RBMFC
Sumário
EDITORIAL
A Atenção Primária à Saúde e o papel da Universidade
Yves Roland Talbot .............................................................................................................................................. 250
ARTIGOS
Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira. ................................................................................................. 253
Depressão na Atenção Primária à Saúde
Daniel Victor Arantes. ......................................................................................................................................... 261
Desafios para a implementação do Programa de Planejamento
Familiar em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes. ................................................. 271
Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar:
a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores
Luiz Miguel Santiago. ......................................................................................................................................... 282
Fatores de risco cardiovascular: perfil clínico e epidemiológico
dos participantes do projeto Atividade Física na Vila
Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa,
Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira. ............................................................................................... 288
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre - 1998 e 2002
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho. ..................................................................................... 298
RELATO DE CASO
Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico
à população em situação de risco social
Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos. ............................................................................................ 307
RESUMOS DE TESE
A utilidade como função para universalidade e eqüidade: uma análise formal
da validade instrumental do ordenamento administrativo federal da assistência
à saúde bucal no saúde da família
Carlo Henrique Goretti Zanetti. ............................................................................................................................. 312
Necessidades de Saúde na estratégia de saúde da família, no município
de Jequié - Bahia: em busca de uma tradução
Adriana Alves Nery. ............................................................................................................................................ 314
Qualidade de vida dos agentes comunitários de saúde
de um município do interior do Paraná
Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. ............................................................................................................... 316
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro v.2 nº 8
p. 248-324
jan / mar 2007
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Summary
EDITORIAL
Primary Care: the Role of the University
Yves Roland Talbot .............................................................................................................................................. 250
ARTICLES
Home Visits by the Family Health Team:
thoughts about the need for a broader professional view
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira. ................................................................................................. 253
Depression in Primary Care
Daniel Victor Arantes. ......................................................................................................................................... 261
Challenges for the implementation of the Family Planning
Program in a low-income community in aracaju, Sergipe, Brazil
Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e Valeska Holst Antunes. ................................................. 271
Medical services in the field of family health:
impact assessment from the users perspective
Luiz Miguel Santiago. ......................................................................................................................................... 282
Cardiovascular Risk Factors - Clinical and Epidemiologic
profiles in the subjects of the “Atividade Física na Vila” Project
Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa,
Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira. ............................................................................................... 288
The cost of the Family Health Program
in Porto Alegre - 1998 and 2002
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho. ..................................................................................... 298
CASE REPORT
Project United Families: psychotherapeutic care
offered to a social risk population
Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos. ............................................................................................ 307
THESE ABSTRACTS
Utility as function for universality and equity: a formal analysis of the instrumental validity
of federal administrative ordinance on oral healthcare for the Family Heath Program
Carlo Henrique Goretti Zanetti. ............................................................................................................................. 312
Health needs in the context of the Family Health
strategy at the municipality of Jequié - Bahia: searching to underst
Adriana Alves Nery. ............................................................................................................................................ 314
Quality of life of community health agents from
a city in the interior of Paraná State
Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. ............................................................................................................... 316
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Rio de Janeiro v.2
nº 8
p. 248-324 jan / mar 2007
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Editorial
A Atenção Primária à Saúde e o papel da Universidade
Editorial
Primary Care: the Role of the University
Yves Roland Talbot*
Atenção Primária à Saúde (APS) é a mais importante reforma da gestão saúde no mundo atual. Na maioria dos
países, governos e serviços têm assumido a liderança no desenvolvimento da APS, como foi decidido na declaração da
Alma Ata1.
Desde 1990, uma série de fatos têm demonstrado o impacto de um forte sistema de cuidado com a saúde na saúde
das comunidades como um todo2,3. A melhoria no status de saúde de uma comunidade está diretamente relacionada à
qualificação, ou ao melhor balanceamento, da gama de profissionais especializados no cuidado primário e no aumento do
acesso ao mesmo em uma determinada região. As co-morbidades aumentam juntamente com a idade da população, e o
acesso a um cuidado primário compreensivo e coordenado se torna cada vez mais uma solução de custo-benefício palpável.
Essa acessibilidade reduz os efeitos adversos na saúde da inaptidão social.
Então porque as universidades e centros de pesquisa médica têm sido tão lentos a participar desse sistema até
recentemente? O documento intitulado Towards Unity for Health (Direcionando a Unidade da Saúde) oferece algumas
sugestões4 :
1. Universidades, particularmente, faculdades de medicina sob influencia do relatório Flexner têm mantido a orientação que
favorece a “especialização”;
2. Os incentivos e promoções das faculdades são geralmente ligados a pesquisa biomédica;
3. Membros da faculdade são geralmente mais interessados na especialização de novos graduados que podem suportar
melhor os seus pacientes internados;
4. O crescimento dos membros acadêmicos do cuidado primário é frequentemente percebido como uma ameaça aos
recursos de um estabelecimento, especialmente o poder de base nos centros de saúde das universidades;
5. O poder de base do cuidado primário se encontra nas comunidades, enquanto para os centros de saúde universitários,
o cuidado primário está freqüentemente às margens deste poder.
Universidades devem ter um papel muito importante nesta reforma. Universidades precisam ser socialmente
responsáveis e ajudar a promover o bem-estar de suas comunidades através da educação e pesquisa.
Onde e como universidades podem executar este papel?
Universidades têm um papel a executar em construir competências para desenvolver programas baseados em
um treinamento direcionado ao cuidado primário do amanhã. O que inclui liderança de grupo, habilidades com a
comunidade e com a população na saúde, além da prevenção de doenças ao invés das tradicionais competências acadêmicas
de uma faculdade. Existem três estágios de desenvolvimento no papel da Universidade, descritas a seguir:
* MFC, Professor da Universidade de Toronto, Canadá
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Yves Roland Talbot
Editorial
1. Educação continuada em serviço.
A experiência do serviço de treinamento no Brasil é similar a experiência canadense, onde a prática da medicina
de família tinha um papel central na propagação da educação de seus colegas, antes deles estarem na posição de ter
recursos financeiros e humanos suficientes para desenvolver um departamento na universidade. A educação no serviço
reforça o conhecimento de um generalista, e permite a “reciclagem” do papel de especialista para generalista, e mais tarde
identifica futuros modelos para residência na área.
Esses programas de treinamento em serviço, com o tempo, identificam potenciais instrutores e com o mercado
para a APS definido, eles podem procurar se tornar departamentos autônomos nas universidades que mantinham seus
programas interdisciplinares, baseados nas praticas reais. Entretanto, uma pré-condição a este treinamento é necessária: ter o
número de estudantes mínimos que se apliquem à APS para que este tipo de treinamento seja levado a sério. Se não existir
um mercado real dentro do sistema ou algo que suporte tal treinamento, ele existirá somente enquanto a energia permitir.
Os times de trabalhadores de APS, implementados no Brasil, são treinados pelas universidades e sistemas de
saúde através do suporte financeiro do governo. O mesmo é dado para facilitar o treinamento em serviço inicial para
grupos. A estratégia descrita acima permite o desenvolvimento de um currículo baseado nas experiências profissionais na
área. Este é então baseado na realidade e assim responderá melhor às necessidades dos estudantes e da comunidade. O
Canadá propôs a residência em Medicina de Família como a única forma de um médico praticar o cuidado primário.
Isto foi devido a uma extensa pesquisa da Associação Médica do Canadá, onde foi dada preferência às necessidades da
comunidade e na ênfase ambulatorial da Medicina de Família no currículo.
2. Programas multidisciplinares de graduação e pré-graduação
No Canadá, o apoio ao desenvolvimento de um departamento de Medicina de Família veio depois da implantação
de um sistema nacional de cuidado com a saúde. Em países da América Latina, universidades têm se empenhado para
treinar especialistas e existem poucos programas de treinamento de cuidados primários formais. Existe uma grande
necessidade de fornecer aos médicos, no sistema de saúde, o treinamento para o cuidado primário. Isto é, na verdade,
um passo crucial para reforma a ser realizada. É essencial um grupo mínimo de profissionais já trabalhando neste campo.
Uma quantidade substancial da experiência de treinamento dos aprendizes da área deve ser baseada nos ensinamentos de
um veterano em cuidado primário.
A importância dos times multidisciplinares tem sido enfatizada em várias recomendações e é considerada uma
parte importante das ações implementadas na reforma do sistema de saúde (Alma Ata, 1978; Jakarta, 1996). Time é a
palavra mais usada para discutir a colaboração5,6. Multidisciplinar se refere à participação das diferentes disciplinas e
interdisciplinariedade descreve o processo de trabalho dos times de saúde de cuidado primário.
O currículo para os alunos pré-graduados e o número de posições de treinamento para os pós-graduados deve
refletir uma gama de especialistas balanceados de acordo com as necessidades locais ou nacionais.
3. Pesquisa
Pesquisa é essencial para o desenvolvimento de um sistema de cuidado de saúde primário baseado em fatos.
Usando o conhecimento e habilidades em pesquisa à nível de universidades ajudará a construir capacidade para um
futuro departamento acadêmico de cuidado de saúde primário bem como garantir uma melhor qualidade de serviços a
oferecer a população. Isso será dado pela construção de uma agenda sobre os resultados na saúde da comunidade (a
partir da geografia e da necessidade de saúde visando diferenças socioeconômicas). Objetivos da pesquisa:
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Yves Roland Talbot
Editorial
- promover o status e a imagem do cuidado primário como uma especialidade valorizada.
- defender o cuidado de saúde primário universal baseado em evidências.
- melhorar o cuidado primário como um componente vital do ensino das instituições.
Em resumo: a parceria da Universidade com os serviços de saúde locais, a associação entre profissionais e a
comunidade são os pilares da reforma do sistema de saúde. A Universidade pode ter um papel central na sustentabilidade
e legitimidade da APS como área de especialização através do treinamento, da pesquisa e do desenvolvimento de um
departamento para o cuidado primário. Ações têm sido propostas desde o artigo de Boelen 4, para promover a orientação
de um cuidado primário nos centros de saúde de uma Universidade:
- Aumentar o número e a visibilidade dos modelos de Atenção Primária, identificados durante a fase de desenvolvimento
do serviço, superando os especialistas, centrados em centros urbanos, focados na liderança institucional;
- Aumentar o apoio a pesquisa do cuidado primário e para uma documentação baseada em evidências e no valor do
cuidado primário para a saúde da comunidade;
- Aumentar a base de apoio para inovação na educação e no serviço em Atenção Primária;
- Reduzir a fragmentação das forças do cuidado primário dentro das instituições, separados por diferentes departamentos
(como medicina interna, medicina de família e pediatria), diferentes cursos (como medicina, enfermagem, odontologia,
farmácia), diferentes campos (como medicina e saúde pública) ou diferentes burocracias governamentais (como ministros
da saúde e ministros da educação); e
- Facilitar o acesso dos menos privilegiados e aos estudantes de escolas rurais ou com menos estrutura, incluindo estudantes
indígenas, na Universidade.
4. Referências
1. Organization, W. H. ((1994).). Primary Health Care Concepts and Challenges in a Changing World: Alma Ata Revisited.
SHS/CC 94.2. Geneva., . WHO/.
2. Starfield, B. (1991). “Primary Care and Health - a Cross-National Comparison.” Jama-Journal of the American Medical
Association 266(16): 2268-2271.
3. Starfield, B. (1994). “Is Primary-Care Essential.” Lancet 344(8930): 1129-1133.
4. Boelen, C. ((2000).). Towards Unity for Health: Challenges and Opportunities for Partnership in Health. Department of
Organization of Health Services Delivery. D. W. paper. Geneva., World Health Organization.
5. D’Amour, D. (1997). Structuration de la collaboration interprofessionnelle dans les services de sante au Québec. Departement
de Santé Publique, Faculté de Médecine. Montreal, Université de Montreal.
Faulkner, R. A., M (1999). “Interdisciplinary Team in Health Care and Human Services setting.” Health and Social work
24(3): 210-219.
6. Ferada, M. (2002). Le processus de collaboration interprofessionnelle à l egard d enfant a risque de negligence et de leurs
familles. Faculté des sciences infirmiere. Montréal, Montreal: 122.
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Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Home Visits by the Family Health Team:
thoughts about the need for a broader professional view
Artur Oliveira Mendes*
Fernanda Araújo de Oliveira**
Resumo
As visitas domiciliares assumem papel fundamental na organização do trabalho das equipes do Programa de
Saúde da Família (PSF). Contudo, romper com o paradigma biomédico exige uma vigilância nem sempre fácil ou
simples, com o objetivo de ampliar o olhar do profissional. Pensando em resolver essa questão, a Equipe Laranja do
Centro de Saúde Jardim Montanhês desenvolveu ficha de visita domiciliar, apresentada neste artigo, visando facilitar o
planejamento do cuidado do paciente e atentar para questões que fujam à simples intervenção sobre o corpo doente.
Abstract
Home visits play an essential role in the work of the Family Health Teams. However, breaking the biomedical model and gaining a
more comprehensive view of the patients’ needs is not always easy or simple. In an attempt to solve this question, the Orange Team of the Health
Center Jardim Montanhês created a home visit record form, presented in this paper. This form is aimed at providing information necessary for
planning the patient’s care and allows taking knowledge of questions that reach beyond the simple treatment of the diseased body.
Palavras-chave: Recursos Humanos em Saúde;
Visita Domiciliar; Humanização da Assistência.
Key Words: Health Manpower; Home Visit;
Humanization of Assistance.
* Médico, Equipe Laranja, Centro de Saúde Jardim Montanhês, da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
** Enfermeira, Equipe Laranja, Centro de Saúde Jardim Montanhês, da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
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Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira
1. Introdução
Nos dizeres de Jacquard1, a sociedade de hoje não
vive apenas uma crise, mas uma mutação irreversível. As
mudanças em processo, em todos os campos, não são
simples distúrbios que, passados, iriam conduzir-nos ao
estado anterior. Sobre a superfície deste planeta, a humanidade encontra-se em um tal questionar de posturas e
verdades, que a impressão é a de que vivemos um momento de revoluções, e os saberes da Academia, antes absolutos,
dão agora espaço a contra-saberes, formatados em novos
contextos, sob novos paradigmas2.
As ciências da saúde não poderiam fugir deste
processo. O hospital, antes tomado como grande centro
do conhecimento sanitário, hoje vem cedendo lugar para
novos cenários de prática e construção do conhecimento3,
estimulantes de um novo processo de formação profissional adequado à era em que passamos a viver. O trabalhador
da área de saúde já não pode se contentar com as informações
das consultas, sempre em ambiente controlado, se deseja
compreender seu paciente. As interfaces culturais de um caso,
por exemplo, dificilmente são explicitadas no consultório.
Assumindo a complexidade que envolve a definição
e os cuidados com o estado de saúde em tempos de pósmodernidade, a atenção dada ao ambiente e à teia de
relações que o paciente estabelece quando necessitado de
cuidados especiais tem na visita domiciliar um importante
instrumento para compreensão dos fenômenos e vicissitudes
que o “estar doente” suscitam em um espaço definido.
Com o advento do Programa Saúde da Família
(PSF) no Brasil, as visitas domiciliares aparecem como uma
das principais diretrizes da estratégia, seja pela possibilidade
de se entrar no ambiente familiar e conhecer melhor esta
realidade (e assim estabelecer planos de ações pertinentes
àquele cenário), seja porque uma série de pacientes antes
“esquecidos” pelo sistema de saúde devido às suas
impossibilidades de locomoção – como vítimas de acidente
vascular cerebral (AVC), paraplégicos, deficientes mentais que
se recusam a deixar o domicílio, dentre outros casos –, hoje,
podem ter contemplado seu direito ao cuidado e ao
atendimento.
254
Contudo, por mais que a proposta se apresente
como algo inovador, o simples conhecimento de casos
novos não garante a compreensão humana dos problemas
enfrentados. A compreensão, como defende Morin4, sempre
necessita de uma disposição subjetiva. Torna-se necessário
um treino do olhar do profissional, nem sempre atento ou
disposto a este cuidado5. Feuerwerker6 lembra, ainda, que
mesmo a compreensão das condições de vida, situações
socioeconômicas ou da moradia que interferem no processo
saúde-doença não bastam para solução dos mesmos se
não pudermos nos empenhar na busca de respostas mais
potentes para as questões levantadas. A falta de sistematização
das visitas, portanto, contribui para desperdício das
possibilidades que essa atividade guarda, tornando-se a visita
domiciliar, na maioria das vezes, mero espelho da consulta
médica e de enfermagem. Este é o produto das reflexões
da Equipe Laranja do Programa de Saúde da Família em
Belo Horizonte, estabelecida no Centro de Saúde Jardim
Montanhês. A proposta abarca, ainda, sugestão de modelo
de ficha própria, visando assim à organização das visitas
domiciliares e à direção de intervenções.
2. Justificativa
O PSF vem cada vez mais se tornando a principal
porta de entrada do usuário no sistema de saúde. A demanda
crescente nesta fase de expansão do projeto (o número de
equipes em atividade no momento é ainda pequeno para
atender a totalidade da população) tem sufocado o trabalho
dos profissionais de saúde e dificultado o planejamento
local das atividades e do cuidado. A responsabilidade sanitária
por uma área e o controle e a organização das atividades
dão lugar ao atendimento de casos agudos e manutenção de
receitas de quadros leves dos diversos agravos, o que contribui
para o desgaste dos trabalhadores, que, impossibilitados
de enxergar para além das atividades diárias, não vislumbram
resultados de seu trabalho e, por vezes, abandonam o PSF
ou se entregam à depressão, à desesperança ou ao cinismo (a
conhecida síndrome do Burn Out).
Sistematizar os instrumentos de atuação do PSF
urge enquanto necessidade política e técnica para o sucesso
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira
da estratégia. Organizar as visitas domiciliares permitiria
otimizar o tempo das equipes, já tão escasso no atual contexto,
e definir parâmetros para o acompanhamento da evolução
dos casos e consideração sistemática dos aspectos culturais e
comunitários envolvidos.
3.Discussão
A proposta deste artigo, fruto das reflexões da
Equipe Laranja, é a sistematização da visita domiciliar com
vias a orientar o plano de cuidado do paciente a partir da
compreensão não apenas de sua doença, mas de sua condição
enquanto ser humano condicionado e condicionante de um
ambiente dado.
Coelho 7 inova ao discutir a necessidade de
priorização de visitas para determinados pacientes
considerados em situação de risco. Contudo, não foi possível,
nos trabalhos da Equipe Laranja, estabelecer com clareza a
divisão que o citado autor propõe ao classificar as visitas em
“visita fim”, com objetivos focais e “visita meio”, voltada
para abordagem estratégica. Estiveram, antes, mescladas as
características de uma e outra categoria, quando, a partir de
uma “visita fim” a um paciente priorizado, como um
acamado, pôde-se estabelecer séries de encontros no
domicílio para envolvimento da família e traçar metas para
a organização do cuidado, com vias à prevenção de agravos
e promoção da saúde, quando, então visitas “fim” e “meio”
se confundiam, já que o foco sempre esteve sobre um
determinado morador, tido como paciente prioritário pela
equipe, mesmo quando eram traçadas estratégias envolvendo
outros sujeitos. A terminologia, contudo, representa passo
importante para objetivação das visitas ao estabelecer que,
antes da mesma, é preciso ter em mente um plano, o que
também é lembrado no Manual de Assistência Domiciliar
na Atenção Primária à Saúde8.
Considerando a consulta sob o ponto de vista
estritamente biomédico, o trabalho na visita domiciliar (“visita
fim”) não difere muito do que pode ser realizado na unidade
de saúde, como, por exemplo: controle de pressão arterial
(PA) e avaliação de escaras. A riqueza dessa atividade só pode
ser revelada se o profissional que executa este trabalho puder
255
enxergar não somente um corpo a ser cuidado, mas um ser
humano intrinsecamente ligado ao seu ambiente, influenciandoo e sendo influenciado por ele.
Para perceber os detalhes do mundo da vida é
necessário treino e o reconhecimento de quais são os aspectos
do território domiciliar que podem influenciar na clínica e
no cuidado com a pessoa em estado de vulnerabilidade que
se apresenta como foco da visita. A vida que se encontra
sob cuidado conta com laços familiares e comunitários que
permeiam suas crenças culturais sobre o seu estado atual e
que precisam ser consideradas para o sucesso na instituição
de um plano terapêutico.
A discussão organizada pelos autores, a ser
apresentada sob a forma de explicação dos tópicos do modelo
da ficha de visita domiciliar, a seguir, trata da possibilidade de
vislumbrar para além da simples consulta ou do teatral
aperto de mãos, troca de afagos e lanches. A visita deve ter
um caráter profissional, não social, como lembrado por Savassi
et. al.9, para guiar a atenção a um espaço privilegiado de
percepção de aspectos da vida do paciente, os quais não
aparecem durante conversas na unidade de saúde. Cunha10
aborda essas questões ao discutir a elaboração de Projetos
Terapêuticos Singulares (PTS), termo cunhado para sinalizar
a importância dada ao indivíduo e seu contexto na
organização de um plano de trabalho para a equipe de saúde.
Segue-se a explicação dos pontos que deveriam
ser observados durante a visita domiciliar e reflexões
pertinentes para organização de PTS, de acordo com o modelo
apresentado de ficha (figuras 1 e 2).
Paciente-alvo: mesmo considerando a atenção que
deve ser prestada a toda a família, não há sentido prático na
realização de pequenas consultas a todos os membros de
uma moradia. A demanda excessiva à qual as equipes estão
submetidas torna o tempo um artigo precioso que precisa
ser otimizado. Portanto, o paciente-alvo de uma visita, sob o
qual se dará o foco da investigação em progresso, é, quase
sempre, uma pessoa idosa. Trata-se, principalmente, de pessoa
incapaz de se deslocar até a unidade de saúde, seja por
dificuldades de deambulação (acidentados), seja por questões
de ordem psicológica (determinados pacientes com quadro
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Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira
de esquizofrenia) ou social (caso de alguns cuidadores, que
não podem deixar a pessoa sob sua responsabilidade
sozinha) e ambiental (como no caso de pacientes idosos
que se movimentam dentro de casa, mas moram em regiões
de acesso difícil e que exigiria melhor desempenho físico
para ultrapassar barreiras como, por exemplo, escadarias).
É preciso, neste item, desenvolver um histórico que defina
o caráter da dificuldade a qual justifica a visita e resgatar
quando, e sob que condições, o paciente foi, pela última vez,
atendido em um serviço de saúde. É necessário também
entender qual o grau de dependência do paciente para
atividades de vida diária (AVDs), tais como higiene pessoal,
e suas implicações na elaboração de um plano de cuidado.
Neste espaço, é anotado o endereço do paciente, o número
de seu prontuário na unidade e quem é o agente comunitário
de saúde (ACS) responsável pela área (este profissional é
fundamental para descrição e seguimento do caso).
Cuidador: em geral, há um cuidador, ou alguém
que possa ser identificado como tal. É importante entender
quem é essa pessoa e qual o seu vínculo com o paciente-alvo
(familiar? profissional?) e seus conhecimentos sobre o
problema. Pode ser necessário incluir no PTS um plano de
capacitação para o cuidador. É preciso, ainda, atentar para
o fato de que o cuidador muitas vezes é também pessoa
idosa e que precisa também de cuidados. Lahan e Silva11
observam que é necessário compreender o cuidador, para
“... não exigir além de suas possibilidades, mas não aquém
de suas potencialidades”. Por vezes existem cuidadores
voluntários, treinados, guiados por normas de alguma
instituição. O contato com essas pessoas deve ser pautado
no contato com a própria instituição (Igreja, Maçonaria etc).
Estrutura familiar: quem se envolve com o
cuidado na família? Saber responder a essa pergunta ajuda
a definir quem são os potenciais parceiros no tratamento e
quais são as pessoas que precisam ser envolvidas para o sucesso
do mesmo. Ter conhecimento de quais são as expectativas
dos familiares em relação ao caso ajuda a equipe a traçar um
plano de metas que leva em conta os desejos ou a desmistificação de crenças dos envolvidos. Qual a qualidade da relação
entre os familiares e o paciente? De quais crenças comparti-
256
lham? E entre o cuidador e o paciente? E entre os familiares
e o cuidador? Existem amigos da família que fazem visitas
ou ajudam no cuidado? Será necessário discutir com algum
membro da família em particular sobre o seu grau de envolvimento no caso? Para permitir uma visualização mais direta
deste aspecto, é fundamental que aqui possa ser desenhado,
ao final, um genograma.
Necessidades para cuidado e tratamento: muitas
vezes, as unidades de saúde têm um programa de fornecimento de material para curativo, além do fornecimento de
medicamentos, alguns sob regime de compra especial pela
secretaria municipal de saúde. É preciso ter clareza desses
aspectos para efetuar o planejamento local de necessidades
desses insumos.
Medicamentos: é preciso saber como são as
condições de estoque. Será que ficam protegidos do alcance
de crianças? São organizados de forma clara? Ficam protegidos
do calor e da umidade? Quanto ao uso inapropriado... Quem
administra? O cuidador sabe aplicar medicamentos, se for o
caso? Poderá ser necessária capacitação de cuidadores e
familiares, além de orientação específica para o paciente sobre
uso, estocagem e efeitos colaterais que influenciem sobremaneira
no trabalho, necessitando, por vezes, de reavaliação da
prescrição e orientações para o cuidado. Situações como as
quedas por uso de benzodiazepínicos e uso de diuréticos
(que dificultam, de fato, o trabalho dos cuidadores)
precisam ser analisadas. Este tópico não trata de simples
lista de medicamentos em uso. Espera-se que esta
informação já conste no prontuário do paciente.
Alimentação: quem prepara a comida do paciente?
A que horas ele come? Qual a relação desses horários com
o uso de medicamentos e outras atividades? Pode ser
necessário discutir esses aspectos com a família e avaliar se
há necessidade de dieta especial. O paciente tem agenda de
horários de alimentação diferente do restante da família?
Há de se lembrar que o momento das refeições não deve
ser fonte de mais ansiedade e pode ser, ainda, oportunidade
de reforçar vínculos e tornar o paciente partícipe da rotina
normal da família. Se o paciente depende de ajuda para se
alimentar, quem está presente neste momento? Algum familiar?
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira
Apenas o cuidador?
Ferramentas sociais envolvidas: existem organizações comunitárias envolvidas? Em alguns casos, organizações como a Pastoral da Saúde e grupos de auto-ajuda
podem e devem ser comunicados sobre o trabalho da equipe, já que, muitas vezes, obtêm um trânsito fácil na família
e adquirem, em muitos contextos, empoderamento para
discutir a dinâmica familiar, além de poderem assumir o
papel de cuidadores externos ou de ajudantes importantes.
Por outro lado, organizações previamente envolvidas no
cuidado e sistematicamente desconsideradas pela equipe
podem se tornar um problema a mais e fonte de conflitos
e disputas desnecessários. Os laços que a família e o paciente
estabelecem com sua comunidade precisam ser respeitados
para a elaboração de um plano de cuidado que contenha
uma visão ampliada de saúde.
Domicílio: a habitação precisa estar preparada para
o cuidado, levando-se em conta tanto o quarto do paciente
quanto o acesso a outros locais da casa, como o banheiro
e a cozinha, de modo a garantir tanto mais independência
para o paciente quanto facilitar o trabalho do cuidador.
Ambientes mal preparados, seja pela falta de apoios nas
paredes, ausência de cuidado com tapetes ou banheiro
adaptado, resultam não apenas em dificuldades para o
paciente, mas também em fonte de frustração e agravos,
por vezes físicos, como dorsalgias, para os cuidadores.
Sabe-se da dificuldade de adaptação de determinados ambientes quando se lida com uma população carente.
Contudo, compreender que em médio prazo outros problemas podem ser gerados prepara a equipe para eventualidades
e a estimula a usar a imaginação para descobrir alternativas
para contornar as dificuldades.
Fontes de prazer do paciente: é preciso lembrar
que não se trata do cuidado de um mero corpo e satisfação
de necessidades puramente sanitárias. As emoções, como
defende Maturana12, são fenômenos, também próprios do
reino animal, que não podem ser desconsiderados. Um paciente
em bom estado geral é o que pode também desfrutar de
algumas fontes de prazer. Do que o paciente gosta? Em
que atividades o paciente obtém prazer ou com que
257
alimentos ou carinhos? Os familiares se preocupam com
isso? Os cuidadores estariam atentos a esse detalhe? Qual a
qualidade dos relacionamentos estabelecidos na família e
comunidade?
Orientações sobre cuidados emergenciais:
paciente, cuidador e familiares sabem como proceder em
caso de situações de emergência, como quedas, intoxicação
ou febre? Qual o pacto que a equipe estabelece com a
família? Serão realizadas visitas em caráter de urgência, caso
se façam necessárias? Existe uma referência para onde encaminhar o paciente? A família tem um plano sobre o que
fazer nessas situações? Em alguns casos pode ser necessário
que a equipe intervenha, para organização dos envolvidos
no cuidado para esses momentos.
Metas: após a avaliação inicial, a equipe precisa
traçar um plano de metas e fazer sua avaliação periódica.
Além do cuidado estritamente biomédico, o que mais é
preciso fazer neste caso? Será necessário traçar um plano
de cuidado também para o cuidador? Conversar com mais
familiares sobre o seu envolvimento no caso? Elaborar uma
visita especialmente para falar a respeito da medicação?
Reunir-se com as outras entidades envolvidas no caso?
Envolver outro profissional? Qual profissional e como isso
seria feito? Dentro de que prazo? Quem é o responsável,
na equipe, por essa tarefa? Quando avaliaremos o resultado
dessa ação? Qual a periodicidade de visitas necessária? Por
quais profissionais? Quais as informações valiosas que o
ACS poderá trazer para o restante da equipe no seguimento
deste caso e como poderá contribuir para que as metas
possam ser atingidas? Este paciente é também atendido
por algum serviço privado? Qual é o nível de contato entre
esse serviço e os profissionais do setor público? Como
estabelecer a comunicação?
Não é preciso traçar uma série de metas de uma
só vez. A equipe pode eleger uma e, aos poucos, construir
a evolução do caso com novas metas, à medida que os
resultados atingidos permitam traçar um novo panorama.
No quadro apresentado na ficha sugerida, há de se notar
que a anotação de metas vem antes dos problemas. Tal
cuidado deve-se à atenção que é necessária para que o plane-
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira
jamento não se torne mero “tapa-buracos” de uma situação
observada. Os problemas devem ser estabelecidos em função
dos objetivos pretendidos, e não o contrário. Um problema
é, portanto, uma dificuldade para se atingir determinada
meta. É preciso, ainda, definir uma estratégia geral e um
responsável, na equipe, que se debruce sobre a mesma e
fique atento ao prazo.
Visitas posteriores: este anexo deve ser preenchido
a cada nova visita, estabelecendo objetivos para a mesma
em razão das metas e, ao final, a avaliação dos resultados
específicos. Não há limites para o número de visitas, o espaço
especificado na ficha apresentada neste artigo é apenas
ilustrativo.
Evolução do caso: Quando são traçadas metas,
estabelece-se um prazo para avaliar seu cumprimento. Esse
tópico deve ser preenchido a cada reavaliação do caso,
permitindo traçar um novo panorama sobre o mesmo e
definir novas metas. As datas postas à esquerda tratam das
datas das reavaliações (estabelecidas no momento de
definição da meta em questão).
4. Considerações finais
O uso de ficha de visita domiciliar proporcionou
melhor organização do trabalho da equipe Laranja. A ficha
pode ser preenchida durante primeira visita e completada
em discussão com toda a equipe no centro de saúde. Ao
final do prazo de avaliação de um certo número de metas,
repensar o caso e proceder ao preenchimento de uma nova
ficha, já que, provavelmente, estaríamos com um outro
contexto, necessitando de outras metas. Pode ser definido
também que uma nova ficha deva ser elaborada a cada novo
ano, permitindo assim que a equipe organize sua agenda de
cuidados para este período.
Alguém da equipe precisa ser responsável pelo
seguimento das fichas para que haja garantia de avaliação
periódica do plano de metas e cobrança do resultado e
desenvolvimento das ações, atribuídas a um determinado
profissional, quando de sua elaboração.
A utilização da ficha não substitui o prontuário,
nem há a pretensão de que a mesma lhe sirva de folha de
258
rosto. O prontuário continua sendo o espaço de anotação
dos dados do paciente durante a consulta que, durante a visita,
é realizada. A ficha se presta à organização e ao seguimento
do plano terapêutico.
Ainda que sejam feitas críticas ao modelo biomédico,
não há aqui tentativa de desconsiderar sua importância. Ao
lado do trabalho proposto para as visitas, deverá sempre
constar elaboração de um projeto terapêutico que não
desconsidere questões do campo biológico do paciente. O
diferencial desta discussão trata da importância que precisa
também ser dada ao contexto no qual o paciente está inserido
e seus medos e desejos que influenciam na organização do
cuidado, inclusive biomédico.
Para o sucesso desta proposta, é necessário que
toda a equipe se envolva e disponha de período próprio
para discussão dos casos. Infelizmente, não é rotina em
algumas equipes o agendamento de reuniões semanais. Sem
este espaço, não apenas a proposta apresentada, mas quaisquer
tentativas de planejamento no PSF não poderão lograr êxito.
Este artigo não pretendeu resolver todas as questões
relacionadas ao tema. Contudo, a ciência e a humanidade
avançam em espiral. Velhos temas tornam-se objeto de
estudo e novas questões surgem a cada momento. Assim,
espera-se que outros autores possam avançar no que foi
proposto, e, assim, possamos, profissionais de saúde no
Brasil, construir um conhecimento que seja capaz de dar
respostas cada vez mais pertinentes às provocações que
este novo mundo nos lança.
5. Referências
1. Jacquard A. Da angústia à esperança: lições de ecologia
humana. Petrópolis (RJ): Vozes; 2004.
2. Pereira WCC. Nas trilhas do trabalho comunitário e
social: teoria, método e prática. Belo Horizonte (MG),
Petrópolis (RJ): PUC Minas, Vozes; 2001 .
3. Bulcão LG. O ensino médico e os novos cenários de ensinoaprendizagem. Rev Bras Educ Méd. 2004; (1): 61-72.
4. Morin E. O método 6: ética. Porto Alegre (RS): Sulina; 2005.
5. Lown B. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Ed.; 1997.
6. Feurwerker L. Reflexões sobre as experiências de mudança
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira
Figura 1 – frente da ficha de visita domiciliar
Figura 2 – verso da ficha de visita domiciliar
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Visitas domiciliares pela equipe de Saúde da Família:
reflexões para um olhar ampliado do profissional
Artur Oliveira Mendes e Fernanda Araújo de Oliveira
na formação de profissionais de saúde. Olho Mágico. 2003;
(3): 21-26.
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Manual de assistência domiciliar na atenção primária à saúde.
Porto Alegre (RS): Serviço de Saúde Comunitária do
Grupo Hospitalar Conceição; 2003.
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Relatoria do GESF: Módulo Visita Domiciliar. Grupo de
Estudos em Saúde da Família. Belo Horizonte (MG):
AMMFC; 2006. Disponível em: . Acesso em: 31/12/2006.
10. Cunha GT. A construção da clínica ampliada na atenção
básica. São Paulo: Hucitec; 2005.
11. Lahan CF; Silva LA. O cuidador. In: Jacob Filho Wilson
(ed.). Avaliação global do idoso: manual da liga do gamia.
São Paulo: Atheneu; 2005.
12. Maturana H. Emoções e linguagem na educação e na
política. Belo Horizonte (MG): Editora UFMG; 2002.
Endereço para correspondência:
Artur Oliveira Mendes
Centro de Saúde Jardim Montanhês
Rua Leopoldo Pereira, 407 - Bairro Jardim Montanhês
Belo Horizonte MG - CEP: 30750-140
Endereço Eletrônico
[email protected]
260
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RBMFC
Depressão na Atenção Primária à Saúde
Depression in Primary Care
Daniel Victor Arantes*
Resumo
Dos pacientes assistidos em ambulatórios gerais, 10% a 25% são portadores depressão1, representando a segunda
causa de consulta, ainda que freqüentemente ignorada ou subdiagnosticada. Médicos generalistas, e não psiquiatras,
tratam a maioria dos pacientes com sintomas depressivos2. A depressão ocupa o segundo lugar entre as doenças mais
incapacitantes nos países ocidentais3. Na maioria dos países em desenvolvimento, a deficiência na saúde mental é ainda
inaceitável, sendo meta da OMS aprimorar o diagnóstico e o tratamento da depressão em ambulatórios gerais em todo
o mundo. Várias estratégias comprovam ser custo-efetivas, sendo as principais: educação médica continuada, maior
participação da enfermagem e melhor integração entre atenção primária e secundária (especialista psiquiatra)4. Para
depressão leve a moderada, estudos de meta-análise mostraram que há pouca diferença de efetividade entre as modalidades
terapêuticas e entre antidepressivos, sendo a continuação da terapia o mais importante fator de escolha. Os melhores
resultados são obtidos quando há aliança terapêutica entre o profissional de saúde e o paciente e um tratamento adequado
é mantido por período suficiente5. Este estudo vem discorrer sobre a importância, diagnóstico e tratamento da depressão
na atenção primária e propor estratégias para implementar uma rede efetiva de atendimento, articulada com a atenção
secundária.
Abstract
Ten to 25% of patients assisted in general outpatient care centers suffer from depression1. Although frequently ignored or underdiagnosed,
depression is the second most frequent cause of consultations. In most cases, patients with symptoms of depression are assisted by general
practitioners instead of psychiatrists2. Depression occupies the second place among the most disabling diseases in the western countries3. In most
developing countries, mental healthcare is still unacceptably deficient, and one of the goals of the WHO is improving diagnosis and management
of depression in general outpatient care centers all over the world. Several strategies prove cost-effective, mainly: continued medical education, more
participation of the nursing personnel and better integration between primary and secondary care (psychiatrist)4. As demonstrated by metaanalytical studies, in the management of light or moderate depression there is little difference in efficiency between different treatment modalities
and antidepressants. The most important factor is continuity of the treatment. The best results are achieved when there is therapeutic alliance
Palavras-chave: Depressão; Saúde Mental;
Atenção Primária à Saúde.
Key Words: Depression; Mental Health; Primary Health
Care.
* Médico de Família e Comunidade, Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal de Anápolis, GO, Brasil.
Bras Med Fam e Com
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Daniel Victor Arantes
Depressão na Atenção Primária à Saúde
between doctor and patient and when an adequate treatment is kept
on for sufficient time5. This study discusses the importance, diagnosis
and treatment of depression in primary care and proposes strategies
for implementing a care network articulated with secondary care.
1. Introdução
O termo depressão, na linguagem corrente, tem
sido empregado para designar tanto um estado afetivo
normal (a tristeza), quanto um sintoma, uma síndrome e
uma (ou várias) doença(s). Os sentimentos de tristeza e
alegria “colorem” o fundo afetivo da vida psíquica normal.
A tristeza constitui-se na resposta humana universal às
situações de perda, derrota, desapontamento e outras
adversidades. Cumpre lembrar que essa resposta tem valor
adaptativo, do ponto de vista evolucionário, uma vez que,
por meio do retraimento, poupa energia e recursos para o
futuro. Por outro lado, constitui-se em sinal de alerta, para
os demais, de que a pessoa está precisando de companhia
e ajuda. As reações de luto, que se estabelecem em resposta
à perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento
de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e
inquietude. As reações de luto normal podem estender-se
até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos
quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal,
a pessoa usualmente preserva certos interesses e reage
positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulada. No luto, não se observa a inibição psicomotora
característica dos estados melancólicos e os sentimentos de
culpa limitam-se ao ato de não se ter feito todo o possível
para auxiliar a pessoa que morreu – outras idéias de culpa
estão geralmente ausentes. A depressão é considerada quando
a tristeza perde sua função adaptativa e o humor segue
autônomo persistentemente deprimido. Quando a tristeza
ultrapassa o limiar da normalidade, perdendo seu papel
adaptativo, e o humor persistentemente e autonomamente
se torna deprimido, a depressão é estabelecida6.
Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos
mais variados quadros clínicos, dentre os quais: transtorno
de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia,
262
alcoolismo e doenças clínicas. Ela pode ocorrer, ainda, como
resposta a situações estressantes ou a circunstâncias sociais e
econômicas adversas6.
Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas
alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade
de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros
aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e
vegetativas (sono, apetite)6.
Finalmente, enquanto doença, a depressão tem sido
classificada de várias formas, na dependência do período
histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista
adotado. Entre os quadros mencionados na literatura atual
encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia,
distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I
e II, depressão como parte da ciclotimia, etc6.
2. Epidemiologia
Transtornos do humor estão entre as desordens
que mais freqüentemente levam o paciente ao médico.
Estima-se que de 15% a 30% dos adultos apresentem
depressão clinicamente significativa em algum momento
de sua vida, sendo cerca de 8% transtorno depressivo
maior. Esses dados suportam os achados em estudos de
Medicina de Família e Comunidade, em que depressão está
no ranking das doenças mais prevalentes7. A prevalência
em homens é estimada em 7% a 12% e, em mulheres, 20%
a 25%. Em ambulatórios de Atenção Primária, sua prevalência
é estimada em 5% a 10% de todos os pacientes. Um recente
estudo canadense evidenciou que os maiores índices de
incidência do transtorno depressivo (1,4% a 9,1% da
população) ocorrem entre adultos jovens (idade entre 12 e
24 anos), e os mais baixos índices (1,3% a 1,8%) ocorrem
entre pessoas acima de 65 anos. Os índices são significativamente mais altos em pessoas que apresentam determinadas condições médicas como obesidade, diabetes mellitus,
câncer e história de infarto do miocárdio2, 8.
Sabe-se que muitas pessoas que preenchem os
critérios diagnósticos para depressão não seguem tratamento,
o que acarreta graves conseqüências pessoais, sociais e
econômicas. O transtorno depressivo é responsável por riscos
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Daniel Victor Arantes
Depressão na Atenção Primária à Saúde
significativos de morte e incapacidade. Cerca de 15% dos
pacientes com transtornos do humor morrem “por suas
próprias mãos” e pelo menos 66% de todos os suicídios são
precedidos por depressão. A depressão está associada à pobre
produtividade no trabalho e afeta membros da família e
cuidadores e; além disso, há crescente evidência de que
crianças de mulheres deprimidas apresentam maiores
índices de problemas comportamentais na escola e pior
competência social. Ela é ainda causa líder de incapacidade
e morte prematura de jovens entre 18 e 44 anos – e estimase que será a segunda causa de incapacidade entre todas
as idades até 20208.
A maioria dos pacientes deprimidos (60%) recebe
tratamento na Atenção Primária. Estima-se que 50% das
prescrições de antidepressivos sejam de clínicos, 30% de
psiquiatras e 20% de outras especialidades. Apesar da alta
prevalência, há uma grande deficiência no diagnóstico e
tratamento na prática geral8, 9. Há recomendação formal
para pesquisa sistemática de depressão na Atenção Primária,
bem como tratamento e seguimento. Muitos instrumentos
podem ser facilmente utilizados em ambulatórios gerais, tanto
para screening quanto diagnóstico e tratamento1. Uma das
escalas mais utilizadas para screening na Atenção Primária é
o Beck Depression Inventory Scales – necessita de cerca de dez
minutos para ser completada pelos pacientes e já foi validada
em Português. Escore acima do ponto de corte indica necessidade de avaliação diagnóstica criteriosa quanto à depressão2, 8.
3. Etiologia
Depressão é compreendida como resultado da
ruptura da neuroquímica normal do cérebro. Estudos nesta
área têm levado ao desenvolvimento de medicamentos novos
para o tratamento desse transtorno. Essas drogas parecem
interferir nos neurotransmissores das monoaminas centrais.
Vias neuronais norepinefrínicas centrais estão envolvidas em
atividades de vigilância, motivação e geram níveis de energia.
Essas vias neuronais compartilham um papel com vias
serotoninérgicas, interferindo na ansiedade e irritabilidade.
Vias serotoninérgicas parecem controlar a impulsividade
263
ou ter um papel no controle dela e compartilham um papel
com vias dopaminérgicas no apetite, no sexo e na agressividade.
Vias dopaminérgicas também estão envolvidas na motricidade,
cognição e memória, recompensa e pragmatismo. Nosso
crescente conhecimento nesta área tem ajudado na
compreensão da etiologia e farmacoterapia dos transtornos
do humor. Sabe-se que o tratamento antidepressivo de “longa
duração” (em especial além de 30 dias) resulta em ativação
sustentada do 3-5-monofosfato de adenosina cíclico (ou
AMPc) em regiões específicas do cérebro, que desencadeia
reações que regulam e ativam genes específicos, favorecendo
restabelecimento da via hipocampal pelo aumento do fator
neurotrófico cerebral, uma substancia endógena neuroprotetiva. Estresse psicológico, importante na patogênese da
depressão, pode reduzir a produção de o fator neurotrófico
cerebral e levar à hipotrofia neuronal hipocampal. Adicionalmente, uma série de estudos de imagem cerebral evidenciam
consistentemente redução da atividade neuronal no córtex
prefrontal dorsolateral, diretamente relacionado à severidade
da depressão. Conclui-se então que uma hipótese atual sobre
o desenvolvimento do transtorno depressivo leva em conta
a indução de vulnerabilidade por estresse ambiental, que,
aliado a suscetibilidade genética própria de cada um,
desencadeia uma cascata de mecanismos intracelulares que
interferem em fatores neurotróficos específicos necessários
para a sobrevivência e funcionamento de determinados
neurônios cerebrais. Também há evidencia de que não apenas
antidepressivos, mas também eletroconvulsoterapia e
psicoterapia podem interferir beneficamente no crescimento
neuronal e metabolismo cerebral regional8.
4. Sinais e Sintomas
4.1. Sintomas psíquicos
• Humor depressivo: sensação de tristeza, autodesvalorização e sentimentos de culpa.
• Redução da capacidade de experimentar prazer na maior
parte das atividades, antes consideradas como agradáveis.
• Fadiga ou sensação de perda de energia. A pessoa pode
relatar fadiga persistente, mesmo sem esforço físico, e as
tarefas mais leves parecem exigir esforço substancial. O
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Daniel Victor Arantes
Depressão na Atenção Primária à Saúde
tempo para a execução das tarefas torna-se mais lento.
• Diminuição da capacidade de pensar, de se concentrar
ou de tomar decisões, as quais, antes, eram quase
automáticas.
4.2. Sintomas fisiológicos
• Alterações do sono (mais freqüentemente insônia, podendo
ocorrer também hipersonolência). A insônia é, mais
tipicamente, intermediária (acordar no meio da noite, com
dificuldades para voltar a conciliar o sono) ou terminal
(acordar mais cedo pela manhã).
• Alterações do apetite (mais comumente perda do apetite,
podendo ocorrer também aumento dele).
• Redução do interesse sexual
4.3. Evidências comportamentais
• Retraimento social.
• Crises de choro.
• Comportamentos suicidas.
• Retardo psicomotor e lentificação generalizada, ou
agitação psicomotora.
Deve-se ainda lembrar, no diagnóstico das depressões, que algumas vezes o quadro mais típico pode ser mascarado por queixas proeminentes de dor crônica (cefaléia,
dores vagas no tórax, abdômen, ombros, região lombar,
etc.). A ansiedade está freqüentemente associada. Em idosos,
principalmente, as queixas de caráter hipocondríaco costumam ser muito comuns6.
5. Diagnóstico
O conceito de depressão maior, como aparece no
DSM-IV, é excessivamente abrangente e, por isso mesmo,
pouco preciso. Ela abarca provavelmente uma gama muito
heterogênea de condições, que vão desde as fronteiras da
normalidade (reações de luto ou tristeza normal) até aquelas
formas mais graves de depressão, para as quais provavelmente
concorrem fatores mais biológicos (adquiridos e/ou
geneticamente determinados). Para o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior, de acordo com o DSM-IV, basta
que a pessoa apresente “humor deprimido ou perda de
interesse ou prazer, durante um período de duas semanas”,
mais quatro sintomas de uma lista de nove (ou mais três
264
sintomas, se os dois primeiros estiverem presentes). Assim,
por exemplo, se uma moça que brigou com o namorado
apresentar tristeza e perda de energia por 15 dias, além de
mais três sintomas, como insônia, perda de energia e
capacidade diminuída de se concentrar, terá preenchido
critérios para Transtorno Depressivo Maior. Um conceito
tão amplo certamente não contribui para que se testem
hipóteses sobre a etiologia das depressões, resposta a
tratamentos biológicos etc. Não serve tampouco para
auxiliar na decisão de se medicar, ou não, a pessoa que
preencha tais critérios. Já o conceito de melancolia é muito
mais preciso e, por essa razão, tem maior valor preditivo
quanto, por exemplo, à resposta terapêutica a antidepressivos
e ao eletroconvulsoterapia 6.
O transtorno depressivo é diagnosticado utilizando
métodos similares para condições clínicas. Há necessidade
de coleta detalhada e cuidadosa da história familiar do
paciente e de seus familiares, exame clínico e investigações
especiais, se necessário6.
O conhecimento dos fatores de risco para
depressão possibilita alto índice de suspeição. Homens
apresentando sintomas físicos, fadiga ou redução de energia, insatisfação com o trabalho ou história de episódio
depressivo prévio são os mais prováveis candidatos a um
episódio atual. Mulheres com distimia, ataques de pânico,
consultas freqüentes (mais de sete) também são6.
Algumas técnicas podem ser usadas para melhor
detecção:
Técnica de entrevista - Por poucos minutos é necessário
escutar ativamente as queixas e explorar a natureza destas,
facilitando ao paciente descrever detalhes.
Pesquisa de depressão - Um teste de duas questões tem
sido considerado útil no reconhecimento do transtorno na
Atenção Primária: (1) Deste o último mês, você freqüentemente tem se sentido triste, deprimido ou sem esperança?
(2) Desde o último mês, você tem freqüentemente sentido
pouco interesse ou prazer pelas coisas em geral? No caso de
respostas afirmativas, o transtorno depressivo deve ser sistematicamente pesquisado.
Questões para esclarecer a natureza e extensão dos
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Daniel Victor Arantes
Depressão na Atenção Primária à Saúde
sintomas depressivos e disfunções associadas:
Perda de energia - Você sente perda de energia ou vigor?
Redução de concentração – Você acha que pode
ler um artigo no jornal ou assistir televisão da mesma forma
que sempre?
Auto-confidência - O quanto tem sido responsável com
os compromissos com outros ou administrando atividades
do dia-a-dia?
Redução da auto-estima - Qual sua opinião a respeito de
si mesmo comparado com outros? Você se acha menos
competente? Você se sente inferior ou pior que outros?
Desesperança - Como você vê o futuro? Tudo parece
muito difícil?
Idéias de morte - Você, muitas vezes, sente que a vida
não vale a pena? Ou você não se importaria se não acordasse
pela manhã? Você tem pensado em se ferir ou até em suicídio?
Provável causa da depressão - A que você atribui a causa
de sua aflição? O que o fez tão infeliz nesses dias? Ocorreu
algo de ruim com você ou sua família nos dias que precederam seus sintomas?
Todas as respostas positivas devem ser seguidas
por questões a respeito, como: Qual a intensidade e duração
dos sintomas? Com que freqüência eles tem ocorrido?
Quanto tem interferido os sintomas nas atividades diárias?
Qual o tipo de problema? Quais esferas da vida têm sido
afetadas – social, pessoal, familiar, ocupacional, etc.?
Entrevistando um paciente clinicamente julgado
como deprimido que nega ter o transtorno:
- Como você descreve seu humor nas últimas semanas?
- Descreva-me um pouco como você tem se sentido
ultimamente?
- Que tipo de coisas você gosta de fazer quando esta fora
do trabalho? Você tem feito essas coisas? Você tem sido
capaz de aproveitá-las como antes?
- Quais eram seus interesses habituais? Você tem perdido
interesse nas coisas ultimamente?
6. Diagnósticos diferenciais
É importante lembrar que outros transtornos do
265
humor podem apresentar-se com síndrome depressiva,
sendo importante pesquisa sistemática de diagnósticos
diferenciais por necessidade de tratamento distinto.
Depressão menor - Mais prevalente na prática
clínica que a depressão maior, o paciente apresenta por
mais de duas semanas de dois a cinco sintomas descritos
acima. Os pacientes nesta condição podem ter menos
sintomas vegetativos (apetite, variação de humor diurna) e
mais sintomas subjetivos (“autoculpa”, preocupação,
irritabilidade, letargia). O fracasso em tratar apropriadamente esta condição pode ter ao longo do tempo grande
impacto na saúde, posição funcional e qualidade de vida,
além de custos para os pacientes. A noção que a depressão
menor não necessita de tratamento é errônea, sendo as melhores opções para tratá-la: antidepressivos e psicoterapia10.
Distimia - Ocorrência de 8% ao longo da vida na
população geral8 caracterizada por humor cronicamente
deprimido (dois ou mais anos) em um nível mais leve sem
comprometimento significativo das atividades diárias11.
Transtorno Bipolar do Humor - Ocorrência em
cerca de 2% da população geral ao longo da vida8, sendo
que de 12,5% a 30% dos pacientes diagnosticados como
deprimidos apresentam na verdade transtorno bipolar do
humor. Clínicos inevitavelmente encontraram pacientes
bipolares, geralmente durante o episódio depressivo. Na
maioria desses pacientes, a elevação do humor é representada
pela hipomania (Bipolar tipo II), havendo necessidade de
questionamento específico a respeito da história do paciente
ou se estes permaneceram subdiagnosticados. Os episódios
depressivos podem ser mais refratários, com mais sintomas
físicos e possibilidade de virada maníaca, havendo necessidade
de estabilizador do humor (carbonato de lítio, ácido valpróico e carbamazepina) antes da terapia antidepressiva12.
Considerar referir para o psiquiatra.
7. Tratamento
Assim que a depressão é diagnosticada, o tratamento
deve ser instituído de forma adequada e os antidepressivos
são a principal forma de tratamento, embora outras opções
estejam disponíveis.
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Daniel Victor Arantes
Depressão na Atenção Primária à Saúde
Tratamento medicamentoso
Escolha da medicação - Não há diferença de
eficácia entre antidepressivos, mas, sim, de modo de ação
e efeitos colaterais. A escolha dever ser feita com base em
diversos dados referentes ao paciente (idade, comorbidades,
resposta anterior) e ao fármaco (custo, efeitos colaterais e
disponibilidade). Antidepressivos tricíclicos são bem
conhecidos por sua eficácia, no entanto os efeitos anticolinérgicos tendem a limitar seu uso em idoso e pacientes
com comorbidades. Os inibidores seletivos da recaptação
da serotonina (ISRS), por outro lado, mostraram-se seguros
nesses pacientes. Antidepressivos com perfil sedativo, como
doxepina, trazodona e mirtazapina, devem ser de escolha
em pacientes agitados ou com insônia11. Na Atenção Primária,
baixas doses se mostraram efetivas no acompanhamento da
maioria dos pacientes13.
Início do tratamento - Informar o paciente a
respeito do tratamento medicamentoso e iniciar a mínima
dose efetiva do medicamento escolhido. Não é recomendado
iniciar múltiplos fármacos ou em subdose. No entanto, pode
ser prudente iniciar tratamento com metade da dose habitual
em pacientes debilitados, crianças e adolescentes (risco de
suicídio) e idosos11.
Monitoramento - O efeito antidepressivo se inicia
entre duas a quatro semanas após o início do tratamento.
O paciente deve ser monitorado neste período quanto à
resposta e aos eventos adversos. A decisão de aumentar a
dose somente deve ser considerada após duas a quatro
semanas e o medicamento não deve ser descontinuado (se
tolerado) até que se complete seis a oito semanas. Após
estabilização clínica, o paciente pode ser acompanhado por
um período mensal. É essencial questionar a família a
respeito do uso adequado do medicamento pelo paciente,
visto que a não-aderência é comumente uma das razões de
não resposta11.
Duração do tratamento - Após melhora do
paciente, é necessário manter o tratamento por um período
de pelo menos um ano para prevenir recaídas. Antidepressivos são freqüentemente prescritos na Atenção Primária, no
266
entanto por períodos curtos de tempo. Este tipo de prescrição freqüentemente leva a cronicidade do quadro11.
Educação do paciente e da família - Os pacientes
e os membros da família freqüentemente carregam estigmas
acerca da depressão e seu tratamento. Durante este cuidado
algumas informações mínimas são necessárias, como por
exemplo: (1) depressão é doença comum e há tratamento
efetivo disponível; (2) depressão não é fraqueza ou preguiça;
(3) depressão pode afetar a capacidade de decisão; (4) suporte
emocional e prático de familiares e amigos é recurso muito
válido; (5) antidepressivos não provocam dependência11.
O que referir ao psiquiatra - As principais indicações
são: (1) paciente expressa ativa intenção suicida (“Eu quero
me matar!”); (2) falha de resposta aos medicamentos em doses
e período adequados; (3) comorbidades como transtorno
obsessivo compulsivo ou abuso de substancias; (4) pacientes
com doença grave, com sintomas psicóticos ou severa
agitação; (5) pacientes preferindo psicoterapia, como terapia
cognitiva comportamental. É necessário explicar ao paciente
e à família a razão pela qual se decidiu pela referência11.
Considerações Especiais
Crianças e Adolescentes
Há evidência insuficiente para recomendar a
pesquisa rotineira de depressão em crianças e adolescentes,
embora clínicos devam estar alerta sobre sinais e sintomas
em indivíduos jovens2.
A incidência de adolescentes com depressão
aumenta de 1,5% para 8% de amostras de comunidade para
ambulatoriais, respectivamente. Apesar do risco de depressão
ser equivalente em garotos e garotas pré-púberes, o risco de
garotas aumenta após puberdade. Os índices mais alarmantes
são de grávidas e pós-parturientes, provavelmente devido
ao impacto do recém-nascido. Sintomas de depressão têm
sido identificados em mais de 68% de adolescentes grávidas
e 47% de pós-parturientes14. Crianças abaixo de seis anos
raramente apresentam o transtorno, sendo a incidência em
torno de 2% em pré-adolescentes2. Há crescente evidência
de que crianças de mulheres deprimidas apresentam maior
risco de problemas escolares e comportamentais, além de
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Daniel Victor Arantes
Depressão na Atenção Primária à Saúde
baixos níveis de competência social em comparação com as
que não tem8. Indivíduos com inicio precoce de depressão
têm alta carga genética ou familiar predisponente. Independente do fator envolvido, é importante o trabalho familiar.
Uma das formas de avaliar depressão em crianças e adolescentes é avaliar familiares para depressão, sendo particularmente importante avaliar adolescentes1.
Depressão interfere no desenvolvimento dos
adolescentes – que não vão bem na escola, têm dificuldades
nos relacionamentos, mais freqüentemente cometem
suicídio, abusam de álcool e drogas e estão sob maior risco de desenvolver depressão na idade adulta14. Dificuldades
podem persistir por longos períodos após o episódio terse resolvido. O diagnóstico pode ser difícil por problemas
de comunicação – parece ser raro em crianças abaixo de seis
anos. Aproximadamente 2% de crianças em idade escolar
fundamental apresentam depressão, e este índice cresce para
8% em adolescentes2.
O uso de serviços de saúde mental por adolescente
é baixo. Crianças e adolescentes com transtornos mentais
freqüentemente permanecem subdiagnosticados e não
recebem tratamento de fonte alguma. Profissionais de saúde
de ambulatórios gerais são, geralmente, a porta de entrada
para os serviços especializados, mas estudos têm demonstrado que não são capazes de reconhecer depressão em
metade dos pacientes. Estes profissionais devem rotineiramente pesquisar depressão em garotas adolescentes como
diagnóstico diferencial de desordens somáticas14.
Feito o diagnóstico, é de suma importância determinar o risco de suicídio e solicitar auxílio imediatamente para
adolescentes de alto risco. Tanto medicações quanto terapia
são indicados. Inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS) são os medicamentos de escolha por serem
associados a menores riscos e toxicidade, menos efeitos
colaterais, além de serem mais fáceis de se usar. Devem ser
iniciados em dose baixa (tipicamente metade da dose do
adulto) e aumentados lentamente (incremento equivalente
à metade da dose inicial), e mantido por um período livre
de sintomas de no mínimo seis meses antes que seja
descontinuado. Se houver episódio prévio de depressão,
267
terapia de longa duração é preferida. Importante frisar que
algumas indústrias farmacêuticas fazem alerta para o risco
de uso de alguns medicamentos em crianças e adolescentes
(Wyeth Pharmaceuticals para Effexor e GlaxoSmithKline
para Paxil)14.
Psicoterapia interpessoal tem demonstrado ser eficaz
no tratamento de depressão em garotas adolescentes,
provavelmente grande papel de desajustes em relacionamentos
interpessoais no desenvolvimento da depressão, devendo ser
então, se possível, encaminhados para este tipo de tratamento.
Terapia cognitiva também se mostrou efetiva e terapia familiar freqüentemente está indicada14.
Quanto a gestantes, profissionais de saúde da
Atenção Primária devem escolher entre tratar, co-tratar ou
referir estas adolescentes para serviços de saúde mental.
Alguns antidepressivos, em especial ISRS, são considerados
de baixo risco na gestação, no entanto dados precisos ainda
não estão disponíveis14.
Idosos
Há pouca evidência sobre efetividade de tratamentos
antidepressivos na população idosa acompanhada na
Atenção Primária, particularmente aqueles com transtornos
depressivos mais leves. Idosos em geral tomam mais
medicações, sendo antidepressivos mais freqüentemente
contra-indicados. Neste caso, intervenções não-farmacológicas
podem ser bem indicadas, necessitando de mais estudos validar seu uso15.
Antidepressivos são efetivos em idosos. A regra
“comece baixo, vá devagar” é adequada e o uso de novos
agentes, em particular aqueles com mínima inibição de
CYP450, é apropriado e seguro, mais que antidepressivos
tricíclicos ou IMAO8.
A prevalência de depressão em adultos acima de
65 anos de idade aumenta de 7% para 36% em pacientes
ambulatoriais e 40% em hospitalizados. Mais de 50% de
pacientes com doença de Alzheimer ou Parkinson desenvolvem transtornos depressivos e seus cuidadores também
estão em maior risco. Sinais de depressão mais comuns
nos idosos que em outras populações incluem diminuição
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Depressão na Atenção Primária à Saúde
de cuidados pessoais, irritabilidade e retardo psicomotor.
Diagnóstico e tratamento precoces melhoram qualidade
de vida e status funcional e podem impedir morte
prematura. A aplicação de escalas em idosos pode estar
dificultada por déficits visuais e cognitivos. Uma questão
de um item para screening pode ser tão efetiva quanto outros
testes e poupar tempo: “Você se sente triste ou
deprimido?”2.
Os resultados do presente estudo evidenciaram que
a EDG-15 é um instrumento válido para o rastreamento
dos transtornos do humor, sugerindo que a escala pode
ser utilizada na prática clínica para a identificação destes
transtornos na população geriátrica ambulatorial brasileira.
O ponto de corte 5/6, sugerido inicialmente pelos autores
que traduziram a escala para o português, e corroborado
por outros autores, mostrou-se adequado também na atual
amostra. Dada a alta prevalência, suas dificuldades diagnósticas
e o baixo nível de reconhecimento clínico dos transtornos
do humor, a EDG-15, se adequadamente utilizada, pode se
tornar um instrumento valioso de saúde pública na
identificação e no controle destas condições em ambientes
não-especializados16.
Recomendações para Tratamento da Depressão na
Atenção Primária
A maioria dos pacientes deprimidos deve ser tratada
em ambulatórios gerais, pelo clínico somente, ou (para a
depressão mais grave) em conjunto com psiquiatra.
• Planos de tratamento sempre devem ser
fundamentados na avaliação completa do quadro, incluindo:
tipo; gravidade e duração do episódio depressivo; presença
de qualquer estressor que contribua para o episódio.
• Para a depressão leve a moderada, estudos de
meta-análise mostraram que há pouca diferença na eficácia
relativa entre os diversos tratamentos, e a continuação da
terapia é mais importante do que a escolha do tratamento
inicial.
• Os melhores resultados são alcançados quando
uma boa aliança terapêutica é formada entre um profissional
e o paciente, e o tratamento adequado é fornecido por
268
período de longo prazo. Para intervenções farmacológicas,
o tratamento deve se estender para:
• pelo menos um ano no caso do primeiro episódio
depressivo;
• pelo menos dois anos, no caso de episódios
recorrentes ou onde há permanência de fatores de riscos
associados5, 17.
Intervenções para Melhorar a Assistência à Depressão
na Atenção Primária
Gestores políticos e de saúde pública devem adotar
estratégias para melhorar o tratamento de depressão na
atenção, sendo esta estratégia considerada custo-efetiva por
diversos estudos e demonstrou ter efeito positivo na economia de um modo geral, por aumento de produtividade e
redução de absenteísmo18, 19, 20.
O tratamento da depressão na Atenção Primária
pode ser comprometido por limitações da eficácia, aceitabilidade e pouca disponibilidade de tratamentos existentes.
As melhoras no tratamento podem originar-se das ações
individuais de clínicos e da disponibilização de novas formas
do tratamento. Clínicos podem assegurar tratamento adequado mantendo-se atualizados a respeito do transtorno depressivo, sempre atentos para o diagnóstico e seguindo
recomendações atualizadas de tratamento disponibilizadas
por meio de treinamentos, discussões com colegas e leitura19.
Informações sobre o transtorno e estratégias de
auto-ajuda, oferecidas de forma verbal ou escrita e dirigidas
a pacientes e cuidadores, melhoram a aderência e os
resultados do tratamento. Dentro da Atenção Primária, a
provisão de tratamentos psicológicos simplificados por
outros membros da equipe, como enfermeiras, deve ser
instigada e avaliada19.
Os coordenadores e gestores da Atenção Primária
devem apoiar tais iniciativas, tanto oferecendo suporte aos
profissionais de saúde quanto estabelecendo contato com
agências governamentais e não-governamentais solicitando
suporte estratégico e de pesquisa19.
Rede especializada deve oferecer suporte executivo
e treinamento aos profissionais da Atenção Primária, além
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de tratamento de casos resistentes.
Em vista da alta prevalência e incidência de
depressão na atenção e da escassez de recursos, supõe-se
que modestos investimentos na assistência a pacientes
deprimidos possam resultar em benefício considerável19.
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Endereço para correspondência:
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RBMFC
Desafios para a implementação do Programa
de Planejamento Familiar em uma comunidade
de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
Challenges for the implementation of the Family Planning
Program in a low-income community in aracaju, Sergipe, Brazil
Bárbara de Alcântara Brito Maia*
João Batista Cavalcante Filho**
Valeska Holst Antunes***
Resumo
Um estudo das características reprodutivas e do significado do planejamento familiar para mulheres em idade
fértil e para a equipe de saúde que as assiste foi realizado em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (SE). Na etapa
descritiva, foram aplicados questionários estruturados a 90 usuárias de uma Unidade Básica de Saúde, por sorteio
aleatório das pastas-família, contendo dados pessoais e da vida reprodutiva. Esta etapa foi seguida de uma abordagem
qualitativa, na qual foram realizados grupos focais com seis usuárias e com a equipe de saúde, utilizando questionários
semi-estruturados para avaliar a prática de planejamento familiar.
As mulheres mostraram que conhecimento e oferta de métodos anticoncepcionais não garantem um planejamento
familiar adequado. Mais de 97% das participantes referiram conhecer a camisinha, a pílula e o injetável, e 73,6% das
sexualmente ativas praticam anticoncepção, mas 76% daquelas que já engravidaram referiram uma ou mais gestações
não-planejadas. Nos grupos focais, outras abordagens do planejamento familiar, como assistência à pré-concepção,
acesso ao homem e educação em saúde, mostraram que precisam ser trabalhadas pela equipe para que as usuárias
programem melhor sua prole.
Abstract
A study on the reproductive characteristics and the meaning of family planning for childbearing age women and for the health team
providing care to them was conducted in a low-income community in Aracaju - SE. In the descriptive stage of the study structured questionnaires
were applied to 90 users of a Primary Care Unit random-selected from the family files containing personal data and information about the
reproductive life of the women. This stage was followed by a qualitative approach in focal groups with six users and the health team applying
semi-structured questionnaires for assessing the practice of family planning.
The study showed that knowledge and offer of contraceptive methods are no guarantee of proper family planning. More than 97% of
the participants related knowing about the condom, the pill and the contraceptive injection. 73,6% of the sexually active women practiced
Palavras-chave: Planejamento Familiar;
Anticoncepção; Medicina Reprodutiva;
Educação em Saúde.
Key Words: Family Planning (Public Health);
Contraception; Reproductive Medicine;
Health Education.
* Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe - UFS -, Aracaju (SE), Brasil.
** Médico Sanitarista e de Família e Comunidade, Professor Substituto do Internato de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Sergipe - UFS,
Aracaju (SE), Brasil.
*** Médica de Família e Comunidade, Supervisora Técnica do Internato de Medicina Preventiva da Universidade Federal de Sergipe - UFS -, Aracaju (SE), Brasil.
Bras Med Fam e Com
271 Rev
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Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e
Valeska Holst Antunes
Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar
em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
contraception but 76% of those who already had had a pregnancy
referred to one or more unintended gestations. The focal groups revealed
the need for other approaches to family planning such as preconception
care, access to the partners and education in health to be developed by
the team in order to help the users to better plan their offspring.
disponibilidade de MAC, ainda se observam famílias numerosas e índices elevados de casos de gravidez nãoprogramada12,14.
Para entender o contexto em que fenômenos como
esse ocorrem e compreender as problemáticas circunscritas a
grupos culturalmente homogêneos, a integração da metodologia quantitativa e qualitativa de pesquisa é uma excelente
opção de investigação na área da saúde. Além de mensurar
fenômenos, ela é capaz de propiciar um conhecimento aprofundado do evento, possibilitando a explicação de comportamentos.
Muitas vezes é a compreensão da realidade que
explica por que políticas de ações generalizantes, não só no
âmbito do planejamento familiar, podem ser rejeitadas ou
apenas parcialmente aceitas por determinados grupos
populacionais. Perceber as causas subjacentes às atitudes e
aos discursos dos indivíduos é extremamente relevante para
que as intervenções na produção da saúde apresentem os
resultados esperados15.
Este trabalho teve por objetivo estudar as características reprodutivas e o significado do planejamento familiar para mulheres em idade fértil e avaliar a prática do planejamento familiar em uma comunidade de baixa renda
no município de Aracaju (SE), por meio da realidade das
usuárias de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e dos
profissionais de uma equipe de saúde da Unidade.
Pretendemos, a partir os resultados, fornecer
subsídios aos profissionais de saúde da equipe em questão
e a outros profissionais que se confrontam com as
dificuldades de implantar, de forma mais integral, a proposta
do programa de atenção à saúde reprodutiva na sua prática
cotidiana, orientando caminhos para trabalhar com a
comunidade adscrita ao serviço de saúde e estimular outros
estudos dessa natureza.
Introdução
Criado em 1983, o Programa de Atenção Integral à
Saúde da Mulher (PAISM) representou uma ruptura conceitual
com os princípios norteadores das políticas de saúde1.
O Ministério da Saúde, em resposta aos grupos
organizados de mulheres e às reivindicações de movimentos
sociais, elaborou um modelo assistencial que leva em conta
a vulnerabilidade e os riscos a que a mulher está susceptível
em todas as fases do seu ciclo vital – e não apenas no ciclo
gravídico-puerperal. Esse modelo inclui ações educativas,
preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação,
englobando a assistência à mulher no pré-natal, parto e
puerpério, em planejamento familiar, DST/AIDS, câncer
de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres2, 3, 4.
Dentro dessa linha de cuidado entendido como
caminho singular que cada usuário pode percorrer dentro
de uma rede de saúde, acessando diferentes ofertas do
sistema, as ações em planejamento familiar vieram finalmente garantir aos indivíduos o direito de uma vida sexual
plena e uma melhor programação de sua prole. As políticas
de controle da natalidade vigentes no país até o início dos
anos 1980 foram vencidas pelas políticas de saúde reprodutiva previstas na Constituição Federal e na Lei nº 9.263,
de 12 de janeiro de 1996, a qual regulamentou o planejamento familiar5, 6, 7, 8, 9, 10, 11.
As mulheres passaram a conhecer e a usar mais os
métodos anticoncepcionais (MAC), puderam decidir o
melhor momento para terem seus filhos e contribuíram com
isso para a queda da taxa de fecundidade total no Brasil de
3,5 em 1986 para 2,3 em 200012,13.
É importante, no entanto, ressaltar que essa taxa
representa uma média. Em comunidades mais carentes,
mesmo com a vasta fonte de informação, conhecimento e
272
Metodologia
Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa e
qualitativa desenvolvido em duas etapas complementares
entre si: a primeira, descritiva, de corte transversal, e a segunda,
de investigação social, com grupos focais de pesquisa em
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Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e
Valeska Holst Antunes
Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar
em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
saúde.
quantitativos aos qualitativos, foi utilizada a técnica do grupo
focal, ou entrevista em grupo, como fonte de dados para a
pesquisa15, 16.
Foram realizados três grupos focais: os dois primeiros
com usuárias e o terceiro com a equipe de saúde, no período
de janeiro e fevereiro de 2007.
Para o primeiro grupo foram convidadas oito
mulheres selecionadas de acordo com o perfil da vida
reprodutiva a partir do questionário da primeira etapa. Duas
mulheres compareceram ao local determinado para a realização do grupo.
No segundo grupo, objetivando-se um maior
número de participantes, foi solicitado a cada ACS que
convidasse duas mulheres (dez, no total) consideradas mais
participativas nos eventos da UBS voltados para a
comunidade. Quatro mulheres participaram desta vez.
No terceiro e último grupo, quase toda a equipe
de saúde esteve presente, incluindo um médico, um
enfermeiro, seis ACS, um assistente social e um auxiliar
administrativo, faltando apenas um auxiliar de enfermagem,
que, então, estava de férias. O médico e o enfermeiro foram
integrados à equipe há pouco mais de seis meses.
Para orientar a condução dos grupos, questionários
semi-estruturados foram elaborados. Para os grupos de
usuárias esse roteiro continha os seguintes tópicos: conceito,
importância, papel do parceiro e da UBS em relação ao
planejamento familiar. Já para o grupo da equipe de saúde:
forma de funcionamento do Programa de Planejamento
Familiar e obstáculos na efetivação do Programa.
Ao fazer parte do grupo, cada participante era
informado que suas falas seriam gravadas durante a reunião
e o resultado, isto é, o discurso, seria utilizado para o presente
estudo, garantindo anonimato e sigilo. Todos se dispuseram
voluntariamente a participar e assinaram outro TCLE.
Para o tratamento dos dados, as fitas foram
transcritas e o material, lido e relido várias vezes. Utilizamos
o Método de Análise de Conteúdo, seguindo a técnica de
Análise de Avaliação, a qual consiste em encontrar as bases
das atitudes por trás da dispersão das manifestações
verbais17. As informações fornecidas pelas usuárias foram
A pesquisa foi realizada no bairro Santa Maria do
município de Aracaju (SE). Neste bairro, três UBS dividem
o atendimento em Atenção Primária à Saúde à população.
Dentre elas, a Unidade de Saúde Elizabeth Pita foi escolhida para o desenvolvimento do trabalho por questões de
fácil acesso de um dos pesquisadores aos profissionais e à
comunidade após estágio supervisionado de 15 semanas
referente ao Internato de Medicina Preventiva da Universidade
Federal de Sergipe.
Para a realização da primeira etapa da pesquisa,
trabalhamos com uma amostra de 90 mulheres com idades
de 15 a 49 anos, de um total de 855 usuárias de uma equipe
de saúde da UBS, por meio de sorteio aleatório das pastasfamília. Essa amostra, considerada significativa, foi calculada
com um nível de confiança de 95%, por meio do programa
Epi Info versão 6.04.
Foi aplicado por um mesmo pesquisador um
questionário estruturado a cada mulher em sua residência,
acompanhado pelo agente comunitário de saúde (ACS) da
microárea correspondente, no período de novembro e
dezembro de 2006. No caso da mulher não estar em casa,
após duas tentativas, foi entrevistada a mulher de idade mais
próxima da casa vizinha. Foram coletados dados pessoais,
informações a respeito da vida reprodutiva e conhecimento
e uso de MAC.
Cada mulher recebeu um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual informava os
objetivos do trabalho e o compromisso de manter as informações pessoais colhidas em sigilo. A participação foi
voluntária, e só após a leitura e a assinatura do TCLE, a
mulher pôde ser incluída no estudo.
Após o processamento dos dados, procedeu-se
inicialmente a análise estatística descritiva. Tratamos os
resultados brutos de maneira a serem significativos e válidos.
Operações estatísticas simples, do tipo freqüência absoluta,
freqüência relativa e média permitiram estabelecer tabelas,
as quais sintetizaram e consolidaram de maneira objetiva as
informações fornecidas para análise.
Em uma segunda etapa, integrando os dados
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Valeska Holst Antunes
Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar
em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
codificadas pela letra “U”, enquanto as da equipe de saúde
foram codificadas de acordo com o cargo profissional.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Sergipe.
uma ou mais gestações não-planejadas. Em relação às
mulheres que já tinham abortado (n=29), a média de
abortos foi de 1,51 ± 1,02 por mulher, sendo que, para
cada dois abortos ocorridos, um foi provocado pela
mulher.
• Conhecimento de métodos anticoncepcionais
Resultados
• Caracterização sociodemográfica
Quase a metade das mulheres da pesquisa tinha idades
de 20 a 29 anos (48,9%) na ocasião da entrevista e a grande
maioria referiu viver em coabitação com o parceiro (73,4%),
fossem elas casadas ou unidas consensualmente. A maior parte
delas não terminou o Ensino Fundamental (48,0%) e dois
terços relataram como atividade os afazeres do lar (Tabela1).
Tabela 1. Características sócio-demográficas das
usuárias (n=90) - Aracaju (SE) nov./dez. 2006
Idade (anos)
15-19
20-29
30-39
40-49
Situação Conjugal
Solteira
Unida**
Não unida***
Escolaridade
Nunca estudou
Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo
Ensino superior
Atividade
Afazeres do lar
Estudante
Empregada doméstica
Autônoma
Outros
* Freqüência absoluta
** Casada ou unida consensualmente
*** Separada, divorciada ou viúva.
Fa*
19
44
21
06
%
21,1
48,9
23,3
6,7
21
66
03
23,3
73,4
3,3
02
43
07
01
2,2
48,0
17,7
1,1
60
10
08
03
09
66,7
11,1
8,9
3,3
10,0
Fonte: Dados da pesquisa.
• História obstétrica
Das mulheres que já tinham engravidado (n=75),
a média de gestações foi de 2,84 ± 2,07 por mulher. Setenta
e seis por cento dessas mulheres afirmaram que já tiveram
274
Dos métodos reversíveis, os mais conhecidos
foram o preservativo masculino, a pílula e o injetável, tendo
sido citados por mais de 97% das respondentes, seguidos
pelo preservativo feminino (93,3%), DIU (88,9%), coito
interrompido (88,9%) e tabela (76,7%). Já a temperatura
basal, o muco cervical e o espermicida foram os menos
conhecidos, tendo sido ignorados por 98,9%, 97,8% e
96,7% das mulheres, respectivamente. Outros métodos que
também apareceram com um elevado percentual de
desconhecimento foram o diafragma (66,7%) e a pílula de
emergência (58,9%). Os métodos irreversíveis foram pouco
citados espontaneamente, mas quase todas as mulheres
confirmaram conhecê-los após lembrados, sendo a ligadura
das trompas (97,8%) ainda mais conhecida que a vasectomia
(94,4%) (tabela 2).
• Uso de contraceptivos
Em relação ao uso dos 14 métodos questionados,
apenas seis eram usados. O preservativo masculino foi
referido como o método mais utilizado tanto por todas as
mulheres como pelas mulheres unidas e pelas sexualmente
ativas, seguidos pela pílula e a ligadura tubária. O injetável
apareceu como o quarto método mais usado e o coito
interrompido e a vasectomia como os menos usados (tabela
3). Apesar de o preservativo masculino ter sido relatado
como o método mais usado, apenas 25% das mulheres
sexualmente ativas relataram a prática da dupla proteção.
Isto quer dizer que, mesmo o uso sendo referido, ele não
acontece em todas as relações sexuais.
Ainda com relação ao uso dos métodos, verificamos que 50% das usuárias de pílula não reiniciaram nova
cartela do anticoncepcional no prazo estabelecido e que
100% das usuárias do injetável disseram obedecer aos
prazos estabelecidos para a nova injeção.
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Valeska Holst Antunes
Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar
em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
Trinta e sete por cento das mulheres (n=34) afirmaram
não estar usando nenhum método atualmente. Destas, a
porcentagem mais preocupante corresponde a 26,4%, na
qual estão incluídas aquelas que eram indiferentes ao uso
ativa (26,5%), eram virgens (14,7%) ou estavam tentando
engravidar no momento da entrevista (2,9%).
• Início da vida sexual e do uso dos MAC
A idade média do início da vida sexual e do início
Tabela 2. Conhecimento das usuárias sobre os métodos anticoncepcionais - Aracaju (SE) nov./dez. 2006
Relação dos MAC
Pílula
Injetável
DIU
Preservativo Masc.
Preservativo Fem.
Diafragma
Espermicida
Pílula de emergência
Tabela
Muco cervical
Temperatura basal
Coito interrompido
Vasectomia
Laqueadura
Citou o MAC
espontaneamente
Confirmou conhecer o
MAC após lembrado
Conheciam o MAC
Não conheciam o MAC
Fa
%
Fa
%
Fa
%
Fa
%
89
46
45
88
14
09
22
01
03
02
08
98,9
51,1
50,0
97,8
15,5
10,0
24,5
1,1
3,3
2,2
8,9
42
35
02
70
21
03
37
47
02
77
83
80
46,7
38,9
2,2
77,8
23,3
3,3
41,1
52,2
2,2
85,6
92,2
88,9
89
88
80
90
84
30
03
37
69
02
01
80
85
88
98,9
97,8
88,9
100,0
93,3
33,3
3,3
41,1
76,7
2,2
1,1
88,9
94,4
97,8
01
02
10
06
60
87
53
21
88
89
10
05
02
1,1
2,2
11,1
6,7
66,7
96,7
58,9
23,3
97,8
98,9
11,1
5,6
2,2
Fonte: Dados da pesquisa.
Tabela 3. Porcentagem de mulheres que estão usando algum método atualmente, segundo o tipo de método
- Aracaju (SE) nov./dez. 2006
Método
(n=90)
Algum método
Métodos Reversíveis
Preservativo masculino
Pílula
Injetável
Métodos Tradicionais
Coito interrompido
Métodos irreversíveis
Ligadura tubária
Vasectomia
Todas as mulheres
Mulheres unidas
(n=66)
Mulheres sexualmente
ativas (n=76)
62,2
71,2
73,6
28,9
20,0
8,9
31,8
19,7
9,1
31,5
23,6
10,5
3,3
4,5
3,9
13,3
3,3
16,6
4,5
15,7
3,9
Fonte: Dados da pesquisa.
do MAC (11,8%), que estavam no puerpério (8,8%) e que
mencionaram uma possível infertilidade (5,9%). As demais
(73,5%) estavam grávidas (29,4%), não tinham vida sexual
275
do uso de MAC foi calculada por faixa etária e está representada na tabela 4. Uma grande parcela das mulheres referiu ter iniciado a vida sexual com 15 anos ou menos (37,3%);
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em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
contudo, apenas 19% do total relataram ter iniciado algum
MAC antes dos 15 anos.
• Obtenção de informações sobre MAC
A idade média de obtenção das primeiras informações sobre MAC está representada na tabela 4, sendo que a
maior parte das mulheres (49,4%) garantiu que, com 15
anos ou menos, já sabia de algum meio para evitar gravidez.
que escolheram a vasectomia como MAC para o casal.
Do total dessas mesmas mulheres que referiram
atividade sexual, 26,6% disseram ter parceiros que não
aceitam o uso de um ou mais MAC, incluindo o preservativo
masculino, com 90% de rejeição por esses homens, o DIU
(15%), a pílula (10%) e a tabelinha (10%). Não foram aqui
incluídos os métodos definitivos.
Tabela 4. Idade média (em anos) do acontecimento de alguns eventos em relação à faixa etária - Aracaju (SE)
nov./dez. 2006
Faixa etária no
momento da pesquisa
Primeiras
informações de MAC
Início da vida sexual
Início do uso de
MAC
15-49
15-19
20-29
30-39
40-49
16,61 +/- 4,05
13,52 +/- 1,60
16,00 +/- 2,50
20,20 +/- 5,42
19,00 +/- 2,54
17,21 +/- 3,62
14,61 +/- 1,84
17,04 +/- 2,97
19,35 +/- 4,33
17,66 +/- 4,71
19,40 +/- 4,65
15,07 +/- 2,01
18,90 +/- 3,20
22,36 +/- 5,49
23,66 +/- 5,60
Fonte: Dados da pesquisa.
Com relação à fonte das primeiras informações sobre
MAC, as principais foram representadas por amiga (22,2%),
enfermeiro (21,1%), professor (21,1%) e mãe (13,3%),
enquanto um outro parente (6,6%), o médico (6,6%), o
parceiro (3,3%), outro profissional de saúde (2,2%) e os
meios de comunicação (2,2%) estavam incluídos nos 22,3%
restantes.
A UBS também teve participação na obtenção das
informações a respeito dos MAC, sendo 71,1 a porcentagem de mulheres que já tinham tido algum contato com
os profissionais de saúde da Unidade no processo educativo
do planejamento familiar. O enfermeiro mostrou papel de
destaque, quando 86% das mulheres disseram já ter conversado com ele sobre planejamento familiar, vindo em
seguida o ACS (50%) e o médico (42,1%).
• Participação do parceiro na anticoncepção
Das mulheres sexualmente ativas, 61% afirmaram
ter parceiros que auxiliam no processo de anticoncepção,
seja usando o preservativo masculino, seja lembrando-as
de tomar o anticoncepcional. Dentre eles, estão ainda aqueles
276
• Grupos focais com usuárias
Os grupos iniciaram com o questionamento sobre
a compreensão das usuárias em relação ao conceito de
planejamento familiar. As respostas tomaram duas vertentes.
A primeira (de uma idéia) diretamente ligada aos métodos
anticoncepcionais: “É assim quando você vai evitar filho.
Os métodos [...] que existem” (U1); “No posto de saúde,
a gente pega o preservativo, pega o anticoncepcional para
evitar” (U3). Outras não souberam responder qual seria o
significado de planejamento familiar: “Eu estou com
problema no eletrocardiograma [...] Aí eu tive que procurar
a equipe, né. Eles que tem que me orientar o que é que eu
devo fazer. Eu acho que pra mim isso é um planejamento
familiar, né” (U4); “O agente (ACS) vai às casas, vê quem
mora e bota nas pastas para ver quantas pessoas moram
naquela casa, qual a área do cartão. Eu acho que é isso” (U5)
ou ainda “Não entendi ainda bem o que é” (U2).
No andamento do estudo com o grupo, contudo,
estas mesmas mulheres apresentaram uma visão muito clara
e bem menos limitada do planejamento familiar ao relatarem
suas vivências: “Quando a gente resolveu ter filho começou
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em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
a guardar dinheiro para ajudar o menino [...] Então nós
planejamos direitinho. Então eu digo que não estamos
passando necessidade” (U1); “Eu tive três [filhos]. No tempo
eu já sabia que podia evitar, mas queria ter meus filhos.
Também, depois que tive os três, aí liguei [ligadura tubária]”
(U4); “Antes de casar eu fui para um médico. Fui pedir ajuda
para ele, porque não sabia nada [...] ele me ensinou [...] fiz
todos os exames” (U1).
Houve um consenso de que hoje todas as mulheres
têm acesso à informação sobre MAC. Ainda assim, as
usuárias mostraram situações vividas que contrapõem essa
aferição: “Eu mesma quando tive os meus meninos, por
incrível que pareça, engravidava porque eu não sabia usar
os comprimidos. E até hoje eu não sei como é que usa
aquilo [...] Eu mesma não achava que eu ‘pegava’ gravidez.
E descobria quando estava com quatro ou cinco meses”
(U4); “Eu pensei assim: meu filho já tem 13 anos, e eu
acho que não engravido mais. Aí fiquei um mês sem usar
camisinha. Quando foi no outro mês a menstruação não
veio. Mas não foi por falta de informação. Foi porque eu
achava que não ia engravidar mais” (U3).
A opinião das mulheres no que se referiu à
importância de o casal planejar a família esteve bastante
ligada ao aspecto financeiro e de necessidades básicas:
“Porque você tem que estar estruturada, né [...] Eu, quando
casei, só tinha um colchão de solteiro pra dormir e uma
colcha pra, ao mesmo tempo, deitar em cima e me enrolar
[...] Quando for ter um filho, nós temos que pensar na nossa
casa, ter os móveis que a criança vai precisar, né” (U4); “Por
causa das dificuldades das coisas [...] dar um bom estudo
pra eles, né, que é o principal hoje em dia” (U2); “O que eu
posso fazer por ele não posso fazer por dois” (U1).
Na tentativa de achar uma resposta para o elevado
índice de gestações não-planejadas encontrado na pesquisa,
foi perguntado a que elas atribuíam esse fato. Todas
refutaram a falta de orientação disponível como um fator
preponderante. As explicações foram variadas, mas a
predominante esteve em torno de um misto de falta de
objetivos que as motivasse a planejar a vida e negligência
para com o uso dos MAC: “Muitas não se preocupam
com o dia de amanhã” (U3); “Não pensam assim: ah!
Primeiro eu quero estudo, depois eu quero construir minha
vida, ter minha profissão, minha casa, pra depois pensar
em casar e ter filhos. Acham que, casando, já vão ter tudo”
(U6); “Elas estão com o remédio em casa porque o posto
dá e não tomam porque esquecem, levam na brincadeira”
(U4). Outras questões levantadas pelas usuárias foram: o
papel da família, seja na rigidez de não permitir o diálogo
sobre o assunto ou a realização de aborto, seja por um excesso
de permissividade retratada naquelas mães que acolhem e se
responsabilizam pelos netos sem questionar, a necessidade
de agradar o homem e mesmo a expectativa de receber
apoio dos programas governamentais.
Com relação ao papel do homem no planejamento
familiar, foi observada grande submissão dessas mulheres
– tanto financeira, quanto em tomar de decisões –, como
pode ser visto nos relatos a seguir: “Ele tem um papel maior
porque toda a responsabilidade está com ele, né, pra questão
de trabalho, pra dar o sustento dos filhos...” (U2); “Se uma
mulher ficar grávida e ele disser que assume, ela não aborta,
se ele disser que não assume, ela aborta. Então pra mim o
homem é o principal. Claro que a mulher também não
pode não assumir as responsabilidades, né” (U1). Esta
submissão aparece ainda no veto ao uso de MAC, sobretudo
o preservativo masculino, que exige uma postura pró-ativa
do companheiro: “A mulher não ‘se dá’ com o comprimido
e tem que usar camisinha. Aí o homem não aceita, né” (U3);
“Porque tem homem que não quer que ela tome. Mesmo
que não possa criar quer que a mulher tenha o filho [...]
com a minha filha mesmo aconteceu isso: o marido não
deixava ela tomar comprimido e dizia que se engravidasse
não abortasse. Dizia que era muito homem para sustentar
seu filho” (U5). Contudo, as participantes assumiram
postura crítica perante essa submissão, valorizando o fato
de seus maridos dialogarem ou lhes garantirem autonomia
de escolha: “Acho que o homem tem que respeitar a opinião
da mulher” (U3).
Todas as participantes dos dois grupos referiram
que o papel da UBS em relação ao planejamento familiar é
simplesmente o fornecimento de MAC, embora uma tenha
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em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
afirmado que isso não é suficiente – “Eu acho assim: que
nas consultas do planejamento familiar os médicos deviam
conversar mais com a gente, explicar mais as coisas [...] É
necessário também uma reunião desta pelo menos uma vez
no mês” (U3) – e as demais tenham concordado.
• Grupo focal com a equipe de saúde
Os maiores obstáculos para efetivação do Programa
de Planejamento Familiar referidos pela equipe de saúde
foram: a dificuldade de acesso ao homem e a indisponibilidade
de tempo para a realização de consultas estruturadas e grupos educativos de planejamento familiar. Foi percebido um
verdadeiro cuidado da equipe em relação ao tema. Com o
objetivo de otimizar o funcionamento do Programa, foi
relatada a necessidade de priorizar algumas ações, dentre
elas: facilitar o acesso das(os) usuárias(os), dinamizar o aten-
dimento e realizar busca ativa de usuárias(os) ainda não
inseridas(os) no Programa (tabela 5).
Percebemos que a equipe focou a sua ação no
fornecimento adequado de MAC. Apenas em uma fala
aparecem outras possibilidades de temas relacionados ao
planejamento familiar: “Outras também querem engravidar
e não conseguem. Querem engravidar e têm que vir pra
fazer tratamento e ver se engravida” (ACS).
Discussão
Dos resultados encontrados, as características sociodemográficas das mulheres que participaram da primeira
etapa da pesquisa podem ter sofrido a interferência do viés
da amostra. A baixa escolaridade e o elevado número de
mulheres unidas e que não trabalham fora de casa podem ter
Tabela 5. Planejamento Familiar pela ótica da equipe de saúde - Aracaju (SE) fev. 2007
Obstáculos para efetivação do Programa
Trechos de discursos da equipe
Dificuldade de acesso ao Homem
O problema aqui também é que a gente age em cima da mulher ou dos que vem na Unidade né. A
gente tem dificuldade de chamar o homem, esclarecer, trabalhar algumas questões do uso da camisinha,
é complicado. (Assistente social)
Indisponibilidade de tempo para
- consultas estruturadas de PF
- grupos educativos de PF
A gente tem aqui a caixa de métodos anticoncepcionais, mas pouco usa, pouco traz ao consultório
até porque pouco se tem um espaço, um momento estruturado para ter uma consulta de PF.
(Enfermeiro)
A questão da educação em saúde pra esse tema é uma meta, está no planejamento da equipe, mas
ainda é pra um segundo momento, eu acho. A gente ainda está se organizando. (Médico)
Ações para melhor funcionamento do
Programa
Facilitar o acesso das(os) usuárias(os)
A gente acabou com a idéia de que sexta-feira é o dia de pegar o método... Estamos tentando cadastrar todas as usuárias de métodos até pra facilitar o acesso dentro da farmácia. (Enfermeiro)
Dinamizar o atendimento
A gente está fazendo o seguimento das usuárias em uso de métodos de maneira mais aberta e mais
maleável entre mim (o médico) e (...) (o enfermeiro) a depender de como esteja a demanda. (Médico)
Realizar busca ativa
Nas consultas, independente de qual queixa que a mulher venha pra cá, a gente tem tentado ampliar
um pouco a escuta, né, pra identificar essas necessidades no PF... não ficar só esperando que cheguem
com essa demanda. (Médico)
Tem mulher que chega pra mim e diz: “eu quero colocar o DIU, mas tenho medo”, eu digo: “você tem
que ir lá no posto, ter orientação melhor com o médico, com o enfermeiro”. (ACS)
Fonte: Dados da pesquisa.
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em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
sido superestimados pela quantidade de mulheres que não se
encontravam em sua residência e foram substituídas por
outras de idade mais próxima da casa vizinha. Mesmo assim,
acreditamos que nessa comunidade os resultados não teriam
sido muito diferentes da realidade, excluindo-se essa limitação.
Em relação à história obstétrica das usuárias, um
dado foi considerado alarmante: o elevado número de
mulheres que referiram pelo menos uma gravidez nãoplanejada. Os fatores relacionados a esse evento envolvem
questões que vão além de conhecimento e de oferta de MAC.
As usuárias demonstraram um bom conhecimento
dos principais métodos disponíveis na Unidade – como o
preservativo masculino, a pílula e o injetável –, e a porcentagem
de todas as mulheres em idade fértil (de 15 a 49 anos) que
faziam uso de algum MAC (62,2%) ultrapassou a
porcentagem nacional de 55,412. Entretanto, conhecimento,
oferta e uso de MAC não significam a garantia de
contracepção. Levantamos então o seguinte questionamento:
como propiciar o diálogo entre o saber técnico da equipe
de saúde e o senso comum sobre MAC? Observamos que,
em mais de 48% das mulheres, o conhecimento sobre o
uso de MAC adveio de uma conversa com uma amiga,
um parente, o parceiro ou pelos meios de comunicação,
tendo o médico participado pouco do processo educativo
do planejamento familiar, dentre os profissionais da equipe
de saúde. Percebemos a importância de um trabalho de
educação em saúde com toda a comunidade: isso aumentaria
o vínculo da equipe com as usuárias, abriria espaço para o
diálogo e a compreensão mútua e facilitaria o encontro de
apoio em outros vínculos que as usuárias possuem. Esse
diálogo e o apoio da rede social são aliados para o planejamento de ações e incorporação de informações.
O trabalho interdisciplinar em uma equipe de saúde
evita a sobrecarga de alguns profissionais e diminui a
possibilidade de atendimento defasado18. As ações em planejamento familiar desenvolvidas pela equipe em questão e os
esforços dispensados na melhoria do serviço tentam resolver
o problema imediato do acesso aos métodos anticoncepcionais, mas, em contrapartida, a prática do planejamento
familiar pelos indivíduos só será sedimentada a longo prazo
com a educação em saúde. Concordamos com Moura e Silva19
quando afirmam que a informação adequada provoca um
impacto no usuário, levando-o a elaborar suas próprias
opiniões, tomar decisões e perceber-se na relação consigo,
com a família, a comunidade, enfim, com o mundo.
A equipe, com aquisição recente de profissionais
engajados com a promoção da saúde, optou por medidas
paliativas iniciais na saúde reprodutiva, para ganhar tempo
com as dificuldades impostas pela grande demanda, até se
conseguir um aproveitamento satisfatório de todos os
programas preconizados pelo Programa de Saúde da
Família. Mas isso faz com que o papel da UBS em relação
ao planejamento familiar ainda esteja muito ligado à oferta
de MAC, assim como se queixaram as usuárias nos grupos
focais da pesquisa. Temas relacionados à infertilidade, assistência à pré-concepção, risco reprodutivo e educação em
saúde são pouco abordados pela equipe e por usuárias(os).
Por outro lado, sabemos que existem ainda razões
sociais e culturais dos papéis de gênero dos indivíduos na
sociedade que estão por trás do insucesso do planejamento
familiar nesta comunidade. Segundo Muraro20 populações
mais carentes tendem a ter visões mais tradicionais dos
papéis de gênero do que as visões mais modernas das
pessoas de classe média e, especialmente, dos universitários.
O homem é visto como o provedor, aquele que
sustenta a família, o representante legal, e a mulher, como a
cuidadora do lar, dos filhos e do parceiro, em um mundo
limitado ao papel de mãe e esposa. Dessa forma, será que
o fato de não realizar contracepção ou descuidar do uso
dos MAC, como referido por algumas usuárias no grupo
focal, repercute da mesma forma quando acontece uma
gravidez não-programada em famílias mais abastadas?
Talvez as diferenças estejam nas condições financeiras e na
expectativa do futuro. Enquanto nas classes mais favorecidas
o problema gira em torno do comprometimento profissional
e pessoal da mulher e até do homem, na classe baixa o
problema está mais freqüentemente ligado às necessidades
básicas insatisfeitas do novo ser que foi gerado.
Além disso, essa cultura machista explica em parte
por que as mulheres referiram que 26,6% dos parceiros
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Desafios para a implementação do Programa de Planejamento Familiar
em uma comunidade de baixa renda em Aracaju (Sergipe), Brasil
ainda não aceitam alguns métodos reversíveis, com destaque
para o preservativo masculino. Entretanto, mesmo criticando essa postura machista, vimos que muitas se submetem ao sexo sem proteção contraceptiva para agradar
ao homem, por amor, por carência afetiva, por pressão da
sociedade ou mesmo por dependência financeira.
Um outro dado que nos causou preocupação está
relacionado à prática do aborto. Cinqüenta por cento dos
abortos registrados na pesquisa foram referidos como
intencionalmente provocados pela mulher. Não sabemos
ao certo se esse número corresponde à realidade, porque, se
por um lado, os fatores emocionais e a repressão da sociedade
podem ter levado a mulher a omitir esse fato na resposta ao
questionário individual, por outro, nos grupos focais, a
prática do aborto foi manifestada com bastante naturalidade.
Mesmo assim, ainda que esse dado não tenha sido
subestimado, ele assusta, pois aumenta em muito os riscos
de morbimortalidade materna.
O início cada vez mais precoce da atividade sexual
das participantes, descrito também em estudo nacional
realizado pelo Ministério da Saúde21 e estudo realizado em
São Paulo por Borges e Schor22, exige orientação adequada
tanto para meninas quanto meninos. Inserir os adolescentes
desde cedo nesse processo educativo pode facilitar o trabalho
conjunto com os casais no futuro e fortalecer a idéia de que
homens e mulheres são co-responsáveis pelo planejamento
da família.
interdisciplinar pode não apenas proporcionar uma atenção
mais integral a esta complexa questão que é o planejamento
familiar, mas se coloca como uma necessidade no momento
de planejar as ações.
O trabalho de educação em saúde deve ser estimulado, em uma relação dialógica com a comunidade para
ampliar o olhar da equipe e o leque das ações. Um modelo
unidirecional de repasse de informações não traz o suporte
adequado para internalização do conhecimento.
Por fim, cabe ressaltar o valor da integração da
formação acadêmica com o mundo do trabalho, da produção
de conhecimento na Atenção Primária à Saúde e da avaliação
das ações na implementação do Sistema Único de Saúde.
Faz-se necessário um contínuo pensar sobre o trabalho
desenvolvido, ou seja, a concretização da educação permanente
para que possamos avançar vencendo desafios.
Conclusões
A prática do planejamento familiar ainda necessita
de avanços para garantir efetivamente os direitos e a saúde
reprodutiva da mulher. E, quando tratamos de comunidades
com predomínio das classes populares, é preciso ter abertura
para perceber e dialogar com suas peculiaridades concretas,
subjetivas e culturais.
As equipes de saúde precisam reconhecer a
importância da organização do fluxo do serviço para
garantir o acesso das(os) usuárias(os) e diversificar a oferta
de cuidado do planejamento familiar, não se restringindo
apenas à abordagem contraceptiva. Para tanto, o trabalho
280
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Bárbara de Alcântara Brito Maia, João Batista Cavalcante Filho e
Valeska Holst Antunes
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281
Endereço para correspondência
João Batista Cavalcante Filho
Departamento de Medicina – Hospital Universitário da
Universidade Federal de Sergipe
R. Cláudio Batista, S/N – Santo Antônio – Aracaju – SE
CEP: 49060-100
Endereço eletrônico
[email protected]
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar:
a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores
Medical services in the field of family health:
impact assessment from the users perspective
Luiz Miguel Santiago*
Resumo
O conhecimento do impacto da atividade de Medicina Geral e Familiar é imprescindível, permitindo a retroação
corretora, e o conhecimento do que pensam destas consultas os seus utilizadores é algo ainda não estudado. O objetivo
do estudo é medir o impacto sentido pelos Utilizadores de Consulta de Medicina Geral e Familiar – especificamente
avaliar tal em função do sexo, da idade, da formação e da atividade profissional dos utilizadores. Foram realizados:
estudo transversal com intenção analítica; aplicação de duas perguntas do MOS-SF 36 a utentes de um Centro de Saúde
nos dias 14 e 15 de Março de 2007; amostra de conveniência em maiores de 16 anos, em função da ordem de inscrição
na consulta do médico. Foram recebidos 127 questionários (57,7%) dos 220 entregues. A idade média obtida foi 50,4
anos (homem 54,5±16,7 e mulher 48,4±17,0, ns), e o grupo etário inferior a 65 anos representou 73,4%. Em relação ao
ano anterior, foram obtidas saúde igual ou superior a boa para 34,6% e saúde superior a um pouco melhor para 22,2%.
O estudo discute ainda que o conhecimento do que os utilizadores pensam sobre a atividade do médico é importante
para potenciar o resultado de cada contato, assim melhorando a acessibilidade. Os resultados encontrados não têm
comparação com outros estudos, e a conclusão foi que a qualidade do estado de saúde, comparada ao ano anterior,
revela ser melhor para 22,2% dos respondedores, contra 19,1%, que, julga-se, apresentarem estado pior.
Abstract
Assessing the impact of the family health services is indispensable for a corrective feedback, however it has not been studied at yet how
the users feel about these services. The objective of this study is thus to measure the impact of the family health services from the viewpoint of the
users, specifically according to sex, age, educational level and professional activity. The survey carried out with this purpose included: a
transversal analytical study; application of two MOS SF 36 questionnaires to the users of a family health unit on March 14 and 15, 2007;
convenience sample of patients with more than 16 years of age, following the order of appointments. One hundred and twenty seven (57,7%)
from the 200 distributed questionnaires were returned. The age mean was 50,4 years (males 54,5±16,7 and females 48,4±17,0) and the age group below
65 years represented 73,4%. In comparison to the year before, 34,6% ranked their health status as equal, better or good and 22,2% as a little better. The
study still argues that knowing what the users think about the doctor’s work is important for increasing the effectiveness of each appointment, thus improving
the accessibility. There are no data available for comparing the results found in this study and it is concluded that, in comparison to the year before, the health
status of 22,2% of users was found better against 91,1% qualifying their health status as worse.
Palavras-chave: Garantia de Qualidade em
Saúde; Qualidade de Vida; Medicina de Família
e Comunidade.
Key Words: Quality Assurance, Health Care; Quality
of Life; Family Practice.
* Médico,DoutorandodaFaculdadedeMedicinadaUniversidadedeCoimbra,especialistaemMedicinaGeraleFamiliar,CentrodeSaúdedeEiras,sub-regiãodeSaúdedeCoimbra,Portugal.
Bras Med Fam e Com
282 Rev
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar:
a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores
Luiz Miguel Santiago
Introdução
No âmbito da avaliação da qualidade1,2,3, a prática da
Medicina, em particular a de Clínica Geral/Medicina Familiar
(MGF), deve ser medida de acordo com a situação e o contexto
que a conhecemos em Portugal, segundo a organização de um
Centro de Saúde3,4,5: a diversidade de apresentação das situações
que se apresentam aos médicos especialistas, pois que esta
especialidade médica lida com indivíduos que procuram um
médico para alívio das suas queixas – quer de doença, quer apenas
de seu temor4,6,7.
Alguns trabalhos realizados em outros contextos
socioprofissionais demonstram que a qualidade pode ser medida
pelos utilizadores em áreas muito particulares, como a
medicação8,9,10. Trabalho publicado na área geográfica do
Distrito de Coimbra versou sobre a temática da qualidade
estrutural de uma forma conceptual, tentando verificar a
existência das condições necessárias para a prática de Consulta11.
Há especificidades próprias de estrutura, de processo
e de resultado que são já medidas pelos decisores de saúde12 e
há resultados de inquéritos que fazem pensar que os médicos
de Clínica Geral/Medicina Geral e Familiar em Portugal estão
intrinsecamente e explicitamente voltados para a qualidade ao
pretenderem ter artigos que reflitam boas-práticas13.
No entanto, falta ainda medir qual a qualidade sentida
pelos utilizadores, medida pelo seu julgamento quanto ao estado
comparativo com o, atualmente, sentido14.
Talvez, assim se possa gerar um clima de automotivação para a qualidade de trabalho em que o médico e a
estrutura em que trabalha estejam em permanente mutação,
evitando a insatisfação que pode advir do hábito da prática15.
É necessário criar cultura de cuidados centrados no
doente – entendido este como uma das partes da equação
saúde –, sendo um dos pontos integrantes da resposta ao
problema “doença”16, 17, pelo que se julga importante realizar
trabalho na área da qualidade, em uma estrutura de prestação
de cuidados de saúde primários, segundo um modelo simples
de abordagem.
283
Objetivos
Medir o impacto sentido pelos utilizadores de consulta
de Medicina Geral e Familiar – especificamente, avaliar tal em
função do sexo, da formação e da atividade profissional dos
utilizadores.
Material e métodos
Material
- Utilizadores da Consulta de Clínica Geral de um Centro de
Saúde.
14
- Formulário com duas questões do MOS-SF 36 .
- Funcionários de um Centro de Saúde que distribuíram
formulário com as perguntas.
- Base de dados em SPSS, versão 11.0.
Metodologia
Estudo transversal, com intenção analítica, realizado
em março de 2007.
População escolhida por amostragem de
conveniência de indivíduos com idade igual ou superior a
16 anos, que, em tais dias, foram à consulta do seu médico
e tendo freqüentado a consulta no primeiro trimestre do
ano anterior. O formulário, contido em envelope endereçado, foi distribuído pelos funcionários administrativos, por
ordem seqüencial de inscri- ção na consulta até o limite de
formulários disponíveis por médico, em função da produção relativa de consultas em semana de fevereiro de 2007.
Foi pedido aos usuários, pelo funcionário administrativo
da consulta, que preenchessem o formulário e o colocassem, dobrado no envelope, em caixa própria na sala de
espera à saída da consulta. Foi garantido sigilo e confidencialidade. A informação dada pelos funcionários foi previamente discutida com estes, tendo havido ação de formação sobre a uniformização desta atividade. O limite de
220 formulários deveu-se a questões orçamentais.
A população foi caracterizada em termos de sexo,
formação e atividade profissional, em função dos registos
informáticos de inscrição na consulta, sendo critério de inclusão
saber ler e escrever.
Os dados foram inseridos em ficheiro informático
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar:
a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores
Luiz Miguel Santiago
SPSS versão 11.0. O trabalho estatístico descritivo e inferencial
utilizou o teste t de student para variáveis numéricas e o 2 para
variáveis ordinais.
Resultados
A população foi constituída por 220 inscritos, que
compareceram às consultas em 14 e 15 de março de 2007,
sendo n=61 (27,7%) do sexo masculino, com uma idade
média de 33,9 anos (mulher 27,3 anos e homem 58,5
anos, p=0,000), segundo o estudo populacional realizado
pelo Gabinete SINUS (Serviço de Informação sobre
Utentes da Saúde) da autoridade de saúde do Distrito de
Coimbra. Desta população, os inscritos e freqüentadores
da consulta, 108 (48,8%) tinham menos de 65 anos.
A amostra consta de 127 formulários, representando
57,7% dos 220 entregues, e apresenta: 43 homens (34,1%),
sendo a idade média geral de 50,4±17,0 anos (homem
54,5±16,7 e mulher 48,4±17,0, ns), e 91 elementos (73,4%)
representaram o grupo etário inferior a 65 anos.
Na Tabela I, é referida a distribuição na amostra
Tabela I. Distribuição da formação académica na amostra
Formação (*) (**)
Total
n (%)
Homens
n (%) (*)
Mulheres
n (%)(*)
</= 65
n (%)(**)
>/= 65
n (%)(**)
Sabe ler e escrever
6 (1,4)
11 (13,4)
5 (5,6)
11 (33,3)
17 (13,5%)
4ª classe
27 (62,8)
46 (56,1)
50 (55,6)
22 (66,7)
74 (58,7)
12º ano
5 (1,2)
11 (13,4)
16 (17,8)
-
16 (12,7%)
Técnica
-
3 (3,7)
3 (3,3)
-
3 (2,4%)
Superior
5 (1,2)
11 (13,4)
16 (17,8)
-
16 (12,7)
Total
43
82
90
33
126
Nota: (*) ns na análise por sexos. (**) p=0,000 por grupo etário < 65 ou > 66 anos, sendo mais baixa a formação no grupo mais idoso.
Tabela II. Atividade profissional da amostra
Atividade
Profissional (*) (**)
Total
N (%) n
</= 65
n (%) (*)
> 65
n (%)(*)
Homens
n (%)(**)
Mulheres
n (%)(**)
Rural
1 (1,1)
1 (3,0)
1 (2,4)
2 (2,5)
3 (2,4)
Comércio
10 (11,5)
-
2 (4,9)
8 (9,9)
10 (8,1)
Indústria
9 (10,3)
1 (3,0)
5 (12,2)
5 (6,2)
10 (8,1)
Serviços
34 (39,0)
-
8 (19,5)
26 (21,1)
34 (27,6)
Doméstica
8 (9,2)
5 (15,2)
-
14 (17,3)
14 (11,4)
Desempregado
7 (8,0)
-
5 (12,2)
3 (3,7)
8 (6,5)
Reformado
13 (14,9)
26 (68,8)
18 (43,9)
20 (24,7)
39 (31,7)
Estudante
5 (5,7)
-
2 (4,9)
3 (3,7)
5 (4,1)
41
81
Total
87
33
Nota: Homens2 (*) p=0,000; (**) p=0,018 para a distribuição por sexos (homem e com comparativa maior percentagem de reformados).
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Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
123
Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar:
a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores
Luiz Miguel Santiago
dos vários tipos de formação considerados, valendo
realçar que 27,8% têm formação acadêmica avançada.
Na Tabela II, referimos a distribuição da atividade
profissional na amostra.
Na Tabela III, fornecemos os resultados obtidos
nas respostas às duas afirmações do SF 3614. Nota-se que,
para a distribuição por tipo de formação, a percentagem de
respondentes em estado de saúde Razoável/Mau é de 73,6%,
Discussão
Trata-se de um estudo de características epidemiológicas e fundamentado em população de escolha pelo
método de conveniência. De fato, o autor dispunha apenas
de um concreto número de formulários, tendo solicitado
a sua aplicação à população que soubesse ler e escrever e
que fosse maior de 16 anos de idade, nos dias especificamente
escolhidos – e apenas divulgados no próprio dia –, e que ti-
Tabela III. Resposta às duas afirmações do SF 36 acerca do estado de saúde presente e em comparação com
o ano transato
1. Em geral diria que a
sua saúde está:
n=127 (*, **, ***, ****)
2. Em comparação ao
ano passado diria que a
sua saúde está:
n=126 (*, **, ***, ****)
Excelente
5,5%
Muito Boa
7,1%
Boa
22,0%
Razoável
53,5%
Má
11,8%
Muito melhor
6,3%
Um pouco
melhor
15,9%
Igual
58,7%
Um pouco
pior
15,1%
Muito pior
4,0%
Nota: utilizando o X2: Por grupo etário (*): ns para ambas as questões. / Por sexos (**): ns para as duas questões. / Por tipo de formação (***): p=0,011 para afirmação
1 e ns para afirmação 2. / Por tipo de atividade profissional (****): ns para ambas as afirmações.
sendo 45,7% para aqueles com formação superior ao 12º
ano, 5,5% os que têm formação inferior a 12º ano e estado de
saúde excelente ou muito melhor, contra 31,4% de
respondentes em tal sentimento, mas com formação superior
a 12º ano. O bom estado de saúde tem freqüências de 20,9%
e 22,9% para a formação menor ou maior que 12º ano.
A evolução sentida no estado de saúde em função
do estado de saúde atual foi avaliada, valendo destacar que
quem mais evoluiu no sentido da piora, segundo o que
podemos verificar na Tabela IV, são aqueles que pior estado
atual têm.
vessem freqüentado a consulta do seu médico no primeiro
trimestre de 2006. Dada a necessidade de abrangência
populacional em um Centro de Saúde que tem 12 médicos
atendendo uma população inscrita de 16.500 pessoas,
optou-se pela entrega de formulários, em envelope endereçado, a todos os que em tais dias se inscrevessem na consulta
segundo um rateio por médico em função da produção
de consultas em fevereiro de 2007.
O instrumento utilizado para a avaliação do presente
estudo foi já alvo de validação e tradução para o português14.
Admitimos viéses de percepção, de memória e de
Tabela 4. O estado de saúde atual e a evolução desde o ano passado
1. Estado de saúde atual /
estado de saúde no ano
passado (*)
Muito Melhor
Um pouco melhor
Igual
Um pouco pior
Muito pior
Excelente
n (%)
Muito Bom
n (%)
Bom
n (%)
Razoável
n (%)
Mau
n (%)
4 (57,1)
3 (42,9)
-
2 (22,2)
7 (77,8)
-
1 (3,6)
5 (17,9)
21 (75,0)
1 (3,6)
-
3 (4,4)
12 (17,6)
35 (51,5)
17 (25,0)
1 (1,5)
1 (7,1)
8 (57,1)
1 (7,1)
4 (28,6)
Nota (*) p=0,000 (X2)
285
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar:
a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores
Luiz Miguel Santiago
intenção no preenchimento do formulário. Fatores diversos
e aqui não estudados, como o tempo de espera para a efetivação da consulta ou o resultado da presente, podem ter
influenciado os resultados.
Quanto à amostra, podemos dizer que é particularmente jovem, com uma formação sobretudo básica e com
predomínio de atividade profissional nos serviços, constituindo o sexo masculino 34,1% – o que espelha a população.
Em Medicina de Família e Comunidade (em Portugal, designada por Medicina Geral e Familiar), é importante a percepção do estado de saúde dos pacientes e
mesmo o conhecimento do resultado da consulta médica
em todas as suas vertentes, dado o conjunto de sinais, sintomas e patologias apresentadas pelos pacientes18. Aspectos
tão simples como a duração da consulta podem fazer alterar
a percepção do estado de saúde19.
Não tendo verificado a existência de qualquer trabalho que reflita o aqui objetivado parece poder dizer-se
que a atividade do corpo clínico deste Centro de Saúde,
em conjunto com todos aqueles que com eles colaboram,
tem vindo a produzir serviços com a qualidade suficiente
para os resultados obtidos. Em outros contextos podem
ser feitas diferentes avaliações dependentes por exemplo
dos registos efetuados20, sendo sempre necessário o desenho
e a otimização da utilização de ferramentas de análise e de
equipes destinadas à função da medição da qualidade, quer
na óptica da estrutura que trabalha segundo um processo
definido e obtém resultados, quer na óptica dos seus
utilizadores21.
Não pode, no entanto, deixar de ser refletido que
é naqueles que pior se sentem neste momento de observação
que houve pior evolução do estado de saúde e que é no
grupo etário mais elevado e naqueles que têm menor
freqüência escolar que o estado de saúde parece ter mais
piorado. A razão para tal precisa, agora, ser estudada.
Conclusões
Medir o impacto sentido pelos utilizadores de
consulta de Medicina Geral e Familiar – especificamente
avaliar tal em função do sexo, da formação e da atividade
286
profissional dos usuários.
A medição do impacto da atividade de um Centro
de Saúde, julgado pelos seus usuários, revela que, para
34,1%, o estado de saúde atual é igual ou superior a bom,
estando igual ao ano transato para 58,7% e melhor para
22,2%. Para 19,1%, o estado de saúde está pior que no ano
anterior, sobretudo para os mais idosos e aqueles que têm
menor formação acadêmica.
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Atividade da consulta de Medicina Geral e Familiar:
a avaliação do seu impacto pelos seus utilizadores
Luiz Miguel Santiago
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Endereço para correspondência
Luiz Miguel Santiago
Quinta de Voimarães, lote 12-5º D
3000-377
Coimbra - Portugal
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287
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e
epidemiológico dos participantes do projeto
Atividade Física na Vila
Cardiovascular Risk Factors - Clinical and Epidemiologic
profiles in the subjects of the “Atividade Física na Vila” Project
Resumo
Eduardo Simon*
Tatiana Tavares Silva**
José Silvio O. Barbosa***
Ricardo Donato Rodrigues****
Rosimere de Jesus Teixeira*****
As doenças cardiovasculares aterotrombóticas representam uma das principais causas de morte no mundo. A
aterosclerose é uma patologia de origem multifatorial com grande dependência genética e familiar, que apresenta elevada
suscetibilidade de agravamento, segundo o estilo de vida. Nosso objetivo foi descrever as prevalências dos fatores de risco
cardiovascular (RCV) e da Síndrome Metabólica (SM), além de estimar o RCV nos participantes do projeto Atividade Física
na Vila. Mediante estudo de corte seccional, 48 pacientes entre 23 e 74 anos (41 mulheres e 7 homens), foram avaliados
quanto à presença de sedentarismo, tabagismo, história familiar de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) ou doença arterial coronariana,
obesidade, obesidade abdominal, hipertensão arterial (HA), DM2, glicemia de jejum alterada (GjA), dislipidemia e SM. As
prevalências dos fatores de risco foram comparadas com os dados disponíveis para a população geral. A SM foi definida
pelos critérios da NCEP. O RCV foi estimado pelo Escore de Framingham (EF) e comparado entre os participantes com
e sem SM. Dos pacientes, 67% tinham mais de 50 anos e 46%, mais de 55. Houve alta prevalência dos fatores de RCV
comparando-se aos dados populacionais, destacando-se sedentarismo (52% x 56%; NS), obesidade (homens 14% x 9%;
NS; mulheres 39% x 13%; p<0,05), HA (56% x 32%; p<0,05) e hipercolesterolemia (63% x 40%; p<0,05). As prevalências
de DM, GjA, obesidade abdominal e SM foram de 10%, 21%, 60% e 27%, respectivamente. O EF foi de 5,2 ± 5,5, sendo
significativamente maior nos pacientes com SM (9,5 ± 3,1x 3,5 ± 5,4; p<0,05). Esses dados evidenciam a alta prevalência
dos fatores de risco e sugerem sua ação sinérgica no aumento do RCV global representado pelo EF e a necessidade das
mudanças no estilo de vida desses pacientes.
Abstract
The group of atherothrombotic cardiovascular diseases represents one of the leading causes of death around the world. Atherosclerosis
is a condition of multifactorial origin, with great genetic and familiar dependence, besides being characterized by an elevated aggravation trend
related to lifestyle. Our objective was to describe the prevalence of cardiovascular risk (CVR) factors and Metabolic Syndrome (MS), as well
Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares;
Perfil de Saúde; Atividade Física.
Key Words: Cardiovascular Diseases; Health Profile;
Motor Activity.
*Residente de Medicina Familiar e Comunitária do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária. Universidade do Estado Rio de Janeiro.
**Doutoranda em Medicina/UERJ, professora assistente do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, Universidade do Estado Rio de Janeiro.
***Doutorando em Medicina/UERJ, professor assistente do Laboratório de Fisiologia Aplicada de Educação Física, Universidade do Estado Rio de Janeiro.
****Doutor em Saúde Coletiva, professor adjunto do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária, Universidade do Estado Rio de Janeiro.
*****Doutora em Endocrinologia, professora. visitante do DMIFC, Universidade do Estado Rio de Janeiro.
Bras Med Fam e Com
288 Rev
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Eduardo Simon, Tatiana Tavares Silva, José Silvio O. Barbosa,
Ricardo Donato Rodrigues e Rosimere de Jesus Teixeira
Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico
dos participantes do projeto Atividade Física na Vila
as to estimate the cardiovascular risk in the subjects of the “Atividade
Física na Vila” Project. By means of a cross sectional study, 48
patients aged between 23 and 74 (41 women and 7 men) were screened
for the presence of sedentary lifestyle, smoking, family antecedents of
Diabetes mellitus type 22 (DM) or Coronary artery disease, obesity,
abdominal obesity, High Blood Pressure (HBP), DM2, Impaired
Fasting Glucose (IFG), Lipid abnormalities, and MS. This prevalence
was compared to the available general population data. The MS
definition was that of the NCEP. The CVR was estimated using
the Framingham Score (FS), and compared among the groups with
and without MS. 67% of the patients were 50 or older and 46%
were 55 or older. There was a high prevalence of CVR factors
compared to the population data, specially in the case of sedentary
lifestyle (52% x 56%, NS), obesity (men 14% x 9%, NS; women
39% x 13%, P<0.05), HBP (56% x 32%, P<0.05), high total
cholesterol (63% x 40%, P<0.05). The prevalence of DM2, IFG,
abdominal obesity and MS was 10%, 21%, 60% and 27%,
respectively. The mean FS was 5,2 ± 5,5, significantly higher in the
patients with MS (9,5 ± 3,1 x 3,5 ± 5,4 p<0.05). These data
indicate the high prevalence of CVR factors, and suggest its synergy
in elevating the global CVR represented by the FS, as well as strongly
support the need for changes in the lifestyle of these patients.
1. Introdução
A doença cardiovascular aterosclerótica é, em
termos proporcionais, a principal causa de mortalidade em
países ditos desenvolvidos e em muitos países em desenvolvimento, como o Brasil. Da mesma forma, o impacto
deste grupo de doenças nos gastos com saúde é significativo,
havendo inclusive uma tendência ascendente, visto que está
ocorrendo o aumento da prevalência global de alguns dos
seus principais fatores de risco1. A epidemia de obesidade
e doenças associadas como diabetes mellitus tipo 2 (DM2),
hipertensão arterial (HA) e dislipidemia representam um
dos maiores problemas de saúde pública da atualidade2. O
que fazer para controlar esse problema?
Na primeira metade do século 20, experimentos com
animais e observações clínicas ligaram certas condições,
como a hipercolesterolemia, ao risco aumentado de eventos
289
aterotrombóticos3. A partir daí, principalmente após a
avaliação dos desfechos da clássica coorte de Framingham,
juntamente com outros estudos prospectivos, está bem estabelecida na literatura a relação entre alguns fatores e o
risco de doenças cardiovasculares (DCV)4,5. A lista dos chamados fatores de risco cardiovascular (RCV) continua
crescendo, dentre estes já implicados na patogênese da
aterosclerose, podemos listar: tabagismo, DM2, dislipidemia, história familiar de infarto precoce do miocárdio,
resistência periférica à insulina (RI), obesidade e sedentarismo. Outros fatores, como níveis séricos aumentados de
homocisteína, lipoproteína (a), fibrinogênio e proteína C
reativa, bem como algumas infecções crônicas por organismos como espécies do gênero Chlamydia vêm sendo investigados quanto a suas possíveis implicações neste processo3.
Mais recentemente, tem-se disseminado o entendimento de que tais fatores têm uma etiopatogênese comum.
Segundo este entendimento, um hábito de vida sedentário,
um ambiente ansiogênico e uma alimentação hipercalórica
rica em carboidratos e gorduras saturadas levariam, ao longo
do tempo, à obesidade, ao aumento gradual da RI, à
dislipidemia, à HA, e à DM2, dentre outros problemas1. O
conceito de Síndrome Metabólica (SM) – anteriormente
chamada de síndrome X, dismetabólica ou plurimetabólica
– representado por um conjunto de fatores de risco tanto
para o DM2 como para a DCV, tendo a RI como fio condutor
etiopatogênico, veio juntar-se a esta discussão. A SM apresentase como a manifestação precoce do solo comum que leva à
DCV, sendo sua presença um preditor importante de
morbimortalidade6,7,8,9.
A citada clareza e precisão na associação entre
determinadas condições e o risco de doença arterial coronariana (DAC) é tal, que têm sido desenvolvidas funções matemáticas para estimar o risco do desenvolvimento desta num
dado período de tempo, a partir da presença de um maior
ou menor número dos citados fatores. Dentre tais funções,
destaca-se o Escore de Framingham, que deve seu nome à
já citada coorte norte-americana com base na qual foi
construído. Este escore é adotado para estimar a
probabilidade de ocorrer infarto do miocárdio ou morte
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dos participantes do projeto Atividade Física na Vila
por doença coronária em curto prazo, isto é, no período de
dez anos, em indivíduos sem diagnóstico prévio de
aterosclerose clínica4.
O projeto Atividade Física na Vila é voltado para
pacientes do programa Saúde na Vila ou para pacientes do
Ambulatório de Medicina Integral (AMI) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) que moram nas adjacências
do prédio. Este projeto visa promover a educação para a
saúde, o auto-cuidado e a ampliação da rede social, utilizando
a atividade física como prática integradora, bem como
fornecer subsídios para o estudo de seus efeitos sobre a
saúde. O objetivo deste trabalho foi descrever a prevalência
dos principais fatores de RCV e da SM assim como
determinar o RCV nos participantes do projeto Atividade
Física na Vila. Não devemos esquecer que o reconhecimento
e o conseqüente controle dos fatores de risco dessa enfermidade são básicos na prevenção da doença cardiovascular.
Casuística e Métodos
O estudo, do tipo observacional transversal, foi
desenvolvido no ambulatório do projeto Atividade Física
na Vila, no HUPE / UERJ, e teve por população os 106
pacientes envolvidos no projeto. O Atividade Física na Vila
é uma parceria entre o Departamento de Medicina Integral,
Familiar e Comunitária (DMIFC) e o Laboratório de Fisiologia Aplicada de Educação Física, e inclui participantes de
ambos os gêneros, entre 20 e 75 anos, adscritos no programa Saúde na Vila, do DMIFC, ou oriundos do AMI
ainda não adscritos no programa, bem como de outros
ambulatórios do HUPE, mas que desejam realizar atividade
física supervisionada. Após avaliação clínica e laboratorial, os
pacientes são liberados, com ou sem restrições, à prática supervisionada de exercícios físicos ou encaminhados à investigação clínica adicional ou tratamento, conforme as alterações detectadas. Após o início da atividade física, os pacientes são acompanhados por meio de consultas trimestrais
e da repetição periódica dos exames citados.
Os pacientes são submetidos a uma avaliação médica
que consta de anamnese e exame físico, visando à busca dos
fatores de RCV. Os pacientes foram questionados sobre:
290
história prévia pessoal e familiar de DCV, DM2 e dislipidemias. Exame físico completo foi realizado, dando ênfase
aos níveis de pressão arterial e às medias antropométricas.
A pressão arterial foi aferida no braço direito, com o paciente sentado, com esfigmomanômetro analógico, em duas aferições, nas condições minimamente ideais – paciente sentado,
sem presença de esforço físico, vontade de urinar ou defecar, dor, ansiedade, ingestão de café ou uso de tabaco ou
drogas ilícitas nos últimos minutos. Foi utilizado manguito
adequado ao perímetro braquial do paciente. O peso foi
medido em quilogramas, em balança analógica de
plataforma, padrão hospitalar, com precisão de 100g. A
altura foi medida em metros, com o paciente em pé, descalço sobre a plataforma da balança, com o olhar no horizonte. A circunferência abdominal (ou cintura) foi medida com
o paciente em pé, no ponto médio entre a espinha ilíaca
anterior e o último arco costal. A medida foi obtida em
centímetros, com fita métrica de precisão de um milímetro.
Em seguida, cada paciente foi submetido aos
seguintes exames complementares: níveis séricos de glicemia
após 12 horas de jejum e após três dias de dieta livre; Teste
Oral de Tolerância à Glicose (TOTG - glicemia após 2
horas com sobrecarga de 75 g de dextrose oral); perfil
lipídico (colesterol total (CT), HDL-colesterol, triglicérides
(TG) e LDL-colesterol calculado através da fórmula de
Friedewald: LDL-colesterol= CT-(HDL-colesterol + TG/
5); hemograma completo, eletrólitos, uréia e creatinina.
Foram excluídos do estudo os pacientes com avaliação clínica e laboratorial incompleta.
Para a definição dos fatores de risco foram utilizados os critérios descritos na tabela 16,8,10,11,12. O RCV foi
determinado pelo Escore de Framingham a partir dos
seguintes fatores: idade, gênero, presença ou não de DM2
e tabagismo, níveis séricos de colesterol total, HDLcolesterol e pressão arterial. A cada um desses fatores foi
atribuído um valor pré-estabelecido, depois somado aos
demais. O resultado é um valor final que é correlacionado
com uma tabela de riscos percentuais para o desenvolvimento
de DAC em dez anos (tabela 1)4.
O diagnóstico de SM foi realizado pelos critérios
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Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico
dos participantes do projeto Atividade Física na Vila
Tabela 1. Critérios Diagnósticos para os Fatores de Risco Cardiovasculares
Fatores de Risco
Sedentarismo
Tabagismo
Obesidade
Obesidade Abdominal
Diabetes mellitus
Dislipidemia
Critérios
Ausência de atividade física regular nos últimos 30 dias
Consumo de qualquer número de cigarro nos últimos 30 dias
Índice de massa corpórea – IMC ³ 30 kg/m2, sendo classificado como obesidade grau I (30 >
IMC<35), II (35> IMC < 40) e III (IMC > 40).
O sobrepeso foi definido como IMC > 25 e < 30.
Circunferência abdominal (cintura) > 102 cm e 88 cm
Pelo menos dois resultados de glicemia de jejum (Gj) > 126 mg/dL, glicemia casual > 200
mg/dL na presença de sintomas clássicos (poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso) ou
glicemia após TOTG >200 mg/dL. A Gj alterada foi definida como 2 medidas de GJ >110 e
<126 mg/dL. A tolerância diminuída à glicose foi definida como glicemia após TOTG
>140 e < 200 mg/dL10,11.
Triglicerídeos > 150 mg/dL; HDL-colesterol <40mg/dL e <50mg/dL ; Colesterol total
>200mg/dL; e LDL colesterol > 160mg/dL. Denominou-se dislipidemia mista a presença
de dois ou mais dos transtornos acima.
do National Cholesterol Education Program – Adult
Treatment Panel (NCEP ATP III) e da I Diretriz Brasileira
de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica (IDBSM)6,8.Segundo esses critérios, considera-se SM a presença
de pelo menos três dos seguintes componentes: obesidade
abdominal (cintura > 102cm nos homens e 88cm nas
mulheres), hipertrigliceridemia (> 150mg/dL) ou baixos
níveis de HDL-colesterol (< 40 mg/dL nos homens e 50
mg/dL nas mulheres), hipertensão arterial (pressão arterial
sistólica >130 mmHg ou diastólica >85 mmHg) e
finalmente alteração da homeostase da glicose (glicemia de
jejum maior ou igual a 110 mg/dL).
Os dados foram apresentados como média (±SD),
mediana (variância) e/ou percentual. Foram utilizados o
teste Qui-quadrado ( 2) e o teste de Mann-Whitney/
Wilcoxon de comparação de amostras para averiguar a
significância estatística das variáveis categóricas e numéricas,
respectivamente.
Resultados
Foram avaliados 48 pacientes, com idades entre
23 e 74 anos, sendo sete homens (15%) e 41 mulheres (85%).
Dos pacientes, 67% tinham mais de 50 anos e 46%,
mais de 55. A idade média entre as mulheres foi de 54 ± 9,7
291
anos. Entre os homens, a média de idade foi de 60 ±13 anos.
A prevalência global de tabagismo foi de 15%,
sendo que, dentre este percentual, 12% entre as mulheres e
29% entre os homens. A prevalência de tabagismo (29%)
foi semelhante aos dados da população masculina brasileira
(34%), porém observamos uma menor prevalência
(p<0,05) entre as mulheres (12% - IC 95% 8,73-16,28),
com relação aos dados disponíveis para mulheres brasileiras
(29%)13.
As prevalências dos fatores de risco na amostra
estão descritas na tabela 2 e a comparação com os dados
da literatura está descrita na tabela 3. A prevalência de
sedentarismo foi de 52%, sendo que, dentre este, 51% entre
as mulheres e 57% entre os homens. Não houve diferença
significativa na prevalência de sedentarismo, quando
comparada com os dados disponíveis para a população
adulta de uma região urbana brasileira14. A prevalência de
história familiar positiva para DM2 e/ou DCV foi de 79%,
sendo 86% entre os homens e 78% entre as mulheres.
A prevalência de obesidade foi de 35%, sendo 39%
entre as mulheres (nove pacientes com grau I; duas com
grau II e cinco com grau III) e 14% entre os homens (um
paciente, com obesidade grau II). Entre as mulheres, a
prevalência foi superior (p<0,05) à da população brasileira,
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dos participantes do projeto Atividade Física na Vila
Tabela 2 - Projeto Atividade Física na Vila - Prevalências dos Fatores de Risco
Fatores de Risco
Mulheres (n=41)
Tabagismo
Sedentarismo
História Familiar de DAC ou DM2
Obesidade
Sobrepeso
Obesidade Abdominal
Hipercolesterolemia
HDL baixo
Hipertrigliceridemia isolada
Dislipidemia mista
Hipertensão arterial
Diabetes mellitus
Glicose de Jejum Alterada
Síndrome Metabólica
Homens (n=7)
5
21
32
16
17
29
25
4
1
14
27
3
9
11
1
4
6
1
4
1
5
1
0
2
4
2
1
2
Total (%)
14,6
52,0
79,1
35,4
43,7
60,4
62,5
10,4
2,1
33,3
56,2
10,4
20,8
27,1
Tabela 3. Prevalências dos fatores de risco cardiovascular nos participantes do projeto Atividade Física na
Vila e na população em geral
Fatores de Risco
Tabagismo
Sedentarismo
Obesidade
Sobrepeso
Hipercolesterolemia
Hipertensão Arterial
Diabete mellitus
Glicose de Jejum Alterada
Síndrome Metabólica
Participantes do Projeto
População Geral
Valor de p
Homens: 28,7%
Mulheres: 12,1%
52%
Homens: 14,3%
Mulheres: 39%
Homens: 57,1%
Mulheres: 41,4%
62,5%
56,2%
10,4%
20,8%
27,1%
Homens: 33,8%
Mulheres: 29,3%
56%
Homens: 8,9%
Mulheres:13,1%
Homens: 41,1%
Mulheres: 40%
40%
31,5%
7,6%
8%
23,7%*
NS
p <0,05
NS
NS
p<0,05
NS
NS
p<0,05
p<0,05
NS
NS
NS
* Dados da população adulta norte-americana. Não há dados brasileiros até o momento.
conforme os dados disponíveis (13%)15. A prevalência de
sobrepeso foi de 44%, sendo 57% entre os homens e 41%
entre as mulheres, não havendo diferença estatisticamente
significativa em relação aos dados populacionais brasileiros15.
Somadas as prevalências de obesidade e sobrepeso, temos
uma prevalência global de 79,2% de pacientes acima do
292
peso ideal. A prevalência de obesidade abdominal foi de
60,4%, sendo 14,3% entre os homens e 70,7% entre as mulheres. Não existem dados representativos sobre a obesidade
abdominal na população brasileira.
A prevalência de hipertensão arterial foi de 56% (IC
95% 70,8-41,7) – 57% no sexo masculino e 56% no feminino,
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dos participantes do projeto Atividade Física na Vila
Gráfico 1. Avaliação do risco cadiovascular pelo escore de Framingham
sendo significativamente maior do que
(média +/- 5D) nos pacientes com e sem Síndrome Metabólica:
a prevalência da população brasileira (1532%)16, 17, 18, 19, 20.
A prevalência de diabetes
mellitus foi de 10% (IC 95% 19,4-1,5)
– 7% entre as mulheres e 29% entre os
homens –, sem diferença em relação à
população adulta brasileira (7,6%)21. A
prevalência de glicemia de jejum alterada
foi de 21% (IC 95% 32,8-8,9), sendo
22% entre as mulheres e 14% entre os
homens, semelhante aos dados da
literatura brasileira.
A prevalência global de dislipidemia foi de 85%, tende a persistir, agravando ainda mais o quadro de
sendo 85% entre as mulheres e 86% entre os homens. Deste morbimortalidades elevadas nestes países24.
grupo, 60% apresentaram aumento isolado de colesterol
A doença coronariana tem origem multifatorial,
total, 47% dislipidemia do tipo mista, 17% baixo HDL- portanto é importante considerar simultaneamente todos
Colesterol e 13% hipertrigliceridemia isolada. A prevalência os riscos, na estimativa do risco individual. Tradicionalmente,
total de hipercolesterolemia (63% - IC 95% 48,3-76,7) foi as diretrizes de fatores de risco focam a avaliação de fatores
maior (p<0,05) do que na população adulta brasileira (40%), únicos, como o controle da pressão arterial, dislipidemias
conforme dados de Martinez e colaboradores22.
e diabetes. Isso resulta em uma ênfase muito grande para
A prevalência de SM foi de 27% (IC 95% 14,0- elevações de valores em fatores isolados, em vez de uma
40,0) – 29% nos homens e 27% nas mulheres –, sem diferença visão do risco multifatorial25.
em relação à população adulta norte-americana (24%)6,8,23.
O envelhecimento da população tem visto um
Ainda não há estimativas representativas da população desvio do risco para a DCV em adultos mais idosos26. A
brasileira.
idade desempenha um papel maior no risco absoluto de
O Escore de Framingham variou entre os valores eventos coronarianos, aumentando também o impacto dos
de -11 a 16, com média de 5,2± 5,5, sendo entre as mulheres outros fatores sobre o risco de um indivíduo determinado25.
de 4,9±5,6 e entre os homens de 7,8±4,0. No grupo de Este é um referencial importante para iniciar a discussão
pacientes com SM, o escore de Framingham foi de 9,5 ± dos resultados deste estudo, no qual 46% dos pacientes
3,1 (IC 95% 7,7-11,2), frente a um escore de 3,5 ± 5,4 (IC tinham mais de 55 anos.
95% 1,6-5,4) no grupo sem SM (p<0,05) (gráfico 1).
Na amostra estudada houve significativa preponderância do sexo feminino. Em relação a este fato vale
Discussão
lembrar o efeito protetor do sexo feminino, porém, poApesar da redução global na morbidade e dendo ser anulado pela presença de múltiplos fatores de
mortalidade cardiovascular ao longo dos últimos 30 anos risco25, como é o caso da maioria dos pacientes em questão.
em países desenvolvidos, têm ocorrido elevações relativamente
A presença de história familiar precoce de DAC é
rápidas e substanciais em países em desenvolvimento, dentre definida pela IV Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias
os quais o Brasil. De acordo com as projeções da Organização e Prevenção de Aterosclerose (IVDBDPA) da Sociedade
Mundial de Saúde (OMS), esta tendência de elevação na DCV Brasileira de Cardiologia como infarto fatal ou não-fatal
293
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Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico
dos participantes do projeto Atividade Física na Vila
em parente de primeiro grau menor de 55 anos se masculino
e menor que 65 anos se feminino24. Sabe-se da associação
entre história familiar de DAC prematura e maior incidência
nos descendentes. Entretanto, pelo fato de a hereditariedade
ser um fator de risco imutável, nos indivíduos com história
familiar, em termos práticos – e com o objetivo de reduzir
o impacto desse fator sobre a morbidade e mortalidade
cardiovasculares –, devemos controlar os fatores de risco
que podem ser modificados, como: tabagismo, sedentarismo, obesidade, HA, DM2, dislipidemias, dentre outros.
As metanálises que avaliam a relação entre o grau
de atividade física do indivíduo e a DCV demonstram
aproximadamente o dobro de risco de doença nos inativos
em comparação aos ativos. Dentre os possíveis mecanismos
que poderiam estar envolvidos na cardioproteção exercida
pela atividade física regular, estão os efeitos positivos sobre
vários fatores de risco8,14,24. Assim, atuam beneficamente no
controle de peso, na resistência à insulina, na pressão arterial,
no perfil lipídico e na trombose. Em nosso estudo, observamos
uma alta prevalência de sedentarismo em ambos os sexos,
mas chama a atenção, entre as mulheres, a baixa prevalência
do tabagismo, comparada aos dados brasileiros. Tal fato
pode ser interpretado como a expressão de uma população
motivada para a busca da saúde, mas que ainda não
conseguiu implementar a atividade física como prática
regular. A relação entre o fumo e o aumento do RCV está
amplamente demonstrada em estudos anatomopatológicos
e epidemiológicos. O risco de DAC é de duas a quatro vezes
maior nos fumantes e diretamente proporcional ao número
de cigarros consumidos ao dia 8,13,24.
Observamos a alta prevalência de obesidade,
principalmente quando considerado o sexo feminino, bem
como a alta prevalência de obesidade abdominal, que é um
dado fortemente relacionado à SM27. Vale lembrar que alguns
grupos de trabalho já utilizam valores mais baixos da
circunferência abdominal, que têm sido considerados mais
apropriados a populações de diferentes etnias, como 94cm
para homens e 80cm para mulheres28,29. Os valores aqui
adotados foram escolhidos por serem oriundos de grandes
diretrizes como o NCEP ATP III e a I-DBSM 6,8. A
294
população estudada apresentou um alto índice de HA16, 17,
18, 19, 20
, acima da média nacional, e de DM221, que, embora
significativos, não diferiram estatisticamente dos dados
populacionais brasileiros. Um dado que salta aos olhos é a
presença de dislipidemia em quase todos os pacientes. A
taxa de hipercolesterolemia total é superior à da população
brasileira22. O baixo HDL-colesterol, dado que muitas vezes
passa despercebido, embora represente fator de RCV
independente, também teve alta prevalência. Esta alta
incidência de dislipidemias, muitas vezes com baixo HDLcolesterol isoladamente, está associada ao aumento da
circunferência abdominal e ao sedentarismo, altamente
prevalentes em nosso grupo. O HDL-colesterol baixo é um
fator cujo tratamento mais efetivo é sem dúvida a atividade
física regular2,4,9,27,30, o que novamente reforça a importância
do projeto Atividade Física na Vila.
Na prática, os médicos lidam com um indivíduo
complexo, e não com componentes particulares de sua vida.
Determinados grupos de fatores de risco têm efeito
multiplicativo, e um indivíduo com um número modesto de
fatores pode apresentar um risco consideravelmente maior
que uma pessoa com um único fator de risco importante.25
Percebe-se nos resultados deste trabalho, em acordo com
a literatura atual2,4,9,25, o claro sinergismo entre os fatores de
risco, evidenciado pelo maior escore de Framingham entre
os pacientes com SM, o que denota maior risco
cardiovascular global. O termo “fator de risco” apareceu
pela primeira vez no título de um artigo médico em 19635.
Desde então, intensificou-se a busca por novos fatores de
risco, tornando-se atualmente um modismo. Entretanto,
apenas recentemente a literatura buscou estudar a relação de
interdependência entre tais fatores, trazendo resultados esclarecedores.
O conceito de Síndrome Metabólica vem contribuir
para este entendimento, não como uma nova “doença da
moda”, mas chamando a atenção para a correlação entre
estilo de vida, obesidade abdominal e RCV global. Como
um conceito que denota o agrupamento de fatores de risco,
a SM tem sido um paradigma útil. Isto é, chama atenção para
o fato de que alguns fatores de risco para o desenvolvimento
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Fatores de risco cardiovascular - Perfil clínico e epidemiológico
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de DCV têm efeito multiplicativo e se agrupam em pacientes
predispostos. O ponto pedagógico implicado pelo termo é
que a identificação de uma das variáveis de risco deve incitar
a busca para outros31. Este entendimento é relativamente
inovador, na medida em que consideramos que o escore de
Framingham não leva em conta alguns componentes da SM,
em especial a obesidade abdominal. Segundo a IVDBDPA,
em qualquer categoria de risco cardiovascular, a presença da
SM constitui um fator agravante24.
Além disso, devemos reconhecer a natureza
progressiva da SM. Na história natural da SM, o paciente
primeiro adquire obesidade abdominal sem fatores de risco,
mas, com o tempo, múltiplos fatores de risco começam a
aparecer. Quando a diabetes não está presente, o risco de
progressão para DM2 é cinco vezes maior quando
comparado com aqueles sem SM. Em alguns pacientes, a
síndrome culmina em DM2 e o risco para DCV aumenta
ainda mais. Quando a DCV se desenvolve, complicações
cardiovasculares como arritmias, falência cardíaca e
episódios trombóticos freqüentemente aparecem. Aqueles
com DM2 podem posteriormente adquirir várias complicações incluindo cardiomiopatia diabética, várias neuropatias
e falência renal. Quando o DM2 e a DCV existem concomitantemente, o risco para subseqüente morbidade cardiovascular é muito alto32.
A importância dos fatores de risco metabólico,
tanto pela perspectiva clínica quanto da saúde pública, é
que a prevenção, a detecção e a reversão podem ocorrer
antes do desenvolvimento da DCV manifesta. Deve-se ressaltar que a Obesidade e, por conseqüência, a Síndrome Metabólica vêm aumentando paulatinamente sua incidência em
toda as faixas etárias e que hábitos alimentares saudáveis e
atividade física regular são ferramentas-chave na reversão
dessa tendência4,5,9.
Cada vez mais, os dados nos levam ao entendimento
da necessidade premente da mudança no estilo de vida para
a redução da morbimortalidade cardiovascular dos pacientes,
não apenas documentando isoladamente a presença de
fatores de risco, mas objetivando principalmente uma
abordagem global com condutas de promoção e proteção
295
da saúde. É como se nos aproximássemos gradualmente
daquela milenar sabedoria encerrada no conhecido
provérbio chinês: “Buscar a saúde somente quando já se
está doente é o mesmo que esperar a sede para começar a
cavar um poço”33.
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
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Endereço para correspondência
Rosimere de Jesus Teixeira
Rua General Espírito Santo Cardoso, 377 apt 403
Rio de Janeiro/RJ.
CEP: 20.530.500
Endereço eletrônico
[email protected]
297
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Os custos do Programa de Saúde da Família
de Porto Alegre - 1998 e 2002
The cost of the Family Health Program
in Porto Alegre - 1998 and 2002
Janice Dornelles de Castro*
Márcia Elizabeth Marinho**
Resumo
Este estudo pretende, por meio da perspectiva das ciências econômicas, ampliar a compreensão sobre
funcionamento do sistema de saúde, utilizando o instrumental disponível nesta área do conhecimento, as avaliações
econômicas, para avaliar uma importante política pública proposta pelo governo federal e implantada em todo o país:
o Programa de Saúde da Família. Nesta primeira aproximação será feito um estudo de caso do município de Porto
Alegre, no período de 1998 a 2002. O objetivo do estudo é criar um instrumento de gestão dos custos do programa, que
permita o monitoramento e redirecionamento das ações quando se fizer necessário. Foi feita extensa revisão da literatura
e, para a construção do instrumento de gestão de custos, foi necessário o levantamento dos processos de trabalho, da
estrutura gerencial da secretaria e por fim dos dados de despesa e produção para o calculo dos custos do programa. O
estudo demonstrou que não houve variação importante dos custos totais do programa no período, mas houve grande
variação em algumas categorias especificas de custo. Além disso, mostrou que as diferentes unidades de saúde possuem
diferentes custos que estão relacionados com o tamanho da equipe ou com a população adscrita.
Abstract
This study aims at a broader understanding of the functioning of the health system from the perspective of economics, utilizing the
tools made available by this area for evaluating an important public policy proposed by the Brazilian federal government: the Family Health
Program. This first approach consists in a case study conducted in the city of Porto Alegre during the period 1998-2002. The purpose of this
study was creating an instrument for the cost management of the program allowing for monitoring and redirecting actions when necessary. An
extensive review of the literature was carried out and data about the work processes, the organizational structure of the secretariat in charge
and cost and production of the program were collected for constructing the cost management instrument. The study showed no important
variation in the total cost of the program during the period but considerable variations in some specific cost categories. Furthermore it was shown
that different health units involve different costs related to the size of the team or to the target population.
Palavras-chave: Custos de Cuidados de Saúde;
Economia de Saúde; Atenção Primária à Saúde.
Key Words: Health Care Cost; Health Economics;
Primary Health Care.
*Doutora em Saúde Coletiva, UNICAMP, MSc Health Planning and Financing, London School of Economics, Pesquisadora Visitante, Fundação
Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
**Mestre em Administração, UFRGS, Analista de Sistemas, Datasus, Ministério da Saúde, Brasília, Brasil.
Bras Med Fam e Com
298 Rev
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002
Introdução
Esta pesquisa foi realizada no Programa de Saúde
da Família (PSF) de Porto Alegre, retomando um estudo
realizado em 19981 que utilizou a metodologia para apuração
de custos por absorção adaptada para calcular os custos da
atenção básica no sistema público. Esta metodologia será
aplicada neste estudo com o propósito de analisar as mudanças
ocorridas nos custos, comparando os dados de 1998 e 2002.
A escolha por uma pesquisa nesta área foi o
resultado de um contínuo e intenso envolvimento com
discussões acerca da forma como as ciências econômicas,
seus instrumentos e suas metodologias de trabalho específico
poderiam ser utilizados para modificar a realidade,
melhorando a qualidade e a eficiência dos serviços públicos
de saúde no Brasil2,3,4,5,6,7,8.
Nos últimos anos houve uma grande preocupação
por parte dos pesquisadores nacionais com a questão da
avaliação, mas a questão da análise de custos e seus efeitos
não têm sido abordados com a mesma intensidade, sendo
esta uma lacuna a ser preenchida. Desta forma, o desenvolvimento desta área do conhecimento é muito importante,
pois é preciso enfrentar a discussão da eficiência do uso
dos recursos públicos, uma vez que estes são escassos e
devem servir da melhor forma à sociedade. É preciso,
portanto, enfrentar a discussão da eficiência do gasto como
uma questão ética. Estudos que relacionam os “recursos
empregados com os efeitos obtidos” são uma “modalidade
de pesquisa avaliativa”, pois procuram “estabelecer um
julgamento ex-post de uma intervenção”9,10. Os instrumentos econômicos de gerenciamento dos custos permitem
conhecer melhor alguns aspectos da realidade dos serviços
e conseqüentemente viabilizam a construção de soluções para
cada situação-problema encontrada·11, 12, 13, 14, 15, 16, 17.
O conceito de avaliação econômica em saúde pode
ser resumido como a análise comparativa entre diferentes
alternativas em relação aos seus custos e resultados. Para
que uma avaliação econômica seja considerada completa é
necessário que contemple essa condição: realizar comparações
entre duas ou mais alternativas possíveis em relação aos seus
custos e resultados. A realização de uma avaliação econômica
299
incompleta, no entanto, também é importante, pois é capaz
de iniciar o processo e, mesmo sendo incompleta, identificar
a melhor solução do ponto de vista econômico, subsidiando
a decisão do gestor que levará em conta também outras
variáveis11,12,13,14,15,16,17.
O conhecimento da estrutura de custos de uma
instituição é muito importante para o melhor gerenciamento
dos serviços, pois racionaliza o uso dos insumos e utiliza
estas informações para apoiar o planejamento a médio e
longo prazo. Quando da aplicação de um sistema de custeio,
a principal preocupação não deve ser apenas em relação à
determinação dos preços, mas, principalmente, quanto a
sua utilização enquanto fonte de informações para o controle,
a avaliação e o planejamento das atividades das instituições18,19,20.
Estes sistemas podem considerar a totalidade dos
gastos para a produção de determinado produto – neste
caso, são chamados de sistemas de custeio integral – ou
apenas parcela das despesas – neste caso são chamados de
sistemas de custeio parcial. O grau de complexidade exigido
pelos sistemas de custeio integral é maior; pois, nestes casos,
é necessário considerar os custos indiretos e criar uma maneira
de dividir estes custos entre os produtos ou serviços
produzidos pela instituição. O sistema de custeio por
absorção é considerado um sistema de custeio integral, pois
ele apropria todos os custos incorridos para a produção
de um bem ou serviço, ou seja, considera os custos diretos,
indiretos, fixos e variáveis. Para a realização do cálculo de
custo, utilizando-se o sistema de custeio por absorção, a
primeira condição é a “setorização” ou divisão da instituição
em centros de custos. As características principais dos centros
de custos ou resultado são: serem uma unidade autônoma;
possuírem uma área circunscrita de abrangência; serem fonte
geradora de custos; possuírem identidade de objetivos comuns;
terem uma unidade de mensuração específica; possuírem
homogeneidade funcional e terem unidade de responsabililidade18, 19, 20.
O sistema de apropriação de custos por absorção
é muito utilizado e pode trazer grandes vantagens para as
instituições, principalmente para aquelas que não possuem
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002
ainda condições de informatizar todas as suas informações
e cujo custo indireto não é preponderante no custo total.
Como principal desvantagem do sistema de custeio por
absorção é apontada pelos autores a dificuldade de se realizarem os rateios dos custos indiretos, que são feitos utilizando-se critérios arbitrários, o que implica, muitas vezes, avaliação incorreta dos custos finais18, 19, 20.
No Brasil, a proposta do Sistema Único de Saúde
(SUS) é de que o planejamento seja usado para organizar e
distribuir os serviços de saúde conforme a necessidade da
população. Estes serviços são gratuitos, o atendimento é
universal e organizado regionalmente. Os serviços são
hierarquizados, conforme a sua complexidade tecnológica. A
rede básica é a porta de entrada do sistema e deve garantir
o atendimento ambulatorial básico e o desenvolvimento das
ações de saúde pública. Neste modelo, a saúde é considerada
um direito do cidadão.
O processo de descentralização da saúde, previsto
quando da criação do SUS, tomou maior impulso a partir
da promulgação da Constituição Federal em 1988 e da
conseqüente aprovação das leis 8.080, de 19 de setembro de
1990, e a lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, as quais
prevêem, entre outras coisas, a descentralização e o repasse
de recursos financeiros para estados e municípios. Compondo
esse conjunto de leis, está, também, a Norma Operacional
Básica do SUS 01/93 (NOB/SUS 01/93), aprovada pela
portaria MS n° 545, de 20 de maio de 1993, que estabeleceu
“normas e procedimentos reguladores do processo de
descentralização da gestão das ações e serviços de saúde”. Foi
a implantação da NOB/SUS 01/93 que permitiu a efetivação
do processo de descentralização da saúde para o nível local
no país.
Sendo assim, nas ultimas décadas, as mudanças no
SUS, especialmente a descentralização de atribuições para
os municípios sem a correspondente transferência de
recursos financeiros1,18, 19, 20 e também a contínua absorção
de novas e caras tecnologias pelo setor, trouxeram a
discussão sobre custos da atenção para a ordem do dia. É
cada vez mais importante para o gestor conhecer e controlar
a sua estrutura de custos, especialmente se um de seus objetivos
300
for garantir o atendimento de saúde para a população
levando em conta os princípios do SUS da universalidade,
integralidade e equidade21,22,23,24,25,26,27.
O Programa de Saúde da Família (PSF)28,29 é um
programa prioritário do governo federal e pretende ser uma
forma de organizar o sistema para garantir os preceitos
constitucionais; sendo assim, é muito importante aumentar
o nosso conhecimento sobre os custos deste programa;
pois, como afirmam alguns autores23, a maior parte das
instituições de saúde não conhece a sua estrutura de custos,
pois não existe um “sistema técnico, detalhado e consistente
de custos”.
Em Porto Alegre os serviços de saúde do município
estão divididos em duas áreas principais: a vigilância da saúde
e a assistência à saúde. A vigilância da saúde é realizada pelo
Centro de Vigilância em Saúde (CVS), e a atenção à saúde,
por sua vez, tem a seguinte estrutura:
(a) Serviços de Atenção Ambulatorial Básica - são as unidades
de saúde e as unidades do Programa de Saúde da Família.
(b) Serviços de Atenção Ambulatorial Especializada compostos pelos serviços públicos: centros de saúde, ambulatórios especializados, unidades Psicossocial e os serviços privados contratados e conveniados.
(c) Atenção Hospitalar Contratada.
(d) Serviços de Emergência Próprios: o hospital de prontosocorro, os serviços de pronto-atendimento 24 horas e o
SAMU, Serviço de Pronto Atendimento Pré-hospitalar.
A cidade foi dividida em distritos de saúde, e, em
cada um, existe uma gerência local responsável pela
organização dos serviços na região. As Unidades de Saúde
que compõem a rede básica de saúde devem ser a porta de
entrada do sistema. Nestas Unidades de Saúde, são oferecidos os serviços de uma equipe multidisciplinar composta
por: (a) médicos (clínico geral, ginecologista e pediatra); (b)
enfermeiros; (c) auxiliares de enfermagem; (d) nutricionistas.
Também na rede básica estão as unidades de saúde do PSF.
Nestas, a equipe é composta por: (a) médico generalista; (b)
enfermeiros; (c) auxiliares de enfermagem; (d) agentes
comunitários. Nas unidades de saúde do PSF, é definida a
área de abrangência e as famílias da região são cadastradas.
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002
Os serviços realizados na rede básica são: (a) agendamento de consulta com especialista; (b) medicamento e
curativos; (c) vacinas; (d) nebulizações; (e) teste do pezinho;
(f) programa do leite; (g) programa de acompanhamento a
crianças menores de um ano; (h) exame pré-natal e preventivo
do câncer; (i) encaminhamentos para exames; (j) distribuição
de camisinhas e anticoncepcionais; (l) injeções; (m) atividades
em grupo com hipertensos, diabéticos, adolescentes e
portadores do vírus HIV; (n) consultas – que podem ter sido
agendadas ou podem ser atendimentos à demanda espontânea
e às intercorrências. Nas unidades do PSF também são
realizados atendimentos domiciliares e outras atividades em
grupo na comunidade.
Quando houver necessidade de consultar um
especialista, a unidade será responsável pelo agendamento da
consulta por meio da central de marcação de consultas. Cada
unidade dispõe de cotas mensais de exames, e os pacientes
são encaminhados para os serviços contratados conforme
necessidade e disponibilidade.
No município, a rede hospitalar mantém o vínculo
com os níveis estadual e federal ou é terceirizada. O município
gerencia a compra de serviços de internação hospitalar,
inclusive parte das internações da região metropolitana e do
interior do estado.
Em casos de emergência, devem ser procurados os
serviços de pronto atendimento ou o serviço de atendimento
pré–hospitalar, SAMU, que pode ser acionado pelo telefone
192, em caso de acidentes na rua.
Porto Alegre atende a demanda por serviços de
saúde de sua população e também parte da demanda dos
municípios da região metropolitana e do interior. Nestas
circunstâncias, é difícil organizar, planejar e estabelecer o
fluxo de pacientes no sistema.
Além dos serviços de atenção à saúde, a secretaria
assumiu a Vigilância à Saúde no município e, atualmente,
realiza o controle: (a) das águas; (b) das zoonoses; (c) dos
produtos de interesse à saúde; (d) dos serviços de interesse
à saúde; (e) epidemiológico; (f) da geração de informações
em saúde.
O Programa de Saúde da Família foi criado pelo
301
Ministério da Saúde com a meta de capacitar 2.500 equipes,
beneficiando 2,5 milhões de famílias pela implantação do
PSF nas 26 unidades da Federação e DF28, 29. As bases do
Programa de Saúde da Família são: (a) construir um “modelo
voltado para a proteção e promoção da saúde”; (b) trabalhar
com “área de abrangência e adscrição de clientela” (entre
600 a 1000 famílias); (c) trabalhar com a equipe mínima
composta por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de
enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários; (d) a
equipe deve residir na área de atuação; (e) deve haver a
participação da comunidade; (f) o âmbito da atenção é
integral e contínuo; (g) deve ser a porta de entrada ao sistema
único; (h) deve permitir o redirecionamento da formação
dos profissionais de saúde; (j) deve haver remuneração
diferenciada aos profissionais do PSF, e o controle social deve
ser exercido pelo Conselho de Saúde e pelas comunidades.
O objetivo geral do PSF é construir um novo modelo assistencial dirigido aos indivíduos, à família e à comunidade,
além de ser fundamentado na promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde, de acordo com os princípios do SUS. As atividades da equipe
do PSF podem ser resumidas em três grandes grupos:
Atendimento na Comunidade, Atendimento nas Unidades
de Saúde e a Referência e Contra-referência de pacientes28,29.
No grupo Atendimento nas Comunidades incluemse: (a) o diagnóstico da comunidade; (b) as visitas domiciliares;
(c) a internação domiciliar; (d) a participação em grupos
comunitários. No grupo Atendimento nas Unidades de Saúde
estão os programas e a demanda espontânea. No grupo
Referência e Contra-referência temos: (a) o apoio diagnóstico;
(b) o atendimento em serviços ambulatoriais especializados;
(c) a internação hospitalar; (d) a remoção de pacientes.
Estava previsto que o processo de recrutamento
de recursos humanos, em um primeiro momento, deveria
ser realizado com a assessoria dos níveis federal e estadual;
assim como a realização de supervisão e avaliação do
programa, e a implantação do Sistema de Informação (SIAB)
específico com informações sobre: o cadastro familiar, o
cartão de identificação, o prontuário familiar e o registro
dos atendimentos. Assim, seria formado um banco de
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002
dados que permitiria a construção de indicadores em nível
nacional. O financiamento do PSF deveria ser feito a partir
da tabela de produção do SIA - SUS, com valores difarenciados e de um valor fixo repassado pelo MS para a implantação das equipes28, 29.
A implantação deste modelo em Porto Alegre
iniciou-se em dezembro de 1995, com a assinatura de um
convênio entre o MS e a Secretaria de Saúde. Este convênio
repassou um milhão de reais para a implantação de 30
equipes do programa no município. O convênio previa a
implantação de 100 equipes que deveriam ser localizadas
onde não existiam serviços de saúde para atender principalmente as populações mais carentes. Os critérios de
escolha da localização das equipes que foram efetivamente
implantadas foram: (a) a dificuldade de acesso a outros
equipamentos de saúde; (b) o perfil sociossanitário das
comunidades. Assim, as equipes estão em comunidades
pobres que apresentam o perfil de morbidade complexo,
com prevalência de doenças crônicas e agudas. A população
atendida é de 100.818 pessoas, havendo em média 3.600
pessoas por equipe. O PSF cobre em torno de 8% da
população do município
Neste estudo, o nosso objetivo foi estudar a estrutura de custos do PSF de Porto Alegre, identificando as tendências na aplicação dos recursos e a evolução dos custos
dos serviços nos anos de 1998 e 2002.
Materiais e Métodos
Para avaliar os custos da Atenção Básica provida
pelo Programa de Saúde da Família propomos a
metodologia de análise de custos por absorção30,31,32 e
procuramos utilizar os dados disponíveis na Secretaria da
Saúde, sem que se impusesse o custo da produção de novas
informações, mas apenas a organização dos dados existentes. No entanto, algumas dificuldades metodológicas se
apresentaram, especialmente em relação às diversas mudanças
introduzidas no período de quatro anos, tanto pelo Ministério
da Saúde (MS), quanto pela Secretaria Municipal de Saúde
(SMS). Essas alterações exigiram a reformulação e readequação das estratégias de coleta e organização dos dados,
302
criando algumas dificuldades na comparação entre os períodos.
O primeiro problema foi em relação aos tipos de
procedimentos considerados – no ano de 1998, a tabela
de pagamentos do MS era muito mais simplificada e tinha
uma especificação muito menor em relação ao tipo de
atendimento realizado do que em relação a tabela de
procedimentos de 2002. A solução encontrada foi fazer
uma comparação a partir de grandes grupos; criamos quatro
deles, assim nomeados: (a) Procedimentos (todos os atendimentos exceto consultas médicas); (b) consultas médicas; (c)
não-cadastrados; (d) total de atendimentos (somatório dos
três grupos). Não foram consideradas as consultas odontológicas, pois não existiam nas unidades avaliadas em 1998.
O segundo problema foi em relação às formas de
transferências de recursos financeiros do MS para as SMS
– em 1998 o cálculo era feito a partir da produção de cada
unidade de saúde e multiplicado pelo valor dos procedimentos na tabela do SUS; em 2002 o município recebia por tetos financeiros e a solução encontrada foi, primeiro, estimar,
a partir do valor recebido pelo Piso da Atenção Básica
(PAB Fixo), o valor correspondente à população coberta
pelo PSF e, em seguida, somar os valores recebidos por:
Incentivo Adicional do Programa de Agentes Comunitários
da Saúde (PACS) e PSF.
Outra questão foi em relação à depreciação dos
bens imóveis: não tínhamos conhecimento dos bens adquiridos no período intermediário, 1999, 2000 e 2001; portanto, não havia como calcular a depreciação deste período.
A solução foi não usar os dados da depreciação. Fizemos
esta escolha com segurança, pois, nas observações feitas
no estudo realizado em 1998 1, percebemos que essa
informação tem uma influência insignificante nos custos
totais.
Com relação ao estabelecimento dos custos indiretos,
também houve alterações, mas para melhor: a SMS
modificou completamente a estrutura de seu orçamento e,
atualmente, o orçamento permite visualizar informações
de cada unidade orçamentária e atividade de uma forma
detalhada, como não era possível em 1998. Sendo assim,
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002
foi possível estabelecer com muito mais eficiência aqueles
custos que estão vinculados a todos os serviços e, portanto
devem ser rateados. Escolhemos novamente o critério de
número de funcionários, pois acreditamos que a quantidade
de pessoas envolvidas em um determinado setor expressa
os custos que gera.
Um exemplo seriam os custos de pessoal e matériaprima para produzir determinado bem ou serviço. Por outro
lado, os custos indiretos são aqueles que não são identificados
apenas com um produto ou serviço, mas com mais de um
ou com todos. Os custos indiretos devem ser rateados entre
todos os produtos e serviços produzidos. Um exemplo
seriam os custos de aluguel, energia e combustível. Ver nas
planilhas 1, 2 e 3 como ambos são tratados neste estudo.
O pagamento do pessoal também se alterou significativamente: em 1998 os funcionários eram contratados pelas
associações de moradores e podíamos ter a informação
detalhada por tipo, por mês e por unidade de saúde. Atualmente temos a informação do repasse mensal para o
pagamento do pessoal. Infelizmente, não podemos mais
identificar, por unidade de saúde, o custo de pessoal decorrente da rotatividade, pois somos obrigados a trabalhar com
médias.
Neste artigo utilizamos apenas as informações anuais,
ou seja, não faremos análise do comportamento mensal das
variáveis. Além disso, optamos, por questões metodológicas,
trabalhar apenas com as 22 unidades do PSF que existiam
nos dois anos estudados e que são compostas por apenas
uma equipe de saúde cada uma. Assim o nosso centro de
custo final é igual à unidade de saúde, que, por sua vez, é
igual a uma equipe do PSF.
Foram excluídas da análise as unidades antigas que
passaram a contar com duas ou mais equipes do PSF em
2002 e, também, as unidades criadas após 1998. Atualmente
a SMS possui 57 unidades de saúde do PSF, algumas delas
com mais de uma equipe por unidade. Em 1998 as unidades
eram compostas por apenas uma equipe do PSF, com uma
exceção que possuía uma equipe ampliada (dois médicos e
três auxiliares). Estas unidades atendiam em média 3.281
pessoas por equipe. Em 2002 cada equipe do PSF adota
um nome e existem, eventualmente, mais de uma equipe
numa mesma unidade, criando nomes tipo Esmeralda I e
II. Neste período foram criadas mais seis equipes (Castelo
II, Esmeralda II, Jardim Cascata II, Morro dos Sargentos
II, Ponta Grossa II e Santa Teresa II) nas unidades “antigas”
e os usuários foram redistribuídos entre elas. Em função
dessa escolha, de trabalharmos apenas com a equipe original
e de termos excluído aquelas que foram duplicadas, tivemos
um número de usuários por equipe menor – diminuiu para
3.007 pessoas em média. Os dados financeiros foram
atualizados para dezembro de 2002 com base no Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE).
Resultados e Discussão
Como resultados, vimos, em primeiro lugar, que
o custo total anual per capita das 22 unidades do PSFPOA aumentou no período em torno de 33,51% (Figura
1). Mas, ao mesmo tempo, é interessante observar que o
custo médio anual dos atendimentos, aqui considerando
todos os atendimentos realizados e os exames solicitados,
manteve-se constante neste período, em torno de 18 reais
Planilha 1. Informações gerais sobre o Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002.
1998
Informações gerais / Anos
Usuários Cadastrados
Número de exames solicitados
A. Total de procedimentos exceto consultas médicas
B. Total de consultas médicas
Total de atendimentos (A+B)
No.
72.186
32.744
256.560
79.962
337.400
2002
Percapta
NA
0,45
3,55
1,11
4,67
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre
303
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
No.
66.163
92.552
356.604
118.517
475.121
Percapta
NA
1,4
5,39
1,79
7,18
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002
Planilha 2. Informações sobre receitas, despesas e custos do Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002.
1998
Informações gerais / Anos
A. Custos diretos (a+b+c+d)
a. Material de consumo
b. Outros serviços e encargos
c. Pessoal
d. Exames e diagnósticos solicitados
B. Custos indiretos (rateios)
Custo total (A+B)
Receita do SUS (R$)
Índices - INPC - IBGE
R$
5.366.751,29
1.063.359,91
116.984,05
3.991.644,37
194.762,96
938.210,81
6.304.962,10
683.978,62
1,469
2002
Percapta
NA
NA
NA
NA
NA
NA
87,34
9,48
R$
7.982.007,96
1.413.099,56
331.751.92
5.716.550,11
520.613,00
742.180,73
8.724.198,69
1.691.955,34
1,1474
Percapta
NA
NA
NA
NA
NA
NA
131,86
25,57
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre
Planilha 3. Indicadores do Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002.
1998
%
10,85
85,12
14,88
1,469
Indicadores / Anos
Custo pago com receita federal
Custo direto em relação a custo total
Custo indireto em relação a custo total
Índices - INPC - IBGE
2002
%
19,39
91,49
8,51
1,1474
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre
para os atendimentos e 6 reais para os exames, em valores das unidades, considerando que, em 1998, estavam
atualizados pelo INPC-IBGE. Podemos presumir que a completando apenas um ano de criação, e, passados quatro
quantidade de atendimentos e de exames
anos, em 2002, houve tempo suficiente para organizar a
aumentou no período, o que de fato ocorreu
gestão das unidades.
– em 1998, foram realizados 4,67
atendimentos per capita, e, em 2002, foram
Figura 1. Receita Federal e custo total per capita de 22 unidades de
7,18, correspondente a um aumento de 53,75%
saúde do Programa de Saúde da Família. Porto Alegre, 1998 e 2002.
na quantidade de atendimentos realizados.
Sendo que, destes atendimentos, as consultas
médicas (83%) foram as que mais cresceram –
os outros procedimentos aumentaram menos
(60%). O mesmo aconteceu com os exames,
que passaram de 0,45 para 1,40 exames
solicitados per capita. Acreditamos que é
possível explicar a maior eficiência do gasto
com a produção de um número maior de
procedimentos e a manutenção de seu custo
médio, em função da estabilização da gestão
Fonte: SMS – POA, 1998 e 2002.
304
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
Os custos do Programa de Saúde da Família de Porto Alegre 1998 e 2002
Ainda com base na Figura 1, vamos analisar as
receitas: aqui consideramos os recursos de origem federal
– como podemos observar, mantêm-se na mesma tendência,
mas com uma ligeira melhora para os municípios. Os
recursos são insuficientes para o financiamento do PSF. Em
1998 os recursos de origem federal pagavam apenas 11%
dos custos e em 2002 era possível pagar 19,39%. Houve,
portanto, um aumento da parcela financiada pelo governo
federal, mesmo que ainda a responsabilidade maior com o
financiamento do PSF recaísse sobre o município (80%).
Em relação à participação dos custos diretos e
indiretos nos custos totais, houve um aumento da participação dos custos diretos que passou de 85% do total, em
1998, para 91% do total – esta alteração é uma decorrência
das alterações realizadas na estrutura do orçamento da SMS
que permitiram identificar com maior precisão as despesas.
Os custos indiretos em 2002 representam apenas 9% dos
custos totais.
Por fim, com relação aos tipos de despesas e sua
importância, a despesa com pessoal permanece a mais
significativa, passando de 63,31% em 1998 para 65,53%
em 2002. As despesas com exames e diagnósticos aumentaram de 3% para 6%, enquanto a despesa com material
de consumo sofreu uma redução de 16,87% para 16,20%;
com outros serviços e encargos, um aumento de 1,85%
para 3,80% da despesa total.
Enfim, não pretendemos apresentar conclusões,
mas retomar e aprofundar algumas idéias que consideramos
relevantes para discutir a avaliação de custos da atenção
básica em saúde. Nos últimos anos, o sistema de saúde
brasileiro vem passando por diversas reformulações, dentre
elas, a descentralização das ações de saúde para estados e
municípios – sendo que os últimos assumiram as principais
responsabilidades com a prestação de serviços de saúde.
Este fato levou os gestores a iniciarem diversas ações de
reorganização dos serviços de saúde. Um dos desafios é
reestruturar a rede básica de atenção à saúde, sem reduzir a
oferta de serviços, garantindo o acesso universal e integral,
com a hierarquização dos níveis da assistência. O gerenciamento
dos custos da assistência é uma alternativa para que se realizem
305
estas reformas, sem a necessidade de redução da oferta de
serviços, pois, por meio do gerenciamento dos custos, é
possível realizar uma gestão mais eficiente. Nesta medida,
o instrumental econômico é utilizado para a identificação
dos problemas e para a criação de alternativas para a sua
superação.
Sabemos que existem profundas diferenças entre
a forma de organização e de funcionamento do setor
público e do setor privado. Sabemos, também, que os
sistemas de custeio foram criados para aumentar a
competitividade das empresas privadas – cujo principal
objetivo é o lucro –, enquanto que as instituições do setor
público têm a função social como o seu principal objetivo.
No entanto, não significa que não é necessário estudar o
custo das atividades de atenção à saúde para melhorar a
eficiência do gasto público e modificar a estrutura de custos
das secretarias de saúde, se necessário.
Sugerimos que mais trabalhos desta natureza sejam
realizados, por um número maior de municípios. Desta
forma será possível identificar as diferenças e semelhanças
entre eles, estabelecer alguns parâmetros importantes de
custos e aprimorar os indicadores.
Resumindo, podemos afirmar que o conhecimento
das estruturas de custos das instituições de saúde é fundamental para que o gestor possa viabilizar algumas alterações
no modelo de atenção que poderão garantir maior universalidade e integralidade da atenção.
Referências
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Robertson; 1973.
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health.. Br Med J 1991; 303:21-23.
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Janice Dornelles de Castro e Márcia Elizabeth Marinho
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Janeiro: Fiocruz; 1997.
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11- Berman HJ, Weeks LE. Administração financeira de
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metodologia simplificada. [s.l]: Federação Brasileira de
Hospitais; [s.d.]
13- Brasil, Ministério da Saúde. Manual de apuração de
custos hospitalares. Brasília: Centro de Documentação do
Ministério da Saúde; 1988.
14- Conselho Regional de Contabilidade do Estado de
São Paulo. Custo como ferramenta gerencial. São Paulo:
Atlas; 1995.
15- Federação Brasileira de Hospitais. Manual de custos
hospitalares: uma metodologia simplificada. [s.l.] FBH [s.d.].
16- Lima MG. Avaliação de custos do tratamento hospitalar
de esquizofrenia: um estudo retrospectivo. [Dissertação].
Campinas: Unicamp; 1997.
17- Gauthier PH, Grenon A, Pinson G, Rameau E. O
controle de gestão no hospital. São Paulo: Centro São
Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde
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18- Médici A, Marques R. Sistemas de custos como
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São Paulo: FUNDAP/IESP; 1995.
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306
Paulo: Saraiva; 1997.
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contribuições para a gestão em saúde. Brasília: IPEA; 1995.
21- Silva Junior AG. Modelos tecnoassistenciais em saúde:
o debate no campo da saúde coletiva. São Paulo: Hucitec;
1998.
22- Campos GS. A saúde pública e a defesa da vida. 2.ed.
São Paulo: Hucitec; 1994.
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tendências recentes. Planej polít Públicas 1991;(5):105-121.
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30- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Manual de
elaboração e análise de projetos sociais. Brasília (DF): [s.n];
1996.
31- Nakagawa M. Introdução a controladoria: conceitos,
sistemas, implementação. São Paulo: Atlas; 1995.
32- Oliveira ET, Pacheco MJ. Custos e finanças no hospital:
uma abordagem gerencial. São Paulo: CEDAS; 1986.
Endereço para correspondência:
Janice Dornelles de Castro
Furriel Luis Antonio Vargas 106/404
Porto Alegre – RS 90470-130
Endereço eletrônico
[email protected]
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Relato de Caso
Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico
à população em situação de risco social
Case Report
Project United Families: psychotherapeutic care
offered to a social risk population
Leila Márcia Souza Oliveira*
Josenaide Engracia Santos**
Resumo
Este relato tem o objetivo de promover reflexão sobre atendimento psicológico em uma comunidade em
situação de risco social. O atendimento foi realizado em instituição filantrópica, no município de Simões Filho (BA),
através do Projeto Famílias Unidas da Associação Obras Sociais da Paróquia de São Miguel, no período compreendido
entre julho de 2005 e julho de 2006. O atendimento aconteceu em encontros semanais onde foram abordadas a autoestima e a possibilidade de reinserção social do sujeito, o que possibilitou mudança na sua realidade de vida e um
posicionamento direcionado à cidadania. O trabalho realizado, nos moldes da “Clínica Ampliada”, traz-nos uma nova
forma de lidar com a pobreza, na tentativa de ajudar a minimizá-la, na revitalização do desejo do sujeito em uma clínica
extraconsultório, utilizando as instituições informais da comunidade, pois as mesmas representam recursos potenciais,
capazes de produzir sentido, contratualidade e bem-estar.
Abstract
The aim of this report is encouraging reflection about psychotherapeutic care delivered to a community at social risk. During the period
July 2005-July 2006 counseling sessions were held at a philanthropic institution, the Association for Social Works of the St. Michael’s Parish
in the city of Simões Filho (Bahia, Brazil). The initiative was part of the Project United Families, implemented by the before mentioned
association. Issues such as self-esteem and the possibility of social reinclusion were discussed in weekly meetings to enable the individuals introduce
changes into their reality of life and help them adopt an attitude towards good citizenship. This work was conducted following the concepts of
“Extended General Practice” which provides us with a new way of dealing with and trying to minimize poverty and of revitalizing the
individual’s desire outside the doctor’s office, at informal community-based institutions that represent potential resources capable of producing
sense, contractibility and wellbeing.
Palavras-chave: Clínica Ampliada; Atendimento
Psicológico; Cidadania.
Key Words: Extended General Practice;
Psychological assistance; Good Citizenship.
* Psicóloga, Especialista em Saúde Mental, Professora da Residência Multiprofissional em Saúde / Núcleo de Saúde Mental Universidade do Estado da
Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.
** Psicóloga, Mestre em Saúde Coletiva, Coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde / Núcleo de Saúde Mental Universidade do Estado
da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil.
Bras Med Fam e Com
307 Rev
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico
à população em situação de risco social
Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos
Introdução
O Projeto Famílias Unidas é uma estratégia de atenção ao sujeito em situação de risco social, desenvolvida
pela Associação Obras Sociais da Paróquia de São Miguel,
Instituição que tem como objetivo o apoio à população
economicamente menos favorecida.
O Projeto Famílias Unidas, desenvolvido no
Centro de Referência Familiar (CERFAM), em Simões Filho
(BA), assistiu a 150 famílias em parceria com outras
instituições não-governamentais e com o próprio Município,
para a realização de seus objetivos nos campos da educação,
da formação profissional, da saúde, do bem-estar e da seguridade social, através de projetos sociais, instrumentos que
buscam produzir impactos na realidade da comunidade e
auxilia na construção/reconstrução de condições dignas de
sobrevivência e de auto-estima.
O quadro de profissionais do Projeto Famílias
Unidas trabalhou interdisciplinarmente e foi composto por
médico, psicólogo, assistente social, pedagogo, enfermeiro,
nutricionista, educador físico, grupo de voluntários e apoio
administrativo. O trabalho do psicólogo, em especial, consistia
na consultoria institucional e no atendimento clínico de
sujeitos da terceira idade, adultos e crianças, pertencentes
ao grupo familiar do Projeto, parentes dos voluntários ou
à comunidade em geral.
Este relato de experiência propõe-se a uma reflexão
acerca do atendimento psicológico a esta população e o
impacto do mesmo nestes sujeitos, considerando o contexto
em que estavam inseridos.
Apresentação
O Projeto Famílias Unidas foi operacionalizado
na cidade de Simões Filho, situada na região metropolitana
de Salvador, com população de 105 mil habitantes.
A realidade da comunidade, que mora em Simões
Filho, neste caso, especificamente, a do Projeto Famílias
Unidas, tem sido marcada pelas relações injustas de poder
e pela má distribuição de renda imposta às camadas
populares, gerando sérias conseqüências sociais tais como
desemprego ou emprego informal, baixa ou nenhuma
308
instrução formal, marginalidade, abandono das famílias por
parte dos homens e mulheres assumindo o papel de chefes
de família.
A mera luta pela sobrevivência dessa comunidade,
sem perspectivas de projeto de uma vida digna, leva a uma
acentuada falta de habilidade de lidar com as questões e
com os conflitos surgidos no cotidiano. Os indivíduos dessa
comunidade tornam-se impossibilitados de ler e de interpretar, não só as palavras, mas a própria realidade, fato que
compromete potencialmente a capacidade de tornarem-se
cidadãos ativos e transformadores de suas próprias vidas.
Tudo isso, somado à realidade do desemprego; da miséria;
da falta de moradia adequada; da educação e saúde; da exposição à violência. São fatores que os impedem de construir
positivamente suas identidades em função da enorme escassez
de recursos concretos e simbólicos. É nesse universo que o
Projeto Famílias Unidas chega para o atendimento psicológico
no CERFAM.
Os dados aqui relatados dizem respeito ao
acompanhamento no período compreendido entre julho
de 2005 e julho de 2006, sendo o primeiro atendimento
voltado para Clínica de Recepção. Esta pode ser definida
como um lugar de passagem, preliminar a um outro atendimento, sendo, ao mesmo tempo o tratamento. O ato de
recepção é clínico e terapêutico, porque o que acontece
neste lugar de passagem pode ser decisivo para os passos
seguintes1. Tem característica interdisciplinar, não dependendo da especialidade do profissional, pois todos estavam
aptos a fazê-la, desde que, com responsabilidade, resultando
em encaminhamentos. Os direcionados ao setor de psicologia eram atendidos, geralmente, uma vez por semana, segundo normas previamente estabelecidas entre o psicólogo e
a pessoa a ser atendida, como condições viáveis para o
funcionamento dos trabalhos.
As técnicas utilizadas no atendimento visavam
assistir a saúde integral do sujeito e necessitavam de articulações com os diversos setores.
A atenção ao sujeito em situação de risco social
depende das instituições formais e informais da comunidade,
pois as mesmas representam recursos potenciais de serviços
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico
à população em situação de risco social
Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos
da paróquia ao sindicato; das associações esportivas às
agregações mais ou menos formalizadas; dos cidadãos e da
rede de lugares, haja vista que os recursos e as oportunidades
são infinitos, da mesma forma que as articulações individuais
são necessárias ao bem-estar do sujeito2.
Uma das primeiras estratégias do Projeto Famílias
Unidas foi a de que não é possível garantir direitos de forma
efetiva e sustentável sem alterar o cenário de desigualdade
social. O pressuposto é que a sobrevivência digna é elemento
básico, a partir do qual serão construídos todos os outros,
inclusive, da escuta terapêutica.
A questão da dificuldade de sobrevivência foi
minimizada, quando o Projeto, em parceria com outros
setores da sociedade, concretizou ações, como cursos
profissionalizantes, projeto de geração de renda, projeto da
casa própria, viabilização de documentação, dentre outras.
Cessada ou minimizada as questões básicas de sobrevivência,
geradoras da demanda inicial, havia de prosseguir-se na escuta
do sujeito, cujo direcionamento terapêutico visava a
recuperação da auto-estima, para que emergisse o sujeito
social e uma postura cidadã.
Ao iniciar o atendimento psicológico, no CERFAM,
se deu uma demanda intensa de proporções pouco antes
conhecida: escutar o sofrimento de quem convive e/ou
conviveu com as necessidades básicas de sobrevivência.
Escuta crua e carente de significações, onde a questão
essencial acerca da vida perpassava pela (in)diferença social
e pelo posicionamento do sujeito diante de si e do outro.
Identificou-se, mesmo reconhecendo que cada
sujeito carrega em si a peculiaridade de ser único, um traço
comum aos sujeitos acolhidos: o fato de que a experiência
da fome e da desigualdade social parece retirá-los da
condição de uma vivência com dignidade. A aceitação de
condições subumanas de vida e de degradação humana
era um posicionamento presente, como se estivessem torpes.
É possível se escutar a fome?3 Esse era um questionamento
constante após os atendimentos. Há de, certamente, sanar
ou minimizar as necessidades básicas de vida de uma pessoa
para que surja outra angústia que o situe como sujeito de sua
própria história. Você tem fome de quê? Se for de comida,
309
dar-se-á a comida. Se for de satisfazer os seus desejos e de
aprender a conviver com as suas angústias, dar-se-á a escuta
terapêutica.
Então, o que se encontra é um indivíduo com fome
em busca de acolhimento* social e escuta terapêutica. Todos
os serviços públicos de saúde devem estar abertos, para
que as demandas do usuário possam ser acolhidas, e assim
também deve ser qualquer instituição que se propõe a cuidar
do social4.
Contávamo-nos, portanto, com uma forma de
trabalho, cujo modelo de atendimento à saúde aproximava
bastante com a Clínica Ampliada que, para Cunha5 é “justamente a transformação da atenção individual e coletiva, de
forma que possibilite que outros aspectos do Sujeito, que
não apenas o biológico, possa ser compreendido pelo profissional de saúde”.
Discussão
Se não se pode escutar a fome, pode-se trabalhar
para saná-la e escutar o sujeito. O sujeito que advém da
fome é um sujeito com sua auto-estima comprometida,
daí a necessidade de o mesmo ser re-significado, pois,
segundo Coopersmith (1967), “Uma pessoa com autoestima alta mantém uma imagem constante das suas
capacidades e da sua distinção como pessoa. Estas pessoas
com auto-estima alta também têm maior probabilidade
para assumir papéis ativos em grupos sociais e efetivamente
expressam as suas visões. Menos preocupados por medos
e ambivalências, aparentemente se orientam mais diretivamente e realisticamente às suas metas pessoais”6. Isto é necessário para que seja possível reconhecer-se como sujeito e
exercer o seu direito a cidadania.
Desta forma, o atendimento psicológico deu
sustentação a estes sujeitos. A inserção no mercado de trabalho, a melhoria da condição de vida e a reconstrução da vida social contavam com o apoio de uma equipe interdisciplinar e o desejo de mudança do sujeito, a partir da apreensão do seu lugar na existência.
O trabalho realizado pelo CERFAM parece trazer
nova forma de lidar com a pobreza. A tentativa é de ajudar
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico
à população em situação de risco social
Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos
a expurgá-la, num trabalho de revitalização do desejo do
sujeito, em clínica extraconsultório. Utilizam-se as instituições
informais da comunidade, porque estas representam recursos
potenciais capazes de produzir sentido, contratualidade e
bem-estar, e considera sobremaneira a cultura local, histórica
e social do sujeito2. Só um sujeito situado no seu tempo
histórico e em relação aos determinantes culturais, políticos
e econômico poderá transformar, desejar e ousar a mudança,
sair do conformismo, reverter a lógica que sustenta o
imobilismo, isto é, comprometer-se ser um ser da práxis7.
Em uma sociedade desigual, cujas ações voltadas
para o social são parcas, tivemos grande dificuldade de
trabalhar em uma estrutura de rede de atendimento. O
profissional teve que ser imbuído de um desejo profundo
de mudar a situação. O psicólogo que trabalha no CERFAM
pode ser considerado como um “operador”, isto é, pessoa
capaz de reconstruir a história de vida dos usuários para
além do diagnóstico e do sintoma, trabalhadores ativos no
processo de reelaboração do sofrimento e reinvenção da
vida7. O “operador” psicólogo no caso, sob essa perspectiva,
volta-se para a qualidade do cuidado, a qual pressupõe
acolhida e na responsabilidade pela atenção integral da saúde
coletiva e individual, e para a criação de estratégias de modificação da realidade da comunidade do Projeto Famílias Unidas.
Segundo Guerra (2001), Freud já anunciava, nos
idos de 1919, que haveria “um tempo em que a psicanálise
aplicada a grandes parcelas da população pelo Estado traria
modificações em sua prática”8. É na previsão sábia deste
autor que partimos para a prática psicoterápica mais voltada
para o social.
Consideração Finais
Poder contribuir com a re-significação do sujeito
em um ambiente hostil (IDH de 0,660)9 de muita fome e
desigualdade social, foi uma experiência desafiadora. Mesmo
com o suporte da Clínica Ampliada, os saberes acerca deste
assunto estão muito aquém das necessidades e demandas
destes sujeitos.
O CERFAM, por buscar (intencionar) um trabalho
direcionado para a rede de assistência, não só se coloca como
310
uma das referências deste trabalho, como é agente questionador
da necessidade de uma rede de serviço de Saúde Pública para
atender a demanda do sujeito.
O assistencialismo é sempre uma política de exclusão
que retroalimenta a miséria. Aprendemos que o trabalho de
reposicionamento do sujeito é justamente o único caminho
encontrado para retirá-lo da situação de recebedor das
“caritas” e ser um agente social10.
Por vezes, até que o movimento do sujeito se possa
fazer, a caridade e o assistencialismo são praticados. A
diferença está no limite e no propósito da ação: alimentar e
dar segurança ao sujeito para que ele possa se ver como tal,
deixando de ser um bicho vagante para ser um agente social
atuante.
É preciso mostrar que o início da construção de
um sujeito cidadão é a casa, a história e o nome resgatados
pela escuta terapêutica e, também, e não menos importantes,
as ações de afirmações sociais como possuir o registro de
nascimento, a carteira de identidade ou o CPF.
Num país carente da Atenção Básica, o lugar do
psicólogo é o espaço da escuta da dor de quem vive na
labuta da vida e na iminência da morte, como sina, como
sombra, como desafio; a morte do sujeito afogado pela
indiferença social e pelas condições desumanas de vida.
Não é à toa que verificamos, em atendimento clínico,
tantas psicopatologias. São nas depressões, nas psicoses, nas
epilepsias com comorbidades psiquiátricas, nas tentativas de
suicídio, nas fobias e na drogadicção, que aparece a face do
problema, não apenas do indivíduo, mas a de uma sociedade
adoecida.
Então, é preciso agir para mudar e construir a rede
de atendimento e acreditar que o humano em nós é soberano,
seja pela resiliência, seja pelo reposicionamento diante dos
outros e do Outro. Assim, é esse termo Lacaniano, Outro,
representante da linguagem e da cultura, que nos espreita e
demanda respostas11.
Referências
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nos dispositivos de saúde mental. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Projeto Famílias Unidas: atendimento psicoterapêutico
à população em situação de risco social
Leila Márcia Souza Oliveira e Josenaide Engracia Santos
v. 6, n. 17. Págs. 79 a 91.
2.Saraceno B. Libertando identidades: da reabilitação
psicossocial à cidadania possível. 2. ed. Rio de Janeiro (RJ):
Te Corá/Instituto Franco Basaglia, 2001.
3.Sawaya, A L et al. Os dois Brasis: quem são, onde estão e
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v. 17, n. 48, maio/ago.
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7.Dimenstein, M. O psicólogo e o compromisso social no
contexto da saúde coletiva. Psicologia em Estudo. Maringá:
jul/dez 2001. Vol 6 , no 2, pág. 57 a 63 Psicol. estud. Maringá:
July/Dec. 2001. v. 6, n. 2.
8.Guerra, A. M. C. A Psicanálise no campo da Saúde Mental
infanto-juvenil. Revista Psychê. V.9 no 15. São Paulo, jun 2005.
9.Katherine, F.. Distribuição de renda na RMS é a 2ª pior do
mundo. Jornal A Tarde. Salvador – Ba. 28/12/07, págs. 4 e 5.
10.Ramminger, T. Psicologia comunitária x assistencialismo:
possibilidades e limites. Ciência e profissão, Brasília: 2001. v.
21, n. 1, mar.
11. Braga, M. L. S. As três categorias peircianas e os três
registros lacanianos. Psicol. USP vol.10 n.2 São Paulo, 1999
Endereço para correspondência:
Leila Márcia Souza Oliveira
Rua Metódio Coelho 104/408
Salvador, Bahia
Cep: 40279-120
Endereço eletrônico:
[email protected].
311
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Resumo de Tese
A utilidade como função para universalidade e eqüidade: uma
análise formal da validade instrumental do ordenamento administrativo federal da assistência à saúde bucal no saúde da família
Utility as function for universality and equity: a
formal analysis of the instrumental validity of federal administrative
ordinance on oral healthcare for the Family Heath Program
These Abstract
Carlo Henrique Goretti Zanetti
Trabalho teórico de justificação, desenvolvimento e aplicação de um modelo lógico proposto para realizar,
formal e sinteticamente, a avaliação econômica do objeto: a institucionalização do ordenamento administrativo federal
da saúde bucal no saúde da família; com o objetivo geral de conhecer e validar sua função de utilidade. A hipótese é que:
as condições iniciais que esse ordenamento informa não sinalizam as melhores escolhas para a reorganização da assistência
básica prestada pela maioria dos municípios orientados pela estratégia da saúde da família – falta racionalidade ao
ordenamento. A justificação teórica pressupôs considerações sobre o ordenamento administrativo como instrumento
útil à realização dos princípios constitucionais do SUS; remetendo à idéia instrumental de economia de escolhas em seu
sentido filosófico de ordem, no plano político do contrato social; bem como em seu sentido técnico mais aplicado de
utilidade, no plano da realpolitik das ações da administração pública. Recorreu-se a uma metodologia racional-dedutiva:
(i) fazer a descrição fundamental; (ii) investigar a heurística e sintaxe da formalização dos programas possíveis sob tal
ordenamento; (iii) explorar, aos limites, os procedimentos de representação de ordem mediados pelas categorias econômicoutilitárias de eficácia (potência) e eficiência (rendimento); (iv) fazer julgamentos; (v) proferir prescrições normativas úteis
(recomendações). A aplicação do modelo, orientada nos princípios constitucionais de universalidade e eqüidade, pressupôs
duplo julgamento: (i) da eficácia do ordenamento para a universalidade ajuizada no valor normativo da igualdade; (ii) da
eficácia e eficiência do ordenamento para eqüidade ajuizada no valor normativo da diferença. Eficácia e eficiência
consideradas no plano administrativo; e, igualdade e diferença no plano do contrato. Principais resultados: (i) apenas
20,36% dos municípios que aderiram às regras federais têm potência nominal (eficácia) para assegurar acesso universal;
(ii) apenas 6,88% apresentam eficácia em condições favorecidas para eficiência; (iii) somente 0,2% apresentam eficácia em
condições desfavorecidas para eficiência e justificáveis por razões de justiça. Principal conclusão: formalmente, o
ordenamento vigente é inútil em termos racionais e não-razoável em termos de justiça, portanto, nacionalmente inválido
para reorientar a assistência básica em saúde bucal na observância dos princípios constitucionais de universalidade e
eqüidade. Principal recomendação: na impossibilidade de um arranjo alocativo capaz de reunir simultaneamente virtudes
utilitárias e de justiça, há que se adotar duas regras: uma que sinalize eficácia e eficiência ótima para sistemas locais que
contam com condições iniciais mais favorecidas; e, outra que sinalize eficácia, eficiência subótima para sistemas em
condições menos favorecidas. Ambas estribadas nas razões práticas de utilidade e justiça.
Palavras-chave: Serviços de Saúde Bucal-economia;
Saúde da Família; Economia da Saúde.
Key Words: Dental Health Services-economics; Family Health;
Health Economics.
Bras Med Fam e Com
312 Rev
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Carlo Henrique Goretti Zanetti
A utilidade como função para universalidade e eqüidade: uma análise formal da validade instrumental
do ordenamento administrativo federal da assistência à saúde bucal no saúde da família
Tese de Doutorado
Nome do Orientador
Maria Helena Machado
Escola Nacional de Saúde Pública /
Fundação Oswaldo Cruz
Rio de Janeiro, 2005.
Disponível no Portal de Teses Fiocruz:
http://www.bvssp.cict.fiocruz.br/lildbi/docsonline/7/1/
617-zanettichgd.pdf
313
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Resumo de Tese
Necessidades de Saúde na estratégia de saúde da família,
no município de Jequié - Ba: em busca de uma tradução
These Abstract
Health needs in the context of the Family Health
strategy at the municipality of Jequié - BA: searching to underst
Adriana Alves Nery
Estudo de abordagem qualitativa, realizado junto aos usuários de famílias acompanhadas por uma equipe de
Saúde da Família do município de Jequié-BA, que teve por objetivo geral utilizar a taxonomia de necessidades de saúde
de Matsumoto (1999) como instrumento de leitura de necessidades junto a uma unidade de Saúde da Família, a partir da
ótica das famílias atendidas. A pesquisa teve como suporte teórico a taxonomia de necessidades de saúde de Matsumoto
e como técnica de coleta do material empírico o grupo focal. Trabalhamos com cinco grupos focais, compostos de 8 a
12 integrantes das cinco microáreas na área de abrangência da equipe de Saúde da Família. Utilizamos a análise temática
com a identificação de quatro temas: o processo saúde-doença; a necessidade de acesso; o vínculo na construção da
interação; a participação construída versus participação concedida. Os sujeitos apontam diversas concepções do processo
saúde-doença: saúde relacionada ao corpo físico, às formas de produção e reprodução social, envolvendo as condições
e modos de vida dos indivíduos; saúde é crença em Deus, é um bem simbólico. Ao trazerem sua concepção do processo
saúde-doença, apontam para a necessidade de boas condições de vida através do acesso à educação, ao emprego, ao
lazer, a ruas asfaltadas e à rede de esgoto, dentre outros aspectos. Quanto à necessidade de acesso, reconhecem que é um
direito garantido constitucionalmente, viabilizado através do SUS, embora haja dificuldades no acesso a todos os níveis
de atenção à saúde, principalmente no que diz respeito às especialidades e à urgência e emergência, fazendo com que estes
procurem outras alternativas assistenciais: utilização de remédios caseiros, farmácia, dentre outras. Com isto assinalam a
necessidade da garantia de acesso a todas as tecnologias disponíveis. Afirmam que existem um descaso e descrédito no
atendimento dispensado por alguns profissionais, na unidade de Saúde da Família e nas unidades de referência assistencial,
e indicam a necessidade de ter vínculo com o profissional ou a equipe de saúde ao afirmarem que os trabalhadores da
equipe não têm tempo de escutá-los em função da grande demanda e que gostariam de uma comunicação mais “próxima”
com os trabalhadores que os atendem. Ressaltam que se sentem mais à vontade e têm mais intimidade com os ACSs do
que com os outros trabalhadores, porque estes são as pessoas mais próximas de seu dia-a-dia e em seus lares. Na fala dos
usuários, há uma contradição em como ocorre sua participação na comunidade, uma participação que é ?concedida?
através das atividades desenvolvidas pela equipe de Saúde da Família e uma construída que é pela atuação destes nas
associações de moradores e no Conselho Local de Saúde, indicando a necessidade de autonomia e autocuidado no
modo de “andar a vida”. Esta investigação teve como pressuposto que a taxonomia de necessidades proposta por
Matsumoto (1999) pode se constituir em potente ferramenta para a leitura das necessidades de saúde dos usuários que
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Determinação
de Necessidades de Saúde; Saúde da Família.
Key Words: Primary Health Care; Health Needs Determination; Family Health.
Bras Med Fam e Com
314 Rev
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Necessidades de Saúde na estratégia de saúde da família,
no município de Jequié - Ba: em busca de uma tradução
Adriana Alves Nery
demandam as unidades de Saúde da Família, o que foi
possível ser evidenciado através da apreensão do material
empírico. Consideramos que as transformações do
processo de trabalho em saúde só se efetivarão num
movimento de articulação entre a produção do cuidado
em saúde, a participação social e a gestão de serviços na
direção de uma lógica da integralidade da assistência. Neste
sentido, oferecer ferramentas para o trabalho e, neste caso,
a taxonomia de necessidades proposta por Matsumoto
(1999) pode levar os gestores e a equipe a refletir sobre
uma outra lógica para o trabalho em saúde que os aproxime
dos usuários, favorecendo os processos de participação
social, possibilitando uma escuta que passe a ser qualificada
pela compreensão de necessidades de saúde e com a
premissa da integralidade da assistência à saúde.
Tese de doutorado
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP)
Orientador Silvana Martins Mishima,
Ribeirão Preto, 2006
Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/
tde-02022007-144340/
315
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Resumo de Tese
Qualidade de vida dos agentes comunitários de saúde
de um município do interior do Paraná
These Abstract Quality of life of community health agents from
a city in the interior of Paraná State
Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
Este é um estudo descritivo, de corte transversal e com abordagem quantitativa, tendo como objetivo avaliar a
qualidade de vida de agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná, Brasil. Foi utilizado um
instrumento genérico para avaliar qualidade de vida, elaborado por pesquisadores da Organização Mundial da Saúde,
denominado WHOQOL-bref, na sua versão para o português. Este instrumento é composto de duas partes. A primeira
refere-se à ficha de informações sobre o respondente. A segunda consta de 26 questões, sendo que as duas primeiras
avaliam a qualidade de vida de modo geral e a satisfação com a própria saúde (Qualidade de Vida Geral), as outras 24
questões estão divididas em quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente. A coleta de dados
foi realizada durante reuniões, de forma auto-administrada. Do total de 196 agentes comunitários de saúde, o grupo de
estudo ficou composto por 169 agentes (86,2% do total existente). Os dados foram analisados utilizando-se medidas
descritivas e o programa estatístico SPSS. O nível de significância adotado foi de 5%. A confiabilidade do WHOQOLbref mostrou-se satisfatória, com coeficiente Alfa de Cronbach de 0,87 para as 26 facetas e para os domínios variou de
0,50 (domínio Relações Sociais) a 0,72 (domínio Físico). A maioria dos agentes era do sexo feminino (89,3%); idade entre
19 e 30 anos (47,9%) e idade média de 31,1 anos (DP=8,8); 61,5% com segundo grau completo e com predomínio de
casados (42,6%). Quanto à qualidade de vida, numa escala de 0 a 100, onde maiores escores médios indicam melhor
avaliação da qualidade de vida, a Qualidade de Vida Geral obteve um escore médio de 69,6 (DP=14,5). O domínio
Relações Sociais obteve o melhor escore médio, 75,8 (DP=14,2). O domínio Físico obteve escore médio de 74,2
(DP=13,2) e o domínio Psicológico, 74,0 (DP=11,4). O domínio Meio Ambiente obteve o menor escore médio, de
54,1 (DP=12,0). As facetas que obtiveram os maiores escores médios em cada domínio foram: relações pessoais (domínio
Relações Sociais); mobilidade e capacidade de trabalho (domínio Físico); espiritualidade, religião e crenças pessoais e
auto-estima (domínio Psicológico) e ambiente no lar e segurança física e proteção (domínio Meio Ambiente). As facetas
que obtiveram os menores escores médios em cada domínio foram: suporte ou apoio social (domínio Relações Sociais);
energia e fadiga (domínio Físico); pensar, aprender, capacidade de memória e concentração (domínio Psicológico), e
recursos financeiros e oportunidades de recreação/lazer (domínio Meio Ambiente). Pela correlação entre cada questão
que compõe o domínio e o escore médio do domínio, observou-se que todas as facetas foram estatisticamente significativas,
em maior ou menor proporção, em cada um dos respectivos domínios. Os resultados obtidos sugerem uma avaliação
positiva para a Qualidade de Vida Geral e para os domínios Relações Sociais (maior escore médio entre os domínios),
Físico e Psicológico, e uma avaliação intermediária para o domínio Meio Ambiente (menor escore médio entre os
domínios). Este estudo possibilitou uma avaliação sobre qualidade de vida geral de um grupo de agentes comunitários
de saúde e melhor entendimento sobre o tema.
Palavras-chave: Agente Comunitário de Saúde;
Programa Saúde da Família; Qualidade de Vida.
Key Words: Community Health Agent; Family Health Program; Quality of Life.
Bras Med Fam e Com
316 Rev
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
Qualidade de vida dos agentes comunitários de
saúde de um município do interior do Paraná
Ana Claúdia Garabeli Cavalli Kluthcovsky
Dissertação de Mestrado
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP)
Orientador Angela Maria Magosso Takayanagui
Ribeirão Preto, 2005
Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22133/
tde-27092005-100622/
317
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Instruções aos autores
Instrução aos autores da Revista Brasileira
de Medicina de Família e Comunidade
A Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
(RBMFC) é uma publicação trimestral da Sociedade Brasileira
de Medicina de Família e Comunidade, que tem por
finalidades: sensibilizar profissionais e autoridades da área
de saúde sobre a área de interesse da Medicina de Família e
Comunidade; estimular e divulgar temas e pesquisas em
Atenção Primária à Saúde (APS); possibilitar o intercâmbio
entre academia, serviço e movimentos sociais organizados;
promover a divulgação da abordagem interdisciplinar e servir
como veículo de educação continuada e permanente no
campo da Medicina de Família e Comunidade, tendo como
eixo temático a APS.
Os trabalhos serão avaliados por editores do Con- selho
Científico e Editorial, como também por pareceristas convidados ad hoc. O processo de avaliação por pares preserva
a identidade dos autores e suas afiliações, sendo estas informadas ao Conselho Editorial somente na fase final de avaliação.
Todos os trabalhos deverão ser escritos em português, com
exceção dos redigidos por autores estrangeiros não-residentes
no Brasil, que poderão fazê-lo em inglês ou espanhol.
Tipos de Trabalho
A revista está estruturada com as seguintes seções:
Editorial
Artigos Originais
Artigos de Revisão
Diretrizes em Medicina de Família e Comunidade Ensaios
Relatos de Experiência
Resumos de Tese
Cartas ao Editor
O Editorial é de responsabilidade do editor da revista,
podendo ser redigido por terceiros por solicitação dele.
A seção Artigos Originais é composta por artigos resultantes
de pesquisa científica, apresentando dados originais de
descobertas com relação a aspectos experimentais ou de observação, voltados para investigações qualitativas ou quantitativas em áreas de interesse da APS. Artigos originais são
318
trabalhos que desenvolvem crítica e criação sobre a ciência,
tecnologia e arte das ciências da saúde que contribuem para
a evolução do conhecimento sobre o homem, a natureza e a
inserção social e cultural. O texto – contendo introdução,
material ou casuística, métodos, resultados, discussão e conclusão – deve ter até 25 laudas.
A seção Artigos de Revisão é composta por artigos nas
áreas de Gerência, Clínica, Educação em Saúde. Os artigos
de revisão são trabalhos que apresentam síntese atualizada
do conhecimento disponível sobre matérias das ciências da
saúde, buscando esclarecer, organizar, normalizar e simplificar abordagens dos vários problemas que afetam o conhecimento humano sobre o homem e a natureza e sua inserção
social e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar, avaliar
ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas
científicas e devem ter até 20 laudas, contendo introdução,
desenvolvimento e conclusão.
A seção Diretrizes em MFC é composta por artigos
estruturados dentro das normas da Associação Médica
Brasileira para diretrizes clínicas, validados pela SBMFC. Sua
confecção, sob orientação da Diretoria Científica da SBMFC,
é uma proposta de organizar e referendar o trabalho dos
MFC no Brasil.
A seção Ensaios visa à divulgação de artigos com as análise
crítica sobre um tema específico relacionado à Medicina de
Família e Comunidade e deve ser apresentada em uma média
de 5 a 10 laudas.
A seção Relatos de Experiência é composta de artigos que
relatam casos ou experiências os quais explorem um método
ou problema por meio do exemplo. Os relatos de caso
apresentam as características do indivíduo estudado – com
indicação de sexo e idade, podendo este ser humano ou
animal –, ressaltam sua importância na atuação prática e
mostram caminhos, condutas e comportamentos para a solução do problema. Essa parte deve ocupar até 8 laudas,
com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento e conclusão.
A seção Resumos de Tese, que deve ter apenas 1 lauda, tem
como proposta a divulgação da produção científica na
temática do periódico. Nela, devem ser expostos resumos
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n°8, jan / mar 2007
RBMFC
Instruções aos autores
de dissertações de mestrado ou teses de doutoramento/
livre-docência defendidas e aprovadas em universidades
brasileiras ou não. Os resumos deverão ser encaminhados
com o título oficial da Tese, informando o título conquistado,
o dia e o local da defesa. Devem ser informados, igualmente, o nome do Orientador e o local onde a tese está disponível
para consulta.
Em Cartas ao Editor, opiniões de leitores e su- gestões sobre a revista são bem recebidas. As cartas, contendo
comentários sobre material publicado, devem ter no máximo 2 laudas.
Os trabalhos a serem submetidos à apreciação do
Conselho Científico deverão ser encaminhados por e-mail para
a Secretaria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e
Comunidade ou ao Editor da revista. O padrão de formatação
exigido é Word for Windows – versão 6.0 ou superior -,
página padrão A4, letra Arial (tamanho 11), espaçamento entre
linhas 1,5 e numeração seqüencial em todas as páginas. As
notas de rodapé devem ser limitadas ao máximo possível,
assim como as tabelas e os quadros – que devem ser de
compreensão independente do texto.
Os autores deverão informar seus nomes e endereços completos e quais organizações de fomento à pesquisa
apoiaram os seus trabalhos, fornecendo inclusive o número
de cadastro do projeto.
Os trabalhos que envolverem pesquisas com seres humanos deverão vir acompanhados da devida autorização do
Comitê de Ética da Instituição.
Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência
de apresentação:
1. Título em português e também em inglês(*).
2. Nome completo – nome(s) seguido(s) do(s)
sobrenome(s) do(s) autor(es) – e, no rodapé, a indicação
da Instituição a qual está vinculado, cargo e titulação.
3. Resumo do trabalho em português, no qual fiquem claros a síntese dos propósitos, os métodos empregados e as principais conclusões do trabalho.
4. Palavras-chave – mínimo de 3 e máximo de 5
palavras-chave ou descritores do conteúdo do trabalho,
319
apresentados em português de acordo com o DeCS –
Descritores em Ciências da Saúde da BIREME - Centro
Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – URL: <http://decs.bvs.br/>.
5. Abstract – versão do resumo em inglês(*).
6. Key words – palavras-chave em inglês, de
acordo com DeCS(*).
7. Artigo propriamente dito, de acordo com a estrutura recomendada para cada tipo de artigo, citada no
item 2.
8. Figuras (gráficos, desenhos e tabelas) devem ser
enviadas à parte, com indicação na margem do local de
inserção no texto; as fotografias em preto e branco devem
ser apresentadas em papel brilhante.
9. Referências: são de responsabilidade dos autores
e deverão ser limitadas às citações do texto, além de numeradas segundo a ordem de referência, de acordo com as
regras propostas pelo Comitê Internacional de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors).
Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a
periódicos biomédicos. Disponível em: <http://
www.icmje.org>.
(*) A versão do título do trabalho, do resumo e das palavras-chave para o idioma inglês ficará a cargo da própria
revista, salvo eventual decisão ao contrário em época futura que, se vier ao caso, será comunicada no Editorial da
revista.
Exemplos:
Periódico
Valla VV. Educação popular e saúde diante das
formas de se lidar com a saúde. Revista APS. 2000; (5): 4653.
Livro
Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar; 1994. 204p.
Capítulo de livro
Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do
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Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Instruções aos autores
Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos
serviços de saúde. 3. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p.
65-69.
Dissertação
Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores.
[Dissertação]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993.
Evento
Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no
PIES/UFJF; 6º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 2000,
Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação
em Saúde Coletiva; 2000. p.328.
Documento eletrônico
Civitas. Coordenação de Simão Pedro P. Marinho.
Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, 1995-1998.
Apresenta textos sobre urbanismo e desenvolvimento de cidades. Disponível em:
www.gcsnet.com.br/oamis/civitas.
Acesso em: 27 nov. 1998.
Fluxo dos trabalhos submetidos à publicação.
Os artigos são de total e exclusiva responsabilidade dos autores.
Avaliação por pares: os artigos recebidos são
protocolados na secretaria da revista e encaminhados tanto
ao editor geral quanto aos editores associados, para a
triagem, a avaliação preliminar e a posterior distribuição
ao Conselho Editorial e Científico, em conformidade com
as áreas de atuação e especialização dos membros, bem
como o assunto tratado no artigo. Todos os textos são
submetidos à avaliação de dois consultores – provenientes
de instituição diferente daquela do(s) autor(es) –, em um
processo duplo cego, que os analisam em relação aos
seguintes aspectos: adequação do título ao conteúdo; estrutura da publicação; clareza e pertinência dos objetivos;
320
metodologia; informações inteligíveis; citações e referências
adequadas às normas técnicas adotadas pela revista e
pertinência à linha editorial da publicação. Os consultores
preenchem o formulário de parecer, aceitando, recusando
ou recomendando correções e/ou adequações necessárias.
Nestes casos, os artigos serão devolvidos ao(s) autor(es),
para os ajustes e reenvio, e aos consultores para nova
avaliação. O resultado é comunicado ao(s) autor(es), e os
artigos aprovados ficam disponíveis para publicação em
ordem de protocolo. Não serão admitidos acréscimos ou
modificações após a aprovação.
Declaração de responsabilidade dos autores
Todas as pessoas responsáveis como autores
devem responder pela autoria dos trabalhos, tendo como
justificada a sua participação de forma significativa no
trabalho para assumir responsabilidade pública pelo seu
conteúdo. Deverão, portanto, assinar a seguinte declaração
de autoria e de responsabilidade:
“Declaro que participei de forma significativa na
construção e formação deste estudo ou da análise e interpretação dos dados, como também na redação deste texto,
tendo, enquanto autor, responsabilidade pública pelo conteúdo deste. Revi a versão final deste trabalho e aprovo
para ser submetido à publicação. Declaro que nem o presente trabalho nem outro com conteúdo semelhante de
minha autoria foi publicado ou submetido à apreciação
do Conselho Editorial de outra publicação.”
Artigos com mais de um autor deverão conter uma
exposição sobre a contribuição específica de cada um no
trabalho. Os autores de cada artigo receberão, após a publicação de seu trabalho, três exemplares da revista em que
o seu estudo foi publicado.
Ética em pesquisa
Com relação às pesquisas iniciadas após janeiro de
1997, nas quais exista a participação de seres humanos nos
termos do inciso II.2 da Resolução 196/ 96 do Conselho
Nacional de Saúde (“pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta,
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RBMFC
Instruções aos autores
em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de
informações ou materiais”), sempre que pertinente, deve
ser declarado no texto que o trabalho foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos.
Os trabalhos devem ser enviados para:
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC
Correspondência
Rua 28 de Setembro, 44 sala 804
Rio de Janeiro - RJ
Cep: 20551-031
Tel/fax: 21 2264-5117
Endereço eletrônico:
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Instructions to authors
Instructions to authors of the Brazilian Journal of
Family and Community Medicine
The Brazilian Journal of Family and Community
Medicine (BJFCM) is a three-monthly publication of the
Brazilian Society of Family and Community Medicine,
aimed at sensitizing professionals and health authorities to
this field of interest, stimulating and disseminating Primary
Health Care (PHC) issues and investigations, and facilitating
interchange between academic institutions, health care
services and organized social movements. The periodical
also aims to promote an interdisciplinary approach to this
area and to serve as a vehicle for continued and permanent
education in the field of Family and Community Health,
with emphasis to the central subject PHC.
Manuscripts will be reviewed by members of the
Scientific and Editorial Board as well as by outside referees.
This peer-review process safeguards the identity of authors
and their institutions of origin, which only will be revealed
to the Editorial Board in the end of the evaluation process.
All manuscripts should be prepared in Portuguese
language. Foreign authors, not living in Brazil, can submit
their papers in English or Spanish.
Categories and formats of papers
The journal is divided into the following sections:
Editorial
Original articles
Review articles
Directives in Family and Community Medicine
Essays
Case reports
These Abstracts
Letters to the Editor
The Editorial is responsibility of the editor of the
journal, but can be prepared by third persons on his request.
The section Original Articles is dedicated to reports
on scientific investigations, presenting original data on
findings from experiments or observation with emphasis
322
to qualitative or quantitative studies in fields of interest for
PHC. Original articles are criticisms or creations on science,
technology and the art of health sciences, contributing to
the evolution of knowledge about Man, nature and social
and cultural inclusion. The papers - including introduction,
material or rationale, methods, results, discussion and
conclusion – should not exceed 25 pages.
The section Reviews is composed by articles about
Health Management, Clinics and Health Education. Review
articles are papers presenting an up-to-date synthesis of
available knowledge on health science subjects, with the
intent to elucidate, organize, normalize and simplify
approaches to the different problems affecting human
knowledge about Man and nature and social and cultural
inclusion. These papers are aimed at summarizing, analyzing,
evaluating and synthesizing investigations already published
in scientific journals and should not exceed 20 pages,
including introduction, rationale and conclusion.
The section Directives in FCM receives articles
prepared according to the norms for Clinical Directives
of the Brazilian Association of Physicians, validated by the
BSFCM. The purpose of these articles - prepared under
the guidance of the Scientific Board of the BSFCM – is to
organize and reference the work of physicians involved in
FMC in Brazil.
The section Essays publishes critical analyses
regarding specific topics related to Family and Community
Medicine. Articles should have 5 to 10 pages.
Case Reports are articles addressing cases or
experiences by exploring a method or problem based on
an example. These articles indicate details such as sex and
age of the studied individual – human or animal –
emphasize their importance in practice and indicate ways,
procedures and conducts for solving the problem. Articles
for this section should not exceed 8 pages and include
introduction, rationale and conclusion.
The section Abstracts of Theses is aimed at
publishing scientific production in the field covered by the
journal in form of abstracts of master’s and doctor’s
Rev Bras Med Fam e Com
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Instructions to authors
dissertations defended in Brazilian universities or abroad.
Abstracts should not exceed one page, state the official title
of the dissertation, the academic degree achieved, date and
place where the thesis was defended and indicate the name
of the supervisor and where the dissertation is available
for consultation.
In the section Letters to the Editor, readers are
invited to express their opinion and make suggestions to
the journal.
Articles should be submitted by electronic mail,
directed to the Secretariat of the Brazilian Society of Family
and Community Health or to the Editor. Papers should be
typed in word processor Word for Windows – version
0.6 or superior – paper size ISO A4, font Arial, size 11,
space between lines 1,5, and all pages should be numbered
sequentially. References should be kept to the necessary
minimum. The same refers to tables and figures, which
should be understandable independently from the text.
Corresponding authors should inform their full names and
addresses. The funding sources by which the work was
supported should be stated.
Articles describing investigations on human subjects
must include a statement referring institutional ethics
committee clearance.
Manuscripts should be structured as below:
1. Title
2. Complete names – first name(s) followed by
family name(s) of the author(s)
3. Abstract giving a clear synthesis of the purpose,
describing the methods used and main conclusions of the
study.
4. Key words – a minimum of 3 and a maximum
of 5 key words or describers of the contents of the work,
following the norms of DeCS, available at http://
decs.bvs.br/
5. Text of the article, according to the
recommendations for each category given above.
6. Figures (graphs, diagrams and tables) according
323
to the recommendations given above.
7. References: are responsibility of the authors and
should be arranged numerically according to the order in
which they appear in the text, according to the rules of the
International Committee of Medical Journal Editors,
Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to
Biomedical Journals, available at http://www.icmje.org
Examples:
Periodical
Valla VV. Educação popular e saúde diante das
formas de se lidar com a saúde. APS Journal. 2000; (5):
46-53.
Book
Birman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar; 1994. 204p.
Book chapter
Vasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do
Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nos
serviços de saúde. 3rd. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p.
65-69.
Dissertation
Caldas CP. Memória dos velhos trabalhadores.
[Dissertation]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993.
Event
Mauad NM, Campos EM. Avaliação da implantação das ações de assistência integral à saúde da mulher no
PIES/UFJF; 6th Brazilian Congress on Collectyive Health;
2000, Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva; 2000. p.328.
References from the internet
Civitas. Coordinated by: Simão Pedro P. Marinho.
Developed by: Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, 1995-1998. Presents texts on urbanism and city
Rev Bras Med Fam e Com
Rio de Janeiro, v.2, n° 8, jan / mar 2007
RBMFC
Instructions to authors
development. Available at: <http//www.gcsnet.com.br/
oamis/civitas>. Accessed: Nov 27. 1998.
Review procedures and publication of submitted
manuscripts.
The articles are of the full and exclusive
responsibility of the authors.
Peer-review procedure: received articles are
registered by the Secretariat of the journal and submitted
to the Scientific and Editorial Board for screening,
preliminary evaluation and posterior distribution to ad
hoc referees with specific expertise in the subject addressed
by the article. All manuscripts are submitted to two
referees, coming from institutions different from those
of the author(s) who, in a double-blind review process,
assess them with respect to the following aspects:
pertinence of the title in relation to the content, structure
of the manuscript, pertinence and clearness of objectives,
methodology, intelligible information, conformity of
citations and references with the technical norms and
alignment with the editorial line of the journal. The referees
fill in the review form accepting or rejecting the manuscript
or suggesting improvements and/or necessary corrections.
In this case, the manuscript is returned to the author(s)
for revision and resubmission, followed by a new
evaluation. The result is communicated to the author(s)
and accepted articles will be published following the order
of registry. No additions or modifications in manuscripts
already accepted for publication will be admitted.
elsewhere, nor is it currently under consideration for
publication in another periodical.”
Articles prepared by more than one author should
state the specific contribution of each of them. The authors
of each article will receive three exemplars of the edition
in which their study was published.
Ethics in experimentation
Articles based on investigations involving human
subjects should declare in the text that the investigation has
beencleared by the responsible Ethics Committee on
Human Experimentation.
Manuscripts should be submitted electronically to:
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade - SBMFC
Contact Address:
Rua 28 de Setembro, 44 sala 804
Rio de Janeiro - RJ
Cep: 20551-031
Tel/fax: 21 2264-5117
e-mail: [email protected]
Responsibility Statement
All individuals named as authors for having
participated substantially in the submitted study have to take
public responsibility for the integrity of their work and
consequently sign the following Responsibility Statement:
“I hereby declare to have participated substantially
in the conception and design of the present work and in
the writing of the manuscript, taking public responsibility
for its integrity. I have read the final version of this work
and agreed to its submission for publication. The work in
its present or a similar form has not been published
324
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