Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 1 O ROMANCE GRÁFICO COMO RECURSO DIDÁTICO NAS AULAS DE LITERATURA Ana Paula Oliveira Barros (UFS) A pesquisa aqui proposta tem por interesse tentar enquadrar os romances gráficos como um recurso didático no ensino de artes e literatura e, através da sua utilização, verificar suas contribuições para um ensino/aprendizagem crítico e reflexivo. Muitas vezes, as histórias em quadrinhos acabam sendo trabalhadas em sala de aula a partir de uma abordagem feita de forma superficial e embasada em conhecimentos e informações do senso comum ou através de exercícios mecanicistas. Com o intuito de utilizar os quadrinhos de forma mais consistente na educação, sugerimos focar numa aprendizagem interdisciplinar, entre as disciplinas de artes e literatura. Essa troca entre os campos pode contribuir para mudar o quadro atual, onde muitos jovens leem pouco e em grande parte das vezes não compreendem e não questionam o que estão lendo. (SANTOS, 2010, p. 17). Santos em seu artigo “A história em quadrinhos na sala de aula” afirma que: O desinteresse pela leitura por parte das novas gerações tem sido explicado, de forma generalizada e até mesmo preconceituosa, como conseqüência dos meios visuais e audiovisuais. Imputa-se a ojeriza pelos textos à televisão e, mais recentemente, ao videogame e à Internet. E nem mesmo a História em Quadrinhos passa incólume à ação de teóricos e educadores que procuram entender as causas da rejeição à palavra escrita (e impressa) por parte dos jovens. (SANTOS, 2003, p. 2) Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 2 Durante um longo tempo, diversos estudiosos não viam com bons olhos a leitura dos quadrinhos por parte dos jovens, um dos exemplos desse preconceito é o livro de Fredric Wertham, “A sedução dos inocentes”, publicado em 1954 e que enfatizava aspectos negativos em relação às HQs. (SANTOS, 2010, p. 8). Outro ponto importante a ser ressaltado é que em nossa sociedade, a arte visual e a arte literária só eram consideradas boas quando apreciadas uma distante da outra. (MCCLOUD, 2005, p. 140). Porém, hoje em dia sabemos que as histórias em quadrinhos são uma fonte de informação rica em conteúdo e que abrange diversas áreas, pois apresenta imagens e textos, unindo as artes plásticas e a linguística, num mesmo suporte físico. Cirne nos faz perceber que: Para se compreender os mecanismos comunicacionais de uma estória em quadrinhos torna-se necessário que se saiba ler os componentes sígnicos que forjam a sua temperatura estética. Os quadrinhos são menos simples do que aparentam: questionar o seu espaço criativo exige do crítico um sólido conhecimento dos mais diversos problemas sociais, culturais e artísticos. Este questionar o espaço criativo remete-nos para as objeções dirigidas contra a sua linguagem. É preciso saber ler formalmente os quadrinhos para que consigamos lê-los ideologicamente. (CIRNE, 1975, p. 12) Isto é, se as HQs, em geral, possuem uma composição formada por palavras e imagens, é preciso que o leitor faça uso de suas aptidões interpretativas verbais e visuais. Os elementos que compõe a arte – como simetria, pincelada, linha – e os elementos da literatura – sintaxe, gramática e etc – existem reciprocamente neste suporte. “A leitura da revista de quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual.” (EISNER, 2001, p. 8). Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 3 Para compreendermos satisfatoriamente as HQs é necessário saber identificar os elementos que concernem à sua linguagem. Santos sintetiza esse processo falando que: Com base nos elementos que compõem a “semântica” da História em Quadrinhos e a narrativa ficcional pode-se proceder à análise de conteúdo desta forma de comunicação visual. A leitura semiológica da História em quadrinhos permite a compreensão da linguagem característica dos quadrinhos e também as significações presentes em qualquer narrativa quadrinhográfica. Em primeiro lugar, é preciso tomar em separado cada vinheta; em seguida, procede-se à descrição (denotação) dos elementos verbais e visuais, assim como dos elementos da narrativa e da linguagem dos quadrinhos, presentes em cada uma delas. Por fim, os significados (conotação) devem ser identificados e analisados. (SANTOS, 2003, p. 11) Os quadrinhos possuem uma clara capacidade de transmitir informações e conceitos de forma lúdica, isto se da através de uma linguagem que reúne características verbais e visuais. Com isso, eles oferecem aos professores a oportunidade de empregá-los como um recurso atrativo e motivador para o processo de ensino e aprendizagem. Sendo as HQs um meio de comunicação, podemos atentar também à sua capacidade de gerar discussão, e assim reconhecê-las como um objeto capaz de formar consciências, erguendo a percepção dos alunos para além do entretenimento. Sem esquecer a importância do papel desenvolvido pelo professor que tem como objetivo a compreensão crítica do enredo de cada história. Entretanto, é importante deixar claro que na atualidade, inúmeras histórias em quadrinhos são consumidas em escala de massa, com diversas opções de variedade temática e de tratamento. Podemos dizer que esta em curso uma reavaliação do problema em relação a criar produtos para uma variedade de leitores Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 4 interessados em assuntos diversos, diferentemente do que ocorria no início do século XX, período de fixação dos quadrinhos na imprensa. Os produtos contemporâneos são diversos, desta forma, nos deparamos com romances gráficos como “Maus” de Art Spielgeman, ou história em quadrinhos mais comerciais como “Mônica” de Maurício de Sousa, que não buscam o mesmo público, mas convivem juntos. Para compreendermos o que são os romances gráficos, devemos levar em consideração que, as histórias em quadrinhos nos comunicam através de uma linguagem que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público, e que por isso empregam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis. Quando esses símbolos são usados diversas vezes, para expressar ideias similares, a história em quadrinhos torna-se linguagem. (EISNER, 2001, p. 8). Ramos nos ajuda a entender que existe uma grande dificuldade para classificar os diferentes tipos de gêneros ligados às histórias em quadrinhos. Porém, é importante saber do que se trata cada gênero para adquirirmos uma leitura mais profunda e critica em relação aos diferentes tipos de obras. (RAMOS, 2009, p. 16). Os gêneros das histórias em quadrinhos teriam em comum “o uso da linguagem dos quadrinhos para compor um texto narrativo dentro de um contexto sociolingüístico interacional.” (RAMOS, 2009, p. 20). Desta forma, a linguagem e a estrutura narrativa dos romances gráficos estão diretamente ligadas à dos quadrinhos em geral, já que o primeiro, nada mais é do que um gênero do segundo. Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 5 O conceito graphic novel acabou surgindo nos Estados Unidos como um artifício para os quadrinhos serem aceitos nas grandes cadeias de comércio de livros. Essa ideia partiu do autor Will Eisner que denominou de graphic novel sua HQ inédita Um contrato com Deus, de 1978, que por possuir um conteúdo mais elaborado, complexo e mais volumoso, foi impressa em forma de livro. De acordo com o próprio Eisner, esse recurso foi utilizado para dar um ar mais sofisticado ao volume e fazer com que as livrarias o expusessem e comercializassem, já que os quadrinhos eram vendidos apenas em bancas ou lojas especializadas. A partir disso, os editores passaram a investir no novo formato que possui, na maioria das vezes, papel de qualidade, histórias mais extensas de trama mais bem desenvolvida e impressão caprichada. (CHINEN, 2008, p. 18). Outra característica dos romances gráficos é que, assim como os romances literários eles tendem a cobrir uma história do início ao fim, não utilizando-se do cliffhanger – que seria como um momento de angústia - no final de cada história. No entanto, é importante deixar claro, que em alguns casos, um romance gráfico pode acabar sendo uma compilação de várias séries de quadrinhos que começa e termina num arco de história particular, compondo um conjunto íntegro de grande extensão. Devido à boa aceitação do público, vários títulos acabaram entrando na mania dos romances gráficos, lançando assim, reedições de revistas clássicas, compilações de séries e trabalhos de cunho mais autoral e de excelente nível com pequenas tiragens. (CHINEN, 2008, p. 18). Hoje, por conta deste suporte, os Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 6 quadrinhos são encontrados em livrarias e, muitas vezes, já são considerados como uma forma de expressão artística, sendo também responsáveis por propagar conteúdos mais elaborados. Santos, ao citar Vergueiro, deixa claro que considerando a variedade de publicações de HQs no mercado, devemos sempre levar em conta os objetivos educacionais que se deseja alcançar ao escolher o material utilizado em sala de aula, selecionando o mais adequado quanto à linguagem, temática e a faixa etária. (SANTOS, 2010, p. 15). Desta forma, devido às características citadas anteriormente, o objeto explicitado nesse estudo são os romances gráficos, e com isso, o publico focado é o estudante do Ensino Médio, o qual, muitas vezes, demonstra bastante desinteresse pela leitura e dificuldade para interpretar as coisas que lê. Isto acontece porque frequentemente nos satisfazemos, seja por preguiça ou por economia, em ler as coisas superficialmente. Sendo assim: Não acrescentamos ao ato de ler algo mais de nós além do gesto mecânico de decifrar os sinais. Sobretudo se esses sinais não se ligam de imediato a uma experiência, uma fantasia, uma necessidade nossa. Reagimos assim ao que não nos interessa no momento. Um discurso político, uma língua estrangeira, uma aula expositiva, um quadro, uma peça musical, um livro. Sentimo-nos isolados do processo de comunicação que essas mensagens instauram – desligados. E a tendência natural é ignorá-las ou rejeitá-las como nada tendo haver com a gente. (MARTINS, 1982, p. 9). Não devemos esquecer que de acordo com Martins a leitura é um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, independente da linguagem utilizada, e por isso, o ato de ler diz respeito tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expressões do fazer humano. (MARTINS, 1982, p. 30). A autora ainda estabelece Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 7 que aprendemos a ler a partir do nosso contexto pessoal, isto é, a partir da nossa vivencia do mundo. E com isso temos que valorizá-lo para poder ir além dele. (MARTINS, 1982, p. 15). Quando temos a impressão de que o mundo esta ao nosso alcance, podemos compreendê-lo, conviver com ele e até modificá-lo à medida que incorporamos experiências de leitura. (MARTINS, 1982, p. 17). Porém, muitos educadores não conseguem superar a prática formalista e mecânica, prevalecendo, desta forma, a pedagogia do sacrifício, do aprender apenas por aprender, sem se levar em conta o porquê, como e para quê. Assim, o aluno fica impossibilitado de compreender a verdadeira função da leitura, o seu papel na vida do indivíduo e da sociedade. (MARTINS, 1982, p. 23). Devemos deixar claro também que, a literatura não é uma experiência inofensiva, na verdade ela “pode causar problemas psíquicos e morais, como acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração”. (CANDIDO, 2004, p. 175). Na escola, o livro pode acabar gerando conflitos, pois seu efeito ultrapassa as normas estabelecidas. Porém, o autor nos diz que a literatura “não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver.” (CANDIDO, 2004, p. 176). Sendo assim, a literatura, seja de qualquer tipo, satisfaz certas necessidades do ser humano, principalmente através da incorporação, que enriquece a nossa percepção e a nossa visão do mundo (CANDIDO, 2004, p. 179). Isto nos torna Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 8 mais compreensivos e abertos para a sociedade, o semelhante e os nossos sentimentos e ajuda-nos a tomar posição em relação a eles. (CANDIDO, 2004, p. 180). Freire em certo momento de sua obra “A importância do ato de ler”, nos deixa claro que o fato do aluno carecer da ajuda do professor, assim como ocorre em qualquer relação pedagógica, não significa que essa ajuda deva anular a sua criatividade e responsabilidade na construção de sua linguagem e na leitura da mesma. (FREIRE, 1989, p. 19). Com o intuito de contornar este problema, é necessário que o professor possua um certo grau de conhecimento e criatividade para uma melhor aplicação dos romances gráficos em sala de aula. Para isso, o professor não deve tratá-lo apenas como um objeto introdutório para iniciar o jovem no processo de leitura, com o intuito de emergi-lo mais tarde na consolidação da prática e do prazer de ler. O romance gráfico, assim como qualquer outro romance literário, veicula determinadas ideologias e pode provocar a pesquisa, a criação e a reflexão, não devendo ser visto apenas como uma leitura descompromissada, mas sim como um objeto que exige do leitor uma percepção maior do meio empregado. Podemos concluir que, apesar de diversas vezes os quadrinhos possuírem um código simples e rígido e uma gama de personagens-padrão, é possível a perspectiva de uma HQ que, utilize os mesmos elementos comunicativos e exprima uma visão diferente. É isso o que acontece nos romances gráficos, mas que pode acontecer em outros gêneros também. No interior desses vários circuitos de Anais Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura São Cristóvão/SE: GELIC/UFS, V. 4, 3 e 4 de maio de 2012. ISSN: 2175-4128 9 produção e consumo, há diversos autores que utilizam as oportunidades concedidas aos demais, mas que conseguem mudar profundamente o modo de sentir e o modo de fruir dos seus consumidores, propagando, dentro do sistema, uma funcionalidade crítica e liberatória do seu produto. Porém, para podermos estabelecer um parecer crítico sobre isto, devemos fazer uma avaliação histórico-crítico-pedagógica de cada caso, ficando isto a cargo do professor. Desta forma, percebemos que o professor desempenha um papel bastante importante nesse processo crítico-reflexívo, que tem como objetivo despertar nos alunos diferentes tipos de sensações e também a capacidade de gerar questionamentos, contribuindo assim para a formação de leitores competentes. REFERÊNCIAS: BECKER, Carolina Valada. Narrativas gráficas: uma (re)descoberta da leitura. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/IICILLIJ/4/CarolineVBecker.pdf> Acesso em: 11 de julho de 2011. CANDIDO, Antonio (Org). 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