MINISTÉRIO DA SAÚDE F o r m a ç ã o Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem 2a edição revista e ampliada 1 Brasília – DF 2002 Educação Governo Federal Barjas Negri Ministro de Estado de Saúde Silvandira Paiva Fernandes Chefe de Gabinete Otávio Azevedo Mercadante Secretário Executivo Gabriel Ferrato dos Santos Secretário de Gestão de Investimentos em Saúde Rita Sório Gerente Geral do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem – PROFAE Valcler Rangel Gerente do Componente II Valéria Morgana Penzin Goulart Coordenadora do Subcomponente Formação Pedagógica Fundação Oswaldo Cruz Presidente: Paulo Marchori Buss Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública: Jorge Antônio Zepeda Bermudez Coordenador da Escola de Governo em Saúde/EAD: Antonio Ivo de Carvalho Curso de Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem Coordenação: Milta Neide Freire Barron Torrez, Lilia Romero de Barros Equipe Técnica: Elaci Barreto, Helena David Assessoria Pedagógica: Carmen Perrotta, Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim Apoio Administrativo: Gisele Luisa Apolinário, Zenilda Folly MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde Projeto de PProfissionalização rofissionalização dos TTrabalhadores rabalhadores da Área de Enfermagem F o r m a ç ã o Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem 2a edição revista e ampliada Série F. Comunicação e Educação em Saúde 1 Brasília – DF 2002 Educação © 2000 Fundação Oswaldo Cruz Todos os direitos desta edição reservados à Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ Série F. Comunicação e Educação em Saúde Tiragem: 2a edição revista e ampliada – 2002 – 6.000 exemplares Capa: Carlota Rios e Letícia Magalhães Projeto gráfico: Carlota Rios Editoração eletrônica: Paulo Sérgio Carvalhal Santos Ilustrações: Flavio Almeida Revisoras: Alda Lessa Bastos, Angela Dias, Maria Leonor de Macedo Soares Leal, Mônica Caminiti Ron-Réin e Nina Ulup Elaboração, distribuição e informações MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem – PROFAE Esplanada dos Ministérios, bloco G, edifício sede, 8o andar, salas 824-828 CEP 70058-900 – Brasília – DF Tel.: (61) 315 3286 / 315 2218 Fax: (61) 325 2068 Home page: http://www.profae.gov.br Programa de Educação a Distância – EAD – ENSP Av. Brasil, 4036, salas 904/906/908 CEP 21040-210 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: 0800 225530 Home page: http://www.ead.fiocruz.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil Ficha Catalográfica Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: enfermagem: núcleo contextual: educação 1 / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde, Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem – 2. ed. rev. e ampliada. – Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 92 p.: il. – (Série F. Comunicação e Educação em Saúde) ISBN 85-334-0693-2 1. Educação Profissionalizante. 2. Auxiliares de Enfermagem. 3. Educação Continuada. I. Brasil. Ministério da Saúde. II. Brasil. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem. III. Título. IV. Série. NLM WY 18.8 Catalogação na fonte – Editora MS Autores Núcleo Contextual Francisco José da Silveira Lobo Neto – Coordenador do Núcleo Módulos 1, 2, 3 e 4 Adonia Antunes Prado Módulos 1, 2, 3 e 4 Dalcy Angelo Fontanive Módulos 1, 2, 3 e 4 Percival Tavares da Silva Módulos 1, 2, 3 e 4 Núcleo Estrutural Maria Esther Provenzano – Coordenadora do Núcleo Carlos Alberto Gouvêa Coelho Módulo 5 Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim Módulo 6 Alice Ribeiro Casimiro Lopes Módulo 7 Maria Esther Provenzano Nelly de Mendonça Moulin Módulo 8 Núcleo Integrador Milta Neide Freire Barron Torrez – Coordenadora do Núcleo Módulos 9, 10 e 11 Maria Regina Araujo Reicherte Pimentel Módulos 9, 10 e 11 Regina Aurora Trino Romano Módulos 9, 10 e11 Valéria Morgana Penzin Goulart Módulos 9, 10 e 11 Colaboradores Cláudia Mara de Melo Tavares Elaci Barreto Helena Maria Scherlowski Leal David Izabel Cruz Guia do Aluno Carmen Perrotta – Coordenadora Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim Milta Neide Freire Barron Torrez Livro do Tutor Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim – Coordenadora Carmen Perrotta Milta Neide Freire Barron Torrez Coordenação geral da 2 a edição Carmen Perrotta Módulo Módulo Módulo Módulo Educação Educação/ Sociedade/ Cultura Educação/ Conhecimento/ Ação Educação/ Trabalho/ Profissão Módulo Módulo Módulo Módulo Proposta pedagógica: o campo da ação Proposta pedagógica: as bases da ação Proposta pedagógica: o plano da ação Proposta pedagógica: avaliando a ação 2 1 5 3 6 4 7 8 Módulo Módulo Módulo Imergindo na prática pedagógica em Enfermagem Planejando uma prática pedagógica significativa em Enfermagem Vivenciando uma ação docente autônoma e significativa na educação profissional em Enfermagem 9 10 11 Sumário Apresentação da 1a edição 9 Apresentação da 2a edição 11 Apresentação do Curso 13 Apresentação do Núcleo Contextual 15 Apresentação do Módulo 1 – Educação 17 Tema 1 – Prática social educativa 19 Tema 2 – Educação na prática social brasileira: bases históricas 33 Tema 3 – Educação: interação e consciência social 63 Textos complementares 69 Síntese 82 Atividade de Avaliação do Módulo 84 Bibliografia de referência 86 Apresentação da 1 a edição Permitam-me, inicialmente, relatar como chegamos a este programa de qualificação. Quando deputado federal por São Paulo, durante a Constituinte, apresentei as emendas que permitiram criar o FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador. Em 1994 apresentei e aprovei projeto de lei que possibilitou utilizar recursos do FAT para cursos de treinamento e qualificação. Em 1995, o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Planfor, programa de treinamento e qualificação do Ministério do Trabalho, executado de forma descentralizada, por meio de sindicatos, federações, centrais sindicais, etc. Por ser o autor da lei, fui convidado para ser paraninfo de uma turma de formandos: auxiliares de enfermagem. Fiquei encantado. Em um ano, centenas ou milhares de atendentes de saúde tornaram-se auxiliares, em cursos improvisados mas eficientes. Em 1995/96 eu era ministro do Planejamento mas em 1998 assumi o Ministério da Saúde. Duas semanas depois decidi criar um programa para treinar todos os atendentes do Brasil, transformando-os em auxiliares de enfermagem. Conversei a respeito com Enrique Iglesias, presidente do BID e meu amigo. Ele topou financiar o programa e pusemos mãos à obra. Assim, foi criado o Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem – PROFAE , com o objetivo de melhorar a qualidade da atenção ambulatorial e hospitalar, além de oferecer aos usuários do Sistema Único de Saúde uma assistência humanizada e de maior qualidade. Para isto, promoveremos a formação profissional de 225 mil trabalhadores de enfermagem, que hoje atuam nos serviços de saúde sem toda a qualificação necessária ao exercício de suas funções, garantindo-lhes uma formação técnica adequada. A descentralização financeira e de gestão dos serviços de saúde, com mudanças nos níveis de atuação dos Estados e principalmente dos Municípios, trouxe de imediato duas conseqüências importantes: (i) uma considerável expansão dos empregos na esfera municipal; (ii) a necessidade de mudanças no perfil dos profissionais em torno de experiências efetivas de reformulações do modelo de assistência à saúde. Assim o “fazer saúde”, voltado principalmente para a inversão do modelo assistencial através da reorientação das práticas sanitárias, exige mais do que nunca profissionais e técnicos com capacidade de atuar em diferentes setores de forma a apresentar a melhoria dos indicadores de saúde, em qualquer nível de atenção existente no sistema de saúde. A implementação de um sistema de saúde equânime depende de todos: gestores, trabalhadores, especialistas enfim. Mas os trabalhadores que compõem a equipe de enfermagem são sujeitos de especial importância no processo de reforma em curso, pois a eles cabe a responsabilidade primordial do “cuidado” aos indivíduos e comunidades. Este cuidado, quando realizado com qualidade, incorpora, além de competências e habilidades técnicas, outras dimensões das relações humanas e sociais, como a ética e a responsabilidade. Para superar o tradicional enfoque da educação profissional baseado apenas na preparação do trabalhador para execução de um determinado conjunto de tarefas, consideramos, também, que seria necessário investir na formação pedagógica dos enfermeiros que atuarão como docentes nos Cursos promovidos pelo PROFAE. Esta coletânea de livros é um passo importante nessa direção. A implementação de um Curso de Formação Pedagógica especialmente desenvolvido para a docência em educação profissional da área de Enfermagem é fundamental para que treinemos, inicialmente, um contingente de 12 mil enfermeiros, indispensáveis à implantação do Projeto. Os princípios adotados no Curso de Formação Pedagógica do PROFAE permitem, também, que seja inaugurado um processo de educação permanente junto aos profissionais, questão fundamental frente às constantes mudanças tecnológicas que envolvem o setor. José Serra Ministro da Saúde 1 Educação Identificando a ação educativa Apresentação do Curso O Curso que você está iniciando visa a apoiá-lo(la) na construção de competências para formar, em nível técnico, outros profissionais de enfermagem. Acreditamos que o conteúdo de formação desses novos profissionais já é, em grande parte, do seu domínio, por possuir curso superior em Enfermagem, tendo, portanto, uma sólida formação básica para o exercício de sua profissão. Além disso, o fato de estar atuando profissionalmente em uma equipe de saúde permite a você atualizar constantemente seus conhecimentos e aperfeiçoar suas competências. A prática, quando refletida criticamente e complementada por uma intencional busca de trocas significativas de informações e experiências, é extraordinariamente formadora. Ser um profissional competente e comprometido é mais de meio caminho andado para atuar na formação de outros profissionais. Mas não é tudo. Em um grande esforço de dignificação do exercício profissional, a comunidade da saúde – da qual você é membro integrante e participativo – tem lutado muito pela qualificação dos que já estão atuando ou dos que pretendem vir a atuar como auxiliares nas equipes de enfermagem. Tal mobilização tem resultado em decisões políticas que estão abrindo possibilidades de encaminhar essa questão. Este Curso é uma dessas ações que fazem parte de um conjunto. Pretende apoiá-lo(la) em uma tarefa que, com certeza, de alguma maneira, você já exerce: partilhar seus conhecimentos, suas habilidades, seus valores profissionais com os que não passaram ainda por cursos sistemáticos no campo da enfermagem. Essa tarefa precisa ser, agora, uma ação sistemática, e ninguém melhor do que o(a) enfermeiro(a) poderá desempenhá-la com a qualidade exigida, sustentando a prática docente em uma formação pedagógica voltada para a educação profissional na área de Saúde: Enfermagem. Por isso, foi cuidadosamente pensado este Curso, que lhe dará oportunidade de organizar o que você já sabe, de adquirir novos elementos conceituais e práticos, de desenvolver capacidades próprias para exercer plenamente e, em melhores condições, as responsabilidades de um docente em cursos de formação profissional de nível técnico. Sua proposta pedagógica, justamente porque circunstanciada na realidade concreta em que você já está inserido(a), tem sua concretização comprometida com sua atuação docente, no cotidiano. 10 1 Educação Prática social educativa O Projeto do Curso assim explicita seus objetivos: ! ! Formar docentes em educação profissional de nível técnico em saúde/ enfermagem comprometidos com as necessidades sociais em geral e de saúde em particular. Desenvolver uma sólida formação teórico-prática, com bases filosóficas, científicas, técnicas e políticas, para a adoção de uma prática docente crítica, significativa e emancipadora, que possibilite ao professor: ! ! ! ! ! associar uma visão crítica e global da sociedade às competências específicas de sua área de atuação profissional, na perspectiva do atendimento integral e de qualidade; escolher melhores formas de atuação, com responsabilidade e ética, no âmbito das práticas educativas e assistenciais em saúde; romper, no espaço escolar, com a divisão do trabalho intelectual e manual, permitindo aos alunos acesso às dimensões culturais e científicas, de modo a evitar as separações entre os que pensam e os que fazem. Oferecer, por meio de uma equipe multidisciplinar, uma formação pedagógica baseada na reflexão, visando à construção e ao desenvolvimento de projetos político-pedagógicos, com a adoção de novas competências e tecnologias para o ensino de nível técnico em Enfermagem e demais subáreas de Saúde. Proporcionar situações para que os docentes de Enfermagem reflitam sobre a responsabilidade social de transformar os “trabalhadores ocupacionais” em profissionais da área de Saúde na especificidade da Enfermagem. Antes de iniciar os seus estudos, reflita e explicite para você mesmo: ! ! ! Quais são os seus objetivos ao fazer este Curso? Que competências você considera importantes para quem vai exercer a função de enfermeiro-docente? Com base em sua experiência, que assuntos você consideraria prioritários para seu estudo neste Curso? Inaugure seu Diário de Estudo com suas respostas a essas questões. Consideramos importante você ir construindo sua trajetória de estudos nas páginas desse Diário. Facilitará a sua auto-avaliação e será também um recurso de consulta e retomada de temas. No caso, o registro de suas expectativas servirá para que você avalie se o Curso está atendendo às suas necessidades e em que medida. 11 11 1 Educação Identificando a ação educativa Apresentação do Núcleo Contextual O objetivo deste núcleo é oferecer informações, oportunidades e estímulos para que você possa construir referenciais teóricos e histórico-sociais de análise e reflexão crítica sobre a prática docente e sobre novas contribuições teórico-práticas no campo da educação. Atualizando-se, você ampliará suas perspectivas de promover mudanças e transformações que resultem em melhoria de sua ação no processo de formação de profissionais de nível médio. Para levar a bom termo esse propósito, o Núcleo Contextual concentra sua reflexão em o que é educação e qual é sua relação com o contexto em que ela acontece. Daí, no seu nome, o uso de contextual. Talvez esta parte do Curso pareça muito teórica. É verdade que, nela, a teoria está bastante presente. Contudo, o que é a teoria? Ela é o resultado da reflexão sobre a realidade e, por isso, necessariamente, supõe a prática como sua base concreta. Sem a prática não há teoria. Mas, também, sem teoria não há entendimento aprofundado da prática, da realidade. E – o que não podemos esquecer – sem a reflexão sobre a prática, esvaziam-se, em muito, as possibilidades de promover um processo de transformação consciente e conseqüente da realidade. Organiza-se o núcleo em quatro módulos: ! ! ! ! 12 Módulo 1 – oferece elementos para a compreensão da educação como prática social, que se define, a partir de um processo histórico, em um conjunto de relações diferenciadas, sempre interpessoais, intencionais e comprometidas com a intervenção transformadora da realidade. Módulo 2 – desenvolve uma reflexão sobre a relação da educação com a sociedade – em uma realidade caracterizada por desafios e projetos políticos de enfrentamento que, em sua prática coletiva, articulam e integram projetos e realizações pessoais – destacando-se, em nosso caso, as políticas públicas de educação e saúde. Módulo 3 – analisa a relação da educação com o conhecimento e a ação, com base tanto no entendimento da forma de produzir e apropriar-se do conhecimento quanto na maneira humana de expressarse pela ação, refletindo sobre as dimensões humanas – e, portanto, necessariamente sociais – dos atos de aprender e de ensinar. Módulo 4 – aborda o trabalho (e a profissão) como atividade humana essencial, que se constitui princípio educativo e, portanto, base de construção da práxis do educador de profissionais. Prática social educativa Assim, os autores deste núcleo pretendem oferecer a você a oportunidade de, refletindo sobre a prática, organizar os fundamentos – os alicerces – para construir, com seus colegas docentes e seus futuros alunos, uma proposta de ação educativa formadora de profissionais. Uma proposta de educação que, desde o Núcleo Contextual até o Núcleo Integrador, se caracteriza como uma prática social crítica e libertadora. A produção dos módulos do Núcleo Contextual – cada um deles e seu conjunto – é o resultado de uma cooperação coordenada de quatro autores que identificaram temas e os trabalharam em uma perspectiva interdisciplinar, entendida como permanente tentativa de integração de diferentes áreas de conhecimento. Principalmente você poderá distinguir, sem prejuízo de outras, as abordagens filosófica, histórica, sociológica e psicológica. Certamente ocorrerão a você outros temas e outras abordagens. Ou, então, você os encontrará privilegiados em outros autores. O importante é que, na sua diferença, todos estejam responsavelmente comprometidos com a busca de referenciais consistentes de análise da realidade. Referenciais teóricos, sim, mas construídos na perspectiva histórico-social, na qual a realidade, a prática, além de manifestar-se, ganha significado e movimento: possibilidade de transformação. 13 1 Educação Apresentação do Módulo 1 – Educação Este primeiro módulo pretende oferecer condições para que você, assumindo sua formação como enfermeiro-docente, construa um referencial conceitual de educação, aplicando a reflexão crítica sobre manifestações concretas da prática educativa. A constituição de referenciais – como conjuntos coerentes de conceitos e idéias claras – surge da análise atenta, aprofundada e crítica da prática. Mas esses referenciais só têm sentido quando, aplicados de volta à prática, favorecem o desenvolvimento de uma ação mais consciente, consistente e qualificada. Nesse sentido, são competências a serem desenvolvidas por você no estudo deste módulo: ! ! ! Analisar a dinâmica da relação pedagógica como prática social interpessoal, tendo presente a amplitude e multiplicidade dos espaços educativos e reconhecendo o espaço escolar como o lugar da interação educadoreducando no processo educativo e da intencionalidade de realização de um projeto político-educacional. Compreender o desenvolvimento da educação brasileira como experiência histórica da sociedade, relacionando concepções, políticas e práticas pedagógicas, desde o período da colonização portuguesa, a referenciais de sociedade, conhecimento e for mação humana produzidos historicamente na civilização ocidental. Construir um referencial conceitual de análise da educação como prática social produzida na interação intencional que, para além dos limites da prática pedagógica, signifique consciência e compromisso com a mudança e transformação humanizadora do convívio social e da realidade. Para facilitar seu estudo, estaremos apresentando o conteúdo deste primeiro módulo em três temas, todos dedicados ao entendimento da educação. Tema 1 – Prática social educativa Identificamos, aqui, a partir de práticas sociais concretas, as diferentes manifestações da educação como prática social, considerando sua ocorrência nos diversos espaços de convívio social e, sobretudo, na escola, onde se estabelece a relação pedagógica professor-aluno. 14 Prática social educativa Tema 2 – Educação na prática social brasileira: bases históricas Nesse tema, procuramos situar a história da educação brasileira, referenciando-nos na experiência histórica da humanidade em seu fazer e pensar educativos em diferentes espaços e momentos, para identificar, nos processos pedagógicos, as influências das concepções filosóficas, políticas, científicas, culturais presentes na sociedade. Tema 3 – Educação: interação e consciência social Tratamos mais especificamente da interação e da intencionalidade nas situações concretas do processo educativo, identificando na consciência social as bases para sua explicitação como planejamento e projeto. Os temas do módulo estão separados apenas para fins didáticos, pois, trabalhando com unidades menores, você terá a oportunidade de melhor sistematizar a sua análise, desenvolvendo atividades que fortalecerão sua apreensão e capacidade de avançar na reflexão e solução de questões. 15 1 Educação TEMA 1 Prática social educativa Ao iniciar nosso estudo da educação, desejamos convidá-lo(la) a resgatar suas experiências de vida. Em primeiro lugar, porque o processo educativo foi vivenciado por você durante toda a sua existência. Ele não é uma algo perdido no passado, mas um patrimônio guardado em sua memória, à disposição, para ser trazido por você, com vigor, para este seu momento presente. Em segundo lugar – e sobretudo – porque, ao resgatar essas vivências, você se dará conta de que os acontecimentos educativos estão fortemente integrados ao seu viver ou, melhor dizendo, ao seu conviver. Em sua família e entre o seu primeiro círculo de relações, você se recordará vivendo e convivendo, seja brincando ou executando outras ações, ouvindo e reagindo a palavras (ditas, cantadas ou gritadas) de pessoas que, de forma distinta, se relacionavam com você. Veja como Paulo Freire recorda sua vida e analisa esse exercício de lembrar-se: Assim, para mim, voltar-me, de vez em quando, sobre a infância remota, é um ato de curiosidade necessário. Ao fazê-lo, tomo distância dela, objetivo-a, procurando a razão de ser dos fatos em que me envolvi e suas relações com a realidade social de que participei. Neste sentido é que a continuidade entre o menino de ontem e o homem de hoje se clarifica pelo esforço reflexivo que o homem de hoje exerce no sentido de compreender as formas como o menino de ontem, em suas relações no interior de sua família como na escola ou nas ruas, viveu a sua realidade. (Cartas a Cristina, 1994, p.32) 16 Prática social educativa Se você procurar um colega para também partilhar a memória que ele tem a resgatar, ficará ainda mais fácil ter diante de você realidades experimentadas. Não deixe de fazer esse exercício continuamente. Com certeza, sua trajetória de vida trará um riquíssimo material de um sem número de situações profissionais nas quais e pelas quais, para além da escola, você construiu sua competência de enfermeiro(a), de profissional da saúde, de cidadão/cidadã, de ser humano. Você poderá dar um salto no tempo e lembrar-se de uma situação em seu grupo de idade, conversando a respeito das suas dificuldades na relação com seus pais ou com outros adultos que tinham ou achavam ter autoridade sobre você. Você transmitia aos seus amigos a experiência nesse lidar com os “seus” adultos, mas também ficava atento ao que os outros contavam e ponderava sobre o valor das atitudes deles ou aguardava para repensar ou refletir depois. Mais que isso, você interpretava os gestos e as maneiras de falar. Da mesma forma se imporão lembranças daqueles tão diferenciados espaços que você freqüentou – você, um entre muitos –, onde lhe ensinavam e você aprendia. E, de repente, outras imagens surgem, de conversas com os professores ou com os colegas, de convivências não especificamente marcadas pelos “rituais” de ensino-aprendizagem. Convivências mais abertas e amplas, por meio das quais as pessoas se alegravam ou entristeciam, se preocupavam ou se aliviavam com fatos internos ou externos àquele espaço, mas que nele repercutiam, criando relações de aproximações e afastamentos. Saber não era então apenas conhecer, mas também sentir. Anteriormente, falamos de um “patrimônio”. É verdade! E, como se faz com todo patrimônio, é recomendável usá-lo bem. Sua experiência, contudo, continua, no movimento presente em que você, pessoa humana, relacionada em um contexto familiar ou comunitário próximo, desempenha uma profissão, convive no seu grupo social. Você é – consigo mesmo e com os outros – um ser social. Sua existência e sua identidade não podem ser percebidas, se você não se considerar um ser em relação. Manifestamos o que somos, agindo e praticando na vida social. Mesmo quando privilegiamos o enfoque de determinada prática – a profissional, por exemplo – não podemos correr o risco de reduzi-la, esquecendo que, em sua particularidade, ela só tem significado concreto quando referida ao conjunto de práticas sociais em que nos envolvemos por sempre viver em convivência. Voltemos ao mestre Paulo Freire: Não sei se você já reparou que, de modo geral, quando alguém é indagado em torno de sua formação profissional, a tendência do perguntado, ao responder, é arrolar suas atividades escolares, enfatizando sua formação acadêmica, seu tempo de experiência na profissão. Dificilmente se leva em consideração, como não rigorosa, a experiência existencial maior. A influência, às vezes, quase imperceptível que recebemos desta ou daquela pessoa com quem convivemos, ou deste ou daquele professor ou professora cuja coerência jamais faltou, como da competência bem-comportada, nada trombeteada, de humilde e séria gente. No fundo, a experiência profissional se dá no corpo da existencial maior. Se gesta nela, por ela é influenciada e sobre ela, em certo momento, se volta influentemente. Indagando-me sobre minha formação como educador, como sujeito que pensa a prática educativa, jamais eu poria de lado, como um tempo inexpressivo, o em que andarilhei por pedaços do Recife, de livraria em livraria, ganhando intimidade com os livros, como o em que visitava seus córregos e seus morros, discutindo com grupos populares seus problemas ou como em que, durante dez anos, vivi a tensão entre prática e teoria e aprendi a lidar 17 1 Educação com ela: o tempo do Sesi. Como igualmente, o tempo de meus estudos sistemáticos, não importa feitos em que grau, como estudante ou professor. Os saberes indecisos que se gestaram nas vivências de Jaboatão se entregaram à possibilidade de uma reflexão mais crítica e mais trabalhada que a volta ao Recife propiciava (idem, p.107). Não deixe passar esse texto de Paulo Freire, sem aproveitar toda a sua riqueza. A verdade é que nele encontramos a valorização educativa de tudo o que fomos até agora, do que somos hoje e do que seremos amanhã. Tenha presente que ele aponta para um princípio e uma estratégia fundamental na proposta deste curso: a prática educativa refletida criticamente é aquela da experiência escolar e profissional, mas é a experiência “existencial maior” que lhe dá significado pleno e concreto de prática social. Na raiz (radicalmente), esta é a razão pela qual, ao trabalhar sua formação como docente na área de Enfermagem, o que se evidencia não é uma dupla formação para uma dupla profissão. O desafio é que, na totalidade de sua prática existencial, você se construa como enfermeiro-professor, pessoa humana total, com identidade individual produzida na relação com os outros no convívio social, e que manifeste essa sua humanidade em seu agir profissional. Uma discussão da educação e da relação pedagógica só é possível, portanto, se a situarmos como prática social. A prática social não pode ser vista, simplesmente, como uma atividade que se manifesta como fenômeno ou fato, mas todo um conjunto de atividades humanas que se diferenciam de qualquer comportamento “natural”. Nesse sentido, só há prática humana – mesmo quando “praticada” por uma só pessoa (por exemplo, você estudando este módulo) – quando nela se identifica uma dimensão social. Ela está inserida no processo cultural, produzido historicamente. Isto é, produzido na relação de interação intencional entre os seres humanos e na relação de homens e mulheres com a natureza, com o mundo das coisas. Assim, ainda que o ser humano tenha uma atividade de busca de alimento para saciar sua fome – o que é natural –, nele essa mesma atividade é prática, porque mobiliza, para além de sua capacidade de sentir a fome e de buscar saciá-la, sua consciência, sua intencionalidade. A caça ou a pesca, portanto, passam a ser um fazer consciente e intencionado, implicando necessariamente estabelecimento de raciocínios, relações, reflexão, abstração, significação. É necessário ainda registrar que nenhuma prática, justamente por ser humana, pode prescindir de elementos teóricos. Ela é atividade que incorpora uma reflexão sobre o mundo, sobre a vida, sobre si mesma, enquanto parte constitutiva indispensável da humanidade do homem. É pela mediação realizada pela consciência que o homem percebe e entende a natureza, os outros homens e a sociedade. É pela incorporação de 18 Mediação – intermediação entre termos ou seres. Representa especificamente as relações concretas – e não meramente formais – que se estabelecem entre os fenômenos e suas articulações. No caso da educação, essa categoria torna-se básica porque a educação, como organizadora e transmissora de idéias, medeia as ações executadas na prátrica social. Assim, a educação possui, antes de tudo, um caráter mediador. Prática social educativa uma teoria das relações sociais que os homens se relacionam, se reproduzem, e produzem e reproduzem o mundo em torno de si. Toda atividade educacional que se concretiza em relações pedagógicas é, portanto, uma prática social que apresenta características históricas, implicações teóricas e compromissos políticos. Como afirma Pellegrino (1986), Pólis – cidade autônoma e soberana. Estado ou sociedade, especialmente quando caracterizado por um senso de comunidade. Na Grécia antiga, entendia-se por pólis a cidade-Estado. Omnilateralidade, omnidimensionalidade – o prefixo omni, de origem latina, designa “todos/as”. No caso, todos os lados, todas as dimensões, a totalidade. Acontece que nós, humanos, somos fratura, ruptura, salto qualitativo da natureza para o processo cultural. Somos exilados de nossa condição biológica e da Lei Cósmica que a preside. Perdemos os instintos, no bom e honrado sentido animal da palavra. Somos, sim, animais, mas animais políticos – zoon politikon –, tendo que criar as leis da pólis por termos rompido – este é o pecado original – com a Lei que rege o sol, as estrelas, as plantas e os bichos. Justamente por ser a educação uma prática social que se concretiza por meio da relação pedagógica entre os sujeitos que a realizam, o comprometimento político lhe é inerente. Uma das lições mais preciosas de Karl Marx (1818-1883) foi a de nos chamar a atenção para a “omnilateralidade”, ou seja, para a categoria de totalidade na análise de qualquer fenômeno. Neste sentido, nosso grande desafio está em não nos deixar levar por reducionismos na análise da prática educativa, limitando-nos a apenas um aspecto (ou, mesmo considerando vários aspectos, deles tratar isoladamente), o que caracterizaria uma unilateralidade. Por exemplo, considerar como única função educativa, em um curso de formação de técnicos, a socialização apenas dos saberes técnicos relacionados com a prática profissional admitida para os profissionais de saúde deste nível é, provavelmente, correr o risco de sonegar elementos básicos de compreensão profunda daquelas práticas. Além disso, é desprezar a totalidade e a complexidade da educação e do próprio exercício profissional, que têm como critério menos a hierarquização dentro de um campo profissional e mais o entendimento da realidade (princípios, processos e procedimentos) para o desenvolvimento de competências humanas. Tal maneira de proceder ignoraria, possivelmente, outras formas de saber, contribuições de diferentes culturas e de diversas experiências que podem colaborar significativamente na constituição do profissional como sujeito, pessoa humana e cidadão. Seria, em última análise, desconsiderar a prática pedagógica como prática social. Dentro dessa visão omnilateral da ação pedagógica, certamente mais do que o objeto, o conteúdo ou a forma, é importante notar o sujeito em sua totalidade e em sua relação com o outro, formando coletivos, grupos sociais, que – por sua vez – se relacionam na formação de uma sociedade. Esse sujeito – em suas dimensões individual e coletiva – ocupa o lugar de protagonista no cenário pedagógico, pois é nele, por ele e para ele que a ação educativa acontece. Com base nesse pressuposto, é primordial conhecer muito bem esse sujeito. Teremos oportunidade de fazê-lo mais profundamente no Módulo 2 (no qual trataremos privilegiadamente dos aspectos relacionados com seu exercício de cidadania) e no Módulo 3 (quando enfatizaremos os aspectos relacionados ao processo educativo e, mais particularmente, da aprendizagem). Em ambos os casos, na totalidade do ser humano como pessoa que se constitui socialmente. 19 1 Educação O que pretendemos agora, na afirmação dessa totalidade, é ver, na prática social educativa, esse processo de relação específica entre sujeitos humanos que se apresentam e recebem denominações também específicas de educador-educando e professor-aluno. Certamente, você percebe isso. Em sua experiência cotidiana, sua prática de enfermagem é uma prática social que envolve uma relação entre sujeitos, seres humanos que se constituem socialmente como pessoas. Nem se nega que um seja o profissional da enfermagem em uma relação com um outro que se está valendo de seus serviços como atendido ou cuidado no campo da saúde. Entretanto, essa relação concreta, que faz com que se denomine um enfermeiro e o outro paciente, continua a ser e em nada pode obscurecer a relação interpessoal de sujeitos sociais. Da mesma forma, para além da condição daquele que ensina e daquele que aprende, é preciso compreender o professor e o aluno como sujeitos que se constroem na história. A relação educativa, em que se envolvem como educador-educando, só pode ter significado concreto quando entendida como prática social, sempre pressupondo uma visão de mundo. A prática pedagógica – como ressaltam vários autores e, com muita propriedade, Sônia Kramer (1993) – precisa ser vista de uma perspectiva que possibilite pensar o homem em sua totalidade e em sua singularidade. Isto significa conceber o homem e suas práticas – dentre elas a educativa – sem dicotomizá-lo. Implica, portanto, entender que a subjetividade, para existir, supõe a coletividade e o social. Além disso, demanda a busca de subsídios para se ter uma visão histórica que, sem excluir o particular e específico, seja entendida como a totalidade do momento e requer a construção de uma abordagem interdisciplinar comprometida com a já mencionada omnilateralidade humana, e não a simples justaposição de perspectivas teóricas diversas. Os fatos concretos da educação de cada um e o conjunto do “fazer pedagógico” são, portanto, práticas coletivas. Nelas, necessariamente, os aspectos cognitivos, afetivos, socioeconômicos, políticos e culturais interagem em função de resultados também concretos. Assim, a prática social pedagógica, tal como acontece em cada “aqui e agora”, se faz pela linguagem, fazendo (produzindo) linguagem. Por isso mesmo a didática, que, sem dúvida alguma, é uma questão de meios, só pode dar conta deles quando se assume, primordialmente, como uma questão epistemológica e, mais ainda, uma questão cultural. Do mesmo modo que na educação, você pode identificar os possíveis danos na área da Saúde, quando se deixa de lado ou – o que é pior – quando se nega estar diante de uma prática social, na qual sujeitos humanos, em sua inteireza e totalidade, se relacionam. Como ambas – educação e saúde – são práticas sociais, podemos sempre estar estabelecendo comparação entre situações concretas da prática da saúde 20 Dicotomizar – dividir em duas partes, classes ou grupos; separar em partes. Epistemológico (do grego epistême, “ciência”, “conhecimento” + o + logia) – relativo à epistemologia, disciplina que toma as ciências como objeto de investigação; teoria do conhecimento. Prática social educativa Trocando impressões com outras pessoas – principalmente colegas profissionais da área de Saúde –, procure identificar e registrar em seu Diário de Estudo situações em que, de diferentes maneiras, houve interação educativa. e da prática educativa. Além disso, há nelas uma constante que você identificará: a interação ou relação. Em primeiro lugar, entre pessoas, mas também entre pessoas e coisas, fatos, idéias. Você notará ainda que essas interações se dão em uma realidade concreta, física – é verdade –, mas, sobretudo, socialmente circunstanciada, onde a vida econômica, política, cultural se constitui em contexto historicamente definido das interações e das ações. Nesse sentido, a educação está sempre presente quando as pessoas se desenvolvem, se aperfeiçoam. Pode-se mesmo dizer que, em todas as práticas sociais – que necessariamente supõem interação entre as pessoas e relação das pessoas com o mundo que as cerca –, há uma busca de aperfeiçoamento pessoal e coletivo, uma busca de transformação, portanto, uma prática educativa. Admitindo a amplitude da prática social educativa como uma realidade, precisamos ter clareza, , das diferentes situações, com diferentes características, manifestando processos educativos distintos. Anteriormente, sinalizamos reducionismos falseadores da realidade. Certamente é reducionismo não distinguir práticas educativas diversas e não aprofundar a análise de diferentes manifestações do processo educativo. Principalmente porque, ao caracterizar essas diferenças, estaremos qualificando a relação pedagógica, encaminhando parâmetros de responsabilidades pessoal e profissional. Exemplificando: certamente é uma prática social de saúde a promoção de um ambiente sadio. Iniciar as crianças em hábitos de higiene, separar o lixo, reivindicar coleta seletiva e sistema eficaz de tratamento de água e esgoto são responsabilidades de todos os que participam do convívio social. Entretanto, práticas específicas de profilaxia, como planejamento e produção de sistemas de saneamento básico, análise e recomendação de medidas preventivas ao contágio de uma epidemia, por exemplo, não podem ser responsabilidade de todos, embora todos devam ser envolvidos nelas como sujeitos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 1º, reconhece a grande abrangência da educação e define seu objeto específico. Art. 1º A Educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. §1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. §2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social (Lei n.º 9.394/96 ). Assim, a lei assume que a educação é um fenômeno humano cujas manifestações – todas importantes – são muitas e diferenciadas. E mais: delimita o seu campo de ação, definindo que cabe a ela disciplinar apenas as formas institucionalizadas de educação, que se expressam predominantemente pelas atividades de ensino. Mas, ao fazê-lo, estabelece uma condição necessária: a vinculação da educação escolar tanto ao mundo do trabalho como à prática social. Isto significa que a educação escolar existe contextualizada, ou seja, situada no espaço, datada no tempo e referida à vida social como um todo, da qual ela é parte integrante. 21 1 Educação Com base nessa análise inicial, podemos encaminhar nossa reflexão sobre a prática social educativa, tentando sistematizar alguns aspectos que julgamos essenciais. Considerando que a educação só se realiza plenamente quando resulta em uma transformação do sujeito que se educa, a intencionalidade é um aspecto muito importante da prática educativa. Intenção de quem deseja transformar-se, isto é, do sujeito-educando do processo educativo. Intenção de quem se propõe a apoiar o sujeito que deseja transformar-se, o sujeito-educador. Surge assim, sob o ponto de vista da intencionalidade, uma grande quantidade de possibilidades de situações educativas. Podemos pensar, por exemplo, em duas situações opostas: ! ! o sujeito da transformação tem forte intenção de educar-se em uma determinada circunstância, porém ninguém tem intenção de ajudá-lo em seu processo; uma pessoa, que se propõe a apoiar a educação de outra, tem forte intenção de fazê-lo, enquanto aquela, que seria sujeito do processo de transformação educativa, não tem a mínima intenção de educar-se. E, entre essas duas situações, a intencionalidade dos sujeitos pode adquirir gradações diferenciadas. É possível promover uma situação em que ambas as partes manifestem um grau elevado de intencionalidade no estabelecimento de uma interação visando à educação. Para prosseguirmos nossa análise, essas duas palavras precisam ter um significado muito claro para nós: intenção e interação. É usual caracterizar os processos educacionais como ! formais – quando a intenção de promover a educação e a maneira de realizar a interação pedagógica se explicitam em definição de objetivos, critérios de seleção de conteúdos, identificação de linhas metodológicas a serem adotadas, indicação dos critérios de avaliação; e ! ! Intenção ! Interação Como você aplica esses conceitos em situações de sua prática cotidiana, principalmente profissional? informais – quando ocorrem sem que se explicitem a intenção e a interação propriamente educativas, em situações ocasionais de convívio social ou de participação em eventos, sem qualquer previsão ou formalização de procedimentos. Quando se trata de educação, é preciso considerar que estamos diante de um modo específico de ter intenção, de uma maneira específica de vivenciar a interação. Porém é preciso reconhecer, também, que, mesmo nos processos educativos que apresentam alto índice de sistematização, há sempre espaços ou momentos menos sistemáticos e até espontâneos, em que se desenvolvem importantíssimos processos interativos, nem sempre explicitados como educacionalmente intencionais, mas cujos resultados educacionais são incontestáveis. 22 Mesmo que você tenha a certeza de conhecer o sentido exato dessas palavras, procure-as em um bom dicionário e anote o seu entendimento: Você consegue se lembrar de situações espontâneas que, na sala de aula, contribuíram para a sistematização de conhecimento? Prática social educativa Trazemos essa discussão acerca de educação formal, não-formal, informal porque, em suas leituras – inclusive de documentos oficiais e normativos –, você vai encontrar menção a esses e outros termos qualificando a educação. Mas, sobretudo, para chamar sua atenção para a intencionalidade da ação educativa nos diferentes projetos educacionais. Qual a intencionalidade da ação educativa assumida neste curso? Pense a esse respeito. Libâneo (1992) distingue a educação em sentido amplo (compreendendo os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente) e em sentido estrito (ocorrendo em instituições específicas, escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino, mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se daqueles processos formativos gerais). Esse autor se refere a estudos que caracterizam as influências educativas em dupla modalidade: educação não-intencional (também denominada educação informal) e educação intencional. (...) São muitas as formas de educação intencional e, conforme o objetivo pretendido, variam os meios. Podemos falar da educação não-formal quando se trata de atividade educativa estruturada fora do sistema escolar convencional (como é o caso de movimentos sociais organizados, dos meios de comunicação de massa, etc.) e da educação formal que se realiza nas escolas ou outras agências de instrução e educação (igrejas, sindicatos, partidos, empresas), implicando ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos, sistematização, procedimentos didáticos. Cumpre acentuar, no entanto, que a educação propriamente escolar se destaca entre as demais formas de educação intencional por ser suporte e requisito delas (1992). Reconhecendo a necessidade de compreensão dos interesses sociais, políticos, econômicos, culturais presentes na prática educativa, Libâneo (1992) enfatiza que as relações sociais existentes na sociedade não são imutáveis, estabelecidas para sempre. Elas são dinâmicas, porque constituídas pela ação humana na vida social. Elas podem, portanto, ser transformadas. Metodologia – atividade crítica dirigida pelos cientistas para os procedimentos, teorias, conceitos e / ou descobertas produzidos pela pesquisa científica. Representa o conjunto de processos de investigação aplicáveis em uma ciência e não pode ser confundida com técnicas nem procedimentos. A metodologia é importante porque representa um caminho essencial por meio do qual se efetua o progresso científico. Em uma situação educativa, nossa análise pode e deve abranger muitos aspectos. Entretanto, um ponto fundamental a ser considerado é a identificação da maneira de agir das pessoas e dos grupos envolvidos. Inclusive, é interessante verificar como essa maneira de agir das pessoas reflete sua inserção em grupos sociais. Vamos, juntos, analisar este nosso Curso. Ele é uma atividade educativa que explicitou seus objetivos, planejou suas etapas de execução, selecionou e organizou conteúdos a serem trabalhados, escolheu caminhos tanto para desenvolver suas atividades (isto é, escolheu sua metodologia!) quanto para identificar os seus resultados. Neste sentido, ele é sistemático, promove interações pedagógicas mediadas (seja de forma presencial ou a distância), é ministrado por instituições educacionais em regime formalizado de cooperação, obedece às regulamentações vigentes para habilitar seus alunos para uma função docente em sua área de exercício profissional. Por seu lado, os alunos nele se matriculam, recebem material didático e atendimento de agentes educacionais credenciados como tutores, aos quais enviam atividades e tarefas, com o objetivo de desenvolver competências profissionais no campo da docência de educação profissional de nível técnico em Enfermagem. 23 Pode-se dizer – sem nenhuma dúvida – que é uma proposta de educação caracterizada por explicitação de elevado grau de intencionalidade e de interação sistematizada. No entanto, faz parte de sua metodologia lembrar continuamente que é necessário criar – nas múltiplas interações de seu cotidiano (mesmo que elas ocorram fora do espaço escolar ou do serviço da saúde) – uma forte intenção educativa, para aproveitar, como formativas, todas essas ocasiões. É bom lembrar que as classificações e categorizações quase nunca dão conta da realidade. Por exemplo, a maioria das cores, dos sons, dos sabores, dos odores, que vemos, ouvimos e sentimos, é resultado de combinações que – embora referidas a escalas de cores, sons, sabores e odores básicos – promovem resultados diferentes, múltiplas possibilidades de variações. Por meio de um grande programa de formação de pessoal auxiliar da área de Enfermagem, no qual você atuará como docente formalmente habilitado por este Curso, surgirão múltiplas possibilidades de combinações de situações mais e menos formais, mais e menos intencionais, mais e menos sistematizadas. Todas com potencial educacional. Importa tanto reconhecer esse potencial como distinguir – com absoluta clareza – os seus graus e níveis . Como você será responsável pela formação de profissionais competentes, é necessário situar-se em algumas discussões que ajudam a entender a educação como um processo amplo, aberto e, ao mesmo tempo, comprometido com a especificidade e o rigor necessários ao desenvolvimento de competências. Práticas sociais educativas diferenciadas No Brasil e em praticamente todos os países da América Latina, a educação de jovens e adultos se constituiu em uma prática alternativa à educação formal. Sua motivação principal era a necessidade de atender as demandas não contempladas pelo sistema escolar. Era, por isso, uma ação voltada para as populações mais pobres, excluídas da escola pelas condições objetivas de acesso e de permanência no sistema de ensino. Essa população seria beneficiada por programas em resposta à necessidade cidadã de saber ler, escrever, contar. Tedesco (1985) afirma que os resultados das campanhas de alfabetização de adultos foram pouco expressivos e não conseguiram superar as discriminações produzidas pela educação formal (p. 34), exceto em algumas situações – como aquela em que a campanha fazia parte de processos revolucionários, a exemplo das situações de Cuba e da Nicarágua. 1 Educação Educação de adultos no Brasil: algumas anotações Hoje, a educação de jovens e adultos é uma modalidade de educação básica, nos níveis de ensino fundamental e médio, cabendo aos sistemas de ensino assegurar oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames supletivos (Arts. 37 e 38, da LDB). No âmbito do PROFAE (Componente I), por exemplo, a complementação do ensino fundamental para os alunosauxiliares que não tiveram acesso a esse nível de ensino na idade própria é oferecida em parceria com instituições estaduais. Em obra publicada em 1983, Vanilda Paiva, ao apresentar um importante histórico da trajetória da educação de adultos no país, mostra que, no Brasil, um fator sempre muito presente na justificação dos apelos em favor de um melhor sistema de ensino ou de campanhas em favor da educação de adultos [era] a importância atribuída à posição e ao prestígio do país no plano internacional, no “concerto das nações”, onde os brasileiros desejavam vê-lo colocado “entre os países cultos” (p.20). Nesse histórico, a autora lembra que, no início da década de 1930, o educador marxista Paschoal Lemme tinha tomado a iniciativa inovadora de dedicar-se à educação de adultos, escrevendo o trabalho Educação supletiva. Educação de adultos, além de assumir efetivamente a tarefa de organizar cursos para operários no Distrito Federal (p. 42). Ainda se referindo ao início da conscientização da importância da educação de adultos no Brasil, observa que, nos anos 1940, com a divulgação de estatísticas educacionais nada lisonjeiras para o país, os educadores do Governo se comprometiam a destinar parte dos recursos públicos à educação de adultos. Nessa obra, a autora apresenta e discute várias iniciativas voltadas à educação de adultos, desde então, tais como a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947), a Campanha Nacional de Educação Rural (1952), a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1952), o Movimento de Educação de Base (1961), o Plano Nacional de Alfabetização (formalmente, janeiro de 1964), a Cruzada ABC (1964), o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL (1967). Para ilustrar a intencionalidade da educação comprometida com os excluídos, vale citar duas experiências vividas no Brasil, em tempos diferentes. A primeira diz respeito às experiências de alfabetização de adultos empreendidas no início dos anos 1960. Estas utilizavam o método de alfabetização e de conscientização desenvolvido por Paulo Freire. Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da cultura, que fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito ... Pensávamos numa alfabetização que fosse em si um ato de criação, capaz de desencadear outros atos criadores. Numa alfabetização em que o homem, por que não fosse seu paciente, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a vivacidade, característica dos estados de procura, de invenção e de reivindicação ... estávamos, assim, tentando uma educação que nos parecia a de que precisávamos. Identificada com as condições de nossa realidade. Realmente instrumental por que integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito. E se já pensávamos em método ativo que fosse capaz de criticizar o homem 25 1 Educação Prática social educativa através do debate de situações desafiadoras, postas diante do grupo, estas situações teriam de ser existenciais para os grupos. Fora disso estaríamos repetindo os erros de uma educação alienada, por isso instrumental (Freire,1975, p.104-7). As fases de elaboração e de execução prática desse método eram: 1 – levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se ia trabalhar; 2 – escolha das palavras, selecionadas do universo vocabular pesquisado; 3 – criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se ia trabalhar; 4 – elaboração de fichas-roteiro que auxiliassem os coordenadores de debate no seu trabalho; 5 – feitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas correspondentes aos vocábulos geradores. A execução prática das campanhas de alfabetização baseadas no método Paulo Freire foi coroada de sucesso por onde aconteceu: no Brasil, no Chile, em Angola, depois da independência. No Brasil, o Movimento Militar de 1964 interrompeu o trabalho em curso. A outra experiência de educação comprometida com a realidade social vem sendo desenvolvida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O Movimento dos Sem terra incorporou à sua missão a responsabilidade de promover a educação dos sem-terra, um aspecto em geral muito prejudicado nas condições da vida rural. Atualmente, são 1.000 escolas que atendem a 75 mil crianças e sete mil adultos, uma façanha ainda pouco conhecida do grande público. No entanto, já chama atenção de quem se interessa pela questão educacional brasileira e pelo tema da cidadania. O modelo escolar do MST segue o método do educador Paulo Freire e conta com a parceria de diversas universidades, além do UNICEF e da UNESCO. Os resultados levaram o MST a receber o Prêmio Direitos Humanos, concedido pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade e a Democracia, entidade ligada à Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. O prêmio destina-se a distinguir personalidades pelo trabalho humanitário e, pela primeira vez, foi concedido a um movimento social, em razão da expressividade do projeto de educação empreendido pelo MST nos acampamentos e assentamentos (Educação premiada, 1999, p. 25). 26 26 Prática social educativa O que o MST entende por educação: processo omnilateral, ou seja, a formação da pessoa humana se dá no todo, em todas as dimensões e no conjunto das relações (...); [é] reunir-se para aprender e ensinar o alfabeto e, mais que isso, o ato de ler e escrever a realidade e a própria vida (Procópio, 1999). Mídia – designa o conjunto dos meios de comunicação de massa: jornais, revistas, televisão, rádio, cinema, Internet e assim por diante. A utilização de vários meios de comunicação de categorias diferentes para determinados fins é reconhecida como multimeios ou multimídia ou, ainda, como “mídia mix”. Mais adiante, no Módulo 2 2, quando tratarmos de algumas características da sociedade, teremos oportunidade de discutir especificamente este tema. O que o MST entende por escola: conceito mais amplo que o espaço oficial, porque escola é o espaço onde se aprende, ensina, cresce. Mais importante que o local onde a Educação Popular acontece, seja na escola, no movimento popular ou outras organizações, um dos maiores desafios é o de como fazer com que o povo ( a massa que não teve acesso ao conhecimento de maneira mais elaborada) se reconheça e seja reconhecida como capaz de intervir na História. Neste sentido, todos nós nos reeducamos à participação, nos desafiamos a problematizar a realidade, compreender as causas do que se apresenta como verdade e buscar saídas coletivas para os problemas da sociedade como um todo. A primeira grande missão da Educação é ensinar a pensar, pesquisar, desconfiar, criticar, propor. Neste sentido, contextualiza-se nossa concepção de Educação, e sua herança mais profunda é seu compromisso com a classe trabalhadora (Procópio, 1999). Atualmente, pode-se fazer referência a outras modalidades de práticas sociais educativas diferenciadas, visto que as diversas “mídias” eletrônicas, acessíveis a um grande e crescente número de pessoas, têm se constituído em veículos amplamente utilizados e utilizáveis para a educação da população, seja ela relacionada ou não à educação escolar. A alta e refinada qualidade técnica, a amplitude de sua cobertura e a ausência de opções culturais e de lazer para a grande maioria da população fazem com que a televisão funcione como um instrumento de comunicação – e, por conseqüência, de educação – poderosíssimo no Brasil , o mesmo ocorrendo em outros países da América Latina. Interação intencionada da prática social educativa Se admitimos que interação e intenção constituem base essencial à prática socioeducativa, fica patente a necessidade de explicitarmos uns para os outros nossas intenções e modos de vivenciar interações. Essa explicitação se manifesta em um projeto político-pedagógico. Dele trataremos mais adiante, tanto neste Núcleo Contextual (principalmente no Módulo 2) quanto nos Núcleos Estrutural e Integrador. Aqui, entretanto, precisamos iniciar – ainda que brevemente – uma discussão que também estará presente em todo o nosso Curso: qual é a intenção de nossas interações constitutivas da prática social educativa? Indo mais fundo à raiz mesma de nossas intenções interativas, o que pretendemos? Será que cada um de vocês, que já é docente dos cursos do PROFAE, poderá responder a essas questões, no limite de um promover as competências operacionais para que executem com precisão os procedimentos requeridos em sua posição e nível como auxiliares de enfermagem e considerar que a resposta foi suficiente? Será que a suficiência da resposta passará a existir se for acrescentado e para que entendam os termos técnicos seguindo, com precisão, as prescrições? 27 1 Educação No trecho a seguir, extraído de um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo do dia 26/12/1999, em que o autor fala de uma estrela chamada esperança, você poderá encontrar reforço para aprofundar nossa discussão. A estrela Rubem Alves A democracia não pode existir também, num país cujo povo não seja educado. Ser educado não é ter diploma de escola. Ser educado é saber pensar. Pensar, primeiro, a estrela. Depois, pensar o caminho na sua direção. Se não vemos a estrela, como caminhar? Quem não contempla a estrela não pode pensar. Há eruditos com PHD que só sabem pensar os limites estreitos do seu laboratório de pesquisa. Sua estrela são as revistas especializadas internacionais onde seus artigos são publicados. Nossas escolas e universidades não têm ensinado o povo a contemplar as estrelas! Acúmulo de saberes não significa sabedoria. Perguntava T. S. Eliot [poeta inglês]: “Onde está a Vida que perdemos ao viver?/ Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?/ Onde está o conhecimento que perdemos na informação?” Ou Manuel de Barros [poeta brasileiro]: “Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar.” Povo que não sabe pensar não vê a estrela; caminha seduzido pelo brilho das imagens. Já no século XVII, um grande educador, João Amós Comênio (15921670), afirmava que o homem é um animal educável. Isto é, ele nasce apto para saber, mas para saber precisa ser educado, formado. Segundo Comênio, o homem tem necessidade de ser formado, para que se torne homem (Didactica Magna – c.VI). Por isso, mesmo com as limitações de seu tempo, ele lutava por uma educação para todos, falava de uma didática que deveria dar conta de ensinar tudo a todos e que deveria ser praticada por uma organização escolar bem estruturada. Um século depois, Kant (1724-1804) diria: o homem é a única criatura que precisa ser educada. Partindo dessas afirmações, sobretudo aquela de Kant, Neidson Rodrigues (2001) nos lembra que, para além da educação que se processa através de uma intenção “de fora” com o objetivo de formar o ser humano, há um outro aspecto fundamental que precisa ser levado a termo. Trata-se da educação que mobiliza, aciona as capacidades intelectuais e afetivas do ser humano para que este assuma plenamente suas potencialidades físicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação. Esta – continua Rodrigues – é uma das condições para que ele se construa como sujeito livre e independente daqueles que o estão gerando como ser humano. A educação possibilita a cada indivíduo que adquira a capacidade de auto-conduzir o seu próprio processo formativo (idem, p. 241). 28 Prática social educativa 1. Após reler o trecho do artigo A estrela de Rubem Alves, identifique as críticas que ele faz à prática educativa, tal como freqüentemente vem ocorrendo em nossas escolas. Depois, pensando nas escolas que você conheceu e conhece, aponte as falhas que você percebe nas práticas educativas que desenvolvem. É sempre importante que você registre sua posição. 2. Tendo presente o que você estudou neste primeiro tema e o resgate de situações da sua vivência de educando e de educador, registre no seu Diário de Estudo aspectos que você julga fundamentais no entendimento da educação como prática social. As anotações no Diário de Estudo poderão integrar a sua avaliação neste Curso, mas, certamente, serão – muito mais – referência sempre à mão para sua vida profissional É muito freqüente – especialmente quando nosso foco de atenção é o processo de formação de profissionais – parar na educação “que vem de fora” e que reflete a transmissão de experiências do agir profissional. Com base em um perfil profissional estabelecido como desejável, parte-se para formar os novos segundo esse modelo. Tal é a preocupação com esse aspecto, que se esquece de que também a educação profissional é formação humana e, portanto, é responsável por estender a aptidão do homem para olhar, perceber e compreender as coisas, para se reconhecer na percepção do outro, constituir sua própria identidade, distinguir as semelhanças e diferenças entre si e o mundo das coisas, entre si e os outros sujeitos (ibidem, p. 243). E por que isso tudo é essencial na prática social educativa? Porque cada ser humano se realiza como herdeiro de um mundo natural e transformado pelos homens que o precederam, em um mundo real que o recebe e que lhe foi dado. Compreender isso é credenciar-se para ser transformador do mundo. Mas o homem precisa assumir que, embora possuidor de uma vontade infinita, tem possibilidades finitas de realização. Ele pode conhecer, mas não pode conhecer tudo; ele pode fazer, mas não pode fazer tudo. Ao desenvolver sua consciência de limites, é preciso desenvolver sua consciência da possibilidade de superá-los e estendê-los nos meandros – usando a precisa expressão de Neidson Rodrigues (2001) – da intercomunicação cooperativa com outros homens. Onde é possível dar-se esta cooperação entre as pessoas? Será que não estamos apenas a teorizar em absoluta abstração? Parece que não. Estamos fazendo afirmações baseando-nos em vivências concretas, em experiências vividas. Ao falar do ser humano, não fomos buscar sua essência fora da realidade. Ao contrário, procuramos o sentido da essência e a existência humana através de mediações histórico-sociais (Severino, 1992). Só se é homem ou mulher nessas condições, que se materializam nesta ou naquela sociedade, concretamente existente neste espaço e tempo definidos. Não se trata, portanto, de distrair a atenção da prática profissional como foco central da educação para a qual você está voltado(a). Trata-se de dar a esse foco sua dimensão completa, total. Sem ela, as interações pedagógicas serão intencionadas apenas em parte. Também parciais serão os resultados de toda a formação profissional. 29 1 Educação TEMA 2 Educação na prática social brasileira: bases históricas Começaremos por traçar os caminhos percorridos pela experiência humana – e sua concretização na experiência brasileira – na prática social que denominamos educação. Para isso, não podemos deixar de recorrer ao conhecimento histórico acumulado sobre a ação e o pensamento educativos. Estamos falando da História da Educação, sim; mas estamos também falando, de forma mais geral, da História. Isto é, do conhecimento histórico e de seu valor. Por que é importante, hoje, apropriar-nos dessa História? Para que nos servirá tudo isso, na prática? Hobsbawm (1998, p. 22) nos diz que O passado é uma dimensão permanente na consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. O mesmo autor acrescenta: O objetivo de se traçar a evolução histórica da humanidade não é antever o que acontecerá no futuro, ainda que o conhecimento e o entendimento históricos sejam essenciais a todo aquele que deseja basear suas ações e projetos em algo melhor que a clarividência, a astrologia ou o franco voluntarismo[pois] o que ela [a História] pode fazer é descobrir os padrões e mecanismos da mudança histórica em geral, e mais particularmente das transformações das sociedades humanas durante os últimos séculos de mudança radicalmente aceleradas e abrangentes. Em lugar de previsões ou esperanças, é isso que é diretamente relevante para a sociedade contemporânea e suas perspectivas (ibidem, p. 42-43). 30 Educação na prática social brasileira Se pensarmos no campo educacional, a História tem fundamental papel na formação da consciência crítica do educador, desde que não se esgote em um elenco de fatos e datas do passado. Estes são sempre a matéria-prima a ser trabalhada na identificação de experiências pedagógicas concretizadas em contextos, cuja reconstrução e interpretação enriquece e amplia fontes de referência. Na verdade, as experiências atualmente vividas, mesmo sendo diversas e inéditas, beneficiam-se de um entendimento histórico de problemas que já percorreram uma trajetória para configurar-se no aqui e agora, desta maneira peculiar que nos desafia. Não se trata de buscar no ontem sua solução; trata-se de resgatar elementos que nos ajudem a melhor definir a situação desafiadora e encontrar as diretrizes e as coordenadas da nossa ação pedagógica (Reis Filho, 1981, p. 2). A educação no Brasil Colonial No Brasil, a educação só se organiza a partir da instalação do Governo Geral, em 1549, quando os jesuítas, credenciados pelo Rei D. João III para desempenhar a dupla missão catequética e educacional, desembarcam com Tomé de Souza. Quinze dias após sua chegada, em Salvador, já estava funcionando a primeira escola de ler e escrever. Não havia terminado o ano, e já o Padre Leonardo Nunes, em São Vicente, tinha formado um seminário para os meninos indígenas, onde lhes ensinava com os mestiços da localidade e alguns órfãos vindos de Portugal a falar português, a ler e escrever, depois o latim aos mais hábeis; e acima de tudo os bons costumes e a doutrina cristã (Relato do Padre Simão de Vasconcellos, apud Almeida, 1989, p. 27). Em 1570, data da morte do Padre Nóbrega, já se contam no Brasil cinco escolas de instrução elementar e três colégios. Em 1759, data da sua expulsão, a Companhia de Jesus mantinha no Brasil, como nos relata Fernando de Azevedo, 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, sem contar os seminários menores e as escolas de ler e escrever, instaladas em quase todas as aldeias e povoações onde existiam casas da Companhia. Note-se que, na mesma data, em Portugal, os jesuítas mantinham 24 colégios e 17 residências. Veja o que o Padre Simão de Vasconcellos conta a respeito do recrutamento dos alunos indígenas dessas primeiras escolas brasileiras: Quase não havia populações indígenas perto do mar e não era conveniente abandonar os portugueses. O Pe. Leonardo descobriu um meio engenhoso de exercer a caridade: com um dos mais robustos irmãos, experto em língua, caminhou através de ásperas montanhas (...) pelas vilas dos gentios que habitavam no seio das florestas virgens; obteve por sua autoridade e ajudado pela língua eloqüente de seus companheiros, que se lhes confiassem seus filhos, porque desejava conduzi-los para o litoral e educá-los no meio dos portugueses, ensinando-lhes as coisas da fé, depois de tê-los regenerado pela água do batismo. Era uma tarefa muito difícil que empreendia o R. Padre porque, para estas pessoas, retirar-lhes os filhos é a mesma coisa que arrancar-lhes o coração... (apud Almeida, 1989, p.27). 31 1 Educação Que concepção de educação traziam os jesuítas para o Brasil? Quais princípios fundamentaram o início das atividades educacionais no país? Estas são perguntas que devemos fazer, mas há outra questão relevante: que práticas sociais, de caráter educativo, os portugueses aqui encontraram entre os habitantes originais destas terras? O autor do trecho acima tinha consciência disso, pois registrou que, para os naturais da terra, retirar-lhes os filhos é a mesma coisa que arrancar-lhes o coração. Para buscar respostas a essas perguntas, é importante percorrer – ainda que brevemente – a experiência da prática e da reflexão pedagógicas no mundo ocidental até à data do desembarque dos que aqui chegaram com a intenção explícita de educar, isto é, de educá-los no meio dos portugueses, ensinando-lhes as coisas da fé. Como vimos no primeiro tema, uma interação marcada por uma intenção nítida de um projeto colonizador. A pedagogia tradicional e suas referências humanísticas Quem desembarca com os jesuítas das caravelas de Tomé de Souza e se instala, adaptada ou mutilada, nas terras do Brasil, é a denominada pedagogia tradicional. Um conjunto de idéias e normas que, com diferenças e peculiaridades, acompanhavam também os outros religiosos missionários que aqui chegaram antes e depois da Companhia de Jesus. É a partir da segunda metade do século XVI que podemos identificar o conjunto de manifestações que caracterizam o surgimento do que chamamos pedagogia tradicional como um modo de agir e de pensar a educação, dotado de identidade própria. Ao tentar apreender o processo histórico de sua formação e consolidação, é inevitável dirigir nossos olhos, principalmente, para os acontecimentos dos séculos XVI e XVII. Mas também é necessário identificar, em épocas anteriores e posteriores, o processo de gestação e de desenvolvimento desse importante movimento da educação. A pedagogia tradicional terá diferentes características nos diversos países da Europa e – o que para nós tem especial interesse – em Portugal. Entretanto, será sempre possível identificar alguns traços gerais, tais como: a seleção e ordenação de conteúdos cuidadosamente elaborada, a definição rigorosa de um método, o estabelecimento de uma relação exemplar e diretiva do mestre com o discípulo. Principalmente, o espaço físico que expressa essa pedagogia tradicional, a escola, adquire um mundo peculiar, que se esforça em se separar do quotidiano, visto, naquele momento, como mais ou menos hostil aos objetivos da educação. 32 Outras perguntas e questões relativas à experiência educacional em terras do Brasil poderão vir à sua mente. Isto porque todos temos a qualidade humana da curiosidade. Queremos entender as coisas que fazemos, e estas, como todas as ações humanas, têm história. Estamos sempre em atitude de abertura para construir conhecimento. Muitas vezes você não encontrará aqui o tratamento dessas questões, ou uma abordagem satisfatória. Procure consultar os livros e os textos indicados para outras leituras. Apresente suas questões ao seu tutor. Educação na prática social brasileira Ética – parte da Filosofia que tem por objetivo elaborar uma reflexão sobre os problemas fundamentais do homem: finalidade e sentido da vida humana, fundamentos da obrigação e do dever, natureza do bem e do mal, valor da consciência moral, etc. O dever, em geral, é objeto da ética. Estética – um dos ramos tradicionais do ensino da Filosofia. O termo foi criado no século XVIII para designar o estudo da sensação, “a ciência do belo”, referindo-se àquilo que agrada aos sentidos. Paradigma – modelo ou conjunto básico de crenças que orienta a ação, a investigação disciplinada. Sofística – não se constituiu em escola filosófica, mas em orientação genérica – doutrinas e atitude intelectual – acatada pelos filósofos sofistas (séculos V e IV a.C.). Caracterizava-se pela concentração do interesse no homem e em seus problemas, isto é, pela preocupação com questões práticas e concretas da vida da cidade, pelo relativismo em relação à moral e ao conhecimento, pela valorização da retórica e da oratória como instrumentos de persuasão, que caracterizava a função do sofista, e, conseqüentemente, pelo conhecimento da linguagem e domínio do discurso, essenciais para o desenvolvimento da argumentação sofística. O termo é utilizado freqüentemente com sentido pejorativo, significando filosofia de raciocínio verbal, sem solidez e sem seriedade, que se vale de sofismas – argumentos que produzem a ilusão de validade e que têm como conclusão um paradoxo ou um impasse. Não se pode negar que essa pedagogia tradicional é herdeira do humanismo, mas se vai construindo no processo de absorção ou negação das “inovações” e “diferenças” que, em velocidade e profundidade crescentes, passam a fazer parte do panorama cultural, social e político da Europa, a partir dos séculos XV / XVI. O humanismo reage à maneira de pensar da Idade Média, através de uma retomada do pensamento grego e romano clássico. Mais do que isso, promove o humano como centro dos estudos, como referência da visão de mundo e da ação, fazendo do homem o critério fundamental da ética e da estética. No movimento humanista, portanto, reforça-se a independência do pensamento humano em relação à fé religiosa, estimulando a investigação científica. Essa retomada do pensamento clássico da antiguidade greco-romana não deve, entretanto, ser confundida com uma volta ao passado. O humanismo é um avanço do processo humano. Supera-se, então, a prática, o pensamento, a mentalidade medieval. Apesar das insuficiências e contradições – que precisamos ver sempre inscritas nas limitações das circunstâncias históricas dos homens e mulheres daquela época –, o movimento humanista é um passo em busca de transformações libertadoras de uma situação que não mais servia aos homens daquele tempo. O valor de nos aproximarmos de momentos como esse, em que o processo de mudança adquire maior nitidez, está na compreensão dos processos humanos. Neste caso específico, temos algo muito interessante: o resgate do passado como instrumento de criação do futuro. Os humanistas foram buscar nas obras da intelectualidade grega e romana estímulo para a criação de novos paradigmas, novos modelos de interpretação e reconstrução do mundo. O classicismo greco-latino apresentou sinais de esgotamento quando a Roma imperial entrou em decadência, abrindo espaço para o cristianismo, como uma nova leitura do destino espiritual humano. No período compreendido entre os séculos XIV e XVI, as melhores inteligências cultivadas na cristandade vão inspirar-se no antigo classicismo greco-romano para propor uma nova chave de interpretação do mundo, quando a cultura medieval se tornou incapaz de responder às questões dos homens e mulheres. E onde e em quem se inspiravam os humanistas para a releitura do mundo? Certamente em muitas obras e autores. Mas, podemos dizer que, de maneira muito peculiar, quatro intelectuais constituíram fontes de inspiração, sobretudo quando nos movemos no campo da educação: ! ! Platão, que registrava a prática e o pensamento de Sócrates e avançava no confronto com a sofística, briga com a retórica e a poesia, instaura a filosofia como sistema e propõe a educação para uma sociedade de sábios; Aristóteles, que aprende com Platão e dele discorda, lê o mundo a partir de uma realidade fundamentadora de toda a metafísica e propõe uma educação para todos (todos, naquele tempo, era uma parte: os homens livres da Grécia); 33 1 ! ! Educação Cícero, que, na beleza da linguagem e consistência da temática, reflete em sua retórica a integração do melhor da contribuição cultural grega com o mais brilhante do modo de ser romano; Quintiliano, jurista que, depois de professar o ensino da eloqüência por 20 anos, baseado em sua prática, escreveu um tratado de educação intelectual e moral: De Institutione Oratoria. Inspirada na tradição clássica, quase nunca desprezando completamente as que se consideravam melhores contribuições da cristandade medieval, a influência do humanismo sobre a educação ocorreu, em primeiro lugar, como revolução do espírito. Uma mudança de mentalidade, uma crise de transformação. Afinal de contas, estava colocado um grande problema para os educadores. Com a mudança das referências básicas de entendimento do que seria o homem e o mundo, o próprio conceito de educação passou a ser questionado. Em segundo lugar, à medida que mudanças foram ocorrendo na prática educativa e na reflexão pedagógica, por influência dos novos referenciais, o humanismo passou a atuar na educação como agente de consolidação de novas práticas, concepções e valores. Isto é, as mudanças realizadas se estabeleceram como tradição, contribuindo, assim, para dar aos estudos e aos métodos pedagógicos uma nova direção e, também, uma nova estabilidade. Vale notar que quase nunca os mais importantes humanistas vão escrever diretamente sobre a escola e os professores, mas todos se preocupam com a educação, identificada como único caminho de acesso à humanitas, idéia e palavra que expressa toda uma nova realidade, toda uma nova proposta. Nessa época, revela-se o valor educativo do livro, uma vez que a aprendizagem do aluno depende menos do professor e mais do pensamento escrito dos Antigos. Para formar-se, o aluno tem que desenvolver sua capacidade de ler e entender com agudeza de espírito (ou seja, com a máxima capacidade de percepção) as obras dos melhores autores da Antigüidade. A reforma da educação provocada pelo humanismo, portanto, se expressava fortemente pela arte do discurso, da retórica. Mas note bem: discurso e retórica, para os grandes mestres do humanismo, não se confundem com palavreado vazio. Eram, sim, expressões do pensamento e da reflexão, tradução de idéias. Erasmo de Roterdã (1469-1536), uma das mais destacadas figuras do humanismo, afirmava: Nada mais admirável, nada mais magnífico do que o discurso quando, rico de idéias e de palavras, flui abundantemente como um rio de ouro. Era, portanto, esta a arte que deveria ser ensinada às crianças pelo contato direto com os grandes autores gregos e latinos. 34 Retórica – ou arte da oratória. Ciência de usar a linguagem em prosa e verso a fim de influenciar ou persuadir uma platéia da verdade de algo. Baseia-se na habilidade de empregar a linguagem e impressionar favoravelmente os ouvintes. Foi sistematizada e utilizada pelos sofistas (ver Sofística). Metafísica – aquilo que está além da física, que a transcende; na tradição clássica, é a parte mais central da filosofia, estudo do ser como ser e especulação em torno dos primeiros princípios e das causas primeiras do ser. O termo latino humanitas (que se pronuncia com acento na segunda sílaba) designa o ideal humano de autonomia e de harmonia – entre corpo e espírito, entre inteligência e vontade, entre indivíduo e coletividade. Esse ideal foi construído primeiramente pelos gregos e depois integrado ao que de melhor produziu a cultura romana. Discurso – atividade lingüística que se produz em um determinado momento, por um determinado indivíduo, transmitindo uma mensagem ou construindo significados, quer seja pela fala (discurso oral), quer seja pela escrita (discurso escrito). Se você tiver interesse em conhecer as práticas pedagógicas pensadas por alguns humanistas, leia o texto complementar número 1, apresentado no final deste módulo. Educação na prática social brasileira Renascimento – nome dado à renovação literária, artística e científica que se produziu na Europa, nos séculos XV e XVI, especialmente sob a influência da cultura da Antigüidade. Recorrendo ao texto complementar número 2, que se encontra no final do módulo, você poderá ler a respeito da pedagogia da Reforma e da Contra-Reforma Contra-Reforma. É nesse clima de Renascimento do Humanismo que, dentro da Igreja Católica Romana ou rompendo com ela, se concretiza a Reforma Religiosa. Embora, desde muito antes, movimentos reformadores manifestassem grande desconforto com aspectos doutrinários, estruturais ou comportamentais da Igreja, as exigências de reforma religiosa tornam-se agudas no século XVI. Em termos educacionais, a importância do movimento reformador é muito grande. Os humanistas haviam consolidado a idéia de que a mudança do homem e da sociedade envolve necessariamente a educação. Seja do lado da chamada Reforma (movimento iniciado na Alemanha, com a liderança de Lutero, e caracterizado pela ruptura com a Igreja Romana), seja por parte da chamada Contra-Reforma (movimento interno da própria Igreja Romana que tem, no Concílio de Trento, seu evento catalisador), vamos encontrar, na diversidade de suas concepções, uma evidente ação fortalecedora da pedagogia tradicional. A verdade é que, no século XVI, tanto de um lado como de outro, vemos um extraordinário esforço de estabelecer definições claras de conteúdos e métodos em consonância com objetivos educacionais. Também nessa época,os Colégios vão adquirir uma nova feição e consolidar-se como instituições de educação média e superior, não-universitárias, caracterizadas por marcante organização pedagógica e disciplinar. Certamente um dos suportes mais concretos da pedagogia que se constrói e que, ao encontrar condições favoráveis de continuidade e desenvolvimento, tende a conservar-se como verdadeira tradição. A convicção do humanismo quanto ao papel da educação como reformadora do homem está vigorosamente presente nos movimentos de Reforma e Contra-Reforma. Tanto Martinho Lutero (1483-1546), e seus companheiros e continuadores, quanto Inácio de Loyola (1491-1556) e os jesuítas são a mais viva demonstração disso. Nos dois campos, importantes traços do pensamento humanista sobre a educação podem ser identificados, mas também, em ambos os lados, há acentuadas adaptações, negações e contribuições novas. Vamos encontrar diversas abordagens, apresentadas das mais diferentes formas, que pretendem garantir a transmissão doutrinária. A pedagogia dos jesuítas Na pedagogia jesuítica, os autores e as obras eram minuciosamente selecionados. Prevaleciam os “textos escolhidos”, evitando-se, assim, as passagens menos recomendáveis de autores que, apesar de exemplares, eram pagãos. Na história da Educação, só a pedagogia jesuítica selecionou textos? Pense a esse respeito, inclusive na atualidade. Representativa da concepção dos colégios – e básica para o estudo da educação brasileira –, é importante analisar a prática pedagógica dos jesuítas, sobretudo percorrendo as orientações contidas na Ratio atque institutio studiorum Societatis Jesu, mais freqüentemente chamada Ratio Studiorum. Trata-se de uma série de regras práticas que esclarecem sucessivamente os objetivos da atividade pedagógica, as responsabilidades e tarefas do superior provincial, do reitor, do prefeito de estudos e dos professores. A metodologia baseia-se na preleção, fortemente inspirada na lectio dos doutores medievais, incluindo os diversos passos de ! ! ! resumo do texto, explicação do significado das expressões difíceis, identificação e exposição das regras de gramática e de retórica relacionadas ao texto, 35 1 ! ! ! Educação fornecimento dos conhecimentos históricos e geográficos necessários à compreensão do texto, comentário sobre o estilo e a beleza da linguagem, proposição de exercícios de memorização, de emulação (competição), de expressão e de imitação. Emulação – sentimento que nos incita a igualar ou a superar outra pessoa. A disciplina é o pano de fundo de toda a prática educativa e caracterizase por: ! ! ! extrema rigidez, temperada pelo uso de motivação baseada nos sentimentos de honra e emulação; regulamentação de castigos e reprimendas segundo o princípio de proporcionalidade em relação à falta cometida; adoção de um sistema de extremada vigilância, que acompanha todos os passos do aluno, justificando-se como uma providência preventiva. Em 1600 – 52 anos após terem iniciado o primeiro colégio, responsabilidade assumida pela Companhia de Jesus em 1548, um ano antes de sua chegada ao Brasil – os jesuítas já eram responsáveis por 245 instituições desse tipo. Esse fato já é suficiente para considerar o grande impacto que os religiosos tiveram sobre a sociedade do século XVI. Por outro lado, não se pode negar o quanto foi prestigiada a sua pedagogia por essa mesma sociedade. Pode-se até admitir outras explicações para esse sucesso estatístico, como a habilidade de envolvimento e o serviço aos detentores do poder. Mas seria leviano deixar de considerar todo o competente trabalho de construção de um sistema educacional que define e estabiliza o humanismo pedagógico cristão como o modelo do que será a educação secundária do mundo ocidental por muito tempo. Essa é a pedagogia que se implanta em nosso país em 1549 e que é praticada por aqueles que, oficialmente, durante 210 anos, tiveram o mandato régio de promover a educação no Brasil. Se é verdade que as diretrizes da Ratio Studiorum surgem bem depois da veloz implantação da educação jesuítica no Brasil, é também verdade que o Padre Nóbrega e seus companheiros – logo depois o Padre José de Anchieta e tantos outros – traziam já as marcas do que se praticava na formação dos religiosos da Companhia e no trabalho educativo de todos os dias. Essas marcas é que vão se confrontar com o modo de viver dos indígenas, inclusive sua maneira de educar. E vão se confrontar de acordo com o entendimento peculiar que esses educadores têm desses educandos. 36 Poder – capacidade de produzir ou contribuir para resultados que afetem significativamente outras pessoas ou grupos de pessoas. Segundo Foucault, filósofo francês, o poder é exercido na sociedade não apenas através do Estado e das autoridades formalmente constituídas, mas de maneiras as mais diversas, em uma multiplicidade de sentidos, em níveis distintos e variados, muitas vezes sem nos darmos conta disso. O poder político significa a capacidade de ação e meios concretos para impor uma política à sociedade e aos grupos sociais. Educação na prática social brasileira Em primeiro lugar – sobretudo no primeiro momento – há uma certa generalização, como se os índios formassem um coletivo sem distinções de tribo, de maneira de ser e agir. Daí a expressão facilitadora dessa abordagem “em bloco” em um conceito abrangente de gentio como bárbaros e indômitos, que parecem aproximar-se mais à natureza das feras do que à dos homens, na expressão daquele Anchieta, que tanto se esforçou para compreendê-los, em carta escrita em 1554 (apud Neves, 1978, p. 53-54). Mas eles são capazes de aprender, e com certa rapidez, porque – em carta de 10 de agosto de 1549, pouco mais de quatro meses desde a chegada ao Brasil – o Padre Nóbrega registra: Já sabem muitos as orações e as ensinam uns aos outros, de maneira que, dos que achamos mais seguros, batizamos já cem pessoas pouco mais ou menos, e começamos na festa do Espírito Santo, que é tempo ordenado pela Igreja. (idem, p. 46). Em um segundo momento, surge a distinção primeira que rompe a unicidade. Passa a existir o “índio índio” e o “índio converso”, e este passa a ter um novo nome. E, no decorrer do processo colonizador, outras distinções vão surgindo e, até, esmaecendo a primeira, quando não-portugueses (franceses ou, bem mais tarde, holandeses) pretendem conquistar o território. A distinção, então, passa a se relacionar à resistência ao invasor, em uma aliança com os portugueses, ou à adesão aos recém-chegados contra os portugueses. Irrelevante, no caso, qualquer consideração sobre o fato de ser “índio índio” ou “índio converso”. Processa-se, no tempo, um reconhecimento de diferenças e semelhanças. Sobretudo, o entendimento de uma forma de educar desses povos. E aqui um ponto de encontro de europeus e indígenas, na valorização do exemplo, e um de confronto na questão da disciplina. Os homens, escreve nosso primeiro historiador, Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, de 1627, logo ensinam aos filhos de pequenos a atirar ao alvo... também os ensinam a fazer balaios e outras coisas da mecânica, para as quais têm grande habilidade, se eles a querem aprender; que se não querem, não os constrangem, nem os castigam por erros e crimes que cometam... As mães ensinam as filhas a fiar o algodão e fazer redes de fio e nastros para os cabelos (p.81). Mas logo se acentuam as diversidades, e o mesmo historiador lembra que nenhuma palavra pronunciam com f, l ou r não só das suas, mas nem ainda das nossas, porque, se querem dizer Francisco, dizem Pancicu ... e o pior é que também carecem de fé, de lei e de rei, que se pronunciam com as ditas letras (p.78). Vale parar um pouco e refletir na razão de trazermos – com a velocidade e brevidade de uma simples referência – a percepção dos educadores sobre educandos tão diferentes. Dificilmente essas percepções de época e espírito colonizadores se repetirão hoje. Mas podemos nos apropriar, nessa história, da experiência humana de encontro na interação pedagógica de culturas diversas, de modos diferentes de ler o mundo, de produzir a existência. Estamos no momento em que se promoveu a institucionalização escolar da educação nestas terras brasileiras, onde a prática social educativa dos nativos era a interação intencionada dos mais velhos (guardiões da tradição oral dos usos e costumes da tribo) com os mais jovens (nova força de trabalho na caça, na pesca e no rudimentar plantio ou processamento do fruto natural colhido). 37 1 Educação Note que, nesse mesmo momento, começa a institucionalização dos cuidados de saúde. Os índios, primeiros habitantes deste território, mantinham uma organização social semelhante àquela dos povos primitivos e antigos. As práticas que mantinham em relação ao cuidado com a saúde também eram instintivas e mágicas. O pajé era o responsável por essa prática, enquanto às mulheres competia o cuidado doméstico. Com a chegada dos jesuítas ao Brasil e a fundação das Santas Casas, o cuidado se institucionaliza, passando a ser responsabilidade dos religiosos. A primeira Santa Casa fundada foi a de Santos, seguindo-se a do Rio de Janeiro e, depois, as de Vitória, Olinda e Ilhéus, no século XVI. O estabelecimento dessas instituições se deu antes da chegada de médicos ao país. Nesse momento, o papel do cuidador de saúde era desenvolvido pelos jesuítas. Esses religiosos eram ajudados por voluntários selecionados para esse fim. Se compararmos sua atuação com a da equipe de enfermagem de nossos dias, eles corresponderiam a enfermeiros, e seus ajudantes, a auxiliares de enfermagem. A finalidade dos hospitais, nesse período, era prestar cuidados aos viajantes, maltratados pelas longas viagens por mar, e aos militares. Havia um acordo entre o Governo e as irmandades, que recebiam uma taxa para cuidar dos militares. O Governo, em momentos de guerra e de epidemias, contava com o auxílio de voluntários e da Companhia de Jesus (jesuítas), aos quais pedia ajuda(Santos et alii, s.d.). A reforma pedagógica pombalina É no contexto da modernização de Portugal, promovida pelo Marquês de Pombal no reinado de D. José I, que a educação brasileira sofre um grande revés, ao menos quantitativo. Pelos Alvarás Régios de 28 de junho de 1759 e 11 de janeiro de 1760, não se vai encontrar propriamente uma política de educação para o povo português, mas sim uma importante decisão política de assumir a direção das escolas e de toda a instrução existente. A partir de então, também em Portugal, a educação passa a ser, não apenas genericamente, mas em todas as suas especificidades, assunto de Estado. Assim, a primeira determinação é privar inteira e absolutamente os jesuítas de qualquer atuação pedagógica, dando por extintas todas as classes e escolas, como se nunca houvessem existido em meus Reinos e domínios onde têm causado tão enormes lesões e tão graves escândalos. 38 Educação na prática social brasileira Essa determinação vai completar-se em 3 de setembro do mesmo ano de 1759, quando o Rei assina a Lei mandando que efetivamente sejam expulsos [os jesuítas] de todos os meus Reinos, Domínios, para neles mais não poderem entrar: E estabelecendo que nenhuma pessoa de qualquer estado, e condição que seja, dê nos mesmos Reinos, e Domínios entrada aos sobreditos Regulares ou qualquer deles, ou que com eles junta, ou separadamente, tenha qualquer correspondência verbal, ou por escrito, ainda que hajam saído da referida Sociedade ... Já a segunda determinação é ordenar, como por este ordeno, que no ensino das classes e no estudo das letras humanas haja uma geral reforma, mediante a qual se restitua o método antigo, reduzido aos termos símplices, claros e de maior facilidade que se pratica atualmente nas nações mais polidas da Europa, conformando-me para a fim de determinar com o parecer dos homens mais doutos e instruídos neste gênero e erudições. Mais especificamente, seguem-se as disposições relativas aos professores de gramática latina, de grego e de retórica, como: instalação de professor com classe aberta e gratuita em Lisboa, Coimbra, Évora, Porto, cidades cabeça de câmara, e em cada Vila das províncias, em número especificado; seleção dos professores para essas classes, baseada em rigoroso exame; expedição gratuita das licenças de ensinar, pelo Diretor de Estudos, para os professores examinados; adoção, como método, de alguns livros e proibição de outros, com punição severa para os desobedientes às determinações; atribuição aos professores do privilégio de nobres. Segundo as disposições do Alvará, ainda, os alunos de comprovado aproveitamento em um ano de grego teriam preferência para o ingresso nas Faculdades de Teologia, Cânones, Leis e Medicina da Universidade de Coimbra, e a retórica passava a ser objeto dos exames de admissão à matrícula nas Faculdades Maiores dessa Universidade. Somente com a Carta Régia de 10 de novembro de 1772 é criado o subsídio literário específico para o sustento das escolas públicas: Mando que para a útil aplicação do mesmo ensino público, em lugar das sobreditas coletas até agora lançadas a cargo dos povos, se estabeleça, como estabeleço o único imposto, a saber:(...) na América e na África: de um real em cada arretel de carne que se cortar no açougue; e nelas, e na Ásia, de dez réis em cada canada de aguardente das que se fazem nas terras, debaixo de qualquer nome que se lhe dê ou venha a dar. A discussão deflagrada pelo movimento iluminista português com o Verdadeiro Método torna-se visível na reforma empreendida por Pombal, cuja marca é a hostilidade radical aos jesuítas. De forma alguma, porém, o Alvará – ou seus documentos complementares – deixa transparecer qualquer compromisso com a educação dos pobres (aquela gente ínfima, como a denominava Verney, 1746). A reforma, no Brasil, teve resultados diversos. Interessa-nos distinguir a diferença de seus efeitos no Brasil e em Portugal. 39 1 Educação Considerando que a condição preliminar de reforma é a abolição total das classes e escolas dos jesuítas, pode-se concordar com a afirmação de Fernando de Azevedo (1976, p.47): o que sofreu o Brasil não foi uma reforma de ensino, mas a destruição pura e simples de todo o sistema colonial do ensino jesuítico, que respondia pela quase totalidade das atividades educacionais do país. Ao afastar os jesuítas das instituições educacionais da Metrópole, seus lugares foram imediatamente ocupados por substitutos – religiosos ou leigos – disponíveis em Portugal. No Brasil, contudo, só em 1772 (mesma data da criação do subsídio literário), 13 anos após a edição do Alvará, uma ordem régia determina o estabelecimento de aulas de primeiras letras, gramática, latim e grego no Rio de Janeiro e nas principais cidades das capitanias. Só em 1799 – 40 anos após – é implantado um sistema regular de fiscalização das aulas e escolas régias. As iniciativas educacionais do Governo e da Igreja – por meio das outras Ordens Religiosas (franciscanos, carmelitas) e do trabalho educacional dos párocos, padres mestres e capelães de engenho –, embora dignas de registro, não chegaram a suprir minimamente um sistema organizado e em pleno funcionamento como o dos jesuítas. Tanto que, após sua expulsão e até a chegada da Família Real ao Brasil (1808), surgem apenas dois centros de excelência, refletindo a influência do Iluminismo e os principais postulados da reforma pombalina: em 1776, o Seminário dos Franciscanos no Rio de Janeiro e, em 1800, o Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, de Olinda, cujos estatutos foram elaborados em Portugal, em 1798, por D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, já designado Bispo daquela Diocese. A partir de 1808, a situação geral do Brasil – e, portanto, também a sua situação educacional – sofre uma significativa mudança com a instalação, aqui, da corte portuguesa. Assim, o processo de conquista da nacionalidade ganha impulso, as estruturas de governo desenvolvem-se e sofisticam-se e os atos de governo, diretamente voltados para o fortalecimento do poder português e para o atendimento aos interesses da Corte, indiretamente beneficiavam os – ainda oficialmente – colonizados. Como se expressa, de forma bastante incisiva, o historiador português Oliveira Marques, em sua Breve História de Portugal: de um dia para o outro o Brasil passava à situação de metrópole e Portugal à de colônia. A verdade é que a abertura dos portos brasileiros marca o fim do regime colonial, cuja oficialização só ocorrerá em 1815, quando o Brasil será elevado à categoria de reino. Conforme o modelo inglês, passa a existir o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, com igualdade recíproca de direitos e deveres (Marques, 1995, p. 422-427). 40 Se você quiser ler sobre o que representou o Iluminismo para a sociedade, cultura e educação de nossos colonizadores, busque o texto complementar número 3 deste módulo. Educação na prática social brasileira As ações em favor da educação – que muito precariamente poderíamos identificar como uma política – não fogem a esse jogo de beneficiamentos diretos e indiretos à nova sede da monarquia. Como observa Cunha (1980, p. 77), quando a sede do reino se transferiu para o Brasil (...) as agências do Estado (português) ficaram mais perto do ensino existente no Brasil, e, assim, o efeito de seus mecanismos foi maior. Não se pode negar a relevância para a educação brasileira das providências relacionadas à criação e organização de Cursos e Aulas Públicas (Anatomia, Cirurgia e Obstetrícia; Economia; Agricultura), à instalação das Academias Militar e de Marinha, ao estabelecimento de equipamentos culturais (Biblioteca, Arquivo, Jardim Botânico), ao funcionamento de uma imprensa oficial. Entretanto, não se pode identificar aí uma política educacional. As iniciativas refletem necessidades e interesses pontuais que vão aflorando e exigem providências – também pontuais. Como assinala Fernando de Azevedo: Sobre as ruínas do velho sistema colonial, limitou-se D. João VI a criar escolas especiais, montadas com o fim de satisfazer o mais depressa possível e com menos despesas a tal ou qual necessidade do meio a que se transportou a corte portuguesa (1976, p. 70). Também José Ricardo Pires de Almeida – um insuspeito defensor da monarquia, cuja obra História da Instrução Pública no Brasil (1500-1889) foi publicada em 1889, em francês, e dedicada ao Conde d’Eu, marido da Princesa Isabel – já registrava: Todas estas fundações e estes estabelecimentos literários, artísticos e científicos prestaram grandes serviços e a memória do primeiro monarca do Brasil será indelével, por tudo o que o país lhe deve. Entretanto, faltava uma ligação, um método, para dar às escolas, aos institutos, às academias, a unidade necessária à formação de um grande povo (p.49). É interessante notar como, nessa época, ainda que de maneira rara e localizada, começam a se manifestar, entre nossas preocupações educacionais: ! ! ! ! a especificidade de uma educação sistematizada para o desempenho de determinadas atividades na sociedade, inscrevendo-se aí os primeiros passos para a organização do ensino superior na área de Saúde; a introdução gradativa do ensino das ciências na educação secundária, como importante requisito de formação geral; o início da explicitação do dever do poder público em promover a “educação dos povos”, embora sem uma formulação clara da educação como direito; a gradativa determinação – ao menos formal – das condições de competência técnica e moral para o exercício da atividade docente. 41 1 Educação Justificativa da criação de uma cadeira de medicina clínica teórica e prática no Hospital Militar da Corte assinada pelo Príncipe Regente. Decisão de 12 de abril de 1809. Sendo de absoluta necessidade que no Hospital militar e de marinha desta Côrte se formem cirurgiões, que tenham também princípios de medicina, mediante os quais possam mais convenientemente tratar os doentes a bordo das náos, e os povos naqueles lugares em que hajam de residir nas distantes povoações do vasto continente do Brasil; sou servido crear como princípio de maiores e adequadas providências que sobre tão sisudo e importante objeto me proponho dar, uma cadeira de medicina clínica teórica e prática, cujo lente terá obrigação de dar lições aos ajudantes de cirurgia, e outros alunos que frequentarem o dito Hospital e de lhes ensinar os princípios elementares da matéria médica e farmaceutica, dando igualmente um plano de policia médica, de higiene geral e particular e de terapeutica, por cujo trabalho vencerá o ordenado de 600$ (apud Moacyr, 1936, p. 37). A educação no Brasil Imperial Mesmo depois da independência, o traço de formação de quadros dirigentes acompanha as discussões e as ações relacionadas à educação. Assim como a independência política se faz pela mão do Príncipe Regente – herdeiro do Trono Português, que se torna Imperador no Brasil – não será imediata a diferenciação do regime, das prioridades políticas, do comportamento na gestão da coisa pública e – conseqüentemente – da proposta de um sistema nacional de educação. Ao abrir a sessão de inauguração da Assembléia Constituinte (3 de maio de 1823) do proclamado independente Império do Brasil, D. Pedro I recomenda aos parlamentares suma consideração às questões educacionais, levantadas por ele em um trecho da Fala do Trono. Mais um relato do que foi feito – ações esparsas, na Corte – do que uma proposta consistente: Tenho promovido os estudos públicos quanto é possível, porém necessita-se para isto de uma legislação particular. Fez-se o seguinte: comprou-se para engrandecimento da Biblioteca Pública uma coleção de livros da melhor escolha; aumentou-se o número de escolas e algum tanto o ordenado de seus mestres, permitindo-se além disto haver um sem número delas particulares: conhecendo a vantagem do ensino mútuo, também fiz abrir uma escola pelo método 42 Ao terminar a leitura desta parte do tema, referente à história da educação no Brasil Colonial, pense no que lhe chamou mais a atenção sobre as concepções e intenções da educação à época e sobre os métodos de ensino vigentes. Como você sistematizaria seu pensamento em três ou quatro parágrafos? Experimente esse exercício de análise e síntese, utilizando o Diário de Estudo para registro. Se considerar importante para seu estudo resgatar as idéias tratadas no texto, você poderá retomá-las, discutindo, por exemplo: a proposta educacional dos jesuítas; ! a reforma pedagógica do Marquês de Pombal e sua repercussão no Brasil; ! as ações educacionais do governo português instalado no Brasil a partir de 1808. ! Educação na prática social brasileira Ensino lancasteriano – método de ensino para instrução em massa. Criado por Joseph Lancaster (1778-1838), mestre-escola inglês, baseado no emprego de alunos mais capazes como monitores. Estes ensinavam pequenos grupos de colegas o que haviam aprendido com o professor. Introduzido nos Estados Unidos em 1806, foi amplamente adotado, mas abandonado em 1853. lancasteriano. O seminário de São Joaquim, que os seus fundadores tinham criado para a educação da mocidade, achei-o servindo de hospital da tropa, fi-lo abrir na forma de sua instituição, havendo eu concedido à Casa de Misericórdia e roda dos expostos uma loteria para melhor se poderem manter estabelecimentos de tão grande utilidade, determinei ao mesmo tempo, que uma quarta parte desta mesma loteria fosse dada ao seminário de São Joaquim para que melhor se pudesse conseguir o útil fim para que fora destinado pelos seus honrados fundadores... (Moacyr, 1938, p.71). Decorridos 65 anos, na penúltima Fala do Trono, em 1888, o segundo imperador ainda mencionará aos parlamentares que reorganizar o ensino nos seus diversos graus, difundindo os conhecimentos mais úteis à vida pratica e preparando com estudos sérios e bem dirigidos os aspirantes às carreiras que demandam superior cultura intelectual, é assunto que muito se recomenda à vossa patriótica solicitude (Moacyr, 1938, p.667). O Brasil Imperial começa e termina sem a organização e consolidação de um sistema educacional. Tanto a Constituição outorgada em 1824 quanto a Lei sobre o ensino elementar de 15 de outubro de 1827 proclamavam o valor da instrução primária gratuita a todos os cidadãos como uma das garantias da inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros. Mas, em 1832, as estatísticas oficiais registram 180 escolas (18 para meninas), das quais ao menos 40 sem professor. Isto é, após 10 anos da existência política do Brasil como nação independente, não acontecera nada que registrasse uma tendência de implantação de um sistema educacional para “todos os cidadãos”. José Ricardo Pires de Almeida apresenta como razão: as escolas primárias não foram instaladas por falta de pessoal apto para as funções de instrutor. Isto devia-se ao fato das pessoas que poderiam abraçar esta carreira penosa encontrarem uma remuneração muito baixa (1989, p. 60-61). Sucedem-se, entre discussões e comparações com as nações modernas da Europa e com os Estados Unidos da América, propostas de leis e planos. Sucedem-se também relatórios oficiais e discursos de parlamentares e dos ministros do Império. Entretanto, é o Conselheiro Paulino José Soares de Souza, Ministro do Império do Partido Conservador, em Relatório de 1869, quem vai se aproximar da verdadeira razão: não se faz investimento público suficiente para desenvolver a educação pública e não se executam ações de formação e apoio ao magistério. 43 1 Educação Dados do Ministro do Império, Conselheiro PPaulino aulino José Soares de Souza, sobre a educação brasileira em 1869 Ensino primário: 3.516 escolas de primeiras letras, freqüentadas por 115.935 alunos. Ensino secundário: 467 estabelecimentos, freqüentados por 10.911 alunos. Totalizando uma matrícula de 126.846 indivíduos. Como, porém, os algarismos pecam por deficientes, visto que não foi possível obter informações completas, sendo este o primeiro trabalho que se faz de semelhante natureza, demos que se aproxime de 150.000 alunos a população escolar em todo o Império. Se o Brasil como muitos pretendem, conta não menos de 8 milhões de habitantes livres (...) Estes algarismos bradam alto, que julgo escusado pedir para este assunto a atenção da Assembléia Geral Legislativa. (...) Si repartirmos a despesa com a instrução pela população livre do Império, temos cada habitante, contribuindo com 12$875 réis para a renda do Estado e das Províncias, desta soma só despende com a instrução publica 378 réis. E trata-se daquele dos ramos do público serviço que mais interessa à civilização e progresso nacional. (...) Dos três ramos da instrução pública, a primária é, sem dúvida, a mais interessante, pois que além de ser condição essencial dos outros dois, se refere à máxima parte da população (...) Sinto pois ter-vos de dizer que as condições da instrução primária nesta Côrte estão ainda longe de responder às necessidades sociais. Temos poucas escolas, e mesmo nestas não se obtêm os resultados que poderiam apresentar, por falta de bons professores. (...) Não pode haver boas escolas sem professores que saibam ensinar, e ninguém pode ensinar, e menos ainda ensinar bem, sem ter aprendido não só as matérias do ensino, mas o método de ensiná-las. (...) Quer-se o aperfeiçoamento: não se lhes dá, nem se lhes diz como há de alcançá-lo. Si alguns professores se distinguem ... devem-no a seus esforços isolados, e não a se lhes facultar a aquisição de novos conhecimentos (Moacyr, 1936, p.97-118). A educação no período imperial debate-se, portanto, com a ausência de vontade política de prover uma educação para todos e a presença de ações de fortalecimento da educação formadora da elite. Assim é que: ! 44 A Lei de 15 de outubro de 1827, ao determinar o estabelecimento de escolas de primeiras letras, (...) em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, em si mesma traz algumas razões de sua não-efetividade: embora ainda preserve a responsabilidade do Poder Central, responsabiliza diretamente os Educação na prática social brasileira presidentes de Província, em sua execução; embora estabeleça critérios e cuidados na designação de professores, aponta a adoção do método de ensino mútuo lancasteriano não-usual no país, recomendando que os professores que o desconheçam, por sua própria conta, desloquem-se às capitais para aprendê-lo; embora fixe faixa salarial (piso e teto) para as remunerações do magistério, estabelece-as em um valor não-convidativo, o que será sempre apontado nos relatórios. ! ! ! ! ! O Ato Adicional à Constituição, em 1834, consagra a descentralização de competências administrativas do Poder Central para as Províncias, inclusive a total responsabilidade pelas escolas de primeiras letras e secundárias. O Poder Central, desde o início, ainda que sem criar uma universidade, dedica especial atenção ao ensino superior, primeiramente privilegiando os cursos de Direito, responsáveis pela formação da elite governante, e depois ampliando as ofertas também dos cursos de Medicina e Engenharia, de elevado prestígio social. No campo do ensino secundário, em 1837/1838, é criado o Colégio Pedro II, estabelecimento padrão desse nível de ensino no país. A implantação das escolas normais para a formação de professores, a partir de 1831 – inicialmente nas províncias ( a primeira foi a de Niterói), já que a do município da Corte só foi criada em 1881 – vem responder à explicitada preocupação com a qualidade do ensino, mas também com a uniformização da preparação dos candidatos aos concursos para o magistério. Apesar de iniciar-se uma discussão mais consistente sobre a necessidade de uma educação profissional, sobretudo no reinado do Segundo Imperador, mesmo com algumas instituições mais sistematizadas, como os Liceus de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente criados em 1856 e 1874, sua concretização não se realiza. Durante muito tempo permanecerá como área de assistência filantrópica, mesmo quando, em 1874, o Asilo de Menores Desvalidos do Rio de Janeiro se transforma em Escola Profissional Masculina. No campo das profissões da área de Saúde, excluindo os cursos de Medicina e Cirurgia, a monarquia e os governos do Império não foram muito diligentes. Cabe apenas mencionar que existiam os cursos de parteira, vinculado às Faculdades de Medicina. Segundo Santos (s.d.), poderiam ser identificados como o início do movimento de organização da enfermagem brasileira. Os mesmos autores consideram o Hospital de Alienados, que passou ao controle do Governo Republicano em 1890, denominando-se a partir de então Hospital Nacional de Alienados, o primeiro espaço institucional em que podem ser identificados trabalhadores desenvolvendo atividades próximas do cuidar de enfermagem. A seguir, são apresentados dois textos de dois grandes intelectuais brasileiros. O primeiro foi escrito por Rui Barbosa, na última década do regime monárquico, como documento oficial do Parlamento Brasileiro. Posteriormente, em 1910, seu autor se tornaria político republicano e candidato à Presidência da República. O segundo, escrito por Fernando de Azevedo, o mais eminente dos introdutores das Ciências Sociais no Brasil e um dos responsáveis pela 45 1 Educação reforma educacional no Distrito Federal, está inserido em obra de referência obrigatória que trata da cultura brasileira. Duas épocas, dois autores e um balanço que merece reflexão. Balanços da educação no Brasil Imperial I – RUI BARBOSA A verdade (...) é que o ensino público está à orla do limite possível a uma nação que se presume livre e civilizada; é que há decadência, em vez de progresso; é que somos um povo de analfabetos, e que a massa deles, se decresce, é numa proporção desesperadoramente lenta; é que a instrução acadêmica está infinitamente longe do nível científico desta idade; é que a instrução secundária oferece ao ensino superior uma mocidade cada vez menos preparada para o receber; é que a instrução popular, na Corte como nas províncias, não passa de um desideratum; é que há sobeja matéria para nos enchermos de vergonha, e empregarmos heróicos esforços por uma reabilitação, em bem da qual, se não quisermos deixar em dúvida nossa capacidade mental ou os nossos brios, cumpre não recuar ante sacrifício nenhum (...) Salvo exceções singulares, as crenças e as filosofias mais opostas,, variando quanto à direção, reacionária, ou liberal, que mais convenha imprimir ao ensino, coincidem na idéia, cada vez mais geral de que, na fase atual da civilização, as instituições e encargos do Estado, em matéria de ensino, tendem inevitavelmente a crescer (...) A idéia hostil à interferência do governo no domínio da instrução pública não passa de uma concepção abstrata, contrariada pela evolução das idéias e dos fatos nos países mais livres. Em vez de vos propor medidas tendentes a enfraquecer a organização central do ensino, a vossa comissão encara, por conseguinte, como providência de largo alcance e urgência imperiosa a criação do ministério da instrução pública (Barbosa,1982, p. 89-97, 114). II – FERNANDO DE AZEVEDO Nessa sociedade, de economia baseada no latifúndio e na escravidão, e à qual, por isso, não interessava a educação popular, era para os ginásios e as escolas superiores, que afluíam os rapazes do tempo com possibilidades de fazer os estudos. As atividades públicas, administrativas e políticas, postas em grande realce pela vida da corte e pelo regime parlamentar, e os títulos concedidos pelo Imperador contribuíam ainda mais para valorizar o letrado, o bacharel e o doutor, constituindo, com as profissões liberais, o principal consumidor das elites intelectuais forjadas nas escolas superiores do país. Esse contraste entre a quase ausência de educação 46 Fernando de Azevedo (MG, 1894 – SP, 1974) – educador, historiador e sociólogo –, participou intensamente do movimento das reformas educacionais da década de 1920, tendo promovido, como Diretor Geral da Instrução Pública, a reforma do sistema escolar do Distrito Federal (1926-1930). Em 1932 foi o relator do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Tendo participado da concepção e criação da Universidade de São Paulo, em 1934, exerceu grande influência na formação dos cientistas sociais brasileiros. Educação na prática social brasileira Com base no estudo da educação no tempo em que o Brasil foi governado por Pedro I, pelos Regentes e por Pedro II, desafie-se a produzir um pequeno artigo de jornal. Sob o título Características da educação brasileira no período imperial, problematize a educação dos nossos dias frente às questões daquela época. Registre o produto do seu trabalho no Diário de Estudo. popular e o desenvolvimento de formação de elites, tinha de forçosamente estabelecer como estabeleceu, uma enorme desigualdade entre a cultura da classe dirigida, de nível extremamente baixo, e a da classe dirigente, elevando sobre uma grande massa de analfabetos, – “a nebulosa humana desprendida do colonato” – uma pequena elite em que figuravam homens de cultura requintada e que, segundo ainda, em 1890, observava Max Leclerc, não destoaria entre as elites das mais cultas sociedades européias (Azevedo, 1958, p.81-82). A educação republicana Muitas vezes se pensa que uma mudança de regime político traz “automaticamente” significativas alterações na proposta e na prática educativa. Nem sempre – ou quase nunca – isso ocorre. Em várias ocasiões, inclusive, sem alteração de regime, registram-se verdadeiras e concretas transformações nos processos educacionais. Sem minimizar a importância dos aspectos políticos, cujas manifestações sempre refletem os movimentos da sociedade na produção de sua existência econômica e cultural, a História da Educação não segue rigorosamente os tempos e movimentos da História Política. Outros fatores influem decisivamente na velocidade de mudanças educacionais. O principal deles certamente se refere à concreta prioridade dada à questão da educação pela sociedade, ou por segmentos influentes dela, constituindo, portanto, força de pressão sobre antigos e novos regimes políticos. Em nosso caso, analisamos anteriormente a reforma educacional promovida em Portugal pelo Marquês de Pombal. Não havia mudança de regime, mas um movimento nas sociedades européias – economicamente muito significativo e influente na redefinição das relações de poder – que exigia mudanças modernizadoras. Esse quadro constituiu o contexto da reforma educacional pombalina. Vimos também que as condições de mudança em Portugal eram diferentes das existentes no Brasil. A mesma reforma teve aqui resultados diferentes. A proclamação da República ocorre em um momento de grande desgaste político do governo parlamentar, no regime monárquico constitucional. Ao cair o Poder Executivo, representado pelo Governo formado pelo Visconde de Ouro Preto, caiu com ele o Regime Monárquico e foi proclamada a República. Se é verdade que a pregação republicana vinha de muito caminhar na história de nossas rebeliões, revoltas e revoluções, é também verdade que a educação não era tema destacado de preocupação dos republicanos e, muito menos, mobilizador dos movimentos sociais da época. Geralmente a questão educacional não era sequer mencionada. 47 1 Educação Na formação do Governo Provisório, presidido pelo Marechal Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa teve assento como ministro da Fazenda. Foi o autor dos extensos, argumentados e brilhantes pareceres da Comissão de Instrução da Assembléia Geral Legislativa do Império relativos à reforma educacional, em 1882. Como os demais ministros, muito envolvido com questões políticas e financeiras da administração do país, também Rui Barbosa esteve bem menos atento à sua própria análise da educação brasileira, escrita sete anos antes. Essa menor atenção ao ensino público se reflete na Constituição Republicana de 1891, que mantém – como já era tradição no Império, desde o Ato Adicional de 1834 – a instrução primária sob a responsabilidade exclusiva dos Estados, atribuindo-lhes também a organização geral do ensino em suas órbitas, bem como reservando à União a possibilidade de criar estabelecimentos de ensino secundário e superior nos estados. Por outro lado, determinava caber à União a instrução no Distrito Federal (Artigo 35, nº 3, 4 e 30 da Constituição de 1891). Pela Lei de 20 de novembro de 1892, porém, transfere-se ao poder público distrital a responsabilidade pela educação primária e profissional, ficando o governo da União com a jurisdição sobre todo o ensino secundário e superior da Capital. No campo da enfermagem, no início do período republicano (1890), o governo assume o Hospital de Alienados. A conseqüência mais imediata desse fato é a saída das irmãs de caridade do hospital. A entrada do médico naquela instituição deslocou o poder hierárquico que até então estava nas mãos das irmãs. A justificativa apresentada pelos diretores do hospital para a retirada das irmãs de caridade baseava-se no tipo serviço que elas prestavam. Segundo eles, as irmãs acobertavam os maus tratos sofridos pelos doentes por parte dos guardas e “enfermeiros” da instituição. Também foram alegadas questões morais que diziam respeito ao fato de mulheres estarem prestando cuidados a pacientes homens, o que não era aceito pela sociedade da época (Santos, s.d.). Com a redução de mão-de-obra, cria-se a Escola Alfredo Pinto (atual Escola de Enfermagem da UNIRIO) segundo o modelo do Salpetrière, em Paris, com as seguintes características: formação de dois anos de duração para pessoas de ambos os sexos, que iriam trabalhar nos hospitais civis e militares; exigência de conhecimento de aritmética elementar por parte do aluno, além de saber ler e escrever; ensino ministrado pelos internos inspetores; fiscalização feita pelo médico, sob a superintendência do diretor geral. 48 Educação na prática social brasileira Positivismo – sistema filosófico formulado por Augusto Comte, tendo como núcleo sua teoria dos três estados, segundo a qual o espírito humano, ou seja, a sociedade, a cultura, passa por três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. As chamadas ciências positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira etapa, sua maioridade, rompendo com as anteriores. Para Comte, as ciências se ordenaram hierarquicamente da seguinte forma: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia; cada uma tomando por base a anterior e atingindo um nível mais elevado de complexidade. A finalidade última do sistema é política: organizar a sociedade cientificamente com base nos princípios estabelecidos pelas ciências positivas. A Cruz Vermelha, em 1914, criou um curso para voluntárias, preparando senhoras e moças da sociedade para servir o país em tempos de guerra e paz. Funcionava sob supervisão médica e era de curta duração. Dois anos mais tarde, em 1916, foi criada a Escola Prática de Enfermeiras da Cruz Vermelha, filial do Rio de Janeiro. Sua finalidade era formar socorristas voluntários para situações de emergência. Após a formação da primeira turma, a partir de 1917, o curso passou a ter dois anos de duração. Entre os critérios de ingresso no curso, o candidato devia apresentar o certificado do curso primário. Nessa mesma instituição, em 1920, foi criado um curso de visitadoras sanitárias. Na avaliação de Fernando de Azevedo, ... em vez de arredar os obstáculos à organização de um sistema geral, a República não fez mais do que agravá-los, repartindo entre a União e os Estados as atribuições na esfera da educação e renunciando explicitamente ao dever que lhe indicavam as instituições democráticas de dar impulso e traçar diretrizes à política de educação nacional (1976, p.119). É nesse quadro de construção e constituição da República “liberal” que são elaboradas as reformas educacionais de Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), que deixa o Ministério da Guerra e assume o Ministério da Instrução, Correios e Telégrafos, criado em 19 de abril de 1890. A primeira reforma educacional republicana, concebida com o seu patrocínio, vai realizar-se em 1891, já sem contar com sua presença, pois Benjamin Constant falece em 20 de janeiro de 1891. O Ministério específico (embora tenha a ele agregado o do Correio e Telégrafos), por sua vez, não durará muito mais, sendo extinto em 26 de dezembro de 1892, quando os assuntos vinculados à educação passam a ser tratados pelo Ministério do Interior e Justiça. Benjamin Constant, mais próximo, sob certos aspectos, de outras correntes cientificistas do que do positivismo ortodoxo do Apostolado Positivista do Brasil (Silva, 1969, p. 220), é inegavelmente, através da Reforma de 1890, um facilitador da sua influência. O positivismo de Auguste Comte (1798-1857), entendido como uma entre as várias manifestações do pensamento sobre o desenvolvimento científico, representa, na primeira metade do século XIX, um esforço de superação do conflito entre humanismo e progresso científico. Mais uma vez se apresenta a possibilidade de leitura de um texto complementar, o de número 4. Ele trata do pensamento educacional de Auguste Comte. É necessário conhecer o pensamento positivista para situar as críticas a essa visão de organização científica da sociedade. É evidente a influência positivista na reforma republicana de 1891. Tomando, na reforma Benjamin Constant, apenas a proposta para o ensino secundário – no Distrito Federal, reduzido ao Ginásio Nacional (Colégio Pedro II) –, verificamos a superação de um objetivo preparatório ao ensino superior, adquirindo o sentido de formação educativa em si mesma. O currículo adotado tem uma parte constituída pelas ciências fundamentais, rigorosamente apresentadas na ordem lógica estabelecida por Comte. Observa-se, porém, o não-abandono do tradicional currículo do ensino secundário, acrescentando-se o estudo das ciências fundamentais. Estas, embora constituindo uma parte significativa, não se caracterizam como parte principal ou predominante, conforme demonstra o quadro que segue: 49 1 Educação 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano Aritmética Geometria Geral Álgebra Física Geral Química Geral – Biologia Sociologia Zoologia Moral Botânica Direito Pátrio – – – Revisão Economia Política Revisão – Português Latim Francês – Português Latim Francês Revisão – Latim Francês Geometria Celeste Mecânica Celeste Revisão – Grego – – – Cálculo Diferencial Cálculo Integral – Mecânica Geral Trigonometria Esférica Astronomia – Geometria Preliminar Trigonometria Retilínea Geometria Especial – Revisão – Grego – Geografia Geografia Desenho Música Ginástica Desenho Música Ginástica Inglês ou Alemão Desenho Música Ginástica Inglês ou Alemão Desenho Música Ginástica Revisão – – História Universal – Álgebra Elementar – Inglês ou Alemão – Sem dúvida alguma, é patente a opção enciclopédica comtiana, na ótica de sua classificação lógica. Contudo, não era comtiana a sistematização científica oferecida pelo ensino destinado a adolescentes. Comte preconizava essa sistematização para idade mais avançada. Porém, como registra Geraldo Bastos Silva (1969, p.222): (...) o ideal de formação enciclopédica, na forma em que o concebia Benjamin Constant, nem sequer poderia ser seriamente ensaiado. Seu intelectualismo e sua grandiosidade excediam inteiramente a capacidade de aprendizagem de adolescentes. Assim, o plano de estudos proposto por Benjamin Constant, além de contrariar a concepção preparatória do ensino secundário, ainda dominante na opinião pública, era intrinsecamente inexeqüível. Isto é sentido logo no primeiro ano de vigência da reforma, quando apenas se iniciava a observância progressiva do currículo proposto, e já se levantam vozes pedindo sua modificação. E, de fato, nos oito anos seguintes, sucedem-se constantes mudanças no currículo, até que Amaro Cavalcanti, em 1898, para harmonizar o embate entre humanismo e estudos modernos, adota a solução européia no Colégio Pedro II: o curso clássico e o curso realista. Entretanto, o Código de Ensino do Ministro Epitácio Pessoa (Decreto n.º 3.890, de 1º de janeiro de 1901) manda restabelecer o plano 50 – Revisão – – História do Brasil Hist. da Lit. Nacional – Educação na prática social brasileira A figura dos exames preparatórios, que vem desde o período imperial com a mesma ou outras roupagens, está sempre presente nas discussões e ações reformuladoras da educação brasileira, seja como reconhecimento oficial de competências adquiridas, seja como mecanismo de controle do Estado ou das corporações, seja como – por que não? – uma legítima preocupação com as possibilidades formativas de experiências e aprendizagens não formais.. Estudar a história da educação brasileira nos ajuda a entender, por exemplo, as concepções que inspiram a construção dos nossos atuais currículos. Quando “historicizamos” as diversas reformas curriculares, evidencia-se que não estamos diante de uma questão apenas técnica. Afinal, educação é prática social, tendo, portanto, dimensão política. Isso certamente o ajudará neste curso e, mais especificamente, no Módulo 7 7, no qual se vai estudar a questão do currículo. Em 1907 contava o país com 3.258 empresas industriais e 150.000 operários no setor. Em 1920 estes números passam a 13.336 e 276.000, respectivamente. Anarquismo – doutrina política que, em nome da emancipação do indivíduo, rejeita toda organização do Estado e toda autoridade social repressiva que a ele se imponha. de estudos unificado de Benjamin Constant, reduzindo o curso para seis anos e simplificando-o pela retirada da Biologia, da Sociologia e da Moral, substituídas pela Lógica. Em 1911, é feita nova reforma, por Rivadávia Correia (Lei de 5 de abril), retomando o ideário positivista nos seguintes aspectos: adoção de critério prático no estudo das disciplinas; ampliação da liberdade de ensino e de freqüência; transferência para as faculdades do exame de acesso ao ensino superior. Em 18 de março de 1915, pela reforma de Carlos Maximiliano, restaura-se a situação anterior e reoficializa-se o ensino secundário, com cinco anos de duração, mantendo os exames preparatórios nos colégios particulares. A influência positivista na educação brasileira produz fatos que a evidenciam a ponto de Luis Antônio Cunha (1980, p. 150) afirmar que a importância do positivismo e dos positivistas no desenvolvimento da educação escolar no Brasil é difícil de se exagerar. Entretanto, com o passar do tempo, vai assumindo novas características, distanciando-se da ortodoxia comtiana, para assumir complexidades e diferenciações de um movimento de idéias e aspirações ancoradas no desenvolvimento científico e tecnológico. Assim, é possível identificar traços de positivismo – mais ou menos comtianos – no desenrolar das concepções educacionais e na adoção de medidas de ação educacional, mesmo quando se analisam situações mais atuais. Na visão de Moacir Gadotti: A expressão do positivismo no Brasil inspirou a Velha República e o golpe militar de 1964. Segundo essa ideologia da ordem, o país não seria mais governado pelas “paixões políticas”, mas pela racionalidade dos cientistas desinteressados e eficientes: os tecnocratas. A tecnocracia instaurada a partir de 1964 nos oferece um exemplo prático do ideal social positivista, preocupado apenas com a manutenção dos “fatos sociais”, entre eles, a existência concreta das classes. Essa doutrina serviu muito às elites brasileiras quando sentiram seus privilégios ameaçados pela organização crescente da classe trabalhadora. Daí terem recorrido aos dirigentes militares, que são as elites “ordeiras” vislumbradas por Comte (1993, p.110). No período republicano, muitas são as discussões e constantes as proclamações de valores e intenções educacionais que não se tornam realidade. Entretanto, um processo significativo de industrialização vem ocorrendo, e a sociedade começa a contar com a afluência e influência de novas forças e movimentos sociais. Crescem as aspirações – que logo se tornam exigências – por mais e melhor educação. No âmbito federal, nem sempre esses movimentos encontravam repercussão objetiva entre os políticos e a burocracia. Embalados na generalidade de um discurso entusiasmado e em uma visão otimista da educação, os governos pouco fazem. Os movimentos sociais dividem-se na reivindicação da escolarização. Enquanto uns cobram do governo uma educação oficial e pública para todos (socialistas e comunistas) e disputam recursos públicos para suas iniciativas educacionais, os anarquistas partem para a ação direta, criando as Escolas Modernas ou Racionalistas. 51 1 Educação No âmbito dos governos estaduais, a década de 20 vai ser marcada pelas reformas locais, mencionando-se especialmente São Paulo, Distrito Federal e Bahia. Um grupo de educadores liberais, assumindo postos de direção nesses locais, promove essas mudanças. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho são alguns desses intelectuais que, com notável sensibilidade pedagógica, realizam educação, refletindo sobre ela. A eles se somam socialistas e, no início da década de 30, em março de 1932, lançam o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. No período, as referências educacionais no campo da enfermagem também avançam. A partir de cursos realizados nos Estados Unidos, alguns médicos sanitaristas do Departamento Nacional de Saúde Pública conhecem o modelo de assistência à saúde por meio de visitas domiciliares de enfermeiras visitadoras distribuídas em distritos de saúde, as quais se tornavam responsáveis pelos moradores daquele distrito. Carlos Chagas trouxe, então, Ethel Parsons e um grupo de enfermeiras norteamericanas para realizar um estudo da situação brasileira. Sua missão teve o financiamento do Serviço Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller. A recomendação desse estudo foi a criação de um serviço de enfermeiras no Departamento Nacional de Saúde Pública e de uma escola de enfermeiras a ele ligada. Em 1923 é criada a Escola Ana Néri (Santos, s.d.). A Escola de Enfermeiras Ana Néri, reconhecida como escola padrão, tornava-se critério de reconhecimento das demais, que começaram a surgir em atendimento ao crescimento da demanda por profissionais enfermeiros nos vários estados brasileiros. As enfermeiras formadas pela Escola Ana Néri passaram a chefiar os serviços ou dedicar-se ao ensino. Foram surgindo várias iniciativas para a preparação de pessoal auxiliar, as visitadoras sanitárias. O primeiro curso para auxiliares de enfermagem foi criado em 1936, na Escola de Enfermagem Carlos Chagas (atual Escola de Enfermagem da UFMG), em Belo Horizonte. A década de 30 termina com o início da 2ª Guerra Mundial, que perdura com seus horrores até 1945. Nos primeiros anos da década de 50, foram criados 37 novos cursos de auxiliares de enfermagem, refletindo um esforço concentrado de entidades de direito privado, que incluíam entre seus objetivos a manutenção de hospitais. Assim, tanto em educação quanto em saúde, o poder público se omite e, em ambos os campos, o que predomina é a iniciativa privada. De certa forma, ainda que não da mesma maneira e na mesma intensidade, cresce a consciência da população quanto às responsabilidades da esfera pública na áreas da Saúde e da Educação. Um desenvolvimento que 52 Se você deseja conhecer esse Manifesto, leia algumas passagens dele, apresentadas como texto complementar no 5, ao final do módulo. Educação na prática social brasileira A questão da evolução histórica da educação profissional estará sendo tratada com profundidade Núcleo Estrutural no Estrutural, especialmente no Módulo 5 5. acompanha, em ambos os campos, a demanda por crescente profissionalização e formalização da formação dos professores e dos enfermeiros e auxiliares de enfermagem. O Ministério da Educação e da Saúde, criado em 1941, se divide em dois, em 1953, devendo-se anotar que o Ministério da Saúde, em um primeiro momento, parece simples elevação de status do Departamento Nacional de Saúde Pública, que lhe inspira a estrutura. Além disso, ele foi o Ministério menos aquinhoado por verbas do orçamento da União, naquele período. O Ministério da Educação e Cultura, além de centralizar as políticas do ensino secundário, profissional e superior, vive o momento da longa e conflitada gestação da Lei de Diretrizes e Bases. Apesar da escassez de recursos, os anos 50 assistem à edificação e consolidação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, sob a direção e inspiração de Anísio Teixeira, de 1952 a 1964, como centro de estudos absolutamente comprometido com a educação pública. Entre os embates de correntes adversárias que assumem as posições da intelectualidade liberal e católica no quadro político de uma ditadura com fortes características personalistas e populistas, o Estado Novo reorganiza o sistema educacional, adotando – muitos diriam aprofundando, porque já vem de muito antes – um modelo dualista, de uma educação acadêmica propedêutica, em franco paralelismo com a educação mais ocupacional do que profissional, mais ou menos popular e fortemente influenciada pelas lideranças industriais. Concretiza-se nos Serviços de Aprendizagem Industrial e Comercial, cuja inegável trajetória de formação do trabalhador se faz pela ótica da formação de mão-de-obra para atender à demanda do mercado, isto é, dos que definem os rumos da produção industrial e dos serviços. A democratização de 1945 e a Constituição de 1946 reacendem o debate educacional em torno das reformas a serem consolidadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Mais uma vez, e agora de forma mais nítida, o grande embate polariza-se na questão do público e do privado. Mas também ganha importância a discussão entre os defensores de um modelo de sistema centralizado ou descentralizado. Em 1959, Fernando de Azevedo redige um manifesto de educadores, com o apoio dos que haviam assinado o Manifesto dos Pioneiros e de um grande número de intelectuais de diversas correntes. Esse documento sintetiza bem os debates que precederam a primeira LDB. Eis alguns trechos: (...) Esta mensagem, decorridos mais de 25 anos da primeira que em 1932 nos sentimos obrigados a transmitir ao público e às suas camadas governantes, marca nova etapa no movimento de reconstrução educacional que se procurou então desencadear, e que agora recebe a solidariedade e o apoio de educadores da nova geração. (...) O que era antes um plano de ação para o futuro tornou-se hoje matéria já inadiável como programas de realizações práticas, por cuja execução esperamos inutilmente, durante um quarto de século de avanços e recuos, de perplexidades e hesitações. (...) Não renegamos nenhum dos princípios 53 1 Educação porque nos batemos em 1932, e cuja atualidade é ainda tão viva, e mais do que viva, tão palpitante que esse documento já velho de mais de 25 anos, se diria pensado e escrito nestes dias. (...) Vendo embora com outros olhos a realidade (...) partimos do ponto em que ficamos (...) para uma tomada de consciência da realidade atual e uma retomada, franca e decidida, de posição em face dela e em favor, como antes, da educação democrática da escola democrática e progressista que tem como postulados a liberdade de pensamento e a igualdade de oportunidades para todos. (...) Não foi, portanto o sistema de ensino público que falhou, mas os que deviam prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de escolas na medida das necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe cada vez mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas múltiplas atividades. (...) A educação pública é a única que se compadece com o espírito e as instituições democráticas cujos progressos acompanha e reflete, e que ela concorre, por sua vez para fortalecer e alargar com seu próprio desenvolvimento (...) A Escola pública, cujas portas, por ser escola gratuita, se franqueiam a todos sem distinção de classes, de situações, de raças e de crenças, é, por definição contrária e a única que está em condições de se subtrair a imposições de qualquer pensamento sectário, político ou religioso. A democratização progressiva de nossa sociedade (e com que dificuldades se processa ao longo da história republicana) exige pois, não a abolição – o que seria um desatino, – mas o aperfeiçoamento e a transformação constante de nosso sistema de ensino público. (...) As profundas transformações operadas em conseqüência da preponderância da economia industrial sobre as formas econômicas que a precederam, determinam, de fato, e têm de determinar, nos sistemas de ensino, grandes mudanças que permitam ampla participação de todos em estudos e práticas, desde a escola primária completa até os mais altos níveis de estudo superiores’. Já se vê, mais uma vez, que essa participação, com a amplitude que deve ter, para colher toda a população em idade escolar não pode ser senão obra do Estado pela escola universal, obrigatória e gratuita, e numa sucessão de esforços ininterruptos, através de longos anos, inspirados por uma firme política nacional de educação. (...) [Os que acusam e pedem a eliminação da escola pública] (...) o que disputam afinal, em nome e sob a capa de liberdade, é a reconquista da direção ideológica da sociedade - uma espécie de retorno à Idade Média - e os recursos do erário público para manterem instituições privadas, que, no entanto, custeadas, na hipótese, pelo Estado, mas não fiscalizadas, ainda se reservariam o direito de cobrar o ensino, até a mais desenvolta mercantilização das escolas (...). 54 Você sabia que, entre os signatários desse manifesto, estão, além de Anísio Teixeira e Paschoal Lemme (Pioneiros), Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Ruth Correa Leite Cardoso, Darcy Ribeiro, Caio Prado Júnior, José Arthur Giannotti, Wilson Martins e tantos outros? Identifique no Manifesto dos Educadores de 1959 os principais argumentos de defesa da educação pública. Como você os situa em relação à realidade educacional do país, hoje? Educação na prática social brasileira Após 15 anos de tramitação, em 20 de dezembro de 1961, é aprovada a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que refletia todas essas contradições . Sobre ela, Anísio Teixeira – claro defensor da escola pública comum e adepto de um modelo de sistema descentralizado, cujos pronunciamentos marcaram com competência e paixão os debates – vai manifestar-se em artigo publicado no Diário de Pernambuco, de 13 de abril de 1962, nos seguintes termos: Não se pode dizer que esta Lei de Diretrizes e Bases seja uma lei à altura das circunstâncias em que se acha o país em sua evolução para constituir-se a grande nação moderna que todos esperamos. Se isto não é, não deixa, por outro lado, de ser um retrato das perplexidades e contradições em que nos lança este próprio desenvolvimento do Brasil. Afinal, é na escola que se trava a última batalha contra as resistências de um país à mudança (Teixeira, 1969, p. 226-227). Essa manifestação do grande educador brasileiro surge em um momento de efervescência política e ideológica. No campo educacional, aparecem as idéias novas de valorização da cultura popular, aliadas à inquietação e desconforto diante de um deficit educacional que nos envergonhava no cenário internacional. Movimentos de educação popular surgem, com campanhas mais ou menos frustradas e frustrantes de alfabetização de massa e com ações mais duradouras de educação de base para trabalhadores urbanos e rurais. Uma grande pressão do enorme contingente histórica e politicamente excluído exige medidas para obter para seus filhos a educação que não teve. Nesse contexto, em que a universalização da educação faz parte da reivindicação das reformas de base, desponta um projeto experimental de alfabetização de adultos, cuja metodologia encontra sua base na cultura do sujeito que se educa, estimulando-o a assumir a consciência de sua realidade, na construção de uma vontade de um agir transformador. Com a experiência vitoriosa em Angicos, assumida como programa pelo governo federal, Paulo Freire ganha visibilidade nacional no cenário da educação brasileira. A visibilidade internacional ele terá, graças à repressão que se seguiu ao Golpe de 64, que o obriga ao exílio. O rompimento da ordem democrática, em 1964, esvazia significativamente os aspectos de descentralização da educação contidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961. A LDB possibilita, no campo da enfermagem, a criação de muitos cursos de nível técnico, sendo que o primeiro deles surge vinculado à escola de Enfermagem Ana Néri (Santos, s.d). Com a repressão a pensamentos divergentes, inibe-se a ação dos movimentos sociais de educação popular, sob a alegação de ameaça de subversão. Os governos estaduais e locais, também no campo da educação, passam a ser tutelados pelo poder centralizado e centralizador da União. 55 1 Educação Privilegia-se uma mentalidade tecnicista, com sotaque economicista, que rapidamente se instala como uma tecnocracia. Nesse contexto, são promovidas as reformas de ensino de 1968, para o ensino superior e de 1971, para os ensinos de 1º e 2º graus. Não é preciso aprofundar a análise para perceber que as políticas educacionais se deixam comandar pela teoria do capital humano e pelo absolutismo da demanda do mercado. Profissionaliza-se compulsoriamente todo o segundo grau de ensino. A falta de recursos e de capacidade de gestão não permite que as escolas públicas se profissionalizem. As melhores escolas privadas continuaram a exercer seu papel propedêutico para um ensino superior, cada vez mais demandado, cumprindo formalmente a determinação profissionalizante, através de cursos minimalistas de “auxiliar técnico de...”. O acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, que repercute em todos os campos da atividade humana, desafia os processos de formação profissional em geral. No setor da saúde, uma elevação de custos, correspondendo à sofisticação e ampliação de possibilidades terapêuticas, tem como contrapartida a diminuição do acesso da população aos serviços. Registra-se uma crise que leva a novas propostas para reorientação dos serviços de saúde. Internacionalmente, ocorrem eventos significativos: a Quarta Reunião Especial de Ministros de Saúde das Américas (1977) e a Conferência Internacional de Alma-Ata, que elaborou um documento sobre cuidados básicos de saúde (1978). A redemocratização, como conquista palmo a palmo de uma sociedade que manifesta não abandonar seu projeto histórico-político, expressa-se pedagogicamente pela revisão dos equívocos de concepção ou de execução da política do ensino de 1º e 2º graus e do ensino superior. A pesquisa e o debate fazem-se presentes em reuniões gerais, como as da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e específicas, como as Conferências Brasileiras de Educação e Congressos/Seminários temáticos. Desenvolve-se o conhecimento e a perplexidade diante da crise de paradigmas, diante das divergências de leitura e interpretação da realidade, diante de referenciais alternativos. A convivência da competência técnica com o compromisso político como componente básico dos objetivos educacionais fundamenta a busca negociada da escolha entre alternativas de solução, a eleição de prioridades, o estabelecimento de princípios e linhas de ação capazes de definir um projeto pedagógico, solidário ao projeto histórico-político da sociedade. As linhas gerais desse Projeto se encontram na Constituição promulgada em 1988. 56 Tecnocracia – comando ou governo exercido por agentes administrativos, quer seja no setor público, quer no privado. Um de seus mais importantes pressupostos é a existência do suposto conhecimento “objetivo”, o qual pode ser apreendido e aplicado diretamente a problemas sociais, econômicos e técnicos. Segundo a doutrina, a decisão pretensamente neutra e técnica deve predominar sobre a decisão política. Teoria do capital humano – parte do pressuposto de que todas as pessoas são capacitadas, havendo apenas uma diferença de grau, e não de natureza, entre elas. Algumas possuem capital material, outras, capital humano (homem + educação) e outras, ainda, tanto um quanto outro. Segundo essa teoria, a educação é entendida como um investimento, como o que se faz em instalações físicas, máquinas, matérias-prima, sendo, portanto, produtora de capacidade de trabalho. Retomando, em 1980, o interrompido ciclo das Conferências Brasileiras de Educação, iniciado pela Associação Brasileira de Educação na década de 1920, a ANDE (Associação Nacional de Educação), a ANPED (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação) e o CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade) realizam, em Goiânia, a IV Conferência Brasileira de Educação, que sistematiza a proposta de 21 princípios a serem inscritos na Constituição. Educação na prática social brasileira A discussão das bases legais da Educação estará sendo retomada no Núcleo Estrutural Estrutural, especialmente nos Módulos 5 e 6. A partir daí, inicia-se um novo ciclo de discussões para a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Se é verdade que, ainda em 1988, o Deputado Octávio Elísio apresenta o projeto de lei, oriundo das discussões das Conferências Brasileiras de Educação e elaborado sob a liderança do Professor Dermeval Saviani, é também verdade que só oito anos depois é promulgada a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Uma lei elaborada com base em uma inacreditável correção daqueles rumos que balizaram o texto constitucional. Uma lei que, optando por dizer menos, abriu caminho para uma volumosa normatização do poder público federal, onde o duvidoso critério da governabilidade, que nada mais é do que a retração do fundo público, traça políticas que na verdade são as diretrizes e bases que a Lei deixou de explicitar. No que se refere à saúde, o Brasil, na década de 1980, é marcado pelo movimento sanitário, que apontou para novas estratégias de superação da crise da Previdência e de reorganização do setor saúde, adotando os princípios de igualdade, hierarquização do sistema e acesso universal. Em 1986, a Oitava Conferência Nacional de Saúde teve suas propostas levadas à Constituinte (Santos, s.d.). Ao finalizar o estudo deste tema, analise que contribuições ele traz para a sua formação de enfermeiro-docente comprometido com uma prática crítica, significativa e emancipadora. Registre essa avaliação, pessoal, no Diário de Estudo. Após muitas lutas políticas, aprova-se, com algumas alterações, na Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), modelo que preserva a unidade e a descentralização. E, também, cria a necessidade e desafio de reformular a política de formação de recursos humanos para a saúde, no sentido de atender às determinações e aos princípios do SUS. Menos como base histórica e mais como a vivência de um presente que ainda não conseguiu imprimir com nitidez as tendências do futuro, os fatos e as idéias continuam a polarização em torno do atrasado Plano Nacional de Educação, aprovado somente em 9 de janeiro de 2001, pela Lei nº 10.172. Assim como o projeto de lei, construído na discussão da sociedade, foi dilacerado pelos interesses menores, resultando em uma lei tímida e “cheia de vazios”, também a proposta de Plano Nacional de Educação, discutido na dinâmica social do “agir pedagógico”, foi preterida pela maioria governamental no Congresso Nacional, cuja preferência foi o projeto de Plano elaborado nos gabinetes governamentais. Mesmo as poucas incorporações, na versão aprovada pelo Legislativo, de propostas originadas da sociedade, receberam o veto do Presidente da República. 57 1 Educação Outras leituras 1. O aprofundamento de informações e interpretações sobre a educação brasileira no período colonial pode ser favorecido pela leitura ! da obra fundamental de Fernando Azevedo, A transmissão da cultura (parte terceira da 5ª edição da obra “A cultura brasileira”). São Paulo: Melhoramentos, Brasília: INL, 1976. Na página 47, você encontrará os dados sobre as escolas dos jesuítas no Brasil em 1759. ! ! da obra, escrita em francês, em 1889, por José Ricardo Pires de Almeida, História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo: EDUC, Brasília: INEP-MEC, 1989. do Capítulo 2, A organização do ensino na Colônia, da primeira parte do livro História da Educação: a escola no Brasil, escrito por Maria Elizabete Xavier, Maria Luisa Ribeiro, Olinda Maria Noronha e publicado pela editora FTD de São Paulo em 1994. Maria Elizabete S.P. Xavier é Doutora em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP e leciona na Faculdade de Educação da UNICAMP/SP, onde também desenvolve sua intensa atividade. Olinda Maria Noronha, livre docente de História da Educação. Maria Luiza Santos Ribeiro, Doutora em Filosofia da Educação pela PUC/SP, exerce sua atividade no campo da pesquisa e da orientação de teses. As autoras têm vários livros publicados. Essa obra conjunta concentra sua análise na história da instituição escolar, apresentando um olhar sempre atento ao contexto socioeconômico e político das práticas escolares e das políticas governamentais. ! do Capítulo 2 do livro História da Educação no Brasil: 1930-1973, de Otaíza de Oliveira Romanelli, publicado pela editora Vozes de Petrópolis, em 1978. Otaiza de Oliveira Romanelli, Doutora em Educação pela Sorbonne (Paris), exerceu o magistério na Universidade Federal de Minas Gerais, até seu falecimento prematuro. Essa obra, de referência obrigatória no estudo da História da Educação Brasileira, tem no Capítulo 2 uma síntese crítica primorosa da educação brasileira até os anos 30, quando inicia o período enfocado no seu livro. 58 Educação: interação e consciência social 2. Os conhecimentos sobre a educação brasileira no século XIX poderão ser aprofundados na leitura ! ! dos Capítulos 3 a 6 do livro História da Educação: a escola no Brasil, escrito por Maria Elizabete Xavier, Maria Luisa Ribeiro e Olinda Maria Noronha, citado anteriormente. da continuidade do Capítulo 2 do livro História da Educação no Brasil: 1930-1973, de Otaíza de Oliveira Romanelli, também já citado. 3. Para aprofundar as bases históricas da educação brasileira no período republicano até 1937, leia ! o Capítulo I, A Primeira República, do livro de Paulo Ghiraldelli Jr., História da Educação. São Paulo: Cortez, 1990. p.15-78. Paulo Ghiraldelli Jr. é Doutor em História e Filosofia da Educação e autor de muitas obras no campo pedagógico. Esta sua obra traz um balanço crítico dos movimentos da elite e do povo na construção do direito à educação. ! os Capítulos 7 e 8 da primeira parte e os Capítulos 1 e 2 da segunda parte do livro História da Educação: a escola no Brasil, de Maria Elizabete Xavier, Maria Luisa Ribeiro e Olinda Maria Noronha, p.102-169. 59 1 Educação TEMA 3 Educação: interação e consciência social Desde o início, estamos nos ocupando com a interação e a intenção. Em nossos caminhos de constatação da realidade e de nossa reflexão sobre ela, esses dois processos se combinam, formando uma unidade que expressa o modo de existir humano como constitutivo da realidade. Mas não se pode deixar de ver as pessoas como seres que procuram compreender, interpretar, assumir como própria a realidade na qual vivem, movimentam-se e existem, nela interferindo para transformá-la. Se você achar que estamos teorizando, volte seu pensamento para a prática. Logo no princípio do primeiro tema deste módulo, justamente para não nos desvincularmos da prática, decidimos trazer para a nossa análise e discussão a nossa própria experiência. E o que constatamos? Uma maior facilidade de pensar uma situação real em que estivéssemos em relação com o outro. Não estamos solitários no mundo. Nós nos vimos relacionando-nos com as coisas e com as pessoas. A prática nos mostrou relacionados com o mundo dos homens, com o mundo dos seres vivos não humanos, com o mundo das coisas. Por isso procuramos entender a prática social em geral, refletir sobre ela e, conseqüentemente, sobre as diferentes práticas sociais que, encontrando-se ou até mesmo confrontando-se, conformam a sua totalidade. É neste sentido que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional se refere à necessária vinculação da educação e do ensino escolar “à prática social”. A prática social educativa precisa vincular-se à totalidade da vida social, tecida da confluência das distintas práticas que, na sociedade, se efetivam. 60 Educação: interação e consciência social Quem usou pela primeira vez o conceito de relação (em latim relatio) foi Quintiliano, na sua obra Institutio Oratoria, e o fez aplicando-o a termos referentes, isto é: termos que serviam de referência um ao outro. Você encontrou, anteriormente, palavras como “relação”, “combinação”, “encontro”, “confluência” e outras, mas, sobretudo, “interação”. Certamente, a mais geral é “relação”, porque todas as outras, de maneiras diferentes, indicam relações. A relação se dá quando uma coisa, um conceito, uma pessoa está diante de outra, servindo uma de referência à outra. Por exemplo: não há relação entre esparadrapo e gaze, na simples contigüidade que os reúne sobre uma mesa, porque é o mesmo que cada um estivesse isolado e até distante um do outro. Estas mesmas coisas, colocadas em uma bandeja, para serem usadas no ferimento do joelho da criança, estão em relação, porque uma se refere à outra para fazer o curativo em que a gaze será fixada pelo esparadrapo. No exemplo, além de uma relação de combinação entre duas coisas, precisamos ter presente que essa relação é mediada por agentes humanos, sujeitos que se relacionam (a criança e quem faz o curativo) e – especialmente um deles, o autor do cuidado – objetivam a relação entre as coisas. Poderíamos ir mais longe nesse exercício de análise da relação que já, agora, se apresenta como um leque de mediações. Interessa-nos, entretanto, no quadro das relações, concentrar-nos na interação. Por mais que se use este termo abusivamente, principalmente em nossos dias, o conceito de interação implica uma relação altamente qualificada. A qualidade que a distingue é a reciprocidade da relação. São ações que não se esgotam em ser conjuntas, integradas, cooperativas; elas são mútuas, recíprocas. Há um agir de um sobre o outro e “do outro sobre o um”. Certamente agem conjuntamente, agem integradamente, agem cooperativamente, porém – mais do que isso – interagem, ou seja, cada um age em relação a cada outro. Observando a realidade, veremos interações (relações recíprocas) entre coisas. Mas é na realidade social, onde mulheres e homens a constituem pela convivência, que a interação adquire um significado todo especial. Por quê? Porque nessa relação interativa entre seres humanos há sempre a possibilidade de manifestar-se um aspecto peculiarmente humano, a intenção de interagir e a consciência de interagir intencionalmente. É por isso que, sendo múltipla troca de ações recíprocas, toda prática interativa faz-se necessariamente social. Sem qualquer prejuízo da individualidade atuante, a prática interativa se materializa em dimensão coletiva da ação. Vamos voltar a nos debruçar sobre a educação como prática social. E vamos fazê-lo sem evitar a complexidade das múltiplas relações que nela ocorrem, principalmente as que a qualificam como prática social, porque relações de interação. Mesmo que você julgue estarmos escolhendo um caminho difícil, certamente ele não é novo para você. Sua prática como profissional de enfermagem é uma prática social construída na complexidade de múltiplas relações, sendo que um grande número delas interativas. E a questão que se apresenta agora para nós, profissionais da enfermagem e profissionais docentes, é a da intencionalidade dessas interações. Desde logo, em ambos os campos – da saúde e da educação – se evidenciam como “naturais” as intenções imediatas do agir pedagógico e do 61 1 Educação agir de promoção da saúde. O que pode ser grave é limitar-se a elas, em uma não rara redução dos temas, dos problemas, das soluções e das intenções aos limites mesmos de cada campo, daquela específica prática social, quase a excluir o campo e sua prática do contexto social amplo. Em um dos seus mais brilhantes artigos, Durmeval Trigueiro Mendes (1974), usando o exemplo da formação de médicos, nos lembra da centralidade do trabalho na constituição do sujeito humano e social, já que é por meio dele e nele que o indivíduo desenvolve sua cultura. Por outro lado, essa cultura transcende o trabalho “como instância crítica e criadora”. A escola média, segundo o autor dá a formação profissional, mas esta só é autêntica quando a tecné, na qual o indivíduo é instruído, constituir uma práxis autêntica, abrangente do seu projeto existencial global – o seu fazer que incorpora o seu ser; o fazer é fazer-se refazendo o seu “entorno” – e abrindo, dentro dele, espaço para sua própria e permanente recriação. O indivíduo não cai dentro de uma profissão como um objeto passivo se encaixa dentro de um escaninho, ou um bicho-da-seda dentro de seu casulo. Ele se torna elemento ativo e criador, não só porque se movimenta dentro do seu emprego, como também porque é capaz de olhar o mundo, além deste, como um horizonte de possibilidades para sua promoção humana e social. Ele precisa estar armado de uma consciência crítica e prospectiva para não cair num emprego como uma pedra cai num poço, mas para mergulhar numa corrente que pode levá-lo sempre adiante. Sua habilidade fundamental é para exercer criadoramente seu ofício, aperfeiçoando-o, extraindo dele uma consciência gratificante que está ligada só a um opus – e nunca a uma tarefa – e transcendendo-o sempre para outros, mais próximos de sua ambição criadora e de sua capacidade. Muito importante, para nós, é ter sempre presente que o nosso aluno, que se estará formando como profissional técnico ou auxiliar de enfermagem, não pode ser dissociado de seu “projeto existencial global”, e este só subsiste em termos pessoais se inserido no projeto da sociedade. Aqui, então, é que esta intencionalidade da interação humana está chamada a se manifestar como consciência social, “crítica e prospectiva”, abrangente de uma totalidade que vai além e inclui a prática educativa. Dissemos está chamada a se manifestar como consciência social, porque ter consciência é um atributo humano natural, mas não é natural, e sim uma produção pessoal no contexto histórico e cultural, é mobilizar a capacidade de “saber que sabe” para níveis mais elaborados de consciência disso ou daquilo. Por isso é que podemos, diante de uma realidade, constatar presença ou ausência de consciência social. 62 Identifique e analise uma situação concreta, vivida ou presenciada por você, em que você percebeu uma limitação ao campo específico, ou seja, o contexto social mais amplo não foi considerado. Registre em seu Diário de Estudos e, depois, confira com colegas, verificando se, na opinião deles, sua percepção foi adequada. Educação: interação e consciência social A verdade é que a prática educativa e a prática de promoção da saúde são práticas sociais. Isso, entretanto, não significa que, necessariamente (ou, como dizem alguns, automaticamente) expressem consciência social. As interações que se processam nessas práticas, certamente, são intencionais. Mas nem sempre essas intenções vão além dos limites de uma situação restrita ao campo da educação ou da saúde. Às vezes sequer ultrapassam o aqui e agora daquela aula para aquela turma ou daquele curativo naquele joelho. Nem a turma é entendida como coletivo em que interagem pessoas, nem o joelho ferido é entendido como parte integrante de uma pessoa. O que precisa ser objeto de nossa reflexão como educadores – uma reflexão radicalmente vinculada à prática como sua origem e seu destino – é que a prática social educativa só se realiza totalmente quando resulta de interações intencionadas para a transformação dos sujeitos que se educam e para a construção de possibilidades de contribuir para mudanças e transformações mais amplas na vida social, no sentido de torná-la mais humana. Em suma, a prática educativa precisa contribuir efetivamente no avanço da constituição de sujeitos sociais abertos à cooperação, enquanto ação conjunta consciente de reconstrução permanente do convívio humano. Ao conceber e realizar a educação como prática que ocorre no mesmo tempo e no mesmo espaço social, estamos relativizando as fronteiras entre a escola e a sociedade. Como nos diz Trigueiro Mendes (1974) Até agora era o adulto, exclusivamente, que representava a sociedade (já que se considerava sociedade a sociedade estabelecida, de que ele era o estereótipo), enquanto a escola era constituída por aqueles que ainda se preparavam para integrar-se nela. Agora, começamos a compreender que a sociedade se estabelece, criadoramente – e não estaticamente –, mediante o concurso das gerações no tempo e no espaço simultâneos. Por isso, os adultos voltam a freqüentar a instituição educativa, ou criam novas instrumentalidades, paralelas ou até competitivas com a escola. Vale ressaltar a percepção do autor sobre a cooperação intergeracional no estabelecimento do projeto social que, segundo ele, não se separa dos projetos pessoais. Na educação deve-se promover o modo de uma pessoa agir segundo o seu projeto. Este implica a maneira de estruturar sua visão, de se situar, lidando com as realidades existentes para transformá-las em novas realidades, fazendo de sua existência um ato de inteligência continuada. Trata-se de ordenar operativamente a visão da realidade em função do projeto pessoal ou social; um modo de ver o mundo, colocando-se nele como parte de sua criação ou de sua ordem; um modo de ver-se como instância de sua própria criação na mesma medida em que desempenha um papel na criação e na origem do mundo. Instrumento do seu próprio projeto, o homem o é desde o momento de formulá-lo (Trigueiro Mendes, 1974). A educação, portanto, como prática social fundada na intencionalidade de uma interação socialmente consciente, é projeto que reflete o projeto social e nele incide, no encontro das intenções pessoais, dele instituintes e, também, por ele instituídas. 63 1 Educação Como enfrentar a multiplicidade de projetos pessoais, de leituras e entendimentos da realidade, de opções entre diversos encaminhamentos possíveis, de intenções diferentes? O primeiro e importante passo é a explicitação dos entendimentos da realidade e das intenções em relação a ela. Um exercício certamente coletivo, participativo. Um exercício – retomando a expressão – “crítico e prospectivo”, partilhado nas diferenças e, portanto, necessariamente debatido em busca de encaminhamentos aceitos ou apenas admitidos. Você sabe lidar com isso. Na Saúde como na Educação, o planejamento é uma atividade freqüente. Tanto em uma como em outra área, a explicitação do entendimento da realidade (diagnóstico), do levantamento e registro das viabilidades, da construção de linhas de encaminhamento (opções preferenciais e alternativas), da mobilização de meios, dos modos de aplicar os meios ou procedimentos, das estratégias de acompanhar o processo... Enfim, planejamos. O planejamento é sobretudo um processo. Quando julgamos ter chegado a um grau de sistematização que o justifique, produzimos um documento que registre os pontos principais do processo de planejamento. Geralmente damos a esse documento o nome de “plano” ou “projeto”. Tanto a atividade de planejar quanto os planos podem ocorrer em níveis diversos. Um professor pode planejar uma aula (plano de aula), um conjunto de aulas (plano de unidade, de disciplina). Ele pode participar do planejamento curricular de um curso, de um nível de ensino de sua escola (plano curricular do curso a ou b, do ensino fundamental) ou do planejamento pedagógico global de sua escola (plano ou proposta pedagógica). O planejamento pode tomar como referência a educação de um município, de um estado, de uma nação (planos municipais, estaduais e nacional de educação). No Módulo 2, vamos tratar dos Planos Nacionais de Saúde e Educação e procuraremos relacioná-los com o Projeto Histórico-Político da Sociedade Brasileira. Você pode também identificar, em sua atividade de profissional da enfermagem, esses níveis de planejamento, que com o nome de planos ou projetos e também de propostas, ou até com uma denominação diferente, refletem a explicitação do entendimento e das intenções de ação das pessoas envolvidas em um campo de atividade. Embora, em nossa exemplificação acima, tenhamos partido dos níveis menores, é preciso dizer que o planejamento tem sua origem no nível macro e que sua aplicação em níveis menos amplos é bastante pertinente, mas analógica. Como iremos abordar Planos e Projetos Nacionais mais adiante, então aprofundaremos esses aspectos. O que nos importa mais, no contexto dessa análise que empreendemos da educação como prática social, é ressaltar: 64 Prática social educativa ! ! Que projeto sustenta a prática educativa em sua escola? Como ele foi concebido? Seus objetivos intencionalizados estão se concretizando? Como? Registre no Diário de Estudo suas primeiras reflexões a respeito desse tema, que tornará como desafio ao longo de todo curso, especialmente a partir do Módulo 6 6. o processo de planejar como instrumento privilegiado de promoção da construção coletiva do entendimento da realidade, das opções alternativas de interferência transformadora da realidade, da sistematização das ações cooperativas nos campos da educação e da saúde; o registro do processo de planejamento em documentos sistematizados como um mecanismo importante de explicitação de intenções, de opções de linhas de ação e procedimentos operacionais e de formas de acompanhamento, controle e avaliação das ações; e, ainda, que o planejamento e sua explicitação em planos ou projetos, porque são processos cuja origem é a análise crítica da realidade e a proposição de interferência conseqüente, estão permanentemente sob avaliação, abertos às necessárias mudanças e redirecionamentos; ! o planejamento, em qualquer nível e campo, deve estar compatibilizado com a concepção de sociedade que se assume coletivamente, sendo portanto inconcebível em uma sociedade que se concebe democrática, um planejamento fechado à mais ampla participação. ! 65 1 Educação Textos complementares Texto complementar n o 1 1. A proposta educativa de Erasmo Em sua obra, Elogia da Loucura, Erasmo de Roterdã (1469-1536) critica violentamente a prática educacional medieval, afirmando que o ensino das línguas latina e grega em nada poderia ser semelhante ao daqueles gramáticos que viviam plenamente satisfeitos consigo mesmos, enquanto apavoravam com as ameaças de seu rosto e de sua voz aquela multidão amedrontada de alunos, batendo nos coitados com chicotes e varas... Em De Ratione Studii, ele recomenda o hábito da conversação e dos jogos, acompanhados pelos mestres, que corrigem os erros e elogiam os acertos, devendo estimular o hábito da correção mútua. Para Erasmo de Roterdã, o mestre diligente e preparado deverá escolher os mais simples e breves dentre todos os preceitos dos gramáticos, dispondo-os na ordem mais adequada. Após tê-los ensinado, orientará seus alunos para o autor mais apto, treinando-os a falar e a escrever. Esse mesmo mestre deverá propor exercícios variados (tradução, versificação, escrita de cartas, de discursos), tendo a forma como grande preocupação. Essa metodologia visa a abolir a controvérsia e a discussão, manifestações das indesejadas e veementemente criticadas escolástica e dialética medievais. Para Erasmo, a arte da expressão suplanta a da discussão. Uma educação, portanto, eminentemente literária e estética, em que mesmo a ciência (sobretudo sob a forma da observação das plantas e animais) tem seu lugar, mas que se constitui também em ocasião para o exercício da linguagem. 2. A prática pedagógica de Vittorino da Feltre Vittorino da Feltre (1378-1446) deixou marcas profundas para o surgimento de uma nova concepção e maneira de educar. Embora não se tenha dele obras escritas, esse educador italiano – tendo vivido na passagem do século XIV para o XV – desenvolveu uma prática pedagógica que hoje reconhecemos como precursora de concepções e práticas que só foram difundidas muitos séculos depois. 66 Escolástica – originariamente, significa “doutrina da escola”. Designa os ensinamentos de filosofia e teologia ministrados nas escolas eclesiásticas e universidades na Europa, sobretudo entre os séculos IX e XVII. Caracterizava-se principalmente pela tentativa de conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas Escrituras com o platonismo e o aristotelismo. Dialética medieval – técnica e arte da argumentação, que se exercita no contexto da escolástica. Alguns autores medievais utilizam o termo como equiparado à lógica. Educação: interação e consciência social As linhas do trabalho educativo de Vittorino da Feltre eram: ! a importância exemplar do mestre; ! a formação do raciocínio independente; ! a adoção de um plano de estudos enciclopédico; ! ! ! a gradação das propostas de ensino, evoluindo desde os primeiros elementos da leitura até a filosofia de Platão e Aristóteles; a associação, com vistas a uma educação harmoniosa dos exercícios do corpo com os do espírito; a preocupação com um ensino interessante para crianças, com a criação de oportunidades de expressão da personalidade dos alunos, com a abolição de castigos e punições corporais, com o constante apelo à honra e à emulação. Por isso, em sua morte, um dos ex-alunos gravou uma inscrição no busto do mestre, que o exalta como Aquele cujas lições e exemplos ensinaram a conhecer a dignidade do homem. 3. Rabelais e Montaigne Na França do século XVI, contemporâneos já dos jesuítas, Rabelais (1494-1553) e Montaigne (1533-1592) contribuíram de uma forma mais sistemática e diferente para a reformulação das concepções e práticas pedagógicas. Rabelais Sátira – texto, discurso, panfleto manuscrito ou impresso que investe contra os costumes público ou privados, ou que ridiculariza alguém ou alguma coisa, em linguagem picante ou maldizente. Com a força destruidora da ironia e da sátira – concretizada na sua obra Gargantua, Rabelais manifesta todo o seu horror aos vícios da educação praticada em seu tempo. Critica tanto os mestres de gramática quanto os mestres universitários e apresenta suas idéias de como deveria ser a nova educação: ! não pode se basear exclusivamente em memória e palavras; ! a inteligência deve ser enriquecida com idéias e conceitos aprendidos gradualmente e de forma sistemática; ! ! o bom senso e a virtude devem ser desenvolvidos de maneira ativa; as bases do plano completo da educação são o humanismo (adquira perfeito conhecimento do outro mundo que é o homem), em que: ! ! ! ! o movimento substitui a vida sedentária; a observação direta dos objetos substitui as simples palavras; a escola não se fecha em quatro paredes, mas se abre no contato com a amplitude da vida no campo e na sociedade; a aprendizagem das línguas vivas modernas é tão útil quanto a das línguas antigas. 67 1 Educação Em resumo, Rabelais baseia sua proposta de educação: ! ! em uma instrução agradável, variada, interessante para o aluno e em uma cultura e doutrina não imposta autoritariamente, mas útil à vida econômica, social e ética do educando. Montaigne Encontramos os pensamentos de Montaigne sobre educação nos seus Ensaios (especialmente nos capítulos Da educação das Crianças e Pedantismo). Sua preocupação pedagógica é com a educação da criança para a formação do homem. Parte de sua própria educação como um menino de família rica, instruída e culturalmente sofisticada. Em relação ao educador, recomenda que: ! tenha uma cabeça bem feita em lugar de bem cheia; ! se preocupe em formar a capacidade de julgamento pessoal no educando, em vez de estimular uma memória livresca. Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estóicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta de sua opinião (1972, p.81). Para Montaigne, o objetivo da educação é formar para uma sabedoria prática. Assim: ! privilegia o aprendizado da língua materna, da história e de uma filosofia prática; ! concebe uma educação harmônica em que corpo e alma sejam desenvolvidos juntos (Não é um corpo que se educa, não é uma alma, é um homem.). Texto complementar n o 2 A pedagogia da Reforma e da Contra-Reforma 1. Reforma A Reforma Religiosa de Lutero foi bastante apoiada e assumida pelos senhores e governantes das cidades alemãs, porque também representava o desejo de libertação das comunidades civis face às imposições de Roma. O catolicismo romano, sobretudo por meio das ordens religiosas, exercia importante papel de execução do serviço educacional. Isso significou que, ao romper com Igreja Católica, surgiu a necessidade de elaborar novas propostas relativas à organização, às responsabilidades, aos objetivos e às maneiras de educar. 68 Verifique, na prática pedagógica dos humanistas, os papéis atribuídos ao educador: preceptor, mestre, professor. E hoje? Educação: interação e consciência social Tr i v i u m / q u a d r i v i u m – forma as sete artes liberais, que constituem a base do currículo dos cursos introdutórios (studium generale) das faculdades de artes (principalmente filosofia), nas univerrsidades medievais. O trivium , inicial, é constituído pelas “ciências da linguagem” – gramática, retórica e dialética –, e o quadrivium é composto pela aritmética, geomentria, música e astronomia e pressupõe a passagem pelo trivium. As sete artes liberais tiveram um papel importante como forma de preservação do saber clássico da antigüidade grecoromana, durante o período medieval. Desde os primeiros anos, a crise educacional – marcada pela exclusão e evasão de estudantes e professores – instalou-se em todos os graus de ensino, desde a escola de ler e escrever até a universidade. O reformador alemão, em seu estilo candente, denunciou com veemência os vícios das escolas de seu tempo, chamando-as de infernos, purgatórios onde um menino era eternamente atormentado com casos e tempos, e onde ele não aprendia, devido a um contínuo açoitamento, tremor, dor e angústia. As universidades, para ele, eram as grandes portas do inferno (apud Eby,1970, p.53-68). Por isso, sem tardar, o próprio Lutero assumiu a bandeira da educação e o fez com tal empenho que a maioria dos historiadores reconhece sua essencial contribuição à construção do forte sistema educacional da Alemanha. Ainda que tenha tratado das questões de conteúdo (Eu os faria estudar não só as línguas e a História, mas também Canto, Música Instrumental e todo o curso de Matemática), Lutero foi sobretudo um agente da adoção de uma política de educação. Em sua carta de 1524 aos conselheiros de todas as cidades da nação alemã, desenvolve forte argumentação em favor da educação de todos, em todas as cidades. Coube, entretanto, a Felipe Melanchton (1497-1560), grande humanista, a tarefa pedagógica de restaurar a educação alemã. A ele é outorgado o título de “preceptor da Alemanha”. Seu regulamento da escola da igreja na Saxônia, aprovado por Lutero, inspirou governantes de muitas cidades e estados. Estava aí explícita a responsabilidade do poder civil em criar escolas e mantê-las. Estabelecia prioridades e a seqüência de conteúdos (o latim era absolutamente prioritário), de acordo com o objetivo fundamental de formar religiosa e moralmente a juventude. Suas obras sobre Gramática Latina, Retórica e Lógica; sobre Aritmética, Geometria, Astronomia e Música (o trivium e o quadrivium medievais) foram amplamente utilizadas na educação, tanto em escolas protestantes quanto em escolas católicas. 2. Contra-Reforma A preocupação pedagógica na Contra-Reforma ou Reforma Católica é, evidentemente, diversa. As instituições educacionais, nas regiões em que a reforma “protestante” não se tornara hegemônica, mantinham-se em plena atividade. Entretanto, mesmo nos países católicos, viviam-se fortes apelos reformadores que repercutiam nas instituições, nas práticas e nas orientações educativas. A preocupação com a educação do clero, em particular, presidia os ajustamentos e mudanças que se operavam na atividade pedagógica sob a influência da Igreja. Com os humanistas, acreditava-se que a reforma do homem envolve a educação. No pensamento dos reformadores católicos, a própria reforma da Igreja teria que passar pela educação dos fiéis e, sobretudo, dos membros do clero e da elite leiga. Essa educação será definida, principalmente depois da ruptura luterana, como instrumento de preservação da fé e da unidade da Igreja. 69 1 Educação A educação católica, então, passa a ter maior clareza de definições, devendo atingir os seguintes objetivos: ! fortalecimento dos católicos expostos à pregação reformista; ! reconquista para a Igreja Romana dos reformados; ! catequese, em terras de missão, dos povos pagãos para sua adesão à fé católica. E, na busca da consecução desses objetivos, podemos considerar como bastante adequada a expressão Contra-Reforma. Embora não se possa desconhecer a criação e importância dos colégios no ambiente reformado “protestante”, é no campo católico que seu papel vai ser extenso e fundamental. Vão constituir-se em espaço privilegiado de construção de um corpo de idéias e normas consolidadoras da pedagogia tradicional. A comprovação disso está clara na adesão e desenvolvimento dessas instituições pelas ordens religiosas surgidas no contexto da Reforma Católica, e muito especialmente pelos jesuítas. Na Idade Média, o colégio era uma comunidade de bolsistas, que nele viviam como em uma pensão, dirigindo-se a outro local para seguir os cursos. A partir do século XV, o ensino das Faculdades das Artes começa a deslocar-se para os Colégios. No século XVI, estes se afirmam como instituição de ensino secundário, desvinculados das universidades. Organizam sistematicamente suas atividades de ensino e, sobretudo, normatizam de forma ampla a vida dos alunos e a relação docente-discente. Seus objetivos são claros e abrangem o campo religioso, moral e literário: os alunos devem viver piedosamente e falar latinamente (et pie vivant et latine loquantur), como se expressou Mathieu Cordier, professor parisiense do século XVI, em seu De emendatione. Texto complementar n o 3 Iluminismo: sociedade, cultura e educação O que é o Iluminismo? A Europa do século XVIII é o espaço e o tempo da manifestação de um movimento que recebeu o nome de Iluminismo (ou Movimento da Ilustração, ou das Luzes). Quem melhor o definiu foi o filósofo Emanuel Kant, em 1784: O ILUMINISMO é a saída do homem da sua menoridade, pela qual ele é responsável. Menoridade, isto é, incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem a orientação de outrem, menoridade pela qual ele é o 70 1 Educação Educação: interação e consciência social responsável porque a causa dessa incapacidade não está numa deficiência de seu entendimento, e sim na falta de decisão e de coragem para dele servir-se sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de servir-te do teu próprio entendimento! Eis a divisa das ‘Luzes’(apud Falcón,1989, p.19). O Renascimento humanista caracterizou-se pela recondução do homem como centro e referência da realidade a ser conhecida. O movimento iluminista instaura a racionalidade como referência principal e, de certa maneira, única para o humanismo. A razão é a única luz, a iluminação racional, que substitui tanto a iluminação mística quanto aquela proveniente da autoridade dos autores clássicos. Como se expressa D’Alembert, no Discurso Preliminar da Enciclopédia, publicada na França no Século XVIII: O universo e as reflexões são o primeiro livro dos verdadeiros Filósofos, e os Antigos, sem dúvida, o tinham estudado: era portanto necessário fazer como eles; não se podia substituir este estudo pelo de suas Obras, que foram destruídas em sua maioria e das quais um pequeno número, mutilado pelo tempo, não podia nos dar, sobre uma matéria tão vasta, senão noções muito incertas e muito alteradas (1989, p.65). O critério da verdade passa a ser a ciência, geradora de técnica e tecnologia, de progresso, de bem-estar para todos. Instituiu-se, portanto, a ousadia do saber (aude sapere) para cada um, a coragem de servir-se de seu próprio entendimento, em um movimento que promova, para um número cada vez maior de homens, o exercício de pensar por si mesmos, a conquista da autonomia. Nesse sentido, como afirma o verbete da Enciclopédia: A liberdade reside no poder que um ser inteligente tem de fazer o que quer de acordo com a sua própria determinação (1974, p.113). Esse traço geral da “ousadia de pensar por si mesmo” é que nos dificulta caracterizar o movimento iluminista através de outros aspectos comuns, porque essa autonomia de pensamento promove diferenciação e variedade. Assim, ao pretender caracterizá-lo como um movimento intelectual da burguesia, ou como um movimento anticlerical, cabe ter presentes as observações de Falcón (1989, p.28 e 34): Havia, é certo, idéias e intelectuais burgueses no movimento iluminista. Mas eram todos burgueses? Já vimos que aí se situam as divergências dos historiadores. O mais difícil, portanto, é saber como avaliar corretamente as idéias, hábitos, comportamentos e atitudes de natureza aristocrática (no sentido de nobreza e clero) presentes no movimento iluminista (...) O anticlericalismo, típico das “luzes” francesas, não é a regra do restante da Europa. O reconhecimento da diferença como raiz da autonomia do homem e do mundo faz parte também de um processo interior à própria Igreja. Com freqüência, a iluminação racional, longe de ser encarada como oposta à iluminação religiosa, foi entendida como uma espécie de expansão ou ampliação desta última. As interpretações categóricas e lineares comprometem a riqueza das diferenças e variedades, estas, sim, manifestação comum a todos os iluminismos, como “ousadia do homem em pensar por si mesmo”. 71 71 1 Educação O iluminismo português e a reforma educacional Em Portugal, como na Espanha, o Iluminismo sofre atraso em sua manifestação se comparado com os outros países da Europa. O movimento ilustrado português é caracterizado por Francisco J. C. Falcón (1982, p.197) como uma ... ideologia estruturada alhures e para ali transferida, modificando-se bastante no decurso desse movimento, que é não um simples reflexo mas uma verdadeira releitura, uma reinterpretação do discurso ilustrado em função das condições concretas ali existentes, de onde resultou uma construção ao mesmo tempo nova e original, cujas limitações e peculiaridades devem ser entendidas como resultantes de tais determinações de natureza histórica. Assim é que, apesar de suas variadas manifestações, é possível reconhecer alguns traços característicos do iluminismo português. Um deles é o fato de ser mantido dentro dos limites da prudente preocupação em não romper as barreiras da fé católica, importantes para a sustentação do poder monárquico absoluto e a coesão social. Na reforma pedagógica, que se concretiza na instituição das aulas régias em 1759, a razão invocada nos Alvarás Régios é a necessidade de se conservarem a união cristã e a sociedade civil (Carvalho, 1978, p.32). E a radicalização contra os jesuítas vai se justificar – oficialmente – por duas razões principais: ! eles teriam introduzido nas escolas destes Reinos e domínios [um] escuro e fastidioso método [do] estudo das letras humanas [que são] a base de todas as ciências que se vêem, neste Reino, extraordinariamente decaídas daquele auge em que se achavam quando as Aulas se confiaram aos religiosos jesuítas; ! [eles teriam uma doutrina] sinistramente ordenada à ruína não só das artes e ciências mas até da mesma Monarquia e Religião (Alvará de Lei, de 28 de Junho de 1759). O Iluminismo, em suas manifestações portuguesas, está presente nas reformas educacionais propostas pelo Marquês de Pombal. Não há dúvida alguma de que a questão da Ilustração – como prevalência da racionalidade científica sobre a autoridade religiosa ou filosófica ou retórica dos Antigos – vai ganhando espaço em Portugal. No campo da educação, a partir de 1730 evidencia-se uma reformulação para além dos métodos, com a introdução das ciências experimentais e da filosofia moderna, sobretudo por obra dos Padres Oratorianos que, desde o final do século XVII, vinham assumindo posições na educação portuguesa. Contudo, como nos adverte Falcón (1982, p. 210): Conviria (...) não exagerar o âmbito dos resultados anteriores a 1746, aproximadamente, pois, ainda aqui, é somente após o golpe do Verdadeiro Método que as posições se definem e as mutações têm lugar. 72 Educação: interação e consciência social Com a publicação, em 1746, do Verdadeiro método de estudar, para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal, as rupturas, pela crítica e pela afirmação, se tornam mais claras. Certamente, a obra de Luiz Antônio Verney tem um nítido enfoque educacional, mas apresenta-se também com uma abrangência capaz de cobrir todas as manifestações da mentalidade portuguesa de seu tempo. A explicitação caracteriza-se pelo compromisso com a realidade de uma determinada sociedade, mesmo – ou, talvez, sobretudo – porque seu autor é um clérigo português (nasceu em Lisboa, em 23 de julho de 1713), de origem francesa, aluno brilhante dos padres jesuítas. Escolhe, entretanto, prosseguir seus estudos com os padres do Oratório e, indo para a Itália em 1736 (dez anos antes da publicação das 16 Cartas), entra em contato com o pensamento europeu de sua época. Embora não retorne mais a Portugal (morre em Roma, em 20 de março de 1792), está permanentemente presente ao desenrolar-se da vida portuguesa, analisando, criticando e sugerindo medidas que pudessem contribuir para sua “modernização”. Como nos ensina Clarice Nunes (1989, p. 55): Verney configura-se como um pensador enraizado no seu tempo, um militante radical sem ser revolucionário, cuja obra passou a referir ou simbolizar, em Portugal, todo um processo de modernização política, econômica e sociocultural da elite iluminista portuguesa do qual foi expressão. A constatação do atraso de Portugal em relação às outras nações da Europa, a necessidade de modernização, o desejo de romper os bloqueios às idéias inovadoras, levam Verney – na esteira dos humanistas e dos melhores iluministas de seu tempo – a identificar na educação renovada o insubstituível caminho para promover uma renovação cultural. Sob o ponto de vista educacional, sua contribuição tanto ressalta sua preocupação com o conteúdo e a metodologia do ensino, desde as classes de gramática até os cursos universitários, quanto evidencia suas preocupações com a política educacional. Para ele – e nisso expressa o sentimento de muitos – a educação portuguesa e, até mesmo, a nação portuguesa estavam paralisadas pela rigidez ineficaz de conteúdo e método da pedagogia dos jesuítas, pelos desmandos inquisitoriais, pelo descompromisso da Universidade com a investigação no campo das ciências. Para Verney aquele modo de pensar jesuítico, enraizado em todas as cabeças desde a infância, tornou-se uma segunda natureza: serão necessários muitos anos, muita leitura e grande e boa educação para desenraizá-lo (Carta de Luís Antônio Verney a Francisco de Almada e Mendonça, em 17 de julho de 1765, apud Moncada, 1941, p.153). Contudo, encontraremos nele a valorização das ciências e do método científico, mas não o desprezo pela Fé revelada; a valorização da gramática e da retórica portuguesa, mas não a negligência em relação à latinidade clássica; a crítica violenta à brutalidade e ignorância da Inquisição, mas não qualquer diminuição de apreço e submissão à instituição eclesial, à Santa Sé e ao Sumo Pontífice. 73 1 Educação Talvez, a grande contribuição de Verney tenha sido a de expressar uma nova realidade a ser enfrentada com o firme propósito de torná-la útil à República e à Igreja, mantendo fidelidade ao estilo e necessidade de Portugal. Sua proposta de reforma educacional faz parte de um contexto de mudanças e nele se integra como suporte essencial. Nesse sentido ele declara a necessidade de haver, em cada rua grande, ou ao menos bairro, uma escola do Público; para que todos os pobres pudessem mandar lá os seus filhos (Verney, 1746, p. 206), cuja ausência ou deficiência causa sumo prejuízo, como ele afirma na Carta Décima Sexta: Na idade de sete anos é que devem ensinar-lhe a escrever (...) Depois ensinar-lhe as quatro primeiras operações de Aritmética que são necessárias em todos os usos da vida. Nisto há grande descuido em Portugal: achando-se muita gente, não digo ínfima, mas que veste camisa lavada, que não sabe ler, nem escrever: outros que, suposto saibam alguma coisa, não cotejam: o que causa sumo prejuízo em todos os estados da vida (ibidem, p. 205). Não se deve esperar do texto do “Padre Barbadinho” (pseudônimo com o qual Verney assinou o Verdadeiro Método) mais do que ele pode oferecer. É verdade que defende o estudo das ciências experimentais, mas coloca-as no currículo que precede os cursos superiores, como uma introdução no último momento, reservando seu aprofundamento para a universidade. É importante lembrar que, embora as ciências da natureza estivessem em franco desenvolvimento, ao tempo de Verney estas continuavam vinculadas à Filosofia. Como ele mesmo expressa na Carta Oitava (1746): Eu suponho que a Filosofia é conhecer as coisas pelas suas causas; ou conhecer a verdadeira causa das coisas. Esta definição recebe os mesmos Peripatéticos, ainda que eles a explicam com palavras mais obscuras. (...) saber qual é a verdadeira causa que faz subir a água na seringa é Filosofia; conhecer a verdadeira causa por que a pólvora, acesa em uma mina, despedaça um grande penhasco é Filosofia; outras coisas a estas semelhantes, em que pode entrar a verdadeira notícia das causas das coisas, são Filosofia. Mas é exatamente com essa concepção, ainda meio enviesada, da Ciência – e conseqüentemente de seu ensino – que se lançam as bases da reforma da Universidade de Coimbra, no Portugal pombalino, levada a termo em 1772. Redirecionam-se todos os cursos e introduzem-se as Faculdades de Matemática e de Filosofia, propostas por Verney, mais de 25 anos antes. A Faculdade de Filosofia compreendia quatro Cátedras: Filosofia Racional e Moral; História Natural; Física Experimental e Química Teórica e Prática. A Faculdade de Matemática, também se constituiu com quatro Cátedras: Geometria, Cálculo, Ciências Fisico-Matemáticas e Astronomia. 74 Peripatéticos – peripatetismo é o termo que designa a filosofia de Aristóteles e de sua escola; é proveniente da tradição segundo a qual Aristóteles lecionava dando passeios a pé nos jardins do Liceu, local onde fundou sua escola, em Atenas (335 a.C.). Educação: interação e consciência social Texto complementar n o 4 O pensamento educacional de A. Comte Embora sem ter deixado o Tratado sobre a Educação Universal, que projetava publicar em 1858, Comte explicitou seu pensamento educacional em outras obras, o que nos permite conhecer suas principais idéias. Vejamos o que ele diz na segunda lição de seu Curso de Filosofia Positiva: O problema fundamental da educação consiste em fazer com que o entendimento, muitas vezes medíocre, em poucos anos chegue ao mesmo ponto de desenvolvimento atingido, durante uma longa série de séculos, por um grande número de gênios superiores, que aplicaram, sucessivamente, durante a vida inteira, todas as suas forças ao estudo de um mesmo assunto. Assim, a educação do indivíduo deve, segundo ele, reproduzir a da espécie, no sentido de transmitir não as etapas - o que seria impossível - mas o movimento e o produto. Em síntese, seu discípulo Émile Littré registra que o pensamento educacional de Comte consiste em: ! mudar de base mental, ! substituir pelo saber científico o saber literário, que deve manter seu lugar, mas não-prioritário, ! e universalizar, uniformizando-a, a educação (Littré, 1878, p.352-353). Dentre as principais características da educação, podem ser citadas as seguintes: ! é uma emanação do poder espiritual moderno, sendo, como tal, autoritária, no sentido em que a relação educador-educando é, na verdade, uma relação entre ascendente e descendente; ! é, toda ela, coordenada pela idéia e pelo culto do Grande Ser; ! é universal, para todos, portanto, também a mulher e o proletariado devem ser educados; ! a educação familiar é espontânea, especialmente materna (na família o poder espiritual é representado pela mãe), de grande importância, responsável sobretudo pela educação moral, porque somente sob a direção de uma mulher uma criança pode começar a difícil aprendizagem da luta interior, que dominará toda a sua vida, para subordinar gradualmente as impulsões egoístas aos instintos simpáticos; sua sistematização, pelos filósofos educadores, só ocorrerá nos últimos anos que precedem a maioridade; ! a educação pública completa e espontânea, familiar e materna, com a instrução teórica e prática; ! a educação “espontânea” é fortemente marcada pela estética, sendo que a presença da arte tem continuidade de influência também na educação “sistemática”; ! apesar da privilegiada preocupação científica, a educação positiva inclui no plano de estudos as disciplinas literárias, indicando, para o aprendizado das línguas estrangeiras, o critério da solidariedade atual, ou seja, deve-se aprender, em primeiro lugar, as línguas dos países limítrofes; 75 ! ! o método geral da educação positiva apresenta diversificações em duas fases: ! antes da puberdade, preocupa-se com o concreto, a prática da observação e de exercícios tendentes a facilitar a adaptação do corpo à ação habitual; ! da puberdade em diante, preocupa-se com a sistematização, ou seja, com lições formais e programação orgânica das ciências, segundo classificação hierarquizada; os professores devem ser polivalentes, isto é, capazes de dirigir a iniciação de todas as ciências, devendo suscitar a submissão ativa e voluntária e não a discussão estéril e dispersiva, o que faz prevalecer o ensino oral, sendo raro o recurso a livros didáticos. Texto complementar n o 5 A proposta dos intelectuais educadores da década de 1930 (Trechos do Manifesto dos Pioneiros) Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. No entanto, se, depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, verificar-se-á que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação anual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes... ... o educador, como o sociólogo, tem necessidade de uma cultura múltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social não devem estender-se além do seu meio visual; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, além do aparente e do efêmero, “o jogo poderoso das grandes leis que dominam a evolução social”, e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se tem essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e amplia o seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tem um espírito científico, 1 Educação empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos processos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos trabalhos científicos na administração dos serviços escolares. À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, é que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstrução educacional. Nós assistíamos à aurora de uma verdadeira renovação educacional, quando a revolução estalou. Já tínhamos chegado, então, na campanha de divisão das águas. Mas, a educação que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, não pode, ao menos em grande proporção, realizar-se senão pela ação extensa e intensiva da escola sobre o indivíduo e deste sobre si mesmo, nem produzir-se, do ponto de vista das influências exteriores, senão por uma evolução contínua, favorecida e estimulada por todas as forças organizadas de cultura e de educação. A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar “a hierarquia democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável, com o fim de “dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”, de acordo com uma certa concepção do mundo. ...a doutrina de educação, que se apóia no respeito da personalidade humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo dado. ...a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-se intensamente, essas virtudes e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interesses individuais e os interesses coletivos. ...do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado, que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. Afastada a idéia do monopólio da educação pelo Estado num país, em que o Estado, pela sua situação financeira não está ainda em condições de assumir a sua responsabilidade exclusiva, e que, portanto, se torna necessário estimular, sob sua vigilância, as instituições privadas idôneas, a “escola única” se entenderá, entre nós, não como “uma conscrição precoce”, arrolando, da escola infantil à universidade, todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas, ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos. A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano, uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à universidade, não à receptividade, mas à 77 Questionando o Processo Educativo atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) até à universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18 anos), a “continuação ininterrupta de esforços criadores” deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos), para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância intelectual (com os 3 ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração de matérias-primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca), da elaboração das matérias-primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos elaborados (transportes, comunicações e comércio). 78 1 Educação Síntese Neste primeiro módulo, foram desenvolvidos temas e indicadas atividades, buscando sistematizar referências conceituais relativas à educação, sempre a partir da aplicação de reflexão crítica sobre manifestações concretas da prática educativa. 1 – Em um primeiro momento, procuramos identificar, a partir de práticas sociais concretas vivenciadas pelos alunos do curso, as diferentes manifestações da educação como prática social, considerando sua ocorrência nos diversos espaços de convívio social e, sobretudo, na escola, onde se estabelece a relação pedagógica professor-aluno, educador-educando, como relação intersubjetiva, isto é, entre sujeitos sociais. Na discussão de práticas educativas diferenciadas, foi dado especial destaque à educação de adultos caracterizando ainda uma experiência alternativa de educação fundamental de crianças, tendo como exemplo o Movimento dos Sem Terra. Ressaltamos também a importância de ter clareza sobre a intencionalidade da interação na prática social educativa, que tem como finalidade básica a construção dos sujeitos, em sua dimensão tanto individual como social, como agentes da reconstrução do mundo como espaço de vida humana plena. 2 – Em seguida, reconhecendo o valor do conhecimento histórico como base da contextualização da realidade e seu desvendamento, propusemos um percurso pela história da prática social educativa brasileira, procurando identificar os elementos formadores das linhas de seu desenvolvimento como experiência da sociedade. Foram, assim, resgatados: ! ! ! ! 79 a herança de uma pedagogia tradicional, que se instala com a atuação dos jesuítas, cujas características de definição rígida do currículo, do estabelecimento de metodologias, da configuração de um espaço específico de atuação pedagógica e da normatização da relação exemplar entre mestre e discípulo se voltam para o objetivo de formar súditos do Rei e fiéis da Igreja Católica, instalando, com grande rapidez e por longos dois séculos, um sistema educacional; a reforma pombalina, sob influência iluminista, que repercute no Brasil como um processo veloz de eliminação quantitativa de pontos de serviço pedagógico de qualidade no país (fechamento das escolas mantidas pelos jesuítas e sua expulsão) e como um processo lento de implantação de seus propósitos (renovação de conteúdos e métodos, favorecendo uma perspectiva mais aberta às ciências experimentais); o surgimento de novas perspectivas – mais de meio século depois – com um projeto nacional substituindo o colonial, desde a chegada da Corte ao Brasil, que se transforma em Reino e depois em Império independente; a educação que se constrói oficialmente, entretanto, se rompe com a dependência ao colonizador, ao mesmo tempo acentua a dupla tendência de formação de quadros dirigentes e de absoluta ausência de empenho na educação popular; em lugar de políticas, fatos isolados (escolas de direito, lei do ensino elementar, fundação do Colégio Pedro II, discussões parlamentares com discursos que culminam nas importantes – e não executadas – propostas de reforma da educação nacional de Rui Barbosa); o fato de, apesar de a mudança do regime monárquico para o republicano representar uma ruptura política, revelar quase nenhuma mudança na educação; desde a reforma de 1891, feita por Benjamin Constant sob o ideário positivista, um suceder de reformas no âmbito nacional esgota-se em eventos 1 Educação Atividade de avaliação do módulo limitados no tempo e no espaço (Capital, capitais); entretanto, no âmbito da sociedade cresce a exigência por mais e melhor educação, na mesma proporção em que os impactos da industrialização e modernização se fazem sentir mais fortes, a partir da década de 1920, quando intelectuais brasileiros, alçados a cargos de dirigentes da educação, promovem em seus estados (e muito mais, em suas capitais) reformas de cunho modernizador, no espírito do movimento de idéias e ações da Escola Nova, repercutindo suas idéias e feitos, em 1932, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; começa também a introduzir-se o processo de definição da educação profissional em geral e, especificamente, na área de Saúde; movimentos que se confrontam – e muitas vezes são utilizados – com um projeto ditatorial no qual o populismo, sustentado pelos interesses da oligarquia, reforça o dualismo pedagógico, sistematizando uma educação brasileira em compartimentos estanques como caminho da elite para as profissões liberais e caminho popular para as profissões manuais, ainda que exigentes de mão-de-obra mais bem qualificada; ! ! ! ! a história da redemocratização do país, após a Segunda Guerra Mundial, que se faz no desafio da velocidade das mudanças no mundo, quando a educação, redefinida em seus objetivos na perspectiva da liberal democracia inscrita na Constituição de 1946, discute durante 15 anos suas diretrizes e bases, sendo o confronto entre público e privado o centro de um debate que vai refletir-se em novo manifesto de intelectuais “mais uma vez convocados” em defesa de uma educação pública, universal, leiga e gratuita, em 1959; a inauguração de um longo período autoritário, em 1964, que se opõe ao impulso renovador exigente de reformas e rico em projetos alternativos de educação popular que ocorria desde 1961; esse período autoritário, primeiro de fato, depois através de medidas normativas, recentraliza a educação e, com a mais genuína fidelidade ao tecnicismo economicista, promove uma revisão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; o avanço do processo de redemocratização (embora mantido no modelo da liberal democracia), vinte anos após o golpe,através das reformas de políticas sociais, conseguindo um bom projeto pedagógico na Constituição de 1988; o retrocesso sofrido pela Constituição com o texto final da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 que, não avançando, deixa espaços para atos normativos do poder executivo, com forte conotação de dualismo educacional, renovada crença na teoria do capital humano a serviço do mercado, flexibilização do uso do fundo público para a educação privada. Em todo o percurso, buscou-se estabelecer relações com o desenvolvimento da formação e da prática social de saúde no campo da enfermagem. 3 – Retomando a prática social educativa, cujo entendimento se reforçou com a análise da experiência histórica, foi discutida com mais profundidade a interação social e sua intencionalidade, para identificar no processo educativo as possibilidades de desenvolvimento de uma consciência social. Passou-se, então, a caracterizar a atividade de planejamento e sua objetivação em planos e projetos, como uma forma de explicitar a intencionalidade da interação pedagógica para a construção de ampliação do entendimento da realidade e de proposição sistematizada de estratégias como possibilidade de intervenções transformadoras no convívio social. 80 80 Educação: interação e consciência social Atividade de Avaliação do Módulo Para que seu tutor possa ir acompanhando sua formação/transformação ao longo deste Curso (educação só acontece quando aquele que se educa realiza sua própria transformação), ao término do estudo de cada módulo, você deverá realizar uma atividade de avaliação. Repare que aqui estão apresentadas quatro proposições. Conheça as quatro, mas escolha apenas uma para desenvolver como atividade avaliativa. Poderá ser aquela em que você se sente mais confiante para demonstrar seus avanços (e também dúvidas, por que não?) neste momento. Realize a atividade, envie-a ao seu tutor e receba dele os comentários. 1 – Com base no estudo desenvolvido neste módulo, exponha seus referenciais de educação em um pequeno texto (de duas a quatro páginas), abordando as seguintes questões: ! que significa para você a expressão “a educação é uma prática social” e como você relaciona intenção e interação a esse entendimento? ! em sua maneira de ver, quais os problemas que se apresentam quando o processo desconsidera a dimensão sociocultural do aluno? 2 – A exemplo do que fez Paulo Freire, em Cartas a Cristina, escreva para um companheiro(a) docenteenfermeiro(a) como você, refletindo criticamente, em razão da leitura deste módulo, sobre sua prática na saúde e na educação. Comente, nessa missiva (de duas a quatro páginas) seu pensamento em relação a conceitos aqui aprendidos. 3 – Leia, com atenção, o texto abaixo, extraído do Manifesto de Educadores, de 1959, que você conheceu ao ler o Tema 2 deste módulo: (...) Não foi, portanto, o sistema de ensino público que falhou, mas os que deviam prever-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de escolas na medida das necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe cada vez mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas múltiplas atividades. (...) ... a educação pública é a única que se compadece com o espírito e as instituições democráticas cujos progressos acompanha e reflete, e que ela concorre, por sua vez, para fortalecer e alargar com seu próprio desenvolvimento. (...) A escola pública, cujas portas, por ser escola gratuita, se franqueiam a todos sem distinção de classes, de situações, de raças e de crenças, é, por definição contrária e a única que está em condições de se subtrair a imposições de qualquer pensamento sectário, político ou religioso. A democratização progressiva de nossa sociedade (e com que dificuldades se processa ao longo da história republicana) exige pois, não a abolição – o que seria um desatino, – mas o aperfeiçoamento e a transformação constante de nosso sistema de ensino público. (Azevedo e outros,1959). Com base no estudo desenvolvido no módulo, especialmente no Tema 3, comente em um pequeno texto (de duas a quatro páginas) o trecho acima, abordando, os seguintes aspectos: ! a importância do planejamento como expressão de uma intencionalidade de uma prática social educativa; ! considerações fundamentais no planejamento da educação brasileira, hoje, particulamente em relação à educação dos profissionais da área de Saúde/Enfermagem. 81 1 Educação Bibliografia de referência 4 – Relate em um texto breve (de duas a quatro páginas) uma experiência (ou um conjunto de experiências) de prática educativa vivenciada por você ou a que você tenha assistido, seja na escola ou no serviço de saúde, analisandoa/o do ponto de vista da concepção pedagógica e da interação social estabelecida entre os sujeitos do processo. Observação importante: Para a realização da atividade que você escolher entre as quatro propostas, não deixe de recorrer, como fonte de consulta, ao seu Diário de Estudo, resgatando as idéias e reflexões anotadas no transcurso do seu estudo. 82 Educação: interação e consciência social Bibliografia de referência A enciclopédia. Trad. Luiza Tito Morais. Lisboa: Editorial Estampa, 1974. ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil (1500-1889). Trad. Antônio Chizzotti. São Paulo: EDUC/Brasília, INEP/MEC, 1989. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. Tomo terceiro: A transmissão da cultura. 3a ed. São Paulo: Melhoramentos, 1958. ____________. A transmissão da cultura. Parte terceira da obra A cultura brasileira. 5a ed. São Paulo: Melhoramentos, Brasília: INL, 1976. BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública. Edição comemorativa do 1º Centenário dos Pareceres apresentados na Câmara do Império em 1882. Fundação Casa de Rui Barbosa/Fundação Cultural do Estado da Bahia/ Conselho Estadual de Educação, 1982. CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo: EDUSP/Saraiva, 1978. COMÊNIO, J.A. Didáctica magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Trad. Joaquim Ferreira Gomes. 3a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva (parte). Discurso sobre o espírito positivo (parte). Catecismo positivista. Col. Os Pensadores. Vol. XXXIII. São Paulo: Abril Cultural, 1973. CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã: o ensino superior da Colônia à era de Vargas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Edições UFC, 1980. DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. História da Pedagogia. Tratado das Ciências Pedagógicas, Vol. 2. São Paulo: Cia Editora Nacional, EDUSP, 1977. EBY, Frederick. História da educação moderna: teoria, organização e prática educacionais (séc. XVI - séc. XX). Porto Alegre: Editora Globo, 1970. p.53-68. EDUCAÇÃO premiada. Cadernos do terceiro mundo, Rio de Janeiro, n. 211, p.25, jul./ago. 1999. Enciclopédia. Discurso preliminar. São Paulo: Editora UNESP, 1989. FALCÓN, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982. ___________. Iluminismo. 2a ed. São Paulo: Ática, 1989. FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 5a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1993. HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. KRAMER, Sonia. Por entre as pedras: arma e sonho na escola. São Paulo: Ática, 1993. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1992. LITTRÉ, Émile. Conservation, révolution et positivisme. 2ème ed. Paris: Aux Bureaux de la Philosophie Positive, 1879. MARQUES, H. de Oliveira. Breve história de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 1995. 83 1 Educação Bibliografia de referência MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império: subsídios para a História da Educação no Brasil. Vol. 1 e 2. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. __________. A instrução e o Império: subsídios para a História da Educação no Brasil. 1854-1889 Vol. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. MONCADA, L. Cabral. Um “Iluminista” português do século XVIII: Luís Antônio Verney. São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva & Cia. Editora Nacional, 1941. MONTAIGNE, Michel de. Ensaios I. In: Os Pensadores XI. São Paulo: Abril Cultural, 1972. NEVES, Luiz F. Baêta. O combate dos soldados de Cristo na terra dos papagaios: colonialismo e repressão cultural. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978. PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1983. NUNES, Clarice. “Luís Antônio Verney (1713-1792): um pensador atrevido?” In: Revista do Departamento de História, Belo Horizonte, FAFICH/UFMG, n. 9, p.47-56, 1989. PELLEGRINO, Hélio. Instituição, linguagem, liberdade. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 14/05/86. PROCÓPIO, Sandra. O Movimento Sem Terra e sua luta por educação. In: Revista do SEPE, Rio de Janeiro, v. 1, n. 4, p.10-12, 1999. REIS FILHO, Casemiro dos. A educação e a ilusão liberal. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1981. RODRIGUES, Neidson. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. In: Educação e sociedade, ano XXII, n.76, p.232ss, out. 2001. SANTOS, Antonio Tadeu C.; HENRIQUES, Regina Lúcia M.; MACEDO, Maria do Carmo dos S. Ética profissional II. S. l.: s. d., mimeo. SEVERINO, Antônio Joaquim. A escola e a construção da cidadania. In: SEVERINO, Antônio Joaquim et alii. Sociedade civil e educação. Campinas, SP: Papirus/Cedes; São Paulo: Ande/Anped, 1992. SILVA, Geraldo Bastos. A educação secundária; perspectiva histórica e teoria. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969. TEDESCO, Juan Carlos. Sociologia da educação. 2a ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985. TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1969. TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Fenomenologia do processo educativo. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 60, n.134, p.140-172, abr./jun. 1974. VERNEY, Luís Antônio; BARBADINHO, P. Verdadeiro método de estudar para ser útil à República e à Igreja proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal. Valensa, Portugal: Oficina de Antônio Balle, 1746. VICENTE DO SALVADOR, frei. História do Brasil: 1500-1627. 7a ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia / São Paulo: EDUSP, 1982. 84 85 86 87 88 89