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O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 12 DE DEZEMBRO DE 2010
estadão.com.br
Internacional
Especial. Por dentro
do WikiLeaks
estadão.com.br/internacional
Reportagem Especial ✽
●
Hani Sabra, do Eurasia Group
“O tribunal tem enorme potencial para
desestabilizar a política libanesa. Se o
promotor indiciar membros do Hezbollah, as consequências serão sérias”
TENSÃO PERMANENTE
GUSTAVO CHACRA/AE
Memória de guerra.
Crianças brincam ao
lado de velhos tanques
INVESTIGAÇÃO DA ONU
AMEAÇA LEVAR LÍBANO
A UM NOVO CONFLITO
● O ESTADO
NO LÍBANO
Gustavo Chacra / ENVIADO ESPECIAL / BEIRUTE
Hezbollah adverte que não acatará conclusão que o acuse da morte de Rafic Hariri
possibilidade de uma
nova guerra civil ou
contra Israel assombra
Beirute, que tenta renascer como ponte do
Ocidentepara o Oriente. Ainda que a paz prevaleça por enquanto. O suq (mercado) no centro
dacapital do Líbanofoireabertocom
lojas como a Fendi, a Zara e a Cartier.
A destruição dos 15 anos de guerra
civil, encerrada há duas décadas, tornou-se uma imagem do passado, de
livros de fotos que mostram o “antes” e o “depois”.
No sul, também arrasado em uma
guerra mais recente, em 2006, a vila
de Bint Jbeil simboliza a reconstrução e o poderio do Hezbollah – Partido de Deus, em árabe – depois dos
bombardeios israelenses.
Quem não acompanha de perto a
política do Líbano pode até ser seduzido pela sociedade liberal que lota
bares na região estudantil de Hamra,
próxima à Universidade Americana
de Beirute, ou na mais seleta e boêmia Gemeizah.
Em vez de conflitos religiosos, árvores de Natal enfeitam não apenas
as áreas cristãs, mas também as muçulmanas da cidade. O problema é
que este cenário da agradável vida libanesa corre o risco de desaparecer
mais uma vez neste país do Mediterrâneoque já chegou aser chamado de
Suíça do Oriente Medi. E os libaneses parecem saber disso.
“Os sunitas e os xiitas vão lutar entre si, tenha certeza. Teremos uma
A
nova guerra civil”, afirma o empresário
Samir Khater na área cristã de Ashrafyeh. “No Líbano, sempre acaba em
guerra. Quase houve em 2007, será difícil não haver agora”, diz o também cristão Joseph Khoury.
Esse pessimismo deve-se à entrega,
nos próximos dias, do resultado das investigações do promotor Daniel Bellemare, responsável pelo Tribunal Especial da ONU que investiga o atentado
que matou o premiê Rafic Hariri em fevereiro de 2005. Na época, Hariri havia
deixado o cargo e liderava a oposição à
ocupação síria.
O tribunal pode levar o Líbano de volta para a sua outra realidade, a da guerra
e das mortes, bem distante da imagem
de melhor vida noturna do mundo árabe, segundo escolha do New York Times.
De acordo com especulações que circulam em Beirute e também na imprensa
internacional, membros do Hezbollah
devemser formalmenteindiciados pelo
atentado que matou Hariri.
Opróprio líder da organização, xeque
0 km
80
Beirut
N
LÍBANO
SÍRIA
ISRAEL
Síria foi acusada
por morte de Hariri
Apontado como um dos homens
mais ricos do Oriente Médio, Rafic
Bahaa Edine Hariri tinha um objetivo: reconstruir o Líbano feito em ruínas por uma longa guerra civil nos
anos 80 envolvendo cristãos e muçulmanos que acabou provocando uma
Hassan Nasrallah, afirma que a ONU
acusará o grupo.
Para evitar o acirramento das tensões,osnomesdosacusadosserãomantidos em sigilo depois da entrega da investigação de Bellemare. O juiz Daniel
Fransen terá entre seis e dez semanas
para tomar uma decisão, incluindo a
que serefere à prisão, ou não, dos acusados.
‘Armação pró-Israel’. O Hezbollah re-
ONDE FICA
MAR
MEDITERRÂNEO
PARA LEMBRAR
JORDÂNIA
INFOGRÁFICO/AE
jeita o tribunal, dizendo a investigação
foi montada pelos Estados Unidos para
protegerIsrael,que,segundoaorganização, seria o verdadeiro responsável. Em
agosto, Nasrallah chegou a exibir um vídeo com supostas provas do envolvimento israelense.
Mohammad Raad, principal deputadodoHezbollah,quetembancadasignificativa no Parlamento, acrescenta que
“o mecanismo pelo qual o tribunal foi
intervenção militar da Síria. Na luta
pela restauração da unidade nacional,
ele provocou temores em Damasco e
em grupos libaneses aliados da Síria e
do Irã, como o Hezbollah. Hariri renunciou em 20 de outubro de 2004.
Poucos meses depois, em 14 de fevereiro de 2005, morreu num atentado
a bomba em Beirute. A Síria foi acusada de envolvimento no assassinato,
mas negou as alegações.
impostotranscendeogoverno eaConstituição libanesa”.
Nooutro extremo,o jovempremiê do
Líbano, Saad Hariri, filho do premiê assassinado, afirma que acatará a decisão
do tribunal. Caso ele decida levar adiante a ordem de prisão dos acusados pelo
assassinato de seu pai, o Líbano ficaria
mais uma vez dividido.
De um lado, os sunitas seguidores do
primeiro-ministro e algumas facções
cristãs, como a do líder da guerra civil,
Samir Gaegea.
Do outro, estariam os xiitas do Hezbollah e da Amal e seus aliados cristãos
comandados pelo populista Michel
Aoun. O fiel da balança seria mais uma
vez o druso e espécie de líder feudal,
Walid Jumblatt, que navega entre as
duas coalizões.
“Nós não queremos guerra aqui no
Líbano. Apenas exigimos que não aceitem adecisão destetribunal. Não temos
nada contra os sunitas. O Hezbollah
servepararesistiràagressãoisraelense, não para tomar o poder no Líbano”, disse um membro do grupo que
pediu para ser identificado como
Mustafá Nasser em um restaurante
de Dahieh, uma área controlada pelo
Hezbollah ao sul de Beirute.
Para trabalhar nesta região, onde
até os guardas de trânsito integram a
organização xiita, o Estado precisou
de uma autorização do Hezbollah
Media Relations.
Perda para todos. No governo, também parece haver uma tentativa de
evitar um confronto. Uma pessoa
próxima ao premiê afirmou que ninguém “quer conflito no Líbano agora, todos perderiam”. Saad Hariri
tem se esforçado para encontrar
uma saída para o impasse. No mês
passado,chegouaira Teerãpara conversar com autoridades iranianas,
que são os principais patrocinadores
do Hezbollah do Líbano.
Ele também tem mantido contato
direto com a organização libanesa.
Até mesmo um conhecido outdoor
no centro de Beirute, que desde
2005 contava os dias para que os responsáveis pela morte de Hariri fossem presos, teve seu placar retirado.
Com bilhões investidos no centro da
capital, Saad Hariri também perderia financeiramente com um conflito.
Analistas adotam visões distintas
sobre o que pode ocorrer. Reva
Bhalla, analista de Oriente Médio da
agência de risco político Stratfor, diz
otribunal não deve produziruma crise política.
“Todos os lados devem transformar este tema que tem um peso político forte hoje em algo de menor importância (no futuro). Negociações
entre sírios, europeus, sauditas, iranianos e turcos têm um ponto em
comum– todos querem reduzir o impacto do tribunal”, afirmou em entrevista ao Estado.
Hani Sabra, que cobre Líbano para
o Eurasia Group, outra consultoria
de análise de risco, avalia de uma forma diferente.
“O tribunal tem enorme potencial
para desestabilizar os elementos da
política libanesa. Se o promotor indiciarmembrosdoHezbollah, podehaversérias consequências para o Líbano.A ArábiaSauditaeaSíria – primeira suspeita pelo atentado no passado – talvez tenham de intervir para
garantir pelo menos que a violência
não seja prolongada. Também é bem
possível que o governo libanês seja
derrubado porque o Hezbollah e
seus aliados podem se retirar (do gabinete), levando a uma paralisia política”, diz Sabra.
Apesar de rivais, o grupo de Hariri
e o Hezbollah integram um governo
de união nacional. A liderança é do
agrupamento político do premiê, conhecidocomo 14 de Março– a organização xiita e seus aliados compõem a
8 de Março.
No complicado e sectário sistema
político libanês, o presidente sempre é cristão maronita (Michel Suleiman, que tem uma posição neutra);
o primeiro-ministro, sunita; e o presidente do Parlamento, xiita – o Hezbollah abre mão do posto para Nabi
Berri, da Amal.
O Parlamento divide-se ao meio.
Metade para todas as denominações
cristãs, e metade para os muçulmanos e drusos. Caso os xiitas se retirem do governo, a administração ficaria praticamente travada, como
ocorreu entre 2006 e 2008.
No meio de toda esta crise política, uma escultura foi erguida no local do atentado que matou Hariri,
próximo à marina de Beirute. Ao lado, ainda estão as ruínas do Hotel
San George, destruído na guerra civil. Não muito distante dali, está o
túmulo do premiê, no centro de Beirute, entre a gigantesca mesquita
construída por ele, uma igreja e o badalado Hotel Le Gray. O endereço
oficial é Praça dos Mártires.
Rafic Hariri seria apenas mais um
deles ao longo de séculos de violência no país dos cedros. E, como quase todos os outros, talvez nunca saibamosquemsãoos responsáveis.Enquanto isso, os libaneses vivem um
sonho de boa vida, que a qualquer
momento pode converter-se num
pesadelo de guerra.
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investigação da onu ameaça levar líbano a um novo