Gordura do leite – Bioatividade dos Fosfolipídeos Danielle Braga Chelini Pereira1 Marcos Davi Silva e Silva2 O leite bovino contém aproximadamente 3,5 a 5 % de lipídeos totais, emulsionados na forma de glóbulos de diâmetro entre 2 e 4 μm, envoltos por uma membrana proveniente da célula secretora. Pelo menos 98% desses lipídeos são constituídos de triacilgliceróis, mas encontramse tambémesteróis (de 0,2 a 0,5%, principalmente o colesterol, de 10 a 20 mg/dl) e os fosfolipídeos, que compõem 0,5 a 1% dos lipídeos totais. Estes últimos estão compondo principalmente a membrana dos glóbulos. Já estão disponíveis evidências expressivas do efeito benéfico dos fosfolipídeos à saúde, principalmente na inibição da absorção do colesterol, regulação de reações inflamatórias e efeitos preventivo e terapêutico em sobre alguns tipos de câncer. Os fosfolipídeos são considerados lipídeos polares, e contém grupos com o elemento químico fósforo.Entre as substâncias que compõem o grupo, os glicerofosfolipídeos (fosfatidilcolina, fosfatidiletanolamina, fosfatidilinositol e fosfatidilserina) e os esfingolipídeos (esfingomielina) são os mais importantes em termos quantitativos. Os glicerofosfolipídeos contém glicerol, ácido fosfórico, dois ácidos graxos, normalmente insaturados, e uma porção variável na molécula, destacada pela nomenclatura adotada (colina, etanolamina, inositol ou serina). Os esfingolipídeos são formados a partir de uma cadeia carbônica longa, a esfingosina, ácidos graxos e açúcares, ácido fosfórico ou álcool. Na esfingomielina, um grupo fosforilcolina está presente. Os glicerofosfolipídeos contém ácidos graxos de cadeias menores e insaturados, enquanto na esfingomielina a presença de ácidos graxos de cadeia maior e insaturados é mais evidente. Isto implica em funções e características diferenciadas para os grupos, com estruturas mais rígidas formadas pela esfingomielina associada ao colesterol, de alto ponto de fusão e maior compactação quando comparadas às regiões da membrana ricas em glicerofosfolipídeos. Localizam-se na membrana do glóbulo de gordura do leite (60 a 70% dos fosfolipídeos), mas podem aparecer também associados a outros materiais de membrana na fase aquosa.As diferenças nas propriedades contribuem para as funções biológicas desses grupos de substâncias nas membranas. Apresentam marcada propriedade anfifílica, o que, ao mesmo 1- Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Membro NUVLAC. 2- Aluno do Curso Técnico em Leite e Derivados do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG. Juiz de Fora, MG. tempo, contribui para sua aplicação, por exemplo, como potenciais carreadores de substâncias lipossolúveis, e dificulta sua separação analítica. A composição dos fosfolipídeos varia em função da dieta, do período de lactação, da raça e da estação do ano. Há evidências de aumento na concentração de esfingomielina, interessante em razão de sua importância biológica, ao longo da lactação, no verão, e em vacas da raça holandesa quando comparadas às da raça Jersey (para a qual os glóbulos de gordura têm maior diâmetro). A espécie de mamífero também exerce influência sobre os teores de fosfolipídeos e sua distribuição no leite. O leite humano contém maiores porcentagens de esfingomielina, embora os dados da literatura apresentem variações que podem ser atribuídas ao método analítico empregado em cada estudo. A composição dos fosfolipídeos pode ser modificada pelo processamento tecnológico, por exemplo pelas operações de refrigeração e bombeamento do leite. Principalmente, as etapas tecnológicas que envolvem ruptura da membrana do glóbulo de gordura e fracionamento ou separação da fração gordurosa do leite podem modificar a distribuição desse grupo nos derivados obtidos. No leite homogeneizado, a membrana é complementada, passando a constituir-se principalmente de caseína. O leitelho, o creme e o soro são produtos lácteos com teores expressivos de fosfolipídeos. Os benefícios dos fosfolipídeos na dieta foram descritos a partir dos anos 1900.Os esfingolipídeos são abundantes componentes das membranas celulares intestinais, e seus produtos de degradação são consideradas substâncias bioativas importantes na regulação celular.A manutenção da estrutura de membranas, a modulação de fatores de crescimento, a participação em sítios de ligação de vírus, outros microrganismos e toxinas microbianas, regulação da proliferação e morte celular, funções imunológica e linfática são alguns dos papeis em que essas substâncias se mostram envolvidas. Os produtos lácteos são importantes fontes de fosfolipídeos na dieta humana, mas ovos, cereais, sementes, peixe e carne também contribuem para a ingestão diária estimada entre 2 e 8 gramas. Neste contexto, o aumento no consumo de leite e derivados foi associado à redução na incidência de obesidade, resistência à insulina, dislipidemia e diabetes tipo 2, que são fatores de risco cardiovascular. Também o consumo de leite enriquecido com componentes da membrana do glóbulo de gordura por crianças apresentou efeito protetor contra infecções 1- Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Membro NUVLAC. 2- Aluno do Curso Técnico em Leite e Derivados do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG. Juiz de Fora, MG. gastrointestinais, reduzindo significativamente episódios de febre. Proteção antiúlcera também pode ser associada ao leite, mesmo na ingestão de ácido acetil salicílico, cujo efeito de dano à mucosa gástrica é conhecido e foi reduzido quando a substância foi consumida associada quimicamente à fosfatidilcolina (do grupo dosglicerofosfolipídeos). Ação antimicrobiana contra Campylobacterjejuni, Listeriamonocitogenes e Clostridium perfringens foi descrita para esfingomielina. Efeitos em casos de artrite aguda e principalmente na prevenção de artrite crônica tem sido relatados para fosfatidilcolina. Estudos foram desenvolvidos relatando efeitos benéficos de fosfolipídeos na forma de lácteos enriquecidos na saúde física e mental de indivíduos continuamente submetidos a condições de estresse.Níveis de esfingomielina na dieta demonstraram efeitos preventivo e terapêutico em tumores de cólon quimicamente induzidos em cobaias, e foi sugerido efeito protetivo à radiação ultravioleta pela atuação de fosfolipídeos, em especial esfingomielina, sobre as células da pele. Atribui-se à esfingomielina efeitos sobre o transporte de colesterol e aterosclerose, tendo sido observado que a substância de origem láctea é mais efetiva que a proveniente do ovo como inibidor da absorção de colesterol. O efeito foi explicado pelas diferenças de composição das estruturas em função da origem (saturação e tamanho das cadeias de ácidos graxos presentes). No sistema nervoso, há benefícios relatados no desenvolvimento neurológico de recém nascidos e no incremento da atividade antioxidante durante o envelhecimento ou sob ação de agentes de modificação cerebral, como álcool, bem como estudos sobre o efeito de fosfolipídeos em doenças degenerativas como Alzheimer e Parkinson. O mercado mundial já demonstra influência dos conhecimentos sobre os benefícios do consumo de fosfolipídeos. Assim, esse é um importante apelo para a comercialização de produtos lácteos com tratamentos alternativos à pasteurização para garantia de inocuidade, em razão da possibilidade de redução do teor de fosfolipídeos nos produtos tradicionais; também se observa uma valorização ao aproveitamento do leitelho obtido da fabricação de manteiga para obtenção de fosfolipídeos ou alimentos ricos nesse nutriente. A microfiltração do leitelho submetido a tratamento prévio com citrato de sódio foi descrita como o processo mais adequado para a obtenção de isolado contendo alta concentração de material de membrana do glóbulo de gordura do leite. Tecnologicamente, as propriedades emulsificante e de aumento da estabilidade térmica de extratos ricos nesses componentes tem sido valorizadas para seu uso como ingrediente na indústria de alimentos. A elaboração de produtos como sobremesas tipo doce de leite e bebidas lácteas contendo leitelho são alternativas cuja viabilidade vem sendo estudada no Brasil desde a década de 1980. 1- Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Membro NUVLAC. 2- Aluno do Curso Técnico em Leite e Derivados do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG. Juiz de Fora, MG. Referências bibliográficas: Contarini, G.; Povolo, M. Phospholipids in milk fat: composition, biological and technological significance, and analytical strategies. International Journal of Molecular Sciences. 14(2): 28082831. 2013. Jensen, R. G.; Ferris, A. M.;Lammi-Keefe, C. J. The composition of milk fat. Journal of Dairy Science. v. 74, n. 9, p. 3228-3243, 1991. Martins, A. C. H. FRULATI – Bebidacarbonatada à base de leitelho. Revista do Instituto de LaticíniosCândidoTostes. 33 (196): 36, 1978. Wolfschoon-Pombo, A. F; Sobral, M. L.; Costa, D. L. S. Diferenciaçãoanalítica entre doce de leite e doce de leitelho. Revista do Instituto de LaticíniosCândidoTostes. 40 (242): 87-92, 1985. 1- Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Membro NUVLAC. 2- Aluno do Curso Técnico em Leite e Derivados do Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG. Juiz de Fora, MG.