CALÍCIA MATOS FARIA SE FOR IMPRESSO, É TÁTIL 1 Resumo O artigo aborda o processo de aprendizagem no ensino de artes gráficas e relaciona os recursos didáticos práticos com a metodologia utilizada, este relacionamento enfoca o recurso tátil como um método importante para a aprendizagem na comunicação impressa. Neste âmbito, é demonstrada a importância desta comunicação na sociedade, e, para isso, a visão de alguns autores foram utilizadas não só como exemplo, mas também como um estudo psicológico e didático necessário para o entendimento do processo do aluno em adquirir efetivamente o conhecimento. A presente reflexão tem a pretensão de abrir caminhos que complementem o aprendizado no mundo gráfico e também vem afirmar a necessidade de estudos para a produção de novos métodos de ensino prático na arte gráfica. Palavras Chaves Arte gráfica, recursos didáticos, percepção. 2 INTRODUÇÃO O tema deste artigo compreenderá o campo da programação visual, ou design gráfico, e tratará da importância dos recursos táteis como meios didáticos nas disciplinas de comunicação que envolvam a arte gráfica. A programação visual abrange principalmente um conjunto de teorias e técnicas necessárias para ordenar a forma pela qual se compõe a comunicação visual. A matériaprima da programação visual é a informação que, trabalhada adequadamente, se transforma em comunicação. Nesse âmbito, a arte gráfica tem grande importância, pois possui forte influência na composição do produto gráfico. Este produto não é nada menos do que a concretização da arte que foi planejada e criada para atender as necessidades do cliente e atingir ao público alvo. O estudo compreenderá o desenvolvimento da aprendizagem considerando a relação entre o discente e a arte gráfica, que será o aspecto principal da investigação. Dessa forma, tem-se como ambição verificar a importância da utilização de recursos didáticos que abordem a percepção tátil para a melhor compreensão de um produto gráfico por parte do discente, e também a relação do aprendizado do aluno com o suporte impresso. Em relação ao seu conteúdo, a arte gráfica é extremamente ampla, pois lida com elementos que se estendem desde o planejamento e composição até a finalização do produto, que é a fase de produção. Entretanto, para a delimitação do tema, é conveniente extrair de um ambiente tão amplo aspectos essenciais neste processo de prática do discente. As características espaciais serão demarcadas aqui como itens essenciais na 3 compreensão da funcionalidade do produto gráfico. Portanto, os formatos e suas utilidades compreendem a etapa inicial nessa concepção funcional e, assim, farão parte da análise como um ponto de enfoque. Este estudo tem o propósito de angariar respostas para algumas indagações que envolvem o mundo gráfico. Partimos do pressuposto de que existem lacunas na metodologia de ensino nas disciplinas que envolvem as artes gráficas. Essas brechas podem ter ligação com a não utilização dos recursos táteis. Dessa forma, a hipótese propõe que a percepção humana necessita deste meio tátil para compreender a visão espacial e para formar uma sensibilidade na compreensão dos formatos e formas que compõe um produto gráfico. É também uma proposta desse trabalho demonstrar que a melhor compreensão do produto gráfico acontece quando se estabelece uma relação de proximidade direta entre a impressão e as mãos do aluno. O objetivo geral do presente trabalho é promover a construção de métodos que valorizem a prática nas disciplinas de comunicação que envolvem a arte gráfica, mas pretende também trazer uma reflexão da importância dessa aprendizagem considerando uma região que não possui instituições de ensino de nível técnico ou superior específicas para a formação de profissionais da área, além de não existirem laboratórios práticos para este fim. O ser humano é fruto de sua percepção. Em seu desenvolvimento, o ser humano tem a necessidade constante de modificar o ambiente em que vive e, para que pudesse viver em comunidade, criou ferramentas que possibilitaram a sua convivência com o próximo, visto que tem a competência de pensar, ler, refletir e alterar o contexto em que está circunscrito com a capacidade de 4 interferir criticamente. Dessa forma, todo o ambiente que o envolve participa efetivamente do seu crescimento, em uma relação de troca constante onde o ser humano se modifica e transforma o mundo, e este por sua vez tem o papel de agregar valores e conceitos importantes na formação do próprio homem. O comunicador está intrinsecamente concatenado a toda esta constante mudança global, pois tem a responsabilidade direta para aferir e decidir na influência sobre o público deste planeta inconstante. O receptor de todas essas influências absorve as mensagens conscientemente ou muitas vezes até inconscientemente, é um processo concomitante, pois inúmeras mensagens são transmitidas ao mesmo tempo e freqüentemente todos os sentidos humanos são utilizados e influenciados simultaneamente. O número elevado de informações foge à percepção humana que nem sempre consegue distinguir e absorver o conteúdo de tantas notícias respectivas. Portanto, a comunicação eficiente e produzida com qualidade é de extrema importância para o despertar da atenção do público alvo. Civilização visual e design. Durante o desenvolvimento progressivo da humanidade formou-se uma civilização visual (STRUNCK, 2003). Alguns fatores configuram-se como parte integrante deste processo: um exemplo representativo é o grande número de dados que são emitidos a todo tempo para a sociedade; outro exemplo, já sob um ângulo diferente, é o fato do cérebro humano não conseguir processar esse número de informações simultaneamente. Esses aspectos evidenciam que a percepção visual demonstra-se privilegiada em comparação aos outros sentidos e assim formam esta coletividade visual. 5 Não obstante a este privilégio da visão na civilização atual, fica apontada também a presença e contribuição espontânea deste sentido no desempenho das atividades do homem, pois a possibilidade que ele detém de enxergar permite um intercâmbio dinâmico e direto com o meio ambiente que o cerca e constitui um artifício que propicia a interação do homem com o contexto em que está inserido. No processo de comunicação entre as pessoas, a informação exerce a função da matéria-prima, é a parte do todo que funciona como comandante e é ela que conduz o processo cognitivo da mensagem, fazendo a ligação da informação recebida com a idéia ou imagem que temos do mundo. Neste âmbito, o design gráfico ou programação visual são imprescindíveis na composição de qualquer mensagem que atinja o sentido da visão, pois estudam e planejam a forma mais aprimorada de se obter bons resultados para que o público realmente compreenda a informação necessária da mensagem. Nesse campo a programação visual reúne as teorias e técnicas adjacentes que possibilitam a ordenação da programação visual na propaganda. A mídia impressa é uma órbita e o homem flutua dentro da grafia A mídia é a função da propaganda e apresenta-se como item absoluto na composição do processo mercadológico Benetti (1989), pois identifica os caminhos a serem seguidos para que a propaganda atinja o consumidor-alvo. Além disso, é a atividade que se encontra no fim do processo, quando a mensagem é transmitida ao público. Entre as divisões da mídia, a parcela correspondente à impressa constitui o enfoque da presente reflexão, em função do aspecto que abrange o mundo gráfico, como uma órbita que envolve o homem, a grafia, a arte gráfica e seu aprendizado. 6 Alguns aspectos têm relevância intrínseca quanto a esta órbita, pois demonstram a presença do homem como um ser visual, que possui ao seu redor um mundo feito de imagens e de arte. A esfera desse segmento então se configura como uma arte ou como uma indústria que produz quase que uma totalidade nos impressos existentes para serem visualizados por todos os indivíduos sem distinção. A informação atualizada é trazida tanto pelas revistas quanto pelos jornais, que auxiliam o homem a politizar-se e a organizar-se tanto sociologicamente quanto politicamente. O campo da educação também não deixa de ser abordado com livros que eternizam a existência e o conhecimento. Em outro ângulo, partindo para o rumo de uma sociedade de consumo, pode-se dizer que qualquer produto necessita ser embalado e identificado, tudo precisa ter identificação ou ao menos uma explicação escrita para que possa ser consumido ou adquirido. Após a invenção da escrita, o planeta se submergiu na grafia. Portanto, a comunicação hoje não pode ser somente verbal, pois é parte constituinte do cotidiano e dos hábitos quase que imperceptivelmente.Assim, a comunicação escrita faz parte do dia-a-dia incondicionalmente. A prática educativa frente à coletividade. Frente a esta perspectiva da formação de uma sociedade gráfica, Libâneo (1992) afirma que não existe a composição de uma coletividade sem a conexão da prática educativa, pois é este método que possibilita a transformação dos indivíduos sobre os conhecimentos e experiências culturais que os tornam capazes de agir no ambiente social e também de transmutá-lo economicamente, politicamente ou até socialmente. Por conseguinte, na abordagem do ensino, é necessária uma compreensão clara e 7 garantida das pessoas para se obter uma ampla construção na aprendizagem. Dessa forma, a assimilação dos alunos efetivamente acontece, mas para tal é necessário movimentar as atividades físicas e mentais do mesmo (LIBÂNEO, 1992). Níveis e meios de aprendizagem. Na educação o conhecimento sistematizado, o hábito intelectual e a habilidade sensório-motora acumulam juntos os artifícios necessários para a compreensão do produto gráfico. É importante salientar a existência de coeficientes na aprendizagem. O denominado nível-reflexo acontece por meio das sensações que o homem desenvolve na observação e percepção dos objetos e movimentos físicos. Logo, essa instrução interfere diretamente na composição de hábitos sensórios-motores na fase inicial da vida de uma pessoa e continuamente durante todo o decorrer de sua existência (LIBÂNEO, 1992). Conforme afirma Atkinson (1995), é demonstrado que a maior parte das pessoas não estimula funcionalmente a sua percepção relacionada à visão espacial e à percepção sensório-motora durante o decorrer da vida. Portanto, ativar ou mesmo relembrar o nível-reflexo é indispensável, pois ele tem forte contribuição no entendimento do produto gráfico. Quando o aluno já adulto inicia a sua instrução em artes gráficas necessita de um incentivo concreto para ativar toda a sua experiência vivida, para distinguir objetos em suas concepções de formas, tamanhos, cores e texturas. O recurso tátil então atende a essa demanda preenchendo as condições requeridas. Partindo da observação de que todas as pessoas possuem um nível-reflexo de aprendizagem, pode-se afirmar que todas são capazes de planejar um produto gráfico, não se referindo a produtos incríveis, extensos ou mirabolantes, mas a produtos básicos 8 e com um mínimo de organização e percepção visual agradável e adequada a uma comunicação eficiente. Existe uma forte cobrança do mercado com relação à apresentação pessoal de um profissional, não somente no aspecto visual e da linguagem, mas também quanto ao conteúdo de seu conhecimento e atuação. Essa exigência acontece também quanto à apresentação impressa produzida pelo profissional. Se esse quadro incide com profissionais de qualquer ramo, o que se pode afirmar então quanto aos comunicadores formados? A escrita é um meio que registra a apresentação da criação de uma pessoa. Isso é fato, pois se está impresso, está ratificado, portanto não é adequado que um especialista em comunicação não saiba apresentar bem sua criação, ou seja, não saiba apresentar de maneira clara qualquer produto fruto de seu trabalho. Este especialista em comunicação não necessariamente deverá estudar e se empenhar como um educando de produção ou computação gráfica, que são ramos específicos e que demandam uma especialização mais extensa e aprimorada. Contudo, deverá se esmerar para deter um mínimo de conhecimento ativo sobre os produtos gráficos que produz. A linha tênue que separa um impresso amador de um profissional está na organização e apresentação. A hipótese principal deste artigo propõe o emprego de recursos táteis no aprendizado do aluno, em função da necessidade do aprendiz adulto de ativar suas habilidades sensório-motoras. Em sua obra sobre a didática escolar Libâneo diz que: O ensino não existe por si mesmo, mas na relação com a aprendizagem. A unidade de ensino e aprendizagem fica comprometida quando o ensino se caracteriza pela memorização, quando o professor concentra na sua 9 pessoa a exposição da matéria, quando não suscita o envolvimento ativo dos alunos (1992). Esta visão complementa a proposição defendida aqui, a da importância do recurso tátil como o exemplo que o aluno precisa ver e tocar de perto para poder concluir seu aprendizado, isto é, para poder ativar seu envolvimento. A tatilidade é uma impressão dos sentidos. Incitada pela visão, a tatilidade tem a função de verificar e confirmar uma realidade, pois é o principal meio utilizado pelo homem para satisfazer o anseio de “ver com as mãos”. Tal expressão, muito utilizada no senso comum, representa de maneira simples o conceito real do termo “vontade”. Este termo tem conexão direta e expressiva com a hipótese levantada neste estudo. O aluno visualiza o produto gráfico e forma uma imagem mental, que pode ser imaginada somente através das explicações do professor, ou pode ser visualizada também por intermédio de um computador, vídeo ou qualquer outro meio que não seja impresso, mas que demonstre o produto. A vontade então se abriga na relação do aprendizado do aluno com o produto que não é real fisicamente naquele momento, isto é, a vontade acontece quando o indivíduo visualiza um item que não está presente para ser tateado e confirmado. Algumas indagações são relevantes neste ponto: Como um aluno poderá consolidar seu aprendizado mediante a falta do produto impresso? Como poderiam os formatos, formas, dobras e acabamentos ficarem somente no âmbito da imaginação e da lembrança de algo já visto, ou teriam que ser tateados 10 para acrescentar realmente o valor necessário no ensino? A resposta à indagação pode ter fundamento em alguns conceitos já vistos na história, são teorias estudadas já há muito tempo, mas que se incorporaram a realidade até os dias atuais. Immanuel Kant (1980 [1781]), em sua obra Crítica da Razão pura, trata de alguns conceitos que apresentam a experiência como forma de conhecimento. Kant analisa a faculdade de conhecer e para isso distingue duas formas de conhecimento sendo uma delas chamada empírica, ou posteriori, que expressa um conhecimento que não pode ser desvinculado de uma impressão dos sentidos, isto é, que não pode ser desvinculado de um efeito causado por um estímulo exterior sobre a mente ou os sentidos. De acordo com Kant, o aprendizado não se dá somente por meio de experiências ou impressão dos sentidos, mas também pelo conhecimento posteriori, necessário e inigualável em alguns casos. Tomando como base o pensamento de Kant e relacionando-o com a aprendizagem da arte gráfica na parte que tange o produto gráfico, pode-se deduzir que seria realmente necessário o estímulo externo, neste caso o produto gráfico impresso que o aluno pode tocar e então ativar seus sentidos em prol do conhecimento. O plurisignificado do homem. Todas essas teorias e conceitos que tratam da arte gráfica, da percepção, da vontade do ser humano ou mesmo de métodos de aprendizagem em geral envolvem a esfera da vida humana. Essa esfera é cercada por informações pluralizadas em um mundo globalizado, que impõe uma formação diversificada para os profissionais de comunicação. Dessa forma, configura-se um quadro onde se pode dizer que o mundo imprime o indivíduo, agregando valores importantes em suas vidas. 11 O meio gráfico tem grande parcela nessa contribuição, pois carrega em si a ambigüidade de imprimir as idéias que o mundo produz, além de imprimir o indivíduo com as idéias do mundo. Conclusão A presente exposição trata principalmente da relação entre ensino e aprendizagem na arte gráfica e a partir desta questão pode-se afirmar que várias considerações devem ser ainda confirmadas por meio de pesquisas ou observações no campo da instrução equivalente. No entanto, é concreta a afirmação de que este estudo poderá resultar em novos métodos de ensino práticos na arte gráfica. Contudo, é importante ressaltar que esta reflexão é um início ou mesmo um ponto de partida inserido em uma grande diversidade de metodologias que acrescentam importantes valores na aprendizagem. 12 Referências Bibliográficas ATKINSON, Rita L. et al. “Aprendizado e Condicionamento”. In ATKINSON, Rita L. et al. Introdução à psicologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995 ________. et al. “Processos Sensoriais”. In ATKINSON, Rita L. et al. psicologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. Introdução à BAER, Lorenzo. Produção Gráfica. 5. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. 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Série formação do professor). MUNARI, Bruno. Design e comunicação visual: contribuição para uma metodologia didática. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 13 STRUNCK, Gilberto Luiz Teixeira Leite. Como criar identidades visuais para marcas de sucesso: um guia sobre marketing das marcas e como representar graficamente seus valores. 2. ed. Rio de Janeiro: Rio Books, 2003. WILLIAMS, Robin. Design para quem não é designer: noções básicas de planejamento visual. São Paulo: Callis Editora, 2006. 14