sações para nove compositores diferentes.
No segundo CD, os compositores
pegam nas improvisações do percussionista e respondem ao convite que
lhes enviou: “Mandei-lhes um ficheiro
pela Internet e dizia apenas ‘Please
hack me’”. É como quem diz: façam
como compositores, “designers”, DJ’s
e “piratas do som” e façam o que quiserem com as minhas improvisações.
E só com isso. Foi um apelo à experimentação. E eles assim fizeram. O
resultado é um disco em que a
marimba soa a coisas muito diferentes, porque os compositores usaram,
por meios electrónicos, espectros e
“fantasmas” de marimba, cortaram
o som, distorceram-no, fizeram-lhe
o “raio-x”. Pedro Carneiro interessase muito por novas tecnologias. “A
electrónica interessa-me muito”, diz
ele. Porquê? “Porque faz parte de
uma cultura. É impossível hoje em
dia não lidar com isso. A electrónica
abriu também uma janela para músicos que chegaram ao som por outras
vias – o design, as instalações, o
‘sound art’. Para estes compositores,
a perspectiva não é a de alguém que
compõe, mas que decompõe, destrói.” Entre os seus projectos futuros
está ainda um disco com composições de um homem que veio do jazz,
Michael Mantler, e dois com música
do japonês Toru Takemitsu.
“Bricolage” musical
Mas Pedro Carneiro não grava apenas
Fazer é mesmo o seu
verbo favorito. Por
isso, não se cansa de
dizer a frase de
Stravinsky: “I’m a
maker”
– dá dezenas de concertos por ano.
Viaja muito. Diz ter aprendido com
o seu pai esse gosto por viajar e a descoberta dos bastidores da música. O
pai é José Augusto Carneiro, trompetista, professor e fundador do Grupo
de Metais de Lisboa. Pedro acha que
houve também “um certo lado de
‘bricolage’ musical” que vem do
pai.
Pedro Carneiro começou por
aprender piano, violoncelo e trompete. Só mais tarde foi parar à percussão: “Fascinei-me com concertos
de percussão, os concertos de música
contemporânea da Gulbenkian...
Lembro-me de ver o grupo de Percussões de Estrasburgo na Aula
Magna e aquelas quatro toneladas de
percussão impressionaram-me.”
Hoje é um cidadão do mundo? Ele
diz simplesmente: “Eu ando bem por
aí”. Mais cansativo do que as viagens
e o concerto no Japão de onde chegou
há poucos dias, foi o que veio depois.
“Dei mais de 200 autógrafos”, diz
Pedro Carneiro. Este marimbeiro não
lida mal com o sucesso: “Se há um
reconhecimento do teu trabalho, é
bom. Mas há um percurso a fazer.” O
que é importante “é ser sensível às
próprias necessidades. Segues um
caminho próprio e vês que há esse
apoio. Não é o contrário. Não fazes
esse caminho pelas palmas.”
Critica muito a estreiteza de horizontes que coloca problemas aos
músicos em Portugal. Por exemplo,
a simples forma de entender um concerto: “Um concerto não é a coroação
de uma carreira. Um concerto é como
lavar a loiça, mas mais divertido. É
um trabalho. Só tens hipótese de
fazer bons concertos se repetires o
reportório 60, 70, 80 vezes. Aqui,
muitas vezes, é ‘toma lá um concerto’, [faz o gesto de dar palmadinhas nas costas] e pronto, adeusinho.”
Para combater o “negativismo”
que pensa que há em Portugal, está
envolvido num projecto de uma
Orquestra de Câmara Portuguesa,
que sirva de plataforma de lançamento de músicos entre os 18 e os
35 anos e de chefes de orquestra. “A
situação das orquestras não permite
que jovens solistas possam exercer
regularmente. Não existe plataforma
de lançamento. Existe a orquestra da
escola ou a orquestra regional e
depois nada até se poder tocar com
uma orquestra profissional (se se conseguir). Faz parte da forma como te
relacionas com a música. Há muito
negativismo em Portugal. É preciso
canalizar essa energia para fazer uma
coisa. Se há um problema, vamos
resolvê-lo.”
Para o percussionista, é fundamental criar oportunidades para os músicos de tocarem em público. “Não
estás em forma se tocares duas ou
três vezes por ano. Se o Ronaldo
jogasse três vezes por ano não estava
em forma.”
Entre Ronaldo
e Lobo Antunes
É por isso que Pedro Carneiro não
pára. Ele é uma espécie de Ronaldo
da percussão: “Tocar é um desporto
de alta competição. Tens de gostar.
Mas também tens de estar em forma.
É preciso sair de um avião depois de
22 horas de viagem e disparar ao
nível a que queres tocar. Exige disciplina.” E passa mesmo por uma preparação física específica, porque, “o
corpo humano muda todos os dias.
Então, para nos sentirmos confortáveis com aquele objecto todos os dias
ele tem de ser familiar. Um trabalho
diário, como o Lobo Antunes a escrever...”
Um bom intérprete é, para ele,
“alguém que procura e que faz. Não
no sentido de fazer 300 concertos
por ano com as melhores orquestras
do mundo. Não: é um intérprete que
se entrega e que executa.” E cita o
violoncelista Yo-Yo Ma: “Ele dizia uma
coisa brutal: ‘Tenho de imaginar sempre que é a primeira vez que estou a
tocar’”. O bom intérprete, segundo
ele, “reinventa, descobre e não tem
medo de fazer coisas, deixa-se levar.
Não pensa: ‘Não vou fazer isto porque
o público não está a gostar’. O Beethoven não pensou assim.”
Há quem pense que tocar percussões é simplesmente bater numa
superfície com as mãos ou com as
baquetas. Mas ele explica que isso
pode ser muito complexo: “Todos
jogamos à bola. Mas para ser como o
Figo ou como o Ronaldo… Há uma
linguagem, há o corpo – vários sítios
da pele do instrumento onde se pode
tocar.” Aalém disso, “há um ‘set up’,
um conjunto de instrumentos que
produzem sons diferentes e exigem
formas diferentes de tocar. Tens uma
frigideira, um bongó e uma marimba.
Tens de tornar aquilo tudo um só instrumento. E é preciso reproduzir a
intenção de um compositor”, diz.
Para certas composições contemporâneas, teve mesmo de inventar
novas técnicas e desenvolver outras
existentes até à exaustão, como provam os calos que tem nas mãos por
tanto segurar as quatro baquetas que
“Tocar é um desporto
de alta competição.
Um trabalho diário,
como o Lobo Antunes
a escrever...”
põem a marimba a vibrar. “As novas
técnicas são criadas pela necessidade.
Há compositores, como Xenakis, que
escreveram coisas que pareciam
impossíveis de tocar. Então tem de
se encontrar uma forma de tocar.
Tens de te apoderar totalmente do
instrumento. Torná-lo teu. Vais tocar
numa marimba no Texas que não é
tua. Passado cinco minutos ela tem
de respirar contigo”, explica. Para
este virtuoso da marimba e da percussão, Xenakis é um compositor
fundamental, “porque inventou uma
nova linguagem instrumental, um
novo virtuosismo para a percussão.
É o Chopin da percussão.”
Ou é ou não é
A música é esse território do tudo ou
nada, diz: “Na música não há ‘bullshit’. Tens de encontrar esse equilíbrio… ou esse desequilíbrio. Mas ou
é ou não é.”
O que mais o atrai na música, além
da capacidade de comunicação e da
entrega do intérprete, são os contactos e as cumplicidades que permite:
“O mais giro da música é o caminho,
o percurso. Fazer obras com outras
pessoas. Os concertos, as relações,
os contactos que ela permite estabelecer. Ensaiar com um japonês…
Toca-se com músicos excelentes.”
E chatices, não há? Com o seu entusiasmo, Pedro Carneiro dá logo a
volta: “Sou contra a ideia do virtuoso
solitário que sofre muito, 20 horas
por dia. Há muitas outras coisas interessantes para fazer, como diz o pianista Berezowsky. Acho que se deve
celebrar a música com vida. A música
é parte da vida.”
Logo a seguir sai-lhe uma outra
citação de um pianista: desta vez
Richter – “a arte é uma escolha”. Foi
essa escolha que Pedro Carneiro
parece ter feito definitivamente. Não
apenas como intérprete, mas também como compositor: “A compor
não tenho de provar nada a ninguém.
É uma coisa diferente, uma espécie
de psicanálise privada. Ir ao psiquiatra sozinho. Todos os músicos deviam
compor. Lidar com a escrita.”
Este “fazedor” de música não vai
parar de explorar novos caminhos na
música. A marimba permite-lhe dar
asas às fricções e às improváveis
transgressões de que tanto gosta
(“Improbable Transgressions”,
chama-se um dos novos discos) e continua a ficar fascinado com “o lado
instável da percussão”.
Mas há ainda uma nova aventura
na sua vida: há poucos meses teve
uma filha. Fala como pai-marimbeiro:
“Ela estava a chorar e pus-me a tocar
marimba. Tocava sem pensar. Passados uns minutos ela adormeceu. Sentiu a tranquilidade.” Quem diria! Com
um instrumento de percussão… Mas
a música tem essa força: “Até um
bebé rabugento adormeceu.”
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Ípsilon • Sexta-feira 25 Maio 2007 • 33
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