UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Ao Ilmo. Presidente do Conselho Universitário O nome assume fundamental importância individual e social, composto pelo prenome e sobrenome (art. 16, Código Civil), é a designação que torna possível a identificação da pessoa e sua individualização no meio social. Dada a sua importância social, existe a tendência de sua definitividade. Entretanto, tal regra não é absoluta, tendo em vista que a doutrina e jurisprudência pátrias já admitem sua alteração em situações especiais. A condição de transexual exige uma série de adaptações, sendo notório o constrangimento daquele que precisa utilizar nos registros oficiais um nome que não mais reflete sua identidade de gênero. O nome social é o verdadeiro nome pelo qual pessoas transgêneras (transexuais, travestis, transgêneros, agêneros, bigêneros, entre outros) se auto-determinam. No entanto, este nome conflita com o nome constante em registros oficiais, não refletindo sua identidade de gênero, causando transtornos dos mais variados. A esse respeito o Dr. Paulo Roberto Ceccarelli, Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII, aduz: «O sofrimento psíquico do transexual se encontra no sentimento de uma total inadequação entre, de um lado, a anatomia do sujeito e seu "sexo psicológico" e, de outro lado, este mesmo "sexo psicológico"e sua identidade civil. Essas pessoas, cujo sentimento de identidade sexual não concorda com a anatomia, manifestam uma exigência compulsiva, imperativa e inflexível de"adequação do sexo", expressão utilizada pelos próprios transexuais; como se elas, face a esta convicção de incompatibilidade entre aquilo que são anatomicamente e aquilo que se sentem ser, se encontrassem num corpo disforme, doente e monstruoso. Um tal sentimento pode chegar ao ponto de levar o sujeito à auto-emasculação e até mesmo ao suicídio. À reivindicação de "adequação do sexo", segue-se a mudança do nome e a de retificação da certidão de nascimento"(CECARRELI, Paulo Roberto. Transexualismo e identidade sexuada. Disponível em: www.ceccarelli.psc.br/artigos/portugues/h tml/transsexualiasmo.htm.).» A própria Constituição Federal, a propósito, deixa claro no inciso IV do seu artigo 3º, como um dos objetivos da República Federativa do Brasil, “a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Temos ciência que o uso do nome social, uma vez admitido, restringe-se à instância administrativa, o que vale dizer que somente poderá ser feito nos documentos internos da UFRGS. A alteração nos documentos oficiais, como históricos escolares, diplomas e outros, somente poderá ocorrer após a alteração do nome civil do interessado, o que depende de ação judicial com decisão definitiva. Conforme o disposto nos art. 56 a 58 da Lei 6015/73, que disciplina os Registros Públicos no Brasil: «Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa. Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.» A Universidade Federal do Amapá foi pioneira na adoção do nome social para seus alunos. No país, outras instituições federais de ensino superior como a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) já aprovaram o uso do nome social. Há iniciativas no mesmo sentido em andamento em outros estados, notadamente Minas Gerais, Amazonas, Piauí, Pará, Goiás e Paraná, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). O Conselho Universitário da UFPEL, através da resolução nº 6 de 29 de Julho de 2013, foi claro ao enunciar: «Todos os órgãos internos encarregados dos registros dos estudantes, servidores técnico-administrativos e professores da Universidade Federal de Pelotas devem substituir a identidade civil pela identidade social seguida de número de matrícula ou SIAPE em documentos e arquivos públicos (listas de chamada, carteira de identificação de estudante, carteira de identificação funcional, lista de participante de programa de benefício, entre outros), sempre e somente a pedido do (a) interessado (a); O pedido para substituição da identidade civil pela identidade social deverá ser feito diretamente no órgão de registro vinculado, por escrito e assinado pelo(a) interessado(a); (Disponível em: http://ccs2.ufpel.edu.br/wp/2013/07/29/transexuais-poderao-ser-identificadospor-nome-social/.)» No Estado do Rio de Janeiro, desde 8 de julho de 2011, a administração direta e indireta do estado dá o direito a transexuais e travestis de usarem o nome social; em janeiro de 2012, a delegada Marta Rocha comunicou a decisão da Polícia Civil registrar o nome social nos registros de ocorrência. A Argentina, por exemplo, já aprovou a Lei de Identidade de Gênero, que facilita as retificações civis nos transmites cartoriais. Assim, a inserção do nome social é uma importante a política de inclusão e respeito a minorias neste ambiente acadêmico. A inclusão do nome social em documentos internos tem sido largamente debatida, sendo que vários órgãos públicos já se manifestaram a favor de tal inclusão, a fim de se evitar qualquer espécie de discriminação. Não pode a Universidade ficar à margem da análise da dignidade da pessoa humana, que consiste em um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Ingo Wolfgang Sarlet a dignidade humana como: «A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.» (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2001, p. 60). O fundamento e a razão de ser da universidade reside no homem. A universidade deverá ser o meio para a plena realização da dignidade humana. Pode-se, pois, dizer que a universidade mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o homem, em todas as sua dimensões, atuando na realização dos valores que lhe são mais caros. As regras internas de uma universidade deverão ser aplicações ou concreções dos princípios que fundamentam a ordem social. A dignidade humana não pode ser uma mera promessa, não pode se desvanecer em mero apelo ético. É preciso um trabalho de renovação e concretização através da aplicação de novas regras que busquem dar ao princípio efetividade. Sendo assim, encaminhamos proposta de estabelecimento da Política de Uso do Nome Social de Transgêneros nos Registros Acadêmicos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul para debate e apreciação no Conselho Universitário. DECISÃO Nº XXX/2014 O Conselho Universitário, em sessão de XX. XX.2014, tendo em vista o constante no processo nº 23078.XXXXXXX/XX-XX, considerando o que determina o disposto no Art. 5º caput, da Constituição Federal de 1988, que dispõe que todos serão iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, de acordo com o parecer nº XXX/2014 da Comissão de Legislação e Regimentos, DECIDE Aprovar a Política de uso do Nome Social para Transgêneros nos Registros Internos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conforme segue: Art. 1º - Fica determinada a possibilidade da inclusão do nome social de transgêneros nos respectivos registros dos membros da Comunidade Acadêmica - docentes, discentes e servidores - da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em respeito aos Direitos Humanos, à pluralidade e à dignidade humana, com fins de garantir o ingresso, a permanência e o sucesso de todos no progresso acadêmico. § 1º - O nome social é aquele por meio do qual transgêneros são reconhecidos, identificados e denominados no meio social. § 2º - Junto do nome social, será utilizada a concordância de gênero apropriada. Art. 2º - O estudante maior de 18 (dezoito) anos deverá requerer, por processo dirigido à PROGRAD, a inclusão do seu nome social para uso na instituição no ato da matrícula ou a qualquer momento no decorrer do ano letivo. § 1º - Para os estudantes que não atingiram a maior idade legal, a inclusão só poderá ser requisitada mediante autorização, por escrito, dos pais ou responsáveis. Art. 3º - O Servidor ou Docente da UFRGS deverá requerer, por processo dirigido à PROGESP, inclusão do seu nome social para uso na instituição no ato de posse ou no decorrer de seu vínculo com a instituição; Art. 4º - O nome social deverá constar em todos os registros internos da UFRGS. § 1º - Quando da confecção do cartão UFRGS, de crachá, carteiras ou qualquer outro meio de identificação interna, apenas o nome social será utilizado. § 2º - Na cerimônia de Colação de Grau, a outorga será realizada considerando o nome e gênero sociais. Na ata, porém, constará também o nome civil, conforme as leis 6015/73 e 9394/96, suas alterações e da legislação vigente. § 3º - No histórico escolar, declarações, certificados, atestados e diplomas constará o nome de registro civil, conforme as leis 6015/73 e 9394/96, suas alterações e da legislação vigente. Art. 5º - Concederá atestado de uso interno do nome social, quando solicitado, sem custos para o requerente. Art. 6º - No caso de mudança judicial do nome de registro civil, o nome social será suprimido dos registros da universidade e serão emitidos novos históricos escolares, declarações, certificados, atestados e diplomas com o nome de registro civil atualizado sem custos para o requerente. Art. 7º - Esta decisão entra em vigor na data de sua aprovação, alterando o Regimento Geral e as demais disposições em contrário. Cleber Antonio Gugel Machado Graduado em Ciência da Computação – 109958 Fábio Borges Fanfa - 177844 Graduando em Agronomia Rafael Schneider - 173740 Graduando em Engenharia Química Leonardo Pitta Klein - 172703 Graduando em Engenharia Elétrica Vítor Neves da Fontoura - 218609 Graduando em Direito