INTEGRAÇÃO ENSINO E PESQUISA UMA EXPERIÊNCIA EM HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO
LEONEL, Zélia(702)
Universidade Estadual de Maringá
RESUMO
Uma das questões que compõe a pauta de discussão dos cursos de PósGraduação em educação é a que trata da vinculação entre ensino e pesquisa. Este artigo
pretende alimentar essa discussão, alierçado na experiência com o ensino da disciplina
Fundamentos Históricos-Filosóficos da Educação II, e com os estudos realizados no
programa A Origem da Escola Pública¸ vinculado à linha de pesquisa História
Historiografia e Educação do mestrado em Fundamentos da Educação. A concepção de
educação é o ponto de unidade entre essas duas práticas. Entendida, em sentido amplo,
como processo social no qual os homens transformam a realidade ao mesmo tempo em
que se transformam e, em sentido restrito, como ação educativa intencional a ser
decidida nas lutas humanas inerentes a esses processos de transformação, a educação
será aquela dos homens reais tal como eles são e aquela da educação formal tam como
devem ser. A apreensão do fenômeno educativo, historicamente determinado, se faz,
portanto, por aproximações e avanços sucessivos entre ensino e pesquisa, cujo eixo
teórico-metodológico estabelece o fluxo contínuo entre os dois discursos.
A integração do ensino com a pesquisa tem-se constituído em um dos itens mais
importantes na qualificação dos cursos de pós-graduação pelos comitês de avaliação.
Este texto tem como objetivo apresentar os primeiros resultados de uma experiência
realizada no Curso de Mestrado em Fundamentos da Educação, estritamente vinculada
ao ensino da disciplina Fundamentos Histórico-Filosóficos da Educação II (FHFE) e o
programa de pesquisa A Origem da Escola Pública. A disciplina tem como ementa:
"análise das idéias educacionais sugeridas no processo de luta contra a sociedade feudal
até meados do século XIX,
quando então a luta de classes toma nova direção e é
criada a escola pública, com o objetivo de reconhecer a partir daí as transformações
ocorridas na estrutura do pensamento em geral e do pensamento educacional em
particular", enquanto que o Programa visa, sobretudo, "elucidar as intenções da
campanha universal pela democratização do ensino, levada a efeito pelos países
desenvolvidos, concomitante ao processo de reorganização do capital em fins do século
XIX e começo do século XX, que culminou com a intervenção do Estado na criação da
escola primária de ensino obrigatório para as classes populares e na conseqüente
organização dos Sistemas Nacionais de Educação".
Estes dois programas (ensino-pesquisa) vinculam-se ao projeto do Curso, cujas
atividades de ensino e pesquisa estão estruturadas em torno de um eixo teóricometodológico denominado Formas Históricas do Trabalho e Educação, de tal modo que
o trabalho(703), tomado como categoria explicativa do fenômeno educativo, constitui-se
no ponto de referência/convergência da ação docente e discente. Em outras palavras,
interessa, sobretudo, apreender, na multiplicidade dos registros históricos de cada época,
as lutas que os homens travam entre si para conservar ou destruir uma determinada
ordem social ameaçada pela forma de produção da sua vida material e no interior da qual
o objeto educação se manifestará entre desejos de reproduzir velhos comportamentos,
através da ação pedagógica, ou produzir novos.
Na medida em que as fontes consultadas, independentemente das áreas de
conhecimento, permitem ver homens reais deixando de existir numa determinada forma
de sociedade, abandonando com ela comportamentos que haviam adotados como
necessários e começam apresentar outros comportamentos mais de acordo com as
exigências da nova ordem, o objeto ganha historicidade, não como coisa mas como
relação social e a história torna-se o único critério de verdade.
A disciplina FHE tem a função de iniciar esse diálogo teórico-metodológico
que, depois, terá continuidade no desenvolvimento dos projetos vinculados ao programa
de pesquisa A Origem da Escola Pública(704) com vistas a ampliar e aprofundar o
conhecimento sobre o objeto e tendo como tese o pressuposto de que toda organização
social encontra na ação pedagógica escolar um meio de transmitir seu ideário de unidade
social, quando as relações estabelecidas para a produção da vida material entram em
processo de dissolução. Assim, a origem da escola pública de ensino laico, obrigatório e
gratuito estaria ligada ao início do processo de dissolução das relações burguesas de
produção da vida material e, conseqüentemente, teria sido criada com a finalidade de
expandir virtudes sociais de solidariedade, altruísmo e benevolência, enfim de harmonia
entre as classes, que a luta, cada vez mais competitiva pela vida faz esquecer.
Desse
ponto de vista, as teorias educacionais não seriam mais do que um suplemento ideal do
que a vida ensina, isto é, o dever ser em oposição ao ser. Enquanto o êxito na vida dos
negócios privados não exclui a astúcia, a dissimulação, a cobiça, o logro, a inveja das
relações humanas a escola estimularia as virtudes sociais do cidadão.
Essa tese central dá sentido e orienta o eixo discursivo da disciplina e das
pesquisas, cujo desenvolvimento se baseia na leitura dos clássicos para o domínio dos
conhecimentos relativos às transformações ocorridas no processo do trabalho na
transição para a modernidade até a crise da sociedade contemporânea. Em seguida,
busca-se
o
conhecimento
do
objeto
de
investigação
propriamente
dito,
preponderantemente, nas fontes primárias - documentais e/ou bibliográficas - do século
XIX. Os primeiros estudos são realizados basicamente com apoio nos clássicos (Tasse,
Montaigne, Locke, Rousseau, Smith, Condorcet, Benjamim Constant, Balzac, etc.) que,
em geral, são portadores das novas idéias educacionais sugeridas nas lutas contra o
passado feudal até a sistematização dessas idéias numa teoria educacional no final do
processo. Destaca-se entre esses estudos a análise comparativa do conjunto das obras de
Locke com o conjunto das obras de Rousseau visando cotejar duas concepções de
homem e duas pedagogias excludentes - liberal e democrática, - cujos princípios são
conflitantes na prática social e nas teorias da atualidade.
Na
segunda
fase
dos
estudos, busca-se na literatura do século XIX ( Guizot, Tocqueville, Renan, entre outros)
a inflexão conservadora do pensamento em geral e seu desdobramento na literatura
educacional (Jules Ferry, Félix Pecáut, Compayré, Croiset, Fouillée, etc), onde se
constrói a crítica àquela pedagogia, agora denominada de tradicional, e se define os
princípios da pedagogia nova.
No conjunto, esses estudos revelam uma mudança de direção nas lutas humanas
e, em decorrência disso, uma descontinuidade na estrutura do pensamento da época com
conseqüências nas teorias educacionais e pedagógicas. Assim, quando se encerram as
lutas da burguesia contra o passado feudal e tem início um novo processo
revolucionário, a pedagogia tradicional é superada pela pedagogia nova, permitindo
desvendar o sentido histórico da chamada "revolução copernicana" pela qual passam as
teorias pedagógicas clássicas e ir além da leitura evolucionista que geralmente se faz
delas, como a que considera natural a pedagogia nova superar a pedagogia tradicional
baseada apenas no cotejar de seus elementos puramente pedagógicos.
Ir além da leitura que se faz não significa romper com a história enquanto
critério de verdade.
Pelo contrário, significa encontrar nas "LUZES" do século XVIII
contra as "trevas" da sociedade feudal, os princípios da pedagogia tradicional e no
processo das lutas que se abre quando aquela se encerra, os princípios da pedagogia
nova.
E nesse trajeto pelo interior das lutas humanas determinadas pelo
desenvolvimento material que é dado ver a concepção de homem passando, em menos
de um século, por um ideário que vai da exaltação do homem revolucionário, destruidor
da ordem feudal, ao seu rebaixamento como conservador da ordem burguesa, ou seja, de
homem que vê seus males na sociedade e por isso deseja destruí-la por inteiro, a homem
que assume os males como próprios de sua natureza e de suas fraquezas, de homem que
se guia unicamente pelas luzes da ciência, a homem guiado pelos sentimentos; de
homem que possui direitos, a homem que precisa sobretudo de deveres; de homem
corajoso, empreendedor e virtuoso consigo mesmo, a homem solidário, altruísta,
benevolente para com os outros.
Todas essas transformações na estrutura do pensamento, decorrentes de
mudanças históricas nas lutas humanas, como: a de 1789, que encerra a luta contra as
"trevas" do passado, e a de 1848, que dá início à moderna luta de classes, estão na
origem das teorias educacionais, dando significado histórico à inversão de valores que a
pedagogia nova traz em relação à pedagogia tradicional, ao transferir a ênfase do
professor para o aluno, do conteúdo para o método, da quantidade para a qualidade, do
método de exposição para o método da experimentação, da objetividade racional para a
subjetividade afetiva, da luta pela vida para a união para a vida.
Seguindo esse mesmo percurso no estudo de seus objetos específicos as
pesquisas que têm por título: Da Vinculação entre Ciências e Relações Sociais ao Ensino
de Ciências na Escola Pública do Século XIX (GALUCH, Maria Terezinha Bellanda.
UEM.1996. Dissertação de Mestrado), A Feminização do Corpo Docente na
Democratização do Ensino no Século XIX (SFORNI, Marta Sueli de Faria. UEM. 1996.
Dissertação de Mestrado) e Idéias que não se Realizam: O Debate sobre a
Educação do Povo no Brasil de 1870 a 1914 (SCHELBAUER, Analete Regina. UEM.
1997. Dissertação de Mestrado) ampliaram e aprofundaram os estudos sobre a Escola
Pública, confirmaram a tese central e enriqueceram o acervo sobre esse tema e esse
período com o levantamento de novas fontes.
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