente do enlutado; a tristeza continua ausente e em ambos o processo do luto encontra-se incompleto. Indo de encontro ao que Worden (2002) refere sobre as reações relacionadas com um luto crónico, vários autores (Melges & DeMaso, 1980; Middleton, Raphael, Martinek & Misso, 1993; Stroebe et col., 2000; Bonanno & Kaltman, 2001) sustentam que a patologia do luto se encontra mais intrinsecamente relacionada com a intensidade 109 de uma reação ou com a sua duração, que com a presença ou ausência de sintomas específicos ou comportamentos, através de uma relação contínua entre as reações normais e anormais do luto, entre o luto complicado e não complicado. Poderíamos, talvez, representar esta última ideia através da ligação entre o luto normal e o luto patológico. Num esforço para esclarecer a diferença entre um luto complicado e um luto não complicado, Prigerson (2004) expõe uma conceptualização muito própria de luto complicado referindo que os enlutados que conseguem orientar as suas vidas, construindo novos sentidos e seguindo em frente, não apresentam complicações no processo de luto. Estes indivíduos têm um sentido de identidade, confiam no outro e reinvestem na formação de relações interpessoais. Podem, no início do processo de luto, experienciar sintomas de luto complicado, mas seis meses depois da perda, registam melhorias na sua capacidade de focarem a sua atenção noutras coisas e continuar a vida para além da perda. Já os indivíduos com um luto complicado apresentam um conjunto de sintomas que duram para além dos seis meses. Este conceito de luto complicado tem vindo a ganhar alguma notoriedade ao longo dos últimos dez, quinze anos insurgindo-se como uma perturbação psicológica distinta das reações normais à perda (Lichtenthal, Cruess & Prigerson, 2004). Perturbação Prolongada do Luto Atualmente, no Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais IV (2002) o luto é entendido como uma experiência normativa e, embora, distinga o luto normal de qualquer outra perturbação, como a Depressão Major ou o Stress PósTraumático, não reconhece que o luto pode, igualmente, tornar-se uma perturbação de natureza patológica. Do mesmo modo, não apresenta formas que auxiliem na distinção de sintomas característicos de um luto normal daqueles que não são (Bonanno & Kaltman, 2001). E, porque os sintomas de luto se sobrepõem com condições médicas, como a depressão, atribui-se ao luto normal uma condição patológica (Sable, 1992). Trata-se de um manual com todas as perturbações mentais listadas, constituindo um instrumento de consulta, usado por médicos psiquiatras e outros profissionais de saúde mental, para diagnosticar doenças mentais. A inclusão do luto patológico ou complicado em futuras edições deste manual tem sido alvo de diversos debates descritos na literatura da especialidade (Stroebe, e col., 2000; Stroebe, Schut & Finkenauer, 2001; Prigerson, Vanderwerker & Maciejewski, 2007; Prigerson, e col., 2009). Na sua análise do manual, Prigerson, Vanderwerker e Maciejewski (2007) 110 observaram que, relativamente ao luto, existe um único parágrafo centrado nos sintomas de depressão (ex: excesso de culpa, pensamentos sobre a morte) após a morte de uma pessoa significativa. Estes sintomas orientam os clínicos a diagnosticar uma Perturbação Depressiva Major se os referidos sintomas forem experienciados durante dois ou mais meses após a perda. A diferenciação entre a Perturbação Prolongada do Luto e outras perturbações tem sido alvo de alguma investigação que tem sustentado a ideia de que realmente apresentam sintomas diferentes. Golden e Dalgleish (2010) consideram ser uma questão central a distinção dos sintomas da Perturbação Prolongada do Luto de outras perturbações como o Stress Pós-Traumático. Golden e Dalgleish (2010) numa pesquisa por eles efetuada sugerem que os sintomas da Perturbação Prolongada do Luto são diferentes da ansiedade e da depressão relacionada com o luto. No mesmo sentido, Boelen e Prigerson (2007) descobriram que a Perturbação Prolongada do Luto era distinta da depressão e ansiedade e que, no futuro, conduzia a uma diminuição na qualidade de vida e na saúde mental dos enlutados. A consideração de outros sintomas indicadores de um luto complicado, prolongado, continua ausente do manual. São, no entanto, muitas as vozes que defendem a necessidade do estabelecimento de critérios estandardizados para o diagnóstico de um luto complicado. É o caso de Lichtenthal, Cruess e Prigerson (2004) que sustentam esta necessidade na promoção de uma prevenção de problemas de saúde, psicológicos e físicos, que estão associados aos sintomas deste tipo de luto, como por exemplo a ideação suicida, presente numa elevada percentagem, em pessoas com luto complicado. O termo “Perturbação Prolongada do Luto” (Prolonged Grief Disorder) referese a sintomas específicos do luto, diferentes daqueles relacionados com uma Depressão Major. Prigerson, Vanderwerker e Maciejewski (2007) colocaram de parte o termo “traumático”, a que atribuem um sentido pejorativo, e o termo “complicado” a que atribuem o significado “difícil de analisar e de explicar”, apesar de no passado já ter tido esta denominação (Holland, Neimeyer, Boelen & Prigerson, 2008). O termo “prolongado”, segundo Prigerson, Vanderwerker e Maciejewski (2007) capta melhor a natureza da perturbação, a qual se caracteriza por um conjunto persistente de sintomas de luto identificados em indivíduos enlutados com dificuldades significativas em se adaptarem à perda. Apesar de a persistência de sintomas ser um “marcador” importante, os autores do instrumento que mede a Perturbação Prolongada do Luto (PPL-13) esclarecem que isso não deve ser entendido como sendo o único indicador da natureza 111 patológica do luto (Prigerson, Vanderweker & Maciejewski, 2007), como veremos mais adiante. A Perturbação Prolongada do Luto caracteriza-se pela experiência de uma intensa saudade pela pessoa que morreu. As pessoas enlutadas sentem-se amargas e desejam, desesperadamente, voltar atrás no tempo, para se reunirem com a pessoa falecida. Preocupam-se com a sua tristeza e arrependimento em relação à perda. Sentem-se incapazes em concentrarem-se em coisas para além daquelas relacionadas com a perda. Sentem que a sua vida não tem significado sem a pessoa falecida e encontram bastantes dificuldades em seguir em frente com as suas vidas, constituindo novas relações e desempenhando tarefas ou atividades compensadoras. Boerner e Schulz (2009) definem de uma forma sintética esta perturbação do luto, referindo que esta se caracteriza por uma saudade imensa pela pessoa falecida, pensamentos intrusivos e recorrentes acerca da sua ausência, tornando difícil a vivência de uma vida, a construção de relações interpessoais e a participação em atividades recompensadoras. Este conjunto de sintomas foi agrupado em cinco critérios propostos para a identificação de Perturbações Prolongadas do Luto e que são os seguintes (Prigerson, Vanderweker & Maciejewski, 2007; Prigerson, e col., 2009): Critério A - A pessoa tem que ter experienciado uma perda de uma pessoa querida – luto; Critério B - Angústia da Separação – a pessoa enlutada tem que experienciar, pelo menos, um dos seguintes sintomas diariamente ou de uma forma intensa: pensamentos intrusivos acerca da pessoa falecida; revelar momentos intensos de angústia pela separação ou um desejo muito forte por aquilo que perdeu, ou seja tem que passar pela experiência diária de, pelo menos, dois dos sintomas referidos; Critério C – Sintomas cognitivos, emocionais e comportamentais – a pessoa enlutada tem que experienciar cinco dos seguintes sintomas pelo menos “uma vez por dia” ou “Com frequência”: confusão acerca do seu papel na sociedade; dificuldade em aceitar a perda; evitamento de recordações acerca da realidade da perda; incapacidade para confiar nos outros desde a perda; amargura ou raiva desde a perda; dificuldades em prosseguir com a sua vida; ausência/dormência de emoções desde a perda; sentimentos de que a vida é um vazio, de insatisfação, de ausência de sentido; sentimentos de choque, de atordoamento, de estupefação provocados pela perda; Critério D – Duração – os sintomas de angústia da separação têm que durar, pelo menos, seis meses. 112 Critério E – Diminuição do desempenho – as perturbações anteriores provocam uma diminuição do desempenho em várias áreas: sociais, ocupacionais ou noutros domínios importantes do funcionamento, como as responsabilidades domésticas. Estes critérios de diagnóstico são propostos por Prigerson, Vanderweker & Maciejewski (2007) para inclusão no DSM-V e resultam de um consenso entre a evidência empírica e um conjunto de especialistas em luto (Prigerson, Vanderweker & Maciejewski, 2007). Um olhar mais atento destes critérios, facilmente deteta algumas identificações com o Modelo Dual de Processar o Luto, especialmente no quarto critério que engloba aspetos centrais da orientação para a perda, por exemplo. É o caso da não aceitação da perda ou da saudade imensa da pessoa falecida. É que, o Modelo Dual de Processar o Luto também nos fornece uma explicação para possíveis perturbações observadas no movimento de oscilação. Parece-nos, também, que a centralidade dos aspetos vinculativos no conjunto dos sintomas parece apontar para a influência destes na vulnerabilidade para o Luto Complicado ou melhor dizendo, para uma Perturbação Prolongada do Luto. A Natureza do Luto no Modelo Dual de Processar o Luto As formas complicadas do luto encontram neste modelo uma sustentação baseada numa perturbação do movimento oscilatório. Segundo o Modelo Dual de Processar o Luto, os indivíduos com um luto crónico focam sua atenção e preocupação nos stressores orientados para a perda, evidenciando pouca ou nenhuma oscilação entre os stressores orientados para a perda e para o restabelecimento. Já os indivíduos com um tipo de luto adiado focam a sua atenção, quase exclusivamente, nos stressores orientados para o restabelecimento, mostrando uma ausência quase total de dor ou sofrimento no início da perda, evitando, portanto, lidar com os stressores orientados para a perda e, deste modo, não oscilando entre os dois tipos de stressores continuando a viver como se nada tivesse acontecido (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). O processo de confronto-evitamento, característico da oscilação e associado à adaptação, encontra-se ausente nestas formas complicadas do luto. 1.2. Síntese Podemos constatar que a busca por uma explicação que nos ajude a distinguir uma boa adaptação ao luto de uma menos bem-sucedida tem já uns longos anos. Vimos como vários autores definem as experiências do luto, cada um tentando contribuir para a distinção entre o luto normal e luto complicado. Contudo, de entre a literatura por nós 113 consultada pudemos observar algum consenso entre as denominações dos vários subtipos ou variantes de luto patológico ou complicado. Desde luto distorcido (Lindeman, 1944) até ao luto adiado, ausente, crónico, inibido e luto não resolvido (Bowlby, 1980; Middleton, Raphael, Martinek & Misso, 1993; Stroebe, Hasson, Stroebe & Schut, 2001; Worden, 2002; Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). O luto parece propor, quase que um conflito permanente entre a procura de uma condição anterior – presença da pessoa falecida – e a necessidade de aprender a viver com a sua ausência, de uma forma permanente. Este conflito não é de fácil resolução daí que surjam, muitas vezes, lutos complicados ou prolongados, muitas vezes difíceis de determinar ou diagnosticados com base em diferentes critérios. O surgimento de um conjunto de critérios capazes de diagnosticar perturbações no processo de luto, traduzido num instrumento estandardizado, constitui um dos últimos desenvolvimentos na tentativa de incluir a experiência do luto no DSM – V e, deste modo, ser utilizado uniformemente por todos os profissionais de saúde com base em critérios idênticos. Cap.2 Fatores de adaptação do luto conjugal Um dos traços característicos dos modelos teóricos que já aqui revimos é que não teorizam, nem deles se conhecem dados empíricos, acerca do luto numa perspetiva de ciclo de vida. Significa que parecem ter olhado para luto a partir de uma pessoa prototípica que dificilmente representa com precisão a experiência de pessoas em diferentes momentos do ciclo de vida. Neste capítulo abordaremos os fatores de adaptação capazes de influenciar o curso do processo de luto apenas nos adultos idosos. Examinaremos um conjunto de pesquisas e de estudos bem como os conhecimentos que deles resultaram, respeitantes a estes fatores e à sua importância no processo de adaptação dos adultos idosos. Veremos que muita da pesquisa realizada tem tentado identificar características pessoais e contextuais, possivelmente associadas a uma vulnerabilidade no coping com o luto, com o objetivo de entender porque é que o luto afeta as pessoas de diferentes formas (Stroebe, Folkman, Hansson & Schut, 2007). Algumas das investigações que a seguir apresentamos baseiam-se em dados fornecidos por um estudo realizado nos Estados Unidos – CLOC (Changing Lives of Older Couples) entre junho de 1987 e 1993. Em termos gerais este estudo envolveu adultos idosos (homens e mulheres) com 65 e mais anos de idade e pretendia saber mais acerca do luto conjugal nesta população. Os dados foram obtidos longitudinalmente ao longo de 6, 18 e 48 meses após a perda e a amostra foi entrevistada antes e depois da perda (Carr & Utz, 2002; Carr e col., 2000; Carr, House, Wortman, Nesse & Kessler 114 2001). Um grupo de controlo também fez parte do estudo. O número de participantes e a duração do estudo (6, 18 ou 48 meses) foram definidos conforme os objetivos de cada investigação. Segundo Hansson e Stroebe (2007) vários artigos sobre o luto publicados a partir desta pesquisa são especialmente interessantes. 2.1.Idade Num estudo de 1976, Justine Ball dá-nos conta que a idade constitui um fator importante relacionado com a intensidade das reações ao luto, tendo encontrado na população de viúvas mais jovens valores mais elevados de sintomas relacionados com esta variável como por exemplo, uma maior irritabilidade. Do mesmo modo, e mais recentemente, Kersting, Brähler, Glaesmer e Wagner (2011) verificaram que numa amostra de adultos enlutados, os que tinham 61 e mais anos de idade apresentavam uma maior probabilidade de desenvolver um luto complicado quando comparado com um grupo mais jovem também enlutado. Segundo Stroebe e Schut (1993) poderia parecer plausível que o luto trouxesse piores consequências para os mais idosos em oposição aos mais jovens. Contudo este não parece ser o caso, porque o luto parece afetar de uma forma mais acentuada os grupos mais jovens, para quem as consequências são mais severas. A idade e a saúde estão assim inversamente relacionadas (Stroebe & Schut, 1993). Para Stroebe e Schut (2001) pouco se sabe sobre as razões deste maior impacto do luto na saúde dos mais jovens. Estes autores avançam que esta evidência talvez se deva às circunstâncias da morte, isto é, ao facto de a morte ser repentina ou esperada. Na verdade, as mortes nos grupos de idade mais jovens apresentam maiores probabilidades de serem repentinas ou inesperadas que nos grupos mais idosos. Stroebe e Schut (2001) afirmam que nos jovens adultos (25 - 44 anos) os acidentes lideram as causas de morte, enquanto nos adultos idosos as doenças do coração e os cancros constituem as principais causas de morte. As circunstâncias da morte emergem como mediadoras do impacto da idade nas consequências do luto. No mesmo sentido, Sanders (1993) apresenta-nos a idade como um fator de risco para as consequências do luto. Afirma ser expectável que as pessoas idosas, em geral, apresentem consequências mais sérias relacionadas com a saúde. Contudo, tendo como referência um estudo por ela realizado, nem sempre é este o caso, ou seja, ser idoso não contribui diretamente para o surgimento de sintomas de sofrimento, mas sim para o aparecimento de variáveis debilitantes que atingem as pessoas idosas, como a solidão ou o medo. Numa revisão de literatura Balkwell (1981) constatou que a aceitação da perda é maior entre as pessoas que ficam viúvas numa 115 idade mais tardia que entre aquelas que ficam viúvas numa idade mais jovem. A idade em que a perda ocorre, parece pois constituir um fator de adaptação à perda. Numa outra revisão de literatura, esta mais recente, Stroebe, Schut e Stroebe (2007) constataram a existência de um risco de mortalidade maior entre os enlutados mais jovens quando comparados com os mais velhos. Como é que as mulheres adultas idosas diferem das mulheres de outros grupos de idade, no que respeita à experiência do luto? Os resultados dos estudos, que a seguir descrevemos, poderão ajudar-nos na resposta a esta questão. Num estudo realizado por Nolen-Hoeksema e Ahrens (2002) pretendeu-se examinar a relação entre alguns acontecimentos ou preocupações e os sintomas depressivos numa amostra de adultos (adultos jovens, adultos e adultos idosos). As idades estavam compreendidas entre os 35 e os 75 anos num total de 1132 participantes. No que respeita aos acontecimentos de viuvez, esta foi associada de uma forma significativa a valores de depressão mais elevados para os adultos em comparação com os adultos idosos. Um outro dado obtido deste estudo e ainda relacionado com a viuvez, teve que ver com o número de perdas sofridas no ano anterior ao estudo. Apesar de ser mais comum, entre os adultos idosos, a perda de amigos, de familiares ou do cônjuge, o número de perdas no ano anterior à perda esteve significativamente associado a sintomas depressivos somente no grupo jovem. Um resultado que parece ir de encontro à ideia de que as perdas não normativas ou com menos probabilidade de acontecerem são causadoras de maior stress que aquelas consideradas normativas ou esperadas e que são mais comuns numa idade mais avançada (Stroebe & Schut 2001). Num outro estudo, em que se avaliou a relação entre o risco de mortalidade após a perda do cônjuge, entre a idade da pessoa enlutada e as circunstâncias da morte apurou-se que, para as mulheres viúvas idosas (com 65 e mais anos de idade), o risco de mortalidade é menor quando comparado com o grupo de mulheres casadas e quando a morte do cônjuge se ficou a dever a doença prolongada (Smith & Zick, 1996). Os cônjuges mais jovens, cujas mulheres morreram de forma repentina foram os que apresentaram níveis mais elevados de risco de mortalidade. De uma forma mais específica Smith e Zick (1996) constataram que o risco de mortalidade diminuía de uma forma substancial para os adultos viúvos idosos. Enquanto o risco de mortalidade diminuía com a idade para os adultos idosos viúvos (quando a morte era repentina), para os adultos idosos cuja morte do cônjuge era esperada, o risco de mortalidade aumentava. Relativamente às mulheres viúvas idosas o estudo revelou que estas 116 apresentaram valores mais baixos de mortalidade, independentemente das circunstâncias da morte, quando comparados com os valores das participantes casadas. Os resultados destes dois últimos estudos levam-nos a concluir que é no grupo dos viúvos mais jovens que o risco de mortalidade é maior. Com a finalidade de comparar o grau de semelhança entre o luto experienciado por cônjuges de doentes portadores de uma doença terminal antes (luto antecipado) e depois da perda (luto convencional) que Gilliland e Fleming (1998) realizaram este estudo. A amostra desta investigação envolveu a participação de 93 indivíduos casados (59 mulheres e 34 homens) entrevistados antes e depois da perda. O participante mais novo tinha 24 anos e o mais velho 81. Das entrevistas efetuadas, emergiram resultados que distinguiram as reações ao luto dos participantes mais novos e dos mais velhos. Os participantes mais novos experienciaram não só níveis mais elevados de ansiedade da morte, na primeira e na segunda entrevista, como também revelaram valores mais elevados de perceção de controlo da perda na segunda entrevista. Por outro lado, os dados referentes à população mais idosa revelaram valores superiores de negação nos dois momentos das entrevistas e um isolamento social acentuado no segundo momento da entrevista, ou seja, após a perda. Parece-nos que os resultados se coadunam com o que a literatura tem sugerido, isto é, os níveis elevados de ansiedade e de angústia junto da população mais jovem indicam uma espécie de injustiça e de não normatividade da perda nestas idades, mesmo quando se trata de uma perda anunciada. Por outro lado, o facto de em idade avançada se considerar que as perdas apresentam uma maior probabilidade de acontecer e de que perante uma morte anunciada, haver lugar a uma preparação emocional prévia, não isentou os cônjuges enviuvados do estudo, de apresentarem um maior isolamento social e sentimentos de negação após a perda. A idade, neste estudo, talvez tenha funcionado como um fator capaz de influenciar as reações à perda, uma vez que idades mais jovens e idades mais avançadas produziram reações distintas. 2.2.Género O estudo do impacto da variável género no processamento do luto é necessário, é útil e conduz a uma melhoria na intervenção junto das pessoas enlutadas (Stroebe, 1998). Mas a questão sobre quem melhor consegue lidar com o luto, se o homem ou a mulher tem sido, largamente, debatida na literatura (Stroebe & Stroebe, 1983; Bennett, Hughes & Smith, 2003; Carr, 2004). Numa revisão de literatura sobre os fatores de risco Stroebe e Schut (2001) constataram que ser homem constitui um fator determinante para 117 as consequências do luto. Comparando homens casados com homens viúvos, verificaram que estes últimos experienciavam níveis mais elevados de depressão, a curto prazo, e valores mais elevados de mortalidade. Da mesma forma, Stroebe (1998) numa revisão da literatura mostrou que apesar de viúvos e viúvas sofrerem com a experiência do luto, os viúvos apresentam consequências mais severas que as viúvas. Os valores de mortalidade parecem constituir um forte suporte para se poder afirmar que os homens sofrem relativamente mais com as consequências da viuvez (quando comparados com homens não enlutados) que as mulheres (Stroebe, Stroebe & Schut, 2001). As conclusões retiradas de uma revisão da literatura permitiram a Stroebe, Stroebe e Schut (2001) afirmar que o luto conjugal se encontra associado a uma crescente morbilidade e mortalidade para homens e mulheres, sendo que os homens se apresentam mais vulneráveis às consequências relacionadas com a saúde que as mulheres, durante o período inicial do luto. Parece, no entanto, que estas evidências não são partilhadas por todos os investigadores. Stroebe e Stroebe (1983) alertam para o facto de haver pouco consenso nas conclusões de estudos sobre quem sofre mais (homem ou mulher) e sobre se realmente existem diferenças de género na vulnerabilidade associada às consequência da perda do cônjuge. Procurando uma resposta que pudesse esclarecer esta falta de consenso, os autores analisaram vários estudos empíricos com o objetivo de analisar os efeitos do género na saúde das pessoas enlutadas (depressão, angústia psicológica, mortalidade, doença mental e física e suicídio). Verificaram haver uma convergência nos resultados obtidos que demonstraram serem os homens os mais sofredores relativamente às reações do luto conjugal e que tal facto se devia ao apoio social: níveis mais elevados para as mulheres que para os homens. Já em 2003, Manor e Eisenbach, demonstraram que a percentagem de mortalidade entre os homens enlutados (comparados com homens não casados) era inferior à das mulheres, numa amostra de pessoas adultas enlutadas por viuvez. Verificaram, ainda, que a mortalidade, como consequência da perda, diminuía com a idade para os homens. Já Manzoli, Villari, Pirone e Boccia (2007) que analisaram os resultados de 53 estudos publicados entre 1995 e 2005, incluindo mais de 250.000 pessoas idosas e que pretenderam observar a associação entre o estado civil e o risco de mortalidade entre indivíduos idosos, não encontraram diferenças de género no que concerne à relação entre a viuvez e a mortalidade nos indivíduos enlutados, quando comparados com o grupo de controlo de indivíduos casados. A mortalidade foi alvo de um estudo efetuado em 1967 por Rees e Lutkins com 118 o objetivo de averiguar se o luto produzia um aumento da mortalidade entre as pessoas enlutadas por morte de parentes próximos (cônjuge, pais, filhos, parentes). O estudo incidiu sobre um período de 6 anos (a partir de 1 de janeiro de 1960) numa área semirrural com uma população de 5.184 pessoas. Neste período de tempo morreram 488 pessoas, das quais apenas 371 tinham parentes a viver na área do estudo. Estes formaram a amostra da pesquisa. Quando estes 371 residentes morreram constatou-se que tinham um total de 903 parentes a viver na área do estudo. O grupo de controlo foi constituído por 878 parentes não enlutados. Rees e Lutkins (1967) verificaram que 4.76% dos parentes enlutados e 0.68% do grupo de controlo morreram no período de um ano. Durante os primeiros dois anos de luto o nível de mortalidade para as pessoas enviuvadas no grupo dos enlutados, foi maior que aquele verificado para os que pertenciam ao grupo de controlo. De entre as pessoas viúvas mais recentes, 12.2% morreram durante o primeiro ano de luto, contra 1.2% do grupo de controlo. Rees e Lutkins (1967) observaram que os níveis de mortalidade dos homens viúvos eram superiores aos níveis das mulheres viúvas. Com efeito, 19.6% dos homens viúvos morreu durante o primeiro ano após a perda, contrastando com os 8.5% de mulheres viúvas. Neste estudo os homens apresentaram níveis superiores de mortalidade relativamente às mulheres. Com o objetivo de conhecer a visão dos homens sobre quem melhor lida com o luto, Bennett, Hughes e Smith (2003) entrevistaram um grupo de 45 homens viúvos com idades compreendidas entre os 55 e os 95 anos e um grupo de 46 mulheres nas mesmas condições que os homens. Respondendo à pergunta: “Quem lida melhor, homens ou mulheres?” as respostas obtidas foram unânimes em afirmar que são as mulheres e que este facto se deve às capacidades domésticas das mulheres. São estas capacidades que permitem às mulheres obter melhores resultados que os homens no coping com o luto. Quer homens, quer mulheres concordaram que é a dificuldade que os homens demonstram em expressar as suas emoções, a par das menores capacidades domésticas, que os tornam menos capazes de processar o luto com sucesso. Os homens consideram, ainda, que a capacidade exibida pelas mulheres para falar e socializar lhes permite processar a perda com mais sucesso. Os resultados deste estudo parecem remeter para o impacto que a definição de papéis sociais entre homens e mulheres provoca no coping com o luto entre os dois géneros. Bennett (1997) reviu investigação relacionada com os efeitos (saúde física e mental, participação social, convívio e moral) da viuvez em mulheres adultas idosas a 119 médio e a longo prazo. Apesar de ter constatado que os estudos longitudinais sobre os efeitos da viuvez nos adultos idosos não são muitos, esta autora concluiu que os efeitos produzidos pela perda na saúde mental, continuam a fazer-se sentir por vários anos após a perda nos adultos idosos. Foram observados níveis elevados de depressão e uma saúde mental mais pobre. Este estado depressivo, verificou-se que diminuía ao longo dos anos, ao contrário da moral que aumentava. A participação social e o convívio permanecem inalteráveis no médio prazo, tal como a saúde física. Num outro estudo, semelhante ao anterior, realizado por Bennet (1998) em relação a homens viúvos idosos, os resultados mostram, também, haver uma diminuição na saúde mental dos homens e um aumento da depressão, conduzindo esta última a uma diminuição na participação social dos homens, em contraste com a participação social das mulheres que não é alterada, mas que a longo prazo diminui, só como função da idade e não da viuvez (Bennett, 1997). Parece, pois, que ao longo do tempo, a depressão, como consequência da viuvez, acarreta consequências mais negativas para os homens idosos do que para as mulheres idosas. Um outro estudo, realizado por van Grootheest, Beekman, van Groenou e Deeg (1999), com uma amostra de adultos idosos com idades entre os 55 e os 85 anos (M= 70.8 e DP =8.7 para os homens e M=70.5 e DP= 8.8 para as mulheres) e adultos idosos casados (grupo de controlo), pretendeu averiguar a influência da viuvez nas taxas de depressão entre homens e mulheres enviuvados, ao longo do tempo, bem como se o género, o tempo de viuvez, o suporte social, preocupações financeiras ou domésticas poderiam explicar essa relação. Os resultados apontaram para 3 conclusões; (1) a interseção do género com o estatuto conjugal só explicava os sintomas depressivos se a viuvez tivesse ocorrido há mais de 4 anos em desfavor dos homens viúvos; (2) a interseção do género e do estatuto conjugal explicava (a) o suporte instrumental recebido em favor das mulheres viúvas. (b) a menor satisfação com o vencimento das mulheres viúvas e (c) a maior realização de tarefas domésticas leves pelos homens viúvos e uma menor realização destas tarefas leves pelas mulheres; finalmente (3) confirmou-se a hipótese já veiculada por estudos prévios de que a viuvez está positivamente associada à depressão; mas também se verificou uma capacidade preditiva das variáveis “estado funcional” e “número de doenças crónicas” em predizer positivamente os valores da depressão de pessoas viúvas de ambos os sexos; o tamanho da rede social e a satisfação com o vencimento auferido predizem de forma inversa os valores da depressão; adicionalmente, há variáveis, nomeadamente o suporte 120 instrumental e emocional recebido que predizem, respetivamente, de forma direta e inversa, os valores da depressão nos homens viúvos; por seu lado a ajuda nas tarefas domésticas prediz positivamente os valores da depressão nas mulheres viúvas. Por último, as variáveis "trabalhos domésticos leves" e trabalhos domésticos pesados" bem como a "idade" não apresentaram qualquer poder preditivo dos valores da depressão. Para Carr (2004) o estudo dos efeitos do género e da independência conjugal em pessoas enlutadas pode ter importantes implicações no entendimento de amostras atuais e futuras de pessoas idosas enlutadas. O estudo que (Carr, 2004) realizou baseou-se em dados do CLOC, envolvendo participantes com idades iguais e superiores a 65 anos de idade. Pretendeu examinar de que forma a dependência instrumental e emocional do cônjuge, anterior à perda, afetava e influenciava a adaptação à perda. Para tal, formou duas amostras: a primeira era constituída por 297 pessoas divididas por pessoas viúvas e por pessoas casadas (210 viúvas e 87 casadas); a segunda amostra era constituída só por homens viúvos (59) e mulheres viúvas (151). Os participantes foram entrevistados antes e 6 meses após a perda. Carr (2004) observou que a viuvez beneficiava a autoestima das mulheres e deteriorava a autoestima dos homens. Verificou, ainda, que as mulheres viúvas apresentavam uma maior autoestima que as mulheres casadas. Carr (2004) considera que autoestima se encontra condicionada à natureza emocional da relação conjugal, ou seja, a diferença nos níveis de autoestima entre as mulheres casadas e viúvas aumenta à medida que a dependência emocional do cônjuge também aumenta. Carr (2004) verificou que as mulheres viúvas que apresentavam níveis elevados de dependência dos seus cônjuges e que conseguiram gerir a sua vida de uma forma independente, após a perda, experienciaram benefícios psicológicos, como a autoestima. Ser dependente parece pois, constituir um aspeto positivo. Os efeitos do género nas respostas psicológicas à viuvez em idade avançada foram estudados por Bennett, Hughes e Smith (2005) junto de uma amostra de 46 homens e 46 mulheres com idades iguais e superiores a 55 anos de idade. Verificaram que os homens recebiam mais apoio e suporte. Já as mulheres forneciam mais suporte, ajudando outros e voluntariando-se para o trabalho. Contrariamente aos homens, as mulheres sofriam mais alterações/mudanças nas suas relações de amizade, sendo, por exemplo, afastadas pelas suas amigas casadas. Outras encontravam conforto junto de outras mulheres viúvas. Voltar a casar constituiu mais um desejo dos homens que das mulheres. A depressão foi reportada mais pelos homens que pelas mulheres. Numa pesquisa realizada por Peggy e Kalyani (2001) sobre a forma como as 121 viúvas em Singapura experienciam a sua viuvez os resultados mostram o reflexo da relação conjugal. Peggy e Kalyani (2001) constataram que 10,3% dos viúvos estavam preocupados com as tarefas diárias, enquanto só 7,3% das viúvas apresentavam essa preocupação. Em relação às questões financeiras, verificou-se o contrário, ou seja 24,7% das viúvas contra 16,2% de viúvos. Carr e Utz (2002) consideram, a este propósito, que para os homens e mulheres socializados com um casamento tradicional em que predominam os papéis tradicionais associados ao género, a viuvez pode representar a perda de uma gerente da casa e de uma confidente para os homens e a perda de alguém que tomava as decisões e de um recurso financeiro, para as mulheres. Esta divisão tradicional de papéis coloca, pois, diferentes desafios para viúvos e viúvas. Como será, então, que viúvos e viúvas reorganizam a sua vida após a morte do cônjuge? Carr (2006) revela-nos que os viúvos se sentem mais motivados para voltar a casar que as viúvas, procurando novas companheiras logo após a morte do cônjuge. Esta atitude constitui uma forma de recuperarem da solidão e da tristeza provocadas pela perda. Já as viúvas preenchem o vazio emocional deixado pela perda, estabelecendo relações com amigos, crianças, familiares ou participando em atividades diversas. Num estudo efetuado com viúvas e viúvos idosos, Davison (2002) afirma que as mulheres não desejam voltar a casar, porque não desejam tomar conta de outro homem, que tiveram um casamento feliz e que o seu marido não podia ser substituído. Já os homens revelaram um desejo maior de voltar a estabelecer uma relação romântica de preferência com mulheres mais novas. Contudo, esta decisão dependia da idade e da sua saúde: quanto mais frágil e mais velho o viúvo fosse menos probabilidade havia de estabelecer novas relações. Num outro estudo realizado por Byrne e Raphael (1997), pretendeu-se fomentar a investigação e a pesquisa em torno da experiência do luto por viuvez em homens idosos, pois consideram que pouco se tem feito neste domínio. Deste modo, num artigo datado de 1997, Byrne e Raphael descrevem o estudo longitudinal que efetuaram com uma amostra de 57 homens viúvos de 65 e mais anos de idade. Esta amostra foi contactada, numa primeira fase, 6 semanas após a perda, num segundo momento seis meses após a perda e num terceiro momento 13 meses após a perda. O grupo de controlo era constituído por homens casados. A finalidade do estudo consistiu na investigação de sintomas psicológicos experienciados por homens idosos viúvos. Hipotetizou-se que estes sintomas seriam caracterizados por uma mistura de depressão, ansiedade e solidão. Os resultados revelaram que a resposta psicológica desta amostra 122 se caracterizou mais por sintomas de ansiedade que por sintomas de solidão ou de depressão. Utilizando dados do CLOC, Lee e Carr (2007) investigaram uma amostra de adultos idosos com 65 e mais anos de idade, entrevistados em três momentos diferentes: 250 adultos entrevistados nos primeiros 6 meses após a perda; 195 entrevistados 18 meses após a perda e 105 entrevistados 48 meses após a perda. Os objetivos do estudo prendiam-se com a avaliação de aspetos característicos da morte do cônjuge (stressores) e se estes influenciavam a saúde física de viúvos e viúvas. Verificaram que as circunstâncias da morte do cônjuge produziam implicações profundas no bem-estar físico dos homens, ou seja, quando a morte é esperada, os homens revelam níveis baixos de stress, contrariamente às mulheres que, independentemente das circunstâncias em que a morte ocorreu, revelam níveis elevados de stress. Lee e Carr (2007) verificaram que a ausência do cônjuge enlutado no momento da morte acarreta consequências distintas para a saúde dos homens e mulheres. As mulheres não apresentam diferenças significativas no seu desempenho, quando este se baseia na sua presença ou ausência junto do cônjuge no momento da sua morte. Já os homens que estiveram presentes no momento da morte do seu cônjuge apresentaram níveis mais baixos de debilitamento que outros homens. 2.3.Recursos materiais À semelhança das variáveis idade e género, também os recursos materiais podem ser considerados fatores de adaptação à perda. Sanders (1993) afirma que as dificuldades económicas atormentam os adultos idosos enlutados, complicando uma existência já dolorosa, referindo, ainda, que uma adaptação positiva ao luto está muito provavelmente ligada a uma firme situação financeira da pessoa enlutada. Deste facto, já nos havia dado conta Stroebe e Schut (1999) no âmbito do Modelo Dual de Processar o Luto, postulando que a perda de poder económico (quase sempre fornecido pelo falecido marido) poderia constituir mais um stressor a juntar à dor e ao sofrimento da própria perda. A perda do cônjuge numa idade tardia, frequentemente contribui para o surgimento de mudanças na situação económica, conduzindo à perda ou à diminuição de rendimento, agravada pelo facto de que as pessoas em idade avançada apresentam uma probabilidade menor de procurar emprego quando comparadas com pessoas mais jovens. Segundo Hansson e Stroebe (2007) a pobreza entre as pessoas idosas é muito comum nas sociedades ocidentais, especialmente entre as mulheres. A perda de capacidade financeira pode significar a mudança para uma casa que 123 possam sustentar, dando origem a mais um potencial stressor secundário. Hansson e Stroebe (2007) apresentam alguns dados estatísticos interessantes revelando que, no primeiro ano após a perda, a percentagem de mulheres viúvas a viver na pobreza sobe para 22%. Mesmo aquelas que antes da perda não eram consideradas pobres, após a morte do cônjuge o seu estatuto económico altera-se, passando a fazer parte dos 60% que passam a ser consideradas pobres após a perda. Constitui uma evidência que a maioria das pessoas idosas enlutadas é mulher, sendo que uma grande parte vive só (Magalhães, s/d; Berardo, 2003). Hansson e Stroebe (2007) revelam-nos que os poucos recursos financeiros destas viúvas em relação às pessoas casadas, levam-nas a receber o apoio da sua família, em particular dos filhos adultos. Contudo, nem sempre há filhos, colocando estas viúvas num maior risco e com maiores dificuldades financeiras podendo, deste modo, influenciar o processo de adaptação à perda. Carr (2009) lembra que as mulheres viúvas idosas se encontram em pior situação económica que as mulheres casadas, apesar de receberem um apoio económico da Segurança Social (pensão de viuvez). Os custos associados ao funeral, aos cuidados médicos de longo prazo ou aos procedimentos legais, podem destruir o rendimento fixo destas mulheres. Lopata (1993) afirma mesmo que o dinheiro ganho pelo marido é assumido como suficiente para que a esposa possa sustentar-se a si e à sua família. Contudo, os problemas surgem quando o dinheiro ou o marido faltam. As mulheres parecem apresentar uma maior vulnerabilidade às consequências económicas e financeiras da perda do cônjuge (Wortman, Silver & Kessler, 1993; Lopata, 1993). Estas dificuldades materiais (especialmente económicas) estão patentes nos resultados obtidos por Grootheest, Beekman, van Groenou e Deeg (1999) ao observarem que a insuficiência de recursos financeiros por parte dos adultos idosos enlutados conduzia a elevados níveis de sintomas de depressão, especialmente nas mulheres. Carr (2009) concorda que os stressores financeiros são elementos perturbadores que influenciam, individualmente ou de uma forma combinada, o bemestar das mulheres viúvas. 2.4.Apoio Social A relação entre o apoio social e adaptação tem sido largamente estudada na literatura sobre luto (Bankoff, 1983; Hansson, 1986; Norris & Murrel, 1990; Lund, Caserta & Dimond, 1993; Lee & Bakk, 2001; Stroebe, Schut & Stroebe, 2005; Hansson & Stroebe, 2007; Houwen e col., 2010). Quando se fala em apoio social falamos de vários tipos de apoio. O apoio instrumental (ajuda na realização de tarefas), 124 informativo/esclarecedor (conselhos, orientações) e emocional (transmissão de sensação de que a pessoa é amada, querida e ouvida por todos). Umberson, Crosne e Reczeck (2010), lembram que as mais importantes fontes de apoio social, bem como a quantidade de apoio em qualquer relação e o seu impacto no bem-estar dos indivíduos mudam ao longo do ciclo de vida. Com o avançar da idade e de uma maior fragilidade, os adultos idosos tendem a tornar-se mais dependentes da família e do apoio social. Torna-se importante lembrar que o apoio da família e dos amigos ajuda a atenuar e a reduzir os níveis de depressão nas pessoas enlutadas, apesar de não suavizar a dor sentida após a perda (Stroebe, 2008). Contudo, com o passar dos anos, as redes de apoio vão diminuindo em tamanho ou competência, acompanhando a crescente fragilidade ou morte dos seus membros (Hansson & Stroebe, 2007). Perante a perda do cônjuge, a rede de apoio enfrenta novos desafios e novas necessidades, relacionadas com novas dinâmicas relacionais, com características stressantes da própria situação e com o próprio envelhecimento da rede. Face a toda esta complexidade, o apoio à população idosa enlutada pode ficar comprometido e não corresponder às suas reais necessidades. Hansson e Stroebe (2007) consideram que o apoio providenciado por outras pessoas não substitui a pessoa falecida, atenua a saudade, a solidão ou impede a viúva de lidar com os stressores relacionados com a orientação para a perda. Pelo contrário, apontam como mais benéfico o apoio que se possa dirigir ao coping com os stressores orientados para o restabelecimento, ajudando os adultos idosos enlutados a desempenhar o elevado número de tarefas causadoras de stress (dificuldades económicas, desempenhar tarefas antes da responsabilidade do marido…). “Para se trabalhar com pessoas idosas é necessário manter o focus nos elementos de restabelecimento” (Machin, p.223, 1998). O Modelo Dual de Processar o Luto permite às pessoas idosas a exploração dos aspetos sociais durante o processo de adaptação à perda através do coping com os stressores orientados para o restabelecimento. Num casal, o cônjuge constitui a rede de apoio social mais importante para o indivíduo e a sua morte representa, também, a perda de uma importante fonte de apoio e de suporte. Surge, então, a necessidade adicional de alguém que desempenhe as tarefas (pessoais e sociais) outrora desempenhas pelo falecido marido (Subramanian, Elwer & Cristakis, 2008). No entanto, não podemos deixar de concordar com Stroebe, Schut e Stroebe (2005) quando afirmam que para partilhar emoções uma pessoa precisa de outros que estejam dispostos a ouvir. Entre estes, estão a família, os amigos ou os 125 vizinhos, considerados por Stylianos e Vachon (1993) como importantes moderadores na adaptação ao luto. O apoio emocional da família e dos amigos poderá desempenhar um papel facilitador do trabalho de luto, possibilitando à pessoa enlutada a expressão de sentimentos e de reações em relação à perda sofrida. Por exemplo, Anderson (1984) considera que, após a morte do marido, as viúvas confiam nos seus filhos quando se sentem preocupadas e depressivas e procuram a assistência dos seus parentes quando se sentem doentes ou com pouco dinheiro. Mcgloshen e O’Bryant (1988) realizaram um estudo sobre o bem-estar psicológico de viúvas idosas recentes e puderam constatar que a presença de familiares consanguíneos (irmãos ou irmãs), bem como o apoio de crianças e das suas famílias influenciava positivamente o bem-estar das viúvas. O’Bryant (1988), concluiu, de uma pesquisa realizada sobre o apoio de parentes consanguíneos (irmãos ou irmãs) no bem-estar de viúvas idosas, que as irmãs solteiras e as casadas, aparentemente, desempenhavam diferentes papéis na assistência à viúva. Constatou que as irmãs solteiras visitavam mais frequentemente a viúva e estavam mais próximas dela, enquanto as casadas prestavam outro tipo de ajuda, como o transporte e o apoio emocional. A família aparece, portanto, como um apoio mais próximo a que a viúva pode recorrer, no entanto este tipo de apoio pode não durar muito tempo. Silverman (1986) afirma que o apoio prestado pela família nem sempre se prolonga no tempo, tornando-se, então, necessário procurar mais apoio e suporte para continuar o processo de luto, criando grupos de entreajuda, por exemplo. Bankoff (1983) estudou a influência do apoio social na adaptação à viuvez, partindo do pressuposto teórico de que qualquer que seja o impacto do apoio recebido, ou seja, quer seja benéfico, prejudicial ou inconsequente, para o bem-estar da viúva, irá depender da fase do processo de luto em que ela se encontra, bem como do tipo e origem do apoio. Bankoff (1983) defende que o apoio social dado às viúvas deve estar de acordo com a fase em esta que se encontra a processar o luto. Tal como Silverman (1986) refere a este propósito “A natureza do apoio também mudaria à medida que a viúva se movimentasse de um estado da sua transição para outro” (p.75). Bankoff (1983) analisou os efeitos do meio social de dois grupos de viúvas com um tempo de viuvez de, pelo menos, três anos e uma média de idades de 52 anos. Um dos grupos estava na fase inicial do processo de luto, enquanto o outro estava na fase final deste processo. Os resultados, obtidos por Bankoff (1983), mostraram que todo o tipo de apoio recebido (família, associações, outras viúvas, amigos, crianças, etc.) não produzia qualquer efeito no bem-estar psicológico das viúvas na fase inicial do processo de luto, 126 enquanto nas viúvas na fase final do processo, verificou-se alguma relação. Em relação ao tipo de apoio recebido, Bankoff (1983) verificou que o mais significativo, para as mulheres que são viúvas há mais tempo, é o apoio mais íntimo, ou seja, ser capaz de falar com aqueles que lhe são mais chegados (parentes, crianças, amigos casados, amigos (as) viúvos (as) ou solteiros (as) e vizinhos (as)) dos seus problemas pessoais. Por outro lado, para as viúvas mais recentes o apoio emocional (dos próprios pais) mostrou ser o mais importante. Os pais acarinhavam muito a filha, dando-lhe muito amor e “mimo”. Este tipo de apoio – emocional – adquiria mais significado quando a viúva só tinha um dos pais vivo, como a mãe, que neste caso também viúva. A origem do apoio recebido foi também analisada e Bankoff (1983) verificou que o apoio recebido, pelas viúvas mais recentes, de pais, de viúvas e de amigos solteiros, contribuía para o bem-estar psicológico da viúva. As viúvas situadas na fase de transição, por outro lado, mostraram baixos índices de bem-estar, quando recebiam apoio de amigos casados. Estes resultados mostraram que o apoio de que as viúvas necessitam deve ter em conta o aspeto psicológico do processo de luto (aqui caracterizado pelas fases de transição) e da rede de apoio social que rodeia a viúva e de que dela se pode socorrer. Procurando responder à questão sobre o que realmente pode ajudar as mulheres a recuperar da perda do cônjuge, Miller, Smerglia e Bouchet (2004) analisaram um conjunto de literatura procurando uma resposta para duas questões específicas: existe alguma relação entre apoio social e adaptação na investigação realizada sobre viuvez? Que tipos de apoio são mais eficazes no processo de adaptação à viuvez? Para responderem a estas perguntas Miller, Smerglia e Bouchet (2004) examinaram uma série de artigos e capítulos de livros em que as amostras dos estudos eram constituídas, na sua maioria, por mulheres. A análise da literatura acabou por incluir 19 estudos, revelando 96 relações entre o apoio social e a adaptação à viuvez. Verificou-se que 19 (19,8%) dessas relações mostraram alguma significância, enquanto 77 (80.2%) não eram significativas. Relativamente ao tipo de suporte, os resultados revelaram que em 14, do total das relações observadas, o apoio disponível foi avaliado e em 82, do total das relações observadas, o apoio recebido foi avaliado. Apesar desta discrepância, apoio e adaptação não apresentam uma maior probabilidade de se relacionarem nos estudos com um maior apoio recebido. Foram encontradas poucas relações (20%) indicando que o apoio social melhora a adaptação à viuvez destas mulheres. Constatou-se, igualmente, que o impacto produzido pelo apoio social na adaptação é quase nulo. Esta última evidência causou uma certa inquietação em Miller e colegas, relativamente à eficácia de 127 certo tipo de apoio. O mesmo se passou com o apoio sócio emocional e instrumental. Independentemente do tipo de apoio prestado, não existe uma probabilidade maior na relação entre apoio social e adaptação. Miller Smerglia e Bouchet (2004) acabam por concluir que a análise efetuada não produziu qualquer evidência de que o apoio social melhorasse a adaptação à viuvez. Talvez, o mais importante não seja o efeito que o apoio social possa produzir na adaptação à viuvez, mas sim o impacto causado nas relações com a família, com os vizinhos, com os amigos, através do surgimento de uma maior proximidade (Miller, Smerglia & Bouchet, 2004). Com efeito, a prestação de apoio social podia trazer benefícios não só a quem recebe, mas também a quem presta apoio. É o caso da criação da solidariedade social, uma expressão que reflete o sentido comunitário da prestação de apoio social. Miller, Smerglia e Bouchet (2004) argumentam que a adaptação à viuvez não se resume somente à ausência de sintomas psicológicos, solidão ou depressão, mas pode significar, também, o estabelecimento de relações interpessoais com todos aqueles que rodeiam a viúva e com quem ela interage: “estabelecer um companheirismo com alguém disponível, sentir-se seguro e acomodar uma independência agora encontrada, podem representar elementos da adaptação da viúva” (Miller, Smerglia & Bouchet, p.163, 2004). Já Lee e Bakk (2001) encontraram resultados que mostraram algum impacto produzido pelas redes de apoio social na experiência da viuvez. A importância dos apoios sociais foi analisada por Lee e Bakk (2001), cujo principal objetivo se centrou no exame das mudanças experienciadas por mulheres viúvas com mais de 70 anos de idade. Argumentam que a transição para viuvez produz um impacto significativo na rede de apoio social. A amostra foi constituída por 8 mulheres viúvas, entrevistadas num Centro de Dia, com um tempo de viuvez compreendido entre os 5 anos e os 23 anos. Com a exceção de uma mulher todas residiam sós. Os resultados da análise das entrevistas revelaram que todas os entrevistadas se deslocavam ao Centro, pelo menos, três vezes por semana e lá ficavam durante, pelo menos, quatro horas. Todas as mulheres entrevistadas salientaram a importância que a frequência do Centro tem nas suas vidas, nomeadamente no que respeita à interação, às atividades planeadas, ou às refeições partilhadas, sendo definidas pelas mesmas como essenciais para o seu bemestar e para contrariar a solidão. Independentemente do tipo de relação com os filhos adultos, todas as mulheres entrevistadas afirmaram sentir-se mais próximas de outras mulheres viúvas, justificando com depoimentos como este: “Penso que as outras viúvas me dão mais apoio e entendem-me melhor que outra pessoa qualquer” (Lee & Bakk, 128 p.60, 2001). Esta constatação constituiu, aliás, o resultado mais significativo desta investigação, revelando o papel fundamental que a interação com outras viúvas assume junto das mulheres da amostra deste estudo. Lee e Bakk (2001) reconhecem que a ligação com outras viúvas oferece a principal fonte de satisfação a estas viúvas idosas, compreendendo a sua situação e contribuindo para o bem-estar físico e mental destas viúvas. Num outro estudo Norris e Murrell (1990) entrevistaram 3 amostras de adultos idosos com 55 e mais anos de idade: 45 pessoas que haviam perdido recentemente o cônjuge (constituindo o foco principal do estudo), 40 pessoas que haviam perdido um familiar ou um filho e 45 pessoas não enlutadas. Tratou-se de um estudo com dados recolhidos antes e depois da perda. O objetivo do estudo incidiu na identificação de fatores que desempenham um papel na adaptação ao luto e na natureza desse papel. A análise dos resultados mostrou que a depressão, medida 9 meses após a perda, é função dos valores da depressão medida antes da perda, do envolvimento social medido logo após a perda, dos novos interesses, da pressão financeira e do stress global medidos, sensivelmente, 9 meses após a perda. Os resultados mostraram que o envolvimento social aumentou após a morte do cônjuge, tendo exercido uma forte influência nos níveis de depressão dos adultos idosos viúvos, 9 meses após a perda, ao diminuir estes valores. Um outro fator identificado como exercendo uma forte influência na adaptação á perda foi o fator “novos interesses”, o qual se revelou mais prevalente entre a amostra de adultos idosos. Este fator mostrou ser um preditor da saúde física e mais significativamente da depressão nesta amostra que nas outras duas ao diminuir os seus valores. A pressão financeira exerceu um forte impacto na saúde física das viúvas idosas, superior ao impacto produzido nos adultos idosos. Concluiu-se que o envolvimento social e os novos interesses colaboraram na diminuição dos efeitos causados pela perda ou, dito de outra forma, constituíram-se como fatores positivos de adaptação ao luto. A vizinhança parece exercer, igualmente, um papel positivo na adaptação à perda, como veremos no estudo seguinte. O estudo realizado por Subramanian, Elwert e Cristakis (2008) explorou o papel protetor desempenhado pela vizinhança nos efeitos da viuvez. Para a concretização deste estudo a recolha de dados teve início em janeiro de 1993 com o acompanhamento, durante 9 anos, de 400.000 indivíduos de um conjunto de 200.000 casais. Neste período de tempo foram recolhidas informações sobre se o indivíduo morreu e se perdeu o cônjuge. Os indivíduos participantes tinham mais de 65 anos de idade. Durante o estudo 129 morreram 52.2% dos maridos e 32.6% das esposas. Uma amostra constituída, maioritariamente, por mulheres idosas viúvas. Os resultados da pesquisa revelaram que a concentração de indivíduos viúvos na vizinhança pareceu atenuar ou proteger os efeitos negativos da viuvez, contribuindo para o bem-estar das viúvas idosas. De facto, este resultado parece não surpreender se pensarmos que o indivíduo idoso viúvo se irá sentir melhor se estiver inserido num ambiente em que as pessoas partilham a mesma experiência do luto. Este ambiente poderá concorrer, igualmente, para fomentar as interrelações e para facilitar a interação social, da mesma forma que promove a formação ou renovação de relações fora do ambiente familiar. A vizinhança surge como um contexto estrutural providenciando oportunidades para a interação com outros e para o favorecimento da criação de novos laços sociais. Num estudo de Bisconti, Bergeman e Boker, datado de 2006, pretendeu-se examinar de que forma algumas variáveis que compõem a rede de apoio social (apoio recebido, apoio disponível, apoio emocional, apoio instrumental) influencia o bem-estar de um conjunto de 28 viúvas recentes com idades compreendidas entre os 61 e os 82 anos de idade (M=72.21; DP=5.44). Estas viúvas foram acompanhadas durante 98 dias após o primeiro mês da perda. Os resultados revelaram que a existência de níveis elevados de procura de estratégias de apoio emocional e níveis baixos de procura de apoio instrumental estavam associados a melhorias no bem-estar emocional. Já o apoio de familiares e de amigos não teve qualquer influência no processo do bem-estar emocional. Segundo os autores, compreende-se que a procura de suporte emocional estivesse relacionada com um resultado mais positivo em relação ao bem-estar, porque esta procura foi efetuada menos de um mês após a perda. Um resultado que surpreendeu Bisconti, Bergeman e Boker (2006) esteve relacionado com a constatação de as viúvas terem conhecimento do apoio de que dispunham e de este não se encontrar associado a melhorias no bem-estar nem a mudanças positivas na experiência do processo de luto. De facto, os resultados revelaram não haver uma relação entre o conhecimento de que a assistência se encontrava disponível e o seu real uso. Só assim se compreende que nem chegassem a usar as redes de apoio que têm disponíveis, sendo esta uma possível explicação para os resultados obtidos. O estudo empírico realizado por Guiaux, Tilburg e Groenou (2007) procurou explorar de que forma o contacto e o apoio em várias relações (amigos, crianças, familiares, vizinhos e outros tipos de relações) se alterou em face do luto por viuvez. A pesquisa, de características longitudinais, envolveu a recolha de dados de uma amostra 130 de adultos idosos enviuvados, em número de 227 e de 408 participantes casados. A recolha de dados foi feita através de entrevistas. Os resultados revelaram haver mudanças relacionadas com a viuvez na rede pessoal de suporte ao longo do tempo. Mais especificamente mostrou que o contacto e o apoio, embora com valores baixos antes da perda, já eram proporcionados, de uma forma crescente, aos adultos idosos pelos membros da sua rede de apoio. Este aumento foi crescendo após a viuvez. Contudo, 3 anos após a perda, estes valores desceram aos níveis iniciais anteriores à perda. Os autores defendem estes resultados, afirmando que os mesmos confirmam que as mudanças nas relações pessoais estão associadas a mudanças nos papéis sociais e que, supostamente, conduzem a uma alteração nas necessidades de apoio. Para Guiaux, Tilburg e Groenou (2007) antes da perda os elementos que constituíam a rede de apoio destes adultos, estiveram atentos às suas necessidades e assim continuou durante a transição para a viuvez. O regresso do apoio social aos valores anteriores à perda pode significar uma bem-sucedida adaptação à perda ou uma desistência e afastamento de rede de apoio (Guiaux, Tilburg & Groenou, 2007). A análise dos dados revelou, ainda, que o aumento do apoio prestado, após a perda, estendeu-se a todo o tipo de relações, apesar de antes da perda os adultos idosos receberem mais apoio emocional e instrumental de amigos e dos filhos. Parece ter ficado a ideia de que apesar de os adultos idosos operarem mudanças nos seus contactos e redes de apoio, após a perda revelaram confiar numa rede de apoio não só mais alargada e ampla mas também de elementos provenientes de relações mais próximas, como amigos e filhos. Estes últimos, no entanto não deixaram de constituir o apoio principal. Um outro estudo, realizado por Balkwell (1985), pretendeu averiguar se o nível do estado de humor experienciado por viúvas variava conforme a idade em que a pessoa fica viúva. Os resultados obtidos mostraram que a idade não é um fator importante no estado de humor das viúvas: “ (...) ser viúva não conduz ao aparecimento de consequências negativas no humor das viúvas, a longo prazo” (Balkwell, 1985, p.580). Balkwell (1985) verificou que era o apoio de amigas, também viúvas e confidentes, que era importante para o estado de humor e não a idade. Este apoio, contribuía, assim, para uma bem-sucedida adaptação à viuvez. Daí que Balkwell (1985) considere que deve ser dado apoio a viúvas que não tenham amigos ou familiares dispostos a apoiá-las, fazendo-os tomar consciência da importância da partilha de sentimentos com a pessoa viúva. O estudo realizado por Ward, Mathias e Hitchings e publicado em 2007, visou 131 analisar uma possível associação entre o luto conjugal e o desempenho cognitivo numa amostra de adultos idosos, independentemente dos efeitos da depressão, da ansiedade e do stress. A amostra foi constituída por 25 adultos enlutados e igual número de adultos não enlutados, com idades compreendidas entre os 65 e os 80 anos (M=70.8). Neste estudo foi igualmente analisada a adequação do apoio social no grupo enlutado. Interessam-nos, neste momento, os resultados obtidos relativamente ao apoio social. Assim, Ward, Mathias e Hitchings (2007) verificaram que os resultados alcançados revelavam uma relação entre o apoio social e a fluência verbal no grupo de enlutados. Concretamente, as pessoas com valores baixos de fluência verbal, declararam valores baixos de apoio dos seus pares (amigos), mas apresentavam níveis adequados de apoio familiar. Os adultos enlutados com níveis mais elevados de fluência verbal, demonstraram possuir valores igualmente superiores de apoio dos seus pares, em contrapartida com valores inferiores de suporte da família. Os autores consideram estes resultados pouco claros, mas atribuem-nos ao facto de que as pessoas com baixos valores de apoio dos seus amigos, confiam mais na família para a prestação de apoio e de suporte, mostrando que estas pessoas podem revelar dificuldades em formar redes de apoio social, fora do núcleo familiar. 2.5.Estilos de vinculação Seguindo o trabalho desenvolvido por Ainsworth sobre a vinculação em crianças, Hazan e Shaver (1987) transferiram o conceito de vinculação segura e insegura para as relações dos adultos, tendo sido dos primeiros a explorar as ideias de Bowlby no contexto das relações amorosas (Fraley, 2004). Estes conceptualizaram as relações amorosas como um processo de vinculação, desenvolvendo um Auto questionário para classificar adultos em três categorias de vinculação, correspondentes aos três estilos de vinculação encontrados para a infância: estilo de vinculação seguro, estilo de vinculação evitante e estilo de vinculação ansioso/ambivalente. Hazan e Shaver (1987) argumentavam que o comportamento de vinculação que está na base da formação dos laços emocionais e afetivos entre os cuidadores e as crianças é o mesmo que está na base das relações amorosas entre adultos. A amostra do estudo era constituída por cerca de 620 participantes (homens e mulheres) com uma média de idades de 36 anos que responderam a um questionário, com três parágrafos (cada um refletindo um estilo de vinculação), publicado no jornal. Este questionário pretendia estudar a associação entre as diferenças individuais na vinculação dos adultos e o funcionamento da relação romântica. Os resultados mostraram que 56% dos indivíduos 132 classificaram-se a si próprios como seguros, aproximadamente 24% como evitantes e aproximadamente 20% como ansiosos/ambivalentes (Hazan & Shaver, 1987). Por outras palavras, Hazan e Shaver descobriram que esta distribuição dos estilos de vinculação era semelhante àquela observada na infância. Assim, os parceiros românticos com um estilo de vinculação seguro, tal como as crianças consideradas seguras, sentiram-se confortáveis dependendo do seu parceiro; já os parceiros evitantes, tal como as crianças evitantes, pareciam ambos excessivamente autoconfiantes e desconfortáveis com a proximidade; os parceiros ansiosos/ambivalentes, tal como as crianças com a mesma qualidade de vinculação, pareciam invulgarmente inseguros, emocionalmente inconstantes e demasiadamente unidos (Hazan & Shaver, 1987; Shaver, Belsky & Brennan, 2000). Investigações seguintes identificaram quatro estilos de vinculação em adultos. Foi o caso de Bartholomew e Horowitz (1991). Estes autores definiram um quarto estilo de vinculação, dividindo o estilo evitante de Hazan e Shaver (1987) em dois estilos. O estilo evitante descrito por Hazan e Shaver mistura duas formas teóricas de evitamento, as quais denominou de evitamento – amedrontado e o evitamento propriamente dito (Fraley & Shaver, 2000). Bartholomew e Horowitz argumentaram que os indivíduos com um evitamento - amedrontado adotavam um comportamento evitante nas relações de vinculação como forma de não serem magoados ou rejeitados pelo parceiro. Já os indivíduos evitantes adotavam uma postura igualmente evitante, mas como forma de manterem uma posição defensiva de autoconfiança e independência (Fraley & Shaver, 2000). Os quatro estilos de vinculação encontrados por Bartholomew e Horowitz (1991) são os seguintes: seguro, preocupado, amedrontado e evitante. Estes estilos foram encontrados através da administração de entrevistas semiestruturadas e de questionários de autorresposta a jovens estudantes com uma média de idades de 19 anos, sendo que um destes questionários (Questionário da Relação) se baseava no questionário utilizado por Hazan e Shaver (1987). Shaver, Belsky e Brennan (2000) surgem no panorama dos estudos sobre vinculação procurando estabelecer uma ligação/associação entre dois tipos de instrumentos de medida da qualidade da vinculação: entrevista da vinculação do adulto e questionários de autorresposta. A entrevista de vinculação do adulto foi criada para medir as representações dos adultos respeitantes a experiências anteriores de vinculação com os pais (Shaver, Belsky & Brennan, 2000). A aplicação desta entrevista demora cerca de uma hora e visa obter informação sobre as memórias da infância resultantes da 133 interação da pessoa adulta com a figura de vinculação. A construção deste instrumento baseou-se no processo desenvolvido aquando da implementação da Situação Estranha (Shaver, Belsky & Brennan, 2000), durante o qual esta entrevista se destinava a predizer a qualidade da vinculação (segura ou insegura) da criança, medindo as representações dos pais respeitantes à vinculação. Os questionários de autorresposta envolvem uma autoclassificação dos estilos de vinculação em relações românticas (Hazan & Shaver, 1987; Bartholomew & Horowitz, 1991). Podem, ainda, tomar a forma de uma escala com vários itens, como a de Collins e Read (cit. in Shaver, Belsky & Brennan, 2000), denominada Escala de Vinculação do Adulto. Shaver, Belsky e Brennan (2000) afirmam haver algumas sugestões que apontam para o facto de que alguns aspetos das representações relacionadas com a vinculação e alguns aspetos dos estilos de vinculação em relações românticas estão relacionados. Concluem que, quer um ou outro instrumento, apesar de avaliarem diferentes constructos, partilham a competência de confiar na figura de vinculação em tempos de necessidade, providenciando ajuda. Estilo de vinculação seguro Os indivíduos com este estilo, revelam facilidade em se aproximarem de outros, sentem-se confortáveis dependendo de outros e que os outros dependam deles. Este estilo está associado a uma maior satisfação nas relações e a um maior bem-estar (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Estilo de vinculação evitante Estes indivíduos sentem-se desconfortáveis com a proximidade dos outros, encontram dificuldade em confiar nos outros ou permitirem-se depender dos outros (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Estilo de vinculação preocupado As pessoas com este estilo notam que os outros se mostram relutantes em se aproximar deles tanto quanto gostariam. Querem ficar muito perto dos outros, mas sabem que isto os assusta e afasta (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Estilo de vinculação desorganizado Estes indivíduos querem relações próximas, mas sentem-se desconfortáveis com a proximidade, porque receiam ser rejeitados, encontram dificuldades em confiar nos outros ou deixarem-se depender de outros (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Parece-nos que esta definição é em tudo idêntica à definição do estilo de vinculação evitanteamedrontado. Os estilos de vinculação evitante, preocupado e desorganizado, são, ainda, 134 classificados como estilo de vinculação inseguro. 2.5.1.Estilos de vinculação e reações ao luto No último volume da sua trilogia Bowlby (1980), descreve e interroga-se sobre a continuação dos laços entre a pessoa falecida e a pessoa enlutada ao reconhecer os resultados obtidos por Parkes numa investigação com mulheres viúvas, cujos testemunhos revelaram a existência de laços entre estas mulheres e os falecidos maridos. Bowlby (1980) observou que os adultos que se separam das suas figuras de vinculação (pares vinculativos) revelam comportamentos semelhantes aos das crianças que foram separadas da sua figura vinculativa. Deste modo, decidiu adotar o mesmo modelo teórico para interpretar a perda nas diferentes fases do ciclo de vida (Canavarro, 2004). Este modelo assenta na ideia de que a forma como os diferentes indivíduos respondem à perda e à separação se encontra fortemente associada ao estilo de vinculação desenvolvido ao longo da sua vida. Tem sido argumentado (Field & Filanosky, 2010) que o indivíduo enlutado pode estabelecer uma proximidade psicológica com a pessoa falecida como se de uma base segura interiorizada se tratasse, semelhante àquela que existia quando a pessoa falecida era viva, fornecendo-lhe uma sensação de segurança e de proteção. Esta ideia reflete a criação de laços com a pessoa falecida de uma forma interiorizada, através da qual a pessoa enlutada pode, por exemplo, mentalmente evocar uma imagem da pessoa falecida, fazendo com que a sua presença reconfortante diminua o seu stress. Compreender o papel desempenhado pelos padrões de comportamento no processo de luto, pode ajudar-nos a entender as diferenças individuais na experiência de viuvez, assim como clarificar porque é que algumas pessoas se adaptam melhor que outras ao luto. Archer (2001), Parkes (2001) e Shaver e Tancredy (2001) sugeriram que as diferenças individuais observadas nas reações à perda do parceiro, durante a idade adulta, estão associadas ao estilo de vinculação seguro ou inseguro relativamente ao parceiro. Centremo-nos nas palavras de Parkes (2001): “Entre as pessoas enlutadas que se me dirigiram para tratamento psiquiátrico, muitas revelaram evidências claras de influências parentais negativas, conduzindo ao surgimento de vulnerabilidade na infância e predizendo o tipo e intensidade dos sintomas que experienciam após o luto na vida adulta” (p.39). Conseguimos vislumbrar nestas palavras influências dos estilos de vinculação no coping com o luto. Bowlby (1980), através da teoria da vinculação, defendia que os diferentes tipos de relações, experienciadas por uma pessoa na sua família de origem influenciam, positiva ou negativamente, a forma de se reagir à perda. 135 Segundo Bowlby: “ (...) um fator determinante de como uma pessoa responde a uma perda, é a forma como o seu comportamento de vinculação, e de todos os sentimentos que o acompanham, foi avaliado e respondido pelos seus pais durante a sua infância e adolescência” (1980, p.228). Este comportamento de vinculação é responsável pelo estabelecimento de laços afetivos não só entre a criança e o adulto, mas também, mais tarde, entre pessoas adultas. Os indivíduos com diferentes estilos de vinculação lidam com as emoções de várias e diferentes formas, fazendo-se refletir na adaptação à perda (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005; Stroebe, 2002). Estilo de vinculação “seguro” – reagem emocionalmente à perda de um ente querido, mas não ficam devastados pela dor e sofrimento. Recordam a pessoa falecida e, com facilidade, falam das memórias e das recordações de uma forma coerente (Shaver & Tancredy, 2001). Estilo de vinculação “evitante” – os indivíduos com este estilo revelam falta de confiança nos outros e uma independência compulsiva. Tendência para evitar e suprir emoções relacionadas com vinculações. Perante a perda, provavelmente, evitarão sofrer e muito menos chorar. Estilo de vinculação “preocupado” – são incapazes de lidar com sentimentos relacionados com a vinculação. Não possuem autoconfiança. Após a perda tendem a ser muito emotivos e preocupados. Estilo de vinculação “desorganizado” – não confiam em si próprios nem nos outros. Sofreram traumas o que lhes causa dificuldades em falar sobre perdas, relacionadas com laços vinculativos, de uma forma coerente. O trabalho desenvolvido por Bowlby (1969, 1980) no domínio da vinculação constituiu um estímulo para o surgimento de mais investigação. Apesar de muita desta investigação não se focar diretamente na população idosa, os seus resultados podem ser aplicados aos estudos da vinculação junto dos adultos idosos. Conhecer os estilos de vinculação de um indivíduo, após o luto, pode ajudar na identificação de indivíduos em risco e, assim, se poder intervir no momento certo (Wayment & Vierthaler, 2002). Estes autores levaram a cabo um estudo, cujo objetivo principal consistiu na exploração de associações entre os estilos de vinculação (seguro, ansioso-ambivalente e evitante), o caráter repentino da morte e três reações específicas ao luto: sofrimento, depressão e somatização. O estudo englobava uma amostra de noventa e uma pessoas, sendo que setenta eram homens e vinte e uma mulheres com 136 mais de dezoito anos de idade e que tivessem sofrido uma perda nos últimos dezoito meses (cônjuges, amigos ou familiares). Wayment e Vierthaler (2002) concluíram que os indivíduos com um padrão vinculativo caracterizado como ansioso-ambivalente apresentavam níveis mais elevados de sofrimento e depressão, enquanto os indivíduos com um estilo de vinculação seguro apresentavam probabilidades mais reduzidas de experienciarem depressão. Já as pessoas com um tipo de vinculação evitante revelaram uma probabilidade maior em experienciarem sintomas somáticos (dores de cabeça, náuseas, indisposições estomacais). Um estudo anterior, levado a cabo por Sable (1989), envolvendo entrevistas semi-estruradas a 81 mulheres cujos cônjuges haviam falecido, revelava a importância do estilo de vinculação como variável preditora da adaptação à perda. Nesta amostra com idades compreendidas entre os 26 e os 82 anos de idade, o tempo de viuvez situava-se entre um e os três anos. A média de idades era de 63 anos. Os resultados revelaram que em 58% dos relatos obtidos se encontrava uma crescente preocupação, pânico e medo desde a morte dos cônjuges, com predominância para o medo de estar sozinha e de estar em situações estranhas. Estas atitudes são reveladoras de uma vinculação ansiosa, especialmente o medo de estar só e de situações estranhas que Sable (1989) considera serem dois aspetos chave da ansiedade da vinculação. Num estudo recente, desenvolvido por Mancini, Robinaugh, Shear e Bonanno (2009), pretendeu-se estudar o papel mediador da qualidade da relação conjugal na relação entre o estilo de vinculação e as consequências da perda do cônjuge. Especificamente, estes autores procuraram estudar o impacto da qualidade da relação conjugal na relação entre o estilo de vinculação evitante e as consequências da perda utilizando uma amostra de 50 cônjuges enlutados com menos de 65 anos. Foram recolhidos dados aos 4 e 18 meses após a perda. Observaram que os indivíduos com um estilo de vinculação evitante revelavam um redução dos sintomas de luto complicado num contexto de elevada qualidade conjugal dos 4 aos 18 meses após a perda. A qualidade da relação conjugal parece desempenhar aqui um papel interessante ao mediar a relação entre o tipo de vínculo e as consequências da perda, constituindo-se como um elemento facilitador do coping, contrariando a ideia de que este tipo de vinculação é sinónimo de uma má adaptação à perda (Wayment & Vierthaler, 2002). Wijngaards-de Meij e col., (2007) realizaram um estudo com o objetivo de estudarem a contribuição das dimensões da vinculação adulta (vinculação ansiosa e vinculação evitante) e do neuroticismo (característica da personalidade que conduz o 137 individuo a experienciar emoções desagradáveis e perturbadoras) na adaptação à perda. Numa amostra de 219 indivíduos de pais enlutados os autores verificaram que o neuroticismo explicava uma maior variação que as dimensões da vinculação, contrariamente ao que os autores esperavam inicialmente. Efetivamente, os padrões de vinculação baseiam-se na formação, manutenção e quebra de relações interpessoais ao longo da vida de cada indivíduo, estando relacionados com a natureza do seu bem-estar. Deste modo, estariam em melhor posição como preditores das consequências da perda. Contudo, neste estudo, o melhor preditor da depressão e do sofrimento foi o neuroticismo (que inclui ansiedade, hostilidade, depressão, impulsividade e vulnerabilidade). Estes resultados encontram a sua justificação no facto de a amostra ser constituída por pais em luto. Os autores consideram que os resultados mostrariam o valor preditor das dimensões de vinculação, caso a amostra fosse constituída por cônjuges enlutados: “No nosso ponto de vista, contudo, o facto de a vinculação não se ter revelado um melhor preditor tem, provavelmente, que ver com o facto de o nosso estudo se ter centrado no luto parental e não conjugal” (Wijngaards-de Meij e. col., p.82, 2007). Na verdade, neste estudo, a relação que foi quebrada foi a do pai com o seu filho, de quem o pai não esperava proteção ou segurança (atitudes esperadas numa relação segura), o que, pelo contrário, é esperado numa relação romântica. Houwen, e col., (2010) levaram a cabo um estudo longitudinal com 195 participantes enlutados com idades compreendidas entre os 19 e os 79 anos de idade. Esta amostra abrangeu um conjunto de perdas, desde a perda do cônjuge até à perda de um outro familiar, passando pela perda de um filho. O tempo do luto não podia ser superior a 3 anos, tendo os enlutados sido contactados 3 vezes neste período de enlutamento. Neste estudo pretendeu-se examinar o impacto de um conjunto de fatores de risco nas reações ao luto, na solidão emocional, na depressão e nas emoções positivas, postulando que os fatores de risco sofrem alterações ao longo do tempo, como é o caso dos estilos de vinculação. Os autores definiram como fatores de risco aqueles que foram investigados mais extensivamente e que não são específicos de nenhum tipo de luto, mas sim transversais. Observaram que, de entre os fatores de risco intrapessoais, a vinculação evitante constituiu um preditor com um forte impacto no agravamento de todas as variáveis (solidão emocional, emoções positivas, depressão e reações ao luto) mas com especial incidência na saúde mental. Já a vinculação ansiosa apenas produziu impacto na solidão emocional, observando-se uma relação direta entre estas duas variáveis, ou seja, para valores elevados de vinculação ansiosa, registaram-se 138 valores elevados de solidão emocional. De realçar que os estilos de vinculação se manterem estáveis ao longo do período do estudo, não sofrendo qualquer alteração. Podemos depreender que qualquer destes estilos é um bom preditor da solidão emocional. 2.6.Qualidade da relação conjugal Na terceira idade espera-se que as pessoas tenham vivido uma relação conjugal baseada em cumplicidade e companheirismo. Uma relação caracterizada por uma interdependência emocional, proximidade e vinculações fortes (Hansson & Stroebe, 2007). Também, tal como Bradley e Cafferty (2001) afirmam, a relação conjugal nos adultos idosos é particularmente importante, porque as pessoas se confrontam com a possibilidade de não terem outro tipo de relação próxima. Por outro lado, pelo facto de as pessoas poderem ter passado muitos anos juntas, o impacto da perda conjugal pode ainda ser maior. O estudo do impacto da qualidade da relação conjugal no processo do luto, contribui para um melhor entendimento do quanto o luto pode ser um processo heterogéneo e singular. Pruchno, Cartwright e Wilson-Genderson (2009) salientam a importância da natureza da relação conjugal no processo de luto ao afirmarem que, a perda de uma relação próxima e afetuosa será mais devastadora que uma relação menos valorizada pelo cônjuge. No mesmo sentido Ong, Fuller-Rowell e Bonanno (2010) reforçam que a natureza do impacto provocado pela transição para a viuvez dependerá em larga medida da natureza da relação conjugal antes da perda. Uma revisão e análise de estudos realizados em torno do impacto produzido por esta variável no processamento da perda de pessoas idosas, permitir-nos-á traçar uma imagem mais clara da sua influência. O primeiro estudo aponta, precisamente, para a influência que, a avaliação feita pelo enlutado da relação conjugal, pode ter nos níveis de depressão do idoso enlutado. Em 1990, Futterman, Gallagher, Thompson, Lovett e Gilewski publicaram os resultados de uma pesquisa efetuada sobre a avaliação retrospetiva da relação conjugal junto de uma amostra de 212 adultos idosos enlutados. O grupo de controlo foi constituído por 162 indivíduos não enlutados com idade comparável. As avaliações foram realizadas em três períodos distintos: 2, 12 e 30 meses após a perda do cônjuge. Futterman, Gallagher, Thompson, Lovett e Gilewski (1990) constataram que os indivíduos idosos enlutados se revelaram mais inclinados para avaliarem as suas relações mais positivamente que os não enlutados. As relações conjugais avaliadas como positivas foram associadas a níveis mais elevados de depressão após a perda, 139 quando comparadas com as relações avaliadas como negativas. Já no grupo dos participantes não enlutados o oposto foi verificado, ou seja, as relações avaliadas como negativas obtiveram valores mais elevados de depressão. Para as pessoas enlutadas esta associação entre relações positivas e depressão vai-se diluindo no tempo, isto é, vai-se tornando menos significativa, contrariamente aos não enlutados em que a relação conjugal negativa continua associada à depressão. Os autores referem que estas variações não são influenciadas pelo género. Como possível explicação para os resultados obtidos, os autores apontam o facto de as pessoas enlutadas deixarem de idealizar ou santificar o marido e a vida que levavam juntos, após a perda como afirmava Lopata (1981). Pelo contrário, os indivíduos não enlutados continuarão a ver os seus casamentos de uma forma negativa, talvez devido à sua incapacidade para alterar a situação. A perceção de satisfação conjugal destes indivíduos talvez se altere quando os níveis de depressão baixarem (Futterman, Gallagher, Thompson, Lovett & Gilewski, 1990). Num estudo recente, usando dados recolhidos anteriores à perda, Ong, FullerRowell e Bonanno (2010) analisaram em que medida as emoções positivas são influenciadas (após a perda) por características do cônjuge enlutado e pela relação conjugal, avaliadas antes da perda. Neste estudo participaram 52 adultos viúvos cuja média de idades se situou nos 58.3 anos e um outro grupo de controlo constituído por 156 participantes não viúvos. O tempo de viuvez do primeiro grupo era aproximadamente de 18 meses. As emoções positivas foram avaliadas através de um questionário autoadministrado em que se pretendeu que os indivíduos medissem a quantidade de tempo gasto na experiência de vários estados emocionais (alegria, extrema felicidade, calma e sossego) numa escala de 1 a 5. A análise dos resultados revelou que o impacto emocional da viuvez é influenciado pela qualidade da relação conjugal antes da perda. Os cônjuges enlutados que, antes da perda, relataram problemas conjugais revelaram um declínio emocional menor quando comparados com os cônjuges que apontaram um menor número de problemas conjugais. A sensação de alívio e de libertação parece estar por detrás da explicação destes resultados (Ong, Fuller-Rowell & Bonanno, 2010). O grupo de controlo não mostrou qualquer alteração nos valores das emoções positivas. Parece ter ficado evidente, neste estudo, que a qualidade da relação conjugal desempenha um papel crítico no bem-estar das pessoas enlutadas. Foi objetivo do próximo estudo examinar os efeitos da proximidade conjugal no 140 bem-estar da pessoa enlutada (Pruchno, Cartwright & Wilson-Genderson, 2009). Neste estudo participaram 118 cônjuges (média de 68.9 anos de idade) de pessoas idosas com uma doença terminal. A maioria da amostra era constituída por mulheres. Estes participantes foram entrevistados antes e após a perda do cônjuge e desempenhavam o papel de cuidador junto da pessoa falecida. Os participantes enlutados foram entrevistados por telefone 12, 24 e 36 meses após a primeira entrevista. Tratou-se, pois, de um estudo longitudinal. Os resultados revelaram uma associação significativa (negativa) entre a proximidade conjugal, os sintomas depressivos e a responsabilidade da pessoa cuidadora, antes da perda, sugerindo que o sentimento de estar perto da pessoa que recebe os cuidados diminui os valores dos sintomas depressivos e os encargos do cuidador (Pruchno, Cartwright & Wilson-Genderson, 2009). Contudo, após a perda, a proximidade conjugal não esteve significativamente associada a sintomas depressivos, mas teve uma relação significativa (positiva) com o sofrimento e a dor, e uma relação significativa (negativa) com a sensação de alívio. Os participantes que relataram uma maior proximidade conjugal, antes da perda, experienciaram valores elevados de sofrimento e dor (dificuldade em aceitar a perda, sentir a falta da pessoa falecida, revelar preocupação com pensamentos acerca da pessoa falecida), e uma menor sensação de alívio. Os autores do estudo concluem que a qualidade da relação constitui um importante preditor do bem-estar dos participantes antes da perda, constituindo uma força positiva no combate aos sintomas depressivos e aos encargos associados ao papel de cuidador. No entanto, após a perda, os valores elevados de proximidade conjugal, associados à ausência de alívio e à intensificação do sofrimento e da dor, fazem desta variável um importante fator de adaptação com implicações para vivência da viuvez e para o processo do luto. No estudo que se segue, parece confirmarse a relevância da proximidade conjugal no processamento da perda. Carr e col. (2000) levaram a cabo uma investigação longitudinal, baseada no CLOC, cujo principal objetivo era o de saber se a adaptação psicológica (ansiedade, depressão e saudade como indicadores) é influenciada por três aspetos da qualidade da relação conjugal: proximidade, conflito e dependência instrumental. A amostra deste estudo envolveu a participação de 203 pessoas viúvas (53 homens e 150 mulheres) e um grupo de controlo de indivíduos casados. Os participantes tinham 65 e mais anos de idade e eram não institucionalizados. A recolha de dados foi feita através de entrevistas efetuadas 6, 18 e 48 meses após a perda. Os resultados mostraram o seguinte: quando comparados com o grupo de controlo, o grupo de adultos idosos revela que a viuvez 141 constitui um importante preditor da depressão, não diminuindo quando são introduzidos na análise os indicadores da qualidade da relação conjugal; pelo contrário, o efeito deste fenómeno (viuvez) na ansiedade mostra que os níveis de ansiedade são mais elevados nos adultos idosos viúvos que relataram valores elevados de dependência do cônjuge; esta investigação revelou, ainda, a existência de um suporte para se poder afirmar que a dependência instrumental do cônjuge (no desempenho de tarefas relacionadas com as reparações em casa ou gerir finanças) constitui um forte preditor de ansiedade para as mulheres viúvas; a adaptação à viuvez parece ser mais difícil não só para aqueles com elevados níveis de proximidade e dependência instrumental do cônjuge falecido, mas também para aqueles com baixos níveis de conflitos no casamento; já os que viveram um casamento conflituoso apresentaram baixos níveis de saudade. Pelo contrário, as relações conjugais marcadas por uma grande proximidade e interdependência revelaram-se sinónimas de níveis elevados de saudade por parte dos enlutados (Carr e col., 2000). Em concordância com estes resultados Lopata (1993) assegura que quanto maior for a dependência do marido, mais dificuldade a viúva terá em lidar com as diferentes exigências da vida de todos os dias, após a perda, como será o caso do desempenho de tarefas instrumentais, como por exemplo conduzir um carro. O facto de se ter desenvolvido uma relação conjugal dependente ou independente parece surgir, inevitavelmente, ligada ao sucesso na realização de tarefas diárias após a perda. Bennett, Stenhoff, Pattinson e Woods (2010) realizaram um estudo com o objetivo de examinarem o desempenho, respeitante às tarefas instrumentais, antes (retrospetivamente) e depois da perda do cônjuge, de um conjunto de 20 mulheres viúvas. Em concreto pretenderam saber mais acerca das mudanças ocorridas na independência instrumental experienciada pelas viúvas após a morte do cônjuge. As participantes neste estudo apresentavam idades compreendidas entre os 69 e os 83 anos de idade e um tempo de viuvez com uma média 14 anos. As participantes foram entrevistadas em suas casas. Os autores verificaram que a maioria das mulheres viúvas financeiramente dependente dos maridos se tornou independente e só uma se deslocou na direção contrária. As mulheres que já eram independentes mantiveram o mesmo estado de independência. Em relação a pequenos arranjos domésticos oito mulheres viúvas dependentes do cônjuge para estes concertos, após a sua morte tornaram-se independentes. Um outro dado a retirar destas entrevistas, refere-se ao facto de seis mulheres viúvas não possuírem carro. Quatro destas mulheres não sabia conduzir e duas já não possuíam o carro. Segundo Bennett, Stenhoff, Pattinson e Woods (2010) estas 142 viúvas provavelmente venderam o carro, porque não queriam tornar-se dependentes de outras pessoas para conduzirem o carro. Neste estudo, procurou-se também saber que fatores poderiam fomentar ou prejudicar a independência após a perda do cônjuge. Observou-se que a mais importante barreira para a independência após a perda era a dependência antes da perda. De facto, os resultados revelam que um maior número de mulheres viúvas permaneceu dependente após a perda, não se tendo tornado independente. Um fator que pode dificultar esta transição prende-se com a proteção familiar. A família antecipa-se e realiza as tarefas, não deixando essa competência para a viúva. Um outro fator impeditivo da aquisição de independência, revelado pela análise das entrevistas, foi a saúde precária das mulheres viúvas, um facto comum a mulheres dependentes e independentes. Os fatores que promovem a independência, à semelhança daqueles que a prejudicam, dependem da experiência anterior à perda. Assim, as mulheres que partilhavam tarefas com o falecido cônjuge ou eram independentes, apresentavam maiores probabilidades de manterem esta condição. Um outro fator tem a ver com o papel de cuidadora que a mulher desempenhou. Nestes casos a probabilidade de se tornar independente também é maior, uma vez que o marido na impossibilidade de realizar determinadas tarefas passou essa responsabilidade para a mulher. Mais uma vez, os resultados demonstram o impacto que a viuvez produz no desempenho das tarefas instrumentais após a perda. Os papéis tradicionais, desempenhados durante o casamento por cada um dos cônjuges refletem-se na vivência do dia-a-dia após a perda. Veremos mais exemplos no estudo seguinte. Numa outra investigação longitudinal Lund, Caserta e Dimond (1993), em colaboração com outros colegas, pretenderam descrever o processo de adaptação à morte do cônjuge, examinar os fatores que influenciam as consequências e identificar possíveis formas e estratégias para intervenção. A amostra era constituída por 192 cônjuges (homens e mulheres) enlutados recentemente (por viuvez) e um grupo de controlo com 104 indivíduos casados com 50 e mais anos de idade. As características desta amostra envolveram indivíduos com idades compreendidas entre os 50 e os 93 anos de idade e uma média de idades de 67,6 anos (DP=8.2). Os participantes foram contactados uma primeira vez cerca de 3 semanas após a perda. Os restantes contactos efetuaram-se 2 meses, 6 meses, 1 ano, 18 meses e 2 anos após a perda. Os instrumentos utilizados nestes 6 contactos foram questionários e entrevistas idênticos, quer para o grupo de adultos idosos enlutados, quer para o grupo de controlo. A maioria era do sexo feminino, 74% do total da amostra de 192 adultos idosos enlutados. Alguns dos 143 resultados deste estudo mostraram que, durante o processo de adaptação à perda, a falta de habilidades para lidar com problemas da vida diária, surge como uma dificuldade associada ao processo. Estas, são diferentes para homens e mulheres enlutados, sendo que os homens são mais deficitários em capacidades relacionadas com a cozinha, as compras e a limpeza da casa (tarefas tradicionalmente femininas) e as mulheres mais deficitárias em capacidades relacionadas com as reparações da casa, em gerir finanças e questões legais (tarefas tradicionalmente masculinas). Lund, Caserta e Dimond (1993), revelaram que quanto maior for o nível de competências do cônjuge enlutado, maior será a capacidade em gerir e exercer as tarefas do dia a dia conduzindo a uma adaptação mais bem-sucedida do luto. Estes dados remetem-nos para o possível impacto da interdependência conjugal na realização de determinadas tarefas e, por conseguinte, da qualidade da relação conjugal como um fator determinante no desenrolar do processo do luto. Estes dados remetem-nos para a interdependência conjugal na realização de determinadas tarefas e, por conseguinte, para a qualidade da relação conjugal como um fator determinante no desenrolar do processo do luto. Estas conclusões vão de encontro aos resultados da investigação de Carr, e col. (2000). 2.7. Circunstâncias da morte 2.7.1.Morte repentina vs morte esperada Muitos concordarão que as circunstâncias em que uma morte ocorre podem influenciar o rumo do processo de luto. Por isso, a situação de uma pessoa cujo cônjuge morre de um acidente de carro é distinta da situação de um indivíduo que perde o seu cônjuge após uma longa doença (Stroebe & Schut, 2001). As circunstâncias em que a morte ocorreu, isto é, se a morte ocorreu de uma forma repentina e súbita ou se era esperada, constituem um stressor cujo impacto se faz sentir no comportamento das pessoas enlutadas: “as causas da perda e as circunstâncias em que ocorre variam de forma significativa e não surpreende que algumas sejam de uma natureza tal que um luto saudável seja mais fácil de realizar, enquanto outras sejam de uma outra natureza que torne o luto mais difícil de fazer” (Bowlby, 1980, p.180). Nos adultos idosos, apesar de não ser muito provável que experienciem um luto causado por uma morte traumática (Hansson & Stroebe, 2007; Parkes, 1975 cit. in Stroebe & Schut, 2001), ela pode ocorrer. A chegada esperada de uma morte pode trazer alguma vantagem à pessoa enlutada, na medida em que permite a esta conversar com a pessoa que se encontra em vias de falecer e, deste modo, ir trabalhando o seu luto (Schaefer & Moos, 2001), levando-os a pensar que perder o 144 cônjuge é mais um processo que um acontecimento. Num estudo efetuado por Elklit e O’Connor (2005) constatou-se que a antecipação da morte não constituiu um preditor eficaz de traumatização da perda nem provocadora de stress psicológico. Cavanaugh (1993) afirma ainda não estarem bem entendidas as razões pelas quais as mortes antecipadas conduzem a uma recuperação mais rápida. Já a morte repentina surge como fator de risco do processo de luto, contribuindo para o aparecimento de um luto complicado (Sanders, 1993; Parkes, 1998). É no sentido de que as circunstâncias da morte poderão influenciar o processo de adaptação que, também, Smith e Zick (1996) apontam esta variável como um fator chave para explicar o elevado risco de mortalidade entre viúvas e viúvos. Carr, House, Wortman, Nesse e Kessler (2001) realizaram uma investigação baseada no CLOC. Esta investigação teve como objetivos, entre outros: identificar a relação entre a morte antecipada e a adaptação psicológica (medida através da depressão, ansiedade, saudade, choque, raiva, pensamentos intrusivos) de adultos idosos 6 e 18 meses após a perda, ou seja, que dimensões da adaptação psicológica são afetadas por uma morte antecipada; avaliar como é que o efeito da morte antecipada é mediado ou anulado pelas características do contexto em que a morte ocorreu (cuidados prestados antes da morte, cuidados de enfermagem em casa, idade do cônjuge enlutado e a comunicação entre o casal antes da morte). O total de participante envolveu cerca de 365 adultos idosos (261 mulheres e 104 homens). Os resultados obtidos foram os seguintes: a morte esperada não está relacionada com a depressão, a dor, a raiva e o choque nos 6 e 18 meses após a perda; as mortes súbitas estão relacionadas com níveis elevados de pensamentos intrusivos (dificuldade em adormecer, pensamentos constantes sobre a pessoa falecida, tentativa de bloquear memórias sobre a pessoa falecida) seis meses após a perda, mas com uma diminuição a partir do décimo oitavo mês; os níveis de ansiedade aumentam, seis e dezoito meses após a perda, quando a morte é esperada e a espera prolongada. O impacto desta variável, morte esperada ou repentina, parece provocar padrões diferentes de resposta, mas não de forma linear, pois há outras variáveis como o tempo de espera que podem ter um significativo impacto no processo de luto (Silva, 2004). Este estudo reflete a importância que deve ser dada ao contexto em que a morte ocorre. Por exemplo, os idosos enlutados que tiveram oportunidade de discutir a morte com o seu cônjuge e aqueles cujos cônjuges residiram em instituições, apresentaram baixos níveis de pensamentos intrusivos e níveis significativamente mais baixos de ansiedade nos dois momentos das entrevistas (6 e 18 meses após a perda); já a 145 comunicação entre o cônjuge falecido e o cônjuge sobrevivente não influenciou os níveis de ansiedade nos 6 e 18 meses após a perda; de todas as variáveis que compõem o contexto da morte, somente uma revelou alguma significância no comportamento da saudade: providenciar cuidados ao cônjuge antes da morte foi associado a um aumento da saudade 6 meses após a perda, diminuindo com o passar do tempo (Silva, 2004). 2.7.2.Qualidade da morte Avaliar a qualidade da morte pressupõe a existência de alguns aspetos que, segundo Carr (2003), são os que definem o que ela denomina de “morte boa”, ou seja, uma morte com um sofrimento reduzido, quer para a pessoa em vias de morrer, quer para os seus familiares. Uma “morte boa” caracteriza-se, pela existência de conforto físico, pela disponibilidade de apoio social e médico e deve proporcionar à pessoa em sofrimento e aos seus familiares o mínimo de sofrimento quer físico quer psicológico (Carr, 2003). Parece-nos que o conjunto destes indicadores poderá constituir um fator relevante na vivência da experiência do luto. Segundo Silva (2004) conhecer o contexto em que a morte ocorreu (em casa, numa instituição de acolhimento, num hospital), saber se a pessoa sofreu, se teve uma assistência médica adequada ou se teve apoio de familiares e amigos na hora da morte, podem tornar-se fatores relevantes no processamento da perda Sobre esta temática, Carr (2003) efetuou um estudo em que pretendeu averiguar o efeito destes e de outros indicadores (como o grau de sobrecarga para os familiares) na adaptação psicológica de adultos idosos 6 meses após a perda. Carr (2003) pretendeu, também, saber se a angústia, após a perda, era afetada por aspetos qualitativos da experiência da morte, tais como: saudade, pensamentos intrusivos, raiva e ansiedade. Para tal, analisou os resultados obtidos do CLOC. A amostra foi constituída por 210 adultos idosos (151 mulheres e 59 homens) entrevistados somente nos 6 primeiros meses após a perda, uma vez que, segundo Carr (2003), é durante este período que os efeitos da qualidade da morte se fazem sentir com maior incidência. Os resultados mostraram que aqueles que morrem após uma doença prolongada, com uma duração de pelo menos seis meses, revelam níveis significativos de aceitação da morte, enquanto aqueles que morrem de repente, revelam níveis significativamente mais baixos de aceitação da morte, quando comparados com aqueles que dispuseram de um curto período de antecipação da morte; aqueles que morreram de cancro apresentam uma probabilidade 2.5 vezes de terem sofrido, enquanto as pessoas que morreram de uma doença do coração apresentam uma probabilidade menor de terem sofrido; esta autora pode constatar também que aqueles que esperam cerca de seis 146 meses pela morte apresentam uma probabilidade de 3.5 de terem sofrido bastante. Carr (2003) afirma, ainda, a propósito da origem social das pessoas enlutadas, que é pouco provável que as pessoas mais educadas reportem que o seu cônjuge teve uma morte dolorosa. Os resultados obtidos mostraram que as pessoas enlutadas, cujos maridos sofreram mais, durante o período que antecedeu a morte, apresentavam níveis mais elevados de saudade seis meses após a perda. Em relação aos pensamentos intrusivos, estes apresentavam um nível elevado para os enlutados cujo cônjuge esteve em grande sofrimento. Estar com o cônjuge no momento da morte constitui um indicador de “morte boa” para o enlutado. Esta atitude reduz os níveis de pensamentos intrusivos em um terço. Em relação à raiva, esta é influenciada pela negligência médica e pela qualidade conjugal durante os últimos dias. Em relação a este indicador, Carr (2003) confirma que as pessoas enlutadas revelaram elevados níveis de raiva, seis meses após a perda, quando a morte era devida a negligência médica. No entanto, o convívio com o cônjuge, imediatamente antes da morte, protege o enlutado contra os elevados níveis de raiva. 2.7.3. Síntese Neste ponto apresentaremos as principais conclusões retiradas das revisões relacionadas com os diferentes fatores apresentados de acordo com a ordem pela qual os fatores foram surgindo. Embora as variáveis que aqui explorámos não esgotem toda a complexidade que é o processamento do luto podem, contudo, contribuir para uma melhor compreensão e esclarecimento das diferenças individuais e da vulnerabilidade de alguns indivíduos para apresentarem lutos complicados. Boerner e Schulz (2009), por exemplo, identificam os aspetos que podem estar presentes num luto complicado, como a existência de uma saudade imensa pela pessoa falecida, pensamentos intrusivos e recorrentes acerca da sua ausência, os quais impedem de algum modo a construção de novas relações interpessoais e a participação em atividades recompensadoras. Neste sentido, devemos mostrar alguma cautela quando olharmos para as conclusões das investigações aqui abordadas. É que o luto revela-se um processo complexo e multidimensional, envolvendo um conjunto de elementos físicos, psicológicos e sociais, cuja interação deve ser tida em consideração na avaliação do impacto das variáveis no processo de luto. Estas variáveis devam ser enquadradas no contexto social, cultural e demográfico de cada indivíduo. Relativamente à idade o facto de o indivíduo ser mais jovem ou idoso parece 147 exercer algum impacto na adaptação à perda destes dois grupos, como aliás pudemos observar através da manifestação de diferentes reações perante a perda do cônjuge. Com efeito, foi junto da população mais jovem que se registaram os valores mais elevados relacionados com sintomas (depressão, por exemplo) e com um maior risco de mortalidade. Parece-nos claro que estes estudos nos revelam uma maior fragilidade dos homens perante a experiência do luto por viuvez, refletida nos níveis de mortalidade superiores aos das mulheres, nos níveis de depressão, igualmente superiores ou na autoestima dos homens deteriorada relativamente à das mulheres. As circunstâncias em que a morte ocorreu parecem, igualmente, ter produzido diferentes efeitos para os homens e para as mulheres. E se estas últimas não revelam muito interesse em voltar a casar, o mesmo não acontece com os homens que parecem querer lutar contra a solidão e a tristeza que a perda lhes trouxe, manifestando o desejo de voltar a casar com mulheres mais novas. À mortalidade (consequência mais extrema do luto) deve ser atribuída uma maior relevância, uma vez que a maioria dos estudos aqui analisados a apresentou com valores mais elevados para os homens enlutados. O facto de terem conseguido sobreviver a uma relação de dependência de muitos anos, com uma baixa autoestima, pode ter provocado nas mulheres sentimentos de maiores capacidades, fazendo aumentar a sua autoestima após a perda. As mulheres parecem demonstrar uma maior capacidade para se relacionarem com outras, para fazerem novas amizades e, deste modo, socializarem e construírem uma maior rede de apoio e suporte social. Os homens recebem e beneficiam mais do apoio emocional durante o casamento, podendo, por isso, sofrer mais com a perda. Hansson e Stroebe (2007) acrescentam que os homens viúvos apresentam um maior risco para o surgimento de complicações de saúde relacionadas com maus hábitos alimentares, álcool e cigarros. O género constitui, pois, uma das mais poderosas influências na experiência da viuvez (Carr, 2009). De facto, como acrescenta Carr, (2009) em todos os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, as mulheres têm possibilidade de sobreviver ao seu cônjuge, refletindo, deste modo, os níveis mais elevados de mortalidade dos homens e a tendência das mulheres em casar com homens ligeiramente mais velhos que elas. Stroebe, Stroebe e Schut (2001) são de opinião que as diferenças de género relacionadas com as consequências na saúde se devem a diferenças no desempenho de papéis sociais. Estes autores referem que o confronto com a perda, isto é, o trabalho de luto, é essencial para um luto saudável, o que para as mulheres parece ser uma tarefa fácil (não 148 deixando, no entanto, de realizar as tarefas de restabelecimento antes da responsabilidade do marido), contrariamente aos homens para quem o confronto com as emoções (associadas ao trabalho de luto) se torna uma tarefa mais difícil, orientando a sua atenção quase exclusivamente para as tarefas de restabelecimento. Neste caso a oscilação é quase inexistente. É, deste modo, que homens e mulheres apresentam diferentes problemas e níveis de dificuldade no processamento da perda e que Stroebe, Stroebe e Schut (2001) defendem que os constrangimentos existentes no desempenho dos papéis sociais evitam que as mulheres, mais que os homens, orientem a sua atenção exclusivamente para a sua forma preferida de coping. Os diminutos recursos financeiros podem influenciar o processo de adaptação à perda, dificultando o processo de luto sendo necessário, em muitos casos receber o apoio da família e dos filhos, quando tal é possível. Os resultados destes estudos refletem o papel exercido pelo apoio social na adaptação à perda. E apesar de haver um estudo em que a amostra não era constituída por adultos viúvos idosos (Bankoff, 1983), considerámos que as conclusões do seu estudo (o apoio que se possa oferecer a uma pessoa enlutada depende de fatores tal como o momento do processo de adaptação em que a viúva se encontra, o tipo de apoio fornecido e a sua proveniência) poderão ser extensíveis às pessoas em idade avançada. Constatou-se que apesar de haver estudos em que o impacto produzido pelo apoio social na adaptação é quase nulo, este pode melhorar a qualidade das relações, promovendo a proximidade entre as pessoas. Neste contexto, o papel desempenhado pela vizinhança, proporcionou oportunidades para a interação com outros. Lopata (1978) após constatar a existência de um isolamento social de viúvas residentes numa área urbana, sugeriu a criação de redes de apoio, formadas por vizinhos, de forma a assegurar uma ligação com as viúvas até estas estarem prontas para (re) assumirem a sua entrada na sociedade. Lopata (1978) esclarece que estes vizinhos teriam duas funções principais: reunir informação acerca dos recursos existentes para fazer face a problemas de naturezas diferentes e reunir grupos existentes que formassem uma rede de apoio. Verificou-se, ainda nestes estudos, que a entreajuda entre as mulheres viúvas idosas contribuiu para o bem-estar físico e mental destas mulheres. Lopata (1978) realça a importância que o apoio social exerce na adaptação à viuvez. Isto é, não colocando de lado outros tipos de apoio, como o emocional ou o financeiro, a viúva pode construir um conjunto de relações sociais, por exemplo com outras viúvas, e que a faça sentir integrada na sociedade. De facto, o envolvimento social e a criação de novos interesses mostraram 149 ser variáveis que colaboraram na redução dos valores da depressão após a perda, funcionando como fatores de adaptação. Da mesma forma, a procura acentuada de apoio emocional no início da perda, influenciou os níveis de bem-estar nos adultos idosos viúvos conseguindo que os mesmos aumentassem. Apesar deste estudo não mencionar o tipo de apoio emocional procurado, esta evidência parece contrariar os resultados obtidos por Bankoff (1983) que mostrou que o apoio recebido pela família, associações, outras viúvas, amigos e crianças, não produzia qualquer efeito no bem-estar psicológico das viúvas na fase inicial do processo de luto. Contudo, parece-nos que a diferente utilização da procura de apoio emocional e instrumental no início do processo pode ajudar a distinguir diferentes caminhos ao longo do processo de luto. E se, antes da perda, os adultos idosos viúvos mantém um contacto e ligação preferencial com aqueles que lhes são mais próximos, após sofrerem a perda, revelam confiar não só em elementos de relações mais próximas, significativas e positivas (contribuindo para a manutenção do bem-estar e sentido de conexão), mas também, numa rede mais alargada e ampla de apoio. Ficámos a saber que as pessoas nem sempre se socorrem do apoio disponível na comunidade, podendo dificultar, deste modo, o processo de adaptação à perda, abrindo caminho para a possibilidade de consequências negativas para a saúde. Parece tornar-se claro que o contexto social, formado por uma rede de apoio onde se incluem amigos, familiares, mulheres também viúvas, vizinhos, etc., influencia a adaptação à viuvez e, por conseguinte, o processamento do luto. Recordando o Modelo Dual de Processar o Luto ocorre-nos, neste momento, referir que se tornou evidente nestes estudos a importância do coping com os stressores de restabelecimento, nomeadamente a criação de novos interesses, o estabelecimento de novas relações que acompanham a transição para a viuvez, a partilha das mesmas experiências com pessoas que as vivenciaram. Ficámos a saber que estes aspetos, relacionados com o apoio social, contribuíram de forma significativa para o bem-estar das pessoas idosas enlutadas. Parece que este contexto se reveste de alguma importância, uma vez que é nele que se insere e movimenta o apoio social e o restabelecimento de relações sociais entre as pessoas enlutadas e outras pessoas significativas. Como afirmam Dutton e Zisook (2005) uma cultura que privilegia as relações interpessoais pode ver o luto como uma oportunidade de renovação de novos laços e deles retirar o devido apoio. Os resultados destes estudos traduzem as complexidades da relação conjugal, traduzidas numa visão tradicional de divisão e desempenho de papéis durante o casamento refletindo-se, posteriormente, na adaptação ao luto. A dificuldade no 150 desempenho de tarefas instrumentais é exemplo desta complexidade. Na verdade a adaptação à viuvez parece ser mais difícil para quem experienciou elevados valores de dependência instrumental do cônjuge falecido. Assim, sendo, como concluem Lund, Caserta e Dimond (1993) quanto maior for o nível de independência do cônjuge falecido, maior será a capacidade em gerir e exercer as tarefas do dia a dia após a perda e, deste modo, alcançar uma adaptação mais bem-sucedida do luto. Ficámos ainda a saber, através destes estudos, que a proximidade conjugal, antes da perda, constitui um bom preditor do sofrimento e da sensação de alívio. Ficou demonstrado que a sensação de alívio e de libertação terão contribuído para valores baixos de declínio emocional observados em pessoas idosas enlutadas com problemas conjugais. O impacto da qualidade da relação conjugal ficou evidente na constatação de que a adaptação à viuvez parece ser mais difícil para as pessoas enlutadas com baixos valores de conflitos no casamento e para as relações marcadas por uma grande proximidade cujos níveis de saudade aumentam, após a perda, junto dos cônjuges enlutados. Ficou evidente que o conhecimento dos estilos de vinculação podem constituir um forte contributo no entendimento das reações à perda, contudo, parece-nos que a proximidade emocional e o companheirismo, mais do que a vinculação amorosa, poderão retratar a relação conjugal entre os adultos idosos, não deixando, por isso, de influenciar, também, o processo de luto e as consequências da perda. Olhando para os resultados obtidos, podemos afirmar que a qualidade da morte se encontra relacionada com o tempo de duração de espera da morte e com o nível e a duração do sofrimento que rodeia a morte provável. Ou seja, a qualidade da morte está relacionada com as circunstâncias da morte. O contexto da morte assume-se como um fator com cada vez mais relevância, como podemos observar através das interações (comunicação) com o cônjuge durante o processo de morte constituindo atitudes importantes para a adaptação psicológica das pessoas viúvas (Silva, 2004). Na verdade, esta ação ficou provada com o baixo nível de pensamentos intrusivos nas pessoas que estiveram junto dos cônjuges no momento da morte. O facto de a institucionalização do cônjuge provocar níveis baixos de ansiedade, pode ser explicado, talvez, pela sensação de libertação que os enlutados podem experienciar. Ou seja, não têm a responsabilidade de cuidar do cônjuge. Esta atitude pode constituir uma preparação emocional para a viuvez, facilitando, deste modo, a transição para este estado (Carr, 2003). Estes estudos refletem uma ideia clara do que realmente influencia a adaptação à perda do cônjuge em idade avançada. Alguns destes fatores não são específicos do luto, 151 como é o caso do apoio social e dos recursos materiais, mas influenciam a sua adaptação. Estes estudos tornam-se relevantes, no sentido de que permitem uma maior compreensão de vários aspetos que podem influenciar o processo de luto e a sua elaboração. Alguns dos padrões que emergiram dos estudos efetuados (visíveis nos estudos sobre a qualidade da relação conjugal, sobre o género ou o apoio social) são o reflexo de papéis associados ao género, com os quais a atual população idosa se foi socializando ao longo do tempo. Segundo Carr, Bordnar-Deren (2009) durante este processo de socialização as mulheres foram criadas para formar e desenvolver relações próximas e interpessoais enquanto os homens foram criados para demonstrar autoconfiança e independência tendo a esposa como principal confidente. Cap.3. O impacto do luto conjugal Neste capítulo faremos uma revisão da literatura, procurando conjugar investigações mais clássicas com outras mais recentes, sobre os efeitos da experiência do luto conjugal em mulheres idosas: “Investigações realizadas sobre os efeitos da perda conjugal indicaram que a viuvez se encontra associada a uma considerável redução na saúde mental” (Fry, 1998, p.370). Para além da sintomatologia, mais associada ao impacto físico e psicológico da perda conjugal, pretendemos, igualmente, dar conta da investigação realizada em torno de outros aspetos da existência humana sobre os quais o impacto do perda conjugal se faz sentir, como é o caso da participação social ou da família. Como nos refere Hansson e Stroebe (2007) nas últimas três décadas os estudos desenvolvidos em torno das consequências do luto avaliaram de forma sistemática, consequências não clínicas, envolvendo o funcionamento pessoal e social, solidão, bem-estar, coping, controlo pessoal e a participação social. As consequências clínicas estudadas incluíram luto complicado, depressão, suicídio, saúde mental e mortalidade. A morte do cônjuge pode, de facto, influenciar todos os aspetos da vida diária dos cônjuges enlutados. Estes, além de terem que lidar com o stress emocional associado à perda, encontram-se perante outras facetas do luto, como o desempenho de tarefas diárias importantes para bem-estar físico e emocional onde se inclui cozinhar, gerir as finanças ou a medicação, manter a casa limpa, etc. (Stroebe & Schut, 1999). 3.1.Impacto físico e psicológico A resposta à pergunta, por nós muitas vezes escutada, durante a aplicação dos instrumentos de medida para este trabalho, “Pergunto-me se alguma vez estes sentimentos que me perturbam irão desaparecer”, pode ser encontrada nas 152 investigações e estudos empíricos, cujos resultados mostraram que estes sentimentos associados ao luto não desaparecerão na sua totalidade com o passar do tempo (Shuchter & Zisook, 1993). Podem, sim, tornar-se menos perturbadores. Após uma revisão da literatura em torno de estudos que exploraram e analisaram a relação entre o luto e as consequências deste na saúde física e mental das pessoas enlutadas, Stroebe, Schut e Stroebe (2007) encontraram resultados que apresentavam as pessoas enlutadas como tendo maior probabilidade de desenvolverem problemas físicos, principalmente, aquelas com uma perda mais recente. Esta constatação é proveniente da maioria das investigações analisadas, as quais envolveram perdas conjugais em participantes com idades iguais ou superiores a 65 anos. Stroebe, Schut e Stroebe (2007) verificaram, ainda, que os indivíduos enlutados apresentavam valores mais elevados de instabilidade, uso de medicação e de hospitalização que os seus pares não enlutados. No domínio das reações psicológicas, tal como as reações físicas, Stroebe, Schut e Stroebe (2007) constataram que podem ser diversas, abarcando reações cognitivas (sensação da presença da pessoa falecida), afetivas (depressão, solidão) e comportamentais (fadiga, agitação). Por exemplo, Zisook, Paulus, Shuchter e Judd (1997) verificaram que a depressão surge como uma reação associada à vivência do luto conjugal e Tran e Fitzpatrick (2002) constataram que os indivíduos viúvos idosos classificaram a sua saúde como mais pobre em comparação com o grupo de viúvos não enlutados, não encontrando, no entanto, qualquer relação entre a depressão e o luto. A experiência do luto pode, pois, envolver uma grande diversidade de reações de pessoa para pessoa, mas também na própria pessoa. Por exemplo, uma pessoa enlutada idosa pode ser possuidora de recursos que lhe permitem lidar de forma satisfatória com alguns aspetos da experiência do luto, mas podem não ser suficientes para lidar com outros aspetos como a solidão ou o desempenho de outras tarefas como as domésticas, em que continua deficitária. Por exemplo, Bonanno, Wortman e Nesse (2004) analisaram dados referentes a sintomas depressivos, antes e depois da perda conjugal, de uma amostra de 185 pessoas viúvas (161 mulheres e 24 homens) com uma média de idades de 69 anos. Os dados deste estudo foram obtidos de um outro estudo mais amplo – CLOC – cujas características estão já descritas numa outra parte deste trabalho. Os dados foram recolhidos antes, 6 e 18 meses após a perda. Neste estudo os autores identificaram na amostra cinco padrões de luto. Os participantes classificados como tendo um padrão de luto normal e que revelaram baixos índices de sintomas depressivos antes da perda, após esta ter surgido, apresentaram um aumento nos sintomas 153 relacionados com a depressão, mas que aos 18 meses diminuiu. Aqueles que apresentaram um padrão resiliente (45.9%), da mesma forma que o grupo anterior apresentara, exibiram baixos valores de sintomas depressivos, mas neste grupo estas pontuações mantiveram-se baixas ao longo dos 18 meses. O grupo com um padrão caracterizado como luto crónico apresentou antes da perda, níveis baixos de sintomas depressivos que aumentaram nos 6 e 18 meses após a perda. As pessoas enlutadas c1assificadas com um padrão de depressão crónica evidenciaram valores elevados de depressão antes da perda e que se mantiveram neste nível, 18 meses após a perda. Os participantes classificados com um quinto padrão de luto denominado depressivos com melhorias, apresentaram níveis elevados de depressão antes da perda e que diminuíram nos dois períodos seguintes, isto é, nos 6 e 18 meses após a perda. Parece-nos que uma grande parte das pessoas enlutadas idosas aparentam ser bastante resilientes, conseguindo orientar grande parte dos próprios recursos para lidar com o stress e depressão e, deste modo, adaptar-se às novas circunstâncias. Fry (1998) realizou um estudo com o objetivo de explorar as reações a curto e a longo prazo de uma amostra de indivíduos idosos viúvos. O estudo longitudinal realizou-se em dois momentos: no primeiro momento, 4 meses após a perda e no segundo momento 12 meses após a perda. No primeiro momento participaram 92 indivíduos e no segundo momento participaram 72 pessoas. A idade dos participantes nos dois momentos situava-se entre os 65 e os 83 anos de idade. Quer no primeiro, quer no segundo momento os participantes responderam a questionários com perguntas abertas e fechadas. O autor constatou que quando o cônjuge morre a pessoa enlutada desenvolve um esforço consciente para se adaptar à viuvez. Esta transição é, muitas vezes, acompanhada por muita solidão e confusão acerca da procura de um significado para a vida. Fry verificou que muitos indivíduos experienciam grandes remorsos, culpa e dúvidas pelo facto de terem sobrevivido e de terem que aprender a viver sem o cônjuge. Contudo, esta situação foi-se atenuando à medida que o tempo passou. Fry observou isso mesmo ao longo dos 12 meses que se seguiram à perda (segundo momento) quer nos homens, quer nas mulheres. O funcionamento psicológico, por exemplo, sofreu mudanças positivas neste segundo momento, especialmente na intensificação da sensação de autodescoberta, na intensificação da autonomia social e de controlo. Fry explica que o sofrimento associado à perda conjugal serviu como uma motivação para que o cônjuge enlutado prosseguisse no seu processo de luto, focado nas mudanças que lhe conferissem um maior bem-estar. Apesar da preocupação e da 154 angústia sentida, a maioria dos indivíduos reconheceu que adquiriram um maior conhecimento pessoal ao experienciarem este acontecimento e que, da mesma forma, obtiveram ganhos traduzidos num renovado sentido para a vida. Mas a solidão e o sofrimento não haviam desaparecido na sua totalidade, continuando a existir na maioria dos indivíduos enlutados. O que aconteceu foi que este sentimento oscilava frequentemente com sentimentos de resiliência e de procura de um significado para a vida sem a presença da pessoa querida. A par destas observações o autor concluiu que este estudo longitudinal mostrou o quanto a perda conjugal pode envolver um elevado grau desorganizacional na vida das pessoas e no seu bem-estar físico e emocional. Thompson, e col. (1991) analisaram os efeitos da perda conjugal no stress psicológico, durante um período de dois anos e meio numa amostra de 212 adultos idosos (mais de 55 anos de idade) comparando-a com um grupo de controlo de 162 idosos não enlutados por viuvez. Foram aplicadas entrevistas estruturadas em 3 momentos distintos após a perda: 2, 12 e 30 meses. As mulheres reportaram níveis mais elevados de depressão e de psicopatologia global que os homens durante o primeiro ano de luto. Já o mesmo não se verificou com o sofrimento cujos valores foram semelhantes para homens viúvos e mulheres viúvas nos 3 momentos de avaliação. Apesar dos sintomas de psicopatologia global e depressão terem diminuído para níveis normais no período de 30 meses após a perda, foram observados comportamentos associados ao sofrimento (ex. saudades do falecido marido), que persistiram durante este período. Num estudo, datado de 2008, realizado por Kowalsky e Bondmass, os resultados obtidos confirmaram a existência de sintomas físicos e psicológicos resultantes da experiência do luto. A amostra envolveu a participação de 173 mulheres viúvas com uma média de idades de 67 anos. Os dados foram recolhidos durante 5 meses, desde janeiro a junho de 2006. A análise dos dados revelou que 38.3% das mulheres respondentes não assinalou qualquer sintoma, 45% assinalou entre 1 e 3 sintomas e 16.7% relatou entre 4 e 7 sintomas. Estes sintomas e/ou problemas de saúde incluíam dor, problemas gastrointestinais, condições médico-cirúrgicas, perturbações do sono e problemas neurológicos/circulatórios. Os autores verificaram, posteriormente, a possibilidade de estes sintomas se relacionarem com a idade das participantes, tendo concluído não haver correlação significativa entre estas variáveis. Os sintomas psicológicos apresentados pelas viúvas participantes envolviam sintomas de depressão, ansiedade, solidão, choro, tristeza, stress, desânimo, ansiedade e preocupação. Um dado interessante revelou que, do total de viúvas que fumavam, 44% aumentou o consumo de 155 tabaco após a perda e 21% aumentou o consumo de álcool. Wilcox e col. (2003) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar os efeitos do processo de transição para a viuvez. De um modo mais específico, pretendeu-se averiguar se a viuvez estava associada à saúde física e mental, a comportamentos relacionados com a saúde e a consequências na saúde. A amostra deste estudo, inserida num estudo mais abrangente denominado “The Women´s Health Initiative”, envolveu a participação de 72 247 mulheres com uma média de idades de 64.09 anos. As viúvas foram contactadas antes (1ºcontacto) e 3 anos depois do 1º contacto. Durante este período de 3 anos foram analisados os dados provenientes de 55 724 mulheres. Destas, 2 254 enviuvaram, 41 834 continuaram casadas, 11 366 continuaram viúvas e 270 mulheres viúvas voltaram a casar. O total da amostra nestes 3 anos, envolveu, pois, a participação de mulheres com diferentes estados civis. Durante a visita efetuada às viúvas no período dos 3 anos, os autores observaram a existência de viúvas com menos de um ano de viuvez e com mais de um ano de viuvez. Esta constatação virá a revelar-se importante na análise dos dados. Os resultados do estudo incluem dados provenientes do primeiro contacto e dos contactos efetuados durante os 3 anos seguintes. Os autores verificaram que as mulheres casadas no primeiro contacto apresentavam uma condição física e mental mais favorável que as mulheres viúvas no primeiro contacto. Já as mulheres casadas consumiam mais álcool que as mulheres viúvas. Por fim, durante o primeiro contacto, as mulheres viúvas recentes (com menos de um ano de viuvez) demonstraram uma saúde mental mais pobre que as mulheres com mais de um ano de viuvez. Durante este primeiro contacto, as mulheres viúvas apresentaram valores significativamente mais elevados de debilitamento, em comparação com as mulheres casadas, nos domínios do funcionamento social, no humor depressivo e na saúde mental de uma forma geral. As mulheres com um tempo de viuvez superior a um ano, contrariamente às viúvas mais recentes, apresentaram melhorias no funcionamento social e na saúde mental, relativamente às mulheres casadas. As viúvas com mais de um ano de viuvez tinham mais probabilidade, que as mulheres casadas, de levar uma vida sedentária, mas menos probabilidade que estas de consumir sete ou mais bebidas alcoólicas por semana. Relativamente aos dados obtidos durante o período de 3 anos verificou-se que as mulheres que ficaram viúvas apresentaram uma probabilidade maior de perder peso de forma não intencional, em comparação com aquelas que se mantiveram casadas. Neste estudo ficou claro que as mulheres que continuaram viúvas desde o 1º contacto diminuíram o consumo de tabaco relativamente às mulheres que se 156 mantiveram casadas. Quanto à atividade física os resultados revelaram que esta variável obteve valores mais elevados junto das viúvas há mais de um ano que junto daquelas que se permaneceram casadas. As viúvas mais recentes apresentaram uma diminuição no consumo de frutas e vegetais relativamente às mulheres casadas. Os autores concluem que o casamento, ao invés da viuvez, parece providenciar valores mais saudáveis em termos de saúde, com as mulheres casadas a conseguirem níveis mais elevados no desempenho físico e mental, bem como nos comportamentos relacionados com a saúde como fumar ou consumir fruta e vegetais. Estes dados parecem indicar que a viuvez se traduz num impacto negativo na saúde mental das mulheres. Os autores acabam por concluir que, apesar de no primeiro contacto, a viuvez estar negativamente associada às variáveis de saúde mental, física e comportamental, ao longo dos 3 anos seguintes os valores elevados destas variáveis exibiam melhorias significativas, nomeadamente, no funcionamento social e emocional na maioria das mulheres. Relativamente aos efeitos da viuvez na saúde física e mental das pessoas enlutadas parece ter ficado evidente, através dos estudos aqui apresentados, que o tempo exerce uma influência fundamental ao atenuar e diminuir o impacto negativo mais acentuado nos primeiros meses após a perda. 3.1.1.A mortalidade do luto Após uma revisão de investigação Stroebe, Schut e Stroebe (2007) afirmam que a mortalidade do luto é atribuída, em grande parte, ao chamado “coração partido”, isto é, a perda é causadora e provocadora de reações e mudanças na vida do indivíduo enlutado. Parkes, Benjamin e Fitzgerald (1969) referem-se a esta expressão como se tratando de um termo ultrapassado utilizado para explicar que o luto pode matar alguém do coração. Falamos de solidão, de angústia de ansiedade e de alterações nos hábitos sociais, económicos e relacionais da pessoa enlutada. Verificaram que os indivíduos que apresentam maior risco de mortalidade eram aqueles com um tempo de viuvez mais curto, apesar de este risco poder persistir por um longo período de tempo, especialmente para aqueles com doenças relacionadas com o abuso do álcool. Apuraram que os homens viúvos apresentam um maior risco de mortalidade quando comparados com os seus pares casados. O mesmo padrão se verificou para as mulheres viúvas. Relativamente à idade, Stroebe, Schut e Stroebe (2007) constataram que entre os jovens o risco de mortalidade é maior que entre os mais idosos. Numa outra revisão da literatura sobre o impacto do luto na mortalidade de homens viúvos e mulheres viúvas idosas, Bowling (1987) verificou que, na 157 generalidade, o luto por viuvez se encontrava associado a uma taxa elevada de mortalidade para os dois sexos, apresentando, contudo, um risco mais elevado para os homens. Como possível explicação para este resultado, Bowling (1987) refere que, enquanto casados, os homens se sentiram protegidos do stress, ou seja, o casamento funcionou como uma espécie de proteção contra os stressores negativos e as consequências físicas e psicológicas surgidas logo após a perda. De facto, durante o casamento os cônjuges experienciam os efeitos dos stressores apoiando-se mutuamente através da entreajuda emocional e material, diminuindo, deste modo, os efeitos negativos dos stressores. Por outro lado, o cônjuge enviuvado vê-se agora sem a sua principal fonte de apoio material, tendo que realizar as tarefas antes da responsabilidade do cônjuge falecido. Para Bowling (1987) esta preponderância do risco de mortalidade junto dos homens, deve ser vista em termos de impacto desorganizacional. Significa que os homens sofrem a perda de uma dona de casa, da responsável pelas lides domésticas, bem como de uma amiga e de uma companheira, sentindo-se menos preparados para cozinhar ou desempenhar as tarefas domésticas. Desta revisão de literatura Bowling concluiu que a viuvez adquire uma natureza protetora para as mulheres, enquanto para os homens constitui um fator de risco. Um estudo longitudinal levado a cabo por Martikainen e Valkonen (1996) propôs-se acompanhar cerca de 1 580 000 pessoas casadas, com idades compreendidas entre os 35 e os 84 anos, durante 5 anos (1986-1991). Ao longo deste período 22 294 homens e 61 686 mulheres enviuvaram. O estudo pretendeu analisar o excesso de mortalidade entre a população finlandesa após a morte do cônjuge. Este estudo baseouse nos dados fornecidos pelos Censos de 1985 e na ligação de todas as mortes ocorridas no período abrangido entre 1986 e 1991, abarcando todos os homens e mulheres dos 35 aos 84 anos de idade em 1985. Foram encontrados resultados que confirmam que o excesso de mortalidade é maior entre os homens que entre as mulheres quando comparados com os seus pares casados. Não só o excesso de mortalidade é maior entre os homens, como é superior entre a população masculina jovem (35-64) com valores de 70% para os jovens viúvos e de 25% para as jovens mulheres viúvas. Para estes jovens a morte do cônjuge pode ser mais perturbadora e, talvez, mais inesperada nestas idades, o que talvez tenha contribuído para estes resultados. Para a população idosa os valores de excesso de mortalidade são inferiores. Com efeito, entre as mulheres idosas (65-74) o excesso de mortalidade é de 20% e para os homens de 10%. O excesso de mortalidade não existe entre as mulheres mais idosas (75-84), já para os homens nesta mesma faixa 158 etária o excesso de mortalidade situa-se entre os 10%. Procurando, depois, examinar o excesso de mortalidade relacionando-a com as causas da morte, os autores observaram que o excesso de mortalidade verificado no grupo dos 35 aos 64 anos de idade era particularmente elevado entre os homens e mulheres que padeciam de doenças relacionadas com o abuso do álcool e daqueles que sofreram acidentes e violência. Entre as mulheres o excesso de mortalidade devido ao cancro é baixo e é similar em todas as idades. Já os homens apresentavam uma maior probabilidade de morrer de acidentes, de doenças associadas ao abuso de álcool, de ataques cardíacos e de cancro da garganta que os seus pares casados. Martikainen e Valkonen (1996) postulam que o luto funcione como uma espécie de mecanismo stressor que enfraquece a capacidade da pessoa enviuvada em lidar com a doença, talvez já existente antes da perda. Nas palavras dos autores: “Portanto, o luto não pode ser visto como a principal causa da doença, mas como acelerando ou exacerbando um problema de saúde preexistente” (Martikainen & Valkonen, 1996, p.1092). Esta ideia era já partilhada por Parkes, Benjamin e Fitzgerald num estudo de 1969, no qual um conjunto de cerca de 213 homens viúvos com 55 e mais anos de idade faleceu 6 meses após a morte da esposa. As causas da morte foram atribuídas a tromboses coronárias e a outras doenças do coração. Os autores argumentam que as tromboses não ocorreriam após a perda se as artérias coronárias não estivessem já danificadas. O que os autores querem dizer é que o luto pode atuar como um fator agravante e precipitante da trombose coronária, esclarecendo, no entanto que este não poderá ser a única causa da morte. Martikainen e Valkonen (1996) concluem que o excesso de mortalidade, após a morte do cônjuge se fica a dever, em parte, ao stress, aos níveis mais elevados de excesso de mortalidade e à incapacidade para lidar com a perda do cônjuge. Esta pesquisa revelou, ainda, que o excesso de mortalidade é mais elevado nos primeiros 6 meses após a perda, um período em que o sofrimento e o stress são sentidos e vividos de uma forma mais intensa pelas pessoas enlutadas, diminuindo com o passar do tempo. Os resultados deste estudo são similares aos de outros estudos, alguns já aqui referidos, no respeitante ao facto de os níveis de mortalidade serem mais elevados entre os homens que entre as mulheres e que esta consequência do luto se verifica logo após a perda. Por exemplo, Bowling (2009) encontrou resultados idênticos aos de Martikainen e Valkonen (1996), nomeadamente, no que se refere ao valor elevado do excesso de mortalidade nos primeiros 6 meses após a perda entre os homens enlutados por viuvez com 75 e mais anos de idade. Observou, também, que estes valores (medidos 6 meses 159 após a perda), passados 6 meses, desapareceram. Talvez, porque também tenha diminuído o impacto emocional e psicológico causado pela experiência do luto. O estudo realizado por Manor e Eisenbach (2003) pretendeu avaliar o efeito da perda do cônjuge nos índices de mortalidade, os quais foram analisados de acordo com a duração do luto, a idade, o género, educação, origem étnica, tamanho da família e número de filhos. A amostra foi constituída por 49566 homens e 41264 mulheres, dos quais 4402 homens e 11142 mulheres enviuvaram no período em que decorreu o estudo, 1983-1992. A idade dos participantes situa-se entre os 50 e os 79 anos de idade. Na análise dos resultados obtidos, Manor e Eisenbach (2003) verificaram que o risco de mortalidade causado pelo luto é maior nas pessoas viúvas mais novas quando comparadas com as mais velhas, sendo que nos homens mais novos os valores são mais elevados que os das mulheres pertencentes ao mesmo grupo de idade. Já no grupo de idade compreendido entre os 75 e os 79 anos, não foram encontradas diferenças significativas sobre os efeitos do luto nos valores da mortalidade para ambos os sexos. De realçar que, em quase todos os grupos de idade, este efeito do luto sobre a mortalidade se verificou, de uma forma mais intensa, nos primeiros 6 meses após a perda do cônjuge, quer para os homens, quer para as mulheres. Destes dados podemos concluir que o risco relativo de mortalidade é mais elevado para os enlutados mais jovens que para os mais idosos. O estudo realizado por Stimpson, Kuo, Ray, Roji e Peek (2007) pretendeu analisar a relação da mortalidade e da viuvez bem como a variabilidade do risco da mortalidade em relação ao género. A amostra, constituída por 1693 pessoas com 65 e mais anos de idade era de nacionalidade mexicano-americana. O estudo teve o seu início em 1993 e acompanhou os participantes ao longo de 7 anos até ao ano 2000. Durante este período 239 pessoas ficaram viúvas. Tendo em conta o objetivo do estudo, os resultados revelaram que os homens viúvos apresentavam um maior risco de mortalidade que os seus pares casados. Os autores do estudo encontraram alguns mediadores com uma relação significativa com a mortalidade, com o consumo do álcool, com a reduzida mobilidade física e com sintomas depressivos. Comparando com as mulheres casadas, o risco de mortalidade para as mulheres viúvas é superior, mas estatisticamente não significativo. Durante o tempo de duração do estudo os investigadores constataram que os homens apresentavam um maior risco de mortalidade que as mulheres também viúvas, com o decorrer do tempo. Verificaram que este aumento foi sendo menos acentuado que nos primeiros 24 meses, período de maior 160 risco de mortalidade. Este valor difere dos resultados de outros estudos aqui referidos (Martikainen & Valkonen, 1996), para os quais o risco de mortalidade dentro deste período já seria mais reduzido. Para os autores deste estudo, este resultado pode significar a necessidade de um período mais longo para os homens viúvos idosos mexicano-americanos de adaptação à perda. 3.2. O impacto na vida diária da pessoa enlutada Apesar de a maioria dos estudos por nós até agora analisados se focar na forma como os indivíduos processam a sua perda, a verdade é que a perda é também um “assunto de família”. Vimos que a colaboração e a participação da família no apoio à pessoa enlutada podem constituir um fator importante para o sucesso do processo de adaptação ao luto. A importância que o apoio familiar representa no desempenho da sua função relacional é idêntica para as pessoas jovens e para as pessoas idosas, aumentando o seu grau de importância com o avançar da idade e consequente dependência para a realização de tarefas diárias. Estas tarefas podem constituir um fardo adicional e uma dificuldade acrescida para o cônjuge enlutado se antes eram da responsabilidade do cônjuge falecido, podendo provocar o surgimento de problemas físicos e mentais (Lund, Caserta & Dimond, 1993). As pessoas demasiadamente preocupadas com a sua dor e o seu sofrimento podem negligenciar a sua alimentação ou a sua saúde. Acrescente-se o facto de as pessoas enlutadas poderem vir a desempenhar tarefas relacionadas com as lides domésticas e com a gerência da casa (pequenas reparações, preparação de refeições, por exemplo), constituído, à semelhança da dor causada pela perda, uma fonte de stress e de preocupação, especialmente se vivem sós. Como afirma Raveis (2000), para os adultos idosos o stress proveniente das alterações provocadas pelas circunstâncias da vida junta-se ao seu sofrimento experienciado com a morte do cônjuge. Estas mudanças não podem ser vistas de forma isolada da experiência que é o luto. A importância destas limitações na vida dos adultos idosos enlutados mereceu da parte de Caserta, Lund e Rice (1999) a elaboração de um programa educativo desenhado com a finalidade de promover junto da população idosa enlutada, um ambiente propício ao desenvolvimento de técnicas e de aprendizagens importantes para o bem-estar físico e emocional. Desta intervenção, o entendimento e o coping com o luto constituem parte integrante. Usando dados do estudo CLOC, Utz e col. (2004) procuraram saber mais acerca da responsabilidade diária no desempenho de tarefas relacionadas com a administração 161 e gestão da casa. Especificamente, pretenderam obter respostas para as seguintes questões: a) Analisar se a viuvez influencia as atividades diárias do lar dos adultos idosos viúvos; b) Saber até que ponto a dependência dos filhos medeia a influência da viuvez no desempenho das tarefas domésticas; c) saber até que ponto estes padrões variam em função do género da pessoa enlutada. A amostra deste estudo envolveu a participação de 202 adultos idosos (145 mulheres e 57 homens) com 65 e mais anos de idade. À semelhança de outros estudos realizados no âmbito do CLOC, os dados foram recolhidos antes e depois da perda. Neste estudo, a informação foi recolhida antes e 6 meses após a perda. O grupo de controlo foi constituído por 86 participantes, sendo que 65 eram mulheres e 21 eram homens casados. A análise dos resultados revelou a existência de níveis mais elevados de trabalho doméstico para os homens viúvos que para os homens casados. Já as mulheres viúvas apresentaram níveis inferiores para este mesmo tipo de trabalho relativamente às mulheres casadas. Segundo os autores do estudo, esta diferença de género na realização do trabalho doméstico deve-se ao facto de os filhos ajudarem mais as mães viúvas que os pais viúvos. Uma outra explicação, avançada por Utz e col. (2004), reside no facto de que antes da perda o homem aumenta as horas dedicadas ao desempenho de tarefas domésticas como resultado da doença da esposa ou da sua morte, continuando após a morte desta. Estes mesmos fatores, contudo, não influenciam o tempo despendido pela mulher no desempenho das tarefas domésticas, talvez devido ao facto de que estas sempre foram da sua responsabilidade durante o casamento. Relativamente ao papel desempenhado pelos filhos na atenuação do stress causado pelo desempenho e organização das tarefas e lides domésticas, os resultados mostraram que quer os homens, quer as mulheres idosas viúvas desempenham consideravelmente menos atividades domésticas quando os filhos ajudam. Vimos, aliás, nos resultados anteriores que esta ajuda é superior nas mulheres viúvas. Utz e col. (2004) constataram, ainda, que os filhos apoiavam mais as mulheres que os homens antes e 6 meses após a perda. Antes da perda o apoio fornecido aos homens refletia uma resposta às necessidades de uma pessoa doente e com grandes probabilidades de morrer. Após a perda o apoio traduziu-se na ajuda das atividades relacionadas com a gestão das lides domésticas. Os filhos parecem, pois, providenciar mais apoio e suporte às mães que aos pais em tempos de grande vulnerabilidade, como a doença e a viuvez. 3.3.O impacto na participação social A adaptação a novos comportamentos associados ao luto pode constituir para a 162 pessoa enlutada um desafio difícil de ultrapassar. Face ao novo estatuto de mulher viúva a pessoa enlutada poderá ter que alterar a sua rotina social e necessitar de reajustar a sua rede de contactos sociais. Ahern e Hendryx (2008) comprovaram que a participação de mulheres adultas idosas em atividades da comunidade se encontra relacionada com uma diminuição no risco de sintomas depressivos. Esta constatação aplicou-se, somente, às mulheres que não haviam revelado previamente sintomas de depressão. A participação nestas atividades (voluntariado, integração cívica ou religiosa) conseguiu resultados bastante positivos, mesmo face a outros fatores de risco, como a viuvez ou os baixos rendimentos. Os autores alertam para a necessidade de se promover a participação comunitária junto de mulheres idosas, como estratégia de prevenção da depressão. Utz, Carr, Nesse e Wortman (2002) procuraram saber mais acerca da influência da viuvez sobre a participação social num grupo de adultos idosos. Estes autores definem participação social como a interação com outras pessoas além do cônjuge, sendo que esta se subdivide em participação social informal e participação social formal. A primeira envolve, por exemplo, contactos telefónicos e interação social com amigos; a segunda abrange, por exemplo, a participação em atividades religiosas, associativas ou de organizações e ações de natureza voluntária. Este estudo de Utz, Carr, Nesse e Wortman (2002) usou dados do CLOC, cujas características estão descritas numa outra parte deste trabalho. Os autores analisaram o nível de participação social de adultos idosos viúvos antes e 6 meses após a perda do cônjuge através de entrevistas. Compararam os resultados destes adultos idosos viúvos com um grupo de pessoas idosas casadas. Pretendeu-se averiguar se as mudanças observadas na participação social se devem à influência da viuvez ou ao efeito da idade e da passagem do tempo. Pretendiam, ainda, averiguar se os diferentes tipos de participação social melhoravam os índices de solidão. A amostra constituída por 210 pessoas viúvas e 87 não viúvas apresentava uma média de idades de 70.56 e 69.05, respetivamente. Os resultados do estudo revelaram diferenças no comportamento dos dois tipos de participação social. As pessoas viúvas (homens e mulheres) revelaram um aumento na participação social informal após a perda, enquanto os valores da participação social formal não revelaram qualquer oscilação ou alteração ao longo do tempo ou como consequência da viuvez. A participação social formal não envolve o apoio social ou emocional de amigos ou familiares, daí que os níveis não se tenham alterado, contrariamente à participação social informal (Utz, Carr, Nesse & Wortman, 2002). Na verdade, os níveis da participação social formal não diferiram entre as pessoas viúvas e 163 o grupo de controlo. Já o aumento dos valores da participação social informal se poderá ficar a dever em alarga medida ao aumento do apoio social oferecido por amigos, familiares e outras pessoas da comunidade. Independentemente de terem recebido ou procurado este apoio, as pessoas viúvas utilizaram-no como estratégia de coping para fazer face à solidão e ao stress (Utz, Carr, Nesse & Wortman, 2002). O estudo realizado por Ferraro e Barresi (1980) pretendeu analisar o impacto da viuvez nas relações pessoais das pessoas idosas viúvas, com especial relevo para a quantidade de tempo decorrido desde a morte do cônjuge. Para este estudo, os autores utilizaram dados provenientes de um outro estudo desenvolvido entre 1973 e 1974. A análise desta pesquisa incide sobre uma amostra de 4949 pessoas idosas casadas e viúvas que completaram as entrevistas entre 1973 e 1974. Os resultados encontrados revelaram que os inquiridos casados (entre os dois momentos) viram os níveis de interação com amigos diminuir enquanto aqueles com filhos a viver fora da sua casa, aumentaram a frequência deste contacto. Talvez este último facto se fique a dever, segundo os autores, à descoberta da importância destas relações por parte dos participantes casados. A interação com vizinhos, amigos e familiares diminuiu junto daqueles que eram viúvos há mais de 4 anos (antes do segundo momento). Já aqueles que ficaram viúvos entre os dois momentos do estudo e aqueles com um tempo de viuvez compreendido entre um e quatro anos (antes do segundo momento) conseguiram manter a estabilidade nas relações sociais. Em comparação com as pessoas casadas, as pessoas viúvas (entre os dois momentos e com um tempo de viuvez compreendido entre 1 e 4 anos) apresentaram níveis mais elevados de contacto com vizinhos. Não foram observadas diferenças significativas entre as categorias de pessoas viúvas e os participantes casados, relativamente às interações com amigos. Comparativamente às relações com a família, as pessoas viúvas há mais de 4 anos interagem menos frequentemente com a família que as pessoas casadas, observando-se o mesmo padrão em relação aos contactos com os filhos. Os resultados deste estudo permitiram concluir que as viúvas mais recentes parecem manter um equilíbrio nas suas relações com a família e os vizinhos, exibindo níveis elevados de interação com estes últimos. Os participantes com um tempo de viuvez superior a 4 anos demonstraram possuir níveis reduzidos de interação familiar. Também Zettel e Rook (2004) verificaram que as mulheres idosas, com um tempo de viuvez maior apresentaram maiores probabilidades de estabelecer laços com novos elementos da rede social que as mulheres idosas com um tempo de viuvez mais 164 curto. Os autores atribuíram este resultado ao facto de as viúvas recentes concentraram a sua atenção em relações e contactos já existentes, enquanto as mulheres com mais tempo de viuvez, exibem uma maior disposição e inclinação para expandir a sua rede de apoio social e estabelecer novos contactos e relações. 3.4. Síntese Vimos nestes estudos que existem diversas variáveis que medeiam a relação entre o luto e a mortalidade, como é o caso de variáveis demográficas, como a idade e o género. As causas da morte revelaram exercer um papel mediador importante. Verificou-se que os stressores associados ao luto diminuem o seu impacto com a passagem do tempo. Carr e Bordnar-Deren (2009) constataram que a morte do cônjuge pode ativar mudanças na saúde e no comportamento dos enlutados, tal como o abuso do álcool, a falta de exercício, a ausência de cuidados na alimentação ou a toma de medicamentos. A maioria dos estudos mostrou que os efeitos da perda conjugal são mais fortes e penalizantes para os homens que para as mulheres; que é mais provável que a morte ocorra dentro dos primeiros 6 meses após a perda, levando-nos a concluir que o luto se encontra associado a um risco elevado de mortalidade, particularmente nos primeiros meses após a perda, que há excesso de mortalidade proveniente de acidentes e de suicídio e de que talvez se possa morrer de um “coração partido”, isto é de doenças cardíacas. 165 PARTE IV Stressores e estratégias de coping com o luto conjugal: Um estudo longitudinal em adultos idosos 166 Cap.1. Metodologia 1.1. Introdução Neste capítulo apresentaremos as diferentes etapas que caracterizam a metodologia adotada neste estudo, onde se inclui a formulação dos objetivos, o método adotado e a caracterização dos estudos. Os objetivos foram definidos com o intuito de operacionalizar o Modelo Dual de Processar o Luto (Stroebe & Schut 1999), nomeadamente os Stressores Orientados para a Perda (SOP), os Stressores Orientados para o Restabelecimento (SOR), as Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento (ECOPR) e o processo de Oscilação. Para além de ser do nosso interesse conhecer a evolução destas dimensões durante um período de tempo, quisemos, também, cruzar estas dimensões com outras variáveis capazes de influenciar o comportamento das dimensões do modelo dual. Referimo-nos ao estilo de vinculação, à saúde e a variáveis demográficas como a idade. Obedecendo a uma maior especificação dos objetivos formulados, organizámos o nosso trabalho em torno de quatro estudos, estruturados sob a forma de questões e de hipóteses para as quais pretendemos encontrar respostas concretizadoras dos objetivos definidos para este trabalho. 1.2. Objetivos Desenvolver os instrumentos de medida “Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR) ” e “Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento (IECOPR) ”; Descrever o autorrelato da trajetória de stressores e de estratégias de coping com o luto nos primeiros dezassete meses após a perda; Avaliar as diferenças na evolução das dimensões do Modelo Dual de Processar o Luto em função da idade, da escolaridade e das circunstâncias da morte; Avaliar a existência de Perturbações Prolongadas do Luto e sua associação com os stressores e as estratégias de coping; Avaliar o comportamento dos stressores e das estratégias de coping em função de estilos de vinculação; Avaliar a associação entre as dimensões do modelo dual de processar o luto e o estado geral de saúde. 1.3. Método 1.3.1. Participantes 167 Foram contactados párocos, agências funerárias e jornais locais de um distrito do Norte de Portugal. Uma agência funerária contactava a investigadora principal sempre que ocorria o falecimento do marido de uma mulher com 65 ou mais anos. Outras agências foram contactadas após a investigadora principal ver o anúncio do falecimento de um homem com 65 ou mais anos e ser claro no anúncio que ele teria deixado viúvo o seu cônjuge. Foram contactadas 4 paróquias de um concelho do Norte de Portugal procurando-se obter a adesão do respetivo pároco para informar o investigador principal dos falecimentos ocorridos que teriam deixado viúva alguma mulher. Regularmente, a investigadora principal contactava os párocos que colaboraram neste processo, após o qual (em dois casos) se deslocava à paróquia e recolhia o nome e endereço da pessoa viúva. Nos restantes casos estes elementos eram recolhidos junto dos párocos após contacto telefónico. Como resultado deste processo contactaram-se entre outubro de 2008 e março de 2011, 199 mulheres cujos maridos haviam falecido há menos de um mês. Destes cento e noventa e nove (199) contactos, cinquenta e nove (59) aceitaram integrar a amostra de participantes deste estudo (Quadro 4.2). A idade destes últimos situou-se entre os 65 e os 85 anos (M=72.49 e DP=6.18). A amostra desta investigação é constituída por mulheres viúvas idosas, com 65 e mais anos de idade. As características da amostra estão representadas no Quadro 4.3. Os dados desta tabela baseiam-se nas respostas obtidas no Questionário Sociodemográfico. Quadro 4.1- Características sociodemográficas da amostra Amostra Idade Média n % do total da amostra 59 100.0 Desvio Padrão 72.49 6.18 65-74 37 62.71 75 + 22 37.29 Habilitações Académicas Com escolaridade 41 69.49 Sem escolaridade 18 30.51 Local de residência 168 Barcelos 20 33.90 Braga 34 57.63 Guimarães 3 5.08 Famalicão 2 3.39 Com quem vive? Só 18 30.51 Com filhos 36 61.02 3 5.08 Outrem 2 3.39 Sim Aparecimento de um novo problema de saúde com a morte do marido 8 13.56 Não 51 86.44 Com outro familiar Próximo Circunstâncias da morte Morte repentina 45 76.27 Morte esperada 14 23.73 Pais Perdas sofridas até à morte do marido 11 18.64 Filhos 2 3.39 Irmãos 2 3.39 Ninguém 3 5.08 Pais e filhos 5 8.47 Pais e outro familiar 61.02 Sim 36 Precisa de ajuda para processar o luto? 22 Não 18 30.51 Às vezes 19 32.20 37.29 Que tipo de ajuda? Amigos 9 15.25 Familiares 31 52.54 Igreja 0 169 Médica 1 De outras pessoas que passaram pela mesma experiência 0 1.69 O Quadro 4.1 contém os dados sociodemográficos da nossa amostra, constituída por mulheres viúvas idosas. A análise do Quadro 3 revela-nos que o universo da nossa amostra é constituído por 59 participantes, sendo que 62.71% tem idades entre os 65 e os 74 anos e 37.29% apresenta 75 e mais anos. Mais de metade da amostra possui escolaridade e reside no concelho de Braga. A maioria das viúvas não vive só, vive com os filhos (61.02%), sendo que somente duas, vivem com outras pessoas que não os familiares. Com a morte do marido, 86.44% das viúvas reportou que este acontecimento não provocou o aparecimento de problemas de saúde. Relativamente às circunstâncias em que a morte ocorreu, 76.27% dos óbitos deveram-se a mortes repentinas. Até à morte do marido, 61.02% havia já perdido os pais e outro familiar. Na resposta à pergunta sobre a necessidade de ajuda no processamento do luto, 37.29% respondeu precisar de ajuda, em particular de familiares. 170 Quadro 4.2. Esquema representativo do total de contactos aceites e recusados, bem como os motivos das recusas, em cada um dos cinco momentos temporais Total de contactos efetuados: 199 Recusados: 140 Tempo 3 Tempo 2 Tempo 1 Aceites: 59 Motivos das recusas: Viúvas não encontradas em casa Não se conseguiu encontrar a morada Não consegue falar sobre o assunto Aceitou e depois desistiu Não apresentou motivo Morte da viúva Recusados: 25 Aceites: 34 Recusados: 8 Aceites: 27 Motivos das recusas: Motivos das recusas: Não quis falar sobre o assunto – “Não é bom falar sobre isso” Não atendia o telefone Temos que continuar com a vida Não encontrada em casa Não encontrada em casa Tem de tratar da mãe Não apresentou motivo Hospitalizada/adoeceu Não atendia o telefone 171 Tempo 4 Recusados: 3 Tempo 5 Aceites: 26 Motivos das recusas: Não encontrada em casa Recusados: 5 Aceites: 22 Motivos das recusas: Não apresentou motivo Prazo do estudo A observação do Quadro 4.2 permite-nos obter uma visão do processo de estabelecimento dos contactos com as participantes no estudo. Em cada um dos tempos é-nos apresentado o número de contactos aceites, o número de contactos recusados e os motivos das recusas em colaborar. Da interpretação do Quadro 4.2 obtemos o seguinte: Das 59 participantes do Tempo 1, que concordaram participar durante o primeiro mês de viuvez, 34 mantiveram-se para o Tempo 2. No Tempo 2, oito não deram continuidade à sua participação nos Tempos seguintes (casos:17, 19, 30, 35, 41, 48, 55 e 59). No entanto, os casos 19 e 48 retomaram a sua colaboração nos tempos que se seguiram. Deste modo, do primeiro para o segundo contacto houve 25 recusas. Ou seja, houve 25 pessoas que participaram no Tempo 1 mas não o fizeram no Tempo 2. Para o Tempo 3 mantiveram-se no estudo 27 participantes, sendo que destas, 3 não deram continuidade à sua participação para os Tempos seguintes. Foi o caso dos seguintes indivíduos: 11, 54 e 58. O individuo 11 retomou, posteriormente, a sua colaboração. Assim, do segundo para o terceiro tempo houve 8 recusas. Ou seja, houve 8 pessoas que participaram no Tempo 2, mas não o fizeram no Tempo 3. No Tempo 4 permaneceram no estudo 26 participantes, dos quais 23 vieram do Tempo 3, sendo que 5 não permaneceram para o Tempo seguinte: tempo 5. Os casos foram os seguintes: 8, 15, 26, 56 e 57. Por conseguinte, do terceiro para o quarto tempo houve 3 recusas, ou seja, houve 3 pessoas que participaram no tempo 3, mas não o fizeram no Tempo 4. Podemos concluir que do Tempo 4 para o Tempo 5 houve 5 recusas, ou seja houve 5 pessoas que participaram no Tempo 4, mas não participaram no Tempo 5. Chegados ao Tempo 5 constatámos que participaram no mesmo 22 pessoas, mas completaram os 5 tempos dezanove participantes, ou seja, estiveram no estudo desde o primeiro contacto. Por fim, verificámos que entre as participantes houve quem recusasse participar, pelo menos uma vez, ao longo dos 5 tempos. Esta tendência verificou-se entre os participantes dos Tempos 2, 3 e 4. 1.3.2. Medidas Mini - Cog 172 Este instrumento permite avaliar o estado mental da nossa amostra. Pode ser usado para detetar demência de uma forma rápida e fácil em vários cenários (Doerflinger & Fairfax, 2007). Segundo os autores demora cerca de 3 minutos a administrar. No nosso estudo, este instrumento é aplicado no início da administração dos protocolos e em cada um dos cinco momentos temporais. É pedido à pessoa que escute com atenção 3 palavras (não relacionadas) e que as repita. De seguida é pedido à pessoa que desenhe num relógio (sem ponteiros) os ponteiros de forma a marcar determinadas horas solicitadas pelo administrador do Mini-Cog. Após esta etapa pergunta-se à pessoa pelas 3 palavras referidas anteriormente. Caso a pessoa não se recorde destas 3 palavras é classificada com demência. Se as recordar é classificada como não demente. Se o indivíduo se recordar apenas de uma ou duas palavras é classificado com base no desenho dos ponteiros do relógio: demente se os ponteiros do relógio não forem desenhados de acordo com o solicitado e não demente se o desenho dos ponteiros do relógio obedecerem ao solicitado. Questionário Sociodemográfico (QSD) Este instrumento foi elaborado com o objetivo de obter dados que nos permitissem um melhor conhecimento da amostra e nos possibilitasse a colocação de questões que não constavam de outros instrumentos, como por exemplo sobre a idade ou sobre a escolaridade das participantes neste trabalho. (Quadro 3). EVA – Escala de Vinculação do Adulto (Adaptação de Canavarro, M, C, 1995; versão portuguesa da Adult Attachment Scale-R; Collins & Read, 1990). Com a aplicação deste instrumento pretendemos obter o estilo de vinculação das mulheres viúvas idosas que compõem a nossa amostra: seguro, preocupado, desligado e amedrontado (Bartholomew & Horowitz, 1991), os mesmos que se encontram referidos em Canavarro, Dias e Lima (2006). A Escala de Vinculação do Adulto (EVA), da autoria de Collins e Read (1990), foi adaptada para a população portuguesa por Canavarro em 1995. É composto por 18 itens em formato do tipo Likert avaliados de 1 (Nada característico em mim) a 5 (Extremamente característico em mim) aos quais os indivíduos respondem de acordo com o que mais se lhes adequa. Os indicadores de fiabilidade encontrados para cada uma das dimensões é o seguinte: Ansiedade – Alfa de Cronbach: .84; conforto com a proximidade - Alfa de Cronbach: .67; confiança nos outros - Alfa de Cronbach: .54. Para o total da escala o valor do teste de Alfa de Cronbach foi de.81, um valor considerado por Canavarro, Dias e Lima (2006) como 173 elevado. Os itens deste instrumento encontram-se divididos de acordo com a estrutura fatorial encontrada, cujas definições sumárias são as seguintes: Conforto com a proximidade - indivíduo sente-se confortável no estabelecimento de relações próximas e íntimas; Confiança nos outros - o individuo sente poder depender dos outros em ocasiões que precise deles; Ansiedade - o individuo sente-se preocupado com a possibilidade de ser abandonado e rejeitado (Canavarro, Dias & Lima, 2006). Para a obtenção dos estilos e vinculação seguimos as orientações de Canavarro, Dias e Lima (2006) e de Nancy Collins (comunicação pessoal), partindo das dimensões anteriores, as quais estiveram na base da definição dos estilos de vinculação. QGS - Questionário Geral de Saúde (Adaptação de McIntyre, McIntyre & Redondo, 1999; versão portuguesa do General Health Questionnaire (12); Goldberg, 1981). O Questionário Geral de Saúde é um instrumento de rastreio construído para detetar perturbações psiquiátricas não psicóticas (Papassotiropoulos, A, Heun, R; & Maier, W, 1997). É, provavelmente, a escala de rastreio mais usada para as perturbações mentais (Castro-Costa e col., 2008). Originalmente composto por 60 itens, atualmente existem algumas versões: GHQ - 30, GHQ - 28, GHQ - 20 e GHQ - 12. A escala pretende inquirir se os participantes experienciaram, recentemente, um determinado sintoma ou comportamento (Ex: Tem perdido muitas horas de sono devido a preocupações?). Cada questão inclui 4 opções de resposta: melhor que habitualmente, como habitualmente, menos que habitualmente, muito menos que habitualmente. Este instrumento pode ser cotado de uma forma bi-modal (0-0-1-1) e neste caso a pontuação varia entre 0 e 12. A segunda forma é do tipo Likert, (0-1-2-3) e neste caso a pontuação varia entre 0 e 36 (Montazeri, A e col., 2003). Para a nossa pesquisa adotámos a segunda forma. Na adaptação para a versão portuguesa McIntyre, McIntyre e Redondo (1999) obtiveram um Alpha de Cronbach de .83, indicando que o instrumento possui uma boa consistência interna. Com a aplicação deste instrumento de medida (QGS -12) pretendemos recolher informação acerca do estado geral de saúde da nossa amostra, consequente à perda. A aplicação deste instrumento em investigações com uma população idosa não é nova. Por exemplo, Castro-Costa e col., (2008) investigou os fatores associados aos sintomas depressivos (determinados através do QGS) numa comunidade de adultos idosos. Observou que, entre outros fatores, o estado civil de 174 solteiro ou separado, estava associado à presença de sintomas depressivos entre as pessoas mais velhas e, entre estas, as mulheres. Papassotiropoulos, Heun e Maier (1997) realizaram uma pesquisa com o objetivo de avaliar os riscos de demência, depressão e depressão geriátrica nos parentes de pessoas idosas com Alzheimer. Neste contexto, verificou que este instrumento, quando administrado verbalmente a pessoas idosas com uma diminuição cognitiva moderada, consegue identificar sintomas de depressão. Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento – ISOPR (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. Com este instrumento pretendemos averiguar a frequência experienciada destes stressores pelas mulheres viúvas ao longo de 17 meses. É constituído por 25 itens, sendo que 13 itens correspondem a Stressores Orientados para a Perda (Ex: Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu) e 12 itens correspondem a Stressores Orientados para o Restabelecimento (Ex: Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo). Stroebe e Schut (1999) caracterizam a Orientação para a Perda (OP) como uma orientação da atenção da pessoa enlutada para aspetos relacionados com a pessoa falecida e para as circunstâncias que rodearam a sua morte. Na Orientação para o Restabelecimento (OR) a atenção da pessoa enlutada está centrada na gestão de tarefas que surgem como fontes secundárias de stress e que necessitam, da mesma forma que as anteriores, de serem geridas pela pessoa enlutada. A presença dos stressores é avaliada pela frequência com que cada participante o experiencia, numa escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e “Não Aplicável a Mim”. Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento - IECOPR - (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. Com a administração deste instrumento pretendemos avaliar a frequência com que as participantes usavam diferentes estratégias de coping com os stressores, ao longo de 17 meses. Constituído por 44 itens, sendo que 21 pertencem a estratégias de coping orientadas para a perda: 10 de confronto e 11 de evitamento com esta dimensão; 23 itens pertencem a estratégias de coping orientadas para o restabelecimento: 14 de confronto e 9 de evitamento. As estratégias utilizadas pelas pessoas enlutadas para fazer face à perda podem, pois, ser de evitamento ou de confronto com os diferentes stressores (OP e OR). Para que as estratégias constantes do inventário possam ser identificadas como de evitamento com stressores de perda, é necessário que a pessoa 175 enlutada manifeste (ou reconheça) um pensamento ou comportamento de evitamento ou distanciamento do stressor de perda: “Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido”; “Deixo-me ir como se esta morte não tivesse acontecido”. O mesmo raciocínio pode ser feito para as estratégias de confronto com o mesmo tipo de stressores, ou seja, é necessário que a pessoa enlutada manifeste um pensamento ou comportamento de confronto ou aproximação com o stressor de perda: “Vou à igreja para falar com Deus acerca dos meus sentimentos de tristeza”; “Todas as perdas que já vivi dão-me alguma força emocional para enfrentar esta”. As estratégias de confronto com o restabelecimento são identificadas através da manifestação de um comportamento ou ação de aproximação com um stressor de restabelecimento: “Rezo mais do que o costume para que seja possível ficar mais otimista”; relativamente às estratégias de evitamento com os stressores de restabelecimento é necessário que a pessoa enlutada manifeste (ou reconheça) um pensamento ou comportamento de evitamento ou distanciamento do stressor de restabelecimento: ”Evito fazer o meu trabalho de casa diário, tal como o fazia antes da morte do meu marido”. A presença das estratégias é avaliada pela frequência com que cada participante a utiliza, numa Escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e a opção “Não Aplicável a Mim”. Perturbação Prolongada do Luto (PPL-13) - Traduzido por Silva e Ferreira-Alves (2009). Versão para investigação de Prolonged Grief Disorder (PGD -13) (Prigerson & Maciejewski, 2007). Para um melhor entendimento da relevância deste instrumento, consideramos útil referir o contexto que levou à sua construção. Segundo (Prigerson & Maciejewski, 2007), este é um instrumento de diagnóstico. Foi construído com o objetivo de definir um conjunto de critérios que ajudem a diagnosticar sintomas reveladores de dificuldades no processamento do luto. Prigerson, Vanderweker e Maciejewski (2007) revelam que o PGD constitui uma perturbação mental distinta da referenciada no Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais IV (DSM – IV) e que estes critérios se encontram ausentes deste manual, levando a que muitos casos de pessoas com PGD não sejam devidamente diagnosticados com esta perturbação no processamento do luto e, por conseguinte, também não sejam devidamente acompanhadas: “A ausência do PGD do DSM afeta um número substancial de pessoas” (Prigerson, Vanderweker & Maciejewski, p.4, 2007). Anteriormente, contudo, já Horowitz e col. (1997) haviam constatado que algumas reações prolongadas e 176 turbulentas ao luto incluíam sintomas que diferiam dos critérios do DSM – IV para a identificação da perturbação depressiva major. Neste sentido, os autores construíram este instrumento com critérios de diagnóstico capazes de identificar sintomas de PGD. Prigerson e col. (2009) realizaram o estudo com vista à obtenção da validade psicométrica dos critérios do PGD e verificaram que os resultados obtidos apoiam a validade psicométrica dos critérios do PGD. Um dos critérios contemplados neste instrumento refere-se à duração dos sintomas, que deve ser de, pelo menos, 6 meses porque, segundo Prigerson, Vanderweker e Maciejewski, (2007), os estudos efetuados revelaram que os sintomas do PGD aos 6 meses prediziam consequências mais negativas 13-23 meses após a perda que os sintomas avaliados mais cedo. Observaram ainda que, durante um período de 6 meses após a perda, os sintomas associados a um luto normal diminuíam à medida que o tempo passava. A diferença entre os sintomas de um luto normal nos primeiros meses após a perda e os sintomas do PGD é que os primeiros vão diminuindo ou desaparecendo com o tempo, enquanto os sintomas do PGD persistem. Daí a necessidade de se avaliarem os sintomas do PGD além dos 6 meses, para que não se confundam com os sintomas de um luto normal. A validação psicométrica de um algoritmo de diagnóstico para o PGD surge publicada em 2009. Prigerson e colegas (2009) entrevistaram 291 pessoas, predominantemente mulheres viúvas idosas, com uma média de idades de 61.8 anos. Estas entrevistas decorreram nos dois anos imediatamente a seguir à morte do cônjuge e repetiram-se três vezes durante esse período de tempo. As entrevistas continham questões que formavam uma lista consensual de sintomas. Os autores desta validação usaram o “Item Response Theory” (IRT) para extrair os sintomas do PGD mais informativos. Foram extraídos 12 sintomas não enviesados apresentando uma consistência interna considerada muito boa com um Alfa de Cronbach de .82. Para analisarem o algoritmo mais sensível e especifico para o diagnóstico de PGD, os autores usaram análises combinatórias. Este algoritmo traduz, precisamente, os critérios definidos para identificar uma pessoa com PGD. Prigerson e colegas (2009) conseguiram, ainda, mostrar que os indivíduos com um diagnóstico de PGD, 6-12 meses após a perda, apresentam um risco maior de manifestarem debilidades na saúde mental e no funcionamento que as pessoas não diagnosticadas com PGD. Para o nosso trabalho utilizámos o PGD para termos uma medida, ainda que não representativa, da prevalência deste distúrbio e, simultaneamente, para poder obter alguma compreensão desse quadro clínico. É um instrumento constituído por 13 itens, 177 agrupados em 3 partes. Na primeira parte o individuo é convidado a responder a 5 questões (Ex: “No último mês, com que frequência sentiu saudades da pessoa que perdeu?”), cada uma das quais com opções de resposta que vão desde “Nenhuma vez” até “Várias vezes por dia”. Na segunda parte, o indivíduo é confrontado com 7 itens (Ex: “Teve problemas em aceitar a perda?”), com 5 possibilidades de resposta, desde “De maneira nenhuma” até “Demasiadamente”. A última parte do instrumento é constituída por uma questão com opção de resposta de “Sim” ou “Não”. Para que um indivíduo possa ser diagnosticado com PPL precisa de se enquadrar em cada um dos 5 critérios definidos pelas autoras. Caso algum participante responda aos critérios, Prigerson e Maciejewski (2007) aconselham a procura de uma avaliação mais profunda de um profissional de saúde mental. Após a sua tradução para português (com consentimento dos autores) este instrumento foi administrado, previamente, a um grupo de 8 mulheres viúvas idosas para avaliação do vocabulário e compreensão das questões, resultando na versão de investigação que aqui usamos. Foi numa fase já avançada de recolha da amostra desta investigação, que tomamos conhecimento do estudo de adaptação e validação deste mesmo instrumento para a população portuguesa, efetuado por Delalibera, Coelho, Barbosa e Noné (2010). O instrumento daqui resultante apresentou boas propriedades psicométricas e nele foram incluídos como participantes, adultos idosos. Foi aplicado junto de familiares enlutados de pacientes falecidos há, pelo menos, 6 meses num total de 87, apresentando uma média de idades de 58.24 e um DP =12.58. A amplitude de idades situa-se no intervalo 23 a 84. A consistência interna desta versão em português parece ser muito boa, traduzindo-se no valor de Alpha de Cronbach.929. 1.3.3. Procedimento Aprovação pelo comité ético do Centro de Investigação em Psicologia: Os procedimentos usados neste estudo foram aprovados pelo Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. 1.3.3.1. Desenho da investigação Os contactos junto das pessoas com o perfil adequado ao nosso estudo (mulher viúva com 65 e mais anos de idade) tiveram início em outubro de 2008 e terminaram em março de 2011. O primeiro contacto teve lugar no primeiro mês de viuvez, seguindo-se o segundo contacto quatro meses após o primeiro, isto é, ao 5º mês após a perda. Deste modo, a participação da nossa amostra deu-se dentro dos seguintes espaços de tempo: nos primeiros 30 dias, durante o 5º mês após a perda, durante o 9º mês após a 178 perda, durante o 13º mês após a perda e a última participação teve lugar durante o 17º mês. 1.3.3.2. Recrutamento e treino de colaboradores de investigação Para este trabalho, a investigadora principal deste estudo contou com a colaboração de técnicos licenciados em psicologia, em número de cinco, especialmente treinados para a realização desta tarefa pela investigadora principal. Em conjunto com a investigadora principal procederam aos contactos com as participantes e à administração dos protocolos durante os dezassete meses do estudo. 1.3.3.3. Administração dos instrumentos de medida A administração dos questionários só se deu após um primeiro encontro onde se explicaram às participantes os objetivos do estudo e em que consistia a sua participação. Foi-lhes dito que este estudo visava conhecer a experiência de mulheres que estavam a passar pela experiência de perda do cônjuge. Assegurava-se à pessoa que diferentes mulheres reagiam de maneira diferente e que não havia respostas corretas ou erradas a nenhuma das perguntas que se iriam fazer. Os investigadores e alguns profissionais de saúde precisariam de conhecer a forma como as mulheres reagem à perda do seu cônjuge para melhor as poderem ajudar e acrescentávamos ainda que este conhecimento ainda não vem nos livros. E que, portanto, só a sua colaboração permitiria aumentar o nosso conhecimento sobre a experiência dessa perda. Informava-se a pessoa que a fim de melhor conhecer o impacto da perda nas mulheres que perdem o seu marido, precisaríamos de as contactar uma vez de quatro em quatro meses até aproximadamente os 18 meses, sendo que o primeiro contacto tinha de se dar durante o primeiro mês após a perda. Informava-se que caso gostassem de dar a sua contribuição para este estudo, essa contribuição consistiria na resposta a cinco questionários, com uma duração média de cerca de 60 minutos cada encontro. Finalmente, comunicava-se que a sua participação neste estudo não tinha efeitos negativos conhecidos até à data. Caso a pessoa se mostrasse disponível e pronta a participar, a própria pessoa marcava o dia em que estivesse mais disponível – dentro dos espaços de tempo pré-estabelecidos para o acompanhamento da pessoa - e era nesse dia que ocorria o encontro. Todos os encontros foram realizados nas residências particulares das participantes. Antes do início da administração de cada protocolo, havia lugar para uma pequena conversa circunstancial, envolvendo às vezes aspetos diversos relacionados com o falecimento do marido, como as circunstâncias da morte. 179 Os questionários eram preenchidos pelo colaborador de investigação no decurso da conversação estabelecida com cada participante (Quivy & Campenhoudt, 1998). A primeira intervenção do participante era assinar um consentimento informado, que era lido pelo colaborador e que continha os aspetos atrás mencionados quanto aos objetivos do estudo e àquilo que se esperava de cada participante. A ordem com que os instrumentos eram aplicados pode ser vista Quadro 4.3. Quadro 4.3. Ordem de aplicação dos instrumentos de medida Instrumentos Aplicados QSD Mini-cog EVA QGS ISOPR IECOPR 30 dias viuvez 30 dias viuvez 30 dias viuvez 30 dias viuvez 30 dias viuvez 30 dias viuvez 1º Quadrimestre (5 meses de viuvez) Momento da Aplicação 2º Quadrimestre (9 meses de viuvez) PPL 1º 1º 1º Quadrimestre Quadrimestre Quadrimestre (5 meses de viuvez) (5 meses de viuvez) (5 meses de viuvez) 2º 2º 2º 2º Quadrimestre Quadrimestre Quadrimestre Quadrimestre (9 meses de viuvez) (9 meses de viuvez) (9 meses de viuvez) (9 meses de viuvez) 3º Quadrimestre 3º 3º 3º 3º Quadrimestre Quadrimestre Quadrimestre Quadrimestre (13 meses de viuvez) (13 meses de viuvez) 4º Quadrimestre 4º 4º 4º 4º Quadrimestre Quadrimestre Quadrimestre Quadrimestre (17 meses de viuvez) (17 meses de viuvez) 180 (13 meses de viuvez) (17 meses de viuvez) (13 meses de viuvez) (17 meses de viuvez) (13 meses de viuvez) (17 meses de viuvez) PARTE V Apresentação dos estudos 181 1º ESTUDO 182 Desenvolvimento dos instrumentos de medida “Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento” e “Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento” Resumo Neste estudo descrevemos o processo de construção e desenvolvimento dos inventários utilizados neste trabalho para operacionalização do Modelo Dual de Processar o Luto. A construção destes inventários teve como base um conjunto de 20 entrevistas efetuadas no âmbito de um outro trabalho (Silva, 2004) junto de mulheres viúvas adultas e idosas. Foi complementado com recurso a literatura existente (Dutton & Zisook, 2005; Ribeiro & Santos, 2001) e contou com o parecer de uma especialista no Modelo Dual de Processar o Luto. A aplicação exploratória dos inventários revelou a necessidade de correção de algum vocabulário e a remoção de alguns itens. Na aplicação dos instrumentos a uma amostra de 59 pessoas idosas enlutadas obtivemos valores de consistência interna satisfatórios para o Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento, nomeadamente na subescala dos Stressores de Perda. Devido ao facto de a amostra ser reduzida há que ter cautela na validação destes inventários. Palavras – chave: stressores, estratégias, modelo dual, adultos idosos, processo de luto 183 Introdução A construção do Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento e do Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento, surgiu para dar cumprimento ao objetivo de operacionalizar o Modelo Dual de Processar o Luto. Até então, era do nosso conhecimento a existência de um único inventário construído para medir o processo de oscilação entre os stressores de perda e os stressores de restabelecimento da autoria de Caserta e Lund (2007). Para a elaboração destes instrumentos tomámos em consideração a definição de Stroebe e Schut (1999) para cada um destes constructos. A identificação das estratégias teve como base os conceitos de evitamento e de confronto, centrais no modelo dual, de Stroebe e Schut (1999). Método Participantes No âmbito de um outro trabalho (Silva, 2004), a que chamaríamos primeira fase, participaram neste estudo 20 mulheres viúvas idosas com idades compreendidas entre os 39 e os 85 anos e com um tempo de viuvez de até 3 anos. Neste trabalho, que aqui apresentamos, de que faz parte este estudo, e a que chamaríamos uma terceira fase, participaram 59 mulheres viúvas idosas com idades compreendidas entre os 65 e os 85 anos. Contudo, numa segunda fase, houve lugar à aplicação da primeira versão dos inventários a 8 mulheres viúvas com idades compreendidas entre os 70 e os 86 anos e um tempo de viuvez superior a três meses. Instrumentos Guião de Entrevista semiestruturada elaborado por Silva (2004) Versão exploratória dos Inventários (Silva & Ferreira-Alves, 2008) Procedimentos Para a elaboração destes inventários baseámo-nos na informação proveniente da leitura e análise de 20 entrevistas transcritas (cf. Ferreira-Alves & Silva, 2006; Silva, 2004) e da audição das mesmas para identificação de stressores e estratégias. Estas 184 entrevistas foram efetuadas a mulheres viúvas idosas e a mulheres viúvas adultas. O Inventário construído por Caserta e Lund (2007) constituiu, também, um documento inspirador para a elaboração do nosso próprio inventário (ISOPR). Este procedimento foi complementado com a análise de literatura relacionada com este assunto (Dutton & Zisook, 2005; Ribeiro & Santos, 2001) em que procedemos à adaptação de estratégias associadas a eventos stressantes. Toda esta informação foi complementada pela reflexão e revisão de literatura. Foi iniciado o processo de construção dos inventários em que dois investigadores independentes mais um observador especializado no Modelo Dual deram início à elaboração e organização dos itens para cada inventário. Construiu-se uma primeira versão dos Inventários os quais foram, posteriormente, enviados a um dos autores do modelo dual de processar o luto (DPM), Margaret Stroebe, para que pudesse emitir um parecer sobre os instrumentos. Esta autora sugeriu algumas mudanças, nomeadamente a clarificação de alguns stressores e estratégias (comunicação pessoal), as quais nós aceitamos. Este foi um processo demorado que conduziu à validação dos stressores e das estratégias. Após a introdução das sugestões de Margaret Stroebe os inventários foram administrados a um grupo de 8 mulheres viúvas idosas, com idades compreendidas entre os 70 e os 86 anos e um tempo de viuvez superior a 3 meses, para avaliação do vocabulário e compreensão das questões e dos quais derivaram as versões de investigação que aqui usamos. Resultados Os resultados obtidos traduziram-se na obtenção dos dois inventários que a seguir caracterizamos. Inventário de Stressores Orientado para a Perda e para o Restabelecimento – ISOPR (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. Com este instrumento pretendemos averiguar com que frequência os stressores de perda e restabelecimento são experienciados pelas mulheres viúvas ao longo de 17 meses. É constituído por 25 itens, sendo que 13 itens correspondem a Stressores Orientados para a Perda (Ex: Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu) e 12 itens correspondem a Stressores Orientados para o Restabelecimento (Ex: Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo). Stroebe e Schut 185 (1999) caracterizam a Orientação para a Perda (OP) como uma orientação da atenção da pessoa enlutada para aspetos relacionados com a pessoa falecida, para o trabalho do luto e para as circunstâncias que rodearam a sua morte. Na Orientação para o Restabelecimento (OR) a atenção da pessoa enlutada está centrada na gestão de tarefas que surgem como fontes secundárias de stress, no restabelecimento e formação de relações e que, da mesma forma que as anteriores, necessitam de ser geridas pela pessoa enlutada. A presença dos stressores é avaliada pela frequência com que cada participante o experiencia, numa escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e “Não Aplicável a Mim”. Neste instrumento os itens correspondentes a cada uma das orientações estão distribuídos da seguinte forma: SOP - Stressores Orientados para a Perda 2, 3, 5, 9, 11, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 22, 25 SOR - Stressores Orientados para o Restabelecimento 1, 4, 6, 7, 8, 10, 15, 16, 18, 21, 23, 24 Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento - IECOPR - (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. Com a administração deste instrumento pretendemos avaliar a frequência com que as participantes usavam diferentes estratégias de coping com os stressores, ao longo de 17 meses. Constituído por 44 itens, sendo que 21 pertencem a estratégias de coping orientadas para a perda: 10 de confronto e 11 de evitamento com esta dimensão; 23 itens pertencem a estratégias de coping orientadas para o restabelecimento: 14 de confronto e 9 de evitamento. As estratégias utilizadas pelas pessoas enlutadas para fazer face à perda podem, pois, ser de evitamento ou de confronto com os diferentes stressores (OP e OR). Para que as estratégias constantes do inventário possam ser identificadas como de evitamento com OP é necessário que a pessoa enlutada manifeste (ou reconheça) um pensamento ou comportamento de evitamento ou distanciamento do stressor de perda: “Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido”; “Deixo-me ir como se esta morte não tivesse acontecido”. O mesmo raciocínio pode ser feito para as estratégias de confronto com o mesmo tipo de stressores, ou seja, é necessário que a pessoa enlutada manifeste um pensamento ou comportamento de confronto ou aproximação com o stressor de perda: “Vou à igreja para falar com Deus acerca dos meus sentimentos de tristeza”; “Todas as perdas que já vivi dão-me alguma força emocional para enfrentar esta”. A presença das estratégias de confronto e de evitamento é avaliada pela 186 frequência com que as estratégias são utilizadas pelas participantes numa escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e a opção “Não Aplicável a Mim”. Neste instrumento os itens correspondentes a cada uma das orientações estão distribuídos da seguinte forma: ECP- Estratégias de confronto com a perda - 1, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 29. EEP- Estratégias de evitamento com a perda - 8, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23. ECR – Estratégias de confronto com o restabelecimento - 2, 18, 19, 25, 26, 27, 28, 32, 33, 34, 36, 38, 39, 41. EER – Estratégias de evitamento com o restabelecimento - 24, 30, 31, 35, 37, 40, 42, 43, 44. Estes inventários foram aplicados a uma amostra de mulheres viúvas idosas e, como veremos no 2º e no 4º estudo obtiveram valores de consistência interna classificados entre o satisfatório e o não satisfatório. Nesse estudo os resultados obtidos do cálculo da consistência interna, através do cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach sobre itens padronizados variaram entre 0.91 e 0.83 na subescala SOP e entre 0.36 e 0.66 na subescala SOR. Contrariamente aos valores de alpha da subescala SOP, que consideramos satisfatórios, os valores de alpha da subescala SOR são baixos. Os resultados obtidos revelaram que um dos itens não contribuiu para a consistência do inventário. A análise do alpha da escala indicou-nos que o valor de alpha subiria caso um item fosse retirado, tendo sido o caso do item 16. Relativamente ao IECOPR, os resultados do coeficiente de Alpha de Cronbach variaram entre 0.42 e 0.78 na subescala ECP, entre 0.63 e 0.85 na subescala EEP, entre 0.19 e 0.54 na subescala ECR e entre 0.20 e 0.90 na subescala EER. Em comparação com as outras subescalas, consideramos os valores de alpha da subescala EEP mais satisfatórios. Os resultados obtidos revelaram que um dos itens não contribuiu para consistência do inventário apresentado um valor de alpha negativo. A análise do alpha da escala indicou-nos que o valor de alpha subiria caso um item fosse retirado, tendo estado nessa situação o item 31 da subescala EER. Discussão dos resultados Após a sua aplicação exploratória, foram retirados alguns itens, alterados outros e modificou-se algum vocabulário com o objetivo de tornar alguns itens mais 187 compreensíveis. Com base nos resultados obtidos podemos pensar numa possível validação dos instrumentos, mas envolvendo uma amostra mais numerosa. Tendo em conta as potencialidades dos itens de cada inventário, poderíamos, pensar na possibilidade de elaborar entrevistas estruturadas com base nesses itens, fazendo assim o prosseguimento do estudo de validação deste instrumento com amostras mais numerosas. 188 2º ESTUDO 189 Comportamento dos Stressores Orientados para a Perda (SOP) e dos Stressores Orientados para o Restabelecimento (SOR) ao longo de 17 meses Resumo O modelo dual de processar o luto postula que uma pessoa que experiencia o grande stressor, que é o luto, precisa de lidar com dois tipos específicos de stressores: stressores de orientação para a perda (SOP) e stressores de orientação para o restabelecimento (SOR). Esta especificação torna-se necessária, porque na realidade as pessoas enlutadas têm que lidar não só com a perda da pessoa que perderam, mas têm, igualmente, de fazer adaptações no seu dia-a-dia que surgem como consequências secundárias da perda (Stroebe & Schut, 2009; Hansson & Stroebe, 2007). Os resultados revelaram que a evolução da intensidade dos SOP e dos SOR suporta o postulado por Stroebe e Schut (1999) e são consistentes com o modelo dual de processar o luto. Quanto à diferença de intensidade entre os dois tipos de stressores em cada um dos tempos, os resultados mostraram que a intensidade dos SOP foi significativamente superior à intensidade dos SOR 30 dias após a perda, 4 meses, 9 meses e 13 meses após a perda. Com este estudo concluímos que os stressores de perda predominam nos primeiros tempos após a perda e diminuem em momentos mais tardios, revelando-se mais intensos que os stressores de restabelecimento em todos os momentos, com exceção do tempo correspondente a 17 meses após a perda em que a intensidade é menor. Tendo em conta estes resultados, seria de pensar uma possível intervenção de carácter formal ou informal junto de pessoas em idade avançada que considerasse a natureza dos stressores bem como o momento em que predominam. O conhecimento dos stressores mais prevalentes poderá ser útil no sentido de promover estratégias adequadas para lidar com eles. Palavras – chave: stressores, modelo dual, processamento do luto, adultos idosos, estudo longitudinal 190 Introdução O modelo dual de processar o luto postula que uma pessoa que experiencia o grande stressor, que é o luto, precisa de lidar com dois tipos específicos de stressores: stressores de orientação para a perda (SOP) e stressores de orientação para o restabelecimento (SOR). Esta especificação torna-se necessária, porque na realidade as pessoas enlutadas têm que lidar não só com a perda da pessoa que perderam, mas têm, igualmente, de fazer adaptações no seu dia-a-dia que surgem como consequências secundárias da perda (Stroebe & Schut, 2009; Hansson & Stroebe, 2007) e que precisam, igualmente de serem lidadas. Neste estudo traçámos a evolução da intensidade dos SOP e dos SOR das participantes ao longo dos cinco tempos e interpretámos os dados com base no modelo dual de processar o luto. a) Como evolui a intensidade dos SOP e dos SOR ao longo de 17 meses de viuvez? Hipótese: Ao longo do tempo a intensidade dos SOP diminui e a intensidade dos SOR aumenta. b) Que stressor (OP e OR) apresenta a pontuação mais elevada em cada um dos tempos do estudo? Hipótese: As estratégias de confronto e evitamento dos stressores de perda e restabelecimento mais prevalentes em cada um dos momentos caracterizam a orientação teórica do modelo dual de processar o luto. c) Qual a diferença entre a intensidade dos SOP e dos SOR nos 5 momentos do estudo? Hipótese: No primeiro, no segundo e no terceiro momento temporal a intensidade dos SOP é superior à intensidade dos SOR. No quarto e no quinto momento temporal a intensidade dos SOR é superior à intensidade dos SOP. Método Participantes Foram contactadas, entre outubro de 2008 e março de 2011, cento e noventa e nove mulheres cujos maridos haviam falecido há menos de um mês. Destes cento e noventa e nove (199) contactos, cinquenta e nove (59) aceitaram integrar a amostra de participantes deste estudo. A idade destes últimos situou-se entre os 65 e os 85anos, com um M=72.49 e DP=6.18. Instrumentos de medida 191 Mini - Cog Este instrumento permite avaliar o estado mental da nossa amostra. Pode ser usado para detetar demência de uma forma rápida e fácil em vários cenários (Doerflinger & Fairfax, 2007). Segundo os autores demora cerca de 3 minutos a administrar. No nosso estudo, este instrumento é aplicado no início da administração dos protocolos e em cada um dos cinco momentos temporais. É pedido à pessoa que escute com atenção 3 palavras (não relacionadas) e que as repita. De seguida é pedido à pessoa que desenhe num relógio (sem ponteiros) os ponteiros de forma a marcar determinadas horas solicitadas pelo administrador do Mini-Cog. Após esta etapa pergunta-se à pessoa pelas 3 palavras referidas anteriormente. Caso a pessoa não se recorde destas 3 palavras é classificada com demência. Se as recordar é classificada como não demente. Se o indivíduo se recordar apenas de uma ou duas palavras é classificado com base no desenho dos ponteiros do relógio: demente se os ponteiros do relógio não forem desenhados de acordo com o solicitado e não demente se o desenho dos ponteiros do relógio obedecerem ao solicitado. Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento – ISOPR (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. É constituído por 25 itens distribuídos por duas subescalas correspondentes a cada uma das orientações (perda e restabelecimento) e foi aplicado em todos os cinco momentos temporais. Treze itens correspondem a Stressores Orientados para a Perda (Ex: Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu) e doze itens correspondem a Stressores Orientados para o Restabelecimento (Ex: Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo). A presença dos stressores é avaliada pela frequência com que cada participante o experiencia, numa escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e “Não Aplicável a Mim”. Procedimentos Todos os procedimentos adotados neste estudo foram aprovados pelo Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os contactos junto das pessoas com o perfil adequado ao nosso estudo (mulher viúva com 65 e mais anos de idade) tiveram início em outubro de 2008 e terminaram em março de 2011. Deste modo, a participação da nossa amostra deu-se dentro dos seguintes espaços de tempo: nos primeiros 30 dias (Tempo 1), durante o 5º mês após a perda (Tempo 2), durante o 9º mês após a perda (Tempo 3), durante o 13º mês após a 192 perda (Tempo 4) e a última participação teve lugar durante o 17º mês após a perda (Tempo 5). A administração dos questionários deu-se após um primeiro encontro onde se explicaram às participantes os objetivos do estudo e em que consistia a sua participação. A primeira intervenção do participante foi assinar um consentimento informado, que era lido pelo colaborador e continha os objetivos do estudo e aquilo que se esperava de cada participante. Os questionários foram aplicados em todos os cinco momentos do estudo nas residências particulares das participantes. Foram preenchidos pelo colaborador de investigação no decurso da conversação estabelecida com cada participante (Quivy & Campenhoudt, 1998). Resultados a) Como evolui a intensidade dos SOP e dos SOR ao longo de 17 meses de viuvez? Apresentamos as propriedades psicométricas dos instrumentos usados no autorrelato dos stressores de perda e restabelecimento (Tabela 5.2.1). A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos, com exceção da distribuição de valores do SOP1 e do SOR2. 193 Tabela 5.2.1. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR) Amplitude Stressores de Perda (SOP) e de N Restabelecimento (SOR) α Desvio Média Potencial Atual Assimetria padrão Sobre itens padronizados SOP1 59 3.97 0.83 .83 1-6 2.25-5.62 -0.35 SOP2 34 3.68 0.89 .91 1-6 1.38-5.38 -0.32 SOP3 27 3.61 0.91 .87 1-6 1.85-5.46 0.20 SOP4 26 3.48 1.07 .91 1-6 1.38-5.54 0.25 SOP5 22 3.23 1.16 .91 1-6 1.31-5.15 0.18 SOR1 59 2.54 0.70 .36 1-6 1.00-4.45 0.31 SOR2 34 2.69 0.63 .66 1-6 1.82-4.00 0.70 SOR3 27 2.77 0.59 .56 1-6 1.91-4.45 0.87 SOR4 26 2.82 0.47 .55 1-6 1.91-3.64 -0.24 SOR5 22 2.74 0.54 .54 1-6 1.91-3.70 0.38 Em termos comparativos, observamos que na subescala SOP, o momento em que esta atinge valores mais elevados de média é o primeiro momento (3.97). Relativamente à subescala SOR, o valor mais elevado de média regista-se no momento 4. De uma forma geral, as médias da subescala SOP são mais elevadas que as médias da subescala SOR em todos os tempos. Com o objetivo de analisar a precisão do ISOPR procedemos ao cálculo da consistência interna, através do cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach sobre itens padronizados. Os resultados do coeficiente de Alpha de Cronbach variaram entre 0.91 e 0.83 na subescala SOP e entre 0.36 e 0.66 na subescala SOR. Contrariamente aos valores de alpha da subescala SOP, que consideramos satisfatórios, os valores de alpha da subescala SOR são baixos. Os resultados obtidos revelaram que um dos itens não contribuiu para a consistência do inventário levando-o a ter um valor de alpha negativo. A análise do alpha da escala indicou-nos que o valor de alpha subiria caso um item fosse retirado. Nesta situação encontrava-se o item 16 “Cuido de alguém física ou 194 mentalmente necessitado sem a ajuda do meu marido”, da subescala SOR no Tempo 1, que decidimos retirar, porque aumentava o valor de alpha. A sua retirada da escala traduziu-se num valor positivo do alpha, no entanto, manifestamente insuficiente e muito pobre. Todos os cálculos que se seguiram foram feitos sem o item 16. Por apresentarem variância zero foram removidos da escala os seguintes itens, aquando da realização do teste Alpha de Cronbach: no Tempo 2 foi removido o item de restabelecimento “Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo”; no Tempo 5 foram removidos os itens de restabelecimento “Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas” e “Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do mau marido”. Neste ponto é nosso objetivo conhecer e analisar a evolução da intensidade com que as participantes experienciaram os stressores de perda e de restabelecimento. Para esta análise recorremos à utilização da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas. Segundo Martins, este procedimento permite-nos “ (…) comparar o mesmo grupo na mesma variável dependente intervalar avaliada em três ou mais momentos temporais” (2011, p.185). Neste caso, as variáveis dependentes intervalares são os stressores de perda (SOP) e os stressores de restabelecimento (SOR), avaliados em cinco momentos temporais (Tempo 1, Tempo 2, Tempo 3, Tempo 4 e Tempo 5), nos quais o mesmo grupo de indivíduos é comparado consigo próprio. Devido à mortalidade da amostra só nos foi possível estabelecer comparações de dados de 19 participantes, por ser este o número de participantes que se manteve constante ao longo do tempo. Começámos por analisar a Figura 5.2.1 que nos mostra a evolução do autorrelato da intensidade das participantes na sua experiência com os stressores de perda. 195 4,5 Média dos SOP 4 * * 3,5 * 3 2,5 2 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.2.1. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda em cada tempo. (***p <.001) A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,72) = 7.84, p <.001(Tabela 5.2.2). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a intensidade experienciada com os stressores de perda pelas participantes no Tempo 1 e no Tempo 3 é significativamente superior à intensidade experienciada com os stressores de perda no Tempo 5 (Tabela 5.2.3). Tabela 5.2.2. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP Intensidade experienciada com os SOP *** p < .001 Tempo1 (n=59) Média (DP) Tempo2 (n=34) Média (DP) Tempo3 (n=27) Média (DP) Tempo4 (n=26) Média (DP) Tempo5 (n=22) Média (DP) F (4,72) 4.02 (1.05) 3.77 (1.10) 3.64 (0.99) 3.58 (1.22) 3.24 (1.23) 7.84*** 196 Tabela 5.2.3. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP Tempo1 vs. Tempo2 Tempo1 vs. Tempo3 ns ns Intensidade experienciada com os SOP Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns *** p <.001 197 Tempo2 vs. Tempo4 ns Tempo2 vs. Tempo5 ns Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 *** Tempo4 vs. Tempo5 ns Relativamente ao comportamento da intensidade experienciada em cada um dos tempos com os stressores de restabelecimento, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não há diferenças significativas ao nível da intensidade experienciada perante os stressores de restabelecimentos nos cinco momentos temporais, F (4,72) = 0,48, ns. 2,9 2,8 2,7 Média dos SOR 2,6 2,5 2,4 2,3 2,2 2,1 2 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.2.2. Média da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimento em cada tempo. b) Que stressor (OP e OR) apresenta a pontuação mais elevada em cada um dos tempos do estudo? Nas tabelas 5.2.4 e 5.2.5 podemos observar as pontuações obtidas por cada stressor em cada um dos momentos temporais. Procuraremos não só pelo stressor ou stressores com pontuações mais elevadas, mas também pelo stressor com a pontuação mais baixa em cada um dos momentos temporais. 198 Tabela 5.2.4. Valor da Média de cada item (M) da subescala SOP em cada momento temporal Momentos temporais Stressores Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 2.Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu. 3.90 3.76 3.67 3.46 2.82 3.Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido. 4.95 4.35 4.41 4.00 3.86 5.Passo o tempo a sentir a falta do meu marido. 4.93 4.73 4.07 4.15 3.59 9.Falo sobre o meu marido. 4.22 4.06 4.11 3.69 3.77 11.Penso no que podia ter feito pelo meu marido. 3.07 3.12 3.11 2.92 2.67 12.Estou sempre a pensar no meu marido. 4.93 4.18 4.33 3.92 3.41 13.Não posso aceitar que o meu marido morreu. 3.47 2.85 2.96 2.88 2.59 14. Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos. 4.41 4.12 4.56 4.25 4.40 17.Sinto-me sozinha, agora que o meu marido morreu. 4.02 3.75 3.92 3.46 3.27 19.Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo. 2.76 2.47 2.19 2.23 2.14 20.Penso no quanto o meu marido me fez sofrer com a sua morte. 3.41 3.21 2.96 3.12 2.45 22.Olho para velhas fotografias e pertences do meu marido. 4.33 4.09 3.89 4.19 4.41 25.Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido. 2.89 2.95 2.47 2.86 2.91 199 Tabela 5.2.5. Valor da Média de cada item (M) da subescala SOR em cada momento temporal Momentos temporais Stressores Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 1.Penso em ir para um lar agora que o meu marido já não vive comigo. 1.45 1.15 1.22 1.58 1.41 4.Penso nos aspetos legais, relacionados com heranças, que se seguiram à morte do meu marido. 1.85 2.26 2.22 2.19 2.00 6.Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido. 3.07 3.87 3.75 3.82 3.35 7.Descobri que a relação que eu tinha com vários dos nossos amigos mudou, após a morte do meu marido. 1.88 2.18 2.35 2.12 2.09 8.Penso em recuperar o contacto social com outras pessoas. 2.67 2.69 2.56 2.62 2.94 10.Cuido da minha saúde, agora mais debilitada. 4.04 4.55 4.79 4.96 5.16 15.Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva. 3.28 3.38 3.19 3.38 2.95 18.Vivo com dificuldades financeiras, agora que o meu marido morreu. 2.24 1.94 1.88 2.12 2.05 21.Penso em deixar a minha casa e ir viver para a casa do meu filho. 1.26 1.42 1.64 1.20 1.35 23.Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas. 1.65 1.97 1.62 1.73 1.50 24.Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido. 4.96 5.21 5.54 5.68 5.71 200 A observação da Tabela 5.2.4 revela-nos que no Tempo 1 o valor da média varia entre 4.95 e 2.76, valores que correspondem aos stressores “Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido” e “Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo”, respetivamente. Neste mesmo tempo observámos stressores, como “Passo o tempo a sentir a falta do meu marido” e “Estou sempre a pensar no meu marido”, com valores de média relativamente elevada (M = 4.93). Da mesma forma, o item “Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos” obteve uma média de 4.41, um valor relativamente elevado. O stressor representado pelo item 25 “Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido” obteve uma pontuação média de 2.89. No Tempo 2, os valores das médias variam entre 4.73 e 2.47. Verificámos que os valores das médias mais elevadas pertencem aos mesmos stressores do Tempo 1, isto é aos stressores “Passo o tempo a sentir a falta do meu marido” (M = 4.73), “Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido” (M = 4.35) e “Estou sempre a pensar no meu marido” (M = 4.18). Os stressores com médias comparativamente mais baixas pertencem aos itens 13, 14, 19 e 25, representados, respetivamente pelos stressores “Não posso aceitar que o meu marido morreu” (M = 2.85), “Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos” (M = 4.12) “Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo” (M = 2.47) e “Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido” (M = 2.95). No Tempo 3, o valor da média varia entre 4.56 e 2.19. Continuamos a observar médias mais elevadas nos stressores representados pelos itens 3, 9, 12 e 14, o mesmo é dizer, respetivamente, pelos stressores “Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido” (M = 4.41), “ Falo sobre o meu marido” (M = 4.11), “Estou sempre a pensar no meu marido” (M = 4.33) e “Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos” (M = 4.56). Os valores mais baixos pertencem aos stressores “Não posso aceitar que o meu marido morreu” (M = 2.96), “Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo” (M = 2.19), “Penso no quanto o meu marido me fez sofrer com a sua morte” (M = 2.96) e “Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido” (M = 2.47). No Tempo 4, o valor da média varia entre 4.25 e 2.23. A tendência observada nos tempos anteriores parece manter-se, ou seja, os valores mais elevados e os valores mais baixos da média pertencem aos mesmos stressores do Tempo 1, do Tempo 2 e do Tempo 3. Deste modo, observamos, no Tempo 4, médias mais altas nos stressores 201 “Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido” (M = 4.00), “Passo o tempo a sentir a falta do meu marido” (M = 4.15), “Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos” (M = 4.25) e “Olho para velhas fotografias e pertences do meu marido” (M = 4.19). Médias mais baixas foram observadas nos stressores “Penso no que podia ter feito pelo meu marido” (M = 2.92), “Não posso aceitar que o meu marido morreu” (M = 2.88), “Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo” (M = 2.23) e “Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido” (M = 2.86). No Tempo 5 o valor da média varia entre 4.41 e 2.14. Verificámos que o número de itens com valores considerados elevados diminuiu. Encontrámos estes valores mais elevados nos itens correspondentes aos stressores “Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos” (M = 4.40) e “Olho para velhas fotografias e pertences do meu marido” (M = 4.41). Os stressores com pontuações médias mais baixas correspondem aos stressores “Não posso aceitar que o meu marido morreu” (M = 2.59), “Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo” (M = 2.14) e “Penso no quanto o meu marido me fez sofrer com a sua morte” (M = 2.45). Estes resultados indicam-nos que os itens cuja média foi mais elevada dizem respeito aos stressores experienciados com uma intensidade relativamente elevada pelas participantes. Pelo contrário, os itens com médias mais baixas representam stressores que foram experienciados com uma intensidade relativamente reduzida pelas participantes. Relativamente às pontuações médias dos stressores de restabelecimento, estas estão expostas na Tabela 5.2.5. Para averiguarmos qual, ou quais, os stressores de restabelecimento com pontuações médias mais elevadas iremos adotar o mesmo procedimento utilizado com os stressores de perda. Lembramos que desta análise foi retirado o stressor correspondente ao item 16, pelas razões já expostas aquando da análise da Tabela 5.2.1. No Tempo 1 o valor da média varia entre 4.96 e 1.26. Os stressores com médias mais elevadas correspondem aos itens são os seguintes: “Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 3.07), “Cuido da minha saúde, agora mais debilitada” (M = 4.04), “Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva” (M = 3.28) e “Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido” (M = 4.96). Os valores com uma pontuação média mais baixa correspondem aos stressores 202 “Penso em ir para um lar agora que o meu marido já não vive comigo” (M = 1.45), “Penso nos aspetos legais, relacionados com heranças, que se seguiram à morte do meu marido” (M = 1.85), “Penso em deixar a minha casa e em ir viver para a casa do meu filho” (M = 1.26) e “Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas” (M = 1.65). No Tempo 2, o valor da média varia entre 5.21 e 1.15. As médias mais elevadas registaram-se junto dos stressores “Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 3.87), “Cuido da minha saúde, agora mais debilitada” (M = 4.55), “Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva” (M = 3.38) e “Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido” (M = 5.21). Estes são exatamente os mesmos stressores do Tempo 1. As pontuações médias mais baixas registaram-se junto dos stressores “Penso em ir para um lar agora que o meu marido já não vive comigo” (M = 1.15), “Vivo com dificuldades financeiras, agora que o meu marido morreu” (M = 1.94), “Penso em deixar a minha casa e em ir viver para a casa do meu filho” (M = 1.42) e “Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas” (M = 1.97). Relativamente ao Tempo 3 o valor da média varia entre 5.54 e 1.22. Os stressores de restabelecimento com uma média mais elevada foram os seguintes: “Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 3.75), “Cuido da minha saúde, agora mais debilitada” (M = 4.79), “Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva” (M = 3.19) e “Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido” (M = 5.54). Os valores médios mais baixos foram encontrados para os stressores “Penso em ir para um lar agora que o meu marido já não vive comigo” (M = 1.22), “Vivo com dificuldades financeiras, agora que o meu marido morreu” (M = 1.88), “Penso em deixar a minha casa e em ir viver para a casa do meu filho” (M = 1.64) e “Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas” (M = 1.62). No Tempo 4 o valor da média varia entre 5.68 e 1.20. Os stressores com médias mais elevadas são os mesmos dos momentos temporais anteriores: “Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 3.82), “Cuido da minha saúde, agora mais debilitada” (M = 4.96), “Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva” (M = 3.38) e “Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido” (M = 5.68). Os stressores que revelaram médias mais baixas foram: “Penso em ir para um lar agora que o meu marido já não vive comigo” (M = 1.58), 203 “Penso em deixar a minha casa e em ir viver para a casa do meu filho” (M = 1.20) e “Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas” (M = 1.73). No Tempo 5 o valor da média varia entre 5.71 e 1.35. Os stressores com médias mais elevadas foram três: “Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 3.35), “Cuido da minha saúde, agora mais debilitada” (M = 5.16) e “Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido” (M = 5.71). Já os stressores que obtiveram médias mais baixas foram “Penso em ir para um lar agora que o meu marido já não vive comigo” (M = 1.41), “Penso em deixar a minha casa e em ir viver para a casa do meu filho” (M = 1.35) e “Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas” (M = 1.50). No ponto seguinte iremos comparar o comportamento destes dois tipos de stressores para descobrirmos a diferença na intensidade experienciada entre stressores de perda e stressores de restabelecimento. c) Qual a diferença entre a intensidade dos SOP e dos SOR nos 5 momentos do estudo? Para respondermos a esta questão utilizamos o Teste T para Amostras Emparelhadas. Este teste avalia se a média dos sujeitos da nossa amostra, nas variáveis dependentes (SOP e SOR), difere nos cinco momentos temporais. Na realização deste Teste aplicámos a Correção de Bonferroni. 4,5 Média SOP e SOR 4 3,5 SOP 3 SOR 2,5 2 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.2.3. Intensidade experienciada nos Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento nos 5 tempos. 204 O Teste T mostrou que: a) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada dos SOP e dos SOR no primeiro momento temporal, t (58) = 12.04, p <.01 (Tabela 5.2.6). A intensidade dos SOP é mais elevada que a intensidade dos SOR no primeiro momento temporal; b) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada dos SOP e dos SOR no segundo momento temporal, t (33) = 6.11, p <.01 (Tabela 5.2.6). A intensidade dos SOP é mais elevada que a intensidade dos SOR no segundo momento temporal; c) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada dos SOP e dos SOR no terceiro momento temporal, t (26) = 5.45, p <0.1 (Tabela 5.2.6). A intensidade dos SOP é mais elevada que a intensidade dos SOR no terceiro momento temporal; d) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada dos SOP e dos SOR no quarto momento temporal, t (25) = 2.90, p <.01 (Tabela 5.2.6). A intensidade dos SOP é mais elevada que a intensidade dos SOR no quarto momento temporal. No quinto momento não houve diferenças significativas entre SOP5 e SOR5, t (21) = 2.12, ns. Tabela 5.2.6. Diferenças entre a intensidade experienciada dos SOP e dos SOR nos cinco momentos temporais. Stressores Média (DP) SOP1 vs SOR1 3.97 (0.83) t (58) = 12.04* (n =59) 2.54 (0.70) SOP2 vs SOR2 3.68 (0.89) t (33) = 6.11* (n=34) 2.69 (0.63) SOP3 vs SOR3 3.61 (0.91) t (26) = 5.45* (n=27) 2.77 (0.59) SOP4 vs SOR4 3.48 (1.07) t (25) = 2.90* (n=26) 2.82 (0.47) * p <.01 Na análise da Figura 5.2.3 devemos ter em linha de conta que existe uma diferença de médias entre SOP1 e SOR1, entre SOP2 e SOR2, entre SOP3 e SOR3 e entre SOP4 e SOR4. A evolução na diferença de médias não reflete, necessariamente, mudanças intra-individuais, porque apenas uma parte dos sujeitos é comum aos cinco tempos. Também não podemos dizer que reflete diferenças inter-individuais, porque há uma parte da amostra que não é comum. Queremos apenas centrar-nos na compreensão 205 da evolução desta diferença de médias, independentemente das mudanças devidas às diferenças individuais. Discussão dos Resultados Os resultados relativos à evolução da intensidade dos SOP vão de encontro ao postulado por Stroebe e Schut (1999) e são consistentes com o modelo dual de processar o luto. De facto, a intensidade da experiência dos stressores orientados para a perda revelou-se mais intensa no Tempo 1 e no Tempo 3 do que no Tempo 5. Nos primeiros meses após a perda as participantes vivenciam os stressores de perda com uma intensidade mais elevada que nos tempos mais tardios. Nas palavras de Stroebe e Schut “No início do luto, a orientação para a perda domina, mais tarde a atenção dirige-se mais e mais para outras fontes de preocupação e angústia” (1999, p.213). A orientação da atenção para aspetos da perda relacionados com o falecido marido diminuiu ao longo do tempo, revelando que a intensidade da experiência da perda observada nos primeiros 30 dias de viuvez (Tempo 1) não é a mesma 16 meses depois: é significativamente inferior. Podemos, igualmente, afirmar que, relativamente à intensidade experienciada 9 meses após a perda (Tempo 3), esta é significativamente superior à intensidade experienciada com os stressores de perda 6 meses depois. Os stressores de perda parecem perder o “poder stressante”, manifestamente mais intenso e perturbador nos primeiros tempos. Este facto pode ficar a dever-se à mudança do foco da atenção das participantes para outro tipo de stressores ou, podem estes stressores, por ação do tempo, perder o seu efeito stressante. Estes resultados contrariam os resultados encontrados por Caserta e Lund (2007) que, numa tentativa de operacionalizar o modelo dual de processar o luto, construíram um inventário de stressores de perda e restabelecimento que aplicaram a dois grupos de pessoas viúvas com diferentes tempos de viuvez: um grupo com uma viuvez recente e outro com um tempo de viuvez compreendido entre os 12 e os 15 meses. Os resultados revelaram a ausência de diferenças significativas na atenção orientada para os stressores orientados para a perda entre os dois grupos de participantes, mas o mesmo não se verificou nos stressores orientados para o restabelecimento. Relativamente a estes, o estudo revelou níveis mais elevados de atividade orientada para o restabelecimento no grupo de pessoas viúvas há mais tempo. No nosso estudo, pelo contrário, não se verificaram diferenças significativas na intensidade dos stressores de restabelecimento entre os 5 tempos do estudo. A inexistência de diferenças significativas na intensidade dos stressores de 206 restabelecimento não suporta o modelo dual de processar o luto que estipula um aumento na experiência destes stressores à medida que o tempo vai passando (Stroebe & Schut, 1999). Num estudo realizado por Richardson e Balaswamy (2001) com duzentos viúvos idosos, verificou-se que a orientação para a perda se mostrou particularmente relevante nos momentos iniciais do processo de luto, influenciando o afeto negativo. Este resultado parece estar de acordo com que encontramos neste nosso estudo para os stressores de perda. Já a orientação para o restabelecimento assumiu um papel mais relevante no luto mais tarde. Relativamente a este resultado, no nosso estudo não registamos diferenças significativas ao nível dos stressores de restabelecimento. Baseadas nestes dados, as autoras sugerem que acontecimentos como as circunstâncias da morte são mais relevantes nos momentos iniciais, ao passo que os compromissos se tornam mais importantes mais tarde. Segundo as autoras os resultados suportam o modelo dual de processar o luto. Apesar de não encontrarmos diferenças significativas na intensidade experienciada do SOR, a hipótese formulada confirma-se relativamente à evolução dos SOP, uma vez que encontramos diferenças significativas na intensidade experienciada pelas participantes relativamente a estes stressores. Quanto aos stressores de perda e restabelecimento mais intensamente experienciados, isto é, os stressores que em cada tempo obtiveram a pontuação mais elevada, os dados revelaram-nos que alguns dos stressores de perda mais prevalentes e portanto, mais experienciados pelas participantes obtêm as médias mais elevadas, não só no Tempo 1, mas também no Tempo 2, no Tempo 3 e no Tempo 4. Estes stressores são os seguintes: “Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido” e “Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos”. São os stressores que se relacionam com a natureza da relação com o cônjuge e com as circunstâncias em que a morte ocorreu dominando a atenção das participantes deste estudo. É o caso do item “Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido” que obteve a média mais elevada (M = 4.95) desta escala. Este stressor, considerado um fator de adaptação ao luto (Bowlby,1980), parece, pois, merecer a atenção das participantes. “Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos”, remete-nos para os laços criados com o cônjuge durante muitos anos, tal como os stressores “Passo o tempo a sentir a falta do meu marido” e “Estou sempre a pensar no meu marido” com pontuações médias igualmente elevadas. A pontuação elevada atribuída a estes stressores permitiu-nos, por um lado, identificar a influência da teoria da vinculação de Bowlby (1969, 1980) no 207 modelo dual de processar o luto e, por outro lado, como referem Hansson e Stroebe (2007), constatar que as relações que sobrevivem até uma idade avançada potenciam a existência de uma aproximação e interdependência emocional capaz de, após a perda do cônjuge, levar ao surgimento da solidão. O item 17 “Sinto-me sozinha, agora que o meu marido morreu” (M = 4.02), parece comprovar esta ideia, apesar de não constar entre os stressores com médias mais elevadas no Tempo 1. Os resultados relativos às pontuações para o Tempo 1 vão de encontro aos apurados por Pereira (2009), ou seja, os stressores representados pelos itens 3 e 12 estão, da mesma forma que no nosso estudo, entre os stressores com médias mais elevadas. Os stressores menos prevalentes e, portanto, com pontuações médias mais baixas no Tempo 1 são stressores que mantiveram estes valores baixos em quase todos os tempos. Referimo-nos a stressores como “Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido”, “Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo “ou “Não posso aceitar que o meu marido morreu”. São stressores pouco experienciados pelas participantes indiciando o pouco tempo que lhes era dedicado. A não aceitação da perda parece não merecer muita atenção da parte das participantes, preferindo levar a sua vida independentemente da forma como o marido poderia reagir. Relativamente aos stressores de perda, podemos concluir que os stressores com pontuações mais elevadas em cada um dos momentos temporais são stressores que nos remetem para a natureza da ligação entre os cônjuges, para sentimentos de saudade e de solidão, ou seja, para o trabalho de luto. Aspetos que, além de fazerem parte da orientação para a perda, são experienciados com mais intensidade nos primeiros tempos após a perda, tal como postulam Stroebe e Schut (1999). Os stressores de restabelecimento mais pontuados no Tempo 1 vão de encontro aos stressores mais pontuados em Pereira (2009). Com efeito, os stressores de restabelecimento, “Cuido da minha saúde, agora mais debilitada”, “Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva” e “Realizo as habituais tarefas domésticas, após a morte do meu marido” foram os stressores de restabelecimento mais prevalentes nos primeiros 30 dias após a perda, em conjunto com um outro, não observado em Pereira (2009) “Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido”. Note-se que estes stressores, com exceção do stressor “Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva”, registaram sempre a média mais elevada em cada um dos momentos temporais, significando que mantiveram a sua prevalência nesses mesmos momentos. De facto, os valores elevados atingidos pelos 208 stressores de restabelecimento parecem mostrar que a dificuldade e, simultaneamente, a necessidade em prosseguirem a sua vida, mantendo-se adaptadas com um bom funcionamento. Do conjunto dos stressores que constituem a subescala, o stressor representado pelo item 24, “Realizo as habituais tarefas domésticas, após a morte do meu marido”, alcançou as pontuações mais elevadas em todos os tempos, mostrando que realizar as tarefas domésticas como sempre fizeram até à morte do cônjuge, constitui um stressor de restabelecimento intensamente experienciado pelas participantes. Mas a viúva não só continua a realizar as tarefas de antes, como terá que aprender outras. Na verdade, com a perda do cônjuge a viúva terá de lidar com outros aspetos da perda, como desempenhar tarefas que antes eram da responsabilidade do falecido marido ou aprender a adaptar-se ao seu novo papel de mulher viúva, ou ainda, como já constatámos, ter que continuar a realizar as tarefas domésticas. Todos estes stressores são de restabelecimento e, tal como os de perda, têm que ser confrontados ou evitados. O stressor “Cuido da minha saúde agora mais debilitada” constitui um exemplo desta situação, como sendo um dos stressores de restabelecimento com as pontuações mais elevadas em todos os cinco tempos. A literatura diz-nos que os desafios que se colocam às pessoas enlutadas em idade avançada como lidar com stressores relacionados com a aprendizagem de novas tarefas, com dificuldades financeiras e com uma reduzida participação social poderão ser influenciados por aspetos problemáticos do desenvolvimento como o declínio físico e mental, os quais poderão interferir no coping com estes stressores fazendo com que este processo se prologue no tempo (Hansson & Stroebe, 2007). No nosso estudo, a aprendizagem de novas tarefas e as dificuldades financeiras estão entre os stressores com pontuações mais baixas e, portanto, menos prevalentes, traduzindo a pouca atenção das participantes em relação a estes stressores. A hipótese formulada em torno dos fundamentos teóricos do modelo dual de processar o luto é, portanto, confirmada pelos resultados que obtivemos, uma vez que os stressores de perda e restabelecimento mais intensamente experienciados traduzem situações que merecem a atenção das pessoas idosas enlutadas. Quanto à diferença de intensidade entre os dois tipos de stressores em cada um dos tempos, conseguimos ver que esta é mais elevada junto dos stressores orientados para a perda do que junto dos stressores orientados para o restabelecimento em todos os tempos com exceção do Tempo 5. As duas linhas da Figura 5.2.3, representando cada um dos dois tipos de stressores, parecem percorrer os cinco momentos temporais no 209 mesmo sentido até ao quinto momento, em que quase se tocam. Poderíamos conjeturar que se cruzariam, que continuariam a manter a tendência de cada uma, ou então, que se afastariam. O facto de no quinto tempo não serem encontradas diferenças significativas entre os dois tipos de stressores parece indicar que a intensidade experienciada com cada um dos stressores não requer da parte da pessoa enlutada a mesma atenção que lhes foi direcionada nos tempos anteriores. De facto em cada um dos primeiros quatro tempos a intensidade dos SOP foi sempre superior à intensidade experienciada dos SOR. Stroebe e Schut (1999) afirmam que com o decorrer do tempo a habituação tem lugar, isto é, após um tempo suficiente (meses e anos), a quantidade de tempo investida nos dois tipos de stressores vai diminuindo. Os dados recolhidos parecem, ainda, confirmar que as participantes sentem a necessidade de lidar com os dois tipos de stressores. De facto, a atenção dada aos stressores coexiste em cada um dos tempos em que existiram diferenças significativas indicando-nos uma potencial presença do mecanismo da Oscilação (Stroebe & Schut, 1999). Este mecanismo, fundamental para o sucesso da adaptação à perda, envolve um processo dinâmico de confronto e evitamento com os dois tipos de stressores. Significa que as participantes vão ter que desenvolver estratégias de confronto e de evitamento com estes stressores. Quanto à confirmação da hipótese formulada podemos afirmar que esta foi confirmada relativamente às diferenças significativas na intensidade dos SOP e dos SOR nos quatro primeiros tempos, com o quinto momento a não apresentar diferenças significativas entre a intensidade dos SOP e a intensidade dos SOR. A realização deste estudo, permitiu-nos conhecer os stressores de perda e de restabelecimento mais experienciados pelas participantes idosas neste estudo, bem como conhecer a intensidade com que stressores de perda e de restabelecimento são experienciados ao longo dos 17 meses após a perda. Este conhecimento empírico pode revelar-se vantajoso no apoio a pessoas idosas enlutadas. Este apoio é geralmente prestado por familiares, amigos ou vizinhos, mas pode também ser fornecido por outros profissionais, como assistentes sociais e profissionais médicos. Compreender a experiência de viuvez de um idoso pode contribuir para que outros prestem um apoio mais adequado e eficaz ao idoso enlutado. 210 3º ESTUDO 211 O efeito de fatores sociodemográficos e circunstâncias da morte no luto conjugal de adultos idosos. Resumo As circunstâncias da morte e a idade constituem-se como fatores de adaptação à perda. (referência) Quisemos, por isso, averiguar em que medida estas variáveis interferem no comportamento das dimensões do modelo dual de processar o luto. Os resultados deste estudo revelaram que a intensidade experienciada com os stressores de perda pelas participantes com 65-74 anos nos primeiros trinta dias após a perda e treze meses após esta ter ocorrido foi significativamente superior à intensidade experienciada passados dezassete meses. Verificámos que a intensidade experienciada com as estratégias de evitamento da perda pelas participantes com 65-74 anos trinta dias após esta ter ocorrido foi significativamente superior à intensidade experienciada nos 17 meses que se seguiram à perda. Observámos que as estratégias de evitamento da perda são mais intensas nos primeiros trinta dias após a perda e menos intensas nos 17 meses após a perda, para as participantes com escolaridade. Relativamente à variável circunstâncias da morte, os resultados revelaram que para a morte esperada a intensidade dos stressores de perda foi mais elevada nos primeiros trinta dias após a perda que dezassete meses após esta ter ocorrido. Concluímos que talvez seja necessário mais tempo para que as participantes dos dois grupos de idade possam lidar com os stressores de restabelecimento utilizando estratégias de confronto e de evitamento com o restabelecimento. Relativamente à escolaridade, parece-nos que esta variável parece interferir na evolução das estratégias de evitamento fazendo com que as mesmas sejam menos utilizadas mais tarde no luto. Quanto às circunstâncias da morte, a morte esperada do cônjuge leva a viúva a experienciar uma intensidade menos elevada de stressores de perda somente 17 meses após a perda ocorrer. Palavras – chave: stressores, estratégias de coping, idade, escolaridade circunstâncias da morte. 212 Introdução As circunstâncias da morte e a idade constituem-se como fatores de adaptação à perda (Sanders, 1993; Parkes, 1998). Quisemos, por isso, averiguar em que medida estas variáveis interferem no comportamento das dimensões do modelo dual de processar o luto. Os declínios observados na inteligência fluida durante a quinta década do ciclo de vida podem comprometer o coping com os stressores orientados para o restabelecimento (ex: finanças), enquanto os declínios observados na inteligência cristalizada durante a sétima década do ciclo de vida influenciarão o coping com os stressores orientados para a perda (ex: aceitar a realidade da perda) (Hansson & Stroebe, 2007). A escolaridade poderá interferir na experiência dos stressores de perda e restabelecimento e no coping com os mesmos, na medida em que níveis de escolaridade mais elevados ao longo de várias gerações estão associados com melhores capacidades cognitivas em idade avançada (Hansson & Stroebe, 2007). Nos adultos idosos, apesar de não ser muito provável que experienciem um luto causado por uma morte traumática (Hansson & Stroebe, 2007; Parkes, 1975 cit. in Stroebe & Schut, 2001), ela pode ocorrer. Em casais em idade avançada a morte é causada, na maior parte das vezes, por doenças crónicas, sendo mais previsível e permitindo ao cônjuge a despedida (Schaefer & Moos, 2001). Para estas três variáveis (idade, escolaridade e circunstâncias da morte) aplicámos a Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) com o objetivo de observar tendências nas diferenças que poderíamos encontrar. Porém, o número de participantes em cada um dos subgrupos de cada variável revelou-se reduzido para obtermos valores conclusivos. Assim, em algumas das variáveis não foi possível saber em que momentos temporais foram registadas as diferenças, porque o valor de N se revelou reduzido para ser distribuído pelos cinco momentos temporais. Fizemos esta ANOVA para Medidas Repetidas (F) com esta consciência de que não podemos tirar conclusões categóricas quanto à altura em que as diferenças se dão. Deste modo, os dados devem ser observados com muita cautela na generalização que porventura se possa fazer dos resultados. As diferenças significativas encontradas que possam surgir devem ver apreciadas como possíveis tendências que ocorrem ao longo do tempo. a) Há diferenças nos dois grupos de idade (65-74 e 75 +) relativamente à experiência dos SOP, SOR, ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais? 213 Hipótese: A intensidade dos stressores de perda e de restabelecimento aumenta com a idade. A intensidade das estratégias de confronto e de evitamento com os stressores de perda e restabelecimento aumenta com a idade. b) Há diferenças nos dois grupos de escolaridade (com escolaridade e sem escolaridade) relativamente à experiência dos SOP, SOR, ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais? Hipótese: A intensidade dos stressores de perda e de restabelecimento é menor nas participantes com mais escolaridade e maior nas participantes sem escolaridade. A intensidade das estratégias de coping é menor nas participantes com mais escolaridade e maior nas participantes com menos escolaridade. c) Há diferenças nos dois tipos de circunstâncias da morte (morte repentina e morte esperada) relativamente à experiência dos SOP, SOR, ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais? Hipótese: As participantes cujos cônjuges sofreram uma morte repentina apresentam valores mais elevados de stressores de perda e de restabelecimento do que as participantes cuja morte do cônjuge era esperada. As participantes, cujos cônjuges morreram repentinamente, apresentam valores mais elevados de estratégias de confronto com a perda e de evitamento do restabelecimento do que as participantes para cujos cônjuges a morte era esperada. Método Participantes Foram contactadas, entre outubro de 2008 e março de 2011, cento e noventa e nove mulheres cujos maridos haviam falecido há menos de um mês. Destes cento e noventa e nove (199) contactos, cinquenta e nove (59) aceitaram integrar a amostra de participantes deste estudo. A idade destes últimos situou-se entre os 65 e os 85anos, com um M=72.49 e DP=6.18. Instrumentos de medida Mini - Cog Este instrumento permite avaliar o estado mental da nossa amostra. Pode ser usado para detetar demência de uma forma rápida e fácil em vários cenários (Doerflinger & Fairfax, 2007). Segundo os autores demora cerca de 3 minutos a 214 administrar. No nosso estudo, este instrumento é aplicado no início da administração dos protocolos e em cada um dos cinco momentos temporais. É pedido à pessoa que escute com atenção 3 palavras (não relacionadas) e que as repita. De seguida é pedido à pessoa que desenhe num relógio (sem ponteiros) os ponteiros de forma a marcar determinadas horas solicitadas pelo administrador do Mini-Cog. Após esta etapa pergunta-se à pessoa pelas 3 palavras referidas anteriormente. Caso a pessoa não se recorde destas 3 palavras é classificada com demência. Se as recordar é classificada como não demente. Se o indivíduo se recordar apenas de uma ou duas palavras é classificado com base no desenho dos ponteiros do relógio: demente se os ponteiros do relógio não forem desenhados de acordo com o solicitado e não demente se o desenho dos ponteiros do relógio obedecerem ao solicitado. Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento – ISOPR (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. É constituído por 25 itens distribuídos por duas subescalas correspondentes a cada uma das orientações (perda e restabelecimento) e foi aplicado em todos os cinco momentos temporais. Treze itens correspondem a Stressores Orientados para a Perda (Ex: Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu) e doze itens correspondem a Stressores Orientados para o Restabelecimento (Ex: Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo). A presença dos stressores é avaliada pela frequência com que cada participante o experiencia, numa escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e “Não Aplicável a Mim”. Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento - IECOPR - (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. É constituído por 44 itens, distribuídos por quatro subescalas correspondentes a cada uma das estratégias de coping, sendo que 21 pertencem a estratégias de coping orientadas para a perda: 10 de confronto “Vou à igreja para falar com Deus acerca dos meus sentimentos de tristeza” e 11 de evitamento com esta dimensão “Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido”; 23 itens pertencem a estratégias de coping orientadas para o restabelecimento: 14 de confronto “Rezo mais do que o costume para que seja possível ficar mais otimista” e 9 de evitamento ”Evito fazer o meu trabalho de casa diário, tal como o fazia antes da morte do meu marido”. A presença das estratégias é avaliada pela 215 frequência com que cada participante a utiliza, numa Escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e a opção “Não Aplicável a Mim”. Questionário sociodemográfico (QSD) Este instrumento foi elaborado com o objetivo de obter dados que nos permitissem um melhor conhecimento da amostra e nos possibilitasse a colocação de questões que não constavam de outros instrumentos, como por exemplo sobre a idade ou sobre a escolaridade das participantes neste trabalho. Procedimentos Todos os procedimentos adotados neste estudo foram aprovados pelo Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os contactos junto das pessoas com o perfil adequado ao nosso estudo (mulher viúva com 65 e mais anos de idade) tiveram início em outubro de 2008 e terminaram em março de 2011. Deste modo, a participação da nossa amostra deu-se dentro dos seguintes espaços de tempo: nos primeiros 30 dias (Tempo 1), durante o 5º mês após a perda (Tempo 2), durante o 9º mês após a perda (Tempo 3), durante o 13º mês após a perda (Tempo 4) e a última participação teve lugar durante o 17º mês após a perda (Tempo 5). A administração dos questionários deste estudo deu-se após um primeiro encontro onde se explicaram às participantes os objetivos do estudo e em que consistia a sua participação. A primeira intervenção do participante foi assinar um consentimento informado, que era lido pelo colaborador, continha os objetivos do estudo e aquilo que se esperava de cada participante. Os questionários deste estudo foram aplicados nas residências particulares das participantes. Foram preenchidos pelo colaborador de investigação no decurso da conversação estabelecida com cada participante (Quivy & Campenhoudt, 1998). Resultados a) Há diferenças nos dois grupos de idade (65-74 e 75 +) relativamente à experiência dos SOP, SOR, ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais? Apresentamos na Tabela 5.3.1 as propriedades psicométricas dos instrumentos usados no autorrelato dos stressores de perda e restabelecimento. Na Tabela 5.3.2 é apresentada a estatística descritiva relativamente aos stressores de perda e 216 restabelecimento para os dois grupos de idade das participantes. A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos com exceção da distribuição dos valores de SOP1 e do SOR2. Devido à mortalidade da amostra só nos foi possível estabelecer comparações de dados de 19 participantes, por ser este o número de participantes que se manteve constante ao longo do tempo. Neste contexto, de um total de 19 pessoas que participaram em todos os momentos temporais, 14 apresentam idades compreendidas entre os 65 e os 74 anos de idade, sendo que somente 5 apresenta idades com 75 e mais anos. Tabela 5.3.1. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR) Amplitude Stressores de Perda (SOP) e de N Restabelecimento (SOR) α Desvio Média Potencial Atual Assimetria padrão Sobre itens padronizados SOP1 59 3.97 0.83 .83 1-6 2.25-5.62 -0.35 SOP2 34 3.68 0.89 .91 1-6 1.38-5.38 -0.32 SOP3 27 3.61 0.91 .87 1-6 1.85-5.46 0.20 SOP4 26 3.48 1.07 .91 1-6 1.38-5.54 0.25 SOP5 22 3.23 1.16 .91 1-6 1.31-5.15 0.18 SOR1 59 2.54 0.70 .36 1-6 1.00-4.45 0.31 SOR2 34 2.69 0.63 .66 1-6 1.82-4.00 0.70 SOR3 27 2.77 0.59 .56 1-6 1.91-4.45 0.87 SOR4 26 2.82 0.47 .55 1-6 1.91-3.64 -0.24 SOR5 22 2.74 0.54 .54 1-6 1.91-3.70 0.38 217 Tabela 5.3.2. Média e desvio padrão dos autorrelatos de stressores de perda e restabelecimento na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de idade. SOP e SOR 65-74 SOP1 75 + 65-74 SOP2 75 + 65-74 SOP3 75 + 65-74 SOP4 75 + 65-74 SOP5 75 + 65-74 SOR1 75 + 65-74 SOR2 75 + 65-74 SOR3 75 + 65-74 SOR4 75 + 65-74 SOR5 75 + Média sobreviventes (DP) 3.77 (1.09)* N=14 4.74(0.45) N=5 3.54(1.15) N=14 4.42(0.60) N=5 3.45(1.00)* N=14 4.17(0.82) N=5 3.33(1.32) N=14 4.27(0.45) N=5 2.94(1.25)* N=14 4.09(0.71) N=5 2.63(0.55) N=14 2.68(0.91) N=5 2.88(0.71) N=14 2.49(0.43) N=5 2.77(0.71) N=14 2.87(0.59) N=5 2.76(0.39) N=14 2.88(0.48) N=5 2.77(0.46) N=14 3.00(0.71) N=5 Média (DP) 3.88 (0.91) N=37 4.12(0.67) N=22 3.59(0.99) N=21 3.81(0.72) N=13 3.41(0.95) N=16 3.89(0.81) N=11 3.34(1.24) N=16 3.70(0.74) N=10 3.00(1.89) N=16 3.84(0.88) N=6 2.60(0.70) (N=37) 2.44(0.71) (N=22) 2.80(0.68) N=21 2.51(0.51) N=13 2.75(0.68) N=16 2.79(0.45) N=11 2.73(0.42) N=16 2.97(0.53) N=10 2.69(0.48) N=16 2.88(0.69) N=6 Assimetria -0.25 -0.25 -0.30 0.20 0.57 -0.13 0.54 -0.07 0.54 -0.19 0.31 0.80 0.53 0.74 1.22 -0.73 -0.47 -0.45 0.39 0.53 Obs. De entre todos os valores desta tabela, apenas estes que estão assinalados com (*) apresentam diferenças significativas conforme adiante se falará. 218 5 4,5 Média dos SOP 4 3,5 * 65-74 * 75+ 3 * 2,5 2 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.3.1. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo (n=19). ***p <.001 A Figura 5.3.1. ilustra o comportamento dos stressores de perda ao longo dos cinco momentos temporais das participantes sobreviventes pertencentes aos dois grupos de idade. Relativamente ao grupo de idade 75+ a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que não há diferenças significativas nas participantes com 75+ anos, ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (1,15) = 3.17, ns. De igual modo, não foram registadas diferenças significativas ao nível da intensidade com os stressores de restabelecimento para as participantes com 75 e mais anos de idade em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (1,5) =1,24, ns. A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes com 65-74 anos, ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (2,31) = 5.59, p <.001 (Tabela 5.3.3). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a intensidade experienciada com os 219 stressores de perda pelas participantes no Tempo 1 e no Tempo 3 é significativamente superior à intensidade experienciada com os stressores de perda no Tempo 5 (Tabela 5.3.4). Tabela 5.3.3. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP (grupo de idade 65-74) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 (n=59) (n=34) (n=27) (n=26) (n=22) Média Média Média Média Média (DP) (DP) (DP) (DP) (DP) F (2,31) Intensidade experienciada 3.77 (1.09) 3.54 (1.15) 3.45 (1.00) 3.33 (1.32) 2.94 (1.25) 5.59*** com os SOP *** p < .001 220 Tabela 5.3.4. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP Tempo1 vs. Tempo2 Tempo1 vs. Tempo3 ns ns Intensidade experienciada com os SOP Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns *** p<.001 221 Tempo2 vs. Tempo4 ns Tempo2 vs. Tempo5 ns Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 *** Tempo4 vs. Tempo5 ns Relativamente ao comportamento da intensidade experienciada pelas participantes com idades compreendidas entre os 65 e os 74 anos de idade, em cada um dos tempos, com os stressores de restabelecimento, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não há diferenças significativas no nível da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimentos nos cinco momentos temporais, F (3,37) = 0,50, ns. Quanto ao comportamento das estratégias de coping face à idade, começamos por apresentar as propriedades psicométricas dos instrumentos usados no autorrelato das estratégias de coping (Tabela 5.3.5). Na Tabela 5.3.6 é apresentada a estatística descritiva relativamente às estratégias de coping para os dois grupos de idade das participantes. A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos. 222 Tabela 5.3.5. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Estratégias de Confronto (ECP) e de Evitamento (EEP) com a Perda e com o Restabelecimento (ECR e EER) Amplitude Estratégias de α confronto e de Desvio evitamento com a N Média Potencial Atual Assimetria padrão Sobre itens Perda e com o padronizados Restabelecimento ECP1 59 3.38 .81 .67 1-6 1.50-5.13 -0.36 ECP2 34 3.39 .77 .66 1-6 2.10-4.89 0.18 ECP3 27 3.56 .78 .64 1-6 2.22-5.20 0.46 ECP4 26 3.33 .82 .78 1-6 1.10-4.80 -0.31 ECP5 22 3.26 .84 .42 1-6 1.70-4.78 0.32 EEP1 59 2.69 .79 .63 1-6 1.20-4.60 0.39 EEP2 34 2.63 .66 .64 1-6 1.20-4.09 0.14 EEP3 27 2.44 .83 .65 1-6 1.10-4.00 0.33 EEP4 26 2.37 .82 .83 1-6 1.00-4.00 0.35 EEP5 22 2.12 .86 .85 1-6 1.00-4.30 0.96 ECR1 59 3.08 .55 .54 1-6 2.00-4.42 -0.41 ECR2 34 3.16 .52 .19 1-6 2.18-4.58 0.45 ECR3 27 3.14 .55 .38 1-6 2.23-4.42 0.13 ECR4 26 3.21 .48 .32 1-6 2.14-4.15 0.13 ECR5 22 3.15 .51 .28 1-6 2.23-4.25 0.25 EER1 59 2.85 .77 .58 1-6 1.17-4.50 0.10 EER2 34 2.94 .78 .20 1-6 1.25-4.57 0.05 EER3 27 2.86 .54 .42 1-6 1.83-3.75 -0.01 EER4 26 2.74 .82 .22 1-6 1.50-4.33 0.33 EER5 22 2.72 .81 .90 1-6 1.00-4.17 -0.30 223 Tabela 5.3.6. Média e desvio padrão dos autorrelatos das estratégias de coping na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de idade. Estratégias de coping 65-74 ECP1 75 + 65-74 ECP2 75 + Média sobreviventes (DP) 3.18(1.10) ECP3 ECP4 4.12(0.67) N=5 N=22 3.35 (0.95) 3.33(0.82) N=14 N=21 3.86(0.61) 3.81(0.72) N=5 N=13 3.52(0.84) N=14 3.89(0.81) N=5 ECP5 3.18(0.82) N=14 3.70(0.74) N=5 EEP1 3.10(0.84) N=14 3.84(0.88) N=5 EEP2 2.60(0.70) N=14 -0.05 0.69 -0.40 0.29 (N=37) 2.44(0.71) N=5 0.63 (N=22) 2.80(0.68) N=14 -0.40 N=21 3.13(0.92) 75 + -0.54 N=6 2.64(0.63) 65-74 -0.68 N=16 2.80(0.59) 75 + 1.00 N=10 2.81(0.82)* 65-74 -0.27 N=16 3.89(0.60) 75 + 0.43 N=11 3.08(0.89) 65-74 -0.80 N=16 4.10 (0.70) 75 + -0.18 3.95(0.45) 3.17(0.89) 65-74 3.33 (0.87) N=37 4.09(0.42) 75 + Assimetria N=14 3.60(0.88) 65-74 Média (DP) 2.51(0.51) N=5 N=13 224 0.70 65-74 EEP3 75 + 65-74 EEP4 75 + 65-74 EEP5 75 + 65-74 ECR1 75 + 65-74 ECR2 75 + 65-74 ECR3 75 + 65-74 ECR4 75 + 65-74 ECR5 75 + EER1 65-74 2.35(0.97) 2.75(0.68) N=14 N=16 2.65(0.84) 2.79(0.45) N=5 N=11 2.39(0.87) 2.73(0.42) N=14 N=16 2.80(0.75) 2.97(0.53) N=5 N=10 2.02(0.81)* 2.69(0.48) N=14 N=16 2.68(1.03) 2.88(0.69) N=5 N=6 3.02(0.54) 3.12(0.52) N=14 N=37 3.37(0.65) 3.03(0.61) N=5 N=22 3.09(0.69) 3.09(0.59) N=14 N=21 3.32(0.41) 3.27(0.37) N=5 N=13 3.15(0.68) 3.15(0.63) N=14 N=16 3.13(0.28) 3.13(0.43) N=5 N=11 3.07(0.44) 3.07(0.42) N=14 N=16 3.29(0.54) 3.45(0.50) N=5 N=10 3.16(0.51) 3.09(0.51) N=14 N=16 3.30(0.59) 3.29(0.53) N=5 N=6 2.55(0.64) 2.80(0.82) 225 0.44 0.39 0.70 -0.19 0.85 1.04 -0.43 0.47 0.73 0.31 0.18 -0.19 -0.10 -0.15 -0.01 1.37 0.26 75 + 65-74 EER2 75 + 65-74 EER3 75 + 65-74 EER4 75 + 65-74 EER5 75 + N=14 N=37 3.25(0.86) 2.93(0.69) N=5 N=22 2.98(0.91) 2.94(0.80) N=14 N=21 3.11(0.64) 2.94(0.78) N=5 N=13 2.92(0.60) 2.91(0.57) N=14 N=16 2.83(0.67) 2.78(0.52) N=5 N=11 2.61(0.86) 2.61(0.81) N=14 N=16 3.20(0.90) 2.92(0.85) N=5 N=10 2.76(0.91) 2.63(0.91) N=14 N=16 2.99(4.70) 2.93(0.44) N=5 N=6 -0.17 0.22 -0.27 -0.05 -0.05 0.56 0.01 -0.10 1.21 Obs.*- De entre todos os valores desta tabela, apenas estes que estão assinalados com (*) apresentam diferenças significativas conforme adiante se falará. Quanto às estratégias de coping, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não foram encontradas diferenças significativas, no grupo de idade 65-74, relativamente às estratégias de confronto com a perda (F(4,52)=1,97, ns.); relativamente às estratégias de confronto com o restabelecimento (F( 2,31) = 0,39, ns.) e relativamente às estratégias de evitamento com o restabelecimento (F(4,52)=1,41, ns.). 226 3,5 3 * * Média das EEP 2,5 2 65-74 1,5 75 + 1 0,5 0 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.3.2. Média da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda, em cada tempo (n=19). (***p <.001) A Figura 5.3.2. ilustra o comportamento das estratégias de evitamento com a perda ao longo dos cinco momentos temporais das participantes sobreviventes pertencentes aos dois grupos de idade. Em relação às estratégias de evitamento com a perda a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes com 65-74 anos, ao nível da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda, em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,52) = 1.41, p <.001(Tabela 5.3.7). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a intensidade experienciada com as EEP pelas participantes no Tempo 1 é significativamente superior à intensidade experienciada com as EEP no Tempo 5 (Tabela 5.3.8). No grupo de idade com 75 e mais anos de idade, não encontramos diferenças significativas para as estratégias de coping quando aplicámos a da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F), nomeadamente em relação às estratégias de confronto com a perda (F (4,16) =0,31, ns); às estratégias de evitamento com a perda (F 227 (4,16) =0,87, ns); às estratégias de confronto com o restabelecimento (F (4,16) =0,63, ns) e às estratégias de evitamento com o restabelecimento (F (4,16) =1,76, ns). Tabela 5.3.7. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com as EEP (grupo de idade 65-74) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 (n=59) (n=34) (n=27) (n=26) (n=22) Média Média Média Média Média F (4,52) (DP) (DP) (DP) (DP) (DP) Intensidade experienciada 2.81 (0.82) 2.64 (0.63) 2.35 (0.97) 2.39 (0.87) 2.02 (0.81) 1.41*** com as EEP *** p < .001 228 Tabela 5.3.8. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com as EEP Tempo1 p <.001 vs. Tempo2 *** Intensidade experienciada com as EEP ns Tempo1 vs. Tempo3 ns Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns *** p<.001 229 Tempo2 vs. Tempo4 ns Tempo2 vs. Tempo5 ns Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 ns Tempo4 vs. Tempo5 ns b) Há diferenças nos dois grupos de escolaridade (com escolaridade e sem escolaridade) relativamente à experiência dos SOP, SOR, ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais? A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos com exceção da distribuição dos valores de SOP1 e do SOR2. Na Tabela 5.3.9 é apresentada a estatística descritiva relativamente aos stressores de perda e restabelecimento para os dois grupos de escolaridade das participantes. Devido à mortalidade da amostra só nos foi possível estabelecer comparações de dados de 19 participantes, por ser este o número de participantes que se manteve constante ao longo do tempo. Neste contexto, de um total de 19 pessoas que participaram em todos os momentos temporais, 12 possuem escolaridade e 7 não possui escolaridade. Tabela 5.3.9. Média e desvio padrão dos autorrelatos de stressores de perda e restabelecimento na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de escolaridade. Média SOP e SOR sobreviventes Média (DP) Assimetria 4.29(0.73) N=18 3.83(0.84) N=41 3.81(0.74) N=13 3.60(0.80) N=21 3.73(0.68) N=12 3.61(1.02) N=15 3.73(0.68) N=9 3.35(1.23) N=17 3.27(1.11) N=8 3.21(1.22) N=14 2.60(0.69) N=18 2.51(0.72) N=41 -0.20 (DP) SOP1 SOP2 SOP3 SOP4 SOP5 SOR1 Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade 4.48(0.82) N=7 3.76(1.11) N=12 4.15(0.70) N=7 3.55(1.24) N=12 3.70(0.93) N=7 3.60(1.07) N=12 3.84(0.74) N=7 3.43(1.44) N=12 3.29(1.20) N=7 3.21(1.30) N=12 3.00(0.77) N=7 2.44(0.46) N=12 230 -0.33 -0.20 -0.34 0.47 0.15 0.41 0.50 0.48 0.10 0.47 0.50 SOR2 SOR3 SOR4 SOR5 Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade Sem escolaridade Com escolaridade 2.46(0.42) N=7 2.95(0.72) N=12 2.84(0.62) N=7 2.76(0.72) N=12 2.83(0.43) N=7 2.77(0.41) N=12 3.06(0.61) N=7 2.70(0.44) N=12 2.49(0.53) N=13 2.82(0.67) N=21 2.79(0.51) N=12 2.75(0.66) N=15 3.00(0.50) N=9 2.73(0.44) N=17 2.97(0.61) N=8 2.61(0.46) N=14 0.72 0.58 -0.22 1.31 -0.25 -0.51 -0.21 0.53 5 4,5 Média dos SOP 4 3,5 Sem escolaridade Com escolaridade 3 2,5 2 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.3.3. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo (n=19). A Figura 5.3.3. ilustra o comportamento dos stressores de perda ao longo dos cinco momentos temporais das participantes sobreviventes pertencentes aos dois grupos de escolaridade. 231 Relativamente às participantes sem escolaridade, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes sem escolaridade, ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,24) = 6.17, p <.001. No entanto, não nos foi possível saber em que momentos estas diferenças surgem, devido ao facto de o número de participantes sem escolaridade ser muito reduzido (n=7). Não foram registadas diferenças significativas ao nível da intensidade com os stressores de restabelecimento para as participantes sem escolaridade em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (1,11) =1,86, ns. Quanto às participantes com escolaridade, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes com escolaridade, ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,44) = 3.00, p <.001. No entanto, não nos foi possível saber em que momentos estas diferenças surgem, devido ao facto de o número de participantes com escolaridade ser muito reduzido (n=12). 3,5 3 Média dos SOR 2,5 2 Sem escolaridade 1,5 Com escolaridade 1 0,5 0 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.3.4. Média da intensidade restabelecimento, em cada tempo (n=19). experienciada 232 com os stressores de Na figura 5.3.4. podemos observar o comportamento dos stressores de restabelecimento para as participantes com e sem escolaridade. A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que há diferenças significativas nas participantes com escolaridade, ao nível da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimento em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,44) = 2,67, p <.001. No entanto, não nos foi possível saber em que momentos estas diferenças surgem, devido ao facto do número de participantes com escolaridade ser muito reduzido (n=12). 233 Tabela 5.3.10. Média e desvio padrão dos autorrelatos de estratégias de coping na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois grupos de escolaridade. Média Estratégias de coping sobreviventes Média (DP) Assimetria 3.40(0.76) N=18 -0.33 (DP) Sem escolaridade ECP1 Com escolaridade 3.60(1.10) N=7 3.27(1.00) N=12 Sem escolaridade 3.37(0.84) N=41 -0.38 3.45(0.70) N=7 3.37(0.62) N=13 -0.31 Com escolaridade 3.50(1.01) N=12 3.41(0.86) N=21 0.25 Sem escolaridade 3.77(0.64) N=7 3.49(0.71) N=12 -0.14 Com escolaridade 3.69(0.91) N=12 3.62(0.85) N=15 0.68 Sem escolaridade 3.73(0.79) N=7 3.62(0.77) N=9 0.11 Com escolaridade 3.22(0.95) N=12 3.18(0.83) N=17 -0.43 Sem escolaridade 3.42(0.84) N=7 3.38(0.78) N=8 0.53 Com escolaridade 3.21(0.95) N=12 3.19(0.89) N=14 0.36 Sem escolaridade 2.74(0.73) N=7 5.58(0.66) N=18 0.61 Com escolaridade 2.84 (0.79)* N=12 2.73(0.85) N=41 0.28 Sem escolaridade 2.95(0.81) N=7 2.68(0.68) N=13 1.09 Com escolaridade 2.67(0.68) N=12 2.59(0.66) N=21 -0.44 Sem EEP3 escolaridade Com escolaridade 2.40(0.96) N=7 2.47(0.77) N=12 0.28 2.45(0.95) 2.41(0.90) N=15 0.41 ECP2 ECP3 ECP4 ECP5 EEP1 EEP2 234 N=12 Sem escolaridade 2.35(0.92) N=7 2.45(0.82) N=9 0.07 Com escolaridade 2.59(0.82) N=12 2.32(0.84) N=17 0.52 Sem escolaridade 2.23(1.07) N=7 2.13(1.04) N=8 1.52 Com escolaridade 2.17 (0.82)* N=12 2.12(0.78) N=14 0.50 Sem escolaridade 3.33(0.69) N=7 3.12(0.65) N=18 0.15 Com escolaridade 2.99(0.49) N=12 3.07(0.511) N=41 -0.25 Sem escolaridade 3.29(0.80) N=7 3.25(0.65) N=13 0.39 Com escolaridade 3.08(0.56) N=12 3.10(0.43) N=21 0.08 Sem escolaridade 3.25(0.0.67) N=7 3.30(0.53) N=12 0.11 Com escolaridade 3.08(0.48) N=12 3.01(0.54) N=15 0.21 Sem escolaridade 3.21(0.46) N=7 3.33(0.47) N=9 0.19 Com escolaridade 3.08(0.48) N=12 3.15(0.49) N=17 0.16 Sem escolaridade 3.32(0.58) N=7 3.23(0.60) N=8 0.79 Com escolaridade 3.13(0.49) N=12 3.10(0.47) N=14 -0.41 Sem escolaridade 2.98(0.78) N=7 2.79(0.66) N=18 0.70 Com escolaridade 2.59(0.72) N=12 2.88(0.82) N=41 -0.05 Sem EER2 escolaridade 3.10(0.63) N=7 3.15(0.66) N=13 0.21 2.97(0.96) 2.84(0.86) 0.19 EEP4 EEP5 ECR1 ECR2 ECR3 ECR4 ECR5 EER1 Com 235 EER3 EER4 EER5 escolaridade N=12 N=21 Sem escolaridade 2.90(0.59) N=7 2.85(0.52) N=12 -0.39 Com escolaridade 2.89(0.64) N=12 2.86(0.58) N=15 0.18 Sem escolaridade 2.79(0.95) N=7 2.80(0.87) N=9 0.33 Com escolaridade 2.75(0.89) N=12 2.70(0.81) N=17 0.35 Sem escolaridade 2.89(0.66) N=7 2.74(0.74) N=8 -0.42 Com escolaridade 2.78(0.91) N=12 2.70(0.88) N=14 -0.38 Obs.*- De entre todos os valores desta tabela, apenas estes que estão assinalados com (*) apresentam diferenças significativas conforme adiante se falará. 3,5 3 * Média das EEP 2,5 * 2 Sem escolaridade 1,5 Com escolaridade 1 0,5 0 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.3.5. Média da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda em cada tempo (n=19). (***p <.001) Na figura 5.3.5. podemos observar o comportamento das estratégias de evitamento com a perda para as participantes com e sem escolaridade. 236 Em relação às estratégias de evitamento com a perda a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes com escolaridade, ao nível da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda, em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,44) = 2.62, p <.001(Tabela 5.3.11). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda pelas participantes no Tempo 1 é significativamente superior à intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda no Tempo 5 (Tabela 5.3.12). Relativamente às restantes estratégias de coping, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não foram encontradas diferenças significativas, nas participantes com escolaridade relativamente às estratégias de confronto com a perda (F(4,44)=1,96, ns.); relativamente às estratégias de confronto com o restabelecimento (F( 4,44) = 0,35, ns.) e relativamente às estratégias de evitamento com o restabelecimento (F(4,44)=0,71, ns.). No grupo de participantes sem escolaridade não encontrámos diferenças significativas para as estratégias de coping quando aplicámos a da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F), nomeadamente em relação às estratégias de confronto com a perda (F (1,89) =0,65, ns); às estratégias de evitamento com a perda (F (4,24) =1,87, ns); às estratégias de confronto com o restabelecimento (F (4,24) =0,13, ns) e às estratégias de evitamento com o restabelecimento (F (1,8) =0,44, ns). Tabela 5.3.11. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com as EEP (com escolaridade) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 (n=59) (n=34) (n=27) (n=26) (n=22) Média Média Média Média Média (DP) (DP) (DP) (DP) (DP) F (4,44) Intensidade experienciada 2.84 (0.79) 2.67 (0.68) 2.45 (0.95) 2.59 (0.82) 2.17 (0.82) 2.62*** com as EEP *** p < .001 237 Tabela 5.3.12. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com as EEP Tempo1 vs. Tempo2 Intensidade experienciada ns com as EEP *** p <.001 Tempo1 vs. Tempo3 ns Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns *** p <.001 238 Tempo2 vs. Tempo4 ns Tempo2 vs. Tempo5 ns Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 ns Tempo4 vs. Tempo5 ns c) Há diferenças nos dois tipos de circunstâncias da morte (morte repentina e morte esperada) relativamente à experiência dos SOP, SOR, ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais? A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos com exceção da distribuição dos valores de SOP1 e do SOR2. Na Tabela 5.3.13 é apresentada a estatística descritiva relativamente aos stressores de perda e restabelecimento para os dois tipos de morte. Devido à mortalidade da amostra só nos foi possível estabelecer comparações de dados de 19 participantes, por ser este o número de participantes que se manteve constante ao longo do tempo. Neste contexto, de um total de 19 pessoas que participaram em todos os momentos temporais, houve 14 cuja morte do cônjuge era esperada e 5 cujo cônjuge morreu de forma repentina. Tabela 5.3.13. Média e desvio padrão dos autorrelatos de stressores de perda e restabelecimento na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois tipos de morte. Média SOP e SOR sobreviventes Média (DP) Assimetria 4.00(0.85) N=45 3.86(0.77) N=14 3.63(0.96) N=26 3.84(0.66) N=8 3.65(0.95) N=19 3.50(0.86) N=8 3.57(1.15) N=19 3.24(0.87) N=7 3.36(1.12) N=17 2.80(1.33) N=5 2.49(0.72) N=45 -0.36 (DP) SOP1 SOP2 SOP3 SOP4 SOP5 SOR1 Morte esperada Morte repentina Morte esperada Morte repentina Morte esperada Morte repentina Morte esperada Morte repentina Morte esperada Morte repentina Morte esperada 3.95(1.12)* N=14 4.24(0.91) N=5 3.67(1.22) N=14 4.06(0.63) N=5 3.70(1.04) N=14 3.45(0.95) N=5 3.70(1.29) N=14 3.24(1.05) N=5 3.40(1.21)* N=14 2.80(1.33) N=5 2.65(0.64) N=14 239 -0.54 -0.30 0.70 0.00 0.94 0.12 0.44 0.12 1.25 0.52 Morte 2.64(0.69) 2.70(0.66) 0.52 repentina N=5 N=14 Morte 2.88(0.71) 2.72(0.68) 0.68 N=14 N=26 SOR2 esperada Morte 2.48(0.41) 2.61(0.45) -0.17 repentina N=5 N=8 Morte 2.93(0.67) 2.85(0.62) 0.93 N=14 N=19 SOR3 esperada Morte 2.40(0.52) 2.58(0.47) -0.13 repentina N=5 N=8 Morte 2.81(0.42) 2.79(0.48) -0.15 N=14 N=19 SOR4 esperada Morte 2.76(0.41) 2.92(0.45) -0.50 repentina N=5 N=7 Morte 2.92(0.53) 2.79(0.56) 0.26 N=14 N=17 SOR5 esperada Morte 2.58(0.48) 2.58(0.48) 0.89 repentina N=5 N=5 Obs.*- De entre todos os valores desta tabela, apenas estes que estão assinalados com (*) apresentam diferenças significativas conforme adiante se falará. 4,5 Média dos SOP 4 * 3,5 * Morte esperada Morte repentina 3 2,5 2 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.3.6. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo (n=19). (***p <.001) 240 A Figura 5.3.6. ilustra o comportamento dos stressores de perda ao longo dos cinco momentos temporais das participantes sobreviventes pertencentes aos dois tipos de morte. A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes cuja morte do cônjuge foi esperada, ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (2,32) = 3.97, p <.001(Tabela 5.3.14). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a intensidade experienciada com os stressores de perda pelas participantes no Tempo 1 é significativamente superior à intensidade experienciada com os stressores de perda no Tempo 5 (Tabela 5.3.15). Tabela 5.3.14. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP (morte esperada) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 (n=59) (n=34) (n=27) (n=26) (n=22) Média Média Média Média Média (DP) (DP) (DP) (DP) (DP) F (2,32) Intensidade experienciada 3.95 (1.12) 3.67 (1.22) 3.70 (1.04) 3.70 (1.29) 3.40 (1.21) 3.97*** com os SOP *** p < .001 241 Tabela 5.3.15. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP Intensidade experienciada com os SOP Tempo1 vs. Tempo2 Tempo1 vs. Tempo3 ns ns Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns *** p <.001 242 Tempo2 vs. Tempo4 ns Tempo2 vs. Tempo5 ns Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 ns Tempo4 vs. Tempo5 ns Relativamente ao comportamento da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimento pelas participantes cuja morte do marido era esperada, em cada um dos tempos, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não há diferenças significativas no nível da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimentos nos cinco momentos temporais, F (4,52) = 0,89, ns. Relativamente às participantes cujo cônjuge faleceu repentinamente a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes cujo cônjuge faleceu repentinamente ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,16) = 6.47, p <.001. No entanto, não nos foi possível saber em que momentos estas diferenças surgem, devido ao facto de o número de participantes cujo marido morreu repentinamente ser muito reduzido (n=5). Quanto à intensidade dos stressores de restabelecimento das participantes cujo cônjuge faleceu repentinamente, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos qua não há diferenças significativas ao nível da intensidade experienciada com os stressores de restabelecimento em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,16) = 0,66, ns. 243 Tabela 5.3.16. Média e desvio padrão dos autorrelatos das estratégias de coping na amostra sobrevivente e na amostra total nos cinco momentos do estudo nos dois tipos de morte. Média Estratégias de coping sobreviventes Média (DP) Assimetria 3.30(1.06) N=14 3.34(0.83) N=45 -0.33 3.63(0.94) N=5 3.53(0.74) N=14 -0.41 3.52(0.98) N=14 3.42(0.82) N=26 0.24 3.36(0.62) N=5 3.32(0.62) N=8 -0.75 3.75(0.85) N=14 3.58(0.85) N=19 0.45 3.64(0.73) N=5 3.55(0.63) N=8 0.52 3.45(1.00) N=14 3.33(0.90) N=19 -0.46 3.30(0.68) N=5 3.32(0.61) N=7 1.56 3.37(0.92) N=14 3.32(0.85) N=17 0.79 3.07(0.87) N=5 3.07(0.87) N=5 1.77 2.82(0.78) N=14 2.72(0.84) N=45 0.32 2.76(0.71) N=5 2.56(0.61) N=14 0.40 2.74(0.69) N=26 -0.19 esperada 2.90(0.76) N=14 Morte 2.39(0.50) 2.27(0.42) 1.09 (DP) Morte ECP1 esperada Morte repentina Morte ECP2 esperada Morte repentina Morte ECP3 esperada Morte repentina Morte ECP4 esperada Morte repentina Morte ECP5 esperada Morte repentina Morte EEP1 esperada Morte repentina Morte EEP2 244 EEP3 repentina N=5 N=8 Morte 2.68(0.87) N=14 2.60(0.82) N=19 0.34 1.73(0.72) N=5 2.05(0.77) N=8 0.38 2.67(0.80) N=14 2.45(0.85) N=19 0.12 2.04(0.85) N=5 2.16(0.73) N=7 1.35 2.39(0.92) N=14 2.26(0.89) N=17 0.78 1.66(0.60) N=5 1.66(0.60) N=5 2.20 3.15(0.61) N=14 3.11(0.55) N=45 -0.07 3.02(0.51) N=5 2.98(0.56) N=14 0.05 3.26(0.66) N=14 3.21(0.52) N=26 0.54 2.85(0.43) N=5 2.98(0.51) N=8 0.06 3.18(0.62) N=14 3.14(0.60) N=19 0.34 3.05(0.54) N=5 3.15(0.45) N=8 -1.41 3.12(0.50) N=14 3.19(0.51) N=19 0.16 3.15(0.40) N=5 3.26(0.43) N=7 0.18 3.27(0.57) N=14 3.19(0.56) N=17 0.04 3.00(0.27) N=5 3.00(2.71) N=5 0.54 esperada Morte repentina Morte EEP4 esperada Morte repentina Morte EEP5 esperada Morte repentina Morte ECR1 esperada Morte repentina Morte ECR2 esperada Morte repentina Morte ECR3 esperada Morte repentina Morte ECR4 esperada Morte repentina Morte ECR5 esperada Morte repentina 245 Morte EER1 esperada Morte repentina Morte EER2 esperada Morte repentina Morte EER3 esperada Morte repentina Morte EER4 esperada Morte repentina Morte EER5 esperada Morte repentina 2.78(0.83) N=14 2.90(0.83) N=45 0.03 2.61(0.46) N=5 2.67(0.53) N=14 -0.25 3.03(0.91) N=14 2.96(0.83) N=26 -0.04 3.00(0.66) N=5 2.89(0.61) N=8 0.29 3.00(0.64) N=14 2.93(0.57) N=19 0.01 2.63(0.46) N=5 2.69(0.45) N=8 -1.22 2.90(0.90) N=14 2.78(0.85) N=19 0.42 2.37(0.77) N=5 2.62(0.77) N=7 -0.23 2.95(0.87) N=14 2.79(0.88) N=17 -0.52 2.45(0.51) N=5 2.45(0.51) N=5 -0.40 246 3,5 3 Médias das EEP 2,5 2 Morte esperada 1,5 Morte repentina 1 0,5 0 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.3.7. Média da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda, em cada tempo (n=19). A Figura 5.3.7. ilustra o comportamento das estratégias de evitamento com a perda ao longo dos cinco momentos temporais das participantes sobreviventes pertencentes aos dois tipos de morte. Relativamente às participantes cujo cônjuge faleceu repentinamente a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas nas participantes cujo cônjuge faleceu repentinamente ao nível da intensidade experienciada com as estratégias de evitamento com a perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,16) = 4.47, p <.001. No entanto, não nos foi possível saber em que momentos estas diferenças surgem, devido ao facto de o número de participantes cujo marido morreu repentinamente ser muito reduzido (n=5). No grupo de participantes cujo marido morreu repentinamente não encontrámos diferenças significativas para as estratégias de coping quando aplicámos a da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F), nomeadamente em relação às estratégias de confronto com a perda (F (4,16) =0,97, ns); às estratégias de confronto com o restabelecimento (F (4,16) =0,97, ns) e às estratégias de evitamento com o restabelecimento (F (4,16) =1,04, ns). Relativamente às restantes estratégias de coping, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não foram encontradas 247 diferenças significativas, nas participantes cuja morte do marido era esperada em relação às estratégias de confronto com a perda (F(4,52)=1,62, ns.); relativamente às estratégias de evitamento com a perda (F(4,52)=1,77, ns.); relativamente às estratégias de confronto com o restabelecimento (F( 4,52) = 0,58, ns.) e relativamente às estratégias de evitamento com o restabelecimento (F(4,52)=0,42, ns.). Discussão dos resultados Relativamente à idade, os resultados encontrados revelaram que a intensidade dos stressores de perda não é a mesma no início da perda e 17 meses após esta ter ocorrido para as participantes sobreviventes com 65-74 anos. De facto, a intensidade dos stressores de perda é mais intensa no primeiro e terceiro momento do que no quinto momento. Já a intensidade dos stressores de restabelecimento, para este grupo, não registou diferenças significativas, significando que para estas participantes talvez seja necessário esperar mais tempo, para lidarem com estes stressores. Para as participantes sobreviventes com 75+ anos de idade, a intensidade dos stressores de perda e restabelecimento não diferiu significativamente ao longo dos 17 meses após a perda. Poderemos atribuir este dado à necessidade de mais tempo para que estas participantes possam começar a lidar com os stressores de perda e restabelecimento. As diferenças significativas encontradas na intensidade dos stressores de perda das pessoas com 65-74 anos, remete-nos para a importância que é atribuída ao estabelecimento de relações em idade avançada. De facto, as relações são os recursos mais importantes que o ambiente social, cultural ou institucional pode fornecer às pessoas em idade avançada. E, deste modo, quantas mais relações se estabelecerem maior será a probabilidade de os stressores de perda serem mais experienciados, assim como os stressores de restabelecimento. É que se a pessoa enlutada em idade avançada experiencia a perda, então vai, igualmente experienciar uma maior necessidade em prosseguir com a sua vida. Conseguimos ver nos dados obtidos que as pessoas dos dois grupos de idade parecem precisar de mais tempo para começarem a lidar com os stressores de restabelecimento. Dezassete meses de luto talvez não sejam suficientes para começarem a construir novas relações, retomar outras, aprender novas tarefas ou tratar de assuntos domésticos e financeiros. Já a experiência e o coping com os stressores de restabelecimento poderão sair comprometidos durante o período dos 50 anos de idade, porque a inteligência fluida começa a registar um declínio, nomeadamente a capacidade numérica e fluência verbal. Ao nível das estratégias utilizadas, no grupo de idade com 65-74 anos observámos que as participantes usam com mais intensidade 248 estratégias de evitamento com a perda nos primeiros momentos de luto, talvez porque também experienciem com mais intensidade os stressores de perda nestes mesmos momentos. Na revisão da literatura havíamos já dado conta de aspetos protetores do desenvolvimento como a utilização de estratégias de regulação emocional dos adultos idosos (Charles & Carstensen, 2008). O uso de estratégias de evitamento parece, pois, responder ao objetivo de minimizar os efeitos negativos provocados pela situação do luto nos primeiros meses de viuvez. A utilização de estratégias de confronto com a perda não sofreu alterações significativas ao longo de 17 meses após a perda, assim como as estratégias de confronto e de evitamento com o restabelecimento para as participantes com 65-74 anos. Estes resultados parecem coadunar-se com a ideia de que talvez seja necessário mais tempo para que estas pessoas sintam necessidade de utilizar as estratégias de coping. Relativamente às participantes com 75+ anos de idade não encontrámos qualquer alteração na intensidade das estratégias de coping ao longo dos 17 meses que decorreram desde a perda. Face aos resultados obtidos, não confirmámos a hipótese formulada. Quanto à variável escolaridade os resultados obtidos revelaram-nos a existência de diferenças significativas nas participantes com escolaridade relativamente à intensidade dos stressores de perda e de restabelecimento. Não foi possível averiguar em que tempos essas diferenças ocorreram, no entanto, parece-nos relevante saber que ter escolaridade influenciou a intensidade dos stressores de perda e de restabelecimento das 12 participantes. A literatura diz-nos que ter mais escolaridade se relaciona com melhores capacidades cognitivas em idade avançada. Daqui, podemos supor que, para estas 12 participantes sobreviventes com escolaridade, poderá ser mais fácil lidar com stressores de perda (ex: aceitar a realidade da perda) e com stressores de restabelecimento (ex: preencher impressos de IRS) do que para as participantes que não têm escolaridade. Para estas foram observadas diferenças significativas na intensidade dos stressores de perda, mas a amostra reduzida impede-nos de conhecer os tempos em que se observaram. Porém, podemos supor que para estas pessoas lidar com os stressores de perda poderá constituir uma tarefa mais difícil baseados no facto de que não ter escolaridade poderá complicar o desempenho das tarefas relacionadas com a perda. Relativamente às participantes com escolaridade, as diferenças significativas registadas na intensidade das estratégias de evitamento com a perda entre o Tempo 1 e o Tempo 5 poderão estar relacionadas com a capacidade de utilização de estratégias de regulação emocional 249 apresentada pelas pessoas em idade avançada (Charles & Carstensen, 2008). A utilização destas estratégias poderá ter como objetivo minimizar os efeitos negativos provocados pela situação do luto nos primeiros meses de viuvez, uma vez que no Tempo 5 a intensidade de utilização destas estratégias diminuiu. Deste modo, os resultados não confirmam a hipótese formulada. Neste estudo o facto de a circunstância da morte ser esperada contribuiu para que a intensidade dos stressores de perda seja mais elevada nos primeiros trinta dias após a perda que dezassete meses após esta ter ocorrido. O facto de a morte ser repentina parece igualmente produzir diferenças na intensidade dos stressores de perda ao longo dos dezassete meses após a perda, contudo, não nos foi possível saber em que momentos essas diferenças se observaram, devido à redução do número de participantes. Poderíamos até propor que a intensidade dos stressores de perda difere ao longo do tempo independentemente das circunstâncias da morte. As diferenças registadas na intensidade das estratégias de evitamento com a perda revelaram-se significativas para as participantes cujo marido morreu repentinamente, no entanto não pudemos averiguar em que tempos se registaram essas diferenças. Evitar lidar com os stressores de perda parece ter sido a forma encontrada para lidar com os stressores de perda para quem viu o cônjuge morrer repentinamente. Segundo a literatura as mortes repentinas estão associadas a processos de luto com níveis baixos de adaptação, sendo considerados fatores de um luto complicado. O facto de a morte ser repentina ou esperada não parece influenciar a experiência das dimensões do modelo dual de processar o luto (com exceção dos stressores de perda e das estratégias de evitamento para a perda), apesar de sabermos que esta variável obteve uma média elevada no ISOPR, provando que constitui um stressor bastante experienciado pelas participantes. E, se assim foi, então esta atenção, esta intensidade e esta experiência são independentes das circunstâncias em que a morte ocorreu, isto é, se a morte foi esperada ou repentina. Os resultados do nosso estudo, não encontram suporte no estudo realizado por Carr e col. (2001) em que a morte esperada não se relacionou com a depressão, a dor, a raiva e o choque (sintomas que podem estar associados aos SOP ou aos SOR) 6 e 18 meses após a perda, numa amostra de adultos idosos enlutados. Já as mortes súbitas revelaram estarem associadas a níveis elevados de pensamentos intrusivos como pensamentos constantes sobre a pessoa falecida (aspetos da orientação para a perda) 6 meses após a perda. Independentemente do que a literatura diz sobre os efeitos da morte repentina ou esperada na saúde das pessoas enlutadas, há que 250 contextualizar as circunstâncias em que ocorre, por exemplo, se houve tempo para uma despedida ou se os cuidados médicos foram adequados. Estes aspetos podem fazer a diferença quando se trata de adultos idosos onde as probabilidades da morte ser repentina são mais reduzidas. No entanto, quando esta ocorre as consequências são mais nefastas, podendo contribuir para o surgimento de um luto complicado (Sanders, 1993; Parkes, 1998). Perante estes resultados, não encontrámos suporte para a hipótese colocada. 251 4º ESTUDO 252 Trajetórias das estratégias de confronto e evitamento com os stressores ao longo de 17 meses de viuvez Resumo Sendo o Modelo Dual de Processar o Luto um modelo de coping, não faria sentido, do ponto de vista conceptual, operacionalizar este modelo sem conhecermos as estratégias de coping (confronto ou evitamento) utilizadas pelas participantes, bem como a sua trajetória ao longo dos 17 meses que decorreram após a perda. Os resultados revelaram que a intensidade experienciada pelas participantes com as estratégias de evitamento da perda no Tempo 1 (30 dias após a perda) e no Tempo 2 (4meses após a perda) é significativamente superior à intensidade experienciada no Tempo 5 (17 meses após a perda). Verificámos que as estratégias de confronto com a perda são experienciadas com mais intensidade que as estratégias de evitamento com a perda em todos os momentos. O mesmo não aconteceu com as estratégias de confronto e evitamento com o restabelecimento, para as quais encontrámos diferenças significativas somente no Tempo 4 e no Tempo 5, ou seja, nestes tempos as estratégias de confronto com o restabelecimento foram experienciadas com mais intensidade que as estratégias de evitamento com o restabelecimento. Concluímos que o evitamento da perda, nos primeiros tempos após a morte ter ocorrido, é objeto de uma intensidade elevada colocada na utilização de estratégias dirigidas para o evitamento dos stressores de perda, mas que diminuiu 17 meses depois da perda. As estratégias de confronto com o restabelecimento foram utilizadas mais ativamente nos tempos finais do estudo. Em termos práticos torna-se importante o conhecimento não só das estratégias mais experienciadas, mas também o comportamento ou a trajetória que apresentam ao longo do tempo, para que deste modo, se possa ajudar estas pessoas no seu processo de luto. Palavras – chave: estratégias de coping, modelo dual, adultos idosos, processo de luto. 253 Introdução Após a realização do segundo estudo, pareceu-nos não fazer muito sentido conhecer a intensidade colocada pelas participantes na experiência com os stressores de perda e restabelecimento, sem conhecermos a evolução das estratégias por elas utilizadas no coping com esses mesmos stressores, uma vez que o modelo dual de processar o luto é essencialmente um modelo de coping (Stroebe & Schut, 2009; Hansson & Stroebe, 2007). Quisemos saber, ainda, que estratégias dominam em cada um dos tempos, isto é, que estratégias (confronto e evitamento) apresentam a pontuação mais elevada em cada um dos tempos e, deste modo, conhecer a intensidade das estratégias utilizadas no coping com a perda e com o restabelecimento. a) Como evolui a intensidade das estratégias de confronto e de evitamento com a perda e com o restabelecimento ao longo de 17 meses de viuvez? Hipótese: Ao longo do tempo a intensidade das estratégias de confronto e evitamento com a perda diminui e a intensidade de confronto e evitamento com o restabelecimento aumenta. b) Que estratégia de coping (confronto e evitamento) com a perda e com o restabelecimento apresenta a pontuação mais elevada em cada um dos tempos do estudo? Hipótese: As estratégias de confronto e evitamento com os stressores de perda e restabelecimento mais prevalentes em cada um dos momentos caracterizam a orientação teórica do modelo dual de processar o luto. c) Qual a diferença entre a intensidade das ECP e EEP e ECR e EER nos 5 momentos do estudo? Hipótese: Em cada um dos momentos temporais há diferenças entre a intensidade das ECP e a intensidade das EEP e entre a intensidade das ECR e EER. Método Participantes Foram contactadas, entre outubro de 2008 e Março de 2011, cento e noventa e nove mulheres cujos maridos haviam falecido há menos de um mês. Destes cento e noventa e nove (199) contactos, cinquenta e nove (59) aceitaram integrar a amostra de 254 participantes deste estudo. A idade destes últimos situou-se entre os 65 e os 85anos, com um M=72.49 e DP=6.18. Instrumentos de medida Mini - Cog Este instrumento permite avaliar o estado mental da nossa amostra. Pode ser usado para detetar demência de uma forma rápida e fácil em vários cenários (Doerflinger & Fairfax, 2007). Segundo os autores demora cerca de 3 minutos a administrar. No nosso estudo, este instrumento é aplicado no início da administração dos protocolos e em cada um dos cinco momentos temporais. É pedido à pessoa que escute com atenção 3 palavras (não relacionadas) e que as repita. De seguida é pedido à pessoa que desenhe num relógio (sem ponteiros) os ponteiros de forma a marcar determinadas horas solicitadas pelo administrador do Mini-Cog. Após esta etapa pergunta-se à pessoa pelas 3 palavras referidas anteriormente. Caso a pessoa não se recorde destas 3 palavras é classificada com demência. Se as recordar é classificada como não demente. Se o indivíduo se recordar apenas de uma ou duas palavras é classificado com base no desenho dos ponteiros do relógio: demente se os ponteiros do relógio não forem desenhados de acordo com o solicitado e não demente se o desenho dos ponteiros do relógio obedecerem ao solicitado. Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento - IECOPR - (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. É constituído por 44 itens, distribuídos por quatro subescalas correspondentes a cada uma das estratégias de coping, sendo que 21 pertencem a estratégias de coping orientadas para a perda: 10 de confronto “Vou à igreja para falar com Deus acerca dos meus sentimentos de tristeza” e 11 de evitamento com esta dimensão “Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido”; 23 itens pertencem a estratégias de coping orientadas para o restabelecimento: 14 de confronto “Rezo mais do que o costume para que seja possível ficar mais otimista” e 9 de evitamento ”Evito fazer o meu trabalho de casa diário, tal como o fazia antes da morte do meu marido”. A presença das estratégias é avaliada pela frequência com que cada participante a utiliza, numa Escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e a opção “Não Aplicável a Mim”. 255 Procedimentos Todos os procedimentos adotados neste quarto estudo foram aprovados pelo Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os contactos junto das pessoas com o perfil adequado ao nosso estudo (mulher viúva com 65 e mais anos de idade) tiveram início em outubro de 2008 e terminaram em março de 2011. Deste modo, a participação da nossa amostra deu-se dentro dos seguintes espaços de tempo: nos primeiros 30 dias (Tempo 1), durante o 5º mês após a perda (Tempo 2), durante o 9º mês após a perda (Tempo 3), durante o 13º mês após a perda (Tempo 4) e a última participação teve lugar durante o 17º mês após a perda (Tempo 5). A administração dos questionários deu-se após um primeiro encontro onde se explicaram às participantes os objetivos do estudo e em que consistia a sua participação. A primeira intervenção do participante foi assinar um consentimento informado, que era lido pelo colaborador e continha os objetivos do estudo e aquilo que se esperava de cada participante. Os questionários foram aplicados nas residências particulares das participantes. Foram preenchidos pelo colaborador de investigação no decurso da conversação estabelecida com cada participante (Quivy & Campenhoudt, 1998). Resultados a) Como evolui a intensidade das estratégias de confronto e de evitamento com a perda e com o restabelecimento ao longo de 17 meses de viuvez? Começaremos por apresentar as propriedades psicométricas dos instrumentos usados no autorrelato das trajetórias das estratégias de confronto e de evitamento com os stressores de perda e restabelecimento. A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos. A Tabela 5.4.1 informa-nos sobre as propriedades psicométricas das variáveis em estudo, mais especificamente das estratégias de confronto e de evitamento com a Perda e com o Restabelecimento em cada um dos cinco momentos temporais. 256 Tabela 5.4.1. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Estratégias de Confronto (ECP) e de Evitamento (EEP) com a Perda e com o Restabelecimento (ECR e EER) Amplitude Estratégias de confronto e de evitamento da N Perda e do Restabelecimento α Desvio Média Potencial Atual padrão Sobre itens padronizados Assimetria ECP1 59 3.38 .81 .67 1-6 1.50-5.13 -0.36 ECP2 34 3.39 .77 .66 1-6 2.10-4.89 0.18 ECP3 27 3.56 .78 .64 1-6 2.22-5.20 0.46 ECP4 26 3.33 .82 .78 1-6 1.10-4.80 -0.31 ECP5 22 3.26 .84 .42 1-6 1.70-4.78 0.32 EEP1 59 2.69 .79 .63 1-6 1.20-4.60 0.39 EEP2 34 2.63 .66 .64 1-6 1.20-4.09 0.14 EEP3 27 2.44 .83 .65 1-6 1.10-4.00 0.33 EEP4 26 2.37 .82 .83 1-6 1.00-4.00 0.35 EEP5 22 2.12 .86 .85 1-6 1.00-4.30 0.96 ECR1 59 3.08 .55 .54 1-6 2.00-4.42 -0.41 ECR2 34 3.16 .52 .19 1-6 2.18-4.58 0.45 ECR3 27 3.14 .55 .38 1-6 2.23-4.42 0.13 ECR4 26 3.21 .48 .32 1-6 2.14-4.15 0.13 ECR5 22 3.15 .51 .28 1-6 2.23-4.25 0.25 EER1 59 2.85 .77 .58 1-6 1.17-4.50 0.10 EER2 34 2.94 .78 .20 1-6 1.25-4.57 0.05 EER3 27 2.86 .54 .42 1-6 1.83-3.75 -0.01 EER4 26 2.74 .82 .22 1-6 1.50-4.33 0.33 EER5 22 2.72 .81 .90 1-6 1.00-4.17 -0.30 257 A observação dos valores das médias de cada subescala permite-nos verificar que na subescala ECP o momento em que esta atinge valores mais elevados de média é no terceiro momento (3.56); a subescala EEP regista os valores mais elevados de média no primeiro momento (2.69); quanto à subescala ECR, esta obtém os valores mais elevados de média no Tempo 4 (3.21); já a subescala EER regista os valores mais elevados de média no Tempo 2 (2.94). De uma forma geral, as médias mais elevadas registam-se nas subescalas ECP e ECR, ou seja, nas estratégias de confronto com a perda e com o restabelecimento. Com o objetivo de analisar a precisão do IECOPR, procedemos ao cálculo da consistência interna, através cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach sobre itens padronizados. Os resultados do coeficiente de Alpha de Cronbach variaram entre 0.42 e 0.78 na subescala ECP, entre 0.63 e 0.85 na subescala EEP, entre 0.19 e 0.54 na subescala ECR e entre 0.20 e 0.90 na subescala EER. Em comparação com as outras subescalas, consideramos os valores de alpha da subescala EEP mais satisfatórios. Os resultados obtidos revelaram que um dos itens não contribuiu para consistência do inventário apresentado um valor de alpha negativo. A análise do alpha da escala indicounos que o valor de alpha subiria caso um item fosse retirado. Nesta situação encontravase o item 31 “Recuso-me a olhar para a minha nova situação como viúva”, da subescala EER no Tempo 2 que decidimos retirar, porque aumentava o valor de alpha. A sua retirada da escala traduziu-se num valor positivo do alpha, no entanto, manifestamente insuficiente e muito pobre. Todos os cálculos que se seguiram foram feitos sem o item 31. Por apresentarem variância zero, foram removidos da respetiva escala os seguintes itens, aquando da realização do teste Alpha de Cronbach: no Tempo 3 e no Tempo 4 foi removida a estratégia de confronto com a perda, representada pelo item 29 “Procuro a ajuda de grupos de interajuda para me ajudar a lidar com esta dor”; em todos os tempos da escala que representa as estratégias de confronto com o restabelecimento foi retirado o item 34 “Decidi casar outra vez”. Por fim, no tempo5, foram removidos os itens 30 “Evito fazer o meu trabalho de casa diário, tal como o fazia antes da morte do meu marido” e 43 que representa a estratégia de evitamento com o restabelecimento “Desisti de tentar cuidar de alguém física ou mentalmente necessitado”. Neste ponto é nosso objetivo conhecer e analisar a evolução da intensidade experienciada pelas participantes na utilização de estratégias de coping (evitamento ou 258 confronto) com stressores de perda e restabelecimento. A apresentação dos dados encontra-se dividida em três partes: 1. Evolução do autorrelato do tempo despendido na utilização de estratégias de confronto e evitamento com a perda (ECP e EEP) ao longo dos 5 tempos (Figura 5.4.1 e Figura 5.4.2); 2. Evolução do autorrelato do tempo despendido na utilização de estratégias de confronto e evitamento com o restabelecimento (ECR e EER) ao longo dos 5 tempos (Figura 5.4.3 e Figura 5.4.4); 3. Comparação dos autorrelatos relativos ao tempo despendido na utilização de estratégias de confronto e evitamento com a perda e com o restabelecimento em cada um dos tempos (Figura 5.4.5). Começamos, então, por apresentar os dados recolhidos para depois procedermos à sua discussão e análise. Devido à mortalidade da amostra só nos foi possível estabelecer comparações de dados de 19 participantes, por ser este o número de participantes que se manteve constante ao longo do tempo. Para esta análise recorremos à utilização da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas. As variáveis dependentes intervalares são as estratégias de confronto e de evitamento com a perda e com o restabelecimento avaliadas em cinco momentos temporais (Tempo 1, Tempo 2, Tempo 3, Tempo 4 e Tempo 5), nos quais o mesmo grupo de indivíduos é comparado consigo próprio. 259 4 3,8 3,6 3,4 Média das ECP 3,2 3 2,8 2,6 2,4 2,2 2 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura5.4.1. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de confronto com a perda em cada tempo. A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não há diferenças de médias significativas ao nível da intensidade experienciada na utilização de estratégias de confronto com a perda nos cinco momentos temporais, F (4,72) = 1,88, ns. Portanto, a trajetória do uso das estratégias de confronto com a perda revelou-se não diferir significativamente ao longo dos 17 meses. A Figura 5.4.2 permite-nos observar uma marcada estabilidade no uso de estratégias de evitamento com a perda nos primeiros 5 meses 260 3 * 2,5 * * Média das EEP 2 1,5 1 0,5 0 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.4.2. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de evitamento com a perda em cada tempo.(*** p <.001) A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas ao nível da intensidade experienciada na utilização de estratégias de evitamento com a perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,72) = 4.07, p <.001 (Tabela 5.4.2). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a intensidade experienciada pelas participantes no Tempo 1 e no Tempo 2 é significativamente superior à intensidade experienciada no Tempo 5 (Tabela 5.4.3). Tabela 5.4.2. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada na utilização de EEP Intensidade experienciada com as EEP Tempo1 (n=59) Média (DP) Tempo2 (n=34) Média (DP) Tempo3 (n=27) Média (DP) Tempo4 (n=26) Média (DP) Tempo5 (n=22) Média (DP) 2.80 (0.75) 2.77 (0.72) 2.43 (0.92) 2.50 (0.84) 2.20 (0.89) *** p < .001 261 F (4,72) 4.07*** Tabela 5.4.3. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada com as EEP Tempo1 vs. Tempo2 Tempo1 vs. Tempo3 ns ns Intensidade experienciada com as EEP Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns Tempo2 vs. Tempo4 ns ***p <.001 262 Tempo2 vs. Tempo5 *** Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 ns Tempo4 vs. Tempo5 ns 3,4 3,2 Média das ECR 3 2,8 2,6 2,4 2,2 2 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.4.3. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de confronto com o restabelecimento em cada tempo. A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não há diferenças de médias significativas ao nível da intensidade experienciada na utilização de estratégias de confronto com o restabelecimento nos cinco momentos temporais, F (4,72) = 0,20, ns. 263 4 3,5 3 Média das EER 2,5 2 1,5 1 0,5 0 Tempo1 Tempo2 Tempo3 tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.4. 4. Média da intensidade experienciada na utilização de estratégias de evitamento com o restabelecimento em cada tempo. A observação da Figura 5.4.4 parece indicar-nos que entre os diferentes tempos não existem diferenças nos valores do autorrelato relativo ao tempo despendido pelas participantes no uso de estratégias de evitamento com o restabelecimento. Com efeito, a aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) revelou-nos que não há diferenças de médias significativas ao nível da intensidade experienciada na utilização de estratégias de evitamento com o restabelecimento nos cinco momentos temporais, F (4,72) = 0,84, ns. No ponto seguinte pretendemos saber que estratégias obtiveram a pontuação mais elevada em cada um dos tempos e, deste modo, conhecer as estratégias de perda e restabelecimento mais intensamente experienciadas. c) Que estratégia de coping (confronto e evitamento) com a perda e com o restabelecimento apresenta a pontuação mais elevada em cada um dos tempos do estudo? Neste ponto procedemos ao cálculo da média de cada uma das estratégias de perda e restabelecimento e registámos os seus valores para cada momento temporal. 264 Tabela 5.4.4. Valor da Média de cada item (M) da subescala ECP em cada momento temporal. Momentos temporais Estratégias (ECP) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 1. Vou ao cemitério para estar com o meu marido. 3.18 3.68 3.78 3.60 3.50 3. Vou à igreja para falar com Deus acerca dos sentimentos de tristeza. 3.82 3.64 4.08 3.36 3.45 4. Olho para velhas fotografias do meu falecido marido. 4.31 4.27 4.08 4.31 4.23 2.74 2.31 2.32 5. Não evito expressar os meus sentimentos de perda. 6. Quando me recordo dos maus momentos que passei com o meu marido procuro ver-me livre deles. 7. Todas as perdas que já vivi dão-me alguma força emocional para enfrentar esta. 9. Gosto de falar com o meu marido, para o manter perto de mim. 10. Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido. 11. Procuro o apoio emocional da minha família para enfrentar esta dor. 29. Procuro a ajuda de grupos de interajuda para me ajudar a lidar com esta dor. 2.68 2.48 3.20 3.89 4.32 3.96 4.11 3.21 3.35 3.78 3.73 3.41 3.02 2.76 2.89 2.58 2.45 4.51 4.09 4.44 4.42 3.90 4.19 4.35 4.19 3.81 3.77 1.23 1.14 1.00 1.00 1.11 265 Tabela 5.4.5. Valor da Média de cada item (M) da subescala EEP em cada momento temporal. Momentos temporais Estratégias (EEP) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 8. Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido. 2.79 2.21 1.95 1.65 1.25 2.54 2.18 2.04 1.96 1.55 2.93 2.47 1.85 2.15 1.64 2.04 2.04 1.95 2.63 2.50 1.86 3.48 3.00 2.67 4.27 4.25 4.21 1.23 1.12 1.14 3.41 3.23 3.50 2.56 2.65 2.05 1.56 1.42 1.48 12. Penso que ele foi fazer uma viagem e que vai regressar. 13. Às vezes penso para mim própria: “isto não me está a acontecer, vou acordar e ele vai estar ao meu lado”. 14. Deixo-me ir como se esta morte não tivesse acontecido. 15. Tento esquecer que o meu marido está realmente morto. 16. Recuso-me a pensar muito acerca da minha dor. 17. Desejo que estes momentos de dor acabem. 20. Escondo todas as fotografias do meu marido para não sofrer quando olho para elas. 21. Evito pensar em coisas dolorosas relacionadas com a morte do meu marido. 22. Evito ir a sítios que me fazem lembrar o meu marido. 23. Durmo mais que o costume, assim não penso na morte do meu marido. 1.94 2.69 3.03 4.41 1.38 3.49 2.63 1.84 2.00 2.86 3.03 4.09 1.70 3.67 2.84 1.84 266 Tabela 5.4.6. Valor da Média de cada item (M) da subescala ECR em cada momento temporal. Momentos temporais Estratégias (ECR) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 2. Rezo mais do que o costume para que seja possível ficar mais otimista. 4.47 4.38 3.93 4.08 4.00 4.34 4.53 4.73 4.46 4.62 4.00 4.52 4.67 4.88 4.95 1.35 1.64 1.76 5.64 5.50 5.32 3.67 3.38 4.05 4.71 4.75 4.18 2.59 2.31 2.36 1.22 1.65 1.35 1.11 1.08 1.18 1.62 1.88 1.47 2.19 2.12 2.05 4.00 4.12 4.00 1.96 2.23 2.00 18. Tento manter-me ocupada para me distrair da dor. 19. Aceito a realidade do que aconteceu. 25. Faço exercício físico para ficar com mais força e lidar com estas coisas que surgiram com a morte do meu marido. 26. Confio nos meus filhos para me levarem ao médico. 27. Poupei algum dinheiro. 28. A minha família ajuda-me a lidar com alguns aspetos que antes eram da responsabilidade do meu marido. 32. Dou-me conta com esta perda de que posso viver a minha vida de outra maneira. 33. Tento arranjar apoio social para me ajudar a lidar com aspetos que só o meu marido era capaz de fazer. 34. Decidi casar outra vez. 36. Faço coisas novas que o meu marido sempre me encorajou a fazer. 38. Quando me aparecem coisas novas para fazer sou capaz de as deixar por fazer para fazer tarefas mais antigas. 39. Foco-me no próximo passo, no que precisa de ser feito. 41. Saio com os meus amigos, para tentar restabelecer o contacto com eles, desde a morte do meu marido. 1.44 5.57 3.15 4.71 2.32 1.82 1.00 1.51 2.59 3.67 1.75 1.59 5.47 3.15 4.68 2.29 1.59 1.90 1.50 2.90 3.97 2.06 267 Tabela 5.4.7. Valor da Média de cada item (M) da subescala EER em cada momento temporal. Momentos temporais Estratégias (EER) Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 24. Quero que as coisas voltem a ser o que eram com as pessoas que conhecia. 3.86 3.54 3.95 3.88 3.50 1.67 1.55 1.12 1.08 1.15 3.22 3.69 3.74 3.73 3.77 4.12 3.96 4.30 2.77 2.62 2.50 3.32 2.81 2.24 1.82 1.17 1.00 1.85 1.96 2.14 30. Evito fazer o meu trabalho de casa diário tal como fazia antes da morte do meu marido. 35. Vejo televisão, vou ao cinema ou passear, para não pensar tanto nas mudanças da minha vida. 37. Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida. 40. É mais típico de mim esperar, ao invés de fazer alguma coisa para que algo aconteça. 42. Decido ir dar uma volta para evitar a minha dor. 43. Desisti de tentar cuidar de alguém física ou mentalmente necessitado. 44. Tento não pensar que tenho que continuar com as minhas atividades normais. 3.48 2.98 2.70 1.20 2.25 3.82 2.94 2.73 1.11 2.15 A observação da Tabela 5.4.4 revela-nos que no Tempo 1 o valor da média das ECP varia entre 4.51 e 1.23, valores que correspondem às estratégias “Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido” e “Procuro a ajuda de grupos de interajuda para me ajudar a lidar com esta dor”, respetivamente. Neste mesmo tempo notámos a existência de estratégias de confronto com a perda, com pontuações relativamente elevadas como é o caso da estratégia “Olho para velhas fotografias do meu falecido marido” (M = 4.31) e “Procuro o apoio emocional da minha família para enfrentar esta dor” (M = 4.19). Já o item “Não evito 268 expressar os meus sentimentos de perda” obteve uma pontuação relativamente baixa (M = 2.68). No Tempo 2, os valores das médias variam entre 4.35 e 1.14. Verificámos que os valores das médias mais elevadas pertencem às mesmas estratégias do Tempo 1, isto é às estratégias “Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido” (M = 4.09), “Olho para velhas fotografias do meu falecido marido” (M = 4.27) e “Procuro o apoio emocional da minha família para enfrentar esta dor” (M = 4.35). As estratégias com médias comparativamente mais baixas pertencem aos itens 5 e 29, representados, respetivamente pelas estratégias “Não evito expressar os meus sentimentos de perda” (M = 2.48) e “Procuro a ajuda de grupos de interajuda para me ajudar a lidar com esta dor” (M = 1.14). No Tempo 3, o valor da média varia entre 4.44 e 1.00. Os itens 10 e 11 continuam a revelar médias elevadas. Estes itens correspondem às estratégias “Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido” (M = 4.44) e “Procuro o apoio emocional da minha família para enfrentar esta dor” (M = 4.19). Surge, no entanto, neste tempo o item 6 “Quando me recordo dos momentos maus momentos que passei com o meu marido, procuro ver-me livre deles” (M = 4.32). Neste tempo, o valor mais baixo pertence à estratégia “Não evito expressar os meus sentimentos de perda” (M = 2.48). No Tempo 4, o valor da média varia entre 4.42 e 1.00. A tendência observado nos tempos anteriores parece manter-se, ou seja, os valores mais elevados e os valores mais baixos da média pertencem às mesmas estratégias do tempo 1, do tempo 2 e do tempo 3. As médias mais altas encontram-se junto das estratégias pertencentes aos itens 4, 6 e10, ou seja, junto das estratégias “Olho para velhas fotografias do meu falecido marido” (M = 4.31), “Quando me recordo dos momentos maus momentos que passei com o meu marido, procuro ver-me livre deles” (M = 3.96), e “Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido” (M = 4.42). As médias mais baixas foram observadas nas estratégias “Não evito expressar os meus sentimentos de perda” (M = 2.31) e “Procuro a ajuda de grupos de interajuda para me ajudar a lidar com esta dor” (M = 1.00). No Tempo 5 o valor da média varia entre 4.23 e 1.11. Neste momento temporal encontrámos valores mais elevados nos itens correspondentes às estratégias “Olho para velhas fotografias do meu falecido marido” (M = 4.23), “Quando me recordo dos 269 momentos maus momentos que passei com o meu marido, procuro ver-me livre deles” (M = 4.11) e “Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido” (M = 3.90). As estratégias com pontuações mais baixas correspondem aos itens 5 “Não evito expressar os meus sentimentos de perda” (M = 2.32) e ao item 29 “Procuro a ajuda de grupos de interajuda para me ajudar a lidar com esta dor” (M = 1.11). Relativamente às pontuações das Estratégias de Evitamento com a Perda (EEP), podemos encontrá-las na Tabela 5.4.5. No Tempo 1 o valor da média varia entre 4.41 e 1.38. Neste tempo destacam-se duas estratégias com médias mais elevadas: “Desejo que estes momentos de dor acabem” (M = 4.41) e “Evito pensar em coisas dolorosas relacionadas com a morte do meu marido” (M = 3.94). A média mais baixa regista-se na estratégia “Escondo todas as fotografias do meu marido para não sofrer quando olho para elas” (M = 1.38). No Tempo 2 as médias variam entre 4.09 e 1.70. As médias mais elevadas observam-se junto das mesmas estratégias do Tempo 1, representadas pelo item 17 (M = 4.09) e pelo item 21 (M = 3.67). O mesmo acontece com a média mais baixa, registada junto do item 20 (M = 1.70). No Tempo 3 as médias oscilam entre um valor máximo de 4.27 e um valor mínimo de 1.23. A estratégia “Desejo que estes momentos de dor acabem” continua entre aquelas que conseguem a pontuação mais elevada com uma média de 4.27. O mesmo não acontece à estratégia “Evito pensar em coisas dolorosas relacionadas com a morte do meu marido” que neste tempo não se encontra entre que obtiveram valores mais elevado sendo ultrapassada pela estratégia “Recuso-me a pensar muito acerca da minha dor” (M = 3.48). A estratégia com mais baixa pontuação continua a ser representada pelo item 20 “Escondo todas as fotografias do meu marido para não sofrer quando olho para elas” (M = 1.23). No Tempo 4 as pontuações das estratégias variam entre 4.25 e 1.12. observando a Tabela 5 constatamos que as pontuações mais elevadas são registadas pelos itens 17 (M = 4.25) e 21 (M = 3.23). Mais uma vez a estratégia com pontuação mais baixa é representada pelo item 20 (M = 1.12). No Tempo 5 as pontuações das estratégias variam entre 4.21 e 1.14. As pontuações mais elevadas registaram-se entre as estratégias “Desejo que estes momentos de dor acabem” (M = 4.21) e “Evito pensar em coisas dolorosas relacionadas com a 270 morte do meu marido” (M = 3.50). A média mais baixa foi registada pela estratégia “Escondo todas as fotografias do meu marido para não sofrer quando olho para elas” (M = 1.14). A Tabela 5.4.6 fornece-nos, igualmente, informação relativa às pontuações obtidas pelas Estratégias de Confronto com o Restabelecimento (ECR) em cada um dos momentos temporais. No Tempo 1, observámos que as médias variam entre 5.57 e 1.00. As médias mais elevadas foram registadas junto dos itens 2, 26 e 28, os quais representam, respetivamente, as estratégias “Rezo mais que o costume para que seja possível ficar mais otimista” (M = 4.47), “Confio nos meus filhos para me levarem ao médico” (M = 5.57) e “A minha família ajuda-me a lidar com aspetos que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 4.71). A média com pontuação mais diminuta pertence à estratégia “Decidi casar outra vez” (M = 1.00). No Tempo 2 as estratégias com valores mais elevados pertencem aos itens 18 “Tento manter-me ocupada para me distrair da dor” (M = 4.53), 26 “Confio nos meus filhos para me levarem ao médico” (M = 5.47) e 28 “A minha família ajuda-me a lidar com aspetos que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 4.68). A pontuação mais baixa foi registada pela estratégia “Faço coisas novas que o meu marido sempre me encorajou a fazer” (M = 1.50). No Tempo 3 as médias variam entre 5.64 e 1.11. As médias mais elevadas continuam a registar-se junto dos itens 18, (M = 4.73), 26 (M = 5.64) e 28 (M = 4.75). A média mais baixa corresponde à estratégia “Decidi casar outra vez” (M = 1.11). No Tempo 4 podemos observar que as médias variam entre 5.50 e 1.08. As médias mais elevadas pertencem às estratégias “Aceito a realidade do que aconteceu” (M = 4.88), “Confio nos meus filhos para me levarem ao médico” (M = 5.50) e “A minha família ajuda-me a lidar com aspetos que antes eram da responsabilidade do meu marido” (M = 4.75). A média mais baixa pertence à estratégia “Decidi casar outra vez” (M = 1.08). No Tempo 5 a pontuação varia entre 5.32 e 1.47. As pontuações mais elevadas registaram-se nas estratégias “Tento manter-me ocupada para me distrair da dor” (M = 4.62), “Aceito a realidade do que aconteceu” (M = 4.95) e “Confio nos meus filhos para me levarem ao médico” (M = 5.32). A média mais baixa continua a pertencer à estratégia “Decidi casar outra vez” (M = 1.18). 271 No que diz respeito às Estratégias de Evitamento com o Restabelecimento, a Tabela 5.4.7 revela-nos que no Tempo 1 as médias variam entre 3.86 e 1.20. As estratégias com as médias mais elevadas são a estratégia “Quero que as coisas voltem a ser o que eram com as pessoas que conhecia” (M = 3.86) e a estratégia “Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida” (M = 3.48). A pontuação mais baixa pertence à estratégia “Desisti de tentar cuidar de alguém física ou mentalmente necessitado” (M = 1.20). No Tempo 2 as médias das estratégias variam entre 3.69 e 1.11. “Vejo televisão, vou ao cinema ou passear, para não pensar tanto nas mudanças da minha vida” (M = 3.69) e a estratégia “Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida” (M = 3.82). A média mais baixa pertence à estratégia “Desisti de tentar cuidar de alguém física ou mentalmente necessitado” (M = 1.11). No Tempo 3 as médias variam entre 4.12 e 1.12. As pontuações mais elevadas foram alcançadas pela estratégia “Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida” (M = 3.95) e pela estratégia “Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida” (M = 4.12). a estratégia que neste tempo obteve a pontuação mais baixa foi “Evito fazer o meu trabalho diário, tal como o fazia antes da morte do meu marido” (M = 1.12). No Tempo 4 as médias variam entre 3.88 e 1.08. As pontuações mais elevadas foram registadas junto das mesmas estratégias do Tempo 3, ou seja, junto da estratégia “Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida” (M = 3.88) e “Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida” (M = 3.96). A estratégia “Evito fazer o meu trabalho diário, tal como o fazia antes da morte do meu marido” (M = 1.08) obteve a média baixa neste tempo. No Tempo 5, as médias variam entre 4.30 e 1.00. As pontuações mais elevadas registaram-se na estratégia “Vejo televisão, vou ao cinema ou passear, para não pensar tanto nas mudanças da minha vida” (M = 3.77) e na estratégia “Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida” (M = 4.30). A pontuação mais baixa pertence à estratégia “Desisti de tentar cuidar de alguém física ou mentalmente necessitado” (M = 1.00). 272 d) Qual a diferença entre a intensidade das ECP e EEP e ECR e EER nos 5 momentos do estudo? Para respondermos a esta questão utilizamos o Teste T para Amostras Emparelhadas. Este teste avalia se a média dos sujeitos da nossa amostra, nas variáveis dependentes (ECP, EEP, ECR e EER), difere nos cinco momentos temporais. Na realização deste Teste aplicámos a Correção de Bonferroni. 4 Média das Estratégias de Coping 3,5 3 ECP 2,5 EEP ECR 2 EER 1,5 1 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.4.5 – Evolução das médias da intensidade das estratégias de confronto e evitamento dos stressores de perda e restabelecimento. O Teste T mostrou que: a) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada das ECP e das EEP no primeiro momento temporal, t (58) = 5.52, p <.005 (Tabela 5.4.8). A intensidade das ECP é mais elevada que a intensidade das EEP no primeiro momento temporal; b) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada das ECP e das EEP no segundo momento temporal, t (33) = 4.91, p <.005 (Tabela 5.4.8). A intensidade das ECP é mais elevada que a intensidade das EEP no segundo momento temporal; c) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada das ECP e das EEP no terceiro momento temporal, t (26) = 7.13, p <0.05 (Tabela 5.4.8). A 273 intensidade das ECP é mais elevada que a intensidade das EEP no terceiro momento temporal; d) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada das ECP e das EEP no quarto momento temporal, t (25) = 6.71, p <.005 (Tabela 5.4.8). A intensidade das ECP é mais elevada que a intensidade das EEP no quarto momento temporal; e) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada das ECP e das EEP no quinto momento temporal, t (21) = 9.10, p <.005 (Tabela 5.4.8). A intensidade das ECP é mais elevada que a intensidade das EEP no quinto momento temporal; f) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada das ECR e das EER no quarto momento temporal, t (25) = 3.93, p <.005 (Tabela 5.4.8). A intensidade das ECR é mais elevada que a intensidade das EER no quarto momento temporal; g) Há diferenças significativas entre a intensidade experienciada das ECR e das EER no quinto momento temporal, t (21) = 3.52, p <.005 (Tabela 5.4.8). A intensidade das ECR é mais elevada que a intensidade das EER no quinto momento temporal. Não se verificaram diferenças significativas entre ECR1 e EER1, t (58) = 2.41, ns; entre ECR2 e EER2, t (33) = 1.61, ns e entre ECR3 e EER3, t (26) = 2.62, ns. Tabela 5.4.8. Diferenças entre a intensidade experienciada das ECP, EEP, ECR e EER nos cinco momentos temporais. Estratégias Média (DP) ECP1 vs EEP1 (n =59) ECP2 vs EEP2 (n=34) ECP3 vs EEP3 (n=27) ECP4 vs EEP4 (n=26) ECR4 vs EER4 (n=26) ECP5 vs EEP5 (n=22) ECR5 vs EER5 (n=22) * p <.005 3.38 (0.81) 2.69 (0.79) 3.39 (0.77) 2.63 (0.66) 3.56 (0.78) 2.44 (0.83) 3.33 (0.82) 2.37 (0.82) 3.21 (0.48) 2.74 (0.82) 3.26 (0.84) 2.12 (0.86) 3.15 (0.51) 2.72 (0.81) 274 t (58) = 5.52* t (33) = 4.91* t (26) = 7.13* t (25) = 6.71* t (25) = 3.93* t (21) = 9.10* t (21) = 3.52* Na análise da Figura 5.4.5 devemos ter em linha de conta que existe uma diferença de médias entre ECP1 e EEP1, entre ECP2 e EEP2, entre ECP3 e EEP3, entre ECP4 e EEP4 e entre ECP5 e EEP5. A evolução na diferença de médias não reflete, necessariamente, mudanças intra-individuais, porque apenas uma parte dos sujeitos é comum aos cinco tempos. Também não podemos dizer que reflete diferenças interindividuais, porque há uma parte da amostra que não é comum. Queremos apenas centrar-nos na compreensão da evolução desta diferença de médias, independentemente das mudanças devidas às diferenças individuais. Discussão dos Resultados Quanto à evolução das estratégias ao longo do tempo ficámos a saber que não existem diferenças significativas na intensidade das estratégias de confronto com a perda ao longo dos 17 meses de viuvez. Esperávamos encontrar diferenças significativas neste tipo de estratégias, uma vez que a dominância dos stressores de perda nos primeiros tempos sugere a necessidade de serem confrontados. Relativamente à intensidade do evitamento dos stressores de perda, os dados mostraram-nos que o coping de evitamento com estes stressores é mais frequente e intenso até ao 5º mês, revelando diferenças que parecem mostrar que o evitamento do coping com a perda pode ser indicativo da utilização de estratégias de regulação emocional por parte das participantes, as quais parecem ter ser sido utilizadas intensamente nos dois primeiros tempos após a perda. O autorrelato do tempo despendido em estratégias de coping de evitamento com a perda foi claramente evidente, concretamente nos dois primeiros tempos, em comparação com o último, indo de encontro aos estudos referidos na literatura, os quais referem o uso de estratégias de regulação e gestão emocional por parte dos adultos idosos, permitindo-lhes gerir emoções e sentimentos na presença de acontecimentos negativos ou stressantes. Na revisão da literatura havíamos já dado conta de aspetos protetores do desenvolvimento como a utilização de estratégias de regulação emocional dos adultos idosos (Charles & Carstensen, 2008). O uso de estratégias de evitamento parece, pois, responder ao objetivo de minimizar os efeitos negativos provocados pela situação do luto nos primeiros meses de viuvez. Relativamente à utilização de estratégias de confronto e de evitamento com stressores de restabelecimento, não foram encontradas diferenças significativas ao longo dos cinco momentos temporais. Apesar dos adultos idosos enlutados sentirem mais necessidade 275 em lidar com stressores de restabelecimento, o confronto com estes stressores, torna-se uma tarefa difícil de concretizar para estes adultos enlutados (Hansson & Stroebe, 2007). Aspetos do desenvolvimento considerados problemáticos como a presença de uma saúde física mais debilitada e/ou a existência de uma diminuição na capacidade de processamento cognitivo (refletida, por exemplo, na aprendizagem de novas tarefas e na resolução de problemas) tendem a dificultar o coping com os stressores de restabelecimento. Hansson e Stroebe argumentam, inclusive, que esta evidência é promotora do prolongamento do coping entre as pessoas idosas enlutadas “Contudo, tornou-se evidente que o coping entre as pessoas idosas enlutadas pode prolongar-se devido à persistência dos stressores de restabelecimento” (2007, p.165). Quanto à confirmação da hipótese formulada, esta confirma-se relativamente à evolução das estratégias de evitamento com a perda, para as quais foram encontradas diferenças significativas na intensidade experienciada. Quanto à prevalência das estratégias em cada um dos momentos temporais, os resultados revelaram uma tendência comum observada em todos os tempos: os valores elevados e os valores mais baixos observados no primeiro tempo permanecem nos tempos seguintes como os mais elevados e os mais baixos. Note-se na estratégia de confronto com a perda “Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido”. Esta estratégia é referida no Tempo 1 como uma das que regista valores elevados na sua média. Nos tempos seguintes (Tempo 2, Tempo 3, Tempo 4 e Tempo 5), continua a situar-se entre as estratégias com valores mais elevados. Notamos, da mesma forma, esta orientação nas estratégias com médias mais baixas. No seu conjunto os resultados revelaram que as ECR obtêm as médias mais elevadas, indicando-nos que as participantes deste estudo sentem uma necessidade maior em lidar com algumas tarefas de restabelecimento, em especial as que registam um valor mais elevado na sua média. Dito de outra forma, estas estratégias foram experienciadas com bastante intensidade pelas participantes. De facto, as estratégias de coping com valor de média mais elevada pertencem ao confronto com o restabelecimento. Bastante evidente é o caso da estratégia com valores de média elevada em todos os cinco tempos “Confio nos meus filhos para irem ao médico”. Pelo contrário, a estratégia “Decidi casar outra vez” obteve, em quase todos os tempos, médias muito baixas, revelando que as viúvas experienciam com intensidade reduzida esta estratégia. A estratégia “Confio nos meus filhos para me levarem ao médico”, 276 envolve o apoio da família e remete-nos para o papel que esta desempenha nos momentos seguintes à perda. A ajuda prestada pelos filhos e pela restante família na realização das tarefas de restabelecimento confirma a necessidade de um suporte social e familiar no processamento do luto. Este suporte encontra-se bem patente na estratégia de confronto com o restabelecimento utilizada nos primeiros quatro tempos com pontuações elevadas “A minha família ajuda-me a lidar com aspetos que antes eram da responsabilidade do meu marido”. A literatura confirmou que o apoio emocional e instrumental da família e dos amigos poderá desempenhar um papel facilitador do trabalho de luto. No item 11, “Procuro o apoio emocional da minha família para enfrentar esta dor”, representativo de uma estratégia de confronto com a perda com médias das mais elevadas em todos os tempos, as participantes recorreram ao apoio emocional da família para lidarem com a dor. Por exemplo, Anderson (1984) considera que, após a morte do marido, as viúvas confiam nos seus filhos quando se sentem preocupadas e depressivas e procuram a assistência dos seus parentes quando se sentem doentes ou com pouco dinheiro. As estratégias de confronto com a perda (ECP) estão presentes entre aquelas que obtiveram pontuações mais elevadas. São estratégias que, da mesma forma que os stressores de perda, se relacionam com o falecido marido. Por exemplo, a adoção da estratégia “Quando me recordo dos maus momentos que passei com o meu marido procuro ver-me livre deles”, por parte da pessoa enlutada, tem como objetivo confrontar os maus momentos que passou com o marido, procurando ver-se livre deles. Esta estratégia obteve uma pontuação relativamente elevada nos Tempos 3, 4 e 5. Por outro lado, lembrar situações agradáveis vividas com o falecido marido pode, da mesma forma, ajudar no confronto com a perda. É o caso da estratégia “Foco a minha atenção em todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido”. Recordar bons momentos parece ajudar no confronto com os stressores de perda, como o item 4 “Olho para velhas fotografias do meu falecido marido” que nos apresenta uma estratégia de coping com a perda com um valor de média de entre os mais elevados em cada tempo. Olhar para velhas fotografias pode também constituir um stressor de perda, mas neste caso funciona como estratégia, uma vez que a viúva utiliza as fotografias do marido para confrontar a perda. A estratégia “Procuro a ajuda de grupos de interajuda para ajudar a lidar com esta dor” obteve pontuações muito baixas, significando que esta foi uma estratégia pouco experienciada pelas viúvas. A procura de grupos de suporte parece não constituir uma estratégia utilizada pelas viúvas para confrontar a dor 277 sentida pela perda. As estratégias de evitamento com a perda (EEP) com pontuações mais elevadas são duas e correspondem ao item 17 “Desejo que estes momentos de dor acabem” e ao item 21 “Evito pensar em coisas dolorosas relacionadas com a morte do meu marido”. São estratégias vividas com muita intensidade, que nos remetem para as circunstâncias que rodearam a morte e para o sofrimento emocional por elas causado. Já a estratégia “Escondo todas as fotografias do meu marido para não sofrer quando olho para elas” apresentou-se como aquela com pontuação mais baixa, revelando que não constituiu uma opção para lidar com os stressores. Olhar para as fotografias do falecido marido parece, ao invés, constituir uma estratégia de confronto com a perda. As estratégias de evitamento com o restabelecimento (EER) parecem procurar evitar que a mudança ocorra, para não terem que a confrontar. Mais uma vez, a revisão da literatura revelou-nos que a adaptação a novos comportamentos associados ao luto pode constituir para a pessoa enlutada um desafio difícil de ultrapassar. Face ao novo estatuto de mulher viúva a pessoa enlutada poderá ter que alterar a sua rotina social e necessitar de reajustar a sua rede de contactos sociais. A hipótese formulada em torno dos fundamentos teóricos do modelo dual de processar o luto é, portanto, confirmada pelos resultados que obtivemos. As estratégias mais intensamente utilizadas definem atividades levadas a cabo pelas participantes para confrontarem ou evitarem os stressores que em cada momento são mais experienciados. Quanto à diferença de intensidade entre os diferentes tipos de estratégias em cada um dos tempos, os resultados revelaram a baixa intensidade no uso das estratégias de evitamento com a perda comparativamente com as estratégias de confronto com a perda em todos os momentos temporais, o que parece significar que as participantes se encontram ativamente mais envolvidas em confrontar os stressores de perda do que em evitá-los. A evidência dos factos parece, pois, mostrar que a utilização de estratégias de confronto com a perda por parte das participantes revela uma vontade maior em confrontar os acontecimentos e os stressores orientados para a perda do que em evitálos, em todos os momentos. O facto de não se terem registado diferenças significativas entre as estratégias de confronto e evitamento com o restabelecimento nos Tempos 1, 2 e 3 e de só terem sido observadas nos Tempos 4 e 5 parece ir de encontro ao postulado por Stroebe e Schut (1999) para o modelo dual de processar o luto. Utilizar estratégias de confronto com stressores de restabelecimento, ao invés de os evitar, parece ter sido uma necessidade mais sentida nos Tempos 4 e 5, ou seja, decorrido mais tempo após a 278 perda. Neste caso, podemos supor que só mais tarde no tempo as participantes sentiram necessidade de confrontar os stressores de restabelecimento. Vislumbrámos aqui o funcionamento do mecanismo de oscilação, quando observamos a alternância entre o coping de evitamento e de confronto com stressores de perda e entre o coping de confronto e evitamento com os stressores de restabelecimento. Quanto à hipótese formulada podemos afirmar que esta foi confirmada relativamente às diferenças significativas na intensidade das ECP e das EEP em todos os momentos temporais. Relativamente às diferenças entre a intensidade das ECR e EER, estas foram significativas no Tempo 4 e no Tempo 5. Concluímos que o evitamento da perda, nos primeiros tempos após a morte ter ocorrido, é objeto de uma intensidade elevada colocada na utilização de estratégias dirigidas para o evitamento dos stressores de perda, mas que diminuiu 17 meses depois da perda. As estratégias de confronto com o restabelecimento foram utilizadas mais ativamente nos tempos finais do estudo. Em termos práticos torna-se importante o conhecimento não só das estratégias mais experienciadas, mas também o comportamento ou a trajetória que apresentam ao longo do tempo, para que deste modo, se possa ajudar estas pessoas no seu processo de luto. 279 5º ESTUDO 280 Dimensões do modelo dual de processar o luto, estilos de vinculação, saúde e Perturbações Prolongadas do Luto Resumo A perda do cônjuge é capaz de provocar consequências negativas na saúde física e psicológica dos indivíduos, levando à criação de condições de saúde menos favoráveis, dificultando o processo de adaptação à perda e, assim, contribuir para o surgimento de complicações no processo de luto (Hansson & Stroebe, 2007). Os resultados indicaram que o estado geral de saúde das participantes é pior nos primeiros dois tempos do que no quinto tempo e que se associa negativamente com os stressores de perda em todos os momentos temporais. Relativamente ao comportamento dos stressores e das estratégias de coping das participantes, os resultados revelaram que as participantes com um estilo de vinculação seguro, apresentaram uma intensidade superior dos stressores de perda no Tempo 1 em relação à intensidade experienciada no Tempo 5. Identificámos apenas uma participante com Perturbação Prolongada do Luto, isto é, com a presença dos cinco critérios. Os resultados obtidos permitiram-nos conhecer o comportamento dos stressores e das estratégias de coping face a variáveis como o estilo de vinculação, uma variável que constitui uma excelente ferramenta no entendimento das diferenças individuais do luto. O conhecimento desta relação entre as dimensões do modelo dual e estilo de vinculação permite-nos uma melhor compreensão da forma como processo de luto de desenvolve. Palavras – chave: stressores, estratégias, vinculação, saúde, Perturbação Prolongada do Luto. 281 Introdução A perda do cônjuge é capaz de provocar consequências negativas na saúde física e psicológica dos indivíduos, levando à criação de condições de saúde menos favoráveis, dificultando o processo de adaptação à perda e, assim, contribuir para o surgimento de complicações no processo de luto (Hansson & Stroebe, 2007). Neste estudo temos como finalidade conhecer a relação entre as dimensões do modelo dual e as variáveis saúde, vinculação e perturbações prolongadas do luto. Usando o modelo dual de processar o luto, como medida central das consequências da perda queremos saber que influências exercem estas variáveis na trajetória e no comportamento dos stressores e das estratégias utilizadas pelas pessoas idosas enlutadas, faz todo o sentido que queiramos conhecer as relações das suas dimensões com a variável saúde e com a variável da perturbação prolongada do luto. O PPL-13 é um instrumento que pretende diagnosticar perturbações prolongadas do luto em pessoas que sofreram a perda de um ente querido (Critério A). Este diagnóstico é feito de acordo com o cumprimento de cinco critérios. Os critérios definidos por Prigerson e Maciejewski (2007), descritos na terceira parte deste trabalho visam o cumprimento dos seguintes aspetos: experienciar a perda de um ente querido com sentimentos intensos de saudade pela pessoa falecida durante um período de, pelo menos, 6 meses. Durante este período a pessoa enlutada deve apresentar sintomas de natureza emocional, cognitiva e comportamental, bem como uma diminuição significativa nas suas tarefas e atividades sociais e ocupacionais. A par destas variáveis o estilo de vinculação da pessoa enlutada surge como um dos fatores capazes de influenciar o processo do luto e as suas consequências. Archer (2001), Parkes (2001) e Shaver e Tancredy (2001) sugeriram que as diferenças individuais observadas nas reações à perda do parceiro, durante a idade adulta, estão associadas ao estilo de vinculação seguro ou inseguro relativamente ao parceiro. a) Como evolui o estado geral de saúde ao longo de 17 meses de viuvez? Hipótese: Há diferenças no estado geral de saúde em cada um dos cinco momentos temporais no sentido de uma melhoria progressiva. b) Qual a relação entre o estado geral de saúde e os stressores de perda e restabelecimento nos cinco momentos temporais? Hipótese: O estado geral de saúde apresenta uma associação negativa com os stressores orientados para a perda e uma associação positiva com os stressores orientados para o restabelecimento nos cinco momentos temporais. 282 c) Qual a relação entre o estado geral de saúde e as estratégias de confronto e evitamento com a perda nos cinco momentos temporais? Hipótese: O estado geral de saúde está associado positivamente às pontuações das estratégias de confronto e evitamento com a perda nos cinco momentos temporais. d) Qual a relação entre o estado geral de saúde e as estratégias de confronto e evitamento com o restabelecimento nos cinco momentos temporais? Hipótese: O estado geral de saúde está associado positivamente às pontuações das estratégias de confronto e evitamento com o restabelecimento nos cinco momentos temporais. e) Como evolui a intensidade dos stressores e das estratégias ao longo do tempo, para as participantes com um estilo de vinculação seguro, preocupado, desligado e amedrontado? Hipótese1: Ao longo do tempo a intensidade dos SOP diminui e a intensidade dos SOR aumenta, para as participantes com um estilo de vinculação seguro. As participantes com um estilo de vinculação preocupado tendem a focar-se mais exclusivamente nos SOP. As participantes com um estilo de vinculação desligado tendem a focar mais a sua atenção nos SOR (apresentam níveis mais e levados de SOR). As participantes com um estilo de vinculação amedrontado o oscilam entre os SOP e os SOR de uma forma pouco coerente. Hipótese2: Ao longo do tempo a intensidade das ECP e das EER diminui e a intensidade das ECR e EEP aumenta, para as participantes com um estilo de vinculação seguro. As participantes com um estilo de vinculação preocupado tendem a focar-se mais exclusivamente na utilização de ECP e EER (Valores mais elevados de ECP e EER). As participantes com um estilo de vinculação desligado tendem a focar mais a sua atenção na utilização de ECR e EEP (valores mais elevados de ECR e EEP). As participantes com um estilo de vinculação amedrontado oscilam entre a utilização de EEP e EER de uma forma pouco coerente. f) A mudança na experiência dos SOP e dos SOR bem como o uso de estratégias de confronto e evitamento com esses stressores podem-se associar à presença de uma Perturbação Prolongada do Luto? Hipótese: As Perturbações Prolongadas do Luto estão associadas a uma experiência mais prolongada de stressores de perda e a uma dificuldade em experienciar stressores de restabelecimento; de igual modo, as participantes com Perturbações 283 Prolongadas do Luto usarão mais estratégias de evitamento com o restabelecimento e mais estratégias de confronto com a perda no Tempo 3, no Tempo 4 e no Tempo 5. Método Participantes Foram contactadas, entre outubro de 2008 e março de 2011, cento e noventa e nove mulheres cujos maridos haviam falecido há menos de um mês. Destes cento e noventa e nove (199) contactos, cinquenta e nove (59) aceitaram integrar a amostra de participantes deste estudo. A idade destes últimos situou-se entre os 65 e os 85anos, com um M=72.49 e DP=6.18. Instrumentos de medida EVA – Escala de Vinculação do Adulto (Adaptação de Canavarro, M, C, 1995; versão portuguesa da Adult Attachment Scale-R; Collins & Read, 1990). Com a aplicação deste instrumento pretendemos identificar o estilo de vinculação das mulheres viúvas idosas que compõem a nossa amostra: seguro, preocupado, desligado e amedrontado. É composto por 18 itens em formato do tipo Likert avaliados de 1 (Nada característico em mim) a 5 (Extremamente característico em mim) aos quais os indivíduos respondem de acordo com o que mais se lhes adequa. Este instrumento foi aplicado somente no primeiro momento temporal. Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento – ISOPR (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. É constituído por 25 itens distribuídos por duas subescalas correspondentes a cada uma das orientações (perda e restabelecimento) e foi aplicado em todos os cinco momentos temporais. Treze itens correspondem a Stressores Orientados para a Perda (Ex: Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu) e doze itens correspondem a Stressores Orientados para o Restabelecimento (Ex: Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo). A presença dos stressores é avaliada pela frequência com que cada participante o experiencia, numa escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e “Não Aplicável a Mim”. 284 Inventário de Estratégias de Coping Orientadas para a Perda e para o Restabelecimento - IECOPR - (Silva & Ferreira-Alves, 2008) – versão para investigação. É constituído por 44 itens, distribuídos por quatro subescalas correspondentes a cada uma das estratégias de coping, tendo sido aplicado em todos os cinco momentos temporais. Vinte e um itens pertencem a estratégias de coping orientadas para a perda: 10 de confronto e 11 de evitamento com esta dimensão; vinte e três itens pertencem a estratégias de coping orientadas para o restabelecimento: 14 de confronto e 9 de evitamento. Seguem-se exemplos de cada uma das subescalas: ECP – “Vou à igreja para falar com Deus acerca dos meus sentimentos de tristeza”; EEP – “Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido”; ECR – “Rezo mais do que o costume para que seja possível ficar mais otimista”; EER – “Evito fazer o meu trabalho de casa diário, tal como o fazia antes da morte do meu marido”. A presença das estratégias é avaliada pela frequência com que cada participante a utiliza, numa Escala de Likert (de 1 a 6), desde “Nunca” até “Sempre”, e a opção “Não Aplicável a Mim”. QGS - (Adaptação de McIntyre, McIntyre & Redondo, 1999; versão portuguesa do General Health Questionnaire (12); Goldberg, 1981). Com a aplicação deste instrumento de medida (QGS -12) pretendemos recolher informação acerca do estado geral de saúde da nossa amostra, consequente à perda. A escala pretende inquirir se as participantes experienciaram, recentemente, um determinado sintoma ou comportamento (Ex: Tem perdido muitas horas de sono devido a preocupações?). Cada questão inclui 4 opções de resposta: melhor que habitualmente, como habitualmente, menos que habitualmente, muito menos que habitualmente. Este instrumento pode ser cotado de uma forma bi-modal (0-0-1-1) e neste caso a pontuação varia entre 0 e 12. A segunda forma é do tipo Likert, (0-1-2-3) e neste caso a pontuação varia entre 0 e 36 (Montazeri, A e col. 2003), sendo que a pontuação mais elevada é indicativa de pior saúde. Para a nosso estudo adotámos a segunda forma. O QGS foi aplicado em todos os momentos do estudo. 285 Perturbação Prolongada do Luto (PPL-13) - Traduzido por Silva e Ferreira-Alves (2009). Versão para investigação de Prolonged Grief Disorder (PGD -13) (Prigerson & Maciejewski, 2007). Para este estudo utilizámos o PGD para termos uma medida, ainda que não representativa, da prevalência deste distúrbio. É um instrumento constituído por 13 itens, agrupados em 3 partes. Na primeira parte o individuo é convidado a responder a 5 questões (Ex: “No último mês, com que frequência sentiu saudades da pessoa que perdeu?”), cada uma das quais com opções de resposta que vão desde “Nenhuma vez” até “Várias vezes por dia”. Na segunda parte, o indivíduo é confrontado com 7 itens (Ex: “Teve problemas em aceitar a perda?”), com 5 possibilidades de resposta, desde “De maneira nenhuma” até “Demasiadamente”. A última parte do instrumento é constituída por uma questão com opção de resposta de “Sim” ou “Não”. Para que um indivíduo possa ser diagnosticado com PPL precisa de se enquadrar em cada um dos 5 critérios definidos pelas autoras. Caso algum participante responda aos critérios, Prigerson e Maciejewski, K, P (2007) aconselham a procura de uma avaliação mais profunda de um profissional de saúde mental. Este instrumento foi aplicado no terceiro, quarto e quinto momento do estudo. Procedimentos Todos os procedimentos adotados neste estudo foram aprovados pelo Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os contactos junto das pessoas com o perfil adequado ao nosso estudo (mulher viúva com 65 e mais anos de idade) tiveram início em outubro de 2008 e terminaram em março de 2011. Deste modo, a participação da nossa amostra deu-se dentro dos seguintes espaços de tempo: nos primeiros 30 dias (Tempo 1), durante o 5º mês após a perda (Tempo 2), durante o 9º mês após a perda (Tempo 3), durante o 13º mês após a perda (Tempo 4) e a última participação teve lugar durante o 17º mês após a perda (Tempo 5). A administração dos questionários deste quinto estudo deu-se após um primeiro encontro onde se explicaram às participantes os objetivos do estudo e em que consistia a sua participação. A primeira intervenção do participante foi assinar um consentimento informado, que era lido pelo colaborador e continha os objetivos do estudo e aquilo que se esperava de cada participante. Os questionários deste quinto estudo foram aplicados em todos os cinco momentos do estudo nas residências particulares das participantes. 286 Foram preenchidos pelo colaborador de investigação no decurso da conversação estabelecida com cada participante (Quivy & Campenhoudt, 1998). Resultados a) Como evolui o estado geral de saúde ao longo de 17 meses de viuvez? Começamos por apresentar as propriedades psicométricas do instrumento usado no autorrelato do QGS. A análise exploratória de dados, relativa ao QGS, revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos. A Tabela 5.5.1 fornece-nos informação sobre as propriedades psicométricas do QGS em cada um dos cinco momentos temporais. Devido à mortalidade da amostra só nos foi possível estabelecer comparações de dados de 19 participantes, por ser este o número de participantes que se manteve constante ao longo do tempo. Tabela 5.5.1. Propriedades Psicométricas do QGS Amplitude α Desvio Potencial padrão Sobre itens padronizados QGS N Média Atual Assimetria QGS 1 59 19.08 6.57 .80 0-36 5-34 0.11 QGS 2 34 15.41 5.44 .72 0-36 2-25 -0.39 QGS 3 27 14.41 5.71 .78 0-36 2-28 0.34 QGS 4 26 14.46 6.02 .80 0-36 5-25 0.34 QGS 5 22 12.50 5.00 .71 0-36 4-21 0.20 A análise da Tabela 5.5.1 revela-nos que é no primeiro momento temporal que a média do Questionário Geral de Saúde é mais elevada. Podemos até observar que este valor varia entre 19.08 (primeiro momento) e 12.50 (quinto momento). Com o objetivo de analisar a precisão do QGS procedemos ao cálculo da consistência interna, através do cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach sobre itens padronizados. Os resultados do coeficiente de Alpha de Cronbach variaram entre 0.71 e 0.80. valores que consideramos satisfatórios. Na adaptação para a versão portuguesa McIntyre, McIntyre e Redondo (1999) obtiveram um Alpha de Cronbach 287 de .83, um valor não muito distante do valor máximo obtido pela nossa amostra que foi de .80. Recorremos à utilização da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas que nos permite comparar um mesmo grupo de indivíduos em três ou mais momentos temporais. 19 * 17 Média do QGS 15 * 13 * 11 9 7 5 Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 Tempos do estudo Figura 5.5.1. Média do estado geral de saúde em cada tempo (***p < .001) A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas ao nível do estado geral de saúde em função do momento temporal em que este é avaliado, F (4,72) = 5.83, p <.001(Tabela 5.5.2). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que o estado geral de saúde das participantes no Tempo 1 e no Tempo 2 é significativamente pior que no Tempo 5 (Tabela 5.5.3). 288 Tabela 5.5.2. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação do estado geral de saúde Estado geral de saúde Tempo1 (n=59) Média (DP) 17.89 (6.98) Tempo2 (n=34) Média (DP) 15.58 (5.47) Tempo3 (n=27) Média (DP) 13.95 (6.26) *** p < .001 289 Tempo4 (n=26) Média (DP) 13.63 (5.42) Tempo5 (n=22) Média (DP) 11.89 (4.79) F (4,72) 5.83*** Tabela 5.5.3. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação do estado geral de saúde Tempo1 vs. Tempo2 Tempo1 vs. Tempo3 ns ns Estado geral de saúde Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns **** p <.001 290 Tempo2 vs. Tempo4 ns Tempo2 vs. Tempo5 *** Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 ns Tempo4 vs. Tempo5 ns b) Qual a relação entre o estado geral de saúde e os stressores de perda e restabelecimento nos cinco momentos temporais? Apresentamos as propriedades psicométricas dos instrumentos usados no autorrelato dos stressores de perda e restabelecimento (Tabela 5.5.4). A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos, com exceção da distribuição de valores do SOP1 e do SOR2. Tabela 5.5.4. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Stressores Orientados para a Perda e para o Restabelecimento (ISOPR) Amplitude Stressores de Perda (SOP) e de N Restabelecimento (SOR) α Desvio Média Potencial Atual Assimetria padrão Sobre itens padronizados SOP1 59 3.97 0.83 .83 1-6 2.25-5.62 -0.35 SOP2 34 3.68 0.89 .91 1-6 1.38-5.38 -0.32 SOP3 27 3.61 0.91 .87 1-6 1.85-5.46 0.20 SOP4 26 3.48 1.07 .91 1-6 1.38-5.54 0.25 SOP5 22 3.23 1.16 .91 1-6 1.31-5.15 0.18 SOR1 59 2.54 0.70 .36 1-6 1.00-4.45 0.31 SOR2 34 2.69 0.63 .66 1-6 1.82-4.00 0.70 SOR3 27 2.77 0.59 .56 1-6 1.91-4.45 0.87 SOR4 26 2.82 0.47 .55 1-6 1.91-3.64 -0.24 SOR5 22 2.74 0.54 .54 1-6 1.91-3.70 0.38 Calculamos o coeficiente de correlação de Pearson entre o estado geral de saúde e os stressores de perda e restabelecimento com exceção das associações que envolvem o SOP1 e o SOR2 para as quais utilizamos o Tau de Kendall (). 291 Tabela 5.5.5. Correlações, médias e desvios padrão para as pontuações no QGS e nos stressores de perda para os cinco momentos Medidas SOP1 QGS1 ,251**(a) SOP2 SOP3 SOP4 SOP5 ,437** QGS2 ,557** QGS3 ,508** QGS4 ,479* QGS5 Média DP 19.08 6.57 15.41 5.43 14.41 5.71 14.46 6.021 12.50 5.00 Nota – No Tempo 1 o valor de N foi de 59 participantes, no Tempo 2 foi de 34, no Tempo 3 foi de 27, no Tempo 4 foi de 26 e no Tempo 5 foi de 22 participantes. (a) Correlação de Kendall ** p < .01 p < .05 Na Tabela 5.5.5 estão reproduzidas as correlações lineares positivas e * estatisticamente significativas entre a saúde e os stressores orientados para a perda (SOP) em todos os momentos temporais. Não foram encontradas correlações entre a saúde e os stressores de restabelecimento. Na tabela 5.5.4 observamos que as médias dos SOR são mais baixas que as médias dos SOP em todos os momentos, assim como os valores do desvio-padrão. Consideramos que estes valores não são suficientemente diferenciadores para haver associações consistentes entre os SOR e o QGS. Os dados expostos na Tabela 5.5.5 indicam-nos, consistentemente, ao longo do tempo, uma associação positiva entre saúde e a experiência dos SOP (1)1. c) Qual a relação entre o estado geral de saúde e as estratégias de confronto e evitamento com a perda nos cinco momentos temporais? Para respondermos a esta questão recorremos a um teste de associação – Coeficiente de Correlação de Pearson, (r). Este Coeficiente consiste num teste que, 1 De notar que o QGS está cotado para que a valores mais elevados corresponda uma saúde pior. Assim, as correlações observadas devem ser analisadas neste contexto, ou seja, a uma saúde mais pobre está associada uma maior experiência de stressores de perda. 292 segundo, Martins (2011) averigua se duas ou mais variáveis intervalares estão associadas. Tabela 5.5.6. Propriedades Psicométricas das subescalas do Inventário de Estratégias de Confronto (ECP) e de Evitamento (EEP) com a Perda e com o Restabelecimento (ECR e EER) Amplitude Estratégias de α confronto e de Desvio evitamento com a N Média Potencial Atual Assimetria padrão Sobre itens Perda e com o padronizados Restabelecimento ECP1 59 3.38 .81 .67 1-6 1.50-5.13 -0.36 ECP2 34 3.39 .77 .66 1-6 2.10-4.89 0.18 ECP3 27 3.56 .78 .64 1-6 2.22-5.20 0.46 ECP4 26 3.33 .82 .78 1-6 1.10-4.80 -0.31 ECP5 22 3.26 .84 .42 1-6 1.70-4.78 0.32 EEP1 59 2.69 .79 .63 1-6 1.20-4.60 0.39 EEP2 34 2.63 .66 .64 1-6 1.20-4.09 0.14 EEP3 27 2.44 .83 .65 1-6 1.10-4.00 0.33 EEP4 26 2.37 .82 .83 1-6 1.00-4.00 0.35 EEP5 22 2.12 .86 .85 1-6 1.00-4.30 0.96 ECR1 59 3.08 .55 .54 1-6 2.00-4.42 -0.41 ECR2 34 3.16 .52 .19 1-6 2.18-4.58 0.45 ECR3 27 3.14 .55 .38 1-6 2.23-4.42 0.13 ECR4 26 3.21 .48 .32 1-6 2.14-4.15 0.13 ECR5 22 3.15 .51 .28 1-6 2.23-4.25 0.25 EER1 59 2.85 .77 .58 1-6 1.17-4.50 0.10 EER2 34 2.94 .78 .20 1-6 1.25-4.57 0.05 EER3 27 2.86 .54 .42 1-6 1.83-3.75 -0.01 EER4 26 2.74 .82 .22 1-6 1.50-4.33 0.33 293 EER5 22 2.72 .81 .90 1-6 1.00-4.17 -0.30 A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos. A Tabela 5.5.6 informa-nos sobre as propriedades psicométricas das variáveis em estudo, mais especificamente das estratégias de confronto e de evitamento com a Perda e com o Restabelecimento em cada um dos cinco momentos temporais. A utilização do Coeficiente de Pearson revelou-nos que não há correlação linear positiva e estatisticamente significativa entre o estado geral de saúde e as estratégias de confronto e evitamento com os stressores de perda. Na tabela 5.5.6 observamos que as médias das estratégias de confronto e evitamento com a perda e as médias das estratégias de confronto e evitamento com o restabelecimento são baixas em todos os momentos. Consideramos que estes valores não são suficientemente diferenciadores para haver associações consistentes entre as estratégias e o QGS. d) Qual a relação entre o estado geral de saúde e as estratégias de confronto e evitamento com o restabelecimento nos cinco momentos temporais? De igual modo não encontramos correlação linear positiva e estatisticamente significativa entre o estado geral de saúde e as estratégias de confronto e evitamento com os stressores de perda e restabelecimento. e) As pontuações dos SOP, dos SOR, das ECP, EEP, ECR e EER, diferem significativamente entre quem tem um estilo de vinculação seguro e quem tem um estilo de vinculação inseguro? Adotados os procedimentos referidos no capítulo da metodologia (página?), extraímos da Escala de Vinculação do Adulto (EVA), quatro estilos de vinculação, cujas percentagens se apresentam na Tabela 5.5.7. A Tabela 5.5.7 indica-nos que 95% das participantes foram classificadas com um estilo de vinculação identificável, sendo que 5.08% das participantes não foram classificadas com nenhum estilo, porque apresentavam valores intermédios, não sendo possível classificá-las com um estilo de vinculação específico. A maioria das participantes apresenta um estilo de vinculação seguro (76,24%), correspondendo 3,40% ao estilo de vinculação preocupado, aquele com uma percentagem mais baixa. 294 Tabela 5.5.7. Distribuição das participantes por protótipos de vinculação Estilos de vinculação N % Seguro 45 76.27 Preocupado 2 3.40 Desligado 5 8.47 Amedrontado 4 6.78 Não classificável 3 5.08 59 100 Total Devido à mortalidade da amostra só nos foi possível estabelecer comparações de dados de 19 participantes, por ser este o número de participantes que se manteve constante ao longo do tempo. A pouca variância registada pelos estilos de vinculação, não permitiu a criação de condições para procedermos ao teste da nossa hipótese. De facto, de um total de 19 pessoas que participaram em todos os momentos temporais, 13 apresentam um estilo de vinculação seguro, 1 apresenta um estilo de vinculação preocupado, 1 apresenta um estilo de vinculação desligado, 3 apresentam um estilo de vinculação amedrontado e 1 participante não foi classificado relativamente a qualquer estilo (Tabela 5.5.8). Dadas as circunstâncias particulares relativamente à amostra que conseguimos obter, parece-nos legítimo realizar apenas uma apresentação e uma discussão de resultados relativamente ao estilo de vinculação seguro, bem como, uma apresentação e uma discussão de resultados de duas pessoas: uma com estilo de vinculação preocupado e outra com um estilo de vinculação desligado. Tabela 5.5.8. Distribuição das participantes por estilos vinculação com participação em todos os momentos temporais. Estilos de vinculação N % 13 68.42 Seguro 1 5.26 Preocupado 1 5.26 Desligado 3 15.80 Amedrontado 1 5.26 Não classificável Total 19 100 Na Tabela 5.5.9 podemos observar o comportamento das participantes, que participaram em todos os momentos temporais, com estilos de vinculação seguro, 295 preocupado e desligado através da pontuação que apresentam relativamente aos stressores de perda e restabelecimento. As participantes com um estilo de vinculação seguro apresentam pontuações mais elevadas na experiência dos SOP que nos SOR, mostrando que focam mais a sua atenção nos SOP do que nos SOR em todos os momentos temporais. A pontuação mais elevada surge no primeiro momento, sendo que a mais baixa se regista no último momento. Em relação aos SOR a pontuação mais alta regista-se no último momento e a mais baixa no primeiro momento. Relativamente à pontuação obtida no coping as participantes registaram valores mais elevadas nas ECP, comparativamente com as EEP em todos os momentos temporais. Os valores mais elevados de ECP observaram-se no Tempo 3 e os valores mais elevados de EEP registaram-se no Tempo 2. Quanto às ECR verificámos que apresentam pontuações mais elevadas que as EER em todos os momentos temporais. A pontuação mais elevada obtida pelas participantes com o estilo de vinculação seguro relativamente às ECR registou-se no Tempo 5, sendo que a pontuação mais elevada relativamente às EER se registou no Tempo 3. As participantes com um estilo de vinculação seguro apresentam, pois, pontuações relativamente mais levadas no coping de confronto do que no coping de evitamento, quer com stressores de perda, quer com stressores de restabelecimento. A participante com um estilo de vinculação preocupado apresenta uma pontuação sempre elevada na orientação para os SOP (Tabela 5.5.9) parecendo experienciar os stressores de perda de uma forma estável e relativamente elevada. Relativamente ao seu comportamento perante os SOR verificamos que, além da pontuação ser inferior à registada junto dos SOP, o valor desta medida é relativamente estável e baixo (Tabela 5.5.9). Quanto ao comportamento desta participante relativamente às estratégias de confronto com a perda podemos observar na Tabela 5.5.10 que os valores da pontuação aumentam do Tempo 1 para o Tempo 2, para depois registar um decréscimo até ao Tempo 5. As pontuações de EEP são menores que as pontuações de confronto com a perda para esta participante com um estilo de vinculação preocupado. A utilização de estratégias de confronto com o restabelecimento apresenta uma oscilação em termos do comportamento das pontuações, ou seja, o valor da sua pontuação alterna, ora mais baixo, ora mais elevado. Já em relação às EER, o individuo com um estilo de vinculação preocupado apresenta uma pontuação com valores mais 296 baixos no Tempo 2 que no Tempo 1, mais elevados no Tempo 4 que no Tempo 3 e mais baixos no Tempo 5 que no Tempo 4 (Tabela 5.5.11). Relativamente à participante com um estilo de vinculação desligado, as pontuações apresentadas na sua experiência com os SOP são claramente mais baixas que as pontuações da participante com o estilo de vinculação preocupado, em todos os momentos. Relativamente aos stressores de restabelecimento, na globalidade, esta participante consegue pontuações mais elevadas que nos SOP. Quanto às estratégias utilizadas de confronto e evitamento da perda, a Tabela 5.5.10 revela-nos que esta participante exibe pontuações mais elevadas na utilização de estratégias de evitamento com a perda do que nas estratégias de confronto com a perda em todos os momentos temporais. As pontuações que a participante apresenta na utilização de estratégias de confronto com o restabelecimento (Tabela 5.5.11) são, na sua globalidade, mais elevadas que as pontuações das estratégias de confronto com a perda. Observando os valores da Tabela 5.5.11 podemos dizer que esta participante evita tanto a perda como o restabelecimento. 297 Tabela 5.5.9. Valores da pontuação média (desvio padrão) das participantes com um estilo de vinculação Seguro, Preocupado e Desligado Estilos de Vinculação Seguro Preocupado2 Desligado3 2 3 SOP1 SOP2 SOP3 SOP4 SOP5 4,14 (0,94) 3,71 (1,04) 3,59 (0,87) 3,45 (1,11) 3,17 (1,12) SOR1 SOR2 SOR3 SOR4 SOR5 2,56 (0,71) 2,70 (0,60) 2,65 (0,54) 2,69 (0,43) 2,78 (0,53) 4,17 4,17 4,25 4,08 3,92 SOR1 SOR2 SOR3 SOR4 SOR5 2,09 2,20 2,80 2,80 2,40 SOP1 SOP2 SOP3 SOP4 SOP5 2,38 1,92 2,69 2,50 2,69 SOR1 SOR2 SOR3 SOR4 SOR5 3,08 2,73 2,36 3,36 3,09 Só um individuo apresenta este estilo, pelo que não é possível apresentar o valor do desvio-padrão Só um individuo apresenta este estilo, pelo que não é possível apresentar o valor do desvio-padrão 298 Tabela 5.5.10. Valores da pontuação média (desvio padrão) das participantes com um estilo de vinculação Seguro, Preocupado e Desligado Estilos de Vinculação Seguro Preocupado ECP1 ECP2 ECP3 ECP4 ECP5 3,53 (0,96) 3,34 (0,77) 3,77 (0,84) 3,34 (1,02) 3,36 (0,82) EEP1 EEP2 EEP3 EEP4 EEP5 2,62 (0,72) 2,67 (0,77) 2,36 (0,94) 2,50 (0,88) 2,14 (1,00) 3,30 4,40 4,30 4,10 3,60 EEP1 EEP2 EEP3 EEP4 EEP5 3,00 2,73 2,18 2,27 2,36 ECP1 ECP2 ECP3 ECP4 ECP5 1,50 2,10 2,50 2,40 1,70 EEP1 EEP2 EEP3 EEP4 EEP5 3,70 3,70 2,89 2,80 2,00 Desligado 299 Tabela 5.5.11. Valores da pontuação média (desvio padrão) das participantes com um estilo de vinculação Seguro, Preocupado e Desligado Estilos de Vinculação Seguro Preocupado ECR1 ECR2 ECR3 ECR4 ECR5 3,08 (0,65) 3,07 (0,59) 3,05 (0,50) 3,14 (0,52) 3,19 (0,54) EER1 EER2 EER3 EER4 EER5 2,65 (0,74) 2,84 (0,86) 2,89 (0,67) 2,83 (0,85) 2,81 (0,81) 2,71 3,00 2,93 3,14 2,79 EER1 EER2 EER3 EER4 EER5 3,57 2,86 2,86 3,43 3,29 ECR1 ECR2 ECR3 ECR4 ECR5 2,85 2,43 2,23 2,71 EER1 EER2 EER3 EER4 EER5 2,00 2,57 2,14 1,71 1,50 2,43 Desligado 300 4,5 4 * * 3,5 Média dos SOP 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4 Tempo 5 Tempos do estudo Figura 5.5.2. Média da intensidade experienciada com os stressores de perda, em cada tempo, das participantes com estilo de vinculação seguro. (***p <.001) A Figura 5.5.2 ilustra o comportamento dos SOP para as participantes com o estilo de vinculação seguro ao longo dos cinco momentos temporais. Nesta Figura podemos visualizar a diferença significativa encontrada entre o Tempo 1 e o Tempo 5. Após ter sido efetuada, a análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos com exceção dos valores de distribuição do SOP1 e SOR2. A aplicação da Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas (F) mostrou-nos que há diferenças significativas ao nível da intensidade experienciada com os stressores de perda em função do momento temporal em que esta é avaliada, F (4,48) = 9.14, p <.001 (Tabela 5.5.12). Pairwise Comparisons de Bonferroni revelaram que a intensidade experienciada com os SOP pelas participantes com um estilo de vinculação seguro no Tempo 1 é significativamente superior à intensidade experienciada no Tempo 5 (Tabela 5.5.13). Não encontrámos diferenças significativas relativamente aos stressores orientados para o restabelecimento (F (2,26) = 0,40, ns), às estratégias de confronto com a perda (F (2,30) = 1,72, ns), às estratégias de evitamento com a perda (F (4,48) = 1,73, ns), às estratégias de confronto com o restabelecimento (F (4,48) = 0,44, ns) e às estratégias de evitamento com o restabelecimento (F (4,48) = 0,41, ns). 301 Tabela 5.5.12. Apresentação dos Resultados Relativos à Análise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP Intensidade experienciada com os SOP Tempo1 Tempo2 Tempo3 Tempo4 Tempo5 (n=59) (n=34) (n=27) (n=26) (n=22) Média (DP) Média (DP) Média (DP) Média (DP) Média (DP) 4.14 3.71 3.59 3.45 3.17 (0.94) (1.04) (0.87) (1.11) (1.12) *** p < .001 302 F (4,48) 9.14*** Tabela 5.5.13. Apresentação dos Resultados Relativos às Pairwise Comparisons de Bonferroni Momentos temporais relativos à avaliação da intensidade experienciada em contacto com os SOP Intensidade experienciada com os SOP Tempo1 vs. Tempo2 Tempo1 vs. Tempo3 ns ns Tempo1 vs. Tempo4 ns Tempo1 vs. Tempo5 *** Tempo2 vs. Tempo3 ns *** p<.001 303 Tempo2 vs. Tempo4 ns Tempo2 vs. Tempo5 ns Tempo3 vs. Tempo4 ns Tempo3 vs. Tempo5 ns Tempo4 vs. Tempo5 ns f) A mudança na experiência dos SOP e dos SOR, bem como o uso de estratégias de confronto e evitamento com esses stressores, podem-se associar à presença de uma Perturbação Prolongada do Luto? A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos. Contudo, verificamos que não temos condições para explorar o PPL e as dimensões do modelo dual de processar o luto (SOP, SOR, ECP, EEP, ECR e EER), optando por procurar a presença dos cinco critérios que estabelecem uma Perturbação Prolongada do Luto, junto da nossa amostra com o objetivo de identificar indivíduos com PPL. As propriedades psicométricas do autorrelato PPL encontram-se na Tabela 5.5.14. Este instrumento foi aplicado três vezes ao longo do estudo. A primeira vez correspondeu ao terceiro momento temporal (PPL1), a segunda vez ao quarto momento temporal (PPL2) e a terceira vez correspondeu ao quinto momento temporal (PPL3). Este cuidado na aplicação do autorrelato PPL, deve-se à necessidade de cumprir o critério temporal deste instrumento, isto é, os sintomas do PPL devem persistir pelo menos durante 6 meses após a perda. Tabela 5.5.14. Propriedades Psicométricas do PPL e no estudo de adaptação da versão portuguesa de Delalibera e col. (2010) α Desvio PPL N Média Mínimo Máximo Assimetria padrão Sobre itens padronizados PPL1 27 2.31 .87 .90 1.08 4.15 .61 PPL2 26 2.27 .70 .85 1.08 3.69 .21 PPL3 22 2.08 .74 .86 1.00 3.62 .55 PPL (1) Delalibera e col. (2010) 87 .93 (1) Comparando o valor de Alpha de Cronbach, podemos observar que o valor por nós encontrado que mais se aproxima do estudo de adaptação corresponde ao Tempo 1. Neste estudo a amplitude referente à idade varia entre os 23 e os 84 anos, sendo a maioria dos participantes constituída por pessoas viúvas. Prigerson e col. (2009), aquando da validação psicométrica de um algoritmo de diagnóstico para o Prolonged Grief Disorder (PGD) obtiveram um valor de Alfa de Cronbach de .82 A análise da Tabela 5.5.14 revela-nos um Alpha de Cronbach satisfatório, em cada um dos tempos, refletindo uma boa consistência interna do instrumento. Verificamos, ainda, 304 que a média mais elevada do PPL surge na primeira vez em que é aplicado, ou seja, no terceiro momento do estudo. A média mais baixa corresponde ao quinto momento. Na versão portuguesa do PPL, da autoria de Delalibera e col. (2010), foi encontrada a estrutura fatorial da escala a que foram atribuídos dois fatores. Os itens correspondentes ao fator um são os itens 11, 8, 9, 13, 10, 6 e 4. Nesta dimensão o item com maior peso é o item número 11 “Sente-se emocionalmente dormente desde a sua perda?”. Os itens correspondentes ao fator dois são: 2, 3, 7, 12, 5 e 1, sendo que o item com mais peso nesta dimensão é o item número 2 “No último mês, com que frequência teve sentimentos intensos de dor emocional, tristeza ou momentos de sofrimento relacionados com a relação que perdeu?”. Delalibera e col. (2010), referem ser este último o item com maior peso fatorial da escala, traduzindo mais fielmente a Perturbação Prolongada do Luto. Nesta mesma dimensão surge o item relacionado com o critério temporal “Relativamente às questões anteriores, 1 ou 2, experienciou-as diariamente durante um período de 6 meses?”. Os autores referem que a definição destas duas dimensões se pode equiparar aos dois tipos de stressores encontrados no modelo dual de processar o luto de Schut e Stroebe (1999). Relatam que a primeira dimensão fatorial se refere a aspetos da perda em que se incluem aspetos funcionais e relacionais da pessoa enlutada, como o investimento em tarefas diárias e as relações interpessoais (orientação para o restabelecimento), enquanto a segunda dimensão fatorial envolve aspetos relacionais com a pessoa falecida (orientação para a perda). A observação da Tabela 5.5.15 revela-nos que a frequência do Critério A (sofrer a perda de um ente querido) é a mais elevada em cada um dos momentos de aplicação do PPL. Já o Critério C (experienciar, diariamente, 5 dos sintomas comportamentais, emocionais e cognitivos) Tabela 5.5.15. Frequências da presença dos critérios PPL em cada momento Critério Critério Critério Critério Critério Total Omissos Total A B C D E PPL1 Frequências (Percentagem) 12 (20.3) 7 (11.9) 2 (3.4) 5 (8.5) 1 (1.7) 27 (45.8) 32 (54.2) PPL2 Frequências (Percentagem) 13 (22.0) 7 (11.9) 2 (3.4) 4 (6.8) 0 (0) 26 (44.1) 33 (55.9) PPL3 Frequências (Percentagem) 14 (23.7) 2 (3.4) 2 (3.4) 4 (6.8) 0 (0) 22 (37.3) 37 (62.7) 305 59 (100) 59 (100) 59 (100) apresenta a frequência mais baixa em cada um dos momentos, com duas participantes. Identificamos no PPL1 uma participante com sintomas de Perturbação Prolongada do Luto, porque apresenta os 5 critérios que caracterizam esta complicação no processo de luto. Discussão dos resultados Neste estudo os dados apontam para mudanças significativas no estado geral de saúde ao longo dos 17 meses de viuvez no sentido de uma melhoria gradual. É uma constatação independente do estado de saúde prévio das participantes do qual não temos dados. De facto, no primeiro momento e no segundo momento as participantes apresentam um estado geral de saúde mais pobre do que no quinto momento. De acordo com Hansson e Stroebe (2007) a perda acarreta um conjunto de consequências físicas, psicológicas e sociais havendo sintomas mais intensos nos primeiros meses após a perda. Bonanno, Wortman e Nesse (2004) verificaram que as pessoas viúvas idosas, classificadas com um padrão de luto normal, apresentavam níveis baixos de depressão antes da perda, avaliada através da escala do Centro para Estudos Epidemiológicos de Depressão (CES – D) na sua versão de 9 itens. Após a perda, apresentaram um aumento nos sintomas relacionados com a depressão, sintomatologia essa que diminuiu significativamente apos 18 meses. Da mesma forma, Wilcox e col. (2003) identificaram uma saúde mental mais pobre nas mulheres que estavam viúvas há menos de um ano em comparação com as que estavam viúvas há mais de um ano. O efeito negativo da perda do cônjuge sobre a saúde das pessoas idosas enlutadas foi, também constatado no estudo de Martikainen e Valkonen (1996) que encontraram níveis de mortalidade mais elevados nos primeiros 6 meses após a perda. A mortalidade foi atribuída pelos autores ao sofrimento e ao stress mais intensamente vividos nos primeiros 6 meses. Os resultados por nós obtidos parecem alinhar-se nesta ideia geral de que a perda do cônjuge em pessoas idosas leva a uma diminuição do estado geral de saúde, que só é interrompida passados vários meses sendo que uns estudos apontam 6 meses, outros apontam 18 e o nosso estudo só aponta para a partir dos 17 meses. Sendo neste ponto que os estudos podem diferir uns dos outros. Confirmámos a nossa hipótese geral que apontámos como sendo a de uma melhoria progressiva do estado geral de saúde ao longo do tempo. Essa melhoria só resultou em melhorias significativas passados 17 meses. Quanto à relação entre o estado geral de saúde e os stressores de perda verificámos uma associação positiva consistente, ao longo do tempo, entre a saúde e a experiência dos stressores de perda, ou seja, a uma saúde mais pobre está associada uma maior experiência 306 de stressores de perda. Este resultado parece indicar uma inevitabilidade do impacto negativo da saúde sobre o luto. Os resultados permitem-nos afirmar que a experiência de stressores de restabelecimento não está associada ao estado geral de saúde, contrariamente aos stressores de perda. De facto, parece que a uma melhoria no estado geral de saúde não corresponde um aumento na experiência de stressores de restabelecimento. Um conjunto de possibilidades pode estar por detrás deste resultado. Na ausência desta associação, parecenos que os resultados obtidos apontam para uma necessidade sentida pelas participantes de terem o seu tempo para orientar a sua atenção para os stressores de restabelecimento. Pode ser que as participantes deste estudo, precisem de mais tempo do que aquele que o estudo durou para obterem valores mais elevados de stressores de restabelecimento e, dessa forma, conseguirem relações desses stressores com o estado geral de saúde. Parece ser mais natural, para estas participantes, orientarem a sua atenção para aspetos relacionados com a morte do falecido marido, nem que isso se faça à custa de uma saúde debilitada, deixando para momentos mais tardios os stressores de restabelecimento. Pode, também, ser que as mudanças nos stressores de restabelecimento não terem sido suficientes o que levou a que não houvesse associação com a melhoria da saúde. Podemos propor, também, que a associação do restabelecimento com a saúde acabe por ser uma relação muito complexa e semelhante à relação que a saúde tem com outras variáveis em qualquer outro momento do ciclo de vida. Quanto às estratégias de coping, os resultados sugerem que se quiséssemos alterar o estado geral de saúde treinando algumas estratégias de coping poderíamos ver fracassados os nossos esforços. Parece, portanto, haver uma autorregulação, não dependente das estratégias que a pessoa usa, mas parece depender mais da experiência dos stressores de perda que, embora tenham uma associação negativa com a saúde, esta está datada no tempo. Confirmamos a hipótese de que o estado geral de saúde apresenta uma associação negativa com os stressores de perda. Não foram validadas as hipóteses referentes às associações entre o estado geral de saúde e as estratégias, nomeadamente as estratégias de confronto e evitamento com os dois tipos de stressores, uma vez que não encontramos associações entre as estratégias e o estado geral de saúde das participantes. Relativamente ao comportamento dos stressores e das estratégias de coping das participantes com um estilo de vinculação seguro, os resultados revelaram que a intensidade dos stressores de perda no Tempo 1 foi superior à intensidade experienciada no Tempo 5. Significa que as participantes com um estilo de vinculação seguro, bem cedo no luto, experienciam níveis elevados de dor e sofrimento intenso, mas que com o passar do tempo 307 parecem diminuir. Talvez seja, que os stressores de perda tenham perdido o seu poder stressante, mas também que estas participantes tenham encontrado outros stressores para os quais tenham dirigido a sua atenção - stressores de restabelecimento. De notar também, que, só passados 17 meses após a perda, é que a intensidade colocada na experiência dos stressores de perda diminui para estas participantes. Esta constatação leva-nos a supor que menos um mês ou dois poderia não ser suficiente para observarmos este decréscimo na intensidade dos stressores de perda. Relativamente aos stressores de restabelecimento não foram encontradas diferenças significativas ao nível destes stressores em função do momento temporal para as participantes com um estilo de vinculação seguro. De igual modo, não foram encontradas diferenças significativas ao nível das estratégias de coping em função do momento temporal para as participantes com um estilo de vinculação seguro. Significa que a experiência de stressores de restabelecimento e a utilização de estratégias de coping pelas participantes com um estilo de vinculação seguro não é alterada. A literatura diz-nos que os indivíduos seguros oscilam de forma equilibrada entre SOP e SOR, que os laços que os unem ao cônjuge falecido vão-se desprendendo, que não sofrem de forma excessiva e que gradualmente vão dirigindo a sua atenção para o restabelecimento (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Neste estudo os dados não nos permitiram observar diferenças significativas no comportamento dos stressores de restabelecimento e das estratégias de coping das participantes com um estilo de vinculação seguro, fazendo com que a nossa hipótese obtenha uma confirmação parcial, isto é, que as participantes com um estilo de vinculação seguro experienciam menos intensamente os stressores de perda ao longo do tempo. Quanto às participantes com estilo de vinculação preocupado e com estilo de vinculação desligado, a discussão dos resultados obtidos é realizada com base nos dados da estatística descritiva. Participantes com estilo de vinculação seguro Os resultados obtidos na estatística descritiva relativamente às participantes com o estilo de vinculação seguro, parecem refletir o processo de oscilação entre os stressores de perda e restabelecimento, conforme proposto por Schut e Stroebe (1999). De facto, todas as categorias de stressores foram pontuadas em todos os momentos. Os stressores de restabelecimento registam pontuações relativamente mais baixas que os stressores de perda em todos os momentos temporais, parecendo acompanhar em sentido inverso o comportamento dos SOP. Estes dados sugerem-nos a existência de uma oscilação das participantes entre os SOP e os SOR, tal como define a literatura para este estilo de 308 vinculação, com valores ligeiramente mais elevados de SOP no primeiro momento. No coping de confronto com os SOP as participantes apresentam pontuações mais elevadas que no coping de evitamento com os mesmos stressores, o que nos parece natural, tendo em conta que as pontuações de SOP são igualmente elevadas. A atividade relacionada com estratégias de confronto com a perda é, portanto, mais intensa que a de evitamento devido a uma maior inevitabilidade e talvez necessidade de experienciar stressores de perda. O mesmo acontecendo com as estratégias de confronto com o restabelecimento, com pontuações mais elevadas, uma vez que os SOR são, da mesma forma que os SOP, confrontados pelas participantes. Os dados permitem-nos pensar que eventualmente, um luto bem-sucedido apresentará um perfil desta natureza em que à experiência de SOP se sucede a experiência de SOR e, à experiencia de estratégias de confronto se sucedem estratégias de evitamento e vice-versa. A hipótese é confirmada pelos resultados. Participante com estilo de vinculação Preocupado Segundo Stroebe, Schut e Stroebe (2005), os indivíduos com este estilo de vinculação notam que os outros se mostram relutantes em se aproximar deles tanto quanto gostariam. Querem ficar muito perto dos outros, mas sabem que isto os assusta e afasta. Mostram-se incapazes de lidar com sentimentos relacionados com a vinculação e não possuem autoconfiança. Perante a perda tendem a ser muito emotivos e preocupados. Tendem a focar a atenção, mais que aqueles com outros estilos, na orientação para a perda, apresentando maiores probabilidades de desenvolver um luto crónico. O facto de esta participante com estilo de vinculação preocupado, registar os valores de pontuação mais elevada junto dos SOP (mais que junto dos SOR) e das ECP (mais que junto das EEP) parece indicar uma predominância da atenção para estes stressores e para as estratégias de confronto com os mesmos, tal como o postula Stroebe, Schut e Stroebe (2005). Ao longo dos cinco momentos temporais a atenção desta participante para os stressores de perda diminuiu, o que parece não suportar o postulado por Stroebe, Schut e Stroebe (2005), isto é que estes indivíduos ficariam “presos” na orientação para a perda, mostrando pouco progresso em direção à adaptação. Este comportamento perante os SOP poderá encontrar uma resposta nos elementos que caracterizam o estilo de vinculação desta participante, nomeadamente, a emoção provocada, talvez, pela concentração em aspetos relacionados com a perda e a preocupação, talvez, pela ausência de confiança em si própria. Relativamente à atenção dirigida para os SOR, as pontuações no momento seguinte são sempre mais elevadas que no momento anterior, com exceção do Tempo 5 em que a 309 pontuação é menor que no Tempo 4. Mais uma vez, o comportamento desta dimensão não se coaduna com as características dos indivíduos com este padrão de luto preocupado. As EEP registaram pontuações baixas em todos os tempos, parecendo revelar que a participante se encontra pouco ativa a evitar a perda. Vimos, aliás, que ela participa de uma forma mais ativa no confronto com aspetos relacionados com a perda. A utilização de ECR e EER registam, igualmente pontuações baixas, as quais poderão justificar a reduzida intensidade desta participante no uso de estratégias de confronto e evitamento do restabelecimento. Os resultados das pontuações obtidas por esta participante na sua experiência com os stressores e com as estratégias suportam a hipótese formulada relativamente aos stressores, mas não em relação às estratégias de coping. Participante com estilo de vinculação Desligado O indivíduo com este estilo revela falta de confiança nos outros, uma independência compulsiva e uma tendência para evitar e suprir emoções relacionadas com vinculações. Perante a perda, provavelmente, evitará sofrer e muito menos chorar (Stroebe, Schut & Stroebe, 2005). Ao longo dos cinco momentos temporais as pontuações dos stressores de restabelecimento desta participante foram mais elevadas que as pontuações dos stressores de perda. Significa que esta participante orienta a sua atenção, predominantemente, para os SOR, confirmando a caracterização que Hansson e Stroebe (2007) fazem dos indivíduos com este estilo de vinculação em termos de modelo dual de processar o luto, isto é, orientam a sua atenção para stressores de restabelecimento, adiando e inibindo o luto. As pontuações elevadas de evitamento da perda, em comparação com as de confronto com a perda, parecem coadunar-se com as características do estilo de vinculação desta participante, nomeadamente o evitamento do sofrimento e do choro. De facto, a participante parece manter-se mais ativa e empenhada na tarefa de evitar sofrer do que no confronto com a dor e a perda. Já as pontuações das estratégias de confronto com o restabelecimento foram mais elevadas que as pontuações das estratégias de confronto com a perda, sugerindo uma possível relação com as pontuações mais elevadas de stressores de restabelecimento. Verificámos que as pontuações das estratégias de confronto com o restabelecimento são superiores às de estratégias de evitamento com o mesmo tipo de stressores, confirmando que a participante se encontra ativamente empenhada em orientar a sua atenção para os stressores de restabelecimento e em lidar com eles utilizando estratégias de confronto com esses stressores. Os resultados apresentados suportam a hipótese formulada. 310 Relativamente ao autorrelato do PPL-13 identificámos uma participante com perturbação prolongada do luto. É uma pessoa enlutada (Critério A), que experiencia diariamente, de uma forma intensa, sentimentos de saudade, de tristeza e de ansiedade em relação á pessoa que faleceu (Critério B). Os sintomas referidos no critério B foram experienciados pelo menos diariamente durante um período de 6 meses após a perda ter ocorrido (Critério C); experiencia cinco dos sintomas cognitivos, emocionais e comportamentais diariamente e com frequência (Critério D) e, finalmente, experiencia uma significativa redução nas suas capacidades sociais e ocupacionais ou na realização de tarefas diárias (Critério E). Trata-se de uma participante com 76 anos de idade, sem escolaridade, com dois filhos e cujo marido morreu de uma doença prolongada. No questionário sociodemográfico relata que às vezes sente necessidade de ser ajudada por familiares a processar a perda. Apresenta um estilo de vinculação seguro e, segundo Stroebe, Schut e Stroebe (2005), oscilaria de uma forma equilibrada entre os stressores de perda e de restabelecimento, exprimindo e experienciando de uma forma moderada as suas emoções. No entanto, não verificamos este padrão na participante com PPL. Esta parece focar em demasia a sua atenção e preocupação nos stressores orientados para a perda, evidenciando pouca ou nenhuma oscilação entre os stressores orientados para a perda e para o restabelecimento. Com efeito, facilmente detetamos alguma identificação com o modelo dual de processar o luto, especialmente, no Critério D que engloba aspetos centrais da orientação para a perda, por exemplo. É o caso da não aceitação da perda ou da saudade imensa da pessoa falecida. Da mesma forma, esta participante revela ser difícil fazer novos amigos, perseguir novos interesses e prosseguir com a sua vida, ou seja é-lhe difícil lidar com stressores de restabelecimento. Ocorre-nos dizer, também, que o destaque dos aspetos vinculativos no conjunto dos sintomas parece apontar para a influência destes na vulnerabilidade para o luto complicado ou melhor dizendo, para uma perturbação prolongada do luto. Refira-se, ainda, que no terceiro momento do estudo, correspondente à primeira aplicação do PPL-13, a pontuação de saúde da participante é mais elevada que no quarto e quinto momento, apresentando, portanto, um estado geral de saúde mais pobre, o qual poderá ter contribuído para a presença da perturbação prolongada do luto, limitando, por exemplo, o desempenho de tarefas diárias. A PPL pode ter a ver com fatores que estão para além da boa capacidade de estabelecer laços Concluímos que, para esta participante, a perturbação prolongada do luto significa uma orientação mais demorada no tempo para os stressores de perda e, provavelmente, para o seu confronto 311 PARTE VI - Conclusão 312 As conclusões deste trabalho têm como base os objetivos e o modelo teórico que orientaram sua realização. Subjacente a todo o processo que levou à realização deste trabalho esteve sempre a operacionalização do Modelo Dual de Processar o Luto através dos inventários de stressores e de estratégias que construímos para o efeito. São instrumentos sujeitos a reformulações e, por isso, preferimos chamar-lhes versões para investigação. Organizaremos esta nossa conclusão em cinco pontos: 1º. Com o primeiro estudo fornecemos dois instrumentos de avaliação dos stressores e das estratégias de coping com o luto que são versões de investigação, alguns deles com uma boa consistência interna satisfatória. 2º. A evolução da experiência dos stressores de perda forneceu suporte empírico parcial ao Modelo Dual de Processar o Luto; especificamente confirmou-se a diminuição significativa da experiência dos stressores aos 17 meses da perda. Não confirmámos o aumento significativo da experiência dos stressores de restabelecimento. A ausência da confirmação empírica do aumento destes últimos stressores pode ser devido ao facto de a população idosa e, sobretudo a muito idosa, encararem as tarefas de restabelecimento como muito mais difíceis e, precisando, por isso de mais tempo para o fazer do que o tempo que durou a este estudo. 3º. Relativamente à idade constatou-se que o grupo de idade mais baixa experienciou os stressores de perda de forma menos significativa após 17 meses da perda, enquanto que no grupo com mais de 75 anos não houve variação. Quanto à variável escolaridade as estratégias de evitamento com a perda são menos utilizadas 17 meses após a perda, para as participantes com escolaridade. Relativamente às circunstâncias da morte os resultados revelaram que a intensidade dos stressores de perda diminuiu 17 meses após esta ter ocorrido para as participantes cuja morte do marido era esperada. 4º. A utilização de estratégias de evitamento da perda diminuiu de forma significativa após 17 meses da perda. 5º. Verificámos uma associação positiva consistente, ao longo do tempo, entre a saúde e a experiência dos stressores de perda, ou seja, a uma saúde mais pobre esteve associada uma maior experiência de stressores de perda. A experiência dos stressores de perda das participantes com um estilo de vinculação seguro diminuiu significativamente, após 17 meses. Relativamente ao autorrelato do PPL-13 identificámos uma participante com perturbação prolongada do luto. 313 Os resultados obtidos mostraram que muitas das mudanças registadas ocorreram após 17 meses de luto. De facto, no caso da sáude, por exemplo, esta só registou sinais de melhoria após 17 meses de perda. Os resultados por nós obtidos parecem alinhar-se nesta ideia geral de que a perda do cônjuge em pessoas idosas leva a uma diminuição do estado geral de saúde, que só é interrompida passados vários meses sendo que uns estudos apontam 6 meses (Martikainen & Valkonen, 1996), outros apontam 18 (Bonanno, Wortman & Nesse, 2004) e o nosso estudo só aponta para a partir dos 17 meses. O facto de, com os instrumentos de medida que utilizámos, confirmarmos o modelo teórico que lhes serviu de suporte é uma forma de os validarmos. Conseguimos ver esta validação nos comportamentos dos stressores de perda ao longo do tempo e na correlação encontrada entre os stressores de perda e a saúde. Verificámos que os stressores de perda aumentavam ao mesmo tempo que a saúde piorava. Como não se encontrou relação entre a saúde e as estratégias de coping é de supor que houve um efeito direto bidirecional entre os stressores e a saúde: a experiência poderia diminuir a saúde e a diminuição da saúde poderia fazer com que se experienciassem mais intensamente os stressores de perda. A operacionalização do Modelo Dual de Processar o Luto, nosso principal objetivo, não se limitou a avaliar o comportamento dos stressores junto de um grupo de pessoas idosas enlutadas. Quisemos ir mais longe e aos stressores juntámos as estratégias de coping. De facto, não fazia sentido explorar este modelo sem conhecermos as estratégias utilizadas pelas participantes para confrontarem ou evitarem os stressores de perda e restabelecimento, porque este é, fundamentalmente, um modelo de coping. Construímos os nossos próprios instrumentos, traduzimos outros e fomos ver como se comportavam os stressores e as estratégias face a outras variáveis. Escolhemos compreender o processo de luto das pessoas idosas enlutadas ao longo de um período de dezassete meses, ou seja, optámos por fazê-lo longitudinalmente o que para nós constituiu um grande desafio, mas só assim, mais uma vez, fazia sentido desenvolver um estudo sobre o processo de luto. A realização deste trabalho não se encontra, contudo, isenta de limitações. Assim consideramos que a expressividade dos resultados, enquanto suporte empírico do Modelo Dual de Processar o Luto de Stroebe e Schut (1999) fosse maior, caso o número de participantes fosse mais substancial. O reduzido número de participantes não permite a generalização dos resultados obtidos, pelo que estes devem ser vistos com alguma cautela. Contudo, a dificuldade em conseguir uma amostra significativa neste tipo de estudos tem sido constatada em outros estudos (Carr, & Boerner, 2009). A característica longitudinal do trabalho também não está 314 isenta de alguns riscos, nomeadamente a mortalidade da amostra, o que no nosso caso contribuiu decisivamente para um reduzido número de participantes acessíveis nos cinco momentos do estudo. Em termos de próximos passos da investigação seria a replicação deste estudo com um número muito mais extenso de participantes e utilizar procedimentos adequados para se conseguir um instrumento mais breve e, simultaneamente, preciso na avaliação do luto de acordo com o modelo dual. Para quem goste de metodologia qualitativa poder-se-ia construir uma versão de entrevista com base nestes inventários fazendo assim o prosseguimento do estudo de validação deste instrumento com amostras mais numerosas. Em termos de implicações práticas, os resultados indicam que um processo de ajuda às pessoas idosas que sofreram uma perda conjugal é um processo que tem de integrar de forma adaptada a cada indivíduo, a compreensão dos stressores de perda e de restabelecimento bem como o uso de formas de coping de confronto e de evitamento com a perda e com o restabelecimento. Consideramos, igualmente, que o modelo que serviu de suporte teórico e prático a este trabalho, poderá ser integrado em programas educativos que legitimem e validem a experiência de perda sentida pelos adultos idosos, promovendo o coping de confronto e de evitamento não só com aspetos da perda, mas também com aspetos do restabelecimento. 315 PARTE VII - Referências 316 Ahern, M, M., & Hendryx, M. (2008). Community Participation and the Emergence of Late-Life Depressive Symptoms: Differences between Women and Men. Journal of Women’s Health, 17, 1463-1470. doi: 10.1089/jwh.2007.0752 Ainsworth, S, D, M., & Bowlby, J. (1999). 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Ou seja, se aceitar colaborar neste estudo encontrar-se-á comigo 5 vezes. O que podemos garantir-lhe? Absoluta confidencialidade das suas respostas. Ninguém saberá o nome da pessoa que respondeu ao questionário, pois cada uma terá um código. A participação neste estudo não acarreta prejuízos ou problemas de qualquer ordem. Não há qualquer registo de alguém que tenha ficado doente por ter participado em estudos desta natureza. Se precisar de ajuda psicológica nós podemos indicar-lhe um profissional acreditado. Após conhecer as condições do estudo, aceita participar? Se sim por favor assine na linha abaixo _______________________________________________ Código: _____________ 343 QUESTIONÁRIO SÓCIO-DEMOGRÁFICO Este questionário destina-se a recolher elementos caracterizadores das pessoas enlutadas participantes. 1. Idade 2. Morada _______________________________________________ 3. Tempo de viuvez 4. Habilitações Académicas _____________________ 5. Nº de filhos 6. Vive sozinha? Sim Não 7. Se respondeu “Não”, com quem vive? _______________________ 8. Com o falecimento do seu marido, surgiu algum problema de saúde que não tenha tido antes? Sim Não 8.1 Qual ________________________________________________ 9. Em que circunstâncias faleceu o seu marido? ___________________ 10. Que outras perdas de pessoas queridas sofreu até à morte do seu marido? ___________________________________________________ 11. Considera que precisa de ajuda para processar o luto? Sim Não Às vezes 11.1 Que tipo de ajuda? Amigos Familiares Igreja Médica (psicólogo, médico de família…) De outras pessoas que já passaram pela mesma experiência 344 345 G.H.Q. (Goldberg, 1981) adaptado por McIntyre, McIntyre & Redondo, 1999 © Gostávamos de saber como se tem sentido e como tem sido a sua saúde, de uma maneira geral, nas últimas semanas. Por favor, responda a todas as questões assinalando a resposta que mais se aplica a si, com X, no respectivo quadrado, uma só resposta por cada pergunta. Lembre-se que queremos informações sobre como se sente no presente ou como se tem sentido recentemente, não sobre como se sentiu no passado. É importante que tente responder a todas as questões. Obrigado pela sua colaboração. Ultimamente, PERGUNTAS RESPOSTAS Como Menos que habitualmente habitualmente 1. Tem conseguido concentrar-se no Melhor que habitualmente que faz? Muito menos que habitualmente 2. Tem perdido muitas horas de sono devido a preocupações? Não, de maneira Não mais que nenhuma habitualmente Pouco mais que habitualmente 3. Tem sentido que tem um papel importante nas coisas em que se envolve? Mais que habitualmente Como habitualmente Menos importante Muito menos que que habitualmente habitualmente 4. Tem-se sentido capaz de tomar decisões? Mais que habitualmente Como habitualmente Menos que habitualmente Muito menos que habitualmente 5. Tem-se sentido constantemente sob pressão? Não, de maneira Não mais que nenhuma habitualmente Pouco mais que habitualmente Muito mais que habitualmente 6. Tem sentido que não consegue ultrapassar as suas dificuldades? Não, de maneira Não mais que nenhuma habitualmente Pouco mais que habitualmente Muito mais que habitualmente 7. Tem sentido prazer nas suas actividades diárias? Mais que habitualmente Como habitualmente Menos que habitualmente Muito menos que habitualmente 8. Tem sido capaz de enfrentar os problemas? Mais que habitualmente Como habitualmente Menos que habitualmente Muito menos que habitualmente 9. Tem-se sentido triste e deprimida? Não, de maneira Não mais que nenhuma habitualmente Pouco mais que habitualmente Muito mais que habitualmente 10. Tem perdido a confiança em si própria? Não, de maneira Não mais que nenhuma habitualmente Pouco mais que habitualmente Muito mais que habitualmente 11. Tem pensado em si própria como Não, de maneira Não mais que nenhuma habitualmente uma pessoa com valor? Pouco mais que habitualmente Muito mais que habitualmente 12. Tem-se sentido razoavelmente Mais que feliz, tendo em consideração todas habitualmente as coisas? Menos que habitualmente Muito menos que habitualmente Como habitualmente 346 Muito mais que habitualmente INVENTÁRIO DE STRESSORES ORIENTADOS PARA A PERDA E PARA O RESTABELECIMENTO (ISOPR) Instruções Na seguinte tabela irá encontrar aspectos com os quais as viúvas necessitam de lidar após a morte do marido. Queremos que indique quanto tempo dedicou a cada aspecto nos últimos dias. Aspectos Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre vezes aplicável quando a mim 1. Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo. 0 1 2 3 4 5 2. Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu. 0 1 2 3 4 5 3. Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido. 0 1 2 3 4 5 4. Penso nos aspetos legais, relacionados com heranças, que se seguiram à morte do meu marido. 0 1 2 3 4 5 5. Passo o tempo a sentir a falta do meu marido. 0 1 2 3 4 5 6. Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido. 0 1 2 3 4 5 7. Descobri que a relação que eu tinha com vários dos nossos amigos mudou, após a morte do meu marido, 0 1 2 3 4 5 8. Penso em recuperar o contacto social com as outras pessoas. 0 1 2 3 4 5 347 Não Aspectos Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre vezes aplicável quando 9. Falo marido. sobre o a mim meu 0 1 2 3 4 5 10. Cuido da minha saúde, agora mais debilitada. 0 1 2 3 4 5 11. Penso no que podia ter feito pelo meu marido. 0 1 2 3 4 5 12. Estou sempre a pensar no meu marido. 0 1 2 3 4 5 13. Não posso aceitar que o meu marido morreu. 0 1 2 3 4 5 14. Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos. 0 1 2 3 4 5 15. Penso, predominantemente, minha nova condição viúva. 0 1 2 3 4 5 16. Cuido de alguém física ou mentalmente necessitado sem a ajuda do meu marido. 0 1 2 3 4 5 17. Sinto-me sozinha, agora que o meu marido morreu. 0 1 2 3 4 5 18. Vivo com dificuldades financeiras, agora que o meu marido morreu. 0 1 2 3 4 5 19. Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo. 0 1 2 3 4 5 20. Penso no quanto o meu marido me fez sofrer 0 1 2 3 4 5 na de 348 Não Aspectos Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre vezes aplicável quando a mim com a sua morte. 21. Penso em deixar a minha casa e ir viver para a casa do meu filho. 0 1 2 3 4 5 22. Olho para velhas fotografias e pertences do meu marido. 0 1 2 3 4 5 23. Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas. 0 1 2 3 4 5 24. Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido. 0 1 2 3 4 5 25. Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido. 0 1 2 3 4 5 349 Não INVENTÁRIO DE STRESSORES ORIENTADOS PARA A PERDA E PARA O RESTABELECIMENTO (ISOPR) Instruções Na seguinte tabela irá encontrar aspectos com os quais as viúvas necessitam de lidar após a morte do marido. Queremos que indique quanto tempo dedicou a cada aspecto nos últimos 4 meses. Aspectos Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre vezes aplicável quando a mim 1. Penso em ir para um lar, agora que o meu marido já não vive comigo. 0 1 2 3 4 5 2. Sinto a presença do meu marido em casa desde que ele morreu. 0 1 2 3 4 5 3. Penso nas circunstâncias que rodearam a morte do meu marido. 0 1 2 3 4 5 4. Penso nos aspectos legais, relacionados com heranças, que se seguiram à morte do meu marido. 0 1 2 3 4 5 5. Passo o tempo a sentir a falta do meu marido. 0 1 2 3 4 5 6. Faço as coisas que antes eram da responsabilidade do meu marido. 0 1 2 3 4 5 7. Descobri que a relação que eu tinha com vários dos nossos amigos mudou, após a morte do meu marido, 0 1 2 3 4 5 8. Penso em recuperar o contacto social com as outras pessoas. 0 1 2 3 4 5 350 Não Aspectos Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre vezes aplicável quando a mim 9. Falo sobre o meu marido. 0 1 2 3 4 5 10. Cuido da minha saúde, agora mais debilitada. 0 1 2 3 4 5 11. Penso no que podia ter feito pelo meu marido. 0 1 2 3 4 5 12. Estou sempre a pensar no meu marido. 0 1 2 3 4 5 13. Não posso aceitar que o meu marido morreu. 0 1 2 3 4 5 14. Penso na boa relação que tivemos durante todos estes anos. 0 1 2 3 4 5 15. Penso, predominantemente, na minha nova condição de viúva. 0 1 2 3 4 5 16. Cuido de alguém física ou mentalmente necessitado sem a ajuda do meu marido. 0 1 2 3 4 5 17. Sinto-me sozinha, agora que o meu marido morreu. 0 1 2 3 4 5 18. Vivo com dificuldades financeiras, agora que o meu marido morreu. 0 1 2 3 4 5 19. Imagino, frequentemente, como o meu marido iria reagir ao meu comportamento se ele fosse vivo. 0 1 2 3 4 5 351 Não Aspectos Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre vezes aplicável quando a mim 20. Penso no quanto o meu marido me fez sofrer com a sua morte. 0 1 2 3 4 5 21. Penso em deixar a minha casa e ir viver para a casa do meu filho. 0 1 2 3 4 5 22. Olho para velhas fotografias e pertences do meu marido. 0 1 2 3 4 5 23. Após a morte do meu marido tive que aprender novas tarefas. 0 1 2 3 4 5 24. Realizo as habituais tarefas domésticas após a morte do meu marido. 0 1 2 3 4 5 25. Penso nos sonhos perturbadores que tenho com o meu marido. 0 1 2 3 4 5 352 Não INVENTÁRIO DE ESTRATÉGIAS DE COPING ORIENTADAS PARA A PERDA E PARA O RESTABELECIMENTO (IECOPR) Instruções As viúvas apresentam formas diferentes de lidar com a perda. A seguir irá encontrar uma lista de itens representando estas formas de lidar com a perda. Queremos que indique quanto tempo gastou em cada um dos aspectos, nos últimos dias. Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando 1. Vou ao cemitério para estar com o meu marido. 2. Rezo mais do que o costume para que seja possível ficar mais optimista. 3. Vou à igreja para falar com Deus acerca dos sentimentos de tristeza. 4. Olho para velhas fotografias do meu falecido marido. 5. Não evito expressar os meus sentimentos de perda. 6. Quando me recordo dos maus momentos que passei com o meu marido procuro ver-me livre deles. 7. Todas as perdas que já vivi dão-me alguma força emocional para enfrentar esta. 8. Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido. 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 353 Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando 9. Gosto de falar com o meu marido, para o manter perto de mim. 10. Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido. 11. Procuro o apoio emocional da minha família para enfrentar esta dor. 12. Penso que ele foi fazer uma viagem e que vai regressar. 13. Às vezes penso para mim própria: “isto não me está a acontecer, vou acordar e ele vai estar ao meu lado”. 14. Deixo-me ir como se esta morte não tivesse acontecido. 15. Tento esquecer que o meu marido está realmente morto. 16. Recuso-me a pensar muito acerca da minha dor. 17. Desejo que estes momentos de dor acabem. 18. Tento manter-me ocupada para me distrair da dor. 19. Aceito a realidade do que aconteceu. 20. Escondo todas as fotografias do meu marido para não sofrer quando olho para elas. 21. Evito pensar em coisas dolorosas relacionadas 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 354 Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando com a morte do meu marido. 22. Evito ir a sítios que me fazem lembrar o meu marido. 23. Durmo mais que o costume, assim não penso na morte do meu marido. 24. Quero que as coisas voltem a ser o que eram com as pessoas que conhecia. 25. Faço exercício físico para ficar com mais força e lidar com estas coisas que surgiram com a morte do meu marido. 26. Confio nos meus filhos para me levarem ao médico. 27. Poupei algum dinheiro. 28. A minha família ajuda-me a lidar com alguns aspectos que antes eram da responsabilidade do meu marido. 29. Procuro a ajuda de grupos de inter-ajuda para me ajudar a lidar com esta dor. 30. Evito fazer o meu trabalho de casa diário tal como fazia antes da morte do meu marido. 31. Recuso-me a olhar para a minha nova situação como viúva. 32. Dou-me conta com esta perda de que posso viver a minha vida de outra maneira. 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 355 Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando 33. Tento arranjar apoio social para me ajudar a lidar com aspectos que só o meu marido era capaz de fazer. 34. Decidi casar outra vez. 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 35. Vejo televisão, vou ao cinema ou passear, para não pensar tanto nas mudanças da minha vida. 36. Faço coisas novas que o meu marido sempre me encorajou a fazer. 37. Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida. 38. Quando me aparecem coisas novas para fazer sou capaz de as deixar por fazer para fazer tarefas mais antigas. 39. Foco-me no próximo passo, no que precisa de ser feito. 40. É mais típico de mim esperar, ao invés de fazer alguma coisa para que algo aconteça. 41. Saio com os meus amigos, para tentar restabelecer o contacto com eles, desde a morte do meu marido. 42. Decido ir dar uma volta para evitar a minha dor. 43. Desisti de tentar cuidar de alguém física ou mentalmente necessitado. 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 356 Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando 44. Tento não pensar que tenho que continuar com as minhas actividades normais. 0 1 2 357 3 4 5 INVENTÁRIO DE ESTRATÉGIAS DE COPING ORIENTADAS PARA A PERDA E PARA O RESTABELECIMENTO (IECOPR) Instruções As viúvas apresentam formas diferentes de lidar com a perda. A seguir irá encontrar uma lista de itens representando estas formas de lidar com a perda. Queremos que indique quanto tempo gastou em cada um dos aspectos, nos últimos quatro meses. Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando 1. Vou ao cemitério para estar com o meu marido. 2. Rezo mais do que o costume para que seja possível ficar mais optimista. 3. Vou à igreja para falar com Deus acerca dos sentimentos de tristeza. 4. Olho para velhas fotografias do meu falecido marido. 5. Não evito expressar os meus sentimentos de perda. 6. Quando me recordo dos maus momentos que passei com o meu marido procuro ver-me livre deles. 7. Todas as perdas que já vivi dão-me alguma força emocional para enfrentar esta. 8. Uso medicação para manter afastados estes pensamentos acerca das circunstâncias que rodearam a morte do meu marido. 9. Gosto de falar com o meu marido, para o manter perto de mim. 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 358 Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando 10. Foco a minha atenção em lembrar todas as situações agradáveis que vivi com o meu marido. 11. Procuro o apoio emocional da minha família para enfrentar esta dor. 12. Penso que ele foi fazer uma viagem e que vai regressar. 13. Às vezes penso para mim própria: “isto não me está a acontecer, vou acordar e ele vai estar ao meu lado”. 14. Deixo-me ir como se esta morte não tivesse acontecido. 15. Tento esquecer que o meu marido está realmente morto. 16. Recuso-me a pensar muito acerca da minha dor. 17. Desejo que estes momentos de dor acabem. 18. Tento manter-me ocupada para me distrair da dor. 19. Aceito a realidade do que aconteceu. 20. Escondo todas as fotografias do meu marido para não sofrer quando olho para elas. 21. Evito pensar em coisas dolorosas relacionadas com a morte do meu marido. 22. Evito ir a sítios que me 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 359 Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando fazem lembrar o meu marido. 23. Durmo mais que o costume, assim não penso na morte do meu marido. 24. Quero que as coisas voltem a ser o que eram com as pessoas que conhecia. 25. Faço exercício físico para ficar com mais força e lidar com estas coisas que surgiram com a morte do meu marido. 26. Confio nos meus filhos para me levarem ao médico. 27. Poupei algum dinheiro. 28. A minha família ajuda-me a lidar com alguns aspectos que antes eram da responsabilidade do meu marido. 29. Procuro a ajuda de grupos de inter-ajuda para me ajudar a lidar com esta dor. 30. Evito fazer o meu trabalho de casa diário tal como fazia antes da morte do meu marido. 31. Recuso-me a olhar para a minha nova situação como viúva. 32. Dou-me conta com esta perda de que posso viver a minha vida de outra maneira. 33. Tento arranjar apoio social para me ajudar a lidar com aspectos que só o meu marido era capaz 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 360 Formas de lidar com o luto Nunca Raramente De vez Às vezes em Muitas Sempre Não aplicável vezes a mim quando de fazer. 34. Decidi casar outra vez. 35. Vejo televisão, vou ao cinema ou passear, para não pensar tanto nas mudanças da minha vida. 36. Faço coisas novas que o meu marido sempre me encorajou a fazer. 37. Quando estou em sofrimento, ou não sei mais que fazer, creio que irá haver um momento certo para ficar de bem com a minha vida. 38. Quando me aparecem coisas novas para fazer sou capaz de as deixar por fazer para fazer tarefas mais antigas. 39. Foco-me no próximo passo, no que precisa de ser feito. 40. É mais típico de mim esperar, ao invés de fazer alguma coisa para que algo aconteça. 41. Saio com os meus amigos, para tentar restabelecer o contacto com eles, desde a morte do meu marido. 42. Decido ir dar uma volta para evitar a minha dor. 43. Desisti de tentar cuidar de alguém física ou mentalmente necessitado. 44. Tento não pensar que tenho que continuar com as minhas actividades normais. 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5 361 362 PERTURBAÇÕES PROLONGADAS DO LUTO (PPL – 13) (Holly G. Prigerson & Paul K. Maciejewski) PARTE I – INSTRUÇÕES: ASSINALE EM CADA QUESTÃO O ITEM QUE CORRESPONDE À SUA RESPOSTA. 1. No último mês, com que frequência sentiu saudades da pessoa que perdeu? ________ 1= Nenhuma vez ________ 2 = Pelo menos uma vez ________ 3 = Pelo menos uma vez por semana ________ 4= Pelo menos uma vez por dia ________ 5 = Várias vezes por dia 2. No último mês, com que frequência teve sentimentos intensos de dor emocional, tristeza ou momentos de sofrimento relacionados com a relação que perdeu? ________ 1= Nenhuma vez ________ 2 = Pelo menos uma vez ________ 3 = Pelo menos uma vez por semana ________ 4= Pelo menos uma vez por dia ________ 5 = Várias vezes por dia 3. Relativamente às questões anteriores, 1 ou 2, experienciou-as diariamente durante um período de 6 meses? _______ Não _______ Sim 4. No último mês, com que frequência tentou evitar recordações da pessoa que perdeu? ________ 1= Nenhuma vez ________ 2 = Pelo menos uma vez ________ 3 = Pelo menos uma vez por semana ________ 4= Pelo menos uma vez por dia ________ 5 = Várias vezes por dia 5. No último mês, com que frequência se sentiu estupefacta, chocada ou admirada com a sua perda? ________ 1= Nenhuma vez ________ 2 = Pelo menos uma vez ________ 3 = Pelo menos uma vez por semana 363 Demasiadamente Com frequência Às vezes De maneira nenhuma PARTE II – INSTRUÇÕES: POR CADA ITEM, POR FAVOR, INDIQUE COMO SE SENTE ACTUALMENTE. RODEIE O NÚMERO À DIREITA PARA INDICAR A SUA RESPOSTA. Ligeiramente ________ 4= Pelo menos uma vez por dia ________ 5 = Várias vezes por dia 6. Sente-se confusa acerca do seu papel na vida ou sente-se como não soubesse quem é (por outras palavras: sente-se como se uma parte de si morreu)? 7. Teve problemas em aceitar a perda? 8. Tem sido difícil para si confiar nos outros desde a sua perda? 9. Sente-se amarga por causa da sua perda? 10. Sente que seguindo em frente (ex: fazendo novos amigos, seguindo novos interesses) será difícil para si, agora? 11. Sente-se emocionalmente dormente desde a sua perda? 12. Sente que a sua vida está incompleta, vazia ou sem significado desde a sua perda? PARTE III – INSTRUÇÕES: ASSINALE EM CADA QUESTÃO O ITEM QUE CORRESPONDE À SUA RESPOSTA. 13. Experienciou uma redução significativa em áreas sociais, ocupacionais ou noutras áreas importantes de funcionamento (ex: responsabilidades domésticas)? ________ Não ________ Sim 364