LIVRO DIDÁTICO: UM ALIADO (?) PARA PROBLEMATIZAR
GÊNERO E HISTORIOGRAFIA NA SALA DE AULA
Maria de Lourdes Lose
Mestranda em História – Universidade Federal de Rio Grande (FURG)
Julia Silveira Matos
Universidade Federal de Rio Grande (FURG)
Considerando que, mesmo com as novas tecnologias, com a diversidade de
instrumentos que podem ser utilizados para enriquecer o ensino-aprendizagem, e
também verdade, que muitas escolas não tem acesso a estes meios. Nessa perspectiva, o
livro didático assume, ainda, papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem
estabelecido entre educadores e aprendentes. Compreende-se as críticas severas que a
forma de elaboração dos livros recebe, desde a centralização da sua confecção, passando
pela maneira de abordar os temas e, em muitos casos; como na questão da História das
mulheres, a constatação de lacunas ou ausências Sobre Como elas
participaram/participam da construção histórica. Constata-se, porém, que houve, a partir
do Programa Nacional do Livro Didático -PNLD, criado em 1985 e em 1996 iniciou a
ampla e gratuita distribuição dos livros didáticos para as escolas públicas de todo o
Brasil, uma certa configuração dos modelos de apresentação dos conteúdos, assim como
estendeu aos professores e professoras o direito de participação no processo de escolha
dos manuais escolares.
De acordo com Sonia Regina Miranda, a partir de 2005 ocorreu uma
transformação na área de História “de um cenário marcado pelo predomínio de obras
que veiculavam de modo explícito ou implícito, todo tipo de estereótipo e/ou
preconceitos, para um quadro em que predominam cuidados evidentes, por parte de
autores e editores” (2004: 127). Como discorreu a autora, embora com as ações políticas
adotadas, mesmo reconhecendo que houve avanços importantes e correções de rumo na
condução da elaboração dos 1ivros didáticos, observa-se ainda, ausências de abordagens
de alguns temas e, que mesmo quando apresentam as mulheres através de ilustrações,
estas não são citada nos textos e quando o são, é ainda reforçando uma construção social
dos papeis reservados a homens e a mulheres.
Ao considerar-se que existe insuficiência, ou até mesmo ausência, da
apresentação do tema gênero, feminismo, mulher, igualdade de direitos entre mulheres e
homens, seus papeis na sociedade, sob outra ótica, na construção da história. Propomos
no presente artigo analisar o livro didático intitulado História: Rio Grande do Sul, que
tem sido nos últimos editais do PNLD o único título aprovado para escolha e
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.388
distribuição para as escolas públicas no Rio Grande do Sul e portanto, o único manual
que chega às mãos dos alunos na rede de educação básica de todo o estado. Esse dado
nos instigou a refletir e analisar como nesse manual escolar, devido sua ampla
veiculação, eram representados os papeis do gênero feminino, pois tal representação
contribuiria para as apreensões e aprendizagem histórica sobre as funções sociais dos
gêneros.
Portanto, na presente análise partimos do entendimento
de que os fatos
históricos podem ser representados de maneiras diferenciadas nos livros didáticos e que,
a reprodução social sem critica baseada em seus conteúdos, contribui para a manutenção
do "status quo", deixando obscurecida uma importante discussão relacionada ao tema
que é a questão do "poder", entendido na sua forma mais abrangente, ou seja, poder
político institucional , poder econômico/social, poder no espaço público, e também no
espaço privado, poder religioso. Nessa perspectiva, na presente analise sobre o poder,
pensa-se ser indispensável que o conceito de gênero e suas nuances sejam estudados,
porque não há neutralidade no tratamento diferenciado, reduzido, muitas vezes, com que
as mulheres são retratadas.
Segundo Rachel Soihet e Joana Maria Pedro (2007: 281-300), a trajetória da
formação do campo historiográfico intitulado "História das Mulheres e das Relações de
Gênero" no Brasil é muito recente. E reportam-se aos movimentos sociais, movimentos
feministas como responsáveis pela inclusão deste tema nas pesquisas cientificas. A
"pressão politica" que estes movimentos constituíram refletiu-se nos trabalhos na
Academia. Ainda segundo as autoras, na década de 1980, na historiografia, inúmeras
pesquisas partiam da categoria "mulheres". Nessa trilha muitas pesquisadoras e
pesquisadores tem procurado destacar vivências comuns, os trabalhos, as lutas, as
sobrevivências, as resistências das mulheres no passado. Esse debate historiográfico nos
instiga a questionar: e as relações de gênero como tem sido trabalhadas na historiografia
didática brasileira? Para responder a tal problema, primeiro faz-se necessário, identificar
o significado desta palavra no contexto da sociedade.
Buscando-se o significado do conceito de gênero no dicionário Aurélio
encontra-se: "reunião de espécies que possuem vários caracteres comuns entre si;
conjunto de seres que apresentam qualidades semelhantes". E na gramática:
"propriedade que os substantivos possuem de indicar o sexos dos seres pela terminação
ou pela significação” Na língua portuguesa não há termo neutro, assim, de acordo com
Joana Maria Pedro:
Em português, como na maioria das línguas, todos os seres animados e inanimados
tem gênero. Entretanto, somente alguns seres vivos tem sexo. Nem todas as
espécies se reproduzem de forma sexuada; mesmo assim, as palavras que as
designam, na nossa língua, lhes atribuem um gênero. E era justamente pelo fato de
que as palavras, na maioria das línguas tem gênero, mas não tem sexo, que os
movimentos feministas e de mulheres, nos anos oitenta, passaram a usar esta
palavra "gênero" no lugar de "sexo". Buscavam, desta forma, reforçar a ideia, de
que as diferenças que só constatavam nos comportamentos de homens e de
mulheres não eram dependentes do “sexo" como questão biológica, mas sim eram
definidos pelo “gênero" e, portanto, ligadas a cultura. (PEDRO, 2005:77-98)
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.389
A representação construída sobre a vida das mulheres e dos homens resulta de
suas relações de gênero. E como as relações sociais entre elas e eles se dão, e também
como se dão as relações de poder. A partir desta compreensão, vê-se que há relações de
poder entre homens e homens, mulheres e mulheres, homens e mulheres, e assim se
constroem as relações sociais. Gênero tem sido desde a década de 1970, o termo usado
para priorizar a questão da diferença sexual (2009: SINDPD-PR). De acordo com
Andréa Gonçalves, entre as décadas de 1970-1980, a categoria gênero era empregada
nas análises históricas para “revelar as diferenças sexuais e os papeis sociais a partir das
significações históricas e socialmente construídas e designadas, de modo relacional,
-por mulheres e homens (...)" (GONÇALVES, 2006, p. 73). Entretanto, o conceito foi
resignificado e empregado não como forma de revelar as diferenças entre os sexos, mas
para demonstrar que a relação entre os sexos é construída dentro de uma interação
social, estabelecida em diferentes sociedades e momentos históricos. Portanto, para a
autora, o conceito de Gênero transcende a condição explicativa e adentra a esfera do
teórico, pois estabelece ao analisar uma dada maneira de olhar a realidade da vida (das
mulheres e dos homens) para compreender que as relações sociais entre mu1heres e
homens se constroem na esfera do poder. Assim, para compreendermos os gêneros,
precisamos antes entender suas relações sociais, de poder e dominação. Gênero seria um
conceito capaz de demonstrar as construções sociais, sobre os papeis definidos como
próprios para mulheres e homens. E de como mulheres e homens assumem seus papeis
em dada sociedade.
Pode-se, portanto, identificar "gênero", como um conjunto de caraterísticas
sociais, culturais, politicas, jurídicas, econômicas, psicológicas, atribuídas as pessoas de
forma diferenciada de acordo com o sexo'' (2009:SINDPD-PR): A utilização da palavra
"gênero" tem uma história que se funda a partir de movimentos sociais de mulheres,
feministas, gays, lésbicas; transexuais, transgêneros. Sua raiz vem das lutas por direitos
humanos, civis, por igualdade e respeito. Nessa direção, de acordo com Andreza de
Oliveira Andrade (2011), esses debates procuraram demonstrar que no processo de
formação das práticas sociais não existiriam identidades puras, mas forjadas
socialmente que delimitariam os corpos afetados pelas relações de poder inscritas nas
identidades que definiriam os papeis a serem executados por homens e mulheres e
portanto, naturalizados culturalmente.
Dessa forma, devido às diferenças hierárquicas construídas nas relações entre
homens e mulheres, às várias concepções a respeito da significação de mulher e de
homem, surge a dificuldade de identificar a construção do sujeito "mulher". Para tal,
faz-se necessário compreender a origem destas diferenças, sua construção e o
compromisso de desconstruir este paradigma da superioridade hierárquica seja nas
relações de poder institucional, como também nas relações pessoais, domésticas, no
ambiente familiar, no espaço privado. De acordo com Michele Perrot, historicamente,
dois estereótipos foram criados: o homens racionais e as mulheres emocionais, como se
fossem duas espécies humanas. Essa premissa contribuiu para que se desenvolvesse a
ideia de que as mulheres não poderiam estar à frente da política porque não agiriam de
acordo com as necessidades da coletividade e sim pelos caprichos de sua
emocionalidade (PERROT, 1988, p.179). Tais representaç5es dos gêneros naturalizadas
socialmente e culturalmente por tanto tempo, como aponta a autora, diante da inserção
das mulheres no mercado de trabalho já deveriam ter sido superadas, entretanto,
conforme demonstraremos em nossa análise do livro didático "História: Rio Grande do
Sul", esses estereótipos ainda se perpetuam no discurso historiográfico didático nos dias
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.390
atuais.
Portanto, verifica-se que o espaço escolar não tem contribuído para superar as
diferenças construídas socialmente, ha distinção entre meninas/meninos,
mulheres/homens, entre outras, ainda presentes no âmbito da escola - há a delimitação
de espaços utilizando-se símbolos, códigos e linguagem, como já referidos. Com as
práticas mantidas tornam-se "naturais" as diferenças entre homens e mulheres, como se
esta ordem não pudesse ser alterada. Qualquer rompimento com as “normas”
estabelecidas logo vem a censura e a exigência do “enquadramento”. Isso porque na
escola são produzidos e incorporados por meninas/meninos, mulheres/homens, os
movimentos, os sentidos, as descobertas, estas construções sociais e as individuais,
passam a fazer parte dos seus "costumes". Neste ambiente, é "ensinado" a ouvir, falar,
calar. É "ensinado" a preferir a ter uma conduta "adequada" às normas de convivência
social. Este "ensinamento" dá-se, de maneira, muitas vezes, sutil, de acordo com Dinis
(2008: 477-492).
O desafio posto as educadoras e aos educadores e utilizar o espaço escolar
para- incluir as discussões sobre cidadania, direitos humanos, logo, a inclusão de
grupos que eram relegados, grupos de gênero, de diversidade sexual. Para tanto, faz-se
necessário incluir os estudos de gênero nos cursos de formação docente, que educadoras
e educadores busquem realizar análise crítica de representações sexuais e de gênero
produzidas pela mídia. E buscar novas formas de linguagem, a “linguagem inclusiva", a
fim de "desconstruir as estruturas indenitárias binárias e excludentes, como homemmulher, heterossexual-homossexual, reproduzidas socialmente” (DINIS, 2008-: 477492).
Na atualidade, na Academia, para a construção de artigos, de trabalhos
científicos, não há “espaço” para a utilização de uma forma de linguagem que respeite
e reconheça as diferenças, que não conserve, através desta manifestação escrita, uma
forma excludente, que ainda continue utilizando a palavra "homem" para designar todos
os seres humanos.
Recentemente nosso Pais viveu um interessante debate sobre se a designação
do termo presidente da república deveria passar para o feminino. E ainda nos dias atuais
este debate está presente em alguns veículos de comunicação, em algumas mídias que
resistem no reconhecimento de que, por termos uma mulher na presidência da república,
sua designação deve ser Presidenta. Que esta flexão é também uma forma de luta por
garantia de direitos iguais. Há, embora as vezes inconsciente, uma reação ideológica. A
necessidade e de fazer esta discussão com as várias áreas do conhecimento está cada vez
mais evidente, principalmente quando se tem a clareza que a linguagem é também um
veículo de manutenção do "status quo", que através dela mantemos as interpretações
criadas. Até porque a língua está diretamente relacionada ao poder. Ha uma linguagem
erudita, fruto da norma culta e a linguagem “popular". Observa-se que se um indivíduo
das classes populares projeta-se socialmente e ainda não incorporou as falas cultas ao
seu linguajar, logo e ridicularizado ao manifestar-se da maneira que lhe é usual.
Segundo Carboni e Maestri,
na maioria das línguas, o gênero feminino dissolve-se por detrás do masculino,
expressando-se ideologicamente a ocultação patriarcal objetiva da mulher pelo
homem. Assim naturalizado no uso costumeiro, o conceito linguístico, por meio do
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.391
caráter aparentemente abrangente, sintético e neutro do gênero masculino, impõe
sua essência social, reforçando as relações de dominação patriarcal do mundo real
(2003: 6).
Como discorreram os autores, a permanência na linguagem de termos e
expressões masculinas para designar e representar ambos os gêneros revela o
conservadorismo próprio das estruturas de dominação patriarcal do passado ainda no
presente. Romper com essa dominação que determina e estabelece as relações e poder
entre os gêneros inclui também uma reflexão profunda sobre a linguagem enquanto
expressão das identidades e da cultura.
Dessa forma, ao final dessa breve discussão sobre o conceito de gênero e sua
proposta teórica, passaremos nesse segundo momento a analisar o livro didático
"História: Rio Grande do Sul", como forma de percebermos como se estruturam nesse
livro as representações do feminino em relação ao masculino na historiografia didática
regional.
Gênero e representação no livro didático
Compreendendo que o livro didático é, às vezes, a única fonte que educadores
tem para utilizar em sala de aula. Busca-se, nesse segundo momento relacionar as
categorias "gênero", "mulher" e identificar sua presença e ausência no livro didático que
ora é analisado "História: Rio Grande do Sul. Tal abordagem faz-se necessária pela
compreensão que este tema transversal deve ser devidamente explicitado na
historiografia - História das mulheres, feminismo, gênero. Acrescenta-se o objetivo de
trabalhar uma história local, dando ênfase as categorias já citadas. Entende-se que a
ausência deste enfoque no livro didático, oferece oportunidades para a inclusão do tema
na sala de aula justamente propondo analisar o processo de silenciamento ou
apagamento das representações do gênero feminino no manual escolar aqui analisado.
Para tanto, realizou-se uma análise no livro História: Rio Grande do Sul, cujo autor é
Felipe Piletti, aprovado e incluído no Guia do Plano Nacional do Livro Didático PNLD, para os anos 2010, 2011, 2012, direcionado ao 4° ou 5° ano do Ensino
Fundamental. Na apresentação o autor expõe que o livro sobre a história do Rio Grande
do Sul vai oferecer a oportunidade de conhecer
os diferentes povos que construíram o estado e os acontecimentos importantes que
marcaram a história gaúcha. Mas a História não é feita apenas desses
acontecimentos. Ela é construída no dia-a-dia, e cada uma de nossas ações
contribui para essa construção...por meio deste livro você poderá pensar sobre a
relação entre o nosso passado e o nosso presente. Assim, vai se sentir mais
integrado no mundo em que vivemos e vai poder contribuir para torná-lo melhor.
(PILETTI, 2010:03)
Esta apresentação demonstra uma visão sobre a História que não tem por base
exclusivamente os “grandes vultos”, reafirma que cada uma das pessoas que
ocuparam/ocupam espaço no espectro social, na sua abrangência, é integrante do fazer
histórico.
Nesse sentido, no decorrer da sua leitura foram encontradas situações
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.392
que expressam a manutenção do, há muito tempo definido, conteúdo a ser apresentado.
As temáticas são apresentadas com muitas ilustrações como recurso didático,
há a preocupação com a elaboração de textos pelos alunos, inclusive na página 7 a
proposta é que o/a aluno/a escreva a sua própria história e divida com colegas a leitura
do seu texto e escute a história pessoal dos demais.
Logo no início de nossa análise, observou-se que na sugestão de tarefas para
alunas/os o autor utilizou sempre o feminino para referir-se à educadora/or que esteja na
sala de aula, exemplo:...”com a ajuda da professora...”, “... se necessário peçam ajuda à
professora". Assim, avalia-se que para este professor, autor do livro em questão, o
ensino nos anos iniciais é ocupado pela imagem da professora . Através dessa
indicação, o autor acabou por reafirmar através da sua linguagem, que ha espaços
masculinos e espaços femininos.
Após essa primeira análise construímos através da “análise de conteúdo” uma
tabela analítica, formada pela categoria Mulher e por unidades de referência que davam
qualidade à mesma, como forma de percebermos que tipo de representação o autor
conferiu ao gênero feminino na construção da História do Rio Grande do Sul.
Trechos do livro
Categoria MULHER
Mulher
em luta
Mulher frágil
Mulheres no
trabalho
Mulheres nas expressões
culturais
Capítulo sobre “os primeiros habitantes do X
Rio Grande” (p.14)
Um texto sobre a relação dos Guarani com
a terra (p.17)
X
Um breve relato sobre Anita Garibaldi e X
Giuseppe, com a ilustração da figura de
ambos encontra-se na (p.68), ela é
apresentada como a companheira de luta.
Há uma ilustração sobre uma fábrica de
chocolates e doces em Porto Alegre onde
somente mulheres aparecem (p. 95);
X
Na abordagem feita no capítulo sobre a X
Nova República, sob o tema cidadania, há
uma foto de meninas brancas, adolescentes,
“caras-pintadas”, no movimento Fora
Collor, a legenda da foto identifica que a
manifestação ocorreu em Porto Alegre (p.
170)
Ainda sobre a Nova República, sob o tema
cidadania, como atividades sobre o
contexto histórico, há a reprodução do
artigo 227 da Constituição Federal que
trata dos direitos das crianças e
adolescentes, há uma ilustração que
representa
meninas
e
meninos
aproximando-se de um grande livro, as
crianças são todas brancas (p171)
X
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.393
A seguir encontra-se uma figura de X
mulheres negras, a legenda diz “mulheres
protestando contra o alto preço dos
alimentos em Dacar, no Senegal, em 2007
(p. 172)
O texto do capítulo “A História não para”- X
embora a legenda da foto seja explícita
sobre mulheres, quando fala em
manifestações populares não há referência
aos movimentos de mulheres que existem,
seja no estado, seja no país ou
internacionalmente (p.172)
No capítulo sobre cultura gaúcha, referente
à música está presente Elis Regina (p.
179)
X
No capítulo 19 - a História não para, vê-se
a figura de Daiane dos Santos a ginasta (p.
182)
X
5
Total
1
1
3
10
No capítulo sobre “os primeiros habitantes do Rio Grande" (p.14), observe-se
que é mantida a confusão entre o nome da cidade do Rio Grande e o estado do Rio
Grande do Sul. Estes habitantes são os indígenas, há uma ilustração deles participando
de manifestação por terras em Porto Alegre, nesta foto aparecem em primeiro plano
várias mulheres, mas não há nenhuma referência textual sobre isto. Se houver a
percepção do/a educador/a em chamar a atenção para este fato, de que mulheres ali
estavam em luta, supera- se a ausência do texto no livro, e poderá oportunizar a
solicitação aos alunos de outras fotos, outras manifestações ou não, que apresentem
mulheres e homens numa caminhada conjunta.
Encontra-se na página 17 um texto sobre a relação dos Guarani com a terra,
segundo o autor, uma adaptação de Carlos Urbim. Ali são apresentadas as atividades
que eram desempenhadas por homens e por mulheres "homens faziam as armas,
protegiam o grupo, caçavam, pescavam, mulheres plantavam , colhiam, cozinhavam e
moldavam objetos de cerâmica, as crianças brincavam e aprendiam a viver". Uma
ilustração sobre os Carijó reflete o conteúdo do texto. Os homens viris com suas
atividades fortes, as mulheres sensíveis e suas atividades artísticas. (Um breve relato
sobre Anita Garibaldi e Giuseppe com a ilustração da figura de ambos encontra-se na
página 68). De acordo com o autor, Anita era casada com um sapateiro, apaixona-se por
Garibaldi e resolve acompanhá-lo nas lutas, revelando-se “uma companheira
destemida”, participando de combates tanto no Brasil como na Itália, recebendo o título
de “heroína de dois mundos”.
Sobre a imigração alemã, na página 95 há uma ilustração sobre uma fábrica de
chocolates e doces em Porto Alegre/RS onde somente mulheres aparecem; não há em
todo o texto sobre a “formação das indústrias” qualquer referência às mulheres. Ainda
que elas apareçam em outras fotos sobre a cultura (alimentos, danças...) não são nunca
referenciadas.
O autor trata neste capítulo do início da industrialização, do êxodo das áreas
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.394
rurais para os centros urbanos. Observa-se a ausência da referência sobre a mão de obra
feminina no trabalho fabril tanto na indústria da alimentação, como nos demais setores.
Sabe-se que as mulheres, tanto no campo como na cidade, tiveram papel preponderante
nos processos de industrialização. A mulher no mundo do trabalho não aparece nesta
obra.
A abordagem feita no capítulo sobre a Nova República, sob o tema cidadania,
há uma foto de meninas brancas, adolescentes, “caras-pintadas”, no movimento Fora
Collor, a legenda da foto identifica que a manifestação ocorreu em Porto Alegre (pag.
170). Fala do impeachment e propõe como atividade: “forme uma dupla com um colega
e, com base nas discussões da turma, elaborem no caderno uma nova legenda para a
foto acima”. Essa atividade aparece como uma oportunidade rica para estabelecer um
debate acerca do momento político de forma geral, mas também, utilizando a foto onde,
majoritariamente, aparecem mulheres, aproveitar para discutir o corte de gênero, sempre
adequando á idade de alunas e alunos. Inclusive questionar sobre a formação de dupla
com um colega, mesmo em se tratando de crianças é possível fazer questionamento do
porque somente com um colega deve ser a dupla. Alguém poderá manifestar que não há
orientação de ser com “o” colega, já que a palavra destina-se a ambos os sexos, então
possibilita que se chame a atenção sobre a necessidade de explicitar as diferenças entre
a generalização, que entendemos deseduca, e a diferenciação que estabelecerá, no
mínimo, a provocação sobre o assunto.
Ainda sobre a Nova República, sob o tema cidadania, como atividades sobre o
contexto histórico, há a reprodução do artigo 227 da Constituição Federal que trata dos
direitos das crianças e adolescentes, há uma ilustração que representa meninas e
meninos aproximando-se de um grande livro, as crianças são todas brancas. Uma
oportunidade estabelecer diálogo sobre a ausência de crianças negras ou indígenas, por
exemplo.
Neste capítulo pode-se refletir sobre a representação dos direitos de crianças e
adolescentes, percebe-se que as crianças/jovens representadas estão bem vestidas,
calçadas, indo em busca de informação. Pode-se perguntar por que não há a
representação de crianças em condições econômico-sociais menos favorecidas? Estes
direitos apregoados estão realmente ao alcance de todas?
A seguir encontra-se na página 172 uma figura de mulheres negras, a legenda
diz "mulheres protestando contra o alto preço dos alimentos em Dacar, no Senegal, em
2007. No mundo há sempre pessoas lutando por seus direitos": Apresenta as mulheres
em luta, mas não reafirma que no mundo há sempre mulheres lutando por seus direitos,
fala em pessoas...
O texto do capitulo "A História não para" enfatiza a importância da luta contra
a ditadura e no processo de redemocratização. Como atividade sugere que alunos
formem grupos e procurem em jornais revistas, imagens que mostrem manifestações
populares (protestos, passeatas, etc.) no Rio Grande do Sul, em outros estados do Brasil
e em outros países do mundo. Embora a legenda da foto seja explicita sobre mulheres,
quando fala em manifestações populares não há referência aos movimentos de mulheres
que existem, seja no estado, seja no país ou internacionalmente. Parece um bom mote
para estabelecer uma discussão mais dirigida.
Avalia-se positivamente o incentivo à discussão deste tema, considerando que
os movimentos populares são fundamentais para fortalecer a democracia. A
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.395
compreensão que cada pessoa na sua atividade profissional, escolar, de lazer, na sua rua,
enfim, nos espaços em que convive, deve exigir que sua participação seja oportunizada
por governos, por instituições de ensino, sindicatos de trabalhadoras/es com a
compreensão de que este é um direito seu. Somente quando todas as pessoas tenham
seus direitos respeitados poder-se-á falar em democracia, ainda que seja representativa.
Quando o tema e cultura o livro aborda música, literatura, artes-plásticas,
dança. Fala de folclore e tradicionalismo relatando o nascimento do Movimento
Tradicionalista Gaúcho (MTG), e registra que este “lembra, muitas vezes, apenas a vida
do rico estancieiro da fazenda".
O autor reforça a predominância masculina no contexto histórico do RS, fala
do MTG sem qualquer referência a participação das mulheres nem mesmo quando fala
das danças e das vestimentas.
Um texto que demonstra criticidade quanto a alguns fatos históricos, dos mais
arraigados deste estado, como seja o tratamento que era dado pelos estancieiros aos
peões, cita que os mesmos vestiam-se com roupas gastas, também mantém a supremacia
masculina no contexto social, eis que torna invisível a participação da mulher.
Na música, faz referência a muitos nomes de destaque mas coloca como
representantes: Radamés Gnattali, Lupicínio Rodrigues, Teixeirinha e Elis Regina.
A foto de Elis Regina ilustra o texto que lhe apresenta como uma das maiores
cantoras brasileiras. Indiscutível que ela foi reconhecida nacional e internacionalmente,
a representação também se dá por este fato, sem desconsiderar, absolutamente, toda a
genialidade de Elis, mais uma vez "o grande vulto" salientado. Sabe-se que muitas
outras mulheres gaúchas, com qualidades também indiscutíveis como intérpretes,
instrumentistas, compositoras, ainda não tiveram seus nomes levados até os bancos
escolares através do livro didático.
Continua apresentando a diversidade cultural do estado, fala de suas festas
populares, do cinema, onde os artistas gaúchos se destacam. E nos esportes, é
apresentada uma foto da ginasta Daiane dos Santos. Outra representante do estado do
Rio Grande do Sul reconhecida nacional e internacionalmente, o texto refere que o
estado conta com grandes atletas e o autor sugere como atividade pesquisar em jornais e
revistas e levar para a classe "fotos de alguns deles". Então, mesmo demonstrando a
ginasta como representante no esporte, na pesquisa o autor sugere as fotos dos atletas,
podemos pensar, porque mais uma vez a linguagem utilizada reflete o masculino. Mais
uma oportunidade para estabelecer um diálogo sobre a forma de utilização das palavras.
Pode-se considerar que o livro apresenta mudanças quanto a alguns aspectos da
historiografia. Ha textos críticos sobre temas até então considerados definitivos, ou seja,
sobre eles não havia mais discussão. Mas entende-se que mesmo com estes avanços e
considerando as propostas de políticas oriundas do Ministério da Educação, que
orientam a utilização do espaço escolar para a formação de indivíduos capazes de
conviver com as diferenças e respeitá-las; que os temas diversidade, gênero, étnicoracia1, devem ser contemplados, inclusive havendo leis que os regulam , nas salas de
aula, nos espaços escolares, com formação continuada para professoras e professores, a
fim de oportunizar um crescimento qualitativo para todas as pessoas que convivem na
escola, para a comunidade escolar, aqui incluem-se familiares de alunos. Esta
formulação de políticas não está devidamente contemplada na feitura deste livro.
Quanto ao espaço dedicado à cidade do Rio Grande, avalia-se que é diminuto e
Anais do Colóquio Nacional de Estudos de Gênero e História – LHAG/UNICENTRO, p.396
superficial. Sobre a história do município do Rio Grande, na eventualidade de propor
estudos dirigidos, constata-se que as informações deverão ser buscadas em outras
fontes. Ha vários trabalhos acadêmicos já realizados por alunas/os e seus professores/as,
no âmbito das universidades. Especificamente na Universidade Federal do Rio Grande
-FURG, muito tem sido produzido sobre o município, nas mais variadas áreas do
conhecimento. O desafio que está posto é transferir este conhecimento para o sistema de
ensino local. Para que pessoas comuns, juntamente com os "vultos" sejam
reconhecidos/as como partícipes da construção da história da cidade.
Algumas considerações
Considerando-se que o livro didático é, ainda, um fundamental aliado de
educadoras/es para a atuação na sala de aula, mas que se evidencia nestes livros a
manutenção da concepção sobre a história das mulheres como coadjuvantes da História,
na maioria das vezes obscurecida, quando aparece refere-se a "grandes vultos".
As temáticas gênero, diversidade, étnico-racial, não tem recebido, por parte de
autores, uma proposta de discussão sobre os ternas relacionando-os com a realidade das
salas de aula, da escola, da comunidade escolar, quando apresentados como temas
transversais, estão distantes, é como se a discussão se desse sobre algo fora do
ambiente, como se não fizessem parte do dia-a-dia. Há políticas públicas constituídas
para tentar superar estes problemas, percebe-se, porém, que muitas vezes os entraves
burocráticos somados à resistência de grupos em aceitar mudanças faz com que
permaneçam os tratamentos desiguais, discriminatórios e injustos.
Verifica-se também que com relação a História local, História da cidade do
Rio Grande, no livro ora analisado, é superficial e insuficiente. Reafirma-se a que a
Universidade do Rio Grande tem vasta contribuição a dar e que o desafio é fazer com
que chegue no sistema de ensino estadual e municipal.
Enfim, a riqueza da História do município do Rio Grande era também na
trajetória das mulheres que contribuíram para a sua ascensão. Desde as que estiveram
“na planície", anônimas - as lavadeiras, as benzedeiras, as amas de leite, .... Aquelas que
dividiram seus dias nas fábricas com as tarefas domésticas; as que foram escravizadas,
juntamente com as que ascenderam a cargos políticos, as pioneiras em atividades cujo
“status" as levou ao reconhecimento, como médica, juíza. E aquelas que nos tempos
atuais também contribuem, nos mais diferentes espaços sociais, para a construção da
história da cidade. Ainda assim, a maioria continua desconhecida na/da cidade que
ajudou/a a construir.
Através da compreensão de pertencimento ao lugar, na sua forma mais ampla,
é que as populações poderão, efetivamente, defender sua história, sua cultura, sua
identidade, seu patrimônio (material e imaterial), seus direitos, seu espaço de
manifestação, sua participação na gestão da cidade, enfim sua dignidade.
Referências:
ANDRADE, Andreza de Oliveira. Gênero e História das Mulheres: diálogos
conceituais
Disponível
em:
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Maria Lose e Julia Matos