ENTREVISTA
D. Yousif Thomas Mirkis,
Arcebispo de Kirkuk, Iraque
1) Acredita que o ISIS pode vir a ser derrotado efectivamente?
D. Yousif Thomas Mirkis: É o desejo de quase todos os Iraquianos, mesmo daqueles
que numa primeira fase os acolheram, acreditando que seriam os seus libertadores. Eu
creio que actualmente o problema é que o exército iraquiano é muito fraco e a
coligação está satisfeita por atirar umas bombas do ar. Isso não chega. A extensão da
região ocupada torna difícil a tarefa de os vencer em pouco tempo. No início
pensávamos que três semanas eram suficientes. Mas na realidade não foi o suficiente.
Já passaram onze meses e lembro-me dos americanos terem falado em três anos.
Aguardemos, pois torna-se cada vez mais difícil e desesperante, e é por isso que
actualmente há todos os dias uma mudança de coligações e de políticas, seja o
Governo iraquiano ou as tribos, que pagam um elevado preço para conseguirem
afastar o Estado Islâmico das suas terras. Para isso é verdadeiramente necessária
muita esperança e muito trabalho eficaz por parte de todos no Iraque.
2) Todos os cristãos que, entretanto, fugiram de suas casas, das suas terras, irão
regressar alguma vez? Estarão interessados nisso?
D. Yousif Thomas Mirkis: É uma pergunta muito difícil de responder. Os que querem
roubar as casas não são apenas os elementos do ISIS, mas os próprios vizinhos. São as
aldeias sunitas, muçulmanas, e talvez também curdas, que roubaram essas casas. Por
isso, os Cristãos têm medo, o que é compreensível. Claro que gostariam de regressar a
suas casas porque perderam tudo, e se não regressarem a suas casas vão ficar mesmo
sem nada. Será que desejam regressar? Muitos hesitam porque a curto prazo fala-se
de casas minadas, com bombas. Vimos em Tikrit que as casas e as ruas estavam
minadas. Havia bombas por toda a parte e receamos que as bombas rebentem e
matem aqueles que regressarem. Por essa razão precisamos que o Ocidente, com os
meios de que dispõe, possa ajudar-nos a retirar as minas dos bairros e das cidades,
minas essas que podem matar as crianças e as pessoas que desejam regressar a suas
casas. Este é o método do Estado islâmico, de querer continuar a fazer a guerra mesmo
depois de se ter ido embora.
3) Como será o Iraque e todo o Médio Oriente se esta purga aos cristãos continuar?
D. Yousif Thomas Mirkis: A perseguição aos Cristãos, com efeito, faz parte da guerra
entre o Oriente e o Ocidente. Há uma semelhança entre o fanatismo muçulmano
espalhado por todo o mundo, seja o Boko Haram, na Tchechénia ou nas Filipinas, agora
no Próximo Oriente, ou a Al-Qaeda. Essas pessoas na verdade desejam separar o
Oriente do Ocidente e não querem reconhecer que actualmente a civilização ocidental
é a mais forte. Por isso, fazem lavagens ao cérebro de pessoas que se suicidam,
kamikaze que se suicidam para tentar provocar o medo, e o método do Estado islâmico
é ainda mais sofisticado porque usam os meios de comunicação que chegam a
qualquer sítio. Mataram vinte e um coptas cristãos na Líbia e anteontem tivemos
conhecimento que mataram também vinte e oito etíopes cristãos. O que eu verifico é
que de tempos a tempos lançam um filme, bem montado e preparado, com métodos
que podemos dizer pertencem a Hollywood, feitos com muita inteligência e maldade,
com o fim de chocar o mundo inteiro. O facto de exibir pessoas mortas provoca medo a
todas as pessoas. É por essa razão que a perseguição aos Cristãos faz parte de uma
perseguição mais abrangente. Os Cristãos são pacifistas, não têm armas, nem milícias
e não se defendem. Por isso, a perseguição aos Cristãos faz parte de uma guerra maior,
entre os xiitas e os sunitas, entre Israel e os outros países, e o facto de chocarem e
provocarem o medo tem consequências muito maiores, porque se esta situação
continuar as pequenas minorias de cristãos no Próximo Oriente vão partir. O Próximo
Oriente o Iraque, a Síria, a Jordânia, a Palestina, vão ficar sem cristãos. Mas isto não
resolve o problema porque o mundo inteiro tem de enfrentar este tipo de terrorismo
que é o prelúdio de uma terceira guerra mundial. Se olharmos para o mapa
observamos que a mesma situação se repete na Nigéria e no Egipto. Obviamente o
Egipto atravessou o túnel e afastou a Irmandade Muçulmana do poder, mas é a
mesma coisa, é o mesmo método. Por esse motivo, na minha opinião é necessário que
o mundo inteiro acorde para encontrar uma solução. Actualmente, com a globalização,
não podemos cortar o mundo aos bocados. Tudo o que fazemos aqui afecta as outras
partes. O Ocidente sofreu isto na pele com todas as suas tentativas de invasão, seja
com a imigração ou os atentados ao Charlie Hebdo ou ao comboio em Espanha ou o
atentado em 2001, que já parece ter sido há muito tempo, ao World Trade Center, em
Nova Iorque. Há uma metodologia e uma vontade de quebrar e de se aproveitar do
Ocidente que dorme e se preocupa com os seus próprios problemas, que está mais
preocupado com a subida do dólar e a descida do euro do que com o que se passa nos
outros lugares. Mas é muito inquietante a questão imigração e todas as pessoas que se
afogam. Há alguns dias atrás havia um barco com cristãos e muçulmanos que queriam
ir para a Europa. Os cristãos foram deitados ao mar e afogaram-se. Isto significa que o
interior deste barco é como se fosse o mundo inteiro em miniatura, é a imagem do
mundo inteiro que não aceita a diferença. Por isso, não podemos esquecer que não são
apenas os Cristãos que são perseguidos. Todas as minorias são perseguidas, todos os
que são diferentes são perseguidos. De um lado temos um pensamento liberal que
aceita o outro e do outro lado temos um pensamento muito estreito que recusa aceitar
a diferença, porque podemos ser cristãos e por isso essa razão somos perseguidos, mas
podemos ser xiitas na terra dos sunitas e sermos perseguidos, mas também o
contrário, podemos ser minorias sunitas na terra dos xiitas e também sermos
perseguidos. Portanto, são os direitos dos homens que são violados e isso é muitíssimo
grave. Por isso, na minha opinião, ao ficarmos e resistirmos podemos ajudar todos os
nossos irmãos a reflectir de outra forma, a sair dessa camisa-de-forças que domina o
pensamento dizendo se o outro fica comigo eu não posso viver. Sim, tu podes viver e é
absolutamente necessário discutir e dialogar, aceitar o outro e acolhê-lo.
4) Está de visita a Portugal. Qual a principal mensagem que gostaria de deixar aos
benfeitores portugueses da Fundação AIS?
D. Yousif Thomas Mirkis: Para mim é uma alegria conhecer este país. Já o conhecia
através das minhas leituras, da minha cultura, da minha oração. A primeira coisa que
fiz foi visitar Fátima e tive a enorme graça de poder celebrar a Missa no local das
aparições. Para mim foi a realização de um desejo muito antigo, pelo amor que tenho a
Nossa Senhora, à Virgem Maria de Fátima. Já em criança tinha lido e sobretudo sentiame muito próximo dos três pastorinhos que viram a Virgem e desde então que digo que
as crianças têm o privilégio de serem as preferidas de Deus e da Virgem Maria. Reviame na Lúcia, na Jacinta e em Francisco, e chorei quando soube que os dois irmãos
morreram quando ainda eram pequenos e que se tornaram santos. E ajudou a minha
fé saber que se eu morresse isso não seria em vão. Isso fortaleceu-me na minha
vocação quando entrei no seminário aos 12 anos.
Depois tornei-me dominicano, bispo e regresso sempre à fonte da minha infância e à
imagem que tenho de Fátima no coração, e isso, creio, temos de divulgar. Em breve
celebrar-se-ão os 100 anos do aparecimento do Anjo e da Virgem. A mensagem de
Fátima é uma mensagem de maternidade divina, de maternidade humana e de
misericórdia. Reparei que todas as aparições da Virgem nestes dois séculos vão no
sentido da ternura, da misericórdia e da piedade. É isso que o nosso mundo perdeu,
seja na Europa, no Oriente ou no resto do mundo. O nosso mundo é duro, o nosso
mundo é muito duro. E já observámos que quando rebenta uma guerra deixa de haver
piedade, hospitalidade, tudo. É isso que sentimos. Então, agora fazemos marcha-atrás.
Procuramos regressar à fonte. Este regresso à fonte está exactamente no nome da
vossa organização: Ajuda à Igreja que Sofre. Porque quando ajudam a Igreja que Sofre
é todo o sofrimento humano que é objectivo dessa organização. Portanto, se alguém
quer ajudar, deve fazê-lo hoje e não deixar para amanhã, seja em ajuda, dinheiro ou
mesmo oração, pensamento, interesse, porque é preciso sair da sua pequena redoma,
do seu fechamento nos seus próprios problemas. Sinto que o individualismo no
Ocidente é talvez a doença mais grave. As pessoas estão fechadas, ansiosas e tristes. Vi
muita depressão e tristeza no Ocidente onde há tudo, e vi muita alegria e paz no nosso
país, junto daqueles que sofrem, dos imigrantes, dos deslocados, que perderam tudo.
Se nos visitarem irão ouvir muitos risos e alegria. Somos livres. É no nosso interior que
nasce a liberdade. Por isso, ficaria satisfeito se a minha visita ao vosso país não fosse o
meu último encontro convoco, mas gostaria que nos viessem visitar e que eu pudesse
enviar de férias padres, diáconos ou mesmo cristãos que pudessem talvez vir rezar a
Fátima. Vamos tecer laços de amizade, de fraternidade e também de conhecimento,
porque conhecer é já começar a rezar. Quando conhecemos rezamos. Jesus disse “Esta
é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro”. Por isso, ao conhecer-te,
progrido espiritual e intelectualmente, e saio da minha claustrofobia e fechamento.
Entrevista conduzida pelo Paulo Aido e Padre Marco Luís da Paróquia de Seixal
Seixal, 24 de Abril de 2015
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Leia aqui a entrevista que D. Youssif deu à Fundação AIS