1 ANÁLISE DO AVANÇO DAS LEIS QUE VERSAM SOBRE AS INSTITUIÇÕES PRIVADAS DE INTERESSE PÚBLICO. Newton Vasconcelos Pulhez J unior UNESP ­ Universidade Estadual Paulista/Rio Claro [email protected] O presente artigo tem por pressuposto analisar o avanço das leis, ao longo do período da República no Brasil, que determinem ou remetam a alguma característica envolvendo as chamadas instituições privadas de interesse público. Mesmo não tendo essa denominação ao longo do período citado, pretende­se analisar essas instituições dentro do conceito de “instituições privadas de interesse público”, mais recente, que acredita­se englobar todas as instituições refentes ao período republicano. Cabe aqui, primeiramente, uma caracterização e diferenciação entre essas instituições. Entidades entendidas como filantrópicas são geralmente constituídas por fundações e formalizadas por uma única pessoa; e entidades associativas são geralmente constituídas por um grupo de pessoas e caracterizadas por diversos tipos como Organizaçoes Não­ Governamentais (ONGs), hospitais, associações de bairros, entre outras. Em uma análise mais detalhada: “Juridicamente, entidades privadas sem fins lucrativos podem assumir duas formas distintas: a de sociedade civil sem fins lucrativos, também denominada associação civil, ou a de fundação. A existência dessas duas formas não é casual. Correspondem a duas manifestações típicas do chamado “espírito comunitário”, razão de ser do Terceiro Setor: o associar e o dar. Quando o motivo principal de criação de uma entidade é a união de esforços, o associativismo, a união de indivíduos e grupos para a realização de um objetivo comum, em geral a entidade toma a forma de sociedade ou associação civil. Dentro dessa única forma jurídica, as entidades são altamente diferenciadas e livres para concretizar seus objetivos: associações de amigos, institutos culturais, creches, escolas e hospitais, clubes, associações de bairro, ONGs, beneficências, caixa de auxílio mútuo e por aí vamos. A diversidade operacional parte da
2 unidade da forma. Quando o motivo principal é o dar, o retribuir, o mecenato, ou a filantropia, em geral as entidades asumem a forma de fundações, que, por sua vez, podem ser públicas, quando criadas e mantidas pelo Estado, ou privadas. Elas são instituídas por uma pessoa – física ou jurídica – que destina um patrimônio determinado para realizar um fim de interesse público. Esse patrimônio se separa do instituidor da fundação, e passa a existir apenas em função do objetivo para o qual foi destinado” (FALCÃO, CUENCA, 1999). Modesto ainda afirma que as instituições privadas de interesse público são: “[...] pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas para as atividades de relevante valor social, que independem de concessão ou permissão do Poder Público, criadas por iniciativa de particulares segundo modelo previsto na lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo Estado” (MODESTO, 2001, p.17, grifo do autor). Vale ressaltar, por um resgate histórico, que as fundações tem seu nascimento no Império Romano, intimamente ligadas a filantropia (ANDREWS, 1974, p. 56). Ainda, no Brasil, têm­se relatos da criação, em 1543, da Santa Casa de Misericórdia da Vila de Santos, o primeiro hospital nacional, um marco nas instituições com caráter assistencialista (CENTRO DE VOLUNTARIADO DE SÃO PAULO, 1997). Do século XVI até o século XIX, foram fundadas diversas entidades ditas de caridade ou benemerência. Sua grande maioria ligada a Igreja Católica Apostólica Romana (CENTRO DE VOLUNTARIADO DE SÃO PAULO, 1997). Pelo exposto, para análise do aparato legal que rege as instituições privadas de interesse público, coloca­se em pauta todo o arcabouço das instituições citadas anteriormente. Para o estudo presente analisar­se­á as leis do período republicano brasileiro. Mas há que se ressaltar que a primeira Constituição nacional foi proclamada no Império, em 25 de março de 1824, por Dom Pedro I, dois anos após a Independência do Brasil, em 07 de setembro de 1822 (www.culturatura.com.br, acessado em 20/07/2008). Não cabe uma maior análise dessa Constituição, pois se tratava de um regime de monarquia que difere do regime presidencialista eleito com a proclamação da primeira constituição republicana (BRASIL, 1891). Ainda sim, dentro da Constituição de 1824, não se
3 encontra qualquer relação ou referência a algum amparo ou regimento no que concerne as instituições privadas de interesse público. Sendo assim, remete­se para a segunda constituição nacional, a primeira republicana, a Constituição da República dos Estados Federativos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891 (BRASIL, 1891). Tendo como principais autores Prudente de Morais e Rui Barbosa, a Constituição de 1891 teve como seu alicerce a Constituição norte americana. Vigorando por todo o período denominado de República Velha (1889­1930), obteve­se somente uma pequena alteração em 1927 (CARONE, 1974). Com a promulgação da Constituição de 1891, inúmeros foram os avanços nas relações de direitos e deveres dos cidadãos. Deve­se ao fato da transformação do regime monárquico para o regime republicano, mais democrático em relação ao aparato legal. Obviamente que muitos cidadãos não estavam contemplados nos direitos obtidos com a Constituição como: “§ 1º ­ Não podem alistar­se eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados: 1º) os mendigos; 2º) os analfabetos;” (BRASIL, 1891). Ou ainda:
“Art 71 ­ Os direitos de cidadão brasileiro só se suspendem ou perdem nos casos aqui particularizados. § 1º ­ Suspendem­se: a) por incapacidade física ou moral;” (BRASIL, 1891). Ainda sim, eleições diretas é um caso de conquista democrática, sendo a primeira vez no Brasil que se votou em um presidente da República (CARONE, 1974). Fazendo uma minuciosa análise dos textos da Constituição, não se observa uma menção no aparato legal, que seja de tão importante relevância, de amparo ou validação em relação às instituições privadas de interesse público. No artigo 72 observa­se um princípio de validação em lei das associações entre pessoas: “§ 8º ­ A todos é lícito associarem­se e reunirem­se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública” (BRASIL, 1891).
4 Ter um parágrafo de um artigo da Constituição federal dizendo que a associação entre as pessoas é livre abaliza para que as mesmas sejam feitas, até mesmo, em uma análise mais otimista, predizendo que isso ocorrerá. Segundo Falcão e Cuenca (1999), as associações, que são instituídas por uma união de pessoas, foram as precursoras das organizações criadas a partir dos anos 1990. No período entre as duas primeiras Constituições republicanas essas associações eram muito comuns, principalmente as organizadas pela Igreja Católica, com caráter de benemerência (CENTRO DE VOLUNTARIADO DE SÃO PAULO, 1997). Interessante ressaltar que as primeiras Constituições são visivelmente simples, versando apenas sobre as disposições legais e os poderes executivo, legislativo e judiciário. Não ter nenhum tipo de respaldo em lei para as instituições privadas de interesse público é, no mínimo, curioso, pois o crescimento dessas entidades era notório, inclusive com a fundação da Cruz Vermelha no Brasil no período (CENTRO DE VOLUNTARIADO DE SÃO PAULO, 1997). Ainda, a partir da Cruz Vermelha, instituições começaram a ser respaldadas pela iniciativa privada, difundindo­as para o restante do mundo. Naves completa:
“O elo entre filantropia e empresas se consolidou nos Estados Unidos, onde é praxe grandes fortunas resultarem em fundações de cunho assistencial ou cultural” (NAVES, 2003, p. 567). Alguns anos após a proclamação da primeira Constituição do período republicano, já na década de 1930, um golpe de Estado intitulado “Revolução de 1930” teve seu início em 03 de outubro de 1930. Apesar das eleições vencidas pelo candidato governista indicado por Washington Luís, Júlio Prestes, com a Revolução de 1930, assumiu a presidência nacional Getúlio Vargas, em 03 de novembro de 1930, marcando o fim da República Velha (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). O período do “governo provisório” (1930­1937), tendo como Getúlio Vargas o presidente da República, foi bastante conturbado pelas revoluções, principalmente a Revolução Constitucionalista de 1932 (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). A Constituição de 1891 já estava ultrapassada para os parâmetros políticos e econômicos adotados na época. Conseqüência quase que imediata da Revolução Constitucionalista de 1932, foi outorgada em 16 de julho de 1934 a terceira Constituição brasileira, a segunda do
5 período republicano (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Com grande influência das idéias socialistas e baseada na Constituição alemã, a Constituição de 1934 teve um cunho social bastante significativo. A vertente da questão social operacionalizada por um governo intitulado “popular” 1 (ARRUDA e CALDEIRA, 1986) foi tomada como objetivo em detrimento da vertente caritativa e de benemerência adotada pelas associações até então. Silvana Aparecida de Souza afirma que: “A fase da 2ª República inicia a implantação de um sistema público de serviços sociais, que passa a mudar o enfoque dado ao trabalho voluntário, questionando­o politicamente, passando o atendimento que era feito na condição de caridade, vinculado à religião, para a condição de direito de cada cidadão. Esse movimento laiciza o atendimento, que passa a se ampliar na forma de serviço social” (SOUZA, 2008, p. 54). Pelo exposto, faz­se evidente o caráter social assumido na outorga da Constituição de 1934. Numa análise mais minuciosa do texto constitucional, encontra­se alguns artigos e parágrafos que se pode remeter a algum tipo de abrangência do aparato legal que gere as instituições privadas de interesse público. Tem­se primeiramente: “Art 5º ­ Compete privativamente à União: XIX ­ legislar sobre: a) direito penal, comercial, civil, aéreo e processual, registros públicos e juntas comerciais; b) divisão judiciária da União, do Distrito Federal e dos Territórios e organização dos Juízos e Tribunais respectivos; c) normas fundamentais do direito rural, do regime penitenciário, da arbitragem comercial, da assistência social, da assistência judiciária e das estatísticas de interesse coletivo;” (BRASIL, 1934, grifo nosso). O artigo quinto, inciso décimo nono, alínea c, cita que compete à União legislar sobre normas fundamentais da assistência social. Já se vê que a legislação nacional teria uma preocupação com um amparo social, cabendo a União criar as leis para tal. Até o 1 Os autores (ARRUDA e CALDEIRA, 1986) creditam a intitulação “governo popular” significando uma gerência voltada aos interesses do povo, contemplando maior gama de classes sociais. Mas há que se ressaltar que o povo não atua nessa gerência, não é parte executiva da estrutura governamental, e sim parte do mecanismo que valida essa estrutura através das eleições.
6 período da República Velha, as instituições de caridade amparadas pela Igreja Católica, e algumas entidades filantrópicas privadas como hospitais, que forneciam esse amparo social (SOUZA, 2008). Por conseguinte tem­se: “Art 10 ­ Compete concorrentemente à União e aos Estados: I ­ velar na guarda da Constituição e das leis; II ­ cuidar da saúde e assistência públicas;” (BRASIL, 1934, grifo nosso). No artigo dez, remete­se ao dito no artigo cinco, somente confirmando o papel da União perante as leis que versam sobre as questões sociais. Além disso, atribuindo também aos Estados da federação o mesmo dever. Adiante, no Capítulo II, Dos Direitos e Das Garantias Individuais, há que se ressaltar o artigo 113: “Art 113 ­ A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 12) É garantida a liberdade de associação para fins lícitos, nenhuma associação será compulsoriamente dissolvida senão por sentença judiciária” (BRASIL, 1934). Analisando a determinação constitucional verifica­se grande semelhança com o parágrafo oitavo, do artigo 72, da Constituição de 1891, garantindo a liberdade para a criação de associações. Em seguida, no Título IV, da Ordem Econômica e Social, o artigo 120 destaca­se na análise de todo o texto. Foi a primeira citação na Constituição em que as instituições privadas de interesse público são realmente reconhecidas na conformidade da lei, como o próprio texto relata: “Art 120 ­ Os sindicatos e as associações profissionais serão reconhecidos de conformidade com a lei” (BRASIL, 1934). Faz­se presente nesse artigo o reconhecimento em lei de todas as associações e sindicatos formalizados, principalmente no período da República Velha, algo até então
7 inovador. Para o entendimento da legislação que versa sobre as instituições privadas de interesse público, esse artigo é o precursor de todo o aparato legal. Faz­se ainda menção ao artigo 138 que tem como um de seus incisos “assegurar amparo aos serviços sociais” e ao artigo 154 que isenta de tributos às instituições educacionais particulares 2 . Nesse contexto, apesar da ampliação do aparato legal na vertente dos serviços sociais e do favorecimento a criação de associações e sindicatos, o número de instituições fundadas nesse período decaiu, algo no mínimo curioso, até mesmo paradoxal. Explica­ se esse fato ao “governo popular” de Getúlio Vargas baseado em um sistema assistencialista e centralizador (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Um ano após a Constituição, Getúlio Vargas promulgou a primeira lei que versava sobre as instituições privadas de interesse público, Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935 que determina regras pelas quais são as sociedades declaradas de utilidade pública (BRASIL, 1935). Pelo governo de Vargas ter um caráter assistencialista, essa lei vem para regular as colaborações do Estado com as instituições, em sua maioria filantrópicas. Nessa lei cabe a análise do: “Art 1º As sociedades civis, as associações e as fundações constituidas no paiz com o fim exclusivo de servir desinteressadamente á collectividade podem ser declaradas de utilidade publica, provados os seguintes requisitos: a) que adquiriram personalidade juridica; b) que estão em effectivo funccionamento e servem desinteressadamente á collectividade; c) que os cargos de sua directoria não são remunerados” (BRASIL, 1935). Artigo importante que caracteriza as instituições que podem obter o título de utilidade pública. Importante observar a citação de sociedades civis, associações e fundações, já anteriormente aqui diferenciadas, principalmente por Falcão e Cuenca (1999). Já em 10 de novembro de 1937 é promulgada pelo presidente da República, ainda Getúlio Vargas, a Constituição Brasileira de 1937, sendo a quarta nacional, a terceira republicana (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Essa Constituição, baseada na outorgada na Polônia, por esse motivo chamada de “Polaca”, faz­se extremamente autoritária, 2 Segundo o Centro de Voluntariado de São Paulo (CVSP, 1997), as instituições educacionais privadas nesse período realizaram trabalhos considerados voluntários, se enquadrando no conceito de instituição privada de interesse público.
8 tendo como principal objetivo manter as relações de poder impostas pelo presidente nacional. Junto à outorga da Constituição, Getúlio Vargas implanta a ditadura do Estado Novo (1937­1945) (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Em relação ao aparato legal que rege as instituições privadas de interesse público, a Constituição de 1937 passa quase que despercebida. A julgar que alguns artigos repetem a Constituição anterior, em sua essência, e outros foram subtraídos, ressalta­se alguns pontos que versam ao contexto das instituições. No artigo 16, inciso XIX, cita pela primeira vez em uma legislação o termo “cooperativa”, que se enquadra no conceito de associação, já abordado. Por conseguinte tem­se: “Art 61 ­ São atribuições do Conselho da Economia Nacional: a) promover a organização corporativa da economia nacional; b) estabelecer normas relativas à assistência prestada pelas associações, sindicatos ou institutos;” (BRASIL, 1937, grifo nosso). Atribuiu­se ao Conselho da Economia Nacional prover normas e regras em relação à assistência prestada as instituições. Importante fator que regulariza as parcerias entre o poder público e as instituições. Outro artigo que comprova o fator regulador da legislação, vertente encontrada nos ideais do governo, para as instituições privadas de interesse público é o 132, semelhante ao artigo 61 citado: “Art 132 ­ O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas; e outras por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover­lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará­la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação” (BRASIL, 1937). Há que se fazer menção aos artigos 137 e 138. O primeiro trata sobre a legislação trabalhista voltada aos contratos coletivos em associações e o segundo remete aos sindicatos que, ao contrário do período do “governo provisório”, tiveram seus direitos minorados durante esse período.
9 Como já exposto pelo texto constitucional, o período ditatorial do Estado Novo (1937­ 1945) foi caracterizado pelo retrocesso da legislação para a oferta das questões sociais, além da ampla centralização do poder para o executivo (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Em 1945, Getulio Vargas é destituído do poder dando fim ao regime ditatorial do Estado Novo. Com isso, um ano após sua destituição, em 18 de setembro de 1946, é outorgada a quarta Constituição republicana nacional. A liberdade e os direitos sociais destituídos anteriormente na Constituição de 1937 foram retomados como foco principal no ulterior texto constitucional (MIRANDA, 1960). O texto constitucional com a vertente das instituições privadas de interesse público também está relativamente escasso, apesar da volta do aparato legal aos direitos sociais. Numa análise mais minuciosa tem­se primeiramente: “Art 31 ­ A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: V ­ lançar impostos sobre: a) bens, rendas e serviços uns dos outros, sem prejuízo da tributação dos serviços públicos concedidos, observado o disposto no parágrafo único deste artigo; b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins;” (BRASIL, 1946, grifo nosso). Nota­se cada vez mais um caráter regulador na legislação fiscal para as instituições de assistência social, necessário em virtude do aumento do número absoluto de associações formadas e a tendência de descentralização das ações governamentais com o fim do Estado Novo. Adiante, no artigo 141, parágrafo sétimo, cita pela primeira vez a denominação “associações religiosas”, ainda outorgando que as mesmas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil (BRASIL, 1946). Já os parágrafos doze e treze são semelhantes aos já apresentados em textos anteriores, concedendo liberdade de formação de associações. Em seguida tem­se:
10 “Art 159 ­ É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público” (BRASIL, 1946). Mais uma vez são contemplados em lei os sindicatos que tiveram um grande crescimento desde o período da República Velha. O período de vigência da Constituição de 1946 foi relativamente grande, durando aproximadamente 20 anos. Nesse período observa­se uma expansão dos chamados “movimentos sociais” que: “... se fundamentam em questões de identidade coletiva. Embora tratassem das questões públicas, não eram organizações políticas e mantinham distância da máquina estatal” (NAVES, 2003, p. 568). Segundo Gohn (1992), durante as décadas de 1950 e, principalmente, 1960, os movimentos sociais consolidaram­se baseados em três principais princípios: participação dos agentes envolvidos no movimento pretendendo uma autonomia de suas ações e seus direitos, igualdade e eqüidade entre os membros participantes do movimento na qual estava inserido e entre os outros movimentos, e organização/direção dentro do próprio movimento para que o mesmo se tornasse o elo entre o povo e o poder. Em 02 de maio de 1961 é promulgado o Decreto n° 50517, que regulamenta a Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935, que dispõe sobre a declaração de utilidade pública (BRASIL, 1935). Houve pouca alteração no texto da lei e os sindicatos e associações continuaram a ser maioria entre as instituições privadas de interesse público. Então, em 31 de março de 1964 3 aconteceu o golpe militar promovendo ao governo a ditadura militar, assumindo a presidência o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Com isso, no entanto, a repressão da ditadura militar trouxe uma estagnação na expansão dos sindicatos e dos movimentos sociais e populares (KUCINSKI, 2001). Nesse período de grande repressão a legislação vigente para as questões sociais é destituída do texto constitucional com a promulgação da Constituição nacional de 1967, 3 Apesar da data oficial do golpe militar ser 31 de março de 1964, a renúncia de João Goulart e a tomada do poder pelos militares aconteceram no dia seguinte, 1° de abril (ARRUDA e CALDEIRA, 1986).
11 em 15 de março de 1967, a quinta republicana (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Como toda e qualquer ditadura o poder executivo ganha plena força, mais até que a encontrada no governo Getúlio Vargas. Numa análise do aparato legal nota­se a extrema diminuição das leis para os direitos sociais. Basicamente a Constituição foi outorgada para fazer prevalecer o poder militar sobre a população, destituindo diversos direitos conquistados nas legislações anteriores. No texto constitucional pode­se relevar o artigo vinte, inciso III, alínea c, que pondera sobre a criação de impostos para instituições de assistência social. Artigo proveniente da Constituição anterior, sem muitas alterações. O artigo 150, parágrafo 28, versa sobre a liberdade de associação, também proveniente do texto constitucional anterior. Por conseguinte tem­se outra repetição de um artigo da Constituição de 1946: “Art 159 ­ É livre a associação profissional ou sindical; a sua constituição, a representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas de Poder Público serão regulados em lei” (BRASIL, 1967). Essas são as únicas menções que se pode encontrar no texto constitucional na vertente legal que rege as instituições privadas de interesse público. Explica­se pelo fato do extremo rigor do regime ditatorial militar, sendo um poder altamente centralizado impondo “pacotes” de emendas e atos, complementares e institucionais, para governar o país (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Ao final da década de 1970 e início da década de 1980, o país passa por grandes transformações, principalmente a sociedade civil. Nesse contexto Landim afirma: “Inicia­se um novo período em que a lenta e progressiva reorganização da sociedade civil vai­se fazer através da multiplicação de entidades marcadas pela autonomia, ou mesmo oposição, com relação ao Estado. Além da mudança de regime, um conjunto de fatores – como a modernização acelerada da sociedade, mudanças nas políticas sociais governamentais, a presença de novos atores internacionais na cooperação não­ governamental, transformações nas relações entre Igreja e Estado – vão contribuir para o aparecimento de novas organizações e novos campos de atuação para as entidades sem fins lucrativos” (LANDIM, 1993, p. 28). A iminência para o fim do regime militar se deu com o movimento “Diretas Já”, favorável a Emenda Dante de Oliveira, que garantiria eleições diretas para todos os
12 cargos (KUCINSKI, 2001). A ditadura tem seu fim em 15 de janeiro de 1985 (ARRUDA e CALDEIRA, 1986). Fez­se necessária, então, uma nova Constituição baseada em um regime democrático, sendo promulgada em 05 de outubro de 1998, a Constituição Federal, sexta republicana. Os direitos sociais voltam a ser contemplados com um grande foco no texto constitucional. Fica caracterizada a retomada dos direitos dos cidadãos com a determinação das eleições diretas (BRASIL, 1988). Inúmeras são as menções na legislação que rege as instituições privadas de interesse público. Faz­se necessário, então, uma pormenorização do texto constitucional. Primeiramente, remete­se ao artigo quinto: “XVII ­ é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII ­ a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX ­ as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo­se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX ­ ninguém poderá ser compelido a associar­se ou a permanecer associado; XXI ­ as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; LXX ­ o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;” (BRASIL, 1988). Nota­se claramente uma disposição pormenorizada do texto constitucional referente à liberdade de associação dos indivíduos, presente mais sucintamente nas constituições anteriores. Observa­se também um cuidado com a legitimidade das associações favorecendo amplamente suas jurisdições. Por conseguinte: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I ­ a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
13 II ­ é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III ­ ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; V ­ ninguém será obrigado a filiar­se ou a manter­se filiado a sindicato; VI ­ é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam­se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer” (BRASIL, 1988). A preocupação de abalizar um aparato legal em virtude dos sindicatos faz­se presente. Interessante salientar que diversas vertentes sindicais estão contempladas no texto constitucional, uma preocupação cada vez maior na “profissionalização” dessas entidades. No artigo trinta e sete, referente à administração pública dos poderes da União, destacam­se os incisos VI, XIX e XX. O inciso VI refere­se à garantia de direitos dos servidores públicos a associações em sindicatos. Os incisos XIX e XX referem­se à criação das fundações, sendo possível formalizá­las somente por lei específica. O artigo 58, inciso II, refere­se às comissões, permanentes e temporárias, do Congresso Nacional que tem como objetivo realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil (BRASIL, 1988). Preocupação inovadora de manter contato com as instituições da sociedade civil através de audiências, algo fora de cogitação no período ditatorial militar. No artigo 74, que pondera sobre o sistema de controle interno dos três poderes governamentais, destaca­se o parágrafo segundo, dando um caráter fiscalizador as instituições da sociedade civil, algo também de grande inovação. Uma confederação sindical pode propor uma ação de inconstitucionalidade. Esse é o texto do artigo 103, inciso IX, garantindo certos direitos importantes para as instituições privadas de interesse público. Em seguida: “Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente
14 restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. § 1º ­ O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I ­ restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;” (BRASIL, 1988, grifo nosso). Para um estado de calamidade ou desordem, a Constituição prevê restrições às atividades das associações, algo muito subjetivo para ser referendado nos termos da lei. Na continuidade da análise: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI ­ instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;” (BRASIL, 1988). A instituição de impostos às instituições privadas de interesse público é recorrente das constituições anteriores, sendo o aparato legal que mais apareceu ao longo dos textos constitucionais. Em relação à legislação orçamentária destaca­se o artigo 167, inciso VIII, que dispõe sobre a vedação da utilização dos recursos do orçamento suprindo necessidades de instituições privadas de interesse público, sem autorização legal específica (BRASIL, 1988). Logo em seguida: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º ­ A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
15 § 2º ­ A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. § 3º ­ O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico­social dos garimpeiros. § 4º ­ As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei” (BRASIL, 1988). As cooperativas são citadas com muito mais amplitude legal em relação às constituições anteriores. Deve­se isso, mais uma vez, ao fato da necessidade de uma formalização legal das entidades da sociedade civil, contemplando­as nas leis específicas. O parágrafo sétimo do artigo 195 versa sobre a isenção da contribuição da seguridade social as instituições de assistência social amparadas por leis específicas. Aparato legal de extrema importância, sendo a primeira vez que é outorgada em lei a isenção de um tributo pelas instituições privadas de interesse público. Por conseguinte: “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º ­ As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos” (BRASIL, 1988). Na citação, mais um direito concedido em lei para as instituições da sociedade civil, evidenciando a Constituição de 1988 como a que maior atribuiu direitos e amparo legal as instituições privadas de interesse público. Dando continuidade: “Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I ­ descentralização político­administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas
16 estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;” (BRASIL, 1988). Aqui cabe uma análise mais delicada do direito atribuído às entidades beneficentes. Pelo texto constitucional, nota­se mais uma transferência do papel do Estado no atendimento às demandas sociais do que um direito adquirido pelas instituições da sociedade civil. Por fim: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá­los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º ­ O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais [...]” (BRASIL, 1988). Pela primeira vez as organizações da sociedade civil têm uma citação em lei específica para a área da saúde da criança e do adolescente. Em suma, observa­se o grande aparato legal que a Constituição de 1988 trouxe para as instituições privadas de interesse público. A essa altura, as instituições estavam mais organizadas estruturalmente e, principalmente, abalizadas pelo avanço das leis específicas que as regiam. Por fim, faz­se notório o avanço encontrado na legislação identificado por três principais fatores: o aumento expressivo no número de instituições criadas ao longo dos anos (segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2004, p. 19) o número de fundações privadas e associações sem fins lucrativos, instituições componentes do Terceiro Setor, criadas entre os anos de 1981 a 1990 foi de 61.970); a profissionalização das instituições privadas de interesse público visando uma melhor estruturação organizacional e fazendo dessa estratégia uma opção mercadológica para a oferta de empregos e serviços; e a tendência da transferência do papel do Estado na oferta de políticas públicas de atendimento às demandas sociais para a sociedade civil (PERONI, ADRIÃO, 2005), através das instituições privadas de interesse público.
17 Refer ências Bibliográficas FALCÃO, J., CUENCA, C. (orgs). Mudança Social e Reforma Legal: Estudos para uma Nova Legislação do Terceiro Setor. Brasília: Comunidade Solidária, 1999. MODESTO, P. Reforma do marco legal do Terceiro Setor no Brasil. In: FALCÃO, J., CUENCA, C. (orgs). Mudança Social e Refor ma Legal: Estudos para uma Nova Legislação do Terceiro Setor. Brasília: Comunidade Solidária, 1999. ANDREWS, F. E. 'Fundações'. Em Enciclopédia Internacional de las Sciencias Sociales. Madri, Aguillar, vol. 5., 1974. In: BUKERMAN, S. Para além das confusões ver bais. Disponível em: <http://www.gife.org.br/redegifeonline_noticias.php?codigo=7727&tamanhodetela=3& tipo=ie>. Acesso em: 19 jul. 2008. CENTRO DE VOLUNTARIADO DE SÃO PAULO. Fr agmentos da História do Voluntar iado no Brasil. Disponível em: <http://www.cvsp.org.br/>. Acesso em: 20 jul. 2008. BRASIL. CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado dos Negócios do Império do Brazil, 1824. Disponível em: <http://www.culturatura.com.br>. Acesso em: 20 jul. 2008. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Rio de Janeiro: Congresso Nacional Constituinte, 1891. CARONE, E. A República Velha (Evolução Política). Corpo e Alma do Brasil. 2. ed. Difel, 1974. NAVES, R. Novas possibilidades para o exercício da cidadania. In: PINSKY, J. PINSKY, C. B. (orgs.). Histór ia da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003.
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AP02 - O Estado e as Politicas Educacionais no Tempo Presente