IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem
I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
ETOLOGIA E ICONOLOGIA DO PALHAÇO:
Imagens tecnológicas e grotescas para a constituição de rituais e
ambientes mágico-míticos
Guilherme Henrique de Oliveira Cestari1
Por meio das reflexões etológicas acerca da hominização, estabelecem-se relações entre
Antropologia dos jogos e da religião e fundamentos da Biologia para investigar a
utilização da imagem de um palhaço durante uma festa de música eletrônica. Conduta e
pensamento humanos são influenciados pela contradição, receio, medo, característicos
de um ser inconstante, emocional, profano e colonizado pelo imaginário: o Homo
Sapiens Demens. A figura do palhaço, ambivalente, efêmera, anárquica,
simultaneamente inocente e maliciosa, ao mostrar-se imperita às últimas instâncias,
eleva as características humanas ao improvável. Quando este personagem grotesco se
apresenta aos participantes de uma celebração ritualística contribui para o caráter
mágico, mítico e emocional do acontecimento.
Palavras-chave: The Chemical Brothers; Ludens; Demens.
Through reflections on the ethological hominization, settle relations between
anthropology, religion and fundamentals of biology to investigate the use of the image
of a clown during a festival of electronic music. Human thought and behavior are
influenced by contradiction and fear, characteristics of a fickle, emotional, profane and
colonized by the imaginary being: Homo Sapiens Demens. The figure of the clown,
ambivalent, ephemeral, anarchic, simultaneously innocent and mischievous, elevates
human characteristics to unlikely. When this grotesque persona is presented to
participants in a ritualistic celebration contributes to the magical, mythical and
emotional character of the event.
Key-words:
1
The
Chemical
Brothers;
Ludens;
Demens.
Bacharel em Design Gráfico pela Universidade Estadual de Londrina, mestrando em Comunicação pela
mesma instituição. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].
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Investigações acerca de projeções da tecnologia no imaginário biopsicossocial
contribuem para uma problematização das relações entre magia, ritualização,
antropologia, sensorialidade e fisiologia. O palhaço, personagem frequentemente
relacionado à entropia e ao pensamento criativo, utiliza sua peculiaridade e exotismo
para fundamentar críticas e reflexões culturais. Os espetáculos e ambientes produzidos
pela performance deste tipo de personagem têm potencial para repensar, de maneira
predominantemente empírica e subjetiva, as divisões entre natureza e artificialidade,
real e virtual, público e privado, razão e emoção e loucura e lucidez. Para o presente
estudo, aplicar-se-ão conhecimentos relacionados à etologia humana, antropologia da
religião e iconologia a fim de analisar a imagem de um palhaço exibida durante uma
apresentação de música eletrônica. O corpus constitui-se de dois momentos da
apresentação da dupla de DJs britânica The Chemical Brothers, cuja performance,
datada de dezembro de 2010, foi registrada e editada, originando um documentário
intitulado “Don’t think”, lançado no início de 2012. Em grandes festas e espetáculos
audiovisuais, luz, som, imagem, tecnologia, corporeidade e, por vezes, substâncias
alucinógenas combinam-se para originar vertiginosas estruturas complexas e
generativas. Exemplos da expressão e intervenção sociocultural urbana, estes esquemas
semióticos e comunicacionais estão em constante transformação e adaptação. O estudo
dividir-se-á em três etapas que envolvem revisão bibliográfica, evidenciação e descrição
do corpus e resultados/discussão.
1. Etologia humana
Conforme Ropartz (1983), a Etologia (literalmente, “ciência dos costumes”)
dedica-se à observação do comportamento dos seres em seus respectivos ambientes
nativos. Longe de estabelecerem padrões e diagramas meramente silogísticos, de
simples causa e efeito, os estudos etológicos mostram-se fundamentais para
compreender, principalmente no reino animal, noções de significação, informação e
codificação. Intervindo o mínimo possível na rotina do grupo estudado, o etólogo
identifica hábitos e costumes, além de componentes sociais, fisiológicos e ambientais
que influam no comportamento e nos interesses daqueles integrantes. A ritualização se
faz presente na conduta da maioria dos coletivos. A constituição de repertórios
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comportamentais permite o estabelecimento de convenções e linguagens primitivas. No
caráter instintivo, aparentemente automático
e espontâneo, de
determinadas
manifestações corporais, ligadas majoritariamente, à emotividade, podem fundamentarse linguagens expressivas universais.
Espacialidade e noção de território influenciam convivência e organização
grupais. Parte da identidade e das memórias de cada indivíduo tem origem no plano
espacial. Preocupações ligadas à Ecologia (junção das partículas gregas “oikos”, casa, e
“logos”, estudo), ciência natural que lida com as relações entre os organismos no meio
em eles vivem, permeiam ambientes comunicacionais. A constituição de códigos,
hierarquias, sistemas e convenções mostra-se essencial para a efetivação de relações
interindividuais e de comportamentos sociais. Liderança, submissão, eleição,
demonstrações emocionais, iniciativa, são atitudes por vezes contraditórias, que partem
do indivíduo ao relacionar-se coletivamente. O ser, ao mesmo tempo sistema complexo
e componente da ambivalência social, não se alimenta apenas energia, mas também de
organização (entropia negativa, ou neguentropia). Observações promovidas pela
Etologia permitem aproximar o ser humano daquilo que ele mesmo convencionou como
“Natureza” ou “seres naturais”. Em oposição a visões simplistas, constata-se que as
relações entre grupos não humanos não têm caráter meramente sexual, reprodutor,
alimentício ou de força bruta. Em meios aos animais, constituem-se potencialidades,
condutas, comportamentos, hábitos, costumes, protoculturas e inovações que originam
redes de pensamento complexas e mais semelhantes às do homem do que uma ciência
predominantemente purista e hermética poderia hipotizar.
2. O homem no mundo
Morin (1975) problematiza o conhecimento e os modelos de compreensão do
mundo real. Lógicas científicas, ritualísticas e religiosas representam estratégias para
lidar com os espaços público e individual. Estudos que supõem divisões estritas entre
Natureza, tida como caótica, entrópica, animal, e Cultura, humana, social e racional,
acabam por simplificar demasiadamente as origens e fronteiras pelas as quais a vida,
pensamento e a existência são conduzidos. A Antropologia clássica, fundada em noções
rígidas de costume, hábito e cultura, mostra-se suscetível a vícios de pesquisa, que
podem distorcer percepções e resultados. Do mesmo modo, conceitos e pressupostos da
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Biologia quando levados em conta de modo hermético e isolado não podem conceder ao
pesquisador panoramas consistentes a respeito do corpus. Os olhares, quando orientados
pela complexidade e transdisciplinaridade, conduzem a panoramas distintos, dinâmicos
e ambivalentes. Em sistemas orgânicos a existência de imprevisibilidade, entropia ou a
falha de um dos componentes abre espaços para aprendizados e adaptações. As
fronteiras entre indivíduo, sociedade, natureza, convenção, ritual e cultura veem-se
gradativamente dissolvidas.
Momentos lúdicos demonstram reapropriações de códigos utilizados na
comunicação cotidiana, durante jogos e brincadeiras os significados podem ser
diferentes dos convencionais. Manifestações e expressões emocionais destinados a
grupos ou indivíduos específicos configuram uma das bases para o raciocínio crítico e
lógico. A tríade dinâmica Espécie-Indivíduo-Sociedade origina relações complexas de
ordem fisiológica, psicológica/individual e antropológica/social. Desta forma, sistemas
de vida desconstroem-se e reconstroem-se contínua e simultaneamente, adaptando-se a
cada geração. O pensamento complexo, ao presumir contradições e mutabilidade,
permite ao homem que reaprenda sobre suas origens, revisitando-as. Assim, busca-se
compreender de uma forma não simplista ou excessivamente sintética a multiplicidade
de manifestações assumida pela natureza humana.
É importante que uma sistematização sociocultural, ecológica, econômica,
biológica, psicológica e antropológica do indivíduo e do ambiente humano leve em
conta múltiplas dimensões e predisposições históricas, adaptativas e genéticas, as quais,
por vezes, se relacionam sob lógicas entrópicas e não funcionais. Desta forma,
criatividade,
fisiologia,
espiritualidade
e
sociabilidade
constituem
estruturas
inseparáveis para o pensamento social. A complexificação de regras e valores faz-se
importante para atender necessidades biológicas e de convivência, o que, por sua vez,
demanda sofisticação dos recursos e codificações linguísticos.
A gênese social do homem contempla um conjunto de indivíduos
biologicamente distintos que atuam em grupos e papéis variados em prol de um
interesse comum. A juventude, destituída de classe formal, ainda em contato com
ambiente materno, mas já introduzida ao contexto da caça, encontra em atividades
lúdicas a força motriz para inovações, experimentações e preparação para a vida adulta.
A convivência ambígua e simultânea dos jovens respalda o pensamento criativo, e
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inovador, celebrado em jogos, festas e rituais. Exercer e exercitar a expressão dos
sentidos e dos sentimentos contribui para o desenvolvimento de articulações
tecnológicas e sociais.
Variáveis sociobiológicas e psicossociais levaram à interação e à integração
entre
espécie-indivíduo-sociedade
de
maneira
a
constituir
protoculturas
e,
posteriormente, culturas. Antes mesmo do desenvolvimento cultural pleno existiam
hábitos, costumes, modelos e procedimentos. A gênese cultural é percebida quando as
relações entre tais assuntos evoluem para sistemas generativos de alta complexidade, em
cuja coexistência ambivalente de forças e discursos faz com que sociedade e indivíduos
perpetuem relações de ensino, aprendizado e inovação. Daí o centro do processo de
humanização: mecanismos culturais e biológicos atuam complementarmente de forma a
tornar complexos cérebro, corpo e organização social.
As vivências emocional e experimental, atividades comumente ligadas à infância
e juventude, contribuem para o fenômeno da cerebralização, processo em que o cérebro,
nó górdio da hominização, desenvolve-se em um relacionamento contínuo com o
contexto que o cerca, intercomunicando estruturas de modo a problematizá-las, tecendo
redes generativas de conhecimento e complexificando a si mesmo. Cultura, contexto e
comunicação são essenciais para que um cérebro avançado como o do homo sapiens
busque
desenvolver
suas
plenas
capacidades.
Cultura
e
atividade
cerebral
retroalimentam-se. Quando abolidas as fronteiras rígidas entre Natureza e Cultura,
admitindo que hábitos, costumes e estruturas que definem o comportamento humano
têm origem híbrida, não parece estranho afirmar que o estado dos conhecimentos há de
permanecer com certo grau de imperfeição, assimetria, entropia, dúvida e mistério. A
percepção e a explicação da realidade por parte do pensamento do homem são
permeadas por subjetividades, incertezas, ineficiência e inacabamento. Imagens, crenças
e personagens de origem mágica, mítica e simbólica traduzem, de diferentes maneiras,
sensações e anseios imersos no inconsciente da história da comunicação e evolução
biopsicossocial do ser humano.
A juvenilização, fenômeno em que, através de gerações, o pensamento jovem e
inovador se infiltra na conduta social, permite que crenças, mitos, jogos, celebrações,
entre outras atividade de natureza predominantemente emocional e complexificante,
constituam redes inacabadas e generativas de significações subjetivas e abrangentes. A
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magia é uma negociação com imagens e personagens; entidades sobrenaturais. O ritual
sazonal ou diário não só reforça a noção de tempo e espaço, mas também possui
preocupações ecológicas, de ressonância com outros seres e ambientes. Daí pode-se
identificar uma espécie de economia simbólica primitiva, em que se estabelecem
hierarquias, funções, regras e valores para que aconteça o, por assim dizer, comércio e
argumento ontológico.
Inquietude, questionamento e erro desdobram da contradição e incerteza
crepusculares característicos do imaginário. Surgem dúvidas sobre as fronteiras entre
corpo biológico e sensorial, mente e mundo sensível. Falha, receio, medo do incerto e
ilusão são parte do pensamento e da imperfeita existência humana. A emotividade acaba
por influir nas mais corriqueiras atividades, condutas e ideologias. Riso e choro, assim
como o prazer orgástico, são fenômenos misteriosos que se manifestam no homem
como em nenhum outro ser. Erro, frustração, magia, crença, instabilidade e insatisfação
estão intimamente relacionados ao transe, à vertigem e às apropriações mnésicas e
identitárias do ser humano. As estruturas criadas pelo homo sapiens tendem a ser mais
entrópicas que as da natureza biológica. O pensamento humano introduz perversão e
desordem generativas no mundo. Com o imaginário, o homem, loquens, socius, faber,
agora é demens, ou, em interpretação literal, fora de sua mente, de sua consciência.
Surge, então, a face do homem escondido pelo conceito tranqüilizador e emoliente
de sapiens. Trata-se de um ser de uma afetividade imensa e instável, que sorri, ri,
chora, um ser ansioso e angustiado, um ser gozador, embriagado, extático, violento,
furioso, amante, um ser invadido pelo imaginário, um ser que conhece a morte e não
pode acreditar nela, um ser que segrega mito e magia, um ser possuído pelos
espíritos e pelos deuses, um ser que se alimenta de ilusões e de quimeras, um ser
subjetivo cujas relações com o mundo objetivo são sempre incertas, um ser
submetido ao erro, ao devaneio, [...] que produz a desordem. (MORIN, 1975, p.116)
Já não se pode opor razão e loucura, ambas são complementares à inquietude
dos anseios humanos. A Verdade do homem comporta inconsequência e contradição.
Espécie, indivíduo e sociedade não rumam em direção à racionalização beata e utópica,
mas vivem uma mistura entre afetivo e beligerante, sorte e máscara, mérito e vertigem.
Assim sendo, legítimas estruturas generativas, tais vetores e contradições desencadeiam
ciclos de hipercomplexidade, em que referenciação e abstração tecem novas relações
biopsicossociais.
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3. Sapiens, Demens, Ludens
Huizinga (1993) interpreta o jogo como função significante, ação produtora de
sentido. A atividade lúdica cativa, fascina, excita e socializa, opera em realidades
autônomas e abstratas sem aparentes preocupações objetivas imediatistas; imaginam-se,
a partir do existir terreno, ontologias diversas, alternativas simulatórias. Propõe-se ao
jogador uma evasão temporária da vida real. De livre adesão, desinteressado e limitado
espaço-temporalmente, o jogo organiza e mobiliza os envolvidos, ordena determinado
conjunto de preceitos. Tensão, incerteza, segredo e mistério são responsáveis pelo grau
de sedução e desafio do jogo. Há de se estabelecer, entre os jogadores, certa
cumplicidade, oriunda do entendimento e cumprimento das regras e códigos internos e
exclusivos daquele ambiente lúdico.
Tais princípios irracionais e imateriais, características do jogo, e, ao mesmo
tempo, tão cativantes ao homem, estimulam nova discussão acerca da sapiência e do
racionalismo humanos. Tamanha a influência e onipresença dos jogos na vida do
homem, que se sugere que o homo também possa ser considerado ludens. Este trabalho
considera, apesar de não ter sido encontrado diálogo formal entre os autores, que o
sufixo ludens, sugerido por Huizinga (1993) e adotado por Caillois (1990),
complementa a partícula demens, concebida por Morin (1975), uma vez que os jogos
integram e confundem-se com boa parte do imaginário antagônico e inconstante do ser
humano.
Caillois (1990), com olhar antropológico, categoriza os jogos de acordo com
estrutura social e imaginário mitológico. Em contextos em que religião e mito exercem
influência majoritária no cotidiano dos integrantes, jogos em geral têm como princípios
a máscara (simulacro, mimicry) e o transe (vertigem, ilinx). Em tais espaços lúdicos,
ritualização, hierarquia e cumplicidade respaldam o pensamento mágico por meio de
encontros, celebrações e cerimoniais. A máscara relaciona-se com a incorporação de
entidades e identidades; um indivíduo específico é selecionado para vestir a máscara e,
ao fazê-lo, de acordo com a crença de tribos africanas, por exemplo, concede seu corpo
a uma nova consciência, abdica de si mesmo em prol da negociação com entes
sobrenaturais. O uso da máscara está, na maioria das vezes, ligado à sintonia com a
natureza e ao uso de substâncias alucinógenas, substratos químicos que alteram a
percepção do real. A fabricação da máscara tem caráter predominantemente artesanal e
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misterioso; por ser objeto de comunicação e negociação com o sagrado, ela é única, não
é acessível a todos e fica escondida enquanto não é utilizada. Questionamentos acerca
dos fenômenos sobrenaturais e desenvolvimento científico alteram os fundamentos
sociais dos jogos, que passam a priorizar mérito (desejo de triunfar, ambição, agôn) e
sorte (igualdade, risco, acaso, álea).
Em ambos os casos, estrutura e mentalidade sociais vigentes conformam e
justificam a atuação lúdica, e vice versa. A mudança de mentalidade afeta os níveis
estético, ético e lógico da convivência biopsicossocial; aparecem novos espaços de
convivência, novos modelos de discussão, reflexão e produção do conhecimento.
Nenhum destes regimes tornar-se-á absoluto ou estático, a sociedade complexa é um
sistema adaptativo que tem seus mecanismos regulados por mimicry, ilinx, agôn e álea.
Tanto pensamento social contemporâneo quanto seus jogos e disputas têm caráter
prioritariamente racionalista, ainda assim, o pensamento mágico-mítico se faz presente,
ainda que de maneira degenerada, no convívio e nas relações culturais. Ambientes e
tecnologias comunicacionais alimentados pela indústria cultural, dentre eles, cinema,
televisão, além de shows e festas de música eletrônica, são exemplos da resistência da
máscara misteriosa, do transe instável e da alucinação esquizofrênica em um contexto
de valorização predominante do mérito ambicioso e da sorte igualitária.
Quando se busca entender os jogos sob uma perspectiva complexa e
multidisciplinar, Iconologia e Etologia tendem a uma mescla ambivalente. Órgãos
sensoriais estão intimamente relacionados à produção imagética e mítica; extensões
corporais (ferramentas e instrumentos) colaboram para a produção de linguagens
figurativas; o espaço territorial, local de convivência e de construção de memória e
identidade, serve de superfície para interferências, que possuem, também, caráter
lúdico, de registro e de simulação.
4. Imagens circenses, clownescas, biológicas e divinas
Bolognesi (2003) disserta em tom celebrativo acerca dos costumes e hábitos
circenses e clownescos. O circo é um ambiente social no qual coexistem pensamento
criativo e ilusão, além de críticas e reflexões estéticas, éticas e lógicas. Imagens,
máscaras e anúncios circenses transparecem exotismo, imperfeição, assimetria e
bipolaridade. Imaginam-se tipos e situações polêmicas, esquizofrênicas, anárquicas,
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espetaculares e efêmeras. A apresentação circense explora, em nome de um
entretenimento carnavalizante e generativo, as associações entre cultura, antropologia,
ecologia, magia, ritualização, emoção e fisiologia. O circo, efervescente de
experimentalismos, contribui para a inovação contrapondo misterioso e desconhecido a
formatos,
cerimoniais
e
linguagens
arraigados.
Apresentam-se
performances
sinestésicas que impressionam pela complexidade formal e conceitual. Há espaço para
todo o tipo de manifestação artística e tecnológica: atuação, pintura, música, escultura,
todas executadas hibridamente e com boa dose de improvisação. A ambivalência,
presença de discursos e vozes opostos e intensos, gera contrastes, tensões; espaços
comunicacionais e imaginários multidimensionais que provocam, problematizam,
confundem, e, simultaneamente, significam e esclarecem. Temas divinos e grotescos
coexistem complementarmente. As manifestações circenses subvertem tanto as noções
de propriedade como as barreiras entre público e privado. Jogos e esportes também
estão presentes no picadeiro, do transe à sorte, as narrativas são construídas de maneira
a conduzir os interlocutores a uma catarse mais ou menos colaborativa. Processos de
capitalização e midiatização da apresentação circense tornaram-na ainda mais impura.
Tanto a ressignificação de personagens e papeis quanto o avanço tecnológico
contribuíram
para
a
reconfiguração
de
parte
do
imaginário
circense
na
contemporaneidade.
O palhaço não se reduz a um mero integrante do circo, desenvolve ali muitas de
suas habilidades e potencialidades, mas está presente em outros meios e contextos. Sua
imagem, oportunista e chamativa, se destaca diante do ordinário. O exagero
predominantemente estético nos trejeitos do palhaço fundamenta pensamentos de teor
ético e lógico. A maquiagem-máscara é elaborada de modo a realçar caráter e
comportamento grotescos do personagem; olhos, nariz e boca são destituídos de suas
formas convencionais, originando ilusões e hipérboles faciais. Os olhos, marcados pela
subjetividade, anunciam e antecipam as intenções e movimentos do protagonista. O
nariz, quase sempre avermelhado, relaciona-se com secreções e com o falo. Bochechas
rosadas denunciam a tendência do inocente palhaço à embriaguez. A pele esbranquiçada
tende a transmitir um desconforto, irônico, anêmico e desumanizante, que contribui para
o distanciamento do espectador e, consequentemente, o fenômeno do riso
ridicularizador. A boca, contrastantemente vermelha e grotescamente erotizada, símbolo
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de absorção e deglutição, é o centro da face cômica. A interação ambivalente entre os
órgãos sugere ao espectador uma aproximação sinestésica durante a performance. O
corpo, matéria para reflexões acerca de realidade e imaginários sociais, culturais e
psicológicos, é princípio da atuação circense:
A matriz do circo é o corpo, ora sublime ora grotesco. O corpo não é uma coisa, mas
um organismo vivo que desafia seus próprios limites. [...] O corpo feito espetáculo
deixa de lado a roupa cotidiana que o esconde para se mostrar em sua grandeza
contraditória, no jogo incessante entre o sublime e o grotesco. Espetacularmente, ele
se desnuda para revelar toda a sua potencialidade. (BOLOGNESI, 2003, p.189)
Apesar de possuírem aparência antropomórfica, deuses, homens, palhaços e
macacos têm diferenças fundamentais na constituição imaginária (Figura 1). Enquanto
deuses caracterizam-se pela existência superior, atemporal, além de perspicácia, clareza
e onipotência, palhaços e macacos são imagens de degeneração, confusão,
desorganização, impotência e imperícia. Resta ao homem uma existência dual e
ambivalente, entre a utópica sapiência imaterial divina e a corporeidade demente,
profana e animalesca do palhaço e do macaco.
Figura 1: Separações, declínios e decadências entre Deus, homem, palhaço e macaco.
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Zücker (1954).
A leitura de Zücker (1954) permite presumir que o principal sustentáculo
ontológico do palhaço está em sua audiência, com a qual possui uma relação de
cumplicidade, crítica e parasitismo. O palhaço não possui fé religiosa nem engajamento
político, científico ou filosófico aparentes, suas ações não inspiram coragem ou
confiança, ao contrário, denotam inaptidão, irresponsabilidade e instabilidade. O riso
demanda certa dose de impiedade e impessoalidade por parte do público; daí constituise uma hierarquia virtual, mais ou menos ilusória, na qual o singelo personagem parece
ocupar uma posição inferior, já o interlocutor, por sua vez, coloca-se em condição de
superioridade ao assistir às peripécias aparentemente ingênuasi. Fruto de sua
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personalidade, a atuação do palhaço insiste no incerto, na falha e na frustração. O quão
humano é o palhaço? Sua aparência leva ao descompromisso e à não-compaixão
próprios do humor satírico, porém, suas atitudes, perseverantes no erro, revelam uma
espécie de humanização exacerbada. Teimosia, dúvida, medo, êxtase, sonho, devassidão
e inconsequência são próprios do homem e hiperbólicos no palhaço. O pensamento do
palhaço provoca, hominiza e humaniza:
In a world which tends toward an absolute functionalization of the human, where
man, faced with the myth of an unchangeable mechanism, drops into stupor, while
he is manipulated and directed by powers out of his reach and his understanding – in
such a world the clown becomes necessary again, as the one who affirms by
denying. (ZÜCKER, 1954, p. 317)
Nos âmbitos arquetípico, mitológico e religioso, o palhaço é o “senhor da
desordem”, o contraponto ao equilíbrio divino, cósmico, racionalista, sapiens. Sua
conexão com o diabo não é exatamente oposta à intelectualidade humanista, mas
complementar, no sentido de que se elaboram críticas emocionais a um positivismo
idealista. O ridículo pressupõe o sublime, o sublime permite a presença do ridículo; a
performance clownesca, de espírito predominantemente juvenilizante, despreocupado,
apaixonado, criativo, errante e anárquico, afeta a estabilidade identitária dos
espectadores e da sociedade. A influência da figura do palhaço no pensamento social
manifesta-se com toda potência quando a máscara, imagem da marginalidade, torna-se
desejo, anseio, ideal e, consecutivamente, o próprio rosto.
5. O palhaço mítico e tecnológico
O material analisado consiste em dois momentos distintos de uma apresentação
feita pela dupla de DJs The Chemical Brothers. Nos trechos em questão, um mais ao
início do show e outro perto do final, surge a imagem de um palhaço, que parece se
dirigir ao público por meio de expressões e frases ritmadas e repetidas à exaustão. A
performance dos DJs e as reações dos interlocutores foram registrados no documentário
intitulado “Don’t think”, lançado no início de 2012. O espetáculo que deu origem à obra
aconteceu no fim de 2010, em Tóquio, e contou com a presença de mais de cinquenta
mil fãs. Foram utilizadas vinte câmeras para o registro do momento. O longa-metragem
foi exibido nos cinemas e comercializado nos formatos CD (apenas áudio), DVD e BluRay. O trabalho do The Chemical Brothers é bastante influente no cenário internacional
da música eletrônicaii. O grupo é pioneiro no estabelecimento de identidades
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(audio)visuais multimidiáticas, as imagens vinculadas à dupla em diferentes meios
dialogam entre si, constituindo ambientes de significação intertextuais e gerando
expectativa nos fãs. O encontro destas manifestações expressivas tem seu ápice durante
a performance ao vivo. O britânico Adam Smithiii dirige as apresentações do duo e
também assina a direção do documentário. O designer gráfico e artista multimídia
Marcus Lyalliv, que já trabalhou em videoclipes e efeitos especiais e de iluminação para
outros espetáculos de rock e música eletrônica, é o responsável pelo visual de cada
música tocada no show. Utilizar tecnologia para vincular e sincronizar informações
visuais e auditivas, contemplando também outros estímulos sensoriais, como tato e
olfato, possibilita ao público uma experiência altamente imersiva e emocionante, quiçá
catártica. Um trabalho como este demanda investimentos generosos e pesquisas que
abranjam as congruências entre tecnologia, design, iluminação, mídia, recepção e
captação de imagens.
O conteúdo visualizado no DVD configura uma seleção duplamente parcial da
realidade. As imagens ali disponíveis não são “neutras” ou desinteressadas, filmagem e
edição conferem parcialidade e intencionalidade ao documentário final. Tais imagens
não são equivalentes à realidade em si, mas se referem a fragmentos do real. Por meio
do conteúdo disponibilizado no longa-metragem, não se tem acesso irrestrito ao
acontecido no show, mas a um recorte permeado de filtros, convenções e intenções.
Efeitos e recursos utilizados na edição, como movimentos rápidos de câmera,
pixelização, desfoque excessivo, distorção, alta exposição luminosa etc. seriam
considerados inconvenientes se aplicados em outros filmes, porém, em “Don’t think”
contribuem para transmitir as ideias de lisergia, vertigem, emotividade, euforia e
agitação.
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Figura 2: Mosaico com frames-chave da primeira aparição do palhaço na apresentação.
Fonte: Adaptado do DVD “Don’t think”.
Em sua primeira aparição (Figura 2), a imagem clownesca aparece e desaparece
em diferentes pontos da tela para reiterar a frase “Just get yourself high” v, que constitui
a letra da música que a acompanha. A imagem revela somente a cabeça do palhaço, que
parece emergir da escuridão; não há indício de corpo. Conforme denotam as imagens
das reações dos espectadores (Figura 4, nas páginas seguintes), a atenção do público
tende a voltar-se à expressão facial do personagem, grotesca, esquizofrênica e carregada
de ironia.
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Figura 3: Mosaico com frames-chave da segunda aparição do palhaço na
apresentação (1º e 2º momentos).
Fonte: Adaptado do DVD “Don’t think”.
A segunda aparição de palhaços (Figura 3), mais ao final da apresentação,
acontece em dois momentos: primeiramente, a tela principal mostra imagens de crianças
maquiadas entoando suave, rítmica e repetidamente a frase “You’re all my children...”.
Apenas a cabeça das crianças aparece e, conforme as vozes tomam um tom mais agudo,
novos rostos infantis ajudam a compor o coral. Ao contrario dos palhaços adultos, as
crianças não possuem fisionomia grotesca e não parecem olhar diretamente para o
espectador. A transição para o segundo momento é realizada bruscamente, evidenciando
o contraste de tamanho e som presente entre as imagens: de forma repentina, a grande
imagem de um palhaço adulto substitui as pequenas e esparsas projeções na tela. O
personagem, com expressão autoritária, completa com um tom de voz grave a frase
iniciada pelas crianças: “You’re all my children NOW”. As reações registradas do
público presente exibem indivíduos estarrecidos. Alguns se mostram impressionados ou
assustados, a maioria está com o olhar cativado pela imagem, fixo na tela.
A iluminação das faces dos palhaços adultos é de grande importância para a
efetivação do efeito aterrorizante no público. A luz, que vem de baixo e “estoura” no
rosto do personagem, evidencia expressões exageradas, rugas e imperfeições no rosto
dos atores. O fundo permanece negro, não há referência de perspectiva ou ponto de
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fuga, a luz branca que emana da imagem é a única a iluminar o ambiente. A tecnologia
desempenha um papel fundamental neste processo essencialmente emocional. A tela em
alta resolução e o sistema de som permitem uma experiência imersiva e de aproximação
sinestésica, o tamanho físico da imagem e a voz gutural do palhaço fazem lembrar
entidades sobrenaturais, inumanas.
6. Efeitos, fisionomias e expressões
A apresentação do The Chemical Brothers pode ser considerada uma rede
complexa de significados, temporalidades e intencionalidades. As imagens ali
articuladas
contribuem
para
a
formação
de
um
ambiente
lúdico
híbrido,
simultaneamente virtual/conceitual e material. Com ajuda da tecnologia, as festas de
música eletrônica evidenciam seu caráter ritualístico, mágico, mítico, lúdico e
degenerado. Sabe-se que o palhaço que dialoga com os espectadores não é real, é um
personagem ficcional, ainda assim, o modo como a imagem é apresentada faz com que
possua poder efetivo sobre as emoções do público. A interferência emocional respalda
posteriores reflexões nos âmbitos estético, ético e lógico.
[A “realização pela representação”, característica dos jogos] É executada no interior
de um espaço circunscrito sob a forma de festa, isto é, dentro de um espírito de
alegria e liberdade. Em sua intenção é delimitado um universo próprio de valor
temporário. Mas seus efeitos não cessam depois de acabado o jogo; seu esplendor
continua sendo projetado sobre o mundo de todos os dias, influência benéfica que
garante a segurança, a ordem e a prosperidade de todo o grupo até à próxima época
dos rituais sagrados. (HUIZINGA, 1993, p. 17)
Etologicamente, a gestualidade é interpretada como fundamental para a
comunicação social. Nos espaços lúdicos, imitação, mímica e troca temporária de
identidade relacionam-se com possível alteração dos valores e regras convencionados
por um grupo social. Na festa de música eletrônica, diante da imagem tecnológica
imponente, a dança pode ser entendida como uma resposta corporal, fisiológica, quase
automática, aos estímulos multissensoriais; é impossível manter-se indiferente durante
um ritual festivo conduzido por imagens. De fato, devido ao volume altíssimo da
música e dos efeitos sonoros, não raro torna-se inviável comunicar-se por meio da fala.
Devido a estas circunstâncias ambientais, temporariamente, gestualidade e leitura labial
são utilizadas para a comunicação interpessoal.
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Durante o show do The Chemical Brothers, como em outras festas e
apresentações e diferentemente, por exemplo, da linguagem cinematográfica, não se
exige do interlocutor uma postura passiva, de concentração e acompanhamento de
narrativas dispostas de forma linear. O ambiente festivo tende à diversidade, à recepção
fragmentada e subjetiva dos conteúdos. Enquanto ouve a música e observa as imagens,
o ocupante do espaço é livre para circular, beber, fechar os olhos, abraçar, agarrar,
pular, beijar etc. A atração sexual torna-se bastante evidente nos contextos em questão.
Ropartz (1983) relaciona o prazer proporcionado pelo beijo à amamentação, à
alimentação, à cumplicidade e ao afeto. Nos símios, domínio territorial, identidade,
espacialidade e hierarquia são indicados pelo órgão sexual. A promiscuidade pode
representar o anseio pela afirmação identitária. O simulacro lúdico, musical e imagético,
ode à liberdade, tende a catalisar tais impulsos fisiológicos, tornando excitação e flerte
constituintes importantes do ritual tecnológico celebrativo.
Em momentos distintos, dois atores interpretam os palhaços adultos; presença e
influência do personagem não dependem do indivíduo que o incorpora, mas da
utilização da maquiagem-máscara. O nome do palhaço não é divulgado. O personagem
dispensa apresentação, invade repentina e autoritariamente o campo visual para dar
ordens ao espectador. O tempo em que o palhaço se torna visível se limita ao da
pronúncia de frases sintéticas e repetitivas, impossibilitando abordagens analíticas
densas in loco. A imagem misteriosa e fugaz subverte controle e expectativas do olhar,
que acaba confuso. Resta ao indivíduo, desorientado e impotente, encarar o telão em
busca de informação, numa espécie de contemplação, como mostram as filmagens
(Figura 4). A manifestação do “palhaço mau” causa estarrecimento na audiência porque,
ao contrário da performance do palhaço de picadeiro, não possui intenção humorística
ou de descontração. Devido às proporções físicas da imagem e à expressividade intensa
do personagem, a comunicação sofre uma espécie de inversão: a figura grotesca toma o
controle da apresentação e, em posição de visível superioridade, manipula e zomba do
público.
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Figura 4: Expressões do público em relação às imagens apresentadas.
Fonte: Adaptado do DVD “Don’t think”.
Na primeira aparição (Figura 4, #1.), próxima ao início do show, o palhaço,
aparentemente malicioso, irônico e nada confiável, insiste ao espectador que imerja na
realidade das imagens projetadas. A frase “Just get yourself high”, repetida
exaustivamente, tende a instigar e provocar o interlocutor. Perto do final do espetáculo,
o aspecto pueril das imagens (Figura 4, #2.1.), de crianças inocentes e ingênuas,
conduzem o espectador a um momento de cumplicidade e envolvimento. O palhaço
adulto, imponente e autoritário, surge pela segunda vez (Figura 4, #2.2.) para ressaltar
que a audiência está sob seu controle. “You’re all my children now” esclarece que, uma
vez entregue às projeções e ao espírito crepuscular e anárquico, não há mais volta. A
palavra “children” possui forte conotação emocional, ritualística e religiosa; caso
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tivessem sido usadas expressões como “slaves” ou “followers” a sentença não possuiria
o mesmo impacto. Não há escolha, agora todos são filhos de uma entidade
exacerbadamente ácida, inconstante, expressiva, emocional, grotesca e humana.
A utilização da figura do palhaço em um espetáculo ritualístico, celebrativo,
libertário e tecnológico respalda reflexões acerca da condição humana na
contemporaneidade. As bases emocionais da racionalidade evidenciam o caráter
ambivalente dos processos que envolvem apreensão e significação do mundo real.
Matrizes biológicas, antropológicas e psicológicas contribuem para que espécie,
indivíduo e sociedade constituam um sistema complexo, generativo e adaptativo de
negociação com a realidade, que configura a própria existência. Em geral, a indústria
cultural concebe, ressignifica e apropria-se de ideias, personagens e entidades cujo
estudo é contributivo para a compreensão das relações entre convívio social e
pensamento mágico. Uma análise comparativa complexa entre o palhaço da
apresentação em questão e outras figuras circenses grotescas pode identificar novos
padrões comunicacionais, fundamentos da humanização, presentes, sob as mais variadas
formas, em diferentes culturas e sociedades.
Referências
BOLOGNESI, Mário Fernando. Palhaços. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Edições
Cotovia, 1990.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva, 1993.
MORIN, Edgar. O enigma do homem: para uma nova antropologia. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1975.
ROPARTZ, Philippe. A etologia humana. In: AKOUN, André. Dicionário de
antropologia: do homem primitivo às sociedades atuais. Lisboa: Verbo, 1983.
ZUCKER, Wolfgang M. The image of the clown. In: The Journal of Aesthetics and Art
Criticism. V. 12, N. 3, 1954, p.310-317.
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i
“The clown, in spite of his monstrosity, is still human enough to serve as an object of comparison; but
the gods and the mythological masters also have human features. Man feels painfully his separation from
the unattainable Heights of those above him, but his pain is alleviated by the discovery that there still
exists somebody as far removed from man as man is from God. The merry laughter about the clown is not
different from the laughter of the children in front a monkey cage.” (ZÜCKER, 1954, p.314)
ii
Os dados sobre os envolvidos na produção do show podem ser encontrados na página oficial do The
Chemical Brothers: <http://www.thechemicalbrothers.com>. Acesso em: 31 jul. 2012.
iii
Outros trabalhos de Smith podem ser encontrados em <http://www.flatnosegeorge.com/>. Acesso em:
31 jul 2012.
iv
Outros trabalhos de Lyall podem ser visualizados em <http://marcuslyall.co.uk/>. Acesso em: 31 jul
2012.
v
Em tradução livre do inglês, “Apenas fique alto”. A gíria “ficar alto” se refere à alteração de
consciência, que pode acontecer por meio do uso de substâncias alucinógenas e/ou da vertigem provocada
pelas luzes estroboscópicas e lasers de alta potência.
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Guilherme Henrique de Oliveira Cestari