Imagem da Semana: Radiografia, Tomografia Computadorizada, Ressonância Nuclear Magnética Figura 1: Radiografia de tórax em incidência póstero-anterior Figura 2: Tomografia computadorizada de tórax Figura 3: Radiografia de quadril em incidência póstero-anterior Figura 4: Ressonância nuclear magnética do quadril Enunciado Paciente feminina, 65 anos, com história pregressa de pneumopatia insidiosa idiopática há 10 anos, em uso crônico de corticoide sistêmico. Admitida no HC-UFMG com quadro de dispneia e tosse seca em crises, após tentativa de desmame da prednisona, associado à boca e olhos secos, alopécia e dor intensa de ritmo mecânico em articulação coxofemoral direita, iniciada há seis meses. Ao exame, exibe poliartrite assimétrica em pequenas articulações de mãos e refere artralgia de ritmo inflamatório, com rigidez matinal inferior a 30 minutos. Exames laboratoriais: anemia normocítica e normocrômica, fator antinuclear (FAN) + 1/320; Anti-Ro +; Fator Reumatoide +, urina rotina normal, C3 e C4 normais. A história clínica e as imagens apresentadas sugerem quais hipóteses diagnósticas? a) Lúpus eritematoso sistêmico, pneumonite aguda, osteotartite primária de quadril b) Artrite reumatoide, doença reumatoide do pulmão, osteonecrose de quadril c) Síndrome de Sjögren primária, pneumopatia intersticial fibrosante, osteonecrose de quadril d) Pneumopatia intersticial fibrosante idiopática, osteoartrite primária de mãos e quadril Análise da imagem Imagem 5: Radiografia do tórax evidencia reforço da trama intersticial pulmonar bilateralmente com formação de microcistos (fibrose pulmonar) e presença de faveolamento basal. Imagem 6: Tomografia computadorizada (TC) do tórax evidencia múltiplas opacidades reticulares e áreas de faveolamento (cistos de paredes espessas dispostos em camada) com aspecto sugestivo de fibrose pulmonar. Imagem 7: Radiografia de quadril evidencia aspecto heterogêneo da estrutura da epífise femoral à direita, notando-se faixa hipertransparente circundada por esclerose óssea. Linha radiolucente subcondral em cabeça do fêmur descrita como sinal do crescente, relacionada a colapso do osso esponjoso, na região da placa subcondral. Imagem 8: Ressonância Nuclear Magnética (RNM) do quadril evidencia osteonecrose acentuada à direita, com presença de edema e sinovite. Sem colapso de acetábulo com cabeça de fêmur. Diagnóstico As manifestações de síndrome seca (xerostomia, xerolftalmia e tosse seca – que pode ser devido à xerotraqueia) associada àpneumopatia intersticial fibrosante insidiosa e Anti-Ro positivo e/ou FAN e FR positivos, corroboram a hipótese de síndrome de Sjögren primária. Estão ausentes alterações clássicas do lúpus eritematoso sistêmico (LES), como: lesões cutâneas, citopenias, consumo do complemento e proteinúria. Febre, dispneia, tosse, dor pleurítica e hemoptise podem corresponder ao quadro de pneumonite aguda do LES, embora sua ocorrência seja rara e ocorra em apenas 10% dos pacientes lúpicos. Na artrite reumatoide (AR), o acometimento articular é simétrico, o comprometimento da coxofemoral é raro e a rigidez matinal é superior à uma hora. Nódulos reumatoides são as manifestações pulmonares mais específicas da AR, muitas vezes sem sintomas associados. A doença pulmonar, inicialmente idiopática, tem sua causa esclarecida por uma doença reumática. A radiografia e a RNM do quadril confirmam o diagnóstico de osteonecrose (ON), afastando a hipótese de osteoartrite primária. Além disso, o uso crônico de corticoides, muitas vezes necessário no controle das doenças reumáticas, aumenta o risco para ON. Discussão do caso A síndrome de Sjögren (SSj) é uma doença autoimune de início insidioso e progressivo, caracterizada pela infiltração de linfócitos T e pela hiperreatividade de linfócitos B em glândulas exócrinas, principalmente lacrimais e salivares, manifestada através da síndrome seca – xeroftalmia e xerostomia – acometendo, preferencialmente, mulheres de meia idade. A doença pode ocorrer de forma isolada, SSj primária, ou em associação com outra doença autoimune, SSj secundária, como AR e LES. Clinicamente, além do envolvimento glandular, pode apresentar diversas manifestações sistêmicas, como artropatia de pequenas articulações, acidose tubular renal distal e neuropatia periférica sensorial. O acometimento pulmonar insidioso é um dos mais comuns, traduzido, habitualmente, por tosse seca e presença de infiltrado intersticial na TC. Devido à complexidade do quadro clínico e à ausência de um elemento patognomônico, foram estabelecidos critérios para o diagnóstico de SSj, sendo necessário a presença de, no mínimo, dois dos três que se seguem: positividade para anticorpo anti-Ro e/ou para anti-La ou fator reumatoide positivo e FAN positivo em título > 1/320; biópsia de glândula salivar exibindo sialoadenite linfocítica e ceratoconjuntivite seca evidenciada por um teste oftalmológico. O tratamento dependerá da gravidade da doença, variando desde o uso de lágrima artificial e óculos de lentes largas e rente aos olhos, até o uso de corticoides e drogas antirreumáticas modificadoras da doença. Ressalta-se que, o uso crônico de corticoide está associado ao aumento do risco de osteonecrose, frequentemente do fêmur proximal, acreditando-se que seja decorrente de diversos fatores, como o aumento da viscosidade sanguínea e aumento da pressão intraóssea por aumento dos depósitos de gordura, levando a isquemia e necrose. Clinicamente, apresenta-se como dor de ritmo mecânico no local da lesão. O diagnóstico é firmado por métodos de imagem, sendo a RNM o padrão-ouro, especialmente importante nos casos precoces, quando a radiografia convencional pode ser normal. Aspectos relevantes - A SSj é caracterizada, principalmente, por síndrome seca (xerolftalmia e xerostomia). - A doença pode ser primária ou secundária, quando associada à outra doença autoimune. - O acometimento pulmonar é a manifestação sistêmica mais comum, podendo ser subclínico em até 30% dos pacientes. - O diagnóstico de osteonecrose (ON) exige alta suspeita clínica, sobretudo em pacientes em uso crônico de corticoides. - A radiografia pode ser normal em casos precoces de ON, e a RNM é padrão-ouro para o seu diagnóstico. - No caso apresentado, o uso crônico do corticoide pode ter controlado as manifestações extrapulmonares, contribuindo para retardar o diagnóstico da SSj primária. Referências - Harrison T, et al. Harrison – Medicina Interna (Volume I). 17ª Edição. New York: McGraw Hill; 2008. - Carvalho MAP, Lanna CCD, Bertolo MB. Reumatologia – Diagnóstico e Tratamento. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. - Shiboski SC, et al. American College of Rheumatology Classification Criteria for Sjögren’s Syndrome: A DataDriven, Expert Consensus Approach in the Sjögren’s International Collaborative Clinical Alliance Cohort. Arthritis Care & Research. 2012; 64(4): 475–487. Responsáveis Henrique Elias Darmstadter, acadêmico do 9° período de Medicina da FM-UFMG E-mail: henriqueelias[arroba]terra.com.br Werlley Meira De Oliveira, acadêmico do 9° período de Medicina da FM-UFMG E-mail: werlleymeira[arroba]yahoo.com.br Hercules Hermes Riani Martins Silva, acadêmico do 9° período de Medicina da FM-UFMG E-mail: herculesriani[arroba]gmail.com Lucas Fonseca Rodrigues, acadêmico do 9° período de Medicina da FM-UFMG E-mail: lucasbhfonseca[arroba]gmail.com Orientadora Profa. Cristina Costa Duarte Lanna, reumatologista, professora do Departamento do Aparelho Locomotor da FM-UFMG E-mail: duartelanna[arroba]gmail.com Revisores Thais Araujo, Luanna Monteiro, André Toledo, Janaína Lima, Profa. Viviane Parisotto, Cinthia Barra, Renato Campanati