RBMFC Sumário EDITORIAL A Atenção Primária à Saúde e o papel da Universidade Yves Roland Talbot .............................................................................................................................................. 250 ARTIGOS Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira. ................................................................................................. 253 Depressão na Atenção Primária à Saúde Daniel Victor Arantes. ......................................................................................................................................... 261 Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes. ................................................. 271 Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar: a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores Luiz Miguel Santiago. ......................................................................................................................................... 282 Fatores de risco cardiovascular: perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira. ............................................................................................... 288 Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre - 1998 e 2002 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho. ..................................................................................... 298 RELATO DE CASO Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico à população em situação de risco social Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos. ............................................................................................ 307 RESUMOS DE TESE A utilidade como função para universalidade e eqüidade: uma análise formal da validade instrumental do ordenamento administrativo federal da assistência à saúde bucal no saúde da família Carlo Henrique Goretti Zanetti. ............................................................................................................................. 312 Necessidades de Saúde na estratégia de saúde da família, no município de Jequié - Bahia: em busca de uma tradução Adriana Alves Nery. ............................................................................................................................................ 314 Qualidade de vida dos agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. ............................................................................................................... 316 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro v.2 nº 8 p. 248-324 jan / mar 2007 RBMFC Summary EDITORIAL Primary Care: the Role of the University Yves Roland Talbot .............................................................................................................................................. 250 ARTICLES Home Visits by the Family Health Team: thoughts about the need for a broader professional view Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira. ................................................................................................. 253 Depression in Primary Care Daniel Victor Arantes. ......................................................................................................................................... 261 Challenges for the implementation of the Family Planning Program in a low-income community in aracaju, Sergipe, Brazil Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes. ................................................. 271 Medical services in the field of family health: impact assessment from the users perspective Luiz Miguel Santiago. ......................................................................................................................................... 282 Cardiovascular Risk Factors - Clinical and Epidemiologic profiles in the subjects of the “Atividade Física na Vila” Project Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira. ............................................................................................... 288 The cost of the Family Health Program in Porto Alegre - 1998 and 2002 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho. ..................................................................................... 298 CASE REPORT Project United Families: psychotherapeutic care offered to a social risk population Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos. ............................................................................................ 307 THESE ABSTRACTS Utility as function for universality and equity: a formal analysis of the instrumental validity of federal administrative ordinance on oral healthcare for the Family Heath Program Carlo Henrique Goretti Zanetti. ............................................................................................................................. 312 Health needs in the context of the Family Health strategy at the municipality of Jequié - Bahia: searching to underst Adriana Alves Nery. ............................................................................................................................................ 314 Quality of life of community health agents from a city in the interior of Paraná State Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. ............................................................................................................... 316 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro v.2 nº 8 p. 248-324 jan / mar 2007 RBMFC Editorial A Atenção Primária à Saúde e o papel da Universidade Editorial Primary Care: the Role of the University Yves Roland Talbot* Atenção Primária à Saúde (APS) é a mais importante reforma da gestão saúde no mundo atual. Na maioria dos países, governos e serviços têm assumido a liderança no desenvolvimento da APS, como foi decidido na declaração da Alma Ata1. Desde 1990, uma série de fatos têm demonstrado o impacto de um forte sistema de cuidado com a saúde na saúde das comunidades como um todo2,3. A melhoria no status de saúde de uma comunidade está diretamente relacionada à qualificação, ou ao melhor balanceamento, da gama de profissionais especializados no cuidado primário e no aumento do acesso ao mesmo em uma determinada região. As co-morbidades aumentam juntamente com a idade da população, e o acesso a um cuidado primário compreensivo e coordenado se torna cada vez mais uma solução de custo-benefício palpável. Essa acessibilidade reduz os efeitos adversos na saúde da inaptidão social. Então porque as universidades e centros de pesquisa médica têm sido tão lentos a participar desse sistema até recentemente? O documento intitulado Towards Unity for Health (Direcionando a Unidade da Saúde) oferece algumas sugestões4 : 1. Universidades, particularmente, faculdades de medicina sob influencia do relatório Flexner têm mantido a orientação que favorece a “especialização”; 2. Os incentivos e promoções das faculdades são geralmente ligados a pesquisa biomédica; 3. Membros da faculdade são geralmente mais interessados na especialização de novos graduados que podem suportar melhor os seus pacientes internados; 4. O crescimento dos membros acadêmicos do cuidado primário é frequentemente percebido como uma ameaça aos recursos de um estabelecimento, especialmente o poder de base nos centros de saúde das universidades; 5. O poder de base do cuidado primário se encontra nas comunidades, enquanto para os centros de saúde universitários, o cuidado primário está freqüentemente às margens deste poder. Universidades devem ter um papel muito importante nesta reforma. Universidades precisam ser socialmente responsáveis e ajudar a promover o bem-estar de suas comunidades através da educação e pesquisa. Onde e como universidades podem executar este papel? Universidades têm um papel a executar em construir competências para desenvolver programas baseados em um treinamento direcionado ao cuidado primário do amanhã. O que inclui liderança de grupo, habilidades com a comunidade e com a população na saúde, além da prevenção de doenças ao invés das tradicionais competências acadêmicas de uma faculdade. Existem três estágios de desenvolvimento no papel da Universidade, descritas a seguir: * MFC, Professor da Universidade de Toronto, Canadá Bras Med Fam e Com 250 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Yves Roland Talbot Editorial 1. Educação continuada em serviço. A experiência do serviço de treinamento no Brasil é similar a experiência canadense, onde a prática da medicina de família tinha um papel central na propagação da educação de seus colegas, antes deles estarem na posição de ter recursos financeiros e humanos suficientes para desenvolver um departamento na universidade. A educação no serviço reforça o conhecimento de um generalista, e permite a “reciclagem” do papel de especialista para generalista, e mais tarde identifica futuros modelos para residência na área. Esses programas de treinamento em serviço, com o tempo, identificam potenciais instrutores e com o mercado para a APS definido, eles podem procurar se tornar departamentos autônomos nas universidades que mantinham seus programas interdisciplinares, baseados nas praticas reais. Entretanto, uma pré-condição a este treinamento é necessária: ter o número de estudantes mínimos que se apliquem à APS para que este tipo de treinamento seja levado a sério. Se não existir um mercado real dentro do sistema ou algo que suporte tal treinamento, ele existirá somente enquanto a energia permitir. Os times de trabalhadores de APS, implementados no Brasil, são treinados pelas universidades e sistemas de saúde através do suporte financeiro do governo. O mesmo é dado para facilitar o treinamento em serviço inicial para grupos. A estratégia descrita acima permite o desenvolvimento de um currículo baseado nas experiências profissionais na área. Este é então baseado na realidade e assim responderá melhor às necessidades dos estudantes e da comunidade. O Canadá propôs a residência em Medicina de Família como a única forma de um médico praticar o cuidado primário. Isto foi devido a uma extensa pesquisa da Associação Médica do Canadá, onde foi dada preferência às necessidades da comunidade e na ênfase ambulatorial da Medicina de Família no currículo. 2. Programas multidisciplinares de graduação e pré-graduação No Canadá, o apoio ao desenvolvimento de um departamento de Medicina de Família veio depois da implantação de um sistema nacional de cuidado com a saúde. Em países da América Latina, universidades têm se empenhado para treinar especialistas e existem poucos programas de treinamento de cuidados primários formais. Existe uma grande necessidade de fornecer aos médicos, no sistema de saúde, o treinamento para o cuidado primário. Isto é, na verdade, um passo crucial para reforma a ser realizada. É essencial um grupo mínimo de profissionais já trabalhando neste campo. Uma quantidade substancial da experiência de treinamento dos aprendizes da área deve ser baseada nos ensinamentos de um veterano em cuidado primário. A importância dos times multidisciplinares tem sido enfatizada em várias recomendações e é considerada uma parte importante das ações implementadas na reforma do sistema de saúde (Alma Ata, 1978; Jakarta, 1996). Time é a palavra mais usada para discutir a colaboração5,6. Multidisciplinar se refere à participação das diferentes disciplinas e interdisciplinariedade descreve o processo de trabalho dos times de saúde de cuidado primário. O currículo para os alunos pré-graduados e o número de posições de treinamento para os pós-graduados deve refletir uma gama de especialistas balanceados de acordo com as necessidades locais ou nacionais. 3. Pesquisa Pesquisa é essencial para o desenvolvimento de um sistema de cuidado de saúde primário baseado em fatos. Usando o conhecimento e habilidades em pesquisa à nível de universidades ajudará a construir capacidade para um futuro departamento acadêmico de cuidado de saúde primário bem como garantir uma melhor qualidade de serviços a oferecer a população. Isso será dado pela construção de uma agenda sobre os resultados na saúde da comunidade (a partir da geografia e da necessidade de saúde visando diferenças socioeconômicas). Objetivos da pesquisa: Bras Med Fam e Com 251 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Yves Roland Talbot Editorial - promover o status e a imagem do cuidado primário como uma especialidade valorizada. - defender o cuidado de saúde primário universal baseado em evidências. - melhorar o cuidado primário como um componente vital do ensino das instituições. Em resumo: a parceria da Universidade com os serviços de saúde locais, a associação entre profissionais e a comunidade são os pilares da reforma do sistema de saúde. A Universidade pode ter um papel central na sustentabilidade e legitimidade da APS como área de especialização através do treinamento, da pesquisa e do desenvolvimento de um departamento para o cuidado primário. Ações têm sido propostas desde o artigo de Boelen 4, para promover a orientação de um cuidado primário nos centros de saúde de uma Universidade: - Aumentar o número e a visibilidade dos modelos de Atenção Primária, identificados durante a fase de desenvolvimento do serviço, superando os especialistas, centrados em centros urbanos, focados na liderança institucional; - Aumentar o apoio a pesquisa do cuidado primário e para uma documentação baseada em evidências e no valor do cuidado primário para a saúde da comunidade; - Aumentar a base de apoio para inovação na educação e no serviço em Atenção Primária; - Reduzir a fragmentação das forças do cuidado primário dentro das instituições, separados por diferentes departamentos (como medicina interna, medicina de família e pediatria), diferentes cursos (como medicina, enfermagem, odontologia, farmácia), diferentes campos (como medicina e saúde pública) ou diferentes burocracias governamentais (como ministros da saúde e ministros da educação); e - Facilitar o acesso dos menos privilegiados e aos estudantes de escolas rurais ou com menos estrutura, incluindo estudantes indígenas, na Universidade. 4. Referências 1. Organization, W. H. ((1994).). Primary Health Care Concepts and Challenges in a Changing World: Alma Ata Revisited. SHS/CC 94.2. Geneva., . WHO/. 2. Starfield, B. (1991). “Primary Care and Health - a Cross-National Comparison.” Jama-Journal of the American Medical Association 266(16): 2268-2271. 3. Starfield, B. (1994). “Is Primary-Care Essential.” Lancet 344(8930): 1129-1133. 4. Boelen, C. ((2000).). Towards Unity for Health: Challenges and Opportunities for Partnership in Health. Department of Organization of Health Services Delivery. D. W. paper. Geneva., World Health Organization. 5. D’Amour, D. (1997). Structuration de la collaboration interprofessionnelle dans les services de sante au Québec. Departement de Santé Publique, Faculté de Médecine. Montreal, Université de Montreal. Faulkner, R. A., M (1999). “Interdisciplinary Team in Health Care and Human Services setting.” Health and Social work 24(3): 210-219. 6. Ferada, M. (2002). Le processus de collaboration interprofessionnelle à l egard d enfant a risque de negligence et de leurs familles. Faculté des sciences infirmiere. Montréal, Montreal: 122. Bras Med Fam e Com 252 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Home Visits by the Family Health Team: thoughts about the need for a broader professional view Artur Oliveira Mendes* Fernanda Araújo de Oliveira** Resumo As visitas domiciliares assumem papel fundamental na organização do trabalho das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF). Contudo, romper com o paradigma biomédico exige uma vigilância nem sempre fácil ou simples, com o objetivo de ampliar o olhar do profissional. Pensando em resolver essa questão, a Equipe Laranja do Centro de Saúde Jardim Montanhês desenvolveu ficha de visita domiciliar, apresentada neste artigo, visando facilitar o planejamento do cuidado do paciente e atentar para questões que fujam à simples intervenção sobre o corpo doente. Abstract Home visits play an essential role in the work of the Family Health Teams. However, breaking the biomedical model and gaining a more comprehensive view of the patients’ needs is not always easy or simple. In an attempt to solve this question, the Orange Team of the Health Center Jardim Montanhês created a home visit record form, presented in this paper. This form is aimed at providing information necessary for planning the patient’s care and allows taking knowledge of questions that reach beyond the simple treatment of the diseased body. Palavras-chave: Recursos Humanos em Saúde; Visita Domiciliar; Humanização da Assistência. Key Words: Health Manpower; Home Visit; Humanization of Assistance. * Médico, Equipe Laranja, Centro de Saúde Jardim Montanhês, da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. ** Enfermeira, Equipe Laranja, Centro de Saúde Jardim Montanhês, da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Bras Med Fam e Com 253 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira 1. Introdução Nos dizeres de Jacquard1, a sociedade de hoje não vive apenas uma crise, mas uma mutação irreversível. As mudanças em processo, em todos os campos, não são simples distúrbios que, passados, iriam conduzir-nos ao estado anterior. Sobre a superfície deste planeta, a humanidade encontra-se em um tal questionar de posturas e verdades, que a impressão é a de que vivemos um momento de revoluções, e os saberes da Academia, antes absolutos, dão agora espaço a contra-saberes, formatados em novos contextos, sob novos paradigmas2. As ciências da saúde não poderiam fugir deste processo. O hospital, antes tomado como grande centro do conhecimento sanitário, hoje vem cedendo lugar para novos cenários de prática e construção do conhecimento3, estimulantes de um novo processo de formação profissional adequado à era em que passamos a viver. O trabalhador da área de saúde já não pode se contentar com as informações das consultas, sempre em ambiente controlado, se deseja compreender seu paciente. As interfaces culturais de um caso, por exemplo, dificilmente são explicitadas no consultório. Assumindo a complexidade que envolve a definição e os cuidados com o estado de saúde em tempos de pósmodernidade, a atenção dada ao ambiente e à teia de relações que o paciente estabelece quando necessitado de cuidados especiais tem na visita domiciliar um importante instrumento para compreensão dos fenômenos e vicissitudes que o “estar doente” suscitam em um espaço definido. Com o advento do Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil, as visitas domiciliares aparecem como uma das principais diretrizes da estratégia, seja pela possibilidade de se entrar no ambiente familiar e conhecer melhor esta realidade (e assim estabelecer planos de ações pertinentes àquele cenário), seja porque uma série de pacientes antes “esquecidos” pelo sistema de saúde devido às suas impossibilidades de locomoção – como vítimas de acidente vascular cerebral (AVC), paraplégicos, deficientes mentais que se recusam a deixar o domicílio, dentre outros casos –, hoje, podem ter contemplado seu direito ao cuidado e ao atendimento. 254 Contudo, por mais que a proposta se apresente como algo inovador, o simples conhecimento de casos novos não garante a compreensão humana dos problemas enfrentados. A compreensão, como defende Morin4, sempre necessita de uma disposição subjetiva. Torna-se necessário um treino do olhar do profissional, nem sempre atento ou disposto a este cuidado5. Feuerwerker6 lembra, ainda, que mesmo a compreensão das condições de vida, situações socioeconômicas ou da moradia que interferem no processo saúde-doença não bastam para solução dos mesmos se não pudermos nos empenhar na busca de respostas mais potentes para as questões levantadas. A falta de sistematização das visitas, portanto, contribui para desperdício das possibilidades que essa atividade guarda, tornando-se a visita domiciliar, na maioria das vezes, mero espelho da consulta médica e de enfermagem. Este é o produto das reflexões da Equipe Laranja do Programa de Saúde da Família em Belo Horizonte, estabelecida no Centro de Saúde Jardim Montanhês. A proposta abarca, ainda, sugestão de modelo de ficha própria, visando assim à organização das visitas domiciliares e à direção de intervenções. 2. Justificativa O PSF vem cada vez mais se tornando a principal porta de entrada do usuário no sistema de saúde. A demanda crescente nesta fase de expansão do projeto (o número de equipes em atividade no momento é ainda pequeno para atender a totalidade da população) tem sufocado o trabalho dos profissionais de saúde e dificultado o planejamento local das atividades e do cuidado. A responsabilidade sanitária por uma área e o controle e a organização das atividades dão lugar ao atendimento de casos agudos e manutenção de receitas de quadros leves dos diversos agravos, o que contribui para o desgaste dos trabalhadores, que, impossibilitados de enxergar para além das atividades diárias, não vislumbram resultados de seu trabalho e, por vezes, abandonam o PSF ou se entregam à depressão, à desesperança ou ao cinismo (a conhecida síndrome do Burn Out). Sistematizar os instrumentos de atuação do PSF urge enquanto necessidade política e técnica para o sucesso Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira da estratégia. Organizar as visitas domiciliares permitiria otimizar o tempo das equipes, já tão escasso no atual contexto, e definir parâmetros para o acompanhamento da evolução dos casos e consideração sistemática dos aspectos culturais e comunitários envolvidos. 3.Discussão A proposta deste artigo, fruto das reflexões da Equipe Laranja, é a sistematização da visita domiciliar com vias a orientar o plano de cuidado do paciente a partir da compreensão não apenas de sua doença, mas de sua condição enquanto ser humano condicionado e condicionante de um ambiente dado. Coelho 7 inova ao discutir a necessidade de priorização de visitas para determinados pacientes considerados em situação de risco. Contudo, não foi possível, nos trabalhos da Equipe Laranja, estabelecer com clareza a divisão que o citado autor propõe ao classificar as visitas em “visita fim”, com objetivos focais e “visita meio”, voltada para abordagem estratégica. Estiveram, antes, mescladas as características de uma e outra categoria, quando, a partir de uma “visita fim” a um paciente priorizado, como um acamado, pôde-se estabelecer séries de encontros no domicílio para envolvimento da família e traçar metas para a organização do cuidado, com vias à prevenção de agravos e promoção da saúde, quando, então visitas “fim” e “meio” se confundiam, já que o foco sempre esteve sobre um determinado morador, tido como paciente prioritário pela equipe, mesmo quando eram traçadas estratégias envolvendo outros sujeitos. A terminologia, contudo, representa passo importante para objetivação das visitas ao estabelecer que, antes da mesma, é preciso ter em mente um plano, o que também é lembrado no Manual de Assistência Domiciliar na Atenção Primária à Saúde8. Considerando a consulta sob o ponto de vista estritamente biomédico, o trabalho na visita domiciliar (“visita fim”) não difere muito do que pode ser realizado na unidade de saúde, como, por exemplo: controle de pressão arterial (PA) e avaliação de escaras. A riqueza dessa atividade só pode ser revelada se o profissional que executa este trabalho puder 255 enxergar não somente um corpo a ser cuidado, mas um ser humano intrinsecamente ligado ao seu ambiente, influenciandoo e sendo influenciado por ele. Para perceber os detalhes do mundo da vida é necessário treino e o reconhecimento de quais são os aspectos do território domiciliar que podem influenciar na clínica e no cuidado com a pessoa em estado de vulnerabilidade que se apresenta como foco da visita. A vida que se encontra sob cuidado conta com laços familiares e comunitários que permeiam suas crenças culturais sobre o seu estado atual e que precisam ser consideradas para o sucesso na instituição de um plano terapêutico. A discussão organizada pelos autores, a ser apresentada sob a forma de explicação dos tópicos do modelo da ficha de visita domiciliar, a seguir, trata da possibilidade de vislumbrar para além da simples consulta ou do teatral aperto de mãos, troca de afagos e lanches. A visita deve ter um caráter profissional, não social, como lembrado por Savassi et. al.9, para guiar a atenção a um espaço privilegiado de percepção de aspectos da vida do paciente, os quais não aparecem durante conversas na unidade de saúde. Cunha10 aborda essas questões ao discutir a elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS), termo cunhado para sinalizar a importância dada ao indivíduo e seu contexto na organização de um plano de trabalho para a equipe de saúde. Segue-se a explicação dos pontos que deveriam ser observados durante a visita domiciliar e reflexões pertinentes para organização de PTS, de acordo com o modelo apresentado de ficha (figuras 1 e 2). Paciente-alvo: mesmo considerando a atenção que deve ser prestada a toda a família, não há sentido prático na realização de pequenas consultas a todos os membros de uma moradia. A demanda excessiva à qual as equipes estão submetidas torna o tempo um artigo precioso que precisa ser otimizado. Portanto, o paciente-alvo de uma visita, sob o qual se dará o foco da investigação em progresso, é, quase sempre, uma pessoa idosa. Trata-se, principalmente, de pessoa incapaz de se deslocar até a unidade de saúde, seja por dificuldades de deambulação (acidentados), seja por questões de ordem psicológica (determinados pacientes com quadro Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira de esquizofrenia) ou social (caso de alguns cuidadores, que não podem deixar a pessoa sob sua responsabilidade sozinha) e ambiental (como no caso de pacientes idosos que se movimentam dentro de casa, mas moram em regiões de acesso difícil e que exigiria melhor desempenho físico para ultrapassar barreiras como, por exemplo, escadarias). É preciso, neste item, desenvolver um histórico que defina o caráter da dificuldade a qual justifica a visita e resgatar quando, e sob que condições, o paciente foi, pela última vez, atendido em um serviço de saúde. É necessário também entender qual o grau de dependência do paciente para atividades de vida diária (AVDs), tais como higiene pessoal, e suas implicações na elaboração de um plano de cuidado. Neste espaço, é anotado o endereço do paciente, o número de seu prontuário na unidade e quem é o agente comunitário de saúde (ACS) responsável pela área (este profissional é fundamental para descrição e seguimento do caso). Cuidador: em geral, há um cuidador, ou alguém que possa ser identificado como tal. É importante entender quem é essa pessoa e qual o seu vínculo com o paciente-alvo (familiar? profissional?) e seus conhecimentos sobre o problema. Pode ser necessário incluir no PTS um plano de capacitação para o cuidador. É preciso, ainda, atentar para o fato de que o cuidador muitas vezes é também pessoa idosa e que precisa também de cuidados. Lahan e Silva11 observam que é necessário compreender o cuidador, para “... não exigir além de suas possibilidades, mas não aquém de suas potencialidades”. Por vezes existem cuidadores voluntários, treinados, guiados por normas de alguma instituição. O contato com essas pessoas deve ser pautado no contato com a própria instituição (Igreja, Maçonaria etc). Estrutura familiar: quem se envolve com o cuidado na família? Saber responder a essa pergunta ajuda a definir quem são os potenciais parceiros no tratamento e quais são as pessoas que precisam ser envolvidas para o sucesso do mesmo. Ter conhecimento de quais são as expectativas dos familiares em relação ao caso ajuda a equipe a traçar um plano de metas que leva em conta os desejos ou a desmistificação de crenças dos envolvidos. Qual a qualidade da relação entre os familiares e o paciente? De quais crenças comparti- 256 lham? E entre o cuidador e o paciente? E entre os familiares e o cuidador? Existem amigos da família que fazem visitas ou ajudam no cuidado? Será necessário discutir com algum membro da família em particular sobre o seu grau de envolvimento no caso? Para permitir uma visualização mais direta deste aspecto, é fundamental que aqui possa ser desenhado, ao final, um genograma. Necessidades para cuidado e tratamento: muitas vezes, as unidades de saúde têm um programa de fornecimento de material para curativo, além do fornecimento de medicamentos, alguns sob regime de compra especial pela secretaria municipal de saúde. É preciso ter clareza desses aspectos para efetuar o planejamento local de necessidades desses insumos. Medicamentos: é preciso saber como são as condições de estoque. Será que ficam protegidos do alcance de crianças? São organizados de forma clara? Ficam protegidos do calor e da umidade? Quanto ao uso inapropriado... Quem administra? O cuidador sabe aplicar medicamentos, se for o caso? Poderá ser necessária capacitação de cuidadores e familiares, além de orientação específica para o paciente sobre uso, estocagem e efeitos colaterais que influenciem sobremaneira no trabalho, necessitando, por vezes, de reavaliação da prescrição e orientações para o cuidado. Situações como as quedas por uso de benzodiazepínicos e uso de diuréticos (que dificultam, de fato, o trabalho dos cuidadores) precisam ser analisadas. Este tópico não trata de simples lista de medicamentos em uso. Espera-se que esta informação já conste no prontuário do paciente. Alimentação: quem prepara a comida do paciente? A que horas ele come? Qual a relação desses horários com o uso de medicamentos e outras atividades? Pode ser necessário discutir esses aspectos com a família e avaliar se há necessidade de dieta especial. O paciente tem agenda de horários de alimentação diferente do restante da família? Há de se lembrar que o momento das refeições não deve ser fonte de mais ansiedade e pode ser, ainda, oportunidade de reforçar vínculos e tornar o paciente partícipe da rotina normal da família. Se o paciente depende de ajuda para se alimentar, quem está presente neste momento? Algum familiar? Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira Apenas o cuidador? Ferramentas sociais envolvidas: existem organizações comunitárias envolvidas? Em alguns casos, organizações como a Pastoral da Saúde e grupos de auto-ajuda podem e devem ser comunicados sobre o trabalho da equipe, já que, muitas vezes, obtêm um trânsito fácil na família e adquirem, em muitos contextos, empoderamento para discutir a dinâmica familiar, além de poderem assumir o papel de cuidadores externos ou de ajudantes importantes. Por outro lado, organizações previamente envolvidas no cuidado e sistematicamente desconsideradas pela equipe podem se tornar um problema a mais e fonte de conflitos e disputas desnecessários. Os laços que a família e o paciente estabelecem com sua comunidade precisam ser respeitados para a elaboração de um plano de cuidado que contenha uma visão ampliada de saúde. Domicílio: a habitação precisa estar preparada para o cuidado, levando-se em conta tanto o quarto do paciente quanto o acesso a outros locais da casa, como o banheiro e a cozinha, de modo a garantir tanto mais independência para o paciente quanto facilitar o trabalho do cuidador. Ambientes mal preparados, seja pela falta de apoios nas paredes, ausência de cuidado com tapetes ou banheiro adaptado, resultam não apenas em dificuldades para o paciente, mas também em fonte de frustração e agravos, por vezes físicos, como dorsalgias, para os cuidadores. Sabe-se da dificuldade de adaptação de determinados ambientes quando se lida com uma população carente. Contudo, compreender que em médio prazo outros problemas podem ser gerados prepara a equipe para eventualidades e a estimula a usar a imaginação para descobrir alternativas para contornar as dificuldades. Fontes de prazer do paciente: é preciso lembrar que não se trata do cuidado de um mero corpo e satisfação de necessidades puramente sanitárias. As emoções, como defende Maturana12, são fenômenos, também próprios do reino animal, que não podem ser desconsiderados. Um paciente em bom estado geral é o que pode também desfrutar de algumas fontes de prazer. Do que o paciente gosta? Em que atividades o paciente obtém prazer ou com que 257 alimentos ou carinhos? Os familiares se preocupam com isso? Os cuidadores estariam atentos a esse detalhe? Qual a qualidade dos relacionamentos estabelecidos na família e comunidade? Orientações sobre cuidados emergenciais: paciente, cuidador e familiares sabem como proceder em caso de situações de emergência, como quedas, intoxicação ou febre? Qual o pacto que a equipe estabelece com a família? Serão realizadas visitas em caráter de urgência, caso se façam necessárias? Existe uma referência para onde encaminhar o paciente? A família tem um plano sobre o que fazer nessas situações? Em alguns casos pode ser necessário que a equipe intervenha, para organização dos envolvidos no cuidado para esses momentos. Metas: após a avaliação inicial, a equipe precisa traçar um plano de metas e fazer sua avaliação periódica. Além do cuidado estritamente biomédico, o que mais é preciso fazer neste caso? Será necessário traçar um plano de cuidado também para o cuidador? Conversar com mais familiares sobre o seu envolvimento no caso? Elaborar uma visita especialmente para falar a respeito da medicação? Reunir-se com as outras entidades envolvidas no caso? Envolver outro profissional? Qual profissional e como isso seria feito? Dentro de que prazo? Quem é o responsável, na equipe, por essa tarefa? Quando avaliaremos o resultado dessa ação? Qual a periodicidade de visitas necessária? Por quais profissionais? Quais as informações valiosas que o ACS poderá trazer para o restante da equipe no seguimento deste caso e como poderá contribuir para que as metas possam ser atingidas? Este paciente é também atendido por algum serviço privado? Qual é o nível de contato entre esse serviço e os profissionais do setor público? Como estabelecer a comunicação? Não é preciso traçar uma série de metas de uma só vez. A equipe pode eleger uma e, aos poucos, construir a evolução do caso com novas metas, à medida que os resultados atingidos permitam traçar um novo panorama. No quadro apresentado na ficha sugerida, há de se notar que a anotação de metas vem antes dos problemas. Tal cuidado deve-se à atenção que é necessária para que o plane- Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira jamento não se torne mero “tapa-buracos” de uma situação observada. Os problemas devem ser estabelecidos em função dos objetivos pretendidos, e não o contrário. Um problema é, portanto, uma dificuldade para se atingir determinada meta. É preciso, ainda, definir uma estratégia geral e um responsável, na equipe, que se debruce sobre a mesma e fique atento ao prazo. Visitas posteriores: este anexo deve ser preenchido a cada nova visita, estabelecendo objetivos para a mesma em razão das metas e, ao final, a avaliação dos resultados específicos. Não há limites para o número de visitas, o espaço especificado na ficha apresentada neste artigo é apenas ilustrativo. Evolução do caso: Quando são traçadas metas, estabelece-se um prazo para avaliar seu cumprimento. Esse tópico deve ser preenchido a cada reavaliação do caso, permitindo traçar um novo panorama sobre o mesmo e definir novas metas. As datas postas à esquerda tratam das datas das reavaliações (estabelecidas no momento de definição da meta em questão). 4. Considerações finais O uso de ficha de visita domiciliar proporcionou melhor organização do trabalho da equipe Laranja. A ficha pode ser preenchida durante primeira visita e completada em discussão com toda a equipe no centro de saúde. Ao final do prazo de avaliação de um certo número de metas, repensar o caso e proceder ao preenchimento de uma nova ficha, já que, provavelmente, estaríamos com um outro contexto, necessitando de outras metas. Pode ser definido também que uma nova ficha deva ser elaborada a cada novo ano, permitindo assim que a equipe organize sua agenda de cuidados para este período. Alguém da equipe precisa ser responsável pelo seguimento das fichas para que haja garantia de avaliação periódica do plano de metas e cobrança do resultado e desenvolvimento das ações, atribuídas a um determinado profissional, quando de sua elaboração. A utilização da ficha não substitui o prontuário, nem há a pretensão de que a mesma lhe sirva de folha de 258 rosto. O prontuário continua sendo o espaço de anotação dos dados do paciente durante a consulta que, durante a visita, é realizada. A ficha se presta à organização e ao seguimento do plano terapêutico. Ainda que sejam feitas críticas ao modelo biomédico, não há aqui tentativa de desconsiderar sua importância. Ao lado do trabalho proposto para as visitas, deverá sempre constar elaboração de um projeto terapêutico que não desconsidere questões do campo biológico do paciente. O diferencial desta discussão trata da importância que precisa também ser dada ao contexto no qual o paciente está inserido e seus medos e desejos que influenciam na organização do cuidado, inclusive biomédico. Para o sucesso desta proposta, é necessário que toda a equipe se envolva e disponha de período próprio para discussão dos casos. Infelizmente, não é rotina em algumas equipes o agendamento de reuniões semanais. Sem este espaço, não apenas a proposta apresentada, mas quaisquer tentativas de planejamento no PSF não poderão lograr êxito. Este artigo não pretendeu resolver todas as questões relacionadas ao tema. Contudo, a ciência e a humanidade avançam em espiral. Velhos temas tornam-se objeto de estudo e novas questões surgem a cada momento. Assim, espera-se que outros autores possam avançar no que foi proposto, e, assim, possamos, profissionais de saúde no Brasil, construir um conhecimento que seja capaz de dar respostas cada vez mais pertinentes às provocações que este novo mundo nos lança. 5. Referências 1. Jacquard A. Da angústia à esperança: lições de ecologia humana. Petrópolis (RJ): Vozes; 2004. 2. Pereira WCC. Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática. Belo Horizonte (MG), Petrópolis (RJ): PUC Minas, Vozes; 2001 . 3. Bulcão LG. O ensino médico e os novos cenários de ensinoaprendizagem. Rev Bras Educ Méd. 2004; (1): 61-72. 4. Morin E. O método 6: ética. Porto Alegre (RS): Sulina; 2005. 5. Lown B. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Ed.; 1997. 6. Feurwerker L. Reflexões sobre as experiências de mudança Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira Figura 1 – frente da ficha de visita domiciliar Figura 2 – verso da ficha de visita domiciliar 259 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família: reflexões para um olhar ampliado do profissional Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira na formação de profissionais de saúde. Olho Mágico. 2003; (3): 21-26. 7. Coelho FLG; Savassi LCM. Aplicação da escala de risco familiar como instrumento de priorização de visitas domiciliares. Rev Bras Med Família Comun. 2004; (2): 19-26. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Manual de assistência domiciliar na atenção primária à saúde. Porto Alegre (RS): Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição; 2003. 9. Savassi LCM; Dias MF; Dias MB; Sá MMG, Sá MJ. Relatoria do GESF: Módulo Visita Domiciliar. Grupo de Estudos em Saúde da Família. Belo Horizonte (MG): AMMFC; 2006. Disponível em: . Acesso em: 31/12/2006. 10. Cunha GT. A construção da clínica ampliada na atenção básica. São Paulo: Hucitec; 2005. 11. Lahan CF; Silva LA. O cuidador. In: Jacob Filho Wilson (ed.). Avaliação global do idoso: manual da liga do gamia. São Paulo: Atheneu; 2005. 12. Maturana H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte (MG): Editora UFMG; 2002. Endereço para correspondência: Artur Oliveira Mendes Centro de Saúde Jardim Montanhês Rua Leopoldo Pereira, 407 - Bairro Jardim Montanhês Belo Horizonte MG - CEP: 30750-140 Endereço Eletrônico [email protected] 260 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Depressão na Atenção Primária à Saúde Depression in Primary Care Daniel Victor Arantes* Resumo Dos pacientes assistidos em ambulatórios gerais, 10% a 25% são portadores depressão1, representando a segunda causa de consulta, ainda que freqüentemente ignorada ou subdiagnosticada. Médicos generalistas, e não psiquiatras, tratam a maioria dos pacientes com sintomas depressivos2. A depressão ocupa o segundo lugar entre as doenças mais incapacitantes nos países ocidentais3. Na maioria dos países em desenvolvimento, a deficiência na saúde mental é ainda inaceitável, sendo meta da OMS aprimorar o diagnóstico e o tratamento da depressão em ambulatórios gerais em todo o mundo. Várias estratégias comprovam ser custo-efetivas, sendo as principais: educação médica continuada, maior participação da enfermagem e melhor integração entre atenção primária e secundária (especialista psiquiatra)4. Para depressão leve a moderada, estudos de meta-análise mostraram que há pouca diferença de efetividade entre as modalidades terapêuticas e entre antidepressivos, sendo a continuação da terapia o mais importante fator de escolha. Os melhores resultados são obtidos quando há aliança terapêutica entre o profissional de saúde e o paciente e um tratamento adequado é mantido por período suficiente5. Este estudo vem discorrer sobre a importância, diagnóstico e tratamento da depressão na atenção primária e propor estratégias para implementar uma rede efetiva de atendimento, articulada com a atenção secundária. Abstract Ten to 25% of patients assisted in general outpatient care centers suffer from depression1. Although frequently ignored or underdiagnosed, depression is the second most frequent cause of consultations. In most cases, patients with symptoms of depression are assisted by general practitioners instead of psychiatrists2. Depression occupies the second place among the most disabling diseases in the western countries3. In most developing countries, mental healthcare is still unacceptably deficient, and one of the goals of the WHO is improving diagnosis and management of depression in general outpatient care centers all over the world. Several strategies prove cost-effective, mainly: continued medical education, more participation of the nursing personnel and better integration between primary and secondary care (psychiatrist)4. As demonstrated by metaanalytical studies, in the management of light or moderate depression there is little difference in efficiency between different treatment modalities and antidepressants. The most important factor is continuity of the treatment. The best results are achieved when there is therapeutic alliance Palavras-chave: Depressão; Saúde Mental; Atenção Primária à Saúde. Key Words: Depression; Mental Health; Primary Health Care. * Médico de Família e Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Anápolis, GO, Brasil. Bras Med Fam e Com 261 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde between doctor and patient and when an adequate treatment is kept on for sufficient time5. This study discusses the importance, diagnosis and treatment of depression in primary care and proposes strategies for implementing a care network articulated with secondary care. 1. Introdução O termo depressão, na linguagem corrente, tem sido empregado para designar tanto um estado afetivo normal (a tristeza), quanto um sintoma, uma síndrome e uma (ou várias) doença(s). Os sentimentos de tristeza e alegria “colorem” o fundo afetivo da vida psíquica normal. A tristeza constitui-se na resposta humana universal às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. Cumpre lembrar que essa resposta tem valor adaptativo, do ponto de vista evolucionário, uma vez que, por meio do retraimento, poupa energia e recursos para o futuro. Por outro lado, constitui-se em sinal de alerta, para os demais, de que a pessoa está precisando de companhia e ajuda. As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal, a pessoa usualmente preserva certos interesses e reage positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulada. No luto, não se observa a inibição psicomotora característica dos estados melancólicos e os sentimentos de culpa limitam-se ao ato de não se ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu – outras idéias de culpa estão geralmente ausentes. A depressão é considerada quando a tristeza perde sua função adaptativa e o humor segue autônomo persistentemente deprimido. Quando a tristeza ultrapassa o limiar da normalidade, perdendo seu papel adaptativo, e o humor persistentemente e autonomamente se torna deprimido, a depressão é estabelecida6. Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos mais variados quadros clínicos, dentre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, 262 alcoolismo e doenças clínicas. Ela pode ocorrer, ainda, como resposta a situações estressantes ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas6. Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite)6. Finalmente, enquanto doença, a depressão tem sido classificada de várias formas, na dependência do período histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista adotado. Entre os quadros mencionados na literatura atual encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc6. 2. Epidemiologia Transtornos do humor estão entre as desordens que mais freqüentemente levam o paciente ao médico. Estima-se que de 15% a 30% dos adultos apresentem depressão clinicamente significativa em algum momento de sua vida, sendo cerca de 8% transtorno depressivo maior. Esses dados suportam os achados em estudos de Medicina de Família e Comunidade, em que depressão está no ranking das doenças mais prevalentes7. A prevalência em homens é estimada em 7% a 12% e, em mulheres, 20% a 25%. Em ambulatórios de Atenção Primária, sua prevalência é estimada em 5% a 10% de todos os pacientes. Um recente estudo canadense evidenciou que os maiores índices de incidência do transtorno depressivo (1,4% a 9,1% da população) ocorrem entre adultos jovens (idade entre 12 e 24 anos), e os mais baixos índices (1,3% a 1,8%) ocorrem entre pessoas acima de 65 anos. Os índices são significativamente mais altos em pessoas que apresentam determinadas condições médicas como obesidade, diabetes mellitus, câncer e história de infarto do miocárdio2, 8. Sabe-se que muitas pessoas que preenchem os critérios diagnósticos para depressão não seguem tratamento, o que acarreta graves conseqüências pessoais, sociais e econômicas. O transtorno depressivo é responsável por riscos Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde significativos de morte e incapacidade. Cerca de 15% dos pacientes com transtornos do humor morrem “por suas próprias mãos” e pelo menos 66% de todos os suicídios são precedidos por depressão. A depressão está associada à pobre produtividade no trabalho e afeta membros da família e cuidadores e; além disso, há crescente evidência de que crianças de mulheres deprimidas apresentam maiores índices de problemas comportamentais na escola e pior competência social. Ela é ainda causa líder de incapacidade e morte prematura de jovens entre 18 e 44 anos – e estimase que será a segunda causa de incapacidade entre todas as idades até 20208. A maioria dos pacientes deprimidos (60%) recebe tratamento na Atenção Primária. Estima-se que 50% das prescrições de antidepressivos sejam de clínicos, 30% de psiquiatras e 20% de outras especialidades. Apesar da alta prevalência, há uma grande deficiência no diagnóstico e tratamento na prática geral8, 9. Há recomendação formal para pesquisa sistemática de depressão na Atenção Primária, bem como tratamento e seguimento. Muitos instrumentos podem ser facilmente utilizados em ambulatórios gerais, tanto para screening quanto diagnóstico e tratamento1. Uma das escalas mais utilizadas para screening na Atenção Primária é o Beck Depression Inventory Scales – necessita de cerca de dez minutos para ser completada pelos pacientes e já foi validada em Português. Escore acima do ponto de corte indica necessidade de avaliação diagnóstica criteriosa quanto à depressão2, 8. 3. Etiologia Depressão é compreendida como resultado da ruptura da neuroquímica normal do cérebro. Estudos nesta área têm levado ao desenvolvimento de medicamentos novos para o tratamento desse transtorno. Essas drogas parecem interferir nos neurotransmissores das monoaminas centrais. Vias neuronais norepinefrínicas centrais estão envolvidas em atividades de vigilância, motivação e geram níveis de energia. Essas vias neuronais compartilham um papel com vias serotoninérgicas, interferindo na ansiedade e irritabilidade. Vias serotoninérgicas parecem controlar a impulsividade 263 ou ter um papel no controle dela e compartilham um papel com vias dopaminérgicas no apetite, no sexo e na agressividade. Vias dopaminérgicas também estão envolvidas na motricidade, cognição e memória, recompensa e pragmatismo. Nosso crescente conhecimento nesta área tem ajudado na compreensão da etiologia e farmacoterapia dos transtornos do humor. Sabe-se que o tratamento antidepressivo de “longa duração” (em especial além de 30 dias) resulta em ativação sustentada do 3-5-monofosfato de adenosina cíclico (ou AMPc) em regiões específicas do cérebro, que desencadeia reações que regulam e ativam genes específicos, favorecendo restabelecimento da via hipocampal pelo aumento do fator neurotrófico cerebral, uma substancia endógena neuroprotetiva. Estresse psicológico, importante na patogênese da depressão, pode reduzir a produção de o fator neurotrófico cerebral e levar à hipotrofia neuronal hipocampal. Adicionalmente, uma série de estudos de imagem cerebral evidenciam consistentemente redução da atividade neuronal no córtex prefrontal dorsolateral, diretamente relacionado à severidade da depressão. Conclui-se então que uma hipótese atual sobre o desenvolvimento do transtorno depressivo leva em conta a indução de vulnerabilidade por estresse ambiental, que, aliado a suscetibilidade genética própria de cada um, desencadeia uma cascata de mecanismos intracelulares que interferem em fatores neurotróficos específicos necessários para a sobrevivência e funcionamento de determinados neurônios cerebrais. Também há evidencia de que não apenas antidepressivos, mas também eletroconvulsoterapia e psicoterapia podem interferir beneficamente no crescimento neuronal e metabolismo cerebral regional8. 4. Sinais e Sintomas 4.1. Sintomas psíquicos • Humor depressivo: sensação de tristeza, autodesvalorização e sentimentos de culpa. • Redução da capacidade de experimentar prazer na maior parte das atividades, antes consideradas como agradáveis. • Fadiga ou sensação de perda de energia. A pessoa pode relatar fadiga persistente, mesmo sem esforço físico, e as tarefas mais leves parecem exigir esforço substancial. O Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde tempo para a execução das tarefas torna-se mais lento. • Diminuição da capacidade de pensar, de se concentrar ou de tomar decisões, as quais, antes, eram quase automáticas. 4.2. Sintomas fisiológicos • Alterações do sono (mais freqüentemente insônia, podendo ocorrer também hipersonolência). A insônia é, mais tipicamente, intermediária (acordar no meio da noite, com dificuldades para voltar a conciliar o sono) ou terminal (acordar mais cedo pela manhã). • Alterações do apetite (mais comumente perda do apetite, podendo ocorrer também aumento dele). • Redução do interesse sexual 4.3. Evidências comportamentais • Retraimento social. • Crises de choro. • Comportamentos suicidas. • Retardo psicomotor e lentificação generalizada, ou agitação psicomotora. Deve-se ainda lembrar, no diagnóstico das depressões, que algumas vezes o quadro mais típico pode ser mascarado por queixas proeminentes de dor crônica (cefaléia, dores vagas no tórax, abdômen, ombros, região lombar, etc.). A ansiedade está freqüentemente associada. Em idosos, principalmente, as queixas de caráter hipocondríaco costumam ser muito comuns6. 5. Diagnóstico O conceito de depressão maior, como aparece no DSM-IV, é excessivamente abrangente e, por isso mesmo, pouco preciso. Ela abarca provavelmente uma gama muito heterogênea de condições, que vão desde as fronteiras da normalidade (reações de luto ou tristeza normal) até aquelas formas mais graves de depressão, para as quais provavelmente concorrem fatores mais biológicos (adquiridos e/ou geneticamente determinados). Para o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior, de acordo com o DSM-IV, basta que a pessoa apresente “humor deprimido ou perda de interesse ou prazer, durante um período de duas semanas”, mais quatro sintomas de uma lista de nove (ou mais três 264 sintomas, se os dois primeiros estiverem presentes). Assim, por exemplo, se uma moça que brigou com o namorado apresentar tristeza e perda de energia por 15 dias, além de mais três sintomas, como insônia, perda de energia e capacidade diminuída de se concentrar, terá preenchido critérios para Transtorno Depressivo Maior. Um conceito tão amplo certamente não contribui para que se testem hipóteses sobre a etiologia das depressões, resposta a tratamentos biológicos etc. Não serve tampouco para auxiliar na decisão de se medicar, ou não, a pessoa que preencha tais critérios. Já o conceito de melancolia é muito mais preciso e, por essa razão, tem maior valor preditivo quanto, por exemplo, à resposta terapêutica a antidepressivos e ao eletroconvulsoterapia 6. O transtorno depressivo é diagnosticado utilizando métodos similares para condições clínicas. Há necessidade de coleta detalhada e cuidadosa da história familiar do paciente e de seus familiares, exame clínico e investigações especiais, se necessário6. O conhecimento dos fatores de risco para depressão possibilita alto índice de suspeição. Homens apresentando sintomas físicos, fadiga ou redução de energia, insatisfação com o trabalho ou história de episódio depressivo prévio são os mais prováveis candidatos a um episódio atual. Mulheres com distimia, ataques de pânico, consultas freqüentes (mais de sete) também são6. Algumas técnicas podem ser usadas para melhor detecção: Técnica de entrevista - Por poucos minutos é necessário escutar ativamente as queixas e explorar a natureza destas, facilitando ao paciente descrever detalhes. Pesquisa de depressão - Um teste de duas questões tem sido considerado útil no reconhecimento do transtorno na Atenção Primária: (1) Deste o último mês, você freqüentemente tem se sentido triste, deprimido ou sem esperança? (2) Desde o último mês, você tem freqüentemente sentido pouco interesse ou prazer pelas coisas em geral? No caso de respostas afirmativas, o transtorno depressivo deve ser sistematicamente pesquisado. Questões para esclarecer a natureza e extensão dos Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde sintomas depressivos e disfunções associadas: Perda de energia - Você sente perda de energia ou vigor? Redução de concentração – Você acha que pode ler um artigo no jornal ou assistir televisão da mesma forma que sempre? Auto-confidência - O quanto tem sido responsável com os compromissos com outros ou administrando atividades do dia-a-dia? Redução da auto-estima - Qual sua opinião a respeito de si mesmo comparado com outros? Você se acha menos competente? Você se sente inferior ou pior que outros? Desesperança - Como você vê o futuro? Tudo parece muito difícil? Idéias de morte - Você, muitas vezes, sente que a vida não vale a pena? Ou você não se importaria se não acordasse pela manhã? Você tem pensado em se ferir ou até em suicídio? Provável causa da depressão - A que você atribui a causa de sua aflição? O que o fez tão infeliz nesses dias? Ocorreu algo de ruim com você ou sua família nos dias que precederam seus sintomas? Todas as respostas positivas devem ser seguidas por questões a respeito, como: Qual a intensidade e duração dos sintomas? Com que freqüência eles tem ocorrido? Quanto tem interferido os sintomas nas atividades diárias? Qual o tipo de problema? Quais esferas da vida têm sido afetadas – social, pessoal, familiar, ocupacional, etc.? Entrevistando um paciente clinicamente julgado como deprimido que nega ter o transtorno: - Como você descreve seu humor nas últimas semanas? - Descreva-me um pouco como você tem se sentido ultimamente? - Que tipo de coisas você gosta de fazer quando esta fora do trabalho? Você tem feito essas coisas? Você tem sido capaz de aproveitá-las como antes? - Quais eram seus interesses habituais? Você tem perdido interesse nas coisas ultimamente? 6. Diagnósticos diferenciais É importante lembrar que outros transtornos do 265 humor podem apresentar-se com síndrome depressiva, sendo importante pesquisa sistemática de diagnósticos diferenciais por necessidade de tratamento distinto. Depressão menor - Mais prevalente na prática clínica que a depressão maior, o paciente apresenta por mais de duas semanas de dois a cinco sintomas descritos acima. Os pacientes nesta condição podem ter menos sintomas vegetativos (apetite, variação de humor diurna) e mais sintomas subjetivos (“autoculpa”, preocupação, irritabilidade, letargia). O fracasso em tratar apropriadamente esta condição pode ter ao longo do tempo grande impacto na saúde, posição funcional e qualidade de vida, além de custos para os pacientes. A noção que a depressão menor não necessita de tratamento é errônea, sendo as melhores opções para tratá-la: antidepressivos e psicoterapia10. Distimia - Ocorrência de 8% ao longo da vida na população geral8 caracterizada por humor cronicamente deprimido (dois ou mais anos) em um nível mais leve sem comprometimento significativo das atividades diárias11. Transtorno Bipolar do Humor - Ocorrência em cerca de 2% da população geral ao longo da vida8, sendo que de 12,5% a 30% dos pacientes diagnosticados como deprimidos apresentam na verdade transtorno bipolar do humor. Clínicos inevitavelmente encontraram pacientes bipolares, geralmente durante o episódio depressivo. Na maioria desses pacientes, a elevação do humor é representada pela hipomania (Bipolar tipo II), havendo necessidade de questionamento específico a respeito da história do paciente ou se estes permaneceram subdiagnosticados. Os episódios depressivos podem ser mais refratários, com mais sintomas físicos e possibilidade de virada maníaca, havendo necessidade de estabilizador do humor (carbonato de lítio, ácido valpróico e carbamazepina) antes da terapia antidepressiva12. Considerar referir para o psiquiatra. 7. Tratamento Assim que a depressão é diagnosticada, o tratamento deve ser instituído de forma adequada e os antidepressivos são a principal forma de tratamento, embora outras opções estejam disponíveis. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde Tratamento medicamentoso Escolha da medicação - Não há diferença de eficácia entre antidepressivos, mas, sim, de modo de ação e efeitos colaterais. A escolha dever ser feita com base em diversos dados referentes ao paciente (idade, comorbidades, resposta anterior) e ao fármaco (custo, efeitos colaterais e disponibilidade). Antidepressivos tricíclicos são bem conhecidos por sua eficácia, no entanto os efeitos anticolinérgicos tendem a limitar seu uso em idoso e pacientes com comorbidades. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), por outro lado, mostraram-se seguros nesses pacientes. Antidepressivos com perfil sedativo, como doxepina, trazodona e mirtazapina, devem ser de escolha em pacientes agitados ou com insônia11. Na Atenção Primária, baixas doses se mostraram efetivas no acompanhamento da maioria dos pacientes13. Início do tratamento - Informar o paciente a respeito do tratamento medicamentoso e iniciar a mínima dose efetiva do medicamento escolhido. Não é recomendado iniciar múltiplos fármacos ou em subdose. No entanto, pode ser prudente iniciar tratamento com metade da dose habitual em pacientes debilitados, crianças e adolescentes (risco de suicídio) e idosos11. Monitoramento - O efeito antidepressivo se inicia entre duas a quatro semanas após o início do tratamento. O paciente deve ser monitorado neste período quanto à resposta e aos eventos adversos. A decisão de aumentar a dose somente deve ser considerada após duas a quatro semanas e o medicamento não deve ser descontinuado (se tolerado) até que se complete seis a oito semanas. Após estabilização clínica, o paciente pode ser acompanhado por um período mensal. É essencial questionar a família a respeito do uso adequado do medicamento pelo paciente, visto que a não-aderência é comumente uma das razões de não resposta11. Duração do tratamento - Após melhora do paciente, é necessário manter o tratamento por um período de pelo menos um ano para prevenir recaídas. Antidepressivos são freqüentemente prescritos na Atenção Primária, no 266 entanto por períodos curtos de tempo. Este tipo de prescrição freqüentemente leva a cronicidade do quadro11. Educação do paciente e da família - Os pacientes e os membros da família freqüentemente carregam estigmas acerca da depressão e seu tratamento. Durante este cuidado algumas informações mínimas são necessárias, como por exemplo: (1) depressão é doença comum e há tratamento efetivo disponível; (2) depressão não é fraqueza ou preguiça; (3) depressão pode afetar a capacidade de decisão; (4) suporte emocional e prático de familiares e amigos é recurso muito válido; (5) antidepressivos não provocam dependência11. O que referir ao psiquiatra - As principais indicações são: (1) paciente expressa ativa intenção suicida (“Eu quero me matar!”); (2) falha de resposta aos medicamentos em doses e período adequados; (3) comorbidades como transtorno obsessivo compulsivo ou abuso de substancias; (4) pacientes com doença grave, com sintomas psicóticos ou severa agitação; (5) pacientes preferindo psicoterapia, como terapia cognitiva comportamental. É necessário explicar ao paciente e à família a razão pela qual se decidiu pela referência11. Considerações Especiais Crianças e Adolescentes Há evidência insuficiente para recomendar a pesquisa rotineira de depressão em crianças e adolescentes, embora clínicos devam estar alerta sobre sinais e sintomas em indivíduos jovens2. A incidência de adolescentes com depressão aumenta de 1,5% para 8% de amostras de comunidade para ambulatoriais, respectivamente. Apesar do risco de depressão ser equivalente em garotos e garotas pré-púberes, o risco de garotas aumenta após puberdade. Os índices mais alarmantes são de grávidas e pós-parturientes, provavelmente devido ao impacto do recém-nascido. Sintomas de depressão têm sido identificados em mais de 68% de adolescentes grávidas e 47% de pós-parturientes14. Crianças abaixo de seis anos raramente apresentam o transtorno, sendo a incidência em torno de 2% em pré-adolescentes2. Há crescente evidência de que crianças de mulheres deprimidas apresentam maior risco de problemas escolares e comportamentais, além de Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde baixos níveis de competência social em comparação com as que não tem8. Indivíduos com inicio precoce de depressão têm alta carga genética ou familiar predisponente. Independente do fator envolvido, é importante o trabalho familiar. Uma das formas de avaliar depressão em crianças e adolescentes é avaliar familiares para depressão, sendo particularmente importante avaliar adolescentes1. Depressão interfere no desenvolvimento dos adolescentes – que não vão bem na escola, têm dificuldades nos relacionamentos, mais freqüentemente cometem suicídio, abusam de álcool e drogas e estão sob maior risco de desenvolver depressão na idade adulta14. Dificuldades podem persistir por longos períodos após o episódio terse resolvido. O diagnóstico pode ser difícil por problemas de comunicação – parece ser raro em crianças abaixo de seis anos. Aproximadamente 2% de crianças em idade escolar fundamental apresentam depressão, e este índice cresce para 8% em adolescentes2. O uso de serviços de saúde mental por adolescente é baixo. Crianças e adolescentes com transtornos mentais freqüentemente permanecem subdiagnosticados e não recebem tratamento de fonte alguma. Profissionais de saúde de ambulatórios gerais são, geralmente, a porta de entrada para os serviços especializados, mas estudos têm demonstrado que não são capazes de reconhecer depressão em metade dos pacientes. Estes profissionais devem rotineiramente pesquisar depressão em garotas adolescentes como diagnóstico diferencial de desordens somáticas14. Feito o diagnóstico, é de suma importância determinar o risco de suicídio e solicitar auxílio imediatamente para adolescentes de alto risco. Tanto medicações quanto terapia são indicados. Inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS) são os medicamentos de escolha por serem associados a menores riscos e toxicidade, menos efeitos colaterais, além de serem mais fáceis de se usar. Devem ser iniciados em dose baixa (tipicamente metade da dose do adulto) e aumentados lentamente (incremento equivalente à metade da dose inicial), e mantido por um período livre de sintomas de no mínimo seis meses antes que seja descontinuado. Se houver episódio prévio de depressão, 267 terapia de longa duração é preferida. Importante frisar que algumas indústrias farmacêuticas fazem alerta para o risco de uso de alguns medicamentos em crianças e adolescentes (Wyeth Pharmaceuticals para Effexor e GlaxoSmithKline para Paxil)14. Psicoterapia interpessoal tem demonstrado ser eficaz no tratamento de depressão em garotas adolescentes, provavelmente grande papel de desajustes em relacionamentos interpessoais no desenvolvimento da depressão, devendo ser então, se possível, encaminhados para este tipo de tratamento. Terapia cognitiva também se mostrou efetiva e terapia familiar freqüentemente está indicada14. Quanto a gestantes, profissionais de saúde da Atenção Primária devem escolher entre tratar, co-tratar ou referir estas adolescentes para serviços de saúde mental. Alguns antidepressivos, em especial ISRS, são considerados de baixo risco na gestação, no entanto dados precisos ainda não estão disponíveis14. Idosos Há pouca evidência sobre efetividade de tratamentos antidepressivos na população idosa acompanhada na Atenção Primária, particularmente aqueles com transtornos depressivos mais leves. Idosos em geral tomam mais medicações, sendo antidepressivos mais freqüentemente contra-indicados. Neste caso, intervenções não-farmacológicas podem ser bem indicadas, necessitando de mais estudos validar seu uso15. Antidepressivos são efetivos em idosos. A regra “comece baixo, vá devagar” é adequada e o uso de novos agentes, em particular aqueles com mínima inibição de CYP450, é apropriado e seguro, mais que antidepressivos tricíclicos ou IMAO8. A prevalência de depressão em adultos acima de 65 anos de idade aumenta de 7% para 36% em pacientes ambulatoriais e 40% em hospitalizados. Mais de 50% de pacientes com doença de Alzheimer ou Parkinson desenvolvem transtornos depressivos e seus cuidadores também estão em maior risco. Sinais de depressão mais comuns nos idosos que em outras populações incluem diminuição Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n°8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde de cuidados pessoais, irritabilidade e retardo psicomotor. Diagnóstico e tratamento precoces melhoram qualidade de vida e status funcional e podem impedir morte prematura. A aplicação de escalas em idosos pode estar dificultada por déficits visuais e cognitivos. Uma questão de um item para screening pode ser tão efetiva quanto outros testes e poupar tempo: “Você se sente triste ou deprimido?”2. Os resultados do presente estudo evidenciaram que a EDG-15 é um instrumento válido para o rastreamento dos transtornos do humor, sugerindo que a escala pode ser utilizada na prática clínica para a identificação destes transtornos na população geriátrica ambulatorial brasileira. O ponto de corte 5/6, sugerido inicialmente pelos autores que traduziram a escala para o português, e corroborado por outros autores, mostrou-se adequado também na atual amostra. Dada a alta prevalência, suas dificuldades diagnósticas e o baixo nível de reconhecimento clínico dos transtornos do humor, a EDG-15, se adequadamente utilizada, pode se tornar um instrumento valioso de saúde pública na identificação e no controle destas condições em ambientes não-especializados16. Recomendações para Tratamento da Depressão na Atenção Primária A maioria dos pacientes deprimidos deve ser tratada em ambulatórios gerais, pelo clínico somente, ou (para a depressão mais grave) em conjunto com psiquiatra. • Planos de tratamento sempre devem ser fundamentados na avaliação completa do quadro, incluindo: tipo; gravidade e duração do episódio depressivo; presença de qualquer estressor que contribua para o episódio. • Para a depressão leve a moderada, estudos de meta-análise mostraram que há pouca diferença na eficácia relativa entre os diversos tratamentos, e a continuação da terapia é mais importante do que a escolha do tratamento inicial. • Os melhores resultados são alcançados quando uma boa aliança terapêutica é formada entre um profissional e o paciente, e o tratamento adequado é fornecido por 268 período de longo prazo. Para intervenções farmacológicas, o tratamento deve se estender para: • pelo menos um ano no caso do primeiro episódio depressivo; • pelo menos dois anos, no caso de episódios recorrentes ou onde há permanência de fatores de riscos associados5, 17. Intervenções para Melhorar a Assistência à Depressão na Atenção Primária Gestores políticos e de saúde pública devem adotar estratégias para melhorar o tratamento de depressão na atenção, sendo esta estratégia considerada custo-efetiva por diversos estudos e demonstrou ter efeito positivo na economia de um modo geral, por aumento de produtividade e redução de absenteísmo18, 19, 20. O tratamento da depressão na Atenção Primária pode ser comprometido por limitações da eficácia, aceitabilidade e pouca disponibilidade de tratamentos existentes. As melhoras no tratamento podem originar-se das ações individuais de clínicos e da disponibilização de novas formas do tratamento. Clínicos podem assegurar tratamento adequado mantendo-se atualizados a respeito do transtorno depressivo, sempre atentos para o diagnóstico e seguindo recomendações atualizadas de tratamento disponibilizadas por meio de treinamentos, discussões com colegas e leitura19. Informações sobre o transtorno e estratégias de auto-ajuda, oferecidas de forma verbal ou escrita e dirigidas a pacientes e cuidadores, melhoram a aderência e os resultados do tratamento. Dentro da Atenção Primária, a provisão de tratamentos psicológicos simplificados por outros membros da equipe, como enfermeiras, deve ser instigada e avaliada19. Os coordenadores e gestores da Atenção Primária devem apoiar tais iniciativas, tanto oferecendo suporte aos profissionais de saúde quanto estabelecendo contato com agências governamentais e não-governamentais solicitando suporte estratégico e de pesquisa19. Rede especializada deve oferecer suporte executivo e treinamento aos profissionais da Atenção Primária, além Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde de tratamento de casos resistentes. Em vista da alta prevalência e incidência de depressão na atenção e da escassez de recursos, supõe-se que modestos investimentos na assistência a pacientes deprimidos possam resultar em benefício considerável19. Referências 1. Bromberger JT. A psychosocial understanding of depression in women: for the primary care physician. J Am Med Womens Assoc. 2004 Summer; 59(3):198-206. 2. Sharp LK, Lipsky MS. Screening for depression across the lifespan: a review of measures for use in primary care settings. Am Fam Physician. 2002 Sep 15;66(6):1001-8. 3. Murray CJ, Lopez AD. Global mortality, disability, and the contribution of risk factors: Global Burden of Disease Study. Lancet. 1997 May 17;349(9063):1436-42. 4. 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Endereço para correspondência: Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Daniel Victor Arantes Depressão na Atenção Primária à Saúde Daniel Victor Arantes Praça James Fanstone,10 / 2º andar Anápolis, GO CEP 75020-330 Endereço eletrônico: [email protected] 270 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil Challenges for the implementation of the Family Planning Program in a low-income community in aracaju, Sergipe, Brazil Bárbara de Alcântara Brito Maia* João Batista Cavalcante Filho** Valeska Holst Antunes*** Resumo Um estudo das características reprodutivas e do significado do planejamento familiar para mulheres em idade fértil e para a equipe de saúde que as assiste foi realizado em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (SE). Na etapa descritiva, foram aplicados questionários estruturados a 90 usuárias de uma Unidade Básica de Saúde, por sorteio aleatório das pastas-família, contendo dados pessoais e da vida reprodutiva. Esta etapa foi seguida de uma abordagem qualitativa, na qual foram realizados grupos focais com seis usuárias e com a equipe de saúde, utilizando questionários semi-estruturados para avaliar a prática de planejamento familiar. As mulheres mostraram que conhecimento e oferta de métodos anticoncepcionais não garantem um planejamento familiar adequado. Mais de 97% das participantes referiram conhecer a camisinha, a pílula e o injetável, e 73,6% das sexualmente ativas praticam anticoncepção, mas 76% daquelas que já engravidaram referiram uma ou mais gestações não-planejadas. Nos grupos focais, outras abordagens do planejamento familiar, como assistência à pré-concepção, acesso ao homem e educação em saúde, mostraram que precisam ser trabalhadas pela equipe para que as usuárias programem melhor sua prole. Abstract A study on the reproductive characteristics and the meaning of family planning for childbearing age women and for the health team providing care to them was conducted in a low-income community in Aracaju - SE. In the descriptive stage of the study structured questionnaires were applied to 90 users of a Primary Care Unit random-selected from the family files containing personal data and information about the reproductive life of the women. This stage was followed by a qualitative approach in focal groups with six users and the health team applying semi-structured questionnaires for assessing the practice of family planning. The study showed that knowledge and offer of contraceptive methods are no guarantee of proper family planning. More than 97% of the participants related knowing about the condom, the pill and the contraceptive injection. 73,6% of the sexually active women practiced Palavras-chave: Planejamento Familiar; Anticoncepção; Medicina Reprodutiva; Educação em Saúde. Key Words: Family Planning (Public Health); Contraception; Reproductive Medicine; Health Education. * Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe - UFS -, Aracaju (SE), Brasil. ** Médico Sanitarista e de Família e Comunidade, Professor Substituto do Internato de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Sergipe - UFS, Aracaju (SE), Brasil. *** Médica de Família e Comunidade, Supervisora Técnica do Internato de Medicina Preventiva da Universidade Federal de Sergipe - UFS -, Aracaju (SE), Brasil. Bras Med Fam e Com 271 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil contraception but 76% of those who already had had a pregnancy referred to one or more unintended gestations. The focal groups revealed the need for other approaches to family planning such as preconception care, access to the partners and education in health to be developed by the team in order to help the users to better plan their offspring. disponibilidade de MAC, ainda se observam famílias numerosas e índices elevados de casos de gravidez nãoprogramada12,14. Para entender o contexto em que fenômenos como esse ocorrem e compreender as problemáticas circunscritas a grupos culturalmente homogêneos, a integração da metodologia quantitativa e qualitativa de pesquisa é uma excelente opção de investigação na área da saúde. Além de mensurar fenômenos, ela é capaz de propiciar um conhecimento aprofundado do evento, possibilitando a explicação de comportamentos. Muitas vezes é a compreensão da realidade que explica por que políticas de ações generalizantes, não só no âmbito do planejamento familiar, podem ser rejeitadas ou apenas parcialmente aceitas por determinados grupos populacionais. Perceber as causas subjacentes às atitudes e aos discursos dos indivíduos é extremamente relevante para que as intervenções na produção da saúde apresentem os resultados esperados15. Este trabalho teve por objetivo estudar as características reprodutivas e o significado do planejamento familiar para mulheres em idade fértil e avaliar a prática do planejamento familiar em uma comunidade de baixa renda no município de Aracaju (SE), por meio da realidade das usuárias de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e dos profissionais de uma equipe de saúde da Unidade. Pretendemos, a partir os resultados, fornecer subsídios aos profissionais de saúde da equipe em questão e a outros profissionais que se confrontam com as dificuldades de implantar, de forma mais integral, a proposta do programa de atenção à saúde reprodutiva na sua prática cotidiana, orientando caminhos para trabalhar com a comunidade adscrita ao serviço de saúde e estimular outros estudos dessa natureza. Introdução Criado em 1983, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) representou uma ruptura conceitual com os princípios norteadores das políticas de saúde1. O Ministério da Saúde, em resposta aos grupos organizados de mulheres e às reivindicações de movimentos sociais, elaborou um modelo assistencial que leva em conta a vulnerabilidade e os riscos a que a mulher está susceptível em todas as fases do seu ciclo vital – e não apenas no ciclo gravídico-puerperal. Esse modelo inclui ações educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a assistência à mulher no pré-natal, parto e puerpério, em planejamento familiar, DST/AIDS, câncer de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres2, 3, 4. Dentro dessa linha de cuidado entendido como caminho singular que cada usuário pode percorrer dentro de uma rede de saúde, acessando diferentes ofertas do sistema, as ações em planejamento familiar vieram finalmente garantir aos indivíduos o direito de uma vida sexual plena e uma melhor programação de sua prole. As políticas de controle da natalidade vigentes no país até o início dos anos 1980 foram vencidas pelas políticas de saúde reprodutiva previstas na Constituição Federal e na Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, a qual regulamentou o planejamento familiar5, 6, 7, 8, 9, 10, 11. As mulheres passaram a conhecer e a usar mais os métodos anticoncepcionais (MAC), puderam decidir o melhor momento para terem seus filhos e contribuíram com isso para a queda da taxa de fecundidade total no Brasil de 3,5 em 1986 para 2,3 em 200012,13. É importante, no entanto, ressaltar que essa taxa representa uma média. Em comunidades mais carentes, mesmo com a vasta fonte de informação, conhecimento e 272 Metodologia Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa e qualitativa desenvolvido em duas etapas complementares entre si: a primeira, descritiva, de corte transversal, e a segunda, de investigação social, com grupos focais de pesquisa em Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil saúde. quantitativos aos qualitativos, foi utilizada a técnica do grupo focal, ou entrevista em grupo, como fonte de dados para a pesquisa15, 16. Foram realizados três grupos focais: os dois primeiros com usuárias e o terceiro com a equipe de saúde, no período de janeiro e fevereiro de 2007. Para o primeiro grupo foram convidadas oito mulheres selecionadas de acordo com o perfil da vida reprodutiva a partir do questionário da primeira etapa. Duas mulheres compareceram ao local determinado para a realização do grupo. No segundo grupo, objetivando-se um maior número de participantes, foi solicitado a cada ACS que convidasse duas mulheres (dez, no total) consideradas mais participativas nos eventos da UBS voltados para a comunidade. Quatro mulheres participaram desta vez. No terceiro e último grupo, quase toda a equipe de saúde esteve presente, incluindo um médico, um enfermeiro, seis ACS, um assistente social e um auxiliar administrativo, faltando apenas um auxiliar de enfermagem, que, então, estava de férias. O médico e o enfermeiro foram integrados à equipe há pouco mais de seis meses. Para orientar a condução dos grupos, questionários semi-estruturados foram elaborados. Para os grupos de usuárias esse roteiro continha os seguintes tópicos: conceito, importância, papel do parceiro e da UBS em relação ao planejamento familiar. Já para o grupo da equipe de saúde: forma de funcionamento do Programa de Planejamento Familiar e obstáculos na efetivação do Programa. Ao fazer parte do grupo, cada participante era informado que suas falas seriam gravadas durante a reunião e o resultado, isto é, o discurso, seria utilizado para o presente estudo, garantindo anonimato e sigilo. Todos se dispuseram voluntariamente a participar e assinaram outro TCLE. Para o tratamento dos dados, as fitas foram transcritas e o material, lido e relido várias vezes. Utilizamos o Método de Análise de Conteúdo, seguindo a técnica de Análise de Avaliação, a qual consiste em encontrar as bases das atitudes por trás da dispersão das manifestações verbais17. As informações fornecidas pelas usuárias foram A pesquisa foi realizada no bairro Santa Maria do município de Aracaju (SE). Neste bairro, três UBS dividem o atendimento em Atenção Primária à Saúde à população. Dentre elas, a Unidade de Saúde Elizabeth Pita foi escolhida para o desenvolvimento do trabalho por questões de fácil acesso de um dos pesquisadores aos profissionais e à comunidade após estágio supervisionado de 15 semanas referente ao Internato de Medicina Preventiva da Universidade Federal de Sergipe. Para a realização da primeira etapa da pesquisa, trabalhamos com uma amostra de 90 mulheres com idades de 15 a 49 anos, de um total de 855 usuárias de uma equipe de saúde da UBS, por meio de sorteio aleatório das pastasfamília. Essa amostra, considerada significativa, foi calculada com um nível de confiança de 95%, por meio do programa Epi Info versão 6.04. Foi aplicado por um mesmo pesquisador um questionário estruturado a cada mulher em sua residência, acompanhado pelo agente comunitário de saúde (ACS) da microárea correspondente, no período de novembro e dezembro de 2006. No caso da mulher não estar em casa, após duas tentativas, foi entrevistada a mulher de idade mais próxima da casa vizinha. Foram coletados dados pessoais, informações a respeito da vida reprodutiva e conhecimento e uso de MAC. Cada mulher recebeu um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual informava os objetivos do trabalho e o compromisso de manter as informações pessoais colhidas em sigilo. A participação foi voluntária, e só após a leitura e a assinatura do TCLE, a mulher pôde ser incluída no estudo. Após o processamento dos dados, procedeu-se inicialmente a análise estatística descritiva. Tratamos os resultados brutos de maneira a serem significativos e válidos. Operações estatísticas simples, do tipo freqüência absoluta, freqüência relativa e média permitiram estabelecer tabelas, as quais sintetizaram e consolidaram de maneira objetiva as informações fornecidas para análise. Em uma segunda etapa, integrando os dados 273 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil codificadas pela letra “U”, enquanto as da equipe de saúde foram codificadas de acordo com o cargo profissional. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe. uma ou mais gestações não-planejadas. Em relação às mulheres que já tinham abortado (n=29), a média de abortos foi de 1,51 ± 1,02 por mulher, sendo que, para cada dois abortos ocorridos, um foi provocado pela mulher. • Conhecimento de métodos anticoncepcionais Resultados • Caracterização sociodemográfica Quase a metade das mulheres da pesquisa tinha idades de 20 a 29 anos (48,9%) na ocasião da entrevista e a grande maioria referiu viver em coabitação com o parceiro (73,4%), fossem elas casadas ou unidas consensualmente. A maior parte delas não terminou o Ensino Fundamental (48,0%) e dois terços relataram como atividade os afazeres do lar (Tabela1). Tabela 1. Características sócio-demográficas das usuárias (n=90) - Aracaju (SE) nov./dez. 2006 Idade (anos) 15-19 20-29 30-39 40-49 Situação Conjugal Solteira Unida** Não unida*** Escolaridade Nunca estudou Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo Ensino superior Atividade Afazeres do lar Estudante Empregada doméstica Autônoma Outros * Freqüência absoluta ** Casada ou unida consensualmente *** Separada, divorciada ou viúva. Fa* 19 44 21 06 % 21,1 48,9 23,3 6,7 21 66 03 23,3 73,4 3,3 02 43 07 01 2,2 48,0 17,7 1,1 60 10 08 03 09 66,7 11,1 8,9 3,3 10,0 Fonte: Dados da pesquisa. • História obstétrica Das mulheres que já tinham engravidado (n=75), a média de gestações foi de 2,84 ± 2,07 por mulher. Setenta e seis por cento dessas mulheres afirmaram que já tiveram 274 Dos métodos reversíveis, os mais conhecidos foram o preservativo masculino, a pílula e o injetável, tendo sido citados por mais de 97% das respondentes, seguidos pelo preservativo feminino (93,3%), DIU (88,9%), coito interrompido (88,9%) e tabela (76,7%). Já a temperatura basal, o muco cervical e o espermicida foram os menos conhecidos, tendo sido ignorados por 98,9%, 97,8% e 96,7% das mulheres, respectivamente. Outros métodos que também apareceram com um elevado percentual de desconhecimento foram o diafragma (66,7%) e a pílula de emergência (58,9%). Os métodos irreversíveis foram pouco citados espontaneamente, mas quase todas as mulheres confirmaram conhecê-los após lembrados, sendo a ligadura das trompas (97,8%) ainda mais conhecida que a vasectomia (94,4%) (tabela 2). • Uso de contraceptivos Em relação ao uso dos 14 métodos questionados, apenas seis eram usados. O preservativo masculino foi referido como o método mais utilizado tanto por todas as mulheres como pelas mulheres unidas e pelas sexualmente ativas, seguidos pela pílula e a ligadura tubária. O injetável apareceu como o quarto método mais usado e o coito interrompido e a vasectomia como os menos usados (tabela 3). Apesar de o preservativo masculino ter sido relatado como o método mais usado, apenas 25% das mulheres sexualmente ativas relataram a prática da dupla proteção. Isto quer dizer que, mesmo o uso sendo referido, ele não acontece em todas as relações sexuais. Ainda com relação ao uso dos métodos, verificamos que 50% das usuárias de pílula não reiniciaram nova cartela do anticoncepcional no prazo estabelecido e que 100% das usuárias do injetável disseram obedecer aos prazos estabelecidos para a nova injeção. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil Trinta e sete por cento das mulheres (n=34) afirmaram não estar usando nenhum método atualmente. Destas, a porcentagem mais preocupante corresponde a 26,4%, na qual estão incluídas aquelas que eram indiferentes ao uso ativa (26,5%), eram virgens (14,7%) ou estavam tentando engravidar no momento da entrevista (2,9%). • Início da vida sexual e do uso dos MAC A idade média do início da vida sexual e do início Tabela 2. Conhecimento das usuárias sobre os métodos anticoncepcionais - Aracaju (SE) nov./dez. 2006 Relação dos MAC Pílula Injetável DIU Preservativo Masc. Preservativo Fem. Diafragma Espermicida Pílula de emergência Tabela Muco cervical Temperatura basal Coito interrompido Vasectomia Laqueadura Citou o MAC espontaneamente Confirmou conhecer o MAC após lembrado Conheciam o MAC Não conheciam o MAC Fa % Fa % Fa % Fa % 89 46 45 88 14 09 22 01 03 02 08 98,9 51,1 50,0 97,8 15,5 10,0 24,5 1,1 3,3 2,2 8,9 42 35 02 70 21 03 37 47 02 77 83 80 46,7 38,9 2,2 77,8 23,3 3,3 41,1 52,2 2,2 85,6 92,2 88,9 89 88 80 90 84 30 03 37 69 02 01 80 85 88 98,9 97,8 88,9 100,0 93,3 33,3 3,3 41,1 76,7 2,2 1,1 88,9 94,4 97,8 01 02 10 06 60 87 53 21 88 89 10 05 02 1,1 2,2 11,1 6,7 66,7 96,7 58,9 23,3 97,8 98,9 11,1 5,6 2,2 Fonte: Dados da pesquisa. Tabela 3. Porcentagem de mulheres que estão usando algum método atualmente, segundo o tipo de método - Aracaju (SE) nov./dez. 2006 Método (n=90) Algum método Métodos Reversíveis Preservativo masculino Pílula Injetável Métodos Tradicionais Coito interrompido Métodos irreversíveis Ligadura tubária Vasectomia Todas as mulheres Mulheres unidas (n=66) Mulheres sexualmente ativas (n=76) 62,2 71,2 73,6 28,9 20,0 8,9 31,8 19,7 9,1 31,5 23,6 10,5 3,3 4,5 3,9 13,3 3,3 16,6 4,5 15,7 3,9 Fonte: Dados da pesquisa. do MAC (11,8%), que estavam no puerpério (8,8%) e que mencionaram uma possível infertilidade (5,9%). As demais (73,5%) estavam grávidas (29,4%), não tinham vida sexual 275 do uso de MAC foi calculada por faixa etária e está representada na tabela 4. Uma grande parcela das mulheres referiu ter iniciado a vida sexual com 15 anos ou menos (37,3%); Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil contudo, apenas 19% do total relataram ter iniciado algum MAC antes dos 15 anos. • Obtenção de informações sobre MAC A idade média de obtenção das primeiras informações sobre MAC está representada na tabela 4, sendo que a maior parte das mulheres (49,4%) garantiu que, com 15 anos ou menos, já sabia de algum meio para evitar gravidez. que escolheram a vasectomia como MAC para o casal. Do total dessas mesmas mulheres que referiram atividade sexual, 26,6% disseram ter parceiros que não aceitam o uso de um ou mais MAC, incluindo o preservativo masculino, com 90% de rejeição por esses homens, o DIU (15%), a pílula (10%) e a tabelinha (10%). Não foram aqui incluídos os métodos definitivos. Tabela 4. Idade média (em anos) do acontecimento de alguns eventos em relação à faixa etária - Aracaju (SE) nov./dez. 2006 Faixa etária no momento da pesquisa Primeiras informações de MAC Início da vida sexual Início do uso de MAC 15-49 15-19 20-29 30-39 40-49 16,61 +/- 4,05 13,52 +/- 1,60 16,00 +/- 2,50 20,20 +/- 5,42 19,00 +/- 2,54 17,21 +/- 3,62 14,61 +/- 1,84 17,04 +/- 2,97 19,35 +/- 4,33 17,66 +/- 4,71 19,40 +/- 4,65 15,07 +/- 2,01 18,90 +/- 3,20 22,36 +/- 5,49 23,66 +/- 5,60 Fonte: Dados da pesquisa. Com relação à fonte das primeiras informações sobre MAC, as principais foram representadas por amiga (22,2%), enfermeiro (21,1%), professor (21,1%) e mãe (13,3%), enquanto um outro parente (6,6%), o médico (6,6%), o parceiro (3,3%), outro profissional de saúde (2,2%) e os meios de comunicação (2,2%) estavam incluídos nos 22,3% restantes. A UBS também teve participação na obtenção das informações a respeito dos MAC, sendo 71,1 a porcentagem de mulheres que já tinham tido algum contato com os profissionais de saúde da Unidade no processo educativo do planejamento familiar. O enfermeiro mostrou papel de destaque, quando 86% das mulheres disseram já ter conversado com ele sobre planejamento familiar, vindo em seguida o ACS (50%) e o médico (42,1%). • Participação do parceiro na anticoncepção Das mulheres sexualmente ativas, 61% afirmaram ter parceiros que auxiliam no processo de anticoncepção, seja usando o preservativo masculino, seja lembrando-as de tomar o anticoncepcional. Dentre eles, estão ainda aqueles 276 • Grupos focais com usuárias Os grupos iniciaram com o questionamento sobre a compreensão das usuárias em relação ao conceito de planejamento familiar. As respostas tomaram duas vertentes. A primeira (de uma idéia) diretamente ligada aos métodos anticoncepcionais: “É assim quando você vai evitar filho. Os métodos [...] que existem” (U1); “No posto de saúde, a gente pega o preservativo, pega o anticoncepcional para evitar” (U3). Outras não souberam responder qual seria o significado de planejamento familiar: “Eu estou com problema no eletrocardiograma [...] Aí eu tive que procurar a equipe, né. Eles que tem que me orientar o que é que eu devo fazer. Eu acho que pra mim isso é um planejamento familiar, né” (U4); “O agente (ACS) vai às casas, vê quem mora e bota nas pastas para ver quantas pessoas moram naquela casa, qual a área do cartão. Eu acho que é isso” (U5) ou ainda “Não entendi ainda bem o que é” (U2). No andamento do estudo com o grupo, contudo, estas mesmas mulheres apresentaram uma visão muito clara e bem menos limitada do planejamento familiar ao relatarem suas vivências: “Quando a gente resolveu ter filho começou Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil a guardar dinheiro para ajudar o menino [...] Então nós planejamos direitinho. Então eu digo que não estamos passando necessidade” (U1); “Eu tive três [filhos]. No tempo eu já sabia que podia evitar, mas queria ter meus filhos. Também, depois que tive os três, aí liguei [ligadura tubária]” (U4); “Antes de casar eu fui para um médico. Fui pedir ajuda para ele, porque não sabia nada [...] ele me ensinou [...] fiz todos os exames” (U1). Houve um consenso de que hoje todas as mulheres têm acesso à informação sobre MAC. Ainda assim, as usuárias mostraram situações vividas que contrapõem essa aferição: “Eu mesma quando tive os meus meninos, por incrível que pareça, engravidava porque eu não sabia usar os comprimidos. E até hoje eu não sei como é que usa aquilo [...] Eu mesma não achava que eu ‘pegava’ gravidez. E descobria quando estava com quatro ou cinco meses” (U4); “Eu pensei assim: meu filho já tem 13 anos, e eu acho que não engravido mais. Aí fiquei um mês sem usar camisinha. Quando foi no outro mês a menstruação não veio. Mas não foi por falta de informação. Foi porque eu achava que não ia engravidar mais” (U3). A opinião das mulheres no que se referiu à importância de o casal planejar a família esteve bastante ligada ao aspecto financeiro e de necessidades básicas: “Porque você tem que estar estruturada, né [...] Eu, quando casei, só tinha um colchão de solteiro pra dormir e uma colcha pra, ao mesmo tempo, deitar em cima e me enrolar [...] Quando for ter um filho, nós temos que pensar na nossa casa, ter os móveis que a criança vai precisar, né” (U4); “Por causa das dificuldades das coisas [...] dar um bom estudo pra eles, né, que é o principal hoje em dia” (U2); “O que eu posso fazer por ele não posso fazer por dois” (U1). Na tentativa de achar uma resposta para o elevado índice de gestações não-planejadas encontrado na pesquisa, foi perguntado a que elas atribuíam esse fato. Todas refutaram a falta de orientação disponível como um fator preponderante. As explicações foram variadas, mas a predominante esteve em torno de um misto de falta de objetivos que as motivasse a planejar a vida e negligência para com o uso dos MAC: “Muitas não se preocupam com o dia de amanhã” (U3); “Não pensam assim: ah! Primeiro eu quero estudo, depois eu quero construir minha vida, ter minha profissão, minha casa, pra depois pensar em casar e ter filhos. Acham que, casando, já vão ter tudo” (U6); “Elas estão com o remédio em casa porque o posto dá e não tomam porque esquecem, levam na brincadeira” (U4). Outras questões levantadas pelas usuárias foram: o papel da família, seja na rigidez de não permitir o diálogo sobre o assunto ou a realização de aborto, seja por um excesso de permissividade retratada naquelas mães que acolhem e se responsabilizam pelos netos sem questionar, a necessidade de agradar o homem e mesmo a expectativa de receber apoio dos programas governamentais. Com relação ao papel do homem no planejamento familiar, foi observada grande submissão dessas mulheres – tanto financeira, quanto em tomar de decisões –, como pode ser visto nos relatos a seguir: “Ele tem um papel maior porque toda a responsabilidade está com ele, né, pra questão de trabalho, pra dar o sustento dos filhos...” (U2); “Se uma mulher ficar grávida e ele disser que assume, ela não aborta, se ele disser que não assume, ela aborta. Então pra mim o homem é o principal. Claro que a mulher também não pode não assumir as responsabilidades, né” (U1). Esta submissão aparece ainda no veto ao uso de MAC, sobretudo o preservativo masculino, que exige uma postura pró-ativa do companheiro: “A mulher não ‘se dá’ com o comprimido e tem que usar camisinha. Aí o homem não aceita, né” (U3); “Porque tem homem que não quer que ela tome. Mesmo que não possa criar quer que a mulher tenha o filho [...] com a minha filha mesmo aconteceu isso: o marido não deixava ela tomar comprimido e dizia que se engravidasse não abortasse. Dizia que era muito homem para sustentar seu filho” (U5). Contudo, as participantes assumiram postura crítica perante essa submissão, valorizando o fato de seus maridos dialogarem ou lhes garantirem autonomia de escolha: “Acho que o homem tem que respeitar a opinião da mulher” (U3). Todas as participantes dos dois grupos referiram que o papel da UBS em relação ao planejamento familiar é simplesmente o fornecimento de MAC, embora uma tenha 277 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil afirmado que isso não é suficiente – “Eu acho assim: que nas consultas do planejamento familiar os médicos deviam conversar mais com a gente, explicar mais as coisas [...] É necessário também uma reunião desta pelo menos uma vez no mês” (U3) – e as demais tenham concordado. • Grupo focal com a equipe de saúde Os maiores obstáculos para efetivação do Programa de Planejamento Familiar referidos pela equipe de saúde foram: a dificuldade de acesso ao homem e a indisponibilidade de tempo para a realização de consultas estruturadas e grupos educativos de planejamento familiar. Foi percebido um verdadeiro cuidado da equipe em relação ao tema. Com o objetivo de otimizar o funcionamento do Programa, foi relatada a necessidade de priorizar algumas ações, dentre elas: facilitar o acesso das(os) usuárias(os), dinamizar o aten- dimento e realizar busca ativa de usuárias(os) ainda não inseridas(os) no Programa (tabela 5). Percebemos que a equipe focou a sua ação no fornecimento adequado de MAC. Apenas em uma fala aparecem outras possibilidades de temas relacionados ao planejamento familiar: “Outras também querem engravidar e não conseguem. Querem engravidar e têm que vir pra fazer tratamento e ver se engravida” (ACS). Discussão Dos resultados encontrados, as características sociodemográficas das mulheres que participaram da primeira etapa da pesquisa podem ter sofrido a interferência do viés da amostra. A baixa escolaridade e o elevado número de mulheres unidas e que não trabalham fora de casa podem ter Tabela 5. Planejamento Familiar pela ótica da equipe de saúde - Aracaju (SE) fev. 2007 Obstáculos para efetivação do Programa Trechos de discursos da equipe Dificuldade de acesso ao Homem O problema aqui também é que a gente age em cima da mulher ou dos que vem na Unidade né. A gente tem dificuldade de chamar o homem, esclarecer, trabalhar algumas questões do uso da camisinha, é complicado. (Assistente social) Indisponibilidade de tempo para - consultas estruturadas de PF - grupos educativos de PF A gente tem aqui a caixa de métodos anticoncepcionais, mas pouco usa, pouco traz ao consultório até porque pouco se tem um espaço, um momento estruturado para ter uma consulta de PF. (Enfermeiro) A questão da educação em saúde pra esse tema é uma meta, está no planejamento da equipe, mas ainda é pra um segundo momento, eu acho. A gente ainda está se organizando. (Médico) Ações para melhor funcionamento do Programa Facilitar o acesso das(os) usuárias(os) A gente acabou com a idéia de que sexta-feira é o dia de pegar o método... Estamos tentando cadastrar todas as usuárias de métodos até pra facilitar o acesso dentro da farmácia. (Enfermeiro) Dinamizar o atendimento A gente está fazendo o seguimento das usuárias em uso de métodos de maneira mais aberta e mais maleável entre mim (o médico) e (...) (o enfermeiro) a depender de como esteja a demanda. (Médico) Realizar busca ativa Nas consultas, independente de qual queixa que a mulher venha pra cá, a gente tem tentado ampliar um pouco a escuta, né, pra identificar essas necessidades no PF... não ficar só esperando que cheguem com essa demanda. (Médico) Tem mulher que chega pra mim e diz: “eu quero colocar o DIU, mas tenho medo”, eu digo: “você tem que ir lá no posto, ter orientação melhor com o médico, com o enfermeiro”. (ACS) Fonte: Dados da pesquisa. 278 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil sido superestimados pela quantidade de mulheres que não se encontravam em sua residência e foram substituídas por outras de idade mais próxima da casa vizinha. Mesmo assim, acreditamos que nessa comunidade os resultados não teriam sido muito diferentes da realidade, excluindo-se essa limitação. Em relação à história obstétrica das usuárias, um dado foi considerado alarmante: o elevado número de mulheres que referiram pelo menos uma gravidez nãoplanejada. Os fatores relacionados a esse evento envolvem questões que vão além de conhecimento e de oferta de MAC. As usuárias demonstraram um bom conhecimento dos principais métodos disponíveis na Unidade – como o preservativo masculino, a pílula e o injetável –, e a porcentagem de todas as mulheres em idade fértil (de 15 a 49 anos) que faziam uso de algum MAC (62,2%) ultrapassou a porcentagem nacional de 55,412. Entretanto, conhecimento, oferta e uso de MAC não significam a garantia de contracepção. Levantamos então o seguinte questionamento: como propiciar o diálogo entre o saber técnico da equipe de saúde e o senso comum sobre MAC? Observamos que, em mais de 48% das mulheres, o conhecimento sobre o uso de MAC adveio de uma conversa com uma amiga, um parente, o parceiro ou pelos meios de comunicação, tendo o médico participado pouco do processo educativo do planejamento familiar, dentre os profissionais da equipe de saúde. Percebemos a importância de um trabalho de educação em saúde com toda a comunidade: isso aumentaria o vínculo da equipe com as usuárias, abriria espaço para o diálogo e a compreensão mútua e facilitaria o encontro de apoio em outros vínculos que as usuárias possuem. Esse diálogo e o apoio da rede social são aliados para o planejamento de ações e incorporação de informações. O trabalho interdisciplinar em uma equipe de saúde evita a sobrecarga de alguns profissionais e diminui a possibilidade de atendimento defasado18. As ações em planejamento familiar desenvolvidas pela equipe em questão e os esforços dispensados na melhoria do serviço tentam resolver o problema imediato do acesso aos métodos anticoncepcionais, mas, em contrapartida, a prática do planejamento familiar pelos indivíduos só será sedimentada a longo prazo com a educação em saúde. Concordamos com Moura e Silva19 quando afirmam que a informação adequada provoca um impacto no usuário, levando-o a elaborar suas próprias opiniões, tomar decisões e perceber-se na relação consigo, com a família, a comunidade, enfim, com o mundo. A equipe, com aquisição recente de profissionais engajados com a promoção da saúde, optou por medidas paliativas iniciais na saúde reprodutiva, para ganhar tempo com as dificuldades impostas pela grande demanda, até se conseguir um aproveitamento satisfatório de todos os programas preconizados pelo Programa de Saúde da Família. Mas isso faz com que o papel da UBS em relação ao planejamento familiar ainda esteja muito ligado à oferta de MAC, assim como se queixaram as usuárias nos grupos focais da pesquisa. Temas relacionados à infertilidade, assistência à pré-concepção, risco reprodutivo e educação em saúde são pouco abordados pela equipe e por usuárias(os). Por outro lado, sabemos que existem ainda razões sociais e culturais dos papéis de gênero dos indivíduos na sociedade que estão por trás do insucesso do planejamento familiar nesta comunidade. Segundo Muraro20 populações mais carentes tendem a ter visões mais tradicionais dos papéis de gênero do que as visões mais modernas das pessoas de classe média e, especialmente, dos universitários. O homem é visto como o provedor, aquele que sustenta a família, o representante legal, e a mulher, como a cuidadora do lar, dos filhos e do parceiro, em um mundo limitado ao papel de mãe e esposa. Dessa forma, será que o fato de não realizar contracepção ou descuidar do uso dos MAC, como referido por algumas usuárias no grupo focal, repercute da mesma forma quando acontece uma gravidez não-programada em famílias mais abastadas? Talvez as diferenças estejam nas condições financeiras e na expectativa do futuro. Enquanto nas classes mais favorecidas o problema gira em torno do comprometimento profissional e pessoal da mulher e até do homem, na classe baixa o problema está mais freqüentemente ligado às necessidades básicas insatisfeitas do novo ser que foi gerado. Além disso, essa cultura machista explica em parte por que as mulheres referiram que 26,6% dos parceiros 279 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil ainda não aceitam alguns métodos reversíveis, com destaque para o preservativo masculino. Entretanto, mesmo criticando essa postura machista, vimos que muitas se submetem ao sexo sem proteção contraceptiva para agradar ao homem, por amor, por carência afetiva, por pressão da sociedade ou mesmo por dependência financeira. Um outro dado que nos causou preocupação está relacionado à prática do aborto. Cinqüenta por cento dos abortos registrados na pesquisa foram referidos como intencionalmente provocados pela mulher. Não sabemos ao certo se esse número corresponde à realidade, porque, se por um lado, os fatores emocionais e a repressão da sociedade podem ter levado a mulher a omitir esse fato na resposta ao questionário individual, por outro, nos grupos focais, a prática do aborto foi manifestada com bastante naturalidade. Mesmo assim, ainda que esse dado não tenha sido subestimado, ele assusta, pois aumenta em muito os riscos de morbimortalidade materna. O início cada vez mais precoce da atividade sexual das participantes, descrito também em estudo nacional realizado pelo Ministério da Saúde21 e estudo realizado em São Paulo por Borges e Schor22, exige orientação adequada tanto para meninas quanto meninos. Inserir os adolescentes desde cedo nesse processo educativo pode facilitar o trabalho conjunto com os casais no futuro e fortalecer a idéia de que homens e mulheres são co-responsáveis pelo planejamento da família. interdisciplinar pode não apenas proporcionar uma atenção mais integral a esta complexa questão que é o planejamento familiar, mas se coloca como uma necessidade no momento de planejar as ações. O trabalho de educação em saúde deve ser estimulado, em uma relação dialógica com a comunidade para ampliar o olhar da equipe e o leque das ações. Um modelo unidirecional de repasse de informações não traz o suporte adequado para internalização do conhecimento. Por fim, cabe ressaltar o valor da integração da formação acadêmica com o mundo do trabalho, da produção de conhecimento na Atenção Primária à Saúde e da avaliação das ações na implementação do Sistema Único de Saúde. Faz-se necessário um contínuo pensar sobre o trabalho desenvolvido, ou seja, a concretização da educação permanente para que possamos avançar vencendo desafios. Conclusões A prática do planejamento familiar ainda necessita de avanços para garantir efetivamente os direitos e a saúde reprodutiva da mulher. E, quando tratamos de comunidades com predomínio das classes populares, é preciso ter abertura para perceber e dialogar com suas peculiaridades concretas, subjetivas e culturais. As equipes de saúde precisam reconhecer a importância da organização do fluxo do serviço para garantir o acesso das(os) usuárias(os) e diversificar a oferta de cuidado do planejamento familiar, não se restringindo apenas à abordagem contraceptiva. Para tanto, o trabalho 280 Referências 1.Brasil. Ministério da Saúde. Assistência Integral à Saúde da Mulher: Bases de Ação Programática. Brasília (DF): Centro de Documentação; 1984. 2.Osis MJMD. Paism: um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. 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Regula o §7º do artigo 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. http://www.pflmulher.org.br/legislação/ Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil lei_planejamento_familiar.pdf Acesso em 15 Dez. 2006. 8.Brasil. Ministério da Saúde. Direitos sexuais, direitos reprodutivos e métodos anticoncepcionais. Brasília (DF): Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas; 2006. 9.Mandú ENT. Trajetória assistencial no âmbito da saúde reprodutiva e sexual – Brasil, século XX. Rev Latino-Am Enfermagem 2002; 10: 358-71. 10.Lete I, Martínez-Etayo M. La salud reproductiva: datos y reflexiones. Gac Sanit 2004;18 Suppl 1:170-4. 11.Seltzer JR. 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Cláudio Batista, S/N – Santo Antônio – Aracaju – SE CEP: 49060-100 Endereço eletrônico [email protected] Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar: a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores Medical services in the field of family health: impact assessment from the users perspective Luiz Miguel Santiago* Resumo O conhecimento do impacto da atividade de Medicina Geral e Familiar é imprescindível, permitindo a retroação corretora, e o conhecimento do que pensam destas consultas os seus utilizadores é algo ainda não estudado. O objetivo do estudo é medir o impacto sentido pelos Utilizadores de Consulta de Medicina Geral e Familiar – especificamente avaliar tal em função do sexo, da idade, da formação e da atividade profissional dos utilizadores. Foram realizados: estudo transversal com intenção analítica; aplicação de duas perguntas do MOS-SF 36 a utentes de um Centro de Saúde nos dias 14 e 15 de Março de 2007; amostra de conveniência em maiores de 16 anos, em função da ordem de inscrição na consulta do médico. Foram recebidos 127 questionários (57,7%) dos 220 entregues. A idade média obtida foi 50,4 anos (homem 54,5±16,7 e mulher 48,4±17,0, ns), e o grupo etário inferior a 65 anos representou 73,4%. Em relação ao ano anterior, foram obtidas saúde igual ou superior a boa para 34,6% e saúde superior a um pouco melhor para 22,2%. O estudo discute ainda que o conhecimento do que os utilizadores pensam sobre a atividade do médico é importante para potenciar o resultado de cada contato, assim melhorando a acessibilidade. Os resultados encontrados não têm comparação com outros estudos, e a conclusão foi que a qualidade do estado de saúde, comparada ao ano anterior, revela ser melhor para 22,2% dos respondedores, contra 19,1%, que, julga-se, apresentarem estado pior. Abstract Assessing the impact of the family health services is indispensable for a corrective feedback, however it has not been studied at yet how the users feel about these services. The objective of this study is thus to measure the impact of the family health services from the viewpoint of the users, specifically according to sex, age, educational level and professional activity. The survey carried out with this purpose included: a transversal analytical study; application of two MOS SF 36 questionnaires to the users of a family health unit on March 14 and 15, 2007; convenience sample of patients with more than 16 years of age, following the order of appointments. One hundred and twenty seven (57,7%) from the 200 distributed questionnaires were returned. The age mean was 50,4 years (males 54,5±16,7 and females 48,4±17,0) and the age group below 65 years represented 73,4%. In comparison to the year before, 34,6% ranked their health status as equal, better or good and 22,2% as a little better. The study still argues that knowing what the users think about the doctor’s work is important for increasing the effectiveness of each appointment, thus improving the accessibility. There are no data available for comparing the results found in this study and it is concluded that, in comparison to the year before, the health status of 22,2% of users was found better against 91,1% qualifying their health status as worse. Palavras-chave: Garantia de Qualidade em Saúde; Qualidade de Vida; Medicina de Família e Comunidade. Key Words: Quality Assurance, Health Care; Quality of Life; Family Practice. * Médico,DoutorandodaFaculdadedeMedicinadaUniversidadedeCoimbra,especialistaemMedicinaGeraleFamiliar,CentrodeSaúdedeEiras,sub-regiãodeSaúdedeCoimbra,Portugal. Bras Med Fam e Com 282 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar: a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores Luiz Miguel Santiago Introdução No âmbito da avaliação da qualidade1,2,3, a prática da Medicina, em particular a de Clínica Geral/Medicina Familiar (MGF), deve ser medida de acordo com a situação e o contexto que a conhecemos em Portugal, segundo a organização de um Centro de Saúde3,4,5: a diversidade de apresentação das situações que se apresentam aos médicos especialistas, pois que esta especialidade médica lida com indivíduos que procuram um médico para alívio das suas queixas – quer de doença, quer apenas de seu temor4,6,7. Alguns trabalhos realizados em outros contextos socioprofissionais demonstram que a qualidade pode ser medida pelos utilizadores em áreas muito particulares, como a medicação8,9,10. Trabalho publicado na área geográfica do Distrito de Coimbra versou sobre a temática da qualidade estrutural de uma forma conceptual, tentando verificar a existência das condições necessárias para a prática de Consulta11. Há especificidades próprias de estrutura, de processo e de resultado que são já medidas pelos decisores de saúde12 e há resultados de inquéritos que fazem pensar que os médicos de Clínica Geral/Medicina Geral e Familiar em Portugal estão intrinsecamente e explicitamente voltados para a qualidade ao pretenderem ter artigos que reflitam boas-práticas13. No entanto, falta ainda medir qual a qualidade sentida pelos utilizadores, medida pelo seu julgamento quanto ao estado comparativo com o, atualmente, sentido14. Talvez, assim se possa gerar um clima de automotivação para a qualidade de trabalho em que o médico e a estrutura em que trabalha estejam em permanente mutação, evitando a insatisfação que pode advir do hábito da prática15. É necessário criar cultura de cuidados centrados no doente – entendido este como uma das partes da equação saúde –, sendo um dos pontos integrantes da resposta ao problema “doença”16, 17, pelo que se julga importante realizar trabalho na área da qualidade, em uma estrutura de prestação de cuidados de saúde primários, segundo um modelo simples de abordagem. 283 Objetivos Medir o impacto sentido pelos utilizadores de consulta de Medicina Geral e Familiar – especificamente, avaliar tal em função do sexo, da formação e da atividade profissional dos utilizadores. Material e métodos Material - Utilizadores da Consulta de Clínica Geral de um Centro de Saúde. 14 - Formulário com duas questões do MOS-SF 36 . - Funcionários de um Centro de Saúde que distribuíram formulário com as perguntas. - Base de dados em SPSS, versão 11.0. Metodologia Estudo transversal, com intenção analítica, realizado em março de 2007. População escolhida por amostragem de conveniência de indivíduos com idade igual ou superior a 16 anos, que, em tais dias, foram à consulta do seu médico e tendo freqüentado a consulta no primeiro trimestre do ano anterior. O formulário, contido em envelope endereçado, foi distribuído pelos funcionários administrativos, por ordem seqüencial de inscri- ção na consulta até o limite de formulários disponíveis por médico, em função da produção relativa de consultas em semana de fevereiro de 2007. Foi pedido aos usuários, pelo funcionário administrativo da consulta, que preenchessem o formulário e o colocassem, dobrado no envelope, em caixa própria na sala de espera à saída da consulta. Foi garantido sigilo e confidencialidade. A informação dada pelos funcionários foi previamente discutida com estes, tendo havido ação de formação sobre a uniformização desta atividade. O limite de 220 formulários deveu-se a questões orçamentais. A população foi caracterizada em termos de sexo, formação e atividade profissional, em função dos registos informáticos de inscrição na consulta, sendo critério de inclusão saber ler e escrever. Os dados foram inseridos em ficheiro informático Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar: a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores Luiz Miguel Santiago SPSS versão 11.0. O trabalho estatístico descritivo e inferencial utilizou o teste t de student para variáveis numéricas e o 2 para variáveis ordinais. Resultados A população foi constituída por 220 inscritos, que compareceram às consultas em 14 e 15 de março de 2007, sendo n=61 (27,7%) do sexo masculino, com uma idade média de 33,9 anos (mulher 27,3 anos e homem 58,5 anos, p=0,000), segundo o estudo populacional realizado pelo Gabinete SINUS (Serviço de Informação sobre Utentes da Saúde) da autoridade de saúde do Distrito de Coimbra. Desta população, os inscritos e freqüentadores da consulta, 108 (48,8%) tinham menos de 65 anos. A amostra consta de 127 formulários, representando 57,7% dos 220 entregues, e apresenta: 43 homens (34,1%), sendo a idade média geral de 50,4±17,0 anos (homem 54,5±16,7 e mulher 48,4±17,0, ns), e 91 elementos (73,4%) representaram o grupo etário inferior a 65 anos. Na Tabela I, é referida a distribuição na amostra Tabela I. Distribuição da formação académica na amostra Formação (*) (**) Total n (%) Homens n (%) (*) Mulheres n (%)(*) </= 65 n (%)(**) >/= 65 n (%)(**) Sabe ler e escrever 6 (1,4) 11 (13,4) 5 (5,6) 11 (33,3) 17 (13,5%) 4ª classe 27 (62,8) 46 (56,1) 50 (55,6) 22 (66,7) 74 (58,7) 12º ano 5 (1,2) 11 (13,4) 16 (17,8) - 16 (12,7%) Técnica - 3 (3,7) 3 (3,3) - 3 (2,4%) Superior 5 (1,2) 11 (13,4) 16 (17,8) - 16 (12,7) Total 43 82 90 33 126 Nota: (*) ns na análise por sexos. (**) p=0,000 por grupo etário < 65 ou > 66 anos, sendo mais baixa a formação no grupo mais idoso. Tabela II. Atividade profissional da amostra Atividade Profissional (*) (**) Total N (%) n </= 65 n (%) (*) > 65 n (%)(*) Homens n (%)(**) Mulheres n (%)(**) Rural 1 (1,1) 1 (3,0) 1 (2,4) 2 (2,5) 3 (2,4) Comércio 10 (11,5) - 2 (4,9) 8 (9,9) 10 (8,1) Indústria 9 (10,3) 1 (3,0) 5 (12,2) 5 (6,2) 10 (8,1) Serviços 34 (39,0) - 8 (19,5) 26 (21,1) 34 (27,6) Doméstica 8 (9,2) 5 (15,2) - 14 (17,3) 14 (11,4) Desempregado 7 (8,0) - 5 (12,2) 3 (3,7) 8 (6,5) Reformado 13 (14,9) 26 (68,8) 18 (43,9) 20 (24,7) 39 (31,7) Estudante 5 (5,7) - 2 (4,9) 3 (3,7) 5 (4,1) 41 81 Total 87 33 Nota: Homens2 (*) p=0,000; (**) p=0,018 para a distribuição por sexos (homem e com comparativa maior percentagem de reformados). 284 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 123 Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar: a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores Luiz Miguel Santiago dos vários tipos de formação considerados, valendo realçar que 27,8% têm formação acadêmica avançada. Na Tabela II, referimos a distribuição da atividade profissional na amostra. Na Tabela III, fornecemos os resultados obtidos nas respostas às duas afirmações do SF 3614. Nota-se que, para a distribuição por tipo de formação, a percentagem de respondentes em estado de saúde Razoável/Mau é de 73,6%, Discussão Trata-se de um estudo de características epidemiológicas e fundamentado em população de escolha pelo método de conveniência. De fato, o autor dispunha apenas de um concreto número de formulários, tendo solicitado a sua aplicação à população que soubesse ler e escrever e que fosse maior de 16 anos de idade, nos dias especificamente escolhidos – e apenas divulgados no próprio dia –, e que ti- Tabela III. Resposta às duas afirmações do SF 36 acerca do estado de saúde presente e em comparação com o ano transato 1. Em geral diria que a sua saúde está: n=127 (*, **, ***, ****) 2. Em comparação ao ano passado diria que a sua saúde está: n=126 (*, **, ***, ****) Excelente 5,5% Muito Boa 7,1% Boa 22,0% Razoável 53,5% Má 11,8% Muito melhor 6,3% Um pouco melhor 15,9% Igual 58,7% Um pouco pior 15,1% Muito pior 4,0% Nota: utilizando o X2: Por grupo etário (*): ns para ambas as questões. / Por sexos (**): ns para as duas questões. / Por tipo de formação (***): p=0,011 para afirmação 1 e ns para afirmação 2. / Por tipo de atividade profissional (****): ns para ambas as afirmações. sendo 45,7% para aqueles com formação superior ao 12º ano, 5,5% os que têm formação inferior a 12º ano e estado de saúde excelente ou muito melhor, contra 31,4% de respondentes em tal sentimento, mas com formação superior a 12º ano. O bom estado de saúde tem freqüências de 20,9% e 22,9% para a formação menor ou maior que 12º ano. A evolução sentida no estado de saúde em função do estado de saúde atual foi avaliada, valendo destacar que quem mais evoluiu no sentido da piora, segundo o que podemos verificar na Tabela IV, são aqueles que pior estado atual têm. vessem freqüentado a consulta do seu médico no primeiro trimestre de 2006. Dada a necessidade de abrangência populacional em um Centro de Saúde que tem 12 médicos atendendo uma população inscrita de 16.500 pessoas, optou-se pela entrega de formulários, em envelope endereçado, a todos os que em tais dias se inscrevessem na consulta segundo um rateio por médico em função da produção de consultas em fevereiro de 2007. O instrumento utilizado para a avaliação do presente estudo foi já alvo de validação e tradução para o português14. Admitimos viéses de percepção, de memória e de Tabela 4. O estado de saúde atual e a evolução desde o ano passado 1. Estado de saúde atual / estado de saúde no ano passado (*) Muito Melhor Um pouco melhor Igual Um pouco pior Muito pior Excelente n (%) Muito Bom n (%) Bom n (%) Razoável n (%) Mau n (%) 4 (57,1) 3 (42,9) - 2 (22,2) 7 (77,8) - 1 (3,6) 5 (17,9) 21 (75,0) 1 (3,6) - 3 (4,4) 12 (17,6) 35 (51,5) 17 (25,0) 1 (1,5) 1 (7,1) 8 (57,1) 1 (7,1) 4 (28,6) Nota (*) p=0,000 (X2) 285 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar: a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores Luiz Miguel Santiago intenção no preenchimento do formulário. Fatores diversos e aqui não estudados, como o tempo de espera para a efetivação da consulta ou o resultado da presente, podem ter influenciado os resultados. Quanto à amostra, podemos dizer que é particularmente jovem, com uma formação sobretudo básica e com predomínio de atividade profissional nos serviços, constituindo o sexo masculino 34,1% – o que espelha a população. Em Medicina de Família e Comunidade (em Portugal, designada por Medicina Geral e Familiar), é importante a percepção do estado de saúde dos pacientes e mesmo o conhecimento do resultado da consulta médica em todas as suas vertentes, dado o conjunto de sinais, sintomas e patologias apresentadas pelos pacientes18. Aspectos tão simples como a duração da consulta podem fazer alterar a percepção do estado de saúde19. Não tendo verificado a existência de qualquer trabalho que reflita o aqui objetivado parece poder dizer-se que a atividade do corpo clínico deste Centro de Saúde, em conjunto com todos aqueles que com eles colaboram, tem vindo a produzir serviços com a qualidade suficiente para os resultados obtidos. Em outros contextos podem ser feitas diferentes avaliações dependentes por exemplo dos registos efetuados20, sendo sempre necessário o desenho e a otimização da utilização de ferramentas de análise e de equipes destinadas à função da medição da qualidade, quer na óptica da estrutura que trabalha segundo um processo definido e obtém resultados, quer na óptica dos seus utilizadores21. Não pode, no entanto, deixar de ser refletido que é naqueles que pior se sentem neste momento de observação que houve pior evolução do estado de saúde e que é no grupo etário mais elevado e naqueles que têm menor freqüência escolar que o estado de saúde parece ter mais piorado. A razão para tal precisa, agora, ser estudada. Conclusões Medir o impacto sentido pelos utilizadores de consulta de Medicina Geral e Familiar – especificamente avaliar tal em função do sexo, da formação e da atividade 286 profissional dos usuários. A medição do impacto da atividade de um Centro de Saúde, julgado pelos seus usuários, revela que, para 34,1%, o estado de saúde atual é igual ou superior a bom, estando igual ao ano transato para 58,7% e melhor para 22,2%. Para 19,1%, o estado de saúde está pior que no ano anterior, sobretudo para os mais idosos e aqueles que têm menor formação acadêmica. Referências 1.Donabedian A. The definition of quality and approach to its assessment. Ann Harbour: Health Administration Press; 1980.Vol.1. 2.Donabedian A. The methods and findings of quality assessment and monitoring: an illustrated analisys. Ann Harbour: Health Administartion Press; 1985. Vol.3. 3.Ferreira PL, Raposo V. A governação em saúde e a utilização de indicadores de satisfação. Rev Port Clin Geral 2006;22:285-296 4. Disponível em: http://fnam.pt/smzc/ficheiros/ Dec_Lei_73_90.pdf. 5. Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio 6. A definição Europeia de Medicina Geral e Familiar. Versão Reduzida – EURACT. Rev Port Clin Geral 2005; 21:511-516 7. Disponível em http://www.mcsp.min-saude.pt/NR/ rdonlyres/EB139DE8-00B1-4B54-A19F-418D98D52DF0/ 2824/linhas_acção.pdf 8.Miranda JÁ. O que esperam os nossos clientes? Rev Port Clin Geral 2001;17:11-12 9.Ferreira PL. Avaliação dos doentes de cuidados primários: aspectos da clínica geral mais importantes para os doentes. Rev Port Clin Geral 2001;17:15-45 10. Santiago LM, Cobrado NM. Custos Directos da Terapêutica farmacológica no ambulatório de Clínica Geral. Rev Port Clin Geral. 2002;18:351-9 11. Neto MG, Jacob IM, Santiago LM. Cuidados de saúde ao Idoso: avaliação da qualidade dos serviços. Espelho, Sub-região de Saúde de Coimbra; 1997. v.6 12. 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Postgraduate Medicine. 2007; 27(2): 54-62 Endereço para correspondência Luiz Miguel Santiago Quinta de Voimarães, lote 12-5º D 3000-377 Coimbra - Portugal Endereço eletrônico [email protected] 287 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila Cardiovascular Risk Factors - Clinical and Epidemiologic profiles in the subjects of the “Atividade Física na Vila” Project Resumo Eduardo Simon* Tatiana Tavares Silva** José Silvio O. Barbosa*** Ricardo Donato Rodrigues**** Rosimere de Jesus Teixeira***** As doenças cardiovasculares aterotrombóticas representam uma das principais causas de morte no mundo. A aterosclerose é uma patologia de origem multifatorial com grande dependência genética e familiar, que apresenta elevada suscetibilidade de agravamento, segundo o estilo de vida. Nosso objetivo foi descrever as prevalências dos fatores de risco cardiovascular (RCV) e da Síndrome Metabólica (SM), além de estimar o RCV nos participantes do projeto Atividade Física na Vila. Mediante estudo de corte seccional, 48 pacientes entre 23 e 74 anos (41 mulheres e 7 homens), foram avaliados quanto à presença de sedentarismo, tabagismo, história familiar de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) ou doença arterial coronariana, obesidade, obesidade abdominal, hipertensão arterial (HA), DM2, glicemia de jejum alterada (GjA), dislipidemia e SM. As prevalências dos fatores de risco foram comparadas com os dados disponíveis para a população geral. A SM foi definida pelos critérios da NCEP. O RCV foi estimado pelo Escore de Framingham (EF) e comparado entre os participantes com e sem SM. Dos pacientes, 67% tinham mais de 50 anos e 46%, mais de 55. Houve alta prevalência dos fatores de RCV comparando-se aos dados populacionais, destacando-se sedentarismo (52% x 56%; NS), obesidade (homens 14% x 9%; NS; mulheres 39% x 13%; p<0,05), HA (56% x 32%; p<0,05) e hipercolesterolemia (63% x 40%; p<0,05). As prevalências de DM, GjA, obesidade abdominal e SM foram de 10%, 21%, 60% e 27%, respectivamente. O EF foi de 5,2 ± 5,5, sendo significativamente maior nos pacientes com SM (9,5 ± 3,1x 3,5 ± 5,4; p<0,05). Esses dados evidenciam a alta prevalência dos fatores de risco e sugerem sua ação sinérgica no aumento do RCV global representado pelo EF e a necessidade das mudanças no estilo de vida desses pacientes. Abstract The group of atherothrombotic cardiovascular diseases represents one of the leading causes of death around the world. Atherosclerosis is a condition of multifactorial origin, with great genetic and familiar dependence, besides being characterized by an elevated aggravation trend related to lifestyle. Our objective was to describe the prevalence of cardiovascular risk (CVR) factors and Metabolic Syndrome (MS), as well Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares; Perfil de Saúde; Atividade Física. Key Words: Cardiovascular Diseases; Health Profile; Motor Activity. *Residente de Medicina Familiar e Comunitária do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária. Universidade do Estado Rio de Janeiro. **Doutoranda em Medicina/UERJ, professora assistente do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, Universidade do Estado Rio de Janeiro. ***Doutorando em Medicina/UERJ, professor assistente do Laboratório de Fisiologia Aplicada de Educação Física, Universidade do Estado Rio de Janeiro. ****Doutor em Saúde Coletiva, professor adjunto do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, Universidade do Estado Rio de Janeiro. *****Doutora em Endocrinologia, professora. visitante do DMIFC, Universidade do Estado Rio de Janeiro. Bras Med Fam e Com 288 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila as to estimate the cardiovascular risk in the subjects of the “Atividade Física na Vila” Project. By means of a cross sectional study, 48 patients aged between 23 and 74 (41 women and 7 men) were screened for the presence of sedentary lifestyle, smoking, family antecedents of Diabetes mellitus type 22 (DM) or Coronary artery disease, obesity, abdominal obesity, High Blood Pressure (HBP), DM2, Impaired Fasting Glucose (IFG), Lipid abnormalities, and MS. This prevalence was compared to the available general population data. The MS definition was that of the NCEP. The CVR was estimated using the Framingham Score (FS), and compared among the groups with and without MS. 67% of the patients were 50 or older and 46% were 55 or older. There was a high prevalence of CVR factors compared to the population data, specially in the case of sedentary lifestyle (52% x 56%, NS), obesity (men 14% x 9%, NS; women 39% x 13%, P<0.05), HBP (56% x 32%, P<0.05), high total cholesterol (63% x 40%, P<0.05). The prevalence of DM2, IFG, abdominal obesity and MS was 10%, 21%, 60% and 27%, respectively. The mean FS was 5,2 ± 5,5, significantly higher in the patients with MS (9,5 ± 3,1 x 3,5 ± 5,4 p<0.05). These data indicate the high prevalence of CVR factors, and suggest its synergy in elevating the global CVR represented by the FS, as well as strongly support the need for changes in the lifestyle of these patients. 1. Introdução A doença cardiovascular aterosclerótica é, em termos proporcionais, a principal causa de mortalidade em países ditos desenvolvidos e em muitos países em desenvolvimento, como o Brasil. Da mesma forma, o impacto deste grupo de doenças nos gastos com saúde é significativo, havendo inclusive uma tendência ascendente, visto que está ocorrendo o aumento da prevalência global de alguns dos seus principais fatores de risco1. A epidemia de obesidade e doenças associadas como diabetes mellitus tipo 2 (DM2), hipertensão arterial (HA) e dislipidemia representam um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade2. O que fazer para controlar esse problema? Na primeira metade do século 20, experimentos com animais e observações clínicas ligaram certas condições, como a hipercolesterolemia, ao risco aumentado de eventos 289 aterotrombóticos3. A partir daí, principalmente após a avaliação dos desfechos da clássica coorte de Framingham, juntamente com outros estudos prospectivos, está bem estabelecida na literatura a relação entre alguns fatores e o risco de doenças cardiovasculares (DCV)4,5. A lista dos chamados fatores de risco cardiovascular (RCV) continua crescendo, dentre estes já implicados na patogênese da aterosclerose, podemos listar: tabagismo, DM2, dislipidemia, história familiar de infarto precoce do miocárdio, resistência periférica à insulina (RI), obesidade e sedentarismo. Outros fatores, como níveis séricos aumentados de homocisteína, lipoproteína (a), fibrinogênio e proteína C reativa, bem como algumas infecções crônicas por organismos como espécies do gênero Chlamydia vêm sendo investigados quanto a suas possíveis implicações neste processo3. Mais recentemente, tem-se disseminado o entendimento de que tais fatores têm uma etiopatogênese comum. Segundo este entendimento, um hábito de vida sedentário, um ambiente ansiogênico e uma alimentação hipercalórica rica em carboidratos e gorduras saturadas levariam, ao longo do tempo, à obesidade, ao aumento gradual da RI, à dislipidemia, à HA, e à DM2, dentre outros problemas1. O conceito de Síndrome Metabólica (SM) – anteriormente chamada de síndrome X, dismetabólica ou plurimetabólica – representado por um conjunto de fatores de risco tanto para o DM2 como para a DCV, tendo a RI como fio condutor etiopatogênico, veio juntar-se a esta discussão. A SM apresentase como a manifestação precoce do solo comum que leva à DCV, sendo sua presença um preditor importante de morbimortalidade6,7,8,9. A citada clareza e precisão na associação entre determinadas condições e o risco de doença arterial coronariana (DAC) é tal, que têm sido desenvolvidas funções matemáticas para estimar o risco do desenvolvimento desta num dado período de tempo, a partir da presença de um maior ou menor número dos citados fatores. Dentre tais funções, destaca-se o Escore de Framingham, que deve seu nome à já citada coorte norte-americana com base na qual foi construído. Este escore é adotado para estimar a probabilidade de ocorrer infarto do miocárdio ou morte Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila por doença coronária em curto prazo, isto é, no período de dez anos, em indivíduos sem diagnóstico prévio de aterosclerose clínica4. O projeto Atividade Física na Vila é voltado para pacientes do programa Saúde na Vila ou para pacientes do Ambulatório de Medicina Integral (AMI) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) que moram nas adjacências do prédio. Este projeto visa promover a educação para a saúde, o auto-cuidado e a ampliação da rede social, utilizando a atividade física como prática integradora, bem como fornecer subsídios para o estudo de seus efeitos sobre a saúde. O objetivo deste trabalho foi descrever a prevalência dos principais fatores de RCV e da SM assim como determinar o RCV nos participantes do projeto Atividade Física na Vila. Não devemos esquecer que o reconhecimento e o conseqüente controle dos fatores de risco dessa enfermidade são básicos na prevenção da doença cardiovascular. Casuística e Métodos O estudo, do tipo observacional transversal, foi desenvolvido no ambulatório do projeto Atividade Física na Vila, no HUPE / UERJ, e teve por população os 106 pacientes envolvidos no projeto. O Atividade Física na Vila é uma parceria entre o Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária (DMIFC) e o Laboratório de Fisiologia Aplicada de Educação Física, e inclui participantes de ambos os gêneros, entre 20 e 75 anos, adscritos no programa Saúde na Vila, do DMIFC, ou oriundos do AMI ainda não adscritos no programa, bem como de outros ambulatórios do HUPE, mas que desejam realizar atividade física supervisionada. Após avaliação clínica e laboratorial, os pacientes são liberados, com ou sem restrições, à prática supervisionada de exercícios físicos ou encaminhados à investigação clínica adicional ou tratamento, conforme as alterações detectadas. Após o início da atividade física, os pacientes são acompanhados por meio de consultas trimestrais e da repetição periódica dos exames citados. Os pacientes são submetidos a uma avaliação médica que consta de anamnese e exame físico, visando à busca dos fatores de RCV. Os pacientes foram questionados sobre: 290 história prévia pessoal e familiar de DCV, DM2 e dislipidemias. Exame físico completo foi realizado, dando ênfase aos níveis de pressão arterial e às medias antropométricas. A pressão arterial foi aferida no braço direito, com o paciente sentado, com esfigmomanômetro analógico, em duas aferições, nas condições minimamente ideais – paciente sentado, sem presença de esforço físico, vontade de urinar ou defecar, dor, ansiedade, ingestão de café ou uso de tabaco ou drogas ilícitas nos últimos minutos. Foi utilizado manguito adequado ao perímetro braquial do paciente. O peso foi medido em quilogramas, em balança analógica de plataforma, padrão hospitalar, com precisão de 100g. A altura foi medida em metros, com o paciente em pé, descalço sobre a plataforma da balança, com o olhar no horizonte. A circunferência abdominal (ou cintura) foi medida com o paciente em pé, no ponto médio entre a espinha ilíaca anterior e o último arco costal. A medida foi obtida em centímetros, com fita métrica de precisão de um milímetro. Em seguida, cada paciente foi submetido aos seguintes exames complementares: níveis séricos de glicemia após 12 horas de jejum e após três dias de dieta livre; Teste Oral de Tolerância à Glicose (TOTG - glicemia após 2 horas com sobrecarga de 75 g de dextrose oral); perfil lipídico (colesterol total (CT), HDL-colesterol, triglicérides (TG) e LDL-colesterol calculado através da fórmula de Friedewald: LDL-colesterol= CT-(HDL-colesterol + TG/ 5); hemograma completo, eletrólitos, uréia e creatinina. Foram excluídos do estudo os pacientes com avaliação clínica e laboratorial incompleta. Para a definição dos fatores de risco foram utilizados os critérios descritos na tabela 16,8,10,11,12. O RCV foi determinado pelo Escore de Framingham a partir dos seguintes fatores: idade, gênero, presença ou não de DM2 e tabagismo, níveis séricos de colesterol total, HDLcolesterol e pressão arterial. A cada um desses fatores foi atribuído um valor pré-estabelecido, depois somado aos demais. O resultado é um valor final que é correlacionado com uma tabela de riscos percentuais para o desenvolvimento de DAC em dez anos (tabela 1)4. O diagnóstico de SM foi realizado pelos critérios Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila Tabela 1. Critérios Diagnósticos para os Fatores de Risco Cardiovasculares Fatores de Risco Sedentarismo Tabagismo Obesidade Obesidade Abdominal Diabetes mellitus Dislipidemia Critérios Ausência de atividade física regular nos últimos 30 dias Consumo de qualquer número de cigarro nos últimos 30 dias Índice de massa corpórea – IMC ³ 30 kg/m2, sendo classificado como obesidade grau I (30 > IMC<35), II (35> IMC < 40) e III (IMC > 40). O sobrepeso foi definido como IMC > 25 e < 30. Circunferência abdominal (cintura) > 102 cm e 88 cm Pelo menos dois resultados de glicemia de jejum (Gj) > 126 mg/dL, glicemia casual > 200 mg/dL na presença de sintomas clássicos (poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso) ou glicemia após TOTG >200 mg/dL. A Gj alterada foi definida como 2 medidas de GJ >110 e <126 mg/dL. A tolerância diminuída à glicose foi definida como glicemia após TOTG >140 e < 200 mg/dL10,11. Triglicerídeos > 150 mg/dL; HDL-colesterol <40mg/dL e <50mg/dL ; Colesterol total >200mg/dL; e LDL colesterol > 160mg/dL. Denominou-se dislipidemia mista a presença de dois ou mais dos transtornos acima. do National Cholesterol Education Program – Adult Treatment Panel (NCEP ATP III) e da I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica (IDBSM)6,8.Segundo esses critérios, considera-se SM a presença de pelo menos três dos seguintes componentes: obesidade abdominal (cintura > 102cm nos homens e 88cm nas mulheres), hipertrigliceridemia (> 150mg/dL) ou baixos níveis de HDL-colesterol (< 40 mg/dL nos homens e 50 mg/dL nas mulheres), hipertensão arterial (pressão arterial sistólica >130 mmHg ou diastólica >85 mmHg) e finalmente alteração da homeostase da glicose (glicemia de jejum maior ou igual a 110 mg/dL). Os dados foram apresentados como média (±SD), mediana (variância) e/ou percentual. Foram utilizados o teste Qui-quadrado ( 2) e o teste de Mann-Whitney/ Wilcoxon de comparação de amostras para averiguar a significância estatística das variáveis categóricas e numéricas, respectivamente. Resultados Foram avaliados 48 pacientes, com idades entre 23 e 74 anos, sendo sete homens (15%) e 41 mulheres (85%). Dos pacientes, 67% tinham mais de 50 anos e 46%, mais de 55. A idade média entre as mulheres foi de 54 ± 9,7 291 anos. Entre os homens, a média de idade foi de 60 ±13 anos. A prevalência global de tabagismo foi de 15%, sendo que, dentre este percentual, 12% entre as mulheres e 29% entre os homens. A prevalência de tabagismo (29%) foi semelhante aos dados da população masculina brasileira (34%), porém observamos uma menor prevalência (p<0,05) entre as mulheres (12% - IC 95% 8,73-16,28), com relação aos dados disponíveis para mulheres brasileiras (29%)13. As prevalências dos fatores de risco na amostra estão descritas na tabela 2 e a comparação com os dados da literatura está descrita na tabela 3. A prevalência de sedentarismo foi de 52%, sendo que, dentre este, 51% entre as mulheres e 57% entre os homens. Não houve diferença significativa na prevalência de sedentarismo, quando comparada com os dados disponíveis para a população adulta de uma região urbana brasileira14. A prevalência de história familiar positiva para DM2 e/ou DCV foi de 79%, sendo 86% entre os homens e 78% entre as mulheres. A prevalência de obesidade foi de 35%, sendo 39% entre as mulheres (nove pacientes com grau I; duas com grau II e cinco com grau III) e 14% entre os homens (um paciente, com obesidade grau II). Entre as mulheres, a prevalência foi superior (p<0,05) à da população brasileira, Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila Tabela 2 - Projeto Atividade Física na Vila - Prevalências dos Fatores de Risco Fatores de Risco Mulheres (n=41) Tabagismo Sedentarismo História Familiar de DAC ou DM2 Obesidade Sobrepeso Obesidade Abdominal Hipercolesterolemia HDL baixo Hipertrigliceridemia isolada Dislipidemia mista Hipertensão arterial Diabetes mellitus Glicose de Jejum Alterada Síndrome Metabólica Homens (n=7) 5 21 32 16 17 29 25 4 1 14 27 3 9 11 1 4 6 1 4 1 5 1 0 2 4 2 1 2 Total (%) 14,6 52,0 79,1 35,4 43,7 60,4 62,5 10,4 2,1 33,3 56,2 10,4 20,8 27,1 Tabela 3. Prevalências dos fatores de risco cardiovascular nos participantes do projeto Atividade Física na Vila e na população em geral Fatores de Risco Tabagismo Sedentarismo Obesidade Sobrepeso Hipercolesterolemia Hipertensão Arterial Diabete mellitus Glicose de Jejum Alterada Síndrome Metabólica Participantes do Projeto População Geral Valor de p Homens: 28,7% Mulheres: 12,1% 52% Homens: 14,3% Mulheres: 39% Homens: 57,1% Mulheres: 41,4% 62,5% 56,2% 10,4% 20,8% 27,1% Homens: 33,8% Mulheres: 29,3% 56% Homens: 8,9% Mulheres:13,1% Homens: 41,1% Mulheres: 40% 40% 31,5% 7,6% 8% 23,7%* NS p <0,05 NS NS p<0,05 NS NS p<0,05 p<0,05 NS NS NS * Dados da população adulta norte-americana. Não há dados brasileiros até o momento. conforme os dados disponíveis (13%)15. A prevalência de sobrepeso foi de 44%, sendo 57% entre os homens e 41% entre as mulheres, não havendo diferença estatisticamente significativa em relação aos dados populacionais brasileiros15. Somadas as prevalências de obesidade e sobrepeso, temos uma prevalência global de 79,2% de pacientes acima do 292 peso ideal. A prevalência de obesidade abdominal foi de 60,4%, sendo 14,3% entre os homens e 70,7% entre as mulheres. Não existem dados representativos sobre a obesidade abdominal na população brasileira. A prevalência de hipertensão arterial foi de 56% (IC 95% 70,8-41,7) – 57% no sexo masculino e 56% no feminino, Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila Gráfico 1. Avaliação do risco cadiovascular pelo escore de Framingham sendo significativamente maior do que (média +/- 5D) nos pacientes com e sem Síndrome Metabólica: a prevalência da população brasileira (1532%)16, 17, 18, 19, 20. A prevalência de diabetes mellitus foi de 10% (IC 95% 19,4-1,5) – 7% entre as mulheres e 29% entre os homens –, sem diferença em relação à população adulta brasileira (7,6%)21. A prevalência de glicemia de jejum alterada foi de 21% (IC 95% 32,8-8,9), sendo 22% entre as mulheres e 14% entre os homens, semelhante aos dados da literatura brasileira. A prevalência global de dislipidemia foi de 85%, tende a persistir, agravando ainda mais o quadro de sendo 85% entre as mulheres e 86% entre os homens. Deste morbimortalidades elevadas nestes países24. grupo, 60% apresentaram aumento isolado de colesterol A doença coronariana tem origem multifatorial, total, 47% dislipidemia do tipo mista, 17% baixo HDL- portanto é importante considerar simultaneamente todos Colesterol e 13% hipertrigliceridemia isolada. A prevalência os riscos, na estimativa do risco individual. Tradicionalmente, total de hipercolesterolemia (63% - IC 95% 48,3-76,7) foi as diretrizes de fatores de risco focam a avaliação de fatores maior (p<0,05) do que na população adulta brasileira (40%), únicos, como o controle da pressão arterial, dislipidemias conforme dados de Martinez e colaboradores22. e diabetes. Isso resulta em uma ênfase muito grande para A prevalência de SM foi de 27% (IC 95% 14,0- elevações de valores em fatores isolados, em vez de uma 40,0) – 29% nos homens e 27% nas mulheres –, sem diferença visão do risco multifatorial25. em relação à população adulta norte-americana (24%)6,8,23. O envelhecimento da população tem visto um Ainda não há estimativas representativas da população desvio do risco para a DCV em adultos mais idosos26. A brasileira. idade desempenha um papel maior no risco absoluto de O Escore de Framingham variou entre os valores eventos coronarianos, aumentando também o impacto dos de -11 a 16, com média de 5,2± 5,5, sendo entre as mulheres outros fatores sobre o risco de um indivíduo determinado25. de 4,9±5,6 e entre os homens de 7,8±4,0. No grupo de Este é um referencial importante para iniciar a discussão pacientes com SM, o escore de Framingham foi de 9,5 ± dos resultados deste estudo, no qual 46% dos pacientes 3,1 (IC 95% 7,7-11,2), frente a um escore de 3,5 ± 5,4 (IC tinham mais de 55 anos. 95% 1,6-5,4) no grupo sem SM (p<0,05) (gráfico 1). Na amostra estudada houve significativa preponderância do sexo feminino. Em relação a este fato vale Discussão lembrar o efeito protetor do sexo feminino, porém, poApesar da redução global na morbidade e dendo ser anulado pela presença de múltiplos fatores de mortalidade cardiovascular ao longo dos últimos 30 anos risco25, como é o caso da maioria dos pacientes em questão. em países desenvolvidos, têm ocorrido elevações relativamente A presença de história familiar precoce de DAC é rápidas e substanciais em países em desenvolvimento, dentre definida pela IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias os quais o Brasil. De acordo com as projeções da Organização e Prevenção de Aterosclerose (IVDBDPA) da Sociedade Mundial de Saúde (OMS), esta tendência de elevação na DCV Brasileira de Cardiologia como infarto fatal ou não-fatal 293 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila em parente de primeiro grau menor de 55 anos se masculino e menor que 65 anos se feminino24. Sabe-se da associação entre história familiar de DAC prematura e maior incidência nos descendentes. Entretanto, pelo fato de a hereditariedade ser um fator de risco imutável, nos indivíduos com história familiar, em termos práticos – e com o objetivo de reduzir o impacto desse fator sobre a morbidade e mortalidade cardiovasculares –, devemos controlar os fatores de risco que podem ser modificados, como: tabagismo, sedentarismo, obesidade, HA, DM2, dislipidemias, dentre outros. As metanálises que avaliam a relação entre o grau de atividade física do indivíduo e a DCV demonstram aproximadamente o dobro de risco de doença nos inativos em comparação aos ativos. Dentre os possíveis mecanismos que poderiam estar envolvidos na cardioproteção exercida pela atividade física regular, estão os efeitos positivos sobre vários fatores de risco8,14,24. Assim, atuam beneficamente no controle de peso, na resistência à insulina, na pressão arterial, no perfil lipídico e na trombose. Em nosso estudo, observamos uma alta prevalência de sedentarismo em ambos os sexos, mas chama a atenção, entre as mulheres, a baixa prevalência do tabagismo, comparada aos dados brasileiros. Tal fato pode ser interpretado como a expressão de uma população motivada para a busca da saúde, mas que ainda não conseguiu implementar a atividade física como prática regular. A relação entre o fumo e o aumento do RCV está amplamente demonstrada em estudos anatomopatológicos e epidemiológicos. O risco de DAC é de duas a quatro vezes maior nos fumantes e diretamente proporcional ao número de cigarros consumidos ao dia 8,13,24. Observamos a alta prevalência de obesidade, principalmente quando considerado o sexo feminino, bem como a alta prevalência de obesidade abdominal, que é um dado fortemente relacionado à SM27. Vale lembrar que alguns grupos de trabalho já utilizam valores mais baixos da circunferência abdominal, que têm sido considerados mais apropriados a populações de diferentes etnias, como 94cm para homens e 80cm para mulheres28,29. Os valores aqui adotados foram escolhidos por serem oriundos de grandes diretrizes como o NCEP ATP III e a I-DBSM 6,8. A 294 população estudada apresentou um alto índice de HA16, 17, 18, 19, 20 , acima da média nacional, e de DM221, que, embora significativos, não diferiram estatisticamente dos dados populacionais brasileiros. Um dado que salta aos olhos é a presença de dislipidemia em quase todos os pacientes. A taxa de hipercolesterolemia total é superior à da população brasileira22. O baixo HDL-colesterol, dado que muitas vezes passa despercebido, embora represente fator de RCV independente, também teve alta prevalência. Esta alta incidência de dislipidemias, muitas vezes com baixo HDLcolesterol isoladamente, está associada ao aumento da circunferência abdominal e ao sedentarismo, altamente prevalentes em nosso grupo. O HDL-colesterol baixo é um fator cujo tratamento mais efetivo é sem dúvida a atividade física regular2,4,9,27,30, o que novamente reforça a importância do projeto Atividade Física na Vila. Na prática, os médicos lidam com um indivíduo complexo, e não com componentes particulares de sua vida. Determinados grupos de fatores de risco têm efeito multiplicativo, e um indivíduo com um número modesto de fatores pode apresentar um risco consideravelmente maior que uma pessoa com um único fator de risco importante.25 Percebe-se nos resultados deste trabalho, em acordo com a literatura atual2,4,9,25, o claro sinergismo entre os fatores de risco, evidenciado pelo maior escore de Framingham entre os pacientes com SM, o que denota maior risco cardiovascular global. O termo “fator de risco” apareceu pela primeira vez no título de um artigo médico em 19635. Desde então, intensificou-se a busca por novos fatores de risco, tornando-se atualmente um modismo. Entretanto, apenas recentemente a literatura buscou estudar a relação de interdependência entre tais fatores, trazendo resultados esclarecedores. O conceito de Síndrome Metabólica vem contribuir para este entendimento, não como uma nova “doença da moda”, mas chamando a atenção para a correlação entre estilo de vida, obesidade abdominal e RCV global. Como um conceito que denota o agrupamento de fatores de risco, a SM tem sido um paradigma útil. Isto é, chama atenção para o fato de que alguns fatores de risco para o desenvolvimento Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila de DCV têm efeito multiplicativo e se agrupam em pacientes predispostos. O ponto pedagógico implicado pelo termo é que a identificação de uma das variáveis de risco deve incitar a busca para outros31. Este entendimento é relativamente inovador, na medida em que consideramos que o escore de Framingham não leva em conta alguns componentes da SM, em especial a obesidade abdominal. Segundo a IVDBDPA, em qualquer categoria de risco cardiovascular, a presença da SM constitui um fator agravante24. Além disso, devemos reconhecer a natureza progressiva da SM. Na história natural da SM, o paciente primeiro adquire obesidade abdominal sem fatores de risco, mas, com o tempo, múltiplos fatores de risco começam a aparecer. Quando a diabetes não está presente, o risco de progressão para DM2 é cinco vezes maior quando comparado com aqueles sem SM. Em alguns pacientes, a síndrome culmina em DM2 e o risco para DCV aumenta ainda mais. Quando a DCV se desenvolve, complicações cardiovasculares como arritmias, falência cardíaca e episódios trombóticos freqüentemente aparecem. Aqueles com DM2 podem posteriormente adquirir várias complicações incluindo cardiomiopatia diabética, várias neuropatias e falência renal. Quando o DM2 e a DCV existem concomitantemente, o risco para subseqüente morbidade cardiovascular é muito alto32. A importância dos fatores de risco metabólico, tanto pela perspectiva clínica quanto da saúde pública, é que a prevenção, a detecção e a reversão podem ocorrer antes do desenvolvimento da DCV manifesta. Deve-se ressaltar que a Obesidade e, por conseqüência, a Síndrome Metabólica vêm aumentando paulatinamente sua incidência em toda as faixas etárias e que hábitos alimentares saudáveis e atividade física regular são ferramentas-chave na reversão dessa tendência4,5,9. Cada vez mais, os dados nos levam ao entendimento da necessidade premente da mudança no estilo de vida para a redução da morbimortalidade cardiovascular dos pacientes, não apenas documentando isoladamente a presença de fatores de risco, mas objetivando principalmente uma abordagem global com condutas de promoção e proteção 295 da saúde. É como se nos aproximássemos gradualmente daquela milenar sabedoria encerrada no conhecido provérbio chinês: “Buscar a saúde somente quando já se está doente é o mesmo que esperar a sede para começar a cavar um poço”33. Referências 1.Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Mortalidade proporcional por causas selecionadas por região do Brasil, 1998. Disponível em: http:// www.datasus.gov.br. Acesso em: 14 fev. 2005. 2. Sowers JR, Epstein M, Frohlich ED. Diabetes, Hypertension, and Cardiovascular Disease, An Update. Hypertensio.n 2001; 37: 1053-9. 3. Braunwald E et al. Harrison Medicina Interna.15ed. Rio de Janeiro: [s.n]; 2002. p. 1462. 4. Peter W. 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Alberti KG, Zimmet PZ: Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus and its complications. Part 1: diagnosis and classification of diabetes mellitus provisional report of a WHO consultation. Diabet Méd. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila 1999, 15: 539-53. 11. American Diabetes Association. Padronização de Cuidados Médicos em Diabetes. Diabetes Care. 2004; 3: 64-95. 12. IV Diretrizes Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2004; 82:1-40. 13. Achutti AC, Rosito MHE, Achutti VAR. Tabagismo. In: Medicina Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária Baseada em Evidências. Bruce B. Duncan e cols. Porto Alegre (RS): Artmed; 2004. p. 533. 14. Rego A et al. 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Prevalence of the metabolic syndrome and its relatem to al-cause and cardiovascular mortality in nondiabetic European men and women. Arch Intern Méd. 2004; 164: 1066-76. 30. Teixeira RJ, Silva TT, Barbosa JSO, Salek M, Cavaliere MLA, Souza JMA, Rodrigues RD. Prevenindo a Síndrome Plurimetabólica Através da Prática de Atividade Física. In: Apresentação do Projeto “Atividade Física na Vila”. Disciplina de Medicina Integral e Disciplina de Educação Física. Hospital Universitário Pedro Ernesto e Pavilhão João Lira Filho da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2004. 31. Declaração Conjunta da Associação Americana de Diabetes e da Associação Européia para o Estudo do Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa, Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico dos participantes do projeto Atividade Física na Vila Diabetes. Diabetes Care. 2005; 28: 2289-304. [Edição em português]. 32. Grundy SM. Metabolic Syndrome: Connecting and reconciling Cardiovascular and Diabetes Worlds. JACC. 2006; 47: 1093-100. 33.Capra, F. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix; 1985. Endereço para correspondência Rosimere de Jesus Teixeira Rua General Espírito Santo Cardoso, 377 apt 403 Rio de Janeiro/RJ. CEP: 20.530.500 Endereço eletrônico [email protected] 297 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre - 1998 e 2002 The cost of the Family Health Program in Porto Alegre - 1998 and 2002 Janice Dornelles de Castro* Márcia Elizabeth Marinho** Resumo Este estudo pretende, por meio da perspectiva das ciências econômicas, ampliar a compreensão sobre funcionamento do sistema de saúde, utilizando o instrumental disponível nesta área do conhecimento, as avaliações econômicas, para avaliar uma importante política pública proposta pelo governo federal e implantada em todo o país: o Programa de Saúde da Família. Nesta primeira aproximação será feito um estudo de caso do município de Porto Alegre, no período de 1998 a 2002. O objetivo do estudo é criar um instrumento de gestão dos custos do programa, que permita o monitoramento e redirecionamento das ações quando se fizer necessário. Foi feita extensa revisão da literatura e, para a construção do instrumento de gestão de custos, foi necessário o levantamento dos processos de trabalho, da estrutura gerencial da secretaria e por fim dos dados de despesa e produção para o calculo dos custos do programa. O estudo demonstrou que não houve variação importante dos custos totais do programa no período, mas houve grande variação em algumas categorias especificas de custo. Além disso, mostrou que as diferentes unidades de saúde possuem diferentes custos que estão relacionados com o tamanho da equipe ou com a população adscrita. Abstract This study aims at a broader understanding of the functioning of the health system from the perspective of economics, utilizing the tools made available by this area for evaluating an important public policy proposed by the Brazilian federal government: the Family Health Program. This first approach consists in a case study conducted in the city of Porto Alegre during the period 1998-2002. The purpose of this study was creating an instrument for the cost management of the program allowing for monitoring and redirecting actions when necessary. An extensive review of the literature was carried out and data about the work processes, the organizational structure of the secretariat in charge and cost and production of the program were collected for constructing the cost management instrument. The study showed no important variation in the total cost of the program during the period but considerable variations in some specific cost categories. Furthermore it was shown that different health units involve different costs related to the size of the team or to the target population. Palavras-chave: Custos de Cuidados de Saúde; Economia de Saúde; Atenção Primária à Saúde. Key Words: Health Care Cost; Health Economics; Primary Health Care. *Doutora em Saúde Coletiva, UNICAMP, MSc Health Planning and Financing, London School of Economics, Pesquisadora Visitante, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. **Mestre em Administração, UFRGS, Analista de Sistemas, Datasus, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil. Bras Med Fam e Com 298 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002 Introdução Esta pesquisa foi realizada no Programa de Saúde da Família (PSF) de Porto Alegre, retomando um estudo realizado em 19981 que utilizou a metodologia para apuração de custos por absorção adaptada para calcular os custos da atenção básica no sistema público. Esta metodologia será aplicada neste estudo com o propósito de analisar as mudanças ocorridas nos custos, comparando os dados de 1998 e 2002. A escolha por uma pesquisa nesta área foi o resultado de um contínuo e intenso envolvimento com discussões acerca da forma como as ciências econômicas, seus instrumentos e suas metodologias de trabalho específico poderiam ser utilizados para modificar a realidade, melhorando a qualidade e a eficiência dos serviços públicos de saúde no Brasil2,3,4,5,6,7,8. Nos últimos anos houve uma grande preocupação por parte dos pesquisadores nacionais com a questão da avaliação, mas a questão da análise de custos e seus efeitos não têm sido abordados com a mesma intensidade, sendo esta uma lacuna a ser preenchida. Desta forma, o desenvolvimento desta área do conhecimento é muito importante, pois é preciso enfrentar a discussão da eficiência do uso dos recursos públicos, uma vez que estes são escassos e devem servir da melhor forma à sociedade. É preciso, portanto, enfrentar a discussão da eficiência do gasto como uma questão ética. Estudos que relacionam os “recursos empregados com os efeitos obtidos” são uma “modalidade de pesquisa avaliativa”, pois procuram “estabelecer um julgamento ex-post de uma intervenção”9,10. Os instrumentos econômicos de gerenciamento dos custos permitem conhecer melhor alguns aspectos da realidade dos serviços e conseqüentemente viabilizam a construção de soluções para cada situação-problema encontrada·11, 12, 13, 14, 15, 16, 17. O conceito de avaliação econômica em saúde pode ser resumido como a análise comparativa entre diferentes alternativas em relação aos seus custos e resultados. Para que uma avaliação econômica seja considerada completa é necessário que contemple essa condição: realizar comparações entre duas ou mais alternativas possíveis em relação aos seus custos e resultados. A realização de uma avaliação econômica 299 incompleta, no entanto, também é importante, pois é capaz de iniciar o processo e, mesmo sendo incompleta, identificar a melhor solução do ponto de vista econômico, subsidiando a decisão do gestor que levará em conta também outras variáveis11,12,13,14,15,16,17. O conhecimento da estrutura de custos de uma instituição é muito importante para o melhor gerenciamento dos serviços, pois racionaliza o uso dos insumos e utiliza estas informações para apoiar o planejamento a médio e longo prazo. Quando da aplicação de um sistema de custeio, a principal preocupação não deve ser apenas em relação à determinação dos preços, mas, principalmente, quanto a sua utilização enquanto fonte de informações para o controle, a avaliação e o planejamento das atividades das instituições18,19,20. Estes sistemas podem considerar a totalidade dos gastos para a produção de determinado produto – neste caso, são chamados de sistemas de custeio integral – ou apenas parcela das despesas – neste caso são chamados de sistemas de custeio parcial. O grau de complexidade exigido pelos sistemas de custeio integral é maior; pois, nestes casos, é necessário considerar os custos indiretos e criar uma maneira de dividir estes custos entre os produtos ou serviços produzidos pela instituição. O sistema de custeio por absorção é considerado um sistema de custeio integral, pois ele apropria todos os custos incorridos para a produção de um bem ou serviço, ou seja, considera os custos diretos, indiretos, fixos e variáveis. Para a realização do cálculo de custo, utilizando-se o sistema de custeio por absorção, a primeira condição é a “setorização” ou divisão da instituição em centros de custos. As características principais dos centros de custos ou resultado são: serem uma unidade autônoma; possuírem uma área circunscrita de abrangência; serem fonte geradora de custos; possuírem identidade de objetivos comuns; terem uma unidade de mensuração específica; possuírem homogeneidade funcional e terem unidade de responsabililidade18, 19, 20. O sistema de apropriação de custos por absorção é muito utilizado e pode trazer grandes vantagens para as instituições, principalmente para aquelas que não possuem Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002 ainda condições de informatizar todas as suas informações e cujo custo indireto não é preponderante no custo total. Como principal desvantagem do sistema de custeio por absorção é apontada pelos autores a dificuldade de se realizarem os rateios dos custos indiretos, que são feitos utilizando-se critérios arbitrários, o que implica, muitas vezes, avaliação incorreta dos custos finais18, 19, 20. No Brasil, a proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) é de que o planejamento seja usado para organizar e distribuir os serviços de saúde conforme a necessidade da população. Estes serviços são gratuitos, o atendimento é universal e organizado regionalmente. Os serviços são hierarquizados, conforme a sua complexidade tecnológica. A rede básica é a porta de entrada do sistema e deve garantir o atendimento ambulatorial básico e o desenvolvimento das ações de saúde pública. Neste modelo, a saúde é considerada um direito do cidadão. O processo de descentralização da saúde, previsto quando da criação do SUS, tomou maior impulso a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988 e da conseqüente aprovação das leis 8.080, de 19 de setembro de 1990, e a lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, as quais prevêem, entre outras coisas, a descentralização e o repasse de recursos financeiros para estados e municípios. Compondo esse conjunto de leis, está, também, a Norma Operacional Básica do SUS 01/93 (NOB/SUS 01/93), aprovada pela portaria MS n° 545, de 20 de maio de 1993, que estabeleceu “normas e procedimentos reguladores do processo de descentralização da gestão das ações e serviços de saúde”. Foi a implantação da NOB/SUS 01/93 que permitiu a efetivação do processo de descentralização da saúde para o nível local no país. Sendo assim, nas ultimas décadas, as mudanças no SUS, especialmente a descentralização de atribuições para os municípios sem a correspondente transferência de recursos financeiros1,18, 19, 20 e também a contínua absorção de novas e caras tecnologias pelo setor, trouxeram a discussão sobre custos da atenção para a ordem do dia. É cada vez mais importante para o gestor conhecer e controlar a sua estrutura de custos, especialmente se um de seus objetivos 300 for garantir o atendimento de saúde para a população levando em conta os princípios do SUS da universalidade, integralidade e equidade21,22,23,24,25,26,27. O Programa de Saúde da Família (PSF)28,29 é um programa prioritário do governo federal e pretende ser uma forma de organizar o sistema para garantir os preceitos constitucionais; sendo assim, é muito importante aumentar o nosso conhecimento sobre os custos deste programa; pois, como afirmam alguns autores23, a maior parte das instituições de saúde não conhece a sua estrutura de custos, pois não existe um “sistema técnico, detalhado e consistente de custos”. Em Porto Alegre os serviços de saúde do município estão divididos em duas áreas principais: a vigilância da saúde e a assistência à saúde. A vigilância da saúde é realizada pelo Centro de Vigilância em Saúde (CVS), e a atenção à saúde, por sua vez, tem a seguinte estrutura: (a) Serviços de Atenção Ambulatorial Básica - são as unidades de saúde e as unidades do Programa de Saúde da Família. (b) Serviços de Atenção Ambulatorial Especializada compostos pelos serviços públicos: centros de saúde, ambulatórios especializados, unidades Psicossocial e os serviços privados contratados e conveniados. (c) Atenção Hospitalar Contratada. (d) Serviços de Emergência Próprios: o hospital de prontosocorro, os serviços de pronto-atendimento 24 horas e o SAMU, Serviço de Pronto Atendimento Pré-hospitalar. A cidade foi dividida em distritos de saúde, e, em cada um, existe uma gerência local responsável pela organização dos serviços na região. As Unidades de Saúde que compõem a rede básica de saúde devem ser a porta de entrada do sistema. Nestas Unidades de Saúde, são oferecidos os serviços de uma equipe multidisciplinar composta por: (a) médicos (clínico geral, ginecologista e pediatra); (b) enfermeiros; (c) auxiliares de enfermagem; (d) nutricionistas. Também na rede básica estão as unidades de saúde do PSF. Nestas, a equipe é composta por: (a) médico generalista; (b) enfermeiros; (c) auxiliares de enfermagem; (d) agentes comunitários. Nas unidades de saúde do PSF, é definida a área de abrangência e as famílias da região são cadastradas. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002 Os serviços realizados na rede básica são: (a) agendamento de consulta com especialista; (b) medicamento e curativos; (c) vacinas; (d) nebulizações; (e) teste do pezinho; (f) programa do leite; (g) programa de acompanhamento a crianças menores de um ano; (h) exame pré-natal e preventivo do câncer; (i) encaminhamentos para exames; (j) distribuição de camisinhas e anticoncepcionais; (l) injeções; (m) atividades em grupo com hipertensos, diabéticos, adolescentes e portadores do vírus HIV; (n) consultas – que podem ter sido agendadas ou podem ser atendimentos à demanda espontânea e às intercorrências. Nas unidades do PSF também são realizados atendimentos domiciliares e outras atividades em grupo na comunidade. Quando houver necessidade de consultar um especialista, a unidade será responsável pelo agendamento da consulta por meio da central de marcação de consultas. Cada unidade dispõe de cotas mensais de exames, e os pacientes são encaminhados para os serviços contratados conforme necessidade e disponibilidade. No município, a rede hospitalar mantém o vínculo com os níveis estadual e federal ou é terceirizada. O município gerencia a compra de serviços de internação hospitalar, inclusive parte das internações da região metropolitana e do interior do estado. Em casos de emergência, devem ser procurados os serviços de pronto atendimento ou o serviço de atendimento pré–hospitalar, SAMU, que pode ser acionado pelo telefone 192, em caso de acidentes na rua. Porto Alegre atende a demanda por serviços de saúde de sua população e também parte da demanda dos municípios da região metropolitana e do interior. Nestas circunstâncias, é difícil organizar, planejar e estabelecer o fluxo de pacientes no sistema. Além dos serviços de atenção à saúde, a secretaria assumiu a Vigilância à Saúde no município e, atualmente, realiza o controle: (a) das águas; (b) das zoonoses; (c) dos produtos de interesse à saúde; (d) dos serviços de interesse à saúde; (e) epidemiológico; (f) da geração de informações em saúde. O Programa de Saúde da Família foi criado pelo 301 Ministério da Saúde com a meta de capacitar 2.500 equipes, beneficiando 2,5 milhões de famílias pela implantação do PSF nas 26 unidades da Federação e DF28, 29. As bases do Programa de Saúde da Família são: (a) construir um “modelo voltado para a proteção e promoção da saúde”; (b) trabalhar com “área de abrangência e adscrição de clientela” (entre 600 a 1000 famílias); (c) trabalhar com a equipe mínima composta por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários; (d) a equipe deve residir na área de atuação; (e) deve haver a participação da comunidade; (f) o âmbito da atenção é integral e contínuo; (g) deve ser a porta de entrada ao sistema único; (h) deve permitir o redirecionamento da formação dos profissionais de saúde; (j) deve haver remuneração diferenciada aos profissionais do PSF, e o controle social deve ser exercido pelo Conselho de Saúde e pelas comunidades. O objetivo geral do PSF é construir um novo modelo assistencial dirigido aos indivíduos, à família e à comunidade, além de ser fundamentado na promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde, de acordo com os princípios do SUS. As atividades da equipe do PSF podem ser resumidas em três grandes grupos: Atendimento na Comunidade, Atendimento nas Unidades de Saúde e a Referência e Contra-referência de pacientes28,29. No grupo Atendimento nas Comunidades incluemse: (a) o diagnóstico da comunidade; (b) as visitas domiciliares; (c) a internação domiciliar; (d) a participação em grupos comunitários. No grupo Atendimento nas Unidades de Saúde estão os programas e a demanda espontânea. No grupo Referência e Contra-referência temos: (a) o apoio diagnóstico; (b) o atendimento em serviços ambulatoriais especializados; (c) a internação hospitalar; (d) a remoção de pacientes. Estava previsto que o processo de recrutamento de recursos humanos, em um primeiro momento, deveria ser realizado com a assessoria dos níveis federal e estadual; assim como a realização de supervisão e avaliação do programa, e a implantação do Sistema de Informação (SIAB) específico com informações sobre: o cadastro familiar, o cartão de identificação, o prontuário familiar e o registro dos atendimentos. Assim, seria formado um banco de Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002 dados que permitiria a construção de indicadores em nível nacional. O financiamento do PSF deveria ser feito a partir da tabela de produção do SIA - SUS, com valores difarenciados e de um valor fixo repassado pelo MS para a implantação das equipes28, 29. A implantação deste modelo em Porto Alegre iniciou-se em dezembro de 1995, com a assinatura de um convênio entre o MS e a Secretaria de Saúde. Este convênio repassou um milhão de reais para a implantação de 30 equipes do programa no município. O convênio previa a implantação de 100 equipes que deveriam ser localizadas onde não existiam serviços de saúde para atender principalmente as populações mais carentes. Os critérios de escolha da localização das equipes que foram efetivamente implantadas foram: (a) a dificuldade de acesso a outros equipamentos de saúde; (b) o perfil sociossanitário das comunidades. Assim, as equipes estão em comunidades pobres que apresentam o perfil de morbidade complexo, com prevalência de doenças crônicas e agudas. A população atendida é de 100.818 pessoas, havendo em média 3.600 pessoas por equipe. O PSF cobre em torno de 8% da população do município Neste estudo, o nosso objetivo foi estudar a estrutura de custos do PSF de Porto Alegre, identificando as tendências na aplicação dos recursos e a evolução dos custos dos serviços nos anos de 1998 e 2002. Materiais e Métodos Para avaliar os custos da Atenção Básica provida pelo Programa de Saúde da Família propomos a metodologia de análise de custos por absorção30,31,32 e procuramos utilizar os dados disponíveis na Secretaria da Saúde, sem que se impusesse o custo da produção de novas informações, mas apenas a organização dos dados existentes. No entanto, algumas dificuldades metodológicas se apresentaram, especialmente em relação às diversas mudanças introduzidas no período de quatro anos, tanto pelo Ministério da Saúde (MS), quanto pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Essas alterações exigiram a reformulação e readequação das estratégias de coleta e organização dos dados, 302 criando algumas dificuldades na comparação entre os períodos. O primeiro problema foi em relação aos tipos de procedimentos considerados – no ano de 1998, a tabela de pagamentos do MS era muito mais simplificada e tinha uma especificação muito menor em relação ao tipo de atendimento realizado do que em relação a tabela de procedimentos de 2002. A solução encontrada foi fazer uma comparação a partir de grandes grupos; criamos quatro deles, assim nomeados: (a) Procedimentos (todos os atendimentos exceto consultas médicas); (b) consultas médicas; (c) não-cadastrados; (d) total de atendimentos (somatório dos três grupos). Não foram consideradas as consultas odontológicas, pois não existiam nas unidades avaliadas em 1998. O segundo problema foi em relação às formas de transferências de recursos financeiros do MS para as SMS – em 1998 o cálculo era feito a partir da produção de cada unidade de saúde e multiplicado pelo valor dos procedimentos na tabela do SUS; em 2002 o município recebia por tetos financeiros e a solução encontrada foi, primeiro, estimar, a partir do valor recebido pelo Piso da Atenção Básica (PAB Fixo), o valor correspondente à população coberta pelo PSF e, em seguida, somar os valores recebidos por: Incentivo Adicional do Programa de Agentes Comunitários da Saúde (PACS) e PSF. Outra questão foi em relação à depreciação dos bens imóveis: não tínhamos conhecimento dos bens adquiridos no período intermediário, 1999, 2000 e 2001; portanto, não havia como calcular a depreciação deste período. A solução foi não usar os dados da depreciação. Fizemos esta escolha com segurança, pois, nas observações feitas no estudo realizado em 1998 1, percebemos que essa informação tem uma influência insignificante nos custos totais. Com relação ao estabelecimento dos custos indiretos, também houve alterações, mas para melhor: a SMS modificou completamente a estrutura de seu orçamento e, atualmente, o orçamento permite visualizar informações de cada unidade orçamentária e atividade de uma forma detalhada, como não era possível em 1998. Sendo assim, Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002 foi possível estabelecer com muito mais eficiência aqueles custos que estão vinculados a todos os serviços e, portanto devem ser rateados. Escolhemos novamente o critério de número de funcionários, pois acreditamos que a quantidade de pessoas envolvidas em um determinado setor expressa os custos que gera. Um exemplo seriam os custos de pessoal e matériaprima para produzir determinado bem ou serviço. Por outro lado, os custos indiretos são aqueles que não são identificados apenas com um produto ou serviço, mas com mais de um ou com todos. Os custos indiretos devem ser rateados entre todos os produtos e serviços produzidos. Um exemplo seriam os custos de aluguel, energia e combustível. Ver nas planilhas 1, 2 e 3 como ambos são tratados neste estudo. O pagamento do pessoal também se alterou significativamente: em 1998 os funcionários eram contratados pelas associações de moradores e podíamos ter a informação detalhada por tipo, por mês e por unidade de saúde. Atualmente temos a informação do repasse mensal para o pagamento do pessoal. Infelizmente, não podemos mais identificar, por unidade de saúde, o custo de pessoal decorrente da rotatividade, pois somos obrigados a trabalhar com médias. Neste artigo utilizamos apenas as informações anuais, ou seja, não faremos análise do comportamento mensal das variáveis. Além disso, optamos, por questões metodológicas, trabalhar apenas com as 22 unidades do PSF que existiam nos dois anos estudados e que são compostas por apenas uma equipe de saúde cada uma. Assim o nosso centro de custo final é igual à unidade de saúde, que, por sua vez, é igual a uma equipe do PSF. Foram excluídas da análise as unidades antigas que passaram a contar com duas ou mais equipes do PSF em 2002 e, também, as unidades criadas após 1998. Atualmente a SMS possui 57 unidades de saúde do PSF, algumas delas com mais de uma equipe por unidade. Em 1998 as unidades eram compostas por apenas uma equipe do PSF, com uma exceção que possuía uma equipe ampliada (dois médicos e três auxiliares). Estas unidades atendiam em média 3.281 pessoas por equipe. Em 2002 cada equipe do PSF adota um nome e existem, eventualmente, mais de uma equipe numa mesma unidade, criando nomes tipo Esmeralda I e II. Neste período foram criadas mais seis equipes (Castelo II, Esmeralda II, Jardim Cascata II, Morro dos Sargentos II, Ponta Grossa II e Santa Teresa II) nas unidades “antigas” e os usuários foram redistribuídos entre elas. Em função dessa escolha, de trabalharmos apenas com a equipe original e de termos excluído aquelas que foram duplicadas, tivemos um número de usuários por equipe menor – diminuiu para 3.007 pessoas em média. Os dados financeiros foram atualizados para dezembro de 2002 com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Resultados e Discussão Como resultados, vimos, em primeiro lugar, que o custo total anual per capita das 22 unidades do PSFPOA aumentou no período em torno de 33,51% (Figura 1). Mas, ao mesmo tempo, é interessante observar que o custo médio anual dos atendimentos, aqui considerando todos os atendimentos realizados e os exames solicitados, manteve-se constante neste período, em torno de 18 reais Planilha 1. Informações gerais sobre o Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002. 1998 Informações gerais / Anos Usuários Cadastrados Número de exames solicitados A. Total de procedimentos exceto consultas médicas B. Total de consultas médicas Total de atendimentos (A+B) No. 72.186 32.744 256.560 79.962 337.400 2002 Percapta NA 0,45 3,55 1,11 4,67 Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre 303 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 No. 66.163 92.552 356.604 118.517 475.121 Percapta NA 1,4 5,39 1,79 7,18 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002 Planilha 2. Informações sobre receitas, despesas e custos do Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002. 1998 Informações gerais / Anos A. Custos diretos (a+b+c+d) a. Material de consumo b. Outros serviços e encargos c. Pessoal d. Exames e diagnósticos solicitados B. Custos indiretos (rateios) Custo total (A+B) Receita do SUS (R$) Índices - INPC - IBGE R$ 5.366.751,29 1.063.359,91 116.984,05 3.991.644,37 194.762,96 938.210,81 6.304.962,10 683.978,62 1,469 2002 Percapta NA NA NA NA NA NA 87,34 9,48 R$ 7.982.007,96 1.413.099,56 331.751.92 5.716.550,11 520.613,00 742.180,73 8.724.198,69 1.691.955,34 1,1474 Percapta NA NA NA NA NA NA 131,86 25,57 Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre Planilha 3. Indicadores do Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002. 1998 % 10,85 85,12 14,88 1,469 Indicadores / Anos Custo pago com receita federal Custo direto em relação a custo total Custo indireto em relação a custo total Índices - INPC - IBGE 2002 % 19,39 91,49 8,51 1,1474 Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre para os atendimentos e 6 reais para os exames, em valores das unidades, considerando que, em 1998, estavam atualizados pelo INPC-IBGE. Podemos presumir que a completando apenas um ano de criação, e, passados quatro quantidade de atendimentos e de exames anos, em 2002, houve tempo suficiente para organizar a aumentou no período, o que de fato ocorreu gestão das unidades. – em 1998, foram realizados 4,67 atendimentos per capita, e, em 2002, foram Figura 1. Receita Federal e custo total per capita de 22 unidades de 7,18, correspondente a um aumento de 53,75% saúde do Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002. na quantidade de atendimentos realizados. Sendo que, destes atendimentos, as consultas médicas (83%) foram as que mais cresceram – os outros procedimentos aumentaram menos (60%). O mesmo aconteceu com os exames, que passaram de 0,45 para 1,40 exames solicitados per capita. Acreditamos que é possível explicar a maior eficiência do gasto com a produção de um número maior de procedimentos e a manutenção de seu custo médio, em função da estabilização da gestão Fonte: SMS – POA, 1998 e 2002. 304 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002 Ainda com base na Figura 1, vamos analisar as receitas: aqui consideramos os recursos de origem federal – como podemos observar, mantêm-se na mesma tendência, mas com uma ligeira melhora para os municípios. Os recursos são insuficientes para o financiamento do PSF. Em 1998 os recursos de origem federal pagavam apenas 11% dos custos e em 2002 era possível pagar 19,39%. Houve, portanto, um aumento da parcela financiada pelo governo federal, mesmo que ainda a responsabilidade maior com o financiamento do PSF recaísse sobre o município (80%). Em relação à participação dos custos diretos e indiretos nos custos totais, houve um aumento da participação dos custos diretos que passou de 85% do total, em 1998, para 91% do total – esta alteração é uma decorrência das alterações realizadas na estrutura do orçamento da SMS que permitiram identificar com maior precisão as despesas. Os custos indiretos em 2002 representam apenas 9% dos custos totais. Por fim, com relação aos tipos de despesas e sua importância, a despesa com pessoal permanece a mais significativa, passando de 63,31% em 1998 para 65,53% em 2002. As despesas com exames e diagnósticos aumentaram de 3% para 6%, enquanto a despesa com material de consumo sofreu uma redução de 16,87% para 16,20%; com outros serviços e encargos, um aumento de 1,85% para 3,80% da despesa total. Enfim, não pretendemos apresentar conclusões, mas retomar e aprofundar algumas idéias que consideramos relevantes para discutir a avaliação de custos da atenção básica em saúde. Nos últimos anos, o sistema de saúde brasileiro vem passando por diversas reformulações, dentre elas, a descentralização das ações de saúde para estados e municípios – sendo que os últimos assumiram as principais responsabilidades com a prestação de serviços de saúde. Este fato levou os gestores a iniciarem diversas ações de reorganização dos serviços de saúde. Um dos desafios é reestruturar a rede básica de atenção à saúde, sem reduzir a oferta de serviços, garantindo o acesso universal e integral, com a hierarquização dos níveis da assistência. O gerenciamento dos custos da assistência é uma alternativa para que se realizem 305 estas reformas, sem a necessidade de redução da oferta de serviços, pois, por meio do gerenciamento dos custos, é possível realizar uma gestão mais eficiente. Nesta medida, o instrumental econômico é utilizado para a identificação dos problemas e para a criação de alternativas para a sua superação. Sabemos que existem profundas diferenças entre a forma de organização e de funcionamento do setor público e do setor privado. Sabemos, também, que os sistemas de custeio foram criados para aumentar a competitividade das empresas privadas – cujo principal objetivo é o lucro –, enquanto que as instituições do setor público têm a função social como o seu principal objetivo. No entanto, não significa que não é necessário estudar o custo das atividades de atenção à saúde para melhorar a eficiência do gasto público e modificar a estrutura de custos das secretarias de saúde, se necessário. Sugerimos que mais trabalhos desta natureza sejam realizados, por um número maior de municípios. Desta forma será possível identificar as diferenças e semelhanças entre eles, estabelecer alguns parâmetros importantes de custos e aprimorar os indicadores. Resumindo, podemos afirmar que o conhecimento das estruturas de custos das instituições de saúde é fundamental para que o gestor possa viabilizar algumas alterações no modelo de atenção que poderão garantir maior universalidade e integralidade da atenção. Referências 1- Castro JD. A utilização do sistema de custeio por absorção para avaliar custos da atenção básica de saúde: reformulações e aprimoramentos metodológicos. [Tese]. Campinas: Unicamp; 2000. 2- Mcguire A, Henderson JB, Mooney G. The economics of health: an introdutory text. London: Routledge and Kegan Paul; 1992. 3- Culyer AJ. The economics of social policy. London : Martin Robertson; 1973. 4- Normand C. Economics, health and the economics of health.. 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Endereço para correspondência: Janice Dornelles de Castro Furriel Luis Antonio Vargas 106/404 Porto Alegre – RS 90470-130 Endereço eletrônico [email protected] Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Relato de Caso Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico à população em situação de risco social Case Report Project United Families: psychotherapeutic care offered to a social risk population Leila Márcia Souza Oliveira* Josenaide Engracia Santos** Resumo Este relato tem o objetivo de promover reflexão sobre atendimento psicológico em uma comunidade em situação de risco social. O atendimento foi realizado em instituição filantrópica, no município de Simões Filho (BA), através do Projeto Famílias Unidas da Associação Obras Sociais da Paróquia de São Miguel, no período compreendido entre julho de 2005 e julho de 2006. O atendimento aconteceu em encontros semanais onde foram abordadas a autoestima e a possibilidade de reinserção social do sujeito, o que possibilitou mudança na sua realidade de vida e um posicionamento direcionado à cidadania. O trabalho realizado, nos moldes da “Clínica Ampliada”, traz-nos uma nova forma de lidar com a pobreza, na tentativa de ajudar a minimizá-la, na revitalização do desejo do sujeito em uma clínica extraconsultório, utilizando as instituições informais da comunidade, pois as mesmas representam recursos potenciais, capazes de produzir sentido, contratualidade e bem-estar. Abstract The aim of this report is encouraging reflection about psychotherapeutic care delivered to a community at social risk. During the period July 2005-July 2006 counseling sessions were held at a philanthropic institution, the Association for Social Works of the St. Michael’s Parish in the city of Simões Filho (Bahia, Brazil). The initiative was part of the Project United Families, implemented by the before mentioned association. Issues such as self-esteem and the possibility of social reinclusion were discussed in weekly meetings to enable the individuals introduce changes into their reality of life and help them adopt an attitude towards good citizenship. This work was conducted following the concepts of “Extended General Practice” which provides us with a new way of dealing with and trying to minimize poverty and of revitalizing the individual’s desire outside the doctor’s office, at informal community-based institutions that represent potential resources capable of producing sense, contractibility and wellbeing. Palavras-chave: Clínica Ampliada; Atendimento Psicológico; Cidadania. Key Words: Extended General Practice; Psychological assistance; Good Citizenship. * Psicóloga, Especialista em Saúde Mental, Professora da Residência Multiprofissional em Saúde / Núcleo de Saúde Mental Universidade do Estado da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil. ** Psicóloga, Mestre em Saúde Coletiva, Coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde / Núcleo de Saúde Mental Universidade do Estado da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil. Bras Med Fam e Com 307 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico à população em situação de risco social Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos Introdução O Projeto Famílias Unidas é uma estratégia de atenção ao sujeito em situação de risco social, desenvolvida pela Associação Obras Sociais da Paróquia de São Miguel, Instituição que tem como objetivo o apoio à população economicamente menos favorecida. O Projeto Famílias Unidas, desenvolvido no Centro de Referência Familiar (CERFAM), em Simões Filho (BA), assistiu a 150 famílias em parceria com outras instituições não-governamentais e com o próprio Município, para a realização de seus objetivos nos campos da educação, da formação profissional, da saúde, do bem-estar e da seguridade social, através de projetos sociais, instrumentos que buscam produzir impactos na realidade da comunidade e auxilia na construção/reconstrução de condições dignas de sobrevivência e de auto-estima. O quadro de profissionais do Projeto Famílias Unidas trabalhou interdisciplinarmente e foi composto por médico, psicólogo, assistente social, pedagogo, enfermeiro, nutricionista, educador físico, grupo de voluntários e apoio administrativo. O trabalho do psicólogo, em especial, consistia na consultoria institucional e no atendimento clínico de sujeitos da terceira idade, adultos e crianças, pertencentes ao grupo familiar do Projeto, parentes dos voluntários ou à comunidade em geral. Este relato de experiência propõe-se a uma reflexão acerca do atendimento psicológico a esta população e o impacto do mesmo nestes sujeitos, considerando o contexto em que estavam inseridos. Apresentação O Projeto Famílias Unidas foi operacionalizado na cidade de Simões Filho, situada na região metropolitana de Salvador, com população de 105 mil habitantes. A realidade da comunidade, que mora em Simões Filho, neste caso, especificamente, a do Projeto Famílias Unidas, tem sido marcada pelas relações injustas de poder e pela má distribuição de renda imposta às camadas populares, gerando sérias conseqüências sociais tais como desemprego ou emprego informal, baixa ou nenhuma 308 instrução formal, marginalidade, abandono das famílias por parte dos homens e mulheres assumindo o papel de chefes de família. A mera luta pela sobrevivência dessa comunidade, sem perspectivas de projeto de uma vida digna, leva a uma acentuada falta de habilidade de lidar com as questões e com os conflitos surgidos no cotidiano. Os indivíduos dessa comunidade tornam-se impossibilitados de ler e de interpretar, não só as palavras, mas a própria realidade, fato que compromete potencialmente a capacidade de tornarem-se cidadãos ativos e transformadores de suas próprias vidas. Tudo isso, somado à realidade do desemprego; da miséria; da falta de moradia adequada; da educação e saúde; da exposição à violência. São fatores que os impedem de construir positivamente suas identidades em função da enorme escassez de recursos concretos e simbólicos. É nesse universo que o Projeto Famílias Unidas chega para o atendimento psicológico no CERFAM. Os dados aqui relatados dizem respeito ao acompanhamento no período compreendido entre julho de 2005 e julho de 2006, sendo o primeiro atendimento voltado para Clínica de Recepção. Esta pode ser definida como um lugar de passagem, preliminar a um outro atendimento, sendo, ao mesmo tempo o tratamento. O ato de recepção é clínico e terapêutico, porque o que acontece neste lugar de passagem pode ser decisivo para os passos seguintes1. Tem característica interdisciplinar, não dependendo da especialidade do profissional, pois todos estavam aptos a fazê-la, desde que, com responsabilidade, resultando em encaminhamentos. Os direcionados ao setor de psicologia eram atendidos, geralmente, uma vez por semana, segundo normas previamente estabelecidas entre o psicólogo e a pessoa a ser atendida, como condições viáveis para o funcionamento dos trabalhos. As técnicas utilizadas no atendimento visavam assistir a saúde integral do sujeito e necessitavam de articulações com os diversos setores. A atenção ao sujeito em situação de risco social depende das instituições formais e informais da comunidade, pois as mesmas representam recursos potenciais de serviços Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico à população em situação de risco social Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos da paróquia ao sindicato; das associações esportivas às agregações mais ou menos formalizadas; dos cidadãos e da rede de lugares, haja vista que os recursos e as oportunidades são infinitos, da mesma forma que as articulações individuais são necessárias ao bem-estar do sujeito2. Uma das primeiras estratégias do Projeto Famílias Unidas foi a de que não é possível garantir direitos de forma efetiva e sustentável sem alterar o cenário de desigualdade social. O pressuposto é que a sobrevivência digna é elemento básico, a partir do qual serão construídos todos os outros, inclusive, da escuta terapêutica. A questão da dificuldade de sobrevivência foi minimizada, quando o Projeto, em parceria com outros setores da sociedade, concretizou ações, como cursos profissionalizantes, projeto de geração de renda, projeto da casa própria, viabilização de documentação, dentre outras. Cessada ou minimizada as questões básicas de sobrevivência, geradoras da demanda inicial, havia de prosseguir-se na escuta do sujeito, cujo direcionamento terapêutico visava a recuperação da auto-estima, para que emergisse o sujeito social e uma postura cidadã. Ao iniciar o atendimento psicológico, no CERFAM, se deu uma demanda intensa de proporções pouco antes conhecida: escutar o sofrimento de quem convive e/ou conviveu com as necessidades básicas de sobrevivência. Escuta crua e carente de significações, onde a questão essencial acerca da vida perpassava pela (in)diferença social e pelo posicionamento do sujeito diante de si e do outro. Identificou-se, mesmo reconhecendo que cada sujeito carrega em si a peculiaridade de ser único, um traço comum aos sujeitos acolhidos: o fato de que a experiência da fome e da desigualdade social parece retirá-los da condição de uma vivência com dignidade. A aceitação de condições subumanas de vida e de degradação humana era um posicionamento presente, como se estivessem torpes. É possível se escutar a fome?3 Esse era um questionamento constante após os atendimentos. Há de, certamente, sanar ou minimizar as necessidades básicas de vida de uma pessoa para que surja outra angústia que o situe como sujeito de sua própria história. Você tem fome de quê? Se for de comida, 309 dar-se-á a comida. Se for de satisfazer os seus desejos e de aprender a conviver com as suas angústias, dar-se-á a escuta terapêutica. Então, o que se encontra é um indivíduo com fome em busca de acolhimento* social e escuta terapêutica. Todos os serviços públicos de saúde devem estar abertos, para que as demandas do usuário possam ser acolhidas, e assim também deve ser qualquer instituição que se propõe a cuidar do social4. Contávamo-nos, portanto, com uma forma de trabalho, cujo modelo de atendimento à saúde aproximava bastante com a Clínica Ampliada que, para Cunha5 é “justamente a transformação da atenção individual e coletiva, de forma que possibilite que outros aspectos do Sujeito, que não apenas o biológico, possa ser compreendido pelo profissional de saúde”. Discussão Se não se pode escutar a fome, pode-se trabalhar para saná-la e escutar o sujeito. O sujeito que advém da fome é um sujeito com sua auto-estima comprometida, daí a necessidade de o mesmo ser re-significado, pois, segundo Coopersmith (1967), “Uma pessoa com autoestima alta mantém uma imagem constante das suas capacidades e da sua distinção como pessoa. Estas pessoas com auto-estima alta também têm maior probabilidade para assumir papéis ativos em grupos sociais e efetivamente expressam as suas visões. Menos preocupados por medos e ambivalências, aparentemente se orientam mais diretivamente e realisticamente às suas metas pessoais”6. Isto é necessário para que seja possível reconhecer-se como sujeito e exercer o seu direito a cidadania. Desta forma, o atendimento psicológico deu sustentação a estes sujeitos. A inserção no mercado de trabalho, a melhoria da condição de vida e a reconstrução da vida social contavam com o apoio de uma equipe interdisciplinar e o desejo de mudança do sujeito, a partir da apreensão do seu lugar na existência. O trabalho realizado pelo CERFAM parece trazer nova forma de lidar com a pobreza. A tentativa é de ajudar Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico à população em situação de risco social Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos a expurgá-la, num trabalho de revitalização do desejo do sujeito, em clínica extraconsultório. Utilizam-se as instituições informais da comunidade, porque estas representam recursos potenciais capazes de produzir sentido, contratualidade e bem-estar, e considera sobremaneira a cultura local, histórica e social do sujeito2. Só um sujeito situado no seu tempo histórico e em relação aos determinantes culturais, políticos e econômico poderá transformar, desejar e ousar a mudança, sair do conformismo, reverter a lógica que sustenta o imobilismo, isto é, comprometer-se ser um ser da práxis7. Em uma sociedade desigual, cujas ações voltadas para o social são parcas, tivemos grande dificuldade de trabalhar em uma estrutura de rede de atendimento. O profissional teve que ser imbuído de um desejo profundo de mudar a situação. O psicólogo que trabalha no CERFAM pode ser considerado como um “operador”, isto é, pessoa capaz de reconstruir a história de vida dos usuários para além do diagnóstico e do sintoma, trabalhadores ativos no processo de reelaboração do sofrimento e reinvenção da vida7. O “operador” psicólogo no caso, sob essa perspectiva, volta-se para a qualidade do cuidado, a qual pressupõe acolhida e na responsabilidade pela atenção integral da saúde coletiva e individual, e para a criação de estratégias de modificação da realidade da comunidade do Projeto Famílias Unidas. Segundo Guerra (2001), Freud já anunciava, nos idos de 1919, que haveria “um tempo em que a psicanálise aplicada a grandes parcelas da população pelo Estado traria modificações em sua prática”8. É na previsão sábia deste autor que partimos para a prática psicoterápica mais voltada para o social. Consideração Finais Poder contribuir com a re-significação do sujeito em um ambiente hostil (IDH de 0,660)9 de muita fome e desigualdade social, foi uma experiência desafiadora. Mesmo com o suporte da Clínica Ampliada, os saberes acerca deste assunto estão muito aquém das necessidades e demandas destes sujeitos. O CERFAM, por buscar (intencionar) um trabalho direcionado para a rede de assistência, não só se coloca como 310 uma das referências deste trabalho, como é agente questionador da necessidade de uma rede de serviço de Saúde Pública para atender a demanda do sujeito. O assistencialismo é sempre uma política de exclusão que retroalimenta a miséria. Aprendemos que o trabalho de reposicionamento do sujeito é justamente o único caminho encontrado para retirá-lo da situação de recebedor das “caritas” e ser um agente social10. Por vezes, até que o movimento do sujeito se possa fazer, a caridade e o assistencialismo são praticados. A diferença está no limite e no propósito da ação: alimentar e dar segurança ao sujeito para que ele possa se ver como tal, deixando de ser um bicho vagante para ser um agente social atuante. É preciso mostrar que o início da construção de um sujeito cidadão é a casa, a história e o nome resgatados pela escuta terapêutica e, também, e não menos importantes, as ações de afirmações sociais como possuir o registro de nascimento, a carteira de identidade ou o CPF. Num país carente da Atenção Básica, o lugar do psicólogo é o espaço da escuta da dor de quem vive na labuta da vida e na iminência da morte, como sina, como sombra, como desafio; a morte do sujeito afogado pela indiferença social e pelas condições desumanas de vida. Não é à toa que verificamos, em atendimento clínico, tantas psicopatologias. São nas depressões, nas psicoses, nas epilepsias com comorbidades psiquiátricas, nas tentativas de suicídio, nas fobias e na drogadicção, que aparece a face do problema, não apenas do indivíduo, mas a de uma sociedade adoecida. Então, é preciso agir para mudar e construir a rede de atendimento e acreditar que o humano em nós é soberano, seja pela resiliência, seja pelo reposicionamento diante dos outros e do Outro. Assim, é esse termo Lacaniano, Outro, representante da linguagem e da cultura, que nos espreita e demanda respostas11. Referências 1. Tenório, F.. CADERNOS IPUB. A clínica da recepção nos dispositivos de saúde mental. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000. Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico à população em situação de risco social Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos v. 6, n. 17. Págs. 79 a 91. 2.Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. 2. ed. Rio de Janeiro (RJ): Te Corá/Instituto Franco Basaglia, 2001. 3.Sawaya, A L et al. Os dois Brasis: quem são, onde estão e como vivem os pobres brasileiros. Estudos Avançados, São Paulo: May/Aug 2003. v. 17, n. 48, maio/ago. 4.BRASIL, Ministério da Saúde. Reorganização do sistema de saúde mental: uma experiência do Qualis2. Revista Promoção da Saúde. Ano 2, n. 3, p. 446, ago. 2000. 5.Cunha, G. T. A construção da clínica ampliada na atenção básica. São Paulo: Editora Hucitec, 2005. pág.12 6.Coopersmith, S. The antecedents of self-esteem. San Francisco: Freeman, 1967. págs 4 e 5 7.Dimenstein, M. O psicólogo e o compromisso social no contexto da saúde coletiva. Psicologia em Estudo. Maringá: jul/dez 2001. Vol 6 , no 2, pág. 57 a 63 Psicol. estud. Maringá: July/Dec. 2001. v. 6, n. 2. 8.Guerra, A. M. C. A Psicanálise no campo da Saúde Mental infanto-juvenil. Revista Psychê. V.9 no 15. São Paulo, jun 2005. 9.Katherine, F.. Distribuição de renda na RMS é a 2ª pior do mundo. Jornal A Tarde. Salvador – Ba. 28/12/07, págs. 4 e 5. 10.Ramminger, T. Psicologia comunitária x assistencialismo: possibilidades e limites. Ciência e profissão, Brasília: 2001. v. 21, n. 1, mar. 11. Braga, M. L. S. As três categorias peircianas e os três registros lacanianos. Psicol. USP vol.10 n.2 São Paulo, 1999 Endereço para correspondência: Leila Márcia Souza Oliveira Rua Metódio Coelho 104/408 Salvador, Bahia Cep: 40279-120 Endereço eletrônico: [email protected]. 311 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Resumo de Tese A utilidade como função para universalidade e eqüidade: uma análise formal da validade instrumental do ordenamento administrativo federal da assistência à saúde bucal no saúde da família Utility as function for universality and equity: a formal analysis of the instrumental validity of federal administrative ordinance on oral healthcare for the Family Heath Program These Abstract Carlo Henrique Goretti Zanetti Trabalho teórico de justificação, desenvolvimento e aplicação de um modelo lógico proposto para realizar, formal e sinteticamente, a avaliação econômica do objeto: a institucionalização do ordenamento administrativo federal da saúde bucal no saúde da família; com o objetivo geral de conhecer e validar sua função de utilidade. A hipótese é que: as condições iniciais que esse ordenamento informa não sinalizam as melhores escolhas para a reorganização da assistência básica prestada pela maioria dos municípios orientados pela estratégia da saúde da família – falta racionalidade ao ordenamento. A justificação teórica pressupôs considerações sobre o ordenamento administrativo como instrumento útil à realização dos princípios constitucionais do SUS; remetendo à idéia instrumental de economia de escolhas em seu sentido filosófico de ordem, no plano político do contrato social; bem como em seu sentido técnico mais aplicado de utilidade, no plano da realpolitik das ações da administração pública. Recorreu-se a uma metodologia racional-dedutiva: (i) fazer a descrição fundamental; (ii) investigar a heurística e sintaxe da formalização dos programas possíveis sob tal ordenamento; (iii) explorar, aos limites, os procedimentos de representação de ordem mediados pelas categorias econômicoutilitárias de eficácia (potência) e eficiência (rendimento); (iv) fazer julgamentos; (v) proferir prescrições normativas úteis (recomendações). A aplicação do modelo, orientada nos princípios constitucionais de universalidade e eqüidade, pressupôs duplo julgamento: (i) da eficácia do ordenamento para a universalidade ajuizada no valor normativo da igualdade; (ii) da eficácia e eficiência do ordenamento para eqüidade ajuizada no valor normativo da diferença. Eficácia e eficiência consideradas no plano administrativo; e, igualdade e diferença no plano do contrato. Principais resultados: (i) apenas 20,36% dos municípios que aderiram às regras federais têm potência nominal (eficácia) para assegurar acesso universal; (ii) apenas 6,88% apresentam eficácia em condições favorecidas para eficiência; (iii) somente 0,2% apresentam eficácia em condições desfavorecidas para eficiência e justificáveis por razões de justiça. Principal conclusão: formalmente, o ordenamento vigente é inútil em termos racionais e não-razoável em termos de justiça, portanto, nacionalmente inválido para reorientar a assistência básica em saúde bucal na observância dos princípios constitucionais de universalidade e eqüidade. Principal recomendação: na impossibilidade de um arranjo alocativo capaz de reunir simultaneamente virtudes utilitárias e de justiça, há que se adotar duas regras: uma que sinalize eficácia e eficiência ótima para sistemas locais que contam com condições iniciais mais favorecidas; e, outra que sinalize eficácia, eficiência subótima para sistemas em condições menos favorecidas. Ambas estribadas nas razões práticas de utilidade e justiça. Palavras-chave: Serviços de Saúde Bucal-economia; Saúde da Família; Economia da Saúde. Key Words: Dental Health Services-economics; Family Health; Health Economics. Bras Med Fam e Com 312 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Carlo Henrique Goretti Zanetti A utilidade como função para universalidade e eqüidade: uma análise formal da validade instrumental do ordenamento administrativo federal da assistência à saúde bucal no saúde da família Tese de Doutorado Nome do Orientador Maria Helena Machado Escola Nacional de Saúde Pública / Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro, 2005. Disponível no Portal de Teses Fiocruz: http://www.bvssp.cict.fiocruz.br/lildbi/docsonline/7/1/ 617-zanettichgd.pdf 313 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Resumo de Tese Necessidades de Saúde na estratégia de saúde da família, no município de Jequié - Ba: em busca de uma tradução These Abstract Health needs in the context of the Family Health strategy at the municipality of Jequié - BA: searching to underst Adriana Alves Nery Estudo de abordagem qualitativa, realizado junto aos usuários de famílias acompanhadas por uma equipe de Saúde da Família do município de Jequié-BA, que teve por objetivo geral utilizar a taxonomia de necessidades de saúde de Matsumoto (1999) como instrumento de leitura de necessidades junto a uma unidade de Saúde da Família, a partir da ótica das famílias atendidas. A pesquisa teve como suporte teórico a taxonomia de necessidades de saúde de Matsumoto e como técnica de coleta do material empírico o grupo focal. Trabalhamos com cinco grupos focais, compostos de 8 a 12 integrantes das cinco microáreas na área de abrangência da equipe de Saúde da Família. Utilizamos a análise temática com a identificação de quatro temas: o processo saúde-doença; a necessidade de acesso; o vínculo na construção da interação; a participação construída versus participação concedida. Os sujeitos apontam diversas concepções do processo saúde-doença: saúde relacionada ao corpo físico, às formas de produção e reprodução social, envolvendo as condições e modos de vida dos indivíduos; saúde é crença em Deus, é um bem simbólico. Ao trazerem sua concepção do processo saúde-doença, apontam para a necessidade de boas condições de vida através do acesso à educação, ao emprego, ao lazer, a ruas asfaltadas e à rede de esgoto, dentre outros aspectos. Quanto à necessidade de acesso, reconhecem que é um direito garantido constitucionalmente, viabilizado através do SUS, embora haja dificuldades no acesso a todos os níveis de atenção à saúde, principalmente no que diz respeito às especialidades e à urgência e emergência, fazendo com que estes procurem outras alternativas assistenciais: utilização de remédios caseiros, farmácia, dentre outras. Com isto assinalam a necessidade da garantia de acesso a todas as tecnologias disponíveis. Afirmam que existem um descaso e descrédito no atendimento dispensado por alguns profissionais, na unidade de Saúde da Família e nas unidades de referência assistencial, e indicam a necessidade de ter vínculo com o profissional ou a equipe de saúde ao afirmarem que os trabalhadores da equipe não têm tempo de escutá-los em função da grande demanda e que gostariam de uma comunicação mais “próxima” com os trabalhadores que os atendem. Ressaltam que se sentem mais à vontade e têm mais intimidade com os ACSs do que com os outros trabalhadores, porque estes são as pessoas mais próximas de seu dia-a-dia e em seus lares. Na fala dos usuários, há uma contradição em como ocorre sua participação na comunidade, uma participação que é ?concedida? através das atividades desenvolvidas pela equipe de Saúde da Família e uma construída que é pela atuação destes nas associações de moradores e no Conselho Local de Saúde, indicando a necessidade de autonomia e autocuidado no modo de “andar a vida”. Esta investigação teve como pressuposto que a taxonomia de necessidades proposta por Matsumoto (1999) pode se constituir em potente ferramenta para a leitura das necessidades de saúde dos usuários que Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Determinação de Necessidades de Saúde; Saúde da Família. Key Words: Primary Health Care; Health Needs Determination; Family Health. Bras Med Fam e Com 314 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Necessidades de Saúde na estratégia de saúde da família, no município de Jequié - Ba: em busca de uma tradução Adriana Alves Nery demandam as unidades de Saúde da Família, o que foi possível ser evidenciado através da apreensão do material empírico. Consideramos que as transformações do processo de trabalho em saúde só se efetivarão num movimento de articulação entre a produção do cuidado em saúde, a participação social e a gestão de serviços na direção de uma lógica da integralidade da assistência. Neste sentido, oferecer ferramentas para o trabalho e, neste caso, a taxonomia de necessidades proposta por Matsumoto (1999) pode levar os gestores e a equipe a refletir sobre uma outra lógica para o trabalho em saúde que os aproxime dos usuários, favorecendo os processos de participação social, possibilitando uma escuta que passe a ser qualificada pela compreensão de necessidades de saúde e com a premissa da integralidade da assistência à saúde. Tese de doutorado Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) Orientador Silvana Martins Mishima, Ribeirão Preto, 2006 Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/ tde-02022007-144340/ 315 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Resumo de Tese Qualidade de vida dos agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná These Abstract Quality of life of community health agents from a city in the interior of Paraná State Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky Este é um estudo descritivo, de corte transversal e com abordagem quantitativa, tendo como objetivo avaliar a qualidade de vida de agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná, Brasil. Foi utilizado um instrumento genérico para avaliar qualidade de vida, elaborado por pesquisadores da Organização Mundial da Saúde, denominado WHOQOL-bref, na sua versão para o português. Este instrumento é composto de duas partes. A primeira refere-se à ficha de informações sobre o respondente. A segunda consta de 26 questões, sendo que as duas primeiras avaliam a qualidade de vida de modo geral e a satisfação com a própria saúde (Qualidade de Vida Geral), as outras 24 questões estão divididas em quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente. A coleta de dados foi realizada durante reuniões, de forma auto-administrada. Do total de 196 agentes comunitários de saúde, o grupo de estudo ficou composto por 169 agentes (86,2% do total existente). Os dados foram analisados utilizando-se medidas descritivas e o programa estatístico SPSS. O nível de significância adotado foi de 5%. A confiabilidade do WHOQOLbref mostrou-se satisfatória, com coeficiente Alfa de Cronbach de 0,87 para as 26 facetas e para os domínios variou de 0,50 (domínio Relações Sociais) a 0,72 (domínio Físico). A maioria dos agentes era do sexo feminino (89,3%); idade entre 19 e 30 anos (47,9%) e idade média de 31,1 anos (DP=8,8); 61,5% com segundo grau completo e com predomínio de casados (42,6%). Quanto à qualidade de vida, numa escala de 0 a 100, onde maiores escores médios indicam melhor avaliação da qualidade de vida, a Qualidade de Vida Geral obteve um escore médio de 69,6 (DP=14,5). O domínio Relações Sociais obteve o melhor escore médio, 75,8 (DP=14,2). O domínio Físico obteve escore médio de 74,2 (DP=13,2) e o domínio Psicológico, 74,0 (DP=11,4). O domínio Meio Ambiente obteve o menor escore médio, de 54,1 (DP=12,0). As facetas que obtiveram os maiores escores médios em cada domínio foram: relações pessoais (domínio Relações Sociais); mobilidade e capacidade de trabalho (domínio Físico); espiritualidade, religião e crenças pessoais e auto-estima (domínio Psicológico) e ambiente no lar e segurança física e proteção (domínio Meio Ambiente). As facetas que obtiveram os menores escores médios em cada domínio foram: suporte ou apoio social (domínio Relações Sociais); energia e fadiga (domínio Físico); pensar, aprender, capacidade de memória e concentração (domínio Psicológico), e recursos financeiros e oportunidades de recreação/lazer (domínio Meio Ambiente). Pela correlação entre cada questão que compõe o domínio e o escore médio do domínio, observou-se que todas as facetas foram estatisticamente significativas, em maior ou menor proporção, em cada um dos respectivos domínios. Os resultados obtidos sugerem uma avaliação positiva para a Qualidade de Vida Geral e para os domínios Relações Sociais (maior escore médio entre os domínios), Físico e Psicológico, e uma avaliação intermediária para o domínio Meio Ambiente (menor escore médio entre os domínios). Este estudo possibilitou uma avaliação sobre qualidade de vida geral de um grupo de agentes comunitários de saúde e melhor entendimento sobre o tema. Palavras-chave: Agente Comunitário de Saúde; Programa Saúde da Família; Qualidade de Vida. Key Words: Community Health Agent; Family Health Program; Quality of Life. Bras Med Fam e Com 316 Rev Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 Qualidade de vida dos agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky Dissertação de Mestrado Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) Orientador Angela Maria Magosso Takayanagui Ribeirão Preto, 2005 Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/ tde-27092005-100622/ 317 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Instruções aos autores Instrução aos autores da Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade A Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (RBMFC) é uma publicação trimestral da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, que tem por finalidades: sensibilizar profissionais e autoridades da área de saúde sobre a área de interesse da Medicina de Família e Comunidade; estimular e divulgar temas e pesquisas em Atenção Primária à Saúde (APS); possibilitar o intercâmbio entre academia, serviço e movimentos sociais organizados; promover a divulgação da abordagem interdisciplinar e servir como veículo de educação continuada e permanente no campo da Medicina de Família e Comunidade, tendo como eixo temático a APS. Os trabalhos serão avaliados por editores do Con- selho Científico e Editorial, como também por pareceristas convidados ad hoc. O processo de avaliação por pares preserva a identidade dos autores e suas afiliações, sendo estas informadas ao Conselho Editorial somente na fase final de avaliação. Todos os trabalhos deverão ser escritos em português, com exceção dos redigidos por autores estrangeiros não-residentes no Brasil, que poderão fazê-lo em inglês ou espanhol. Tipos de Trabalho A revista está estruturada com as seguintes seções: Editorial Artigos Originais Artigos de Revisão Diretrizes em Medicina de Família e Comunidade Ensaios Relatos de Experiência Resumos de Tese Cartas ao Editor O Editorial é de responsabilidade do editor da revista, podendo ser redigido por terceiros por solicitação dele. A seção Artigos Originais é composta por artigos resultantes de pesquisa científica, apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou de observação, voltados para investigações qualitativas ou quantitativas em áreas de interesse da APS. Artigos originais são 318 trabalhos que desenvolvem crítica e criação sobre a ciência, tecnologia e arte das ciências da saúde que contribuem para a evolução do conhecimento sobre o homem, a natureza e a inserção social e cultural. O texto – contendo introdução, material ou casuística, métodos, resultados, discussão e conclusão – deve ter até 25 laudas. A seção Artigos de Revisão é composta por artigos nas áreas de Gerência, Clínica, Educação em Saúde. Os artigos de revisão são trabalhos que apresentam síntese atualizada do conhecimento disponível sobre matérias das ciências da saúde, buscando esclarecer, organizar, normalizar e simplificar abordagens dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre o homem e a natureza e sua inserção social e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas e devem ter até 20 laudas, contendo introdução, desenvolvimento e conclusão. A seção Diretrizes em MFC é composta por artigos estruturados dentro das normas da Associação Médica Brasileira para diretrizes clínicas, validados pela SBMFC. Sua confecção, sob orientação da Diretoria Científica da SBMFC, é uma proposta de organizar e referendar o trabalho dos MFC no Brasil. A seção Ensaios visa à divulgação de artigos com as análise crítica sobre um tema específico relacionado à Medicina de Família e Comunidade e deve ser apresentada em uma média de 5 a 10 laudas. A seção Relatos de Experiência é composta de artigos que relatam casos ou experiências os quais explorem um método ou problema por meio do exemplo. Os relatos de caso apresentam as características do indivíduo estudado – com indicação de sexo e idade, podendo este ser humano ou animal –, ressaltam sua importância na atuação prática e mostram caminhos, condutas e comportamentos para a solução do problema. Essa parte deve ocupar até 8 laudas, com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão. A seção Resumos de Tese, que deve ter apenas 1 lauda, tem como proposta a divulgação da produção científica na temática do periódico. Nela, devem ser expostos resumos Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n°8, jan / mar 2007 RBMFC Instruções aos autores de dissertações de mestrado ou teses de doutoramento/ livre-docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras ou não. Os resumos deverão ser encaminhados com o título oficial da Tese, informando o título conquistado, o dia e o local da defesa. Devem ser informados, igualmente, o nome do Orientador e o local onde a tese está disponível para consulta. Em Cartas ao Editor, opiniões de leitores e su- gestões sobre a revista são bem recebidas. As cartas, contendo comentários sobre material publicado, devem ter no máximo 2 laudas. Os trabalhos a serem submetidos à apreciação do Conselho Científico deverão ser encaminhados por e-mail para a Secretaria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade ou ao Editor da revista. O padrão de formatação exigido é Word for Windows – versão 6.0 ou superior -, página padrão A4, letra Arial (tamanho 11), espaçamento entre linhas 1,5 e numeração seqüencial em todas as páginas. As notas de rodapé devem ser limitadas ao máximo possível, assim como as tabelas e os quadros – que devem ser de compreensão independente do texto. Os autores deverão informar seus nomes e endereços completos e quais organizações de fomento à pesquisa apoiaram os seus trabalhos, fornecendo inclusive o número de cadastro do projeto. Os trabalhos que envolverem pesquisas com seres humanos deverão vir acompanhados da devida autorização do Comitê de Ética da Instituição. Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência de apresentação: 1. Título em português e também em inglês(*). 2. Nome completo – nome(s) seguido(s) do(s) sobrenome(s) do(s) autor(es) – e, no rodapé, a indicação da Instituição a qual está vinculado, cargo e titulação. 3. Resumo do trabalho em português, no qual fiquem claros a síntese dos propósitos, os métodos empregados e as principais conclusões do trabalho. 4. Palavras-chave – mínimo de 3 e máximo de 5 palavras-chave ou descritores do conteúdo do trabalho, 319 apresentados em português de acordo com o DeCS – Descritores em Ciências da Saúde da BIREME - Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – URL: <http://decs.bvs.br/>. 5. Abstract – versão do resumo em inglês(*). 6. Key words – palavras-chave em inglês, de acordo com DeCS(*). 7. Artigo propriamente dito, de acordo com a estrutura recomendada para cada tipo de artigo, citada no item 2. 8. Figuras (gráficos, desenhos e tabelas) devem ser enviadas à parte, com indicação na margem do local de inserção no texto; as fotografias em preto e branco devem ser apresentadas em papel brilhante. 9. Referências: são de responsabilidade dos autores e deverão ser limitadas às citações do texto, além de numeradas segundo a ordem de referência, de acordo com as regras propostas pelo Comitê Internacional de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors). Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos. Disponível em: <http:// www.icmje.org>. (*) A versão do título do trabalho, do resumo e das palavras-chave para o idioma inglês ficará a cargo da própria revista, salvo eventual decisão ao contrário em época futura que, se vier ao caso, será comunicada no Editorial da revista. Exemplos: Periódico Valla VV. Educação popular e saúde diante das formas de se lidar com a saúde. Revista APS. 2000; (5): 4653. Livro Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1994. 204p. Capítulo de livro Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Instruções aos autores Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos serviços de saúde. 3. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p. 65-69. Dissertação Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores. [Dissertação]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993. Evento Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no PIES/UFJF; 6º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2000, Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328. Documento eletrônico Civitas. Coordenação de Simão Pedro P. Marinho. Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 1995-1998. Apresenta textos sobre urbanismo e desenvolvimento de cidades. Disponível em: www.gcsnet.com.br/oamis/civitas. Acesso em: 27 nov. 1998. Fluxo dos trabalhos submetidos à publicação. Os artigos são de total e exclusiva responsabilidade dos autores. Avaliação por pares: os artigos recebidos são protocolados na secretaria da revista e encaminhados tanto ao editor geral quanto aos editores associados, para a triagem, a avaliação preliminar e a posterior distribuição ao Conselho Editorial e Científico, em conformidade com as áreas de atuação e especialização dos membros, bem como o assunto tratado no artigo. Todos os textos são submetidos à avaliação de dois consultores – provenientes de instituição diferente daquela do(s) autor(es) –, em um processo duplo cego, que os analisam em relação aos seguintes aspectos: adequação do título ao conteúdo; estrutura da publicação; clareza e pertinência dos objetivos; 320 metodologia; informações inteligíveis; citações e referências adequadas às normas técnicas adotadas pela revista e pertinência à linha editorial da publicação. Os consultores preenchem o formulário de parecer, aceitando, recusando ou recomendando correções e/ou adequações necessárias. Nestes casos, os artigos serão devolvidos ao(s) autor(es), para os ajustes e reenvio, e aos consultores para nova avaliação. O resultado é comunicado ao(s) autor(es), e os artigos aprovados ficam disponíveis para publicação em ordem de protocolo. Não serão admitidos acréscimos ou modificações após a aprovação. Declaração de responsabilidade dos autores Todas as pessoas responsáveis como autores devem responder pela autoria dos trabalhos, tendo como justificada a sua participação de forma significativa no trabalho para assumir responsabilidade pública pelo seu conteúdo. Deverão, portanto, assinar a seguinte declaração de autoria e de responsabilidade: “Declaro que participei de forma significativa na construção e formação deste estudo ou da análise e interpretação dos dados, como também na redação deste texto, tendo, enquanto autor, responsabilidade pública pelo conteúdo deste. Revi a versão final deste trabalho e aprovo para ser submetido à publicação. Declaro que nem o presente trabalho nem outro com conteúdo semelhante de minha autoria foi publicado ou submetido à apreciação do Conselho Editorial de outra publicação.” Artigos com mais de um autor deverão conter uma exposição sobre a contribuição específica de cada um no trabalho. Os autores de cada artigo receberão, após a publicação de seu trabalho, três exemplares da revista em que o seu estudo foi publicado. Ética em pesquisa Com relação às pesquisas iniciadas após janeiro de 1997, nas quais exista a participação de seres humanos nos termos do inciso II.2 da Resolução 196/ 96 do Conselho Nacional de Saúde (“pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta, Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Instruções aos autores em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais”), sempre que pertinente, deve ser declarado no texto que o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Os trabalhos devem ser enviados para: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC Correspondência Rua 28 de Setembro, 44 sala 804 Rio de Janeiro - RJ Cep: 20551-031 Tel/fax: 21 2264-5117 Endereço eletrônico: [email protected] 321 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Instructions to authors Instructions to authors of the Brazilian Journal of Family and Community Medicine The Brazilian Journal of Family and Community Medicine (BJFCM) is a three-monthly publication of the Brazilian Society of Family and Community Medicine, aimed at sensitizing professionals and health authorities to this field of interest, stimulating and disseminating Primary Health Care (PHC) issues and investigations, and facilitating interchange between academic institutions, health care services and organized social movements. The periodical also aims to promote an interdisciplinary approach to this area and to serve as a vehicle for continued and permanent education in the field of Family and Community Health, with emphasis to the central subject PHC. Manuscripts will be reviewed by members of the Scientific and Editorial Board as well as by outside referees. This peer-review process safeguards the identity of authors and their institutions of origin, which only will be revealed to the Editorial Board in the end of the evaluation process. All manuscripts should be prepared in Portuguese language. Foreign authors, not living in Brazil, can submit their papers in English or Spanish. Categories and formats of papers The journal is divided into the following sections: Editorial Original articles Review articles Directives in Family and Community Medicine Essays Case reports These Abstracts Letters to the Editor The Editorial is responsibility of the editor of the journal, but can be prepared by third persons on his request. The section Original Articles is dedicated to reports on scientific investigations, presenting original data on findings from experiments or observation with emphasis 322 to qualitative or quantitative studies in fields of interest for PHC. Original articles are criticisms or creations on science, technology and the art of health sciences, contributing to the evolution of knowledge about Man, nature and social and cultural inclusion. The papers - including introduction, material or rationale, methods, results, discussion and conclusion – should not exceed 25 pages. The section Reviews is composed by articles about Health Management, Clinics and Health Education. Review articles are papers presenting an up-to-date synthesis of available knowledge on health science subjects, with the intent to elucidate, organize, normalize and simplify approaches to the different problems affecting human knowledge about Man and nature and social and cultural inclusion. These papers are aimed at summarizing, analyzing, evaluating and synthesizing investigations already published in scientific journals and should not exceed 20 pages, including introduction, rationale and conclusion. The section Directives in FCM receives articles prepared according to the norms for Clinical Directives of the Brazilian Association of Physicians, validated by the BSFCM. The purpose of these articles - prepared under the guidance of the Scientific Board of the BSFCM – is to organize and reference the work of physicians involved in FMC in Brazil. The section Essays publishes critical analyses regarding specific topics related to Family and Community Medicine. Articles should have 5 to 10 pages. Case Reports are articles addressing cases or experiences by exploring a method or problem based on an example. These articles indicate details such as sex and age of the studied individual – human or animal – emphasize their importance in practice and indicate ways, procedures and conducts for solving the problem. Articles for this section should not exceed 8 pages and include introduction, rationale and conclusion. The section Abstracts of Theses is aimed at publishing scientific production in the field covered by the journal in form of abstracts of master’s and doctor’s Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Instructions to authors dissertations defended in Brazilian universities or abroad. Abstracts should not exceed one page, state the official title of the dissertation, the academic degree achieved, date and place where the thesis was defended and indicate the name of the supervisor and where the dissertation is available for consultation. In the section Letters to the Editor, readers are invited to express their opinion and make suggestions to the journal. Articles should be submitted by electronic mail, directed to the Secretariat of the Brazilian Society of Family and Community Health or to the Editor. Papers should be typed in word processor Word for Windows – version 0.6 or superior – paper size ISO A4, font Arial, size 11, space between lines 1,5, and all pages should be numbered sequentially. References should be kept to the necessary minimum. The same refers to tables and figures, which should be understandable independently from the text. Corresponding authors should inform their full names and addresses. The funding sources by which the work was supported should be stated. Articles describing investigations on human subjects must include a statement referring institutional ethics committee clearance. Manuscripts should be structured as below: 1. Title 2. Complete names – first name(s) followed by family name(s) of the author(s) 3. Abstract giving a clear synthesis of the purpose, describing the methods used and main conclusions of the study. 4. Key words – a minimum of 3 and a maximum of 5 key words or describers of the contents of the work, following the norms of DeCS, available at http:// decs.bvs.br/ 5. Text of the article, according to the recommendations for each category given above. 6. Figures (graphs, diagrams and tables) according 323 to the recommendations given above. 7. References: are responsibility of the authors and should be arranged numerically according to the order in which they appear in the text, according to the rules of the International Committee of Medical Journal Editors, Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals, available at http://www.icmje.org Examples: Periodical Valla VV. Educação popular e saúde diante das formas de se lidar com a saúde. APS Journal. 2000; (5): 46-53. Book Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1994. 204p. Book chapter Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos serviços de saúde. 3rd. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p. 65-69. Dissertation Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores. [Dissertation]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993. Event Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no PIES/UFJF; 6th Brazilian Congress on Collectyive Health; 2000, Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328. References from the internet Civitas. Coordinated by: Simão Pedro P. Marinho. Developed by: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 1995-1998. Presents texts on urbanism and city Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007 RBMFC Instructions to authors development. Available at: <http//www.gcsnet.com.br/ oamis/civitas>. Accessed: Nov 27. 1998. Review procedures and publication of submitted manuscripts. The articles are of the full and exclusive responsibility of the authors. Peer-review procedure: received articles are registered by the Secretariat of the journal and submitted to the Scientific and Editorial Board for screening, preliminary evaluation and posterior distribution to ad hoc referees with specific expertise in the subject addressed by the article. All manuscripts are submitted to two referees, coming from institutions different from those of the author(s) who, in a double-blind review process, assess them with respect to the following aspects: pertinence of the title in relation to the content, structure of the manuscript, pertinence and clearness of objectives, methodology, intelligible information, conformity of citations and references with the technical norms and alignment with the editorial line of the journal. The referees fill in the review form accepting or rejecting the manuscript or suggesting improvements and/or necessary corrections. In this case, the manuscript is returned to the author(s) for revision and resubmission, followed by a new evaluation. The result is communicated to the author(s) and accepted articles will be published following the order of registry. No additions or modifications in manuscripts already accepted for publication will be admitted. elsewhere, nor is it currently under consideration for publication in another periodical.” Articles prepared by more than one author should state the specific contribution of each of them. The authors of each article will receive three exemplars of the edition in which their study was published. Ethics in experimentation Articles based on investigations involving human subjects should declare in the text that the investigation has beencleared by the responsible Ethics Committee on Human Experimentation. Manuscripts should be submitted electronically to: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC Contact Address: Rua 28 de Setembro, 44 sala 804 Rio de Janeiro - RJ Cep: 20551-031 Tel/fax: 21 2264-5117 e-mail: [email protected] Responsibility Statement All individuals named as authors for having participated substantially in the submitted study have to take public responsibility for the integrity of their work and consequently sign the following Responsibility Statement: “I hereby declare to have participated substantially in the conception and design of the present work and in the writing of the manuscript, taking public responsibility for its integrity. I have read the final version of this work and agreed to its submission for publication. The work in its present or a similar form has not been published 324 Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007