CAPÍTULO I QUE É O HOMEM? "Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres? e o filho do homem, que o visites?" Salmos 8:3,4 Ninguém pode negar a importância que tem tido para o homem a pergunta por seu próprio ser. Esta importância tem crescido em tal magnitude que a pergunta: Que é o homem? ocupa o ponto central das preocupações teológicas e filosóficas da presente geração. Por esta razão Wolfhart Pannenberg disse que estamos vivendo "na era da antropologia”1 Por que esta pergunta tão simples teria que encerrar um problema tão complexo que polarize todos os esforços conjuntos da filosofia e da teologia? Do ponto de vista teórico a complexidade reside no fato de que o homem não tem tido a capacidade de encontrar por si mesmo uma resposta irrefutável nem teve a sabedoria de reunir, sem questionar, as respostas parciais que encontrou através de sua história, mas, pelo contrário, cada vez mais modifica seus próprios métodos ou caminhos para as respostas e questiona os conhecimentos que tem obtido com esses métodos. Por outro lado, do ponto de vista vivencial, o homem moderno padece o que Jurgen Moltmann chama a “necessidade elementar”, na qual inclui uma orientação segura, relações claras e uma identidade estável.2 A isto devemos acrescentar a permanente busca de sentido com que o homem 'enfrenta a vida que, segundo Abraham Heschel, corre o perigo de ser perdido na vida humana3 e a "incurável ruptura interna" que, segundo Leo Scheffczik, padece o homem da época moderna 4. O filósofo Georg Friedrich Hegel deu, no século passado, um nome específico a esta ruptura interna: "autoalienação': O homem tem-se alienado de sua própria realidade e de seu caráter próprio adotando assim uma existência isenta de autenticidade, conflitiva e problemática. Tão problemática é a situação do homem moderno que nem sequer pode aceitar o transcendente. Seu excessivo racionalismo o induz a descartar as possibilidades da fé e a desconhecer a realidade da revelação com o qual elimina a possibilidade de aceitar a resposta à pergunta por seu próprio ser, já que não a pode encontrar por si mesmo. Em realidade existem três possíveis caminhos que podem conduzir à resposta da pergunta: que é o homem? Estes são: a filosofia, a teologia e a Bíblia ou palavra revelada por Deus. Cada um deles produz um tipo específico de antropologia, cujas possíveis respostas nos interessam neste estudo, algumas das quais expomos a seguir. Antropologia filosófica Qual é a origem da filosofia? Platão dizia que é o assombro. Enquanto o salmista, ao ver as estrelas e a magnificência da realidade que o rodeava, sentia-se impulsionado a pensar na 1 Wolfhart Pannenberg, El hombre como problema (Barcelona : Herder, 1976), 9. 2 Jurgen Moltmann, EI hombre (Salamanca: Ediciones Sígueme, 1973), p. 134. 3 Abraham Heschel, O homem não está só (São Paulo Edições Paulinas, 1974), p. 199. 4 Leo Scheffczyk, O homem moderno e a imagem bíblica do homem (São Paulo, Edições, 1976), p. 126. companhia de Deus, Platão sentia-se movido pelo desejo de investigar o universo. Impulso e estudo que ele chamou filosofia. Aristóteles identificou a origem da filosofia com a admiração que experimentava frente ao que é estranho, porque essa admiração exigia consciência do que não sabia e era impulsionado a buscar o conhecimento. Para Descartes, a origem da filosofia estava na dúvida que em seu sistema filosófico se transforma em dúvida metódica e chega a ser a fonte do exame crítico de todo conhecimento. Para Karl Jaspers, a origem da filosofia está nas situações extremas. Estas são situações das quais o homem não pode sair e que não pode alterar, como morrer, padecer, lutar, submeter-se ao acaso, afogar-se no sentimento de culpa. "A consciência destas situações extremas depois do assombro e da dúvida, a origem, mais profunda ainda da filosofia".5 Com esta origem a filosofia não pode ser outra coisa senão uma permanente ''jornada': Por esta razão "suas perguntas são mais essenciais que suas respostas, e toda resposta converte-se numa nova pergunta".6 O homem errante estará sempre num caminho sem fim, que não tem nada à sua frente nem ao seu lado. Ocupa-se somente na atividade do pensamento, na reflexão sobre esse pensamento ou ainda em fazer e falar acerca dele. Nesta atividade, quando se formula a pergunta que é o homem? somente obtém respostas por comparação. As respostas por compararão Se o filósofo compara o homem com o animal, sua resposta encaixa-se na antropologia biológica. Se compara o homem com o homem no encontro das culturas, sua resposta pertence à antropologia cultural, e se compara o homem com o divino, encontrar-se-á dentro do âmbito da antropologia religiosa, cujo ambiente mais propício é a metafísica, a poesia e também a teologia. A antropologia biológica compara o homem com a vida dos animais e descobre que este é um ser deficitário e ao mesmo tempo criador de cultura. É um ser biologicamente deficitário porque, criado pela natureza, é um animal sem acabamento que, conforme se expressava Max Scheller, "em virtude do espírito se ergue para uma abertura ao mundo".7 Por causa desta abertura ao mundo o homem não possui um ambiente que Ihe seja permanentemente próprio. Nisto está a base para criar cultura. A antropologia cultural, ao comparar os homens entre si, descobre que este forma parte de uma sociedade cujas atividades se desenvolvem dentro de um ambiente cultural que seus antepassados construíram para ele e que ele, de algum modo ajudará a modificar, transformar ou desenvolver. Desde que Burnett Taylor, pela primeira vez, em seu livro Primitive Culture (Cultura primitiva) publicado em 1871 - definiu a cultura como “o complexo no qual estão incluídos os conhecimentos, as crenças, a arte, a lei, a moral, os costumes e muitas outras habilidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade'', até os mais recentes conceitos de antropologia estruturalista de Claude Lévi-Strauss, que define a cultura como um universo de regras que, para a maioria dos povos que as praticam, não possui uma explicação racial ou moral,8 o homem não tem recebido uma resposta que dê sentido à sua vida pessoal ou à sua presença na sociedade. Isto se deve ao fato de que a humanização do homem, isto é, sua transformação em homem, está em 5 Karl Jaspers, La filosofia (México, Fondo de Cultura Económica, 1957), p. 17. 7 Citado Dor J. Moltmann, El hombre, p. 22. 6 Ibid., p. 11. 7 8 Citado por Moltman, El Hombre, p. 22. Claude Lévi-Strauss, Antropologia estrutural (Rio de Janeiro, 1967); Les strutures élémentaires de la parente (Paris, 1967). relação de dependência com sua raça, sua religião, sua cultura e seu patrimônio. O desumano está fora destas fronteiras e, portanto, projeta sobre o estrangeiro tudo o que em sua própria conduta é bárbaro ou depreciável. Desde a ilustração o conceito de "humanistas" tem incluído o cumprimento, embora insatisfeito, de sua tarefa e de sua esperança.9 A antropologia religiosa surge da comparação do homem com o divino, que não é necessariamente o divino como aparece nas Sagradas Escrituras, mas, inclusive, como aparece nas fontes não cristãs. Deste modo Homero, comparando o homem com os deuses imortais, define-o como um "efêmero mortal" e como ''o sonho de uma sombra': Esta antropologia não oferece uma imagem absoluta, porém expõe uma situação na qual o homem é radicalmente posto em interrogante sem pretender esclarecer o mistério do homem. 10 Passamos agora a considerar algumas respostas à pergunta: que é o homem? oferecidas pela filosofia grega. O homem na filosofia grega A metafísica grega concedeu ao homem um posto dentro da complexa totalidade do ser, isto é, do cosmos. Concebeu o homem como um microcosmos. Ao participar tanto do aspecto corporal como do espiritual e anímico do cosmos, o homem é um mundo em miniatura. Deste ponto de vista, o homem está destinado a reproduzir em sua existência a estrutura do cosmos.11 Em harmonia com isto Protágoras definia ao homem dizendo: "o homem é a medida de todas as coisas''.12 Platão o definia como um ser racional e moral13 e Aristóteles simplesmente disse que o homem é um "animal racional"14, e o descreve como "um ser político". 15 Passemos agora considerar algumas das respostas que a antropologia teológica descobriu em suas investigações relacionadas com a pergunta: que é o homem? Antropologia teológica Antes de dizer alguma coisa sobre o trabalho em si da antropologia teológica, deveríamos explicar o que é teologia. Filosofia e teologia Van A. Harvey, expondo o conceito protestante de teologia, distingue neste termo duas dimensões. Uma restrita, na qual a teologia tem que ver somente com a existência e a natureza divina, e outra mais ampla, que abarca todos os assuntos que expõe a relação do homem com Deus. Com esta definição não se limita à teologia cristã mas inclui qualquer classe de teologia. Logo afirma que a teologia cristã, ao intentar uma explicação sistemática e racional da fé por meio de 9 J. Moltmann, EI hombre, P• 26. 10-Ibid., PP• 28-33. 10 Ibid, 28-33 11 Wolfhart Pannenberg, EI hombre, pp. 9, 10. 12 Frederick Copleton, A History of Philosophy (Westminster, Maryland, The Newman Press, 1946), I, 1969. 13- Ibid., I, 242. 13 Ibid, I, 242. 14 Ibid, II, 33. 15 Citado por Miguel de Unamuno. Del sentimiento trágico de la vida (Buenos Aires, Editorial Losada, 1964), p. 7. conceitos técnicos e lógicos "é uma síntese peculiar do hebraísmo e do espírito da filosofia grega ”. A presença do espírito da filosofia grega iniciou-se na mesma época quando o cristianismo estava introduzindo-se no mundo grego-romano, pois seus melhores pensadores procuraram expor o cristianismo de maneira compreensível para os pensadores dessa cultura, e desta forma, inevitavelmente, incorporaram os conceitos da filosofia grega. Os teólogos modernos também consideraram indispensável o uso dos sistemas filosóficos mais importantes de sua época.16 Do ponto de vista católico, Johannes Feiner e Magnus Lohrer dizem que a teologia deve considerarse como um ato e em razão de um objeto. Como ato, ou atividade humana determinada, se define com a expressão clássica: intelectus fidei. A teologia é conhecimento da fé, com o que ainda não é expresso o conhecimento científico da teologia que somente se caracteriza quando se leva a cabo a reflexão teológica “com método, crítica, utilizando todos os meios de que dispõe o pensamento humano”. Portanto, a teologia científica é “a reflexão metódica e crítica de tudo o que se propõe no kerigma da igreja e se aceita no ato de fé no qual o homem se submete à palavra de Deus ”.17 A teologia, em razão de seu objetivo, deve ser entendida como um estudo acerca de Deus, pois "o objeto central da teologia é Deus". 18 A presença da filosofia na forma de expressar o pensamento teológico do teólogo católico também é comprovada nos teólogos protestantes. Assim Henri Bouillard professor de teologia dogmática no Instituto Católico de Paris, explicou num congresso de teólogos sistemáticos e exegetas que os grandes teólogos do passado admitiram que a reflexão teológica "implicava, inevitavelmente, um pensamento filosófico, configurado na escola dos grandes filósofos" Há 40 anos essa filosofia era escolástica. Depois "a maioria compreendeu que somente uma filosofia viva pode ajudar-nos a interpretar por nossa conta a mensagem evangélica e tem recorrido à filosofia contemporânea. Isto não significa, em absoluto, um abandono das filosofias do passado”. 19 Os teólogos adventistas desenvolveram sua reflexão teológica à margem dos sistemas filosóficos e de maneira especial seguiram uma linha que os separa de tais sistemas. Esta posição não representa uma atitude isolada. As duas tendências reflexionar a teologia desde a estrutura de um sistema filosófico e fazê- lo sem o concurso de tal sistema - acham-se em conflito através de toda a história. Alguns nomes podem ser citados como participantes deste conflito. Estiveram a favor da união da teologia e filosofia Clemente (c.150 - c215), Orígenes de Alexandria (c. 185 - c. 254), Tomás de Aquino (c. 1225 - c. 1274) e muitos dos escolásticos medievais. No lado contrário estiveram Tertuliano (150? - 225?), Lutero (1483 - 1546) e Calvino (1509 -1564).20 Divisões da teologia A reflexão teológica é muito ampla e tem exigido uma classificação em seus assuntos. O modo de classificar os temas teológicos tem tido pequenas variações entre a teologia católica e a teologia protestante. Os teólogos protestantes dividiram a teologia nas seguintes áreas: teologia 16 Van A. Harvey, A Handbook of Theological Terms (New York: The McMillan Co., 1968), pp. 239-240. 17 Johannes Feiner y Magnus Lohrer, Mysterium Salutis (Madrid, Ediciones Cristiandad, 1969), I, Tomo I, pp. 27-29. 18- Ibid., I, P. 30. 18 Ibid, 30. 19 Henri Bouillard, "Exégesis, hermenéutica Y teología, Problemas de método': Exégesis y Hermenéutica (Madrid, Ediciones Cristiandad, 1976), p. 217. 20 Harvey, Handbook, P. 240. 21- Ibid., PP• 240-241. histórica, teologia sistemática, ética cristã, teologia prática e teologia bíblica, a qual agregaram a teologia apologética, que recentemente recebeu o nome de teologia filosófica, cujo propósito e demonstrar a validade da fé cristã e que geralmente se dirige a públicos não cristãos.21 Os teólogos católicos dividem a teologia em três grupos de disciplinas teológicas: Um histórícobíblico, outro sistemático e outro prático. As disciplinas históricas incluem o que chamam ciências bíblicas - formação do cânon, introdução à Bíblia, exegese, teologia - e a história da igreja. As disciplinas sistemáticas são a teologia dogmática e mística, e a teologia moral e ascética. Finalmente entre as disciplinas práticas estão a liturgia, o direito canônico e a teologia pastoral. Como os teólogos protestantes, os católicos colocam como disciplina prévia a todas as anteriores a chamada teologia fundamental (apologética) que se ocupa em demonstrar a factibilidade da revelação.22 Em último lugar devemos apresentar a divisão da teologia que adota o Seminário Teológico Adventista Latino-Americano. Este Seminário divide a teologia em três partes: bíblica, teológicohistórica e pastoral (prática). Na área bíblica inclui formação do cânon, introdução à Bíblia, estudo particular de cada um dos livros da Bíblia, línguas bíblicas e teologia bíblica. Na área teológicahistórica estão compreendidas a história da igreja cristã, a história da igreja adventista, ciência e religião, o dom profético na igreja e a teologia sistemática. Na área pastoral estudam-se a missão da igreja, culto e adoração, psicologia pastoral, métodos de evangelização, instrução pastoral e administração de igrejas e distritos pastorais, crescimento da igreja, etc. Devemos chamar a atenção ao fato de que este enfoque adventista da teologia coloca a teologia bíblica numa área independente, embora esta apareça incluída nas disciplinas históricas na classificação católica, como também na classificação protestante, pois Harvey disse que "a teologia bíblica pode ser considerada num sentido como um tipo de teologia histórica”.23 A razão para esta divergência está no fato de que a igreja adventista coloca muito mais ênfase na teologia bíblica do que na teologia sistemática (dogmática). Outra diferença está na classificação da teologia sistemática que, no enfoque adventista, aparece formando parte da área teológico-histórica. A igreja adventista não tem desenvolvido uma teologia sistemática e o estudo que realiza dela é melhor do ponto de vista histórico. Analisa as doutrinas como foram expostas através da história da igreja e como estas são refletidas nos teólogos não adventistas. Não expõe suas doutrinas de maneira teológica, mas sim em forma bíblica. Estas diferenças que aparecem no modo adventista de dividir a teologia devem ser entendidas sobre a base das diferenças existentes entre as teologias católica, protestante e adventista, no que se refere às pressuposições, à metodologia e aos objetivos da prática teológica. É bastante evidente que o modo da prática teológica não influi somente na classificação da teologia, mas em seus próprios conteúdos. Os teólogos contemporâneos, como claramente expressa Robert McAfee Brown, professor do Union Theological Seminary of New York, estão considerando a prática teológica como um processo intérmino, corporativo, autocorretivo e de compromisso vivencial, isto é, praticar a teologia com a vida e com a mente, pensá- la e executá- la. Este é um conceito mais dinâmico, se bem que encerra elementos negativos com o fato de transformar-se num "processo conflitivo" e variável, pois se modificará “como as próprias condições mudam”.24 Esta 21 Ibid, 240-241. 22 Michael Schmaus, Teología Dogmática (Madrid, Ediciones Rialp, 1963), I, 75- 23 Harvey, Handbook, p. 241. 77). 24 Robert McAfee Brown, "A preface and conclusion:' Theology in the Americas (Maryknoll, N. Y. Orbis Books, 1976), pp. IX-XXVIII, citas de pp. XI, XII. dinâmica da vida com a reflexão devem estar juntas na teologia adventista, se bem que o teólogo adventista deve cuidar para que sua prática teológica, como também as conclusões de Sua reflexão teológica, não estejam condicionadas pelas variações de seu ambiente, sejam estas culturais ou filosóficas. Os fundamentos de sua reflexão devem estar na Sagrada Escritura e ela deve prover o conteúdo e os objetivos da prática teológica. Por esta razão todo o processo deve ser dinâmico e desenvolvido dentro da ação missionária na qual encontra sua máxima motivação. A antropologia teológica, tanto na teologia católica como na teologia protestante, pertence é área da teologia sistemática ou teologia dogmática. O teólogo adventista, entretanto, estuda a doutrina do homem como uma parte da teologia bíblica e, portanto, reflexiona e estuda com o objetivo de "aceitar com fé o conceito do ser humano esboçado pelo próprio Deus”. 25 O objetivo tradicional da antropologia teológica tem sido, como expressou W. Gutbrod em seu livro Die Pauliniche Anthropologie (1934), determinar "o que o homem é, em sua relação com Deus; ou melhor, na auto-relação de Deus como homem:' que G. C. Berkouwer compila em seu livro Man: The Image of God (1962). Noutra linha de pensamento se expõe à antropologia teológica mudando a ênfase que a definição anterior coloca em Deus, para colocá- la no homem. Assim Karl Rahne r,26 seguindo a B. Welte,27 afirma que o homem, por ser “a possível alteridade de Deus", nunca pode estar ausente de qualquer teologia porque "nada se pode dizer de Deus sem que, ao mesmo tempo, exista uma referência ao homem. Daí ser a antropologia o lugar que abrange toda a teologia”. 28 Esta ênfase no homem como sujeito central da teologia e a teologia vista como um processo corporativo, entre outras idéias, tem produzido no século XX um novo humanismo e um diálogo interdisciplinar que desenvolveremos a seguir.29 O novo humanismo do século XX A antropologia teológica do século XX pode ser exposta de maneira simples e podemos dividi- la em duas partes: clássica e humanista. A antropologia clássica desenvolve-se durante a primeira metade do século e tem como cenário a desumana atitude do homem revelada nas duas grandes guerras mundiais. Esta antropologia expõe o pecado e a miséria do homem. Assim foi expressado na Conferência de Oxford sobre a Igreja, a comunidade e o Estado, realizada em 1937. Num dos volumes que continha os estudos preparatórios da conferência, que incluía artigos de vários autores, intitulado A compreensão cristã do homem, os autores neo-ortodoxos insistiam em temas como o pecado e a culpabilidade. De sua parte os escritores mais liberais corrigiam o otimismo excessivo de suas tradições teológicas. Na segunda metade do século esta tendência modificou-se, com a qual foi dado lugar à antropologia humanista que exalta a dignidade do homem. Tal atitude aparece claramente na Conferência de Genebra, por ocasião do Concílio Mundial de Igrejas celebrado sob o 25 L. Scheffczyk, Ohomem, p. 21. 26 Karl Rahner, Oyene de la Palabra (Barcelona, 1967); "Anthropologie theologische': LThK 1 (1957), 618-627. 27 B. Welte, Heilsverstandnis (Friburgo de Br., 1966). 28 Karl Rahner, "Fundamentación general de la protologia y de la antropología teológica': Mysterium Salutis (Madrid, Ediciones Cristiandad, 1969), II, Tomo I, pp. 453468, la cita este p. 454. 29 Brown, Theology, p. XI: "El processo es um processo corporativo. Contribuiciones vendran de muchas fuentes y de muchas disciplinas”. tema "Os cristãos na revolução técnica e social de nosso tempo”. Duas palavras se destacam no relatório desta Conferência: humanismo e humanização. A palavra humanismo tem estado presente na teologia cristã desde a Renascença (século XVI): expressava o redescobrimento do humano e os valores culturais do mundo antigo. Posteriormente um significado mais radical em que se expunha a importância do homem em lugar de Deus. Apesar de alguns teólogos expressarem suas posições contrárias a esta ênfase, depois de 1966 as vozes de exaltação do humano se fizeram cada vez mais audíveis até chegar ao ponto de declarar: "O humano é a medida de todas as coisas porque Deus chegou a ser humano em Jesus Cristo”. 30 Deste modo o novo humanismo estava entronizado na teologia cristã ocidental.31 As duas tendências que se observam na antropologia do século XX, ou seja, a clássica e a humanista como Roger L. Shinn as denomina, têm estado em conflito através de toda a história da teologia cristã. Paul Tillich vê este conflito como o drama da incorporação do humanismo ao cristianismo.32 Outro aspecto deste conflito está representando pelos teólogos que procuram unir os elementos contraditórios da antropologia clássica com a humanista que, certamente, favorece mais ao humanismo do que a posição contrária. Entre os teólogos humanistas do século XX podemos mencionar os seguintes: Karl Barth, que iniciou sua teologia expondo a corrupção do homem e com base na livre graça de Deus e a humanidade de Deus, adotou uma posição humanista,33 que Ihe permitiu declarar: "A mensagem cristã é uma mensagem do humanismo de Deus”.34 Dietrich Bonhoeffer sintetiza suas idéias humanistas em duas frases: "Ser um homem" e "o homem para os outros': Nós poderíamos dizer: Ser um homem é ser um cristão, entretanto, Bonhoeffer inverte a frase e diz: "Ser um cristão não significa ser religioso de um modo particular, mas ser um homem': E continua: "um homem, simplesmente”. 35 A frase: "O homem para os outros" reflete nossa relação com Deus por meio de Cristo, que é "uma nova vida para os outros através da participação do ser de Deus.36 Rinhold Niebuhr, definido como o crítico teológico do humanismo e o crítico humanista da teologia, para chegar a ser chefe da revolução teológica norte-americana, realizou uma síntese de várias correntes de pensamento: do evangelho social extraiu sua preocupação pela justiça na América industrial, do marxismo tomou as estruturas do poder social e as influências do esquema social sobre o pensamento com a unidade, na qual os homens se movem pelo amor e estão contagiados pelo pecado, e finalmente com Soren Kierkegaard descobriu a liberdade, a ansiedade e o pecado do 30 30 - Yoshiaki Iisaka, citado por Z. K. Mattews, Responsible Government in a Revolutionary Age (Londres, Association Press, 1966), p. 336. 31 Roger Shinn, Man: the New Humanism (Philadelphia, The Westminster Press, 1968), pp. 19-25. 32 Paul Tillich, Perspectives on 19th and 20th Century Proteslant Theology (NaY York, Haper and Row, Publishers, Inc., 1967), P. 5. 33 Karl Barth, The Humanity of God (John Knox Press, 1960), pp. 46-51. 34 - Karl Barth, "The Christian Message and the New Humanism': Smith ed., (Philosophical Library, Inc., 1954), pp. 183-201 34 35 Dietrich Bonhoeffer, Prisonerfor God (New York, The McTvlillan Co., 1954), pp. 166-168. 36 -Ibid., p. 179. 36 Ibid, 179. homem individual.37 Com estas idéias produziu seus livros, The Nature and Destiny of Man (1941), Moral Man and Immoral Society (1960) e Man's Nature and his communities (1965). Todos estes teólogos têm elementos em comum: colocam a Cristo como o centro de sua reflexão teológica, porem têm a tendência de minimizar conceitos como a queda do homem no pecado e desenvolvem uma atitude otimista em relação com a bondade do homem. Parece um verdadeiro contra-senso, entretanto, esta última parte do século XX caracteriza-se por uma grande ênfase na pessoa de Cristo e por outro lado exalta o ser humano em suas capacidades terrenas e em sua situação imanente. O novo humanismo tem dado ao homem moderno, em todas as suas disciplinas de estudo, o que Roger Mehl, filósofo francês, designa como "uma obsessão com o homem”. 38 Tal obsessão conduziu a teologia em direção ao secularismo, ao conceito da morte de Deus, ao compromisso político e a uma atitude contestadora contra tudo o que foi estabelecido, inclusive as igrejas, às quais os teólogos pertencem. Não é estranho então, que, durante este século se tenham feito mais claramente conscientes a escassez de identidade de dependência. O homem, aberto à cultura e ao terrenal, sem conexão direta com um Deus transcendente, portanto sem fé, tem ficado sozinho e em sua solidão não pode responder acertadamente à pergunta: que é o homem? embora os teólogos tenham procurado encontrar tal resposta numa investigação interdisciplinar. O diálogo interdisciplinar Os teólogos foram levados a um diálogo interdisciplinar pelo fato de a teologia haver-se concentrado no humanismo e este está interessado em todos os aspectos da experiência humana. O líder deste diálogo foi Paul Tillich, que realiza suas investigações teológicas tomando como fontes de investigação todos os aspectos da experiência humana, as quais interpreta à luz de um esquema extraído das Escrituras.39 O diálogo da teologia com as outras disciplinas do conhecimento humano pode ser feito de duas maneiras: com atitude crítica ou com a atitude de evitar toda controvérsia ignorando os elementos contraditórios. A segunda atitude é prejudicial tanto para a teologia como para a disciplinar com a qual esta entra em diálogo, porém o resultado especialmente prejudicial é o fato de que este diálogo seja louvado a cabo sem a presença da revelação que sirva como moderadora e como autoridade para determinar as conclusões. Entre as muitas disciplinas com as quais a antropologia tem mantido um diálogo, encontram-se a filosofia, e dentro dela, particularmente, o existencialismo também com as ciências biológicas, as ciências sociais, a psicologia e especificamente com uma doutrina que possui elementos das ciências sociais, as ciências biológicas, a filosofia e alguns outros como o marxismo. Diálogo com a filosofia: existencialismo: de todas as filosofias contemporâneas, a que expressa preocupações mais definidas em relação com o ho mem é o existencialismo. Por outro lado pode-se dizer também que a filosofia que mais tem influenciado na antropologia teológica do século XX é o existencialismo. Embora seu fundador, Soren Kierkegaard, pertença ao século XIX - morreu em 1855 - influi poderosamente nos pensadores do século XX. Segundo Kierkegaard, o maior problema que enfrenta o homem é sua própria alienação, que surge das destruídas relações do homem consigo mesmo. Sugere que a solução para esta alienação se encontra na reintegração do próprio eu, a qual deve surgir como resultado de uma fé religiosa. Ele pergunta: "Que é então o 37 R. Shinn, Man, pp. 41-42. 38 Roger Mehl, Images oflian (New York, John Knox Press, 1965), p. 5. 39 Paul Tillich, EI corage de existir (Barcelona, Estela, 1968). eterno poder no homem? É a fé. Qual é a expectativa da fé? Vitória”. 40 Deste ponto de partida, o existencialismo desenvolvido por Karl Jasper, Jean-Paul Sartre e Martin Hidegger contribui com três elementos principais para a antropologia teológica: a liberdade individual, a experiência interior e a ação na esfera política. Segundo Jean-Paul, ao homem corresponde uma liberdade absoluta com a qual chega a ser independente de toda ordem, de toda lei e de todo objetivo. É um ser completamente entregue a si mesmo e às suas decisões. O homem deve sair de seu ambiente conformista e exercer sua própria liberdade em decisões responsáveis. Na luta por manter sua liberdade pessoal, o homem enfrenta muitos inimigos: a tecnologia, a organização em qualquer esfera que tenha o propósito de usar as pessoas,a moral utilitária,a autoridade externa, a comunicação em massa e o conceito em si de objetividade.41 O que é que o homem consegue realmente com esta liberdade? O próprio Sartre reconhece que esta liberdade priva o homem de toda base sobre a qual pretende construir suas ações e portanto nenhuma ação pode ser boa, mas apenas uma dádiva cruel que o condena à liberdade como uma maldição. O homem não é uma realidade completa. É somente sua própria possibilidade, é apenas um projeto de si mesmo.42 A experiência interior é algo ao qual o existencialismo concede muito valor. Martin Heidegger, embora não desenvolva uma filosofia sobre o homem, senão sobre o ser, indica que o homem deve ir em direção a si mesmo e se encontrará a si mesmo nas profundidades de sua própria existência.43 Resultado: o homem cultiva sua própria ansiedade e a magnífica. Sofre. Converte-se numa permanente ferida aberta ao mundo cujo destino é a morte. Que é tudo isto? Nada. Por isso Heidegger define ao homem como "um ser contido no nada”. 44 A ponte entre o existencialismo e a política é construída por Herbert Marcuse ao considerar que a verdadeira face de nosso tempo é delineada com os conflitos interiores do homem solitário, porém sua história real está na luta titânica da ação política.45 Deste modo ele expõe uma relação íntima entre a temática existencialista e os conteúdos da política. A política não pode atuar somente na vida externa do ho mem, deve também incorporar seu eu interior, pois, do contrário, estaria trabalhando com um homem unilateral. Por outro lado, a pessoa que vive alienada dos outros "é tragada por sua existência alienada".46 O diálogo dos teólogos com esta filosofia pode resumir-se com as seguintes opiniões: Dietrich Bonhoeffer, que se revela plenamente kierkegaardiano, em seu poema intitulado "Q uem sou eu?", escrito na prisão,47 chama a atenção ao fato de que a essência da natureza humana não consiste no 40 Soren Kierkegaard, Ediving Discourses (New York, Harper and brothers, 1958),- p. 16. 41 Jean-Paul Sartre, el ser y la nada (Buenos Aires, Losada, 1967). 42-Scheffczyk, O homem, p. 137. 42 Sheffczyk, O homem, 137. 43 Martin Heidegger, E[ ser y el tiempo (México, Fondo de Cultura Económica, 1951). 44 M. Heidegger, Was ist Metaphysik? (Bonn, 1929), p. 19, citado por L. Scheffczyk, O homem, p. 135. 45 Herbert Marcuse, One Dimensional Man (New York, Bacon Press, Inc., 1961), 46 Ibid., p. 12. 47 D.Bonhoeffer, Prisoner, p. 165. 48 Ibid.,p.lóO. p. 247. conceito unilateral da vida interior, mas sim no homem completo e sua vida total. 48 Harvey Cox, embora oscile entre o elogio e a crítica ao existencialismo, não tem dificuldades em aceitar sua liberdade, porém rejeita sua introversão49. Propicia o surgimento de um homem que é mescla de "santo e revolucionário"50 Na linha da interpretação de Marcuse, alguns teólogos têm recorrido à política em busca de novos conceitos, de um vocabulário mais dinâmico e de um compromisso mais definido para o homem existencial. Diálogo com as ciências biológicas: a biologia descreve ao homem como um organismo vivo. Este organismo vivo encontra-se no presente sob uma forte pressão originada pela revolução biológica que está transformando completamente a biologia tradicional. Alguns de seus elementos que exercem influência na antropologia teológica são os seguintes: efeitos dos produtos químicos, ação dos processos eletrônicos, resultados dos estudos genéticos, etc. Os resultados de investigações sobre a ação de alguns produtos químicos e a memória, já estão sendo utilizados, embora a biologia não tenha podido identificar ainda o tipo de relação existente entre eles. Estão relacionados com isto os estudos da biologia molecular com suas possíveis conclusões que mostram o efeito da química interior do organismo sobre a natureza do homem. As conseqüências eugenéticas deste conhecimento aparecem claras na campanha dos cientistas a favor da "eugenesia positiva", a qual se refere ao aperfeiçoamento da raça humana, em contraste com a "eugenesia negativa" que se refere aos esforços realizados para prevenir a transmissão de enfermidades hereditárias específicas. Estes conhecimentos têm despertado em alguns teólogos o desejo de utilizar métodos genéticos para desenvolver as virtudes espirituais no homem, tais como o amor fratemal, o juízo independente, a valentia moral, etc. Isto é realmente impossível, pois não importa quais sejam as funções eletrônicas ou a química interior do corpo, o homem permanece um ser desconhecido para os cientistas e os teólogos não têm dado a última resposta à pergunta: Que é o homem? Um campo de interação entre a teologia e a biologia é a área dos interrogantes éticos que levantam os novos conhecimentos da biologia. Por exemplo: Têm direito os homens desta geração de imprimir seus ideais nas gerações vindouras por meio de alterações genéticas? De qualquer maneira estes novos conhecimentos, longe de produzir uma clara resposta à pergunta pelo ser do homem, abre uma área repleta de novos problemas que contribuem para expandir as fronteiras do mistério, no qual o homem se encontra submerso quando procura achar as respostas por seus próprios meios. Diálogo com as ciências sociais: Tomaremos três que nos servem como exemplo do diálogo existente entre a antropologia teológica e as ciências sociais: a diversidade e o relativismo das sociedades, o controle do homem e a busca da comunidade. A sociologia moderna estabelece que o indivíduo é um produto de sua cultura, que Ihe confere o idioma, as instituições sociais, o estilo de vida, os hábitos e ainda as respostas emocionais. Julian H. Steward e Dimitri V. Shimkim, num estudo publicado em 1962, mostraram que existe uma enorme diversidade e visível relativismo nos objetivos e maneiras de explicar as diferentes culturas.51 A causa deste e de outros, a antropologia 48 Ibid, 160. 49 Harvey Cox, The Secu[ar City, (New York, The McMillan Co., 1965), p. 252. 50 Harvey Cox, A festa dosfolióes (Petrópolis, Editora Vozes, 1974), p. 6. 50 51 Harvey Cox, A festa dosfolióes (Petrópolis, Editora Vozes, 1974), p. 6. Julian H. Steward, Dimitri B. Shimkin, "Some mechanisms of sociocultural evolution': Hudson Hoagland y Ralph W. Burhow, eds., Evolution and Man's Progress (New York, Comumbia University Press, 1962), p. 67. teológica que se baseava na filosofia de Aristóteles, com seu ensino da unidade do homem, aparece simplesmente ingênua para as ciências sociais. Este diálogo conflitivo deve admitir a existência de elementos comuns a todos os seres humanos e também suas diferenças em estilos de vida nos quais os valores comuns se expressam por diferentes meios. O controle do homem aparece nos estudos das ciências sociais como um resultado das estruturas e os processos que determinam quase todos os aspectos da vida do homem em sociedade. Quem controla as estruturas e os processos pode, praticamente, controlar perfeitamente o homem. Augusto Comte (1798-1875), fundador da sociologia, publicou seu Curso de Filosofia Positiva entre os anos 1830 e 1842, em seis volumes, no qual estabelecia que a humanidade passaria por três estágios de concepção do mundo e da vida: o estágio teológico no qual são dominadas as forças sobrenaturais, divinas e demoníaca, em suas fases fetichista, politeísta e monoteísta. Nesta fase existiria um estado teocrático e de organização militar. O segundo estágio é metafísico e apenas representa a passagem do primeiro para o terceiro, portanto, é de desorganização social e espiritual. O terceiro é o estágio positivo que se rege pelas leis científicas. O poder material pertence aos industriais e o poder espiritual aos sábios. A ambos corresponde reorganizar e dirigir a sociedade. Segundo Comte, o terceiro estágio iniciou-se em seus próprios dias, portanto, o século XX pertence ao estágio positivo que se rege por leis e no qual o homem está livre de controle coercitivo. Esta idéia, entretanto, na opinião de Albert Salomon, expressada em seu livro A tirania do progresso publicado em 1955, foi substituída pelos herdeiros de Comte, ao adotarem uma teoria coercitiva, mediante a qual se estabelecia que uma elite manipula o controle da sociedade para benefício do progresso. Esta tendência ao controle do homem, nas predições que Donald N. Michael faz em seu livro The Next Generation, 52 publicado em 1965, aumentará. As causas desta tendência serão a tecnologia médica, a estruturação e a racionalização da sociedade. Segundo Michael, no entanto, todos os homens submeter-se-ão a este controle, pois haverá opiniões claramente expressadas no sentido de que "o homem é infinitamente mais que um objeto manipulável”.52 A manipulação do homem vai produzindo nele um sentimento de objeto útil, porém isento de dignidade. Este tratamento Ihe faz sentir mais intensamente sua necessidade de comunicação e de relação com os outros seres humanos e o impulsiona à busca de uma comunidade. A busca de comunidade tem-se manifestado de muitas maneiras e um exemplo bem específico é o ocorrido com a publicação do livro Gemeinschaft und Gesellschaft (Comunidade e sociedade) de Ferdinand Tonnies, publicado pela primeira vez em 1887. Nessa época não produziu nenhum impacto, no entanto, em anos mais recentes, o movimento da juventude alemã aceitou seu conteúdo e já foram realizadas oito edições. A oitava edição foi publicada em Darmastadt em 1963. Nesse livro, Tonnies faz uma diferença entre sociedade e comunidade. A sociedade apresenta uma convivência humana mecânica, passageira e aparente. A comunidade, em troca, apresenta uma convivência autêntica e duradoura. O que resta como resultado deste diálogo entre a antropologia teológica e as ciências sociais? Não muito. Ralf Dahrendorf publicou um livro intitulado Homo Sociologycus, cuja primeira edição de uma série de sete, apareceu em 1960 e a sétima foi publicada em Koln no ano de 1968. Ele considera que a sociologia e as ciências sociais estudam somente uma parte do homem, partindo de uma problemática determinada. Portanto, tudo o que se chega a conhecer do homem num diálogo interdisciplinar com as ciências sociais é uma série de propriedades ou atributos que o homem tem e um específico número de posições que ele ocupa na sociedade. O homem, contudo, fica oculto à compreensão de quem o estuda. Diálogo com a psicologia: Este diálogo começa com o fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), neurologista e psiquiatra austríaco. Desde 52 Donald N. Michael, The Next Generation (New York, Random House, Inc., 1965), P. 164. 1895, quando Freud publicou seus Estudos sobre a história, até 1938, quando publicou seu livro Esboço da psicanálise, e 1939, com a publicação de seu livro Moisés e a religião monoteísta. Freud expressou seu pensamento em muitas publicações. Suas idéias criaram alguns conflitos para a antropologia teológica. Assinalaremos algumas destas idéias como ilustrações destes conflitos. Freud refutou a crença em Deus dizendo que ela é somente uma projeção dos temores e dos desejos inconscientes do homem. Assinalou a existência de uma religião neurótica. Indicou que a liberdade humana não existe, pois os atos dos homens são o resultado de impulsos cegos ou mecanismos produzidos nele por experiências da infância. Refutou a idéia de que o homem é um ser racional, pois segundo ele, muitas vezes, a poderosa razão é simplesmente uma escrava dos instintos irracionais. Por outro lado, entretanto, Freud deu uma boa contribuição à antropologia teológica, pois assinalou claramente que o homem deve ser considerado como um ser indivisível e rejeitou o dualismo da mente e o corpo. Neste sentido acerca-se mais do conceito bíblico do homem, embora não resolva biblicamente os problemas expostos anteriormente. Os teólogos partidários do novo humanismo encontram elementos comuns neste tipo de psicologia, tais como: a preocupação pelos valores humanos e a auto-realização do homem, a luta contra as autoridades externas impostas sobre o homem, e sua posição de critica contra a sociedade contemporânea. Há entretanto algumas áreas de difícil integração entre esta psicologia e a antropologia teológica. Os teólogos existencialistas, com base em seu firme conceito estabelecido de liberdade humana, rejeitam as tendências mecânicas que descobrem na psicologia. Outros estudiosos têm dificuldades com a psicologia da moralidade, especialmente aquela que descreve o indivíduo em conflito com a sociedade e ainda consigo mesmo, por causa de que a característica fundamental do homem estaria não no fato de ser um ente criado à imagem de Deus que está perdendo esta imagem, mas que a estaria perdendo por causa de sua natureza caída. O maior problema com a psicologia do século XX não está nos descobrimentos científicos realizados acerca do homem e sua personalidade, mas muito mais no sistema filosófico com o qual se estruturam e se explicam estes dados acerca do homem. Uma separação de descobrimentos científicos e idéias filosóficas é indispensável para identificar os erros que a psicologia moderna tem acerca do homem. Diálogo com o marxismo: Karl Marx (1818-1883) elaborou seus conceitos acerca da natureza humana partindo da idéia de que o homem, como homem, é uma entidade identificável e verificável, em cuja definição devem ser incluídos seus aspectos anatômicos, fisiológicos e psicológicos. Segundo um estudo de Erich Fromm,53 para Marx, o homem é a matéria-prima humana que não pode ser modificada em si. Entretanto, o homem como indivíduo modifica-se no curso da história. Desenvolve-se. Transforma-se. É o produto da história. O homem faz a história e é o produto de seu próprio feito. O homem é aquilo que ele fez de si mesmo e a história é o registro da auto-realização do homem. O homem não é um ser passivo. É ativo e produtivo. Compreende e controla o mundo objetivo com suas próprias fa culdades. O diálogo entre os teólogos do novo humanismo e o marxismo é produzido tomando como base os seguintes elementos que Ihe são comuns: (1) A idéia de que o homem é produtor e ao mesmo tempo produto de seu próprio trabalho. Conforme isto, a essência do homem baseia-se em seu próprio trabalho e o homem chega a ser aquilo que ele faz de si mesmo. Portanto, se atua retamente será reto, porém se atua de maneira desumana, será desumano.54 Traduzindo estes conceitos em linguagem teológica diríamos que o homem alcança a perfeição por suas próprias obras, o que, do ponto de vista do evangelho, é absolutamente impossível. A razão é simples: o ser do homem não depende do que faz, mas suas obras dependem do que ele é. Se o home m é bom suas obras serão boas, porém se é mau nunca poderá produzir boas obras, do mesmo modo como a árvore má não pode produzir bons frutos. 53 Erich Fromm, Conceito marxista do homem (Rio de Janeiro, Zahar editores, 1975), pp. 34, 35. 54 J. Moltmann, EI hombre, p. 74. (2) A alienação. Com este conceito descreve-se o homem quando não experimenta uma vivência como um agente ativo que controla o mundo, mas que atua de uma maneira passiva e receptiva, como se o sujeito estivesse separado do objeto.55 Segundo Marx, o processo de alienação manifesta-se no trabalho e na sua divisão. Por meio do trabalho o homem relaciona-se ativamente com a natureza. Entretanto, na expansão da propriedade privada e na divisão do trabalho este perde sua capacidade de expressar o poder do homem e, colocando-se fora dele como uma espécie de existência separada do homem alheia à sua vontade e desconectada de sua apresentação, torna-se uma força independente cujo produto o domina. O homem fica então "num estado de dependência dos produtos de seu trabalho", mediante o qual o homem - aquele que controla os produtos do trabalho - exerce domínio sobre o homem.56 Segundo Marx, em nossa sociedade estão alienados os homens de todas as classes sociais. Porém há uma classe que está totalmente alienada: o proletariado. Erich Fromm disse que o conceito de alienação equivale ao conceito de pecado, na linguagem religiosa, que ele define como "renúncia do homem a si mesmo”. 57 Se isto realmente fosse assim, não deveria considerar-se apenas o proletariado como completamente alienado: Toda a raça humana deveria ser igualmente considerada nesta situação, porque "todos os homens pecaram" (3)0 conceito de totalidade. Com sua idéia de homem total, Marx expressa exatamente o oposto ao que se refere com o conceito de alienação.58 Em conseqüência, o homem total, para Marx, é ativo. Apartando-se da forma em que os clássicos entenderam este ideal da humanidade - no sentido de romantismo social - deu ao homem total uma ação revolucionária e um dever de crítica à sociedade. Este homem completamente humano, que supera o capitalismo e a sociedade industrial, deve constituir a sociedade universalmente humana, que Marx chama comunista. Tal homem é uma utopia e "veio a ser para muitos uma proposta impossível”, 59 porque, segundo o próprio Marx, baseado na sua consideração naturalista e mecânica da história, o homem deve ser explicado "a partir de baixo", isto é, "como produto de circunstâncias externas econômicas''60 Nos conceitos de auto-realização, alienação e totalidade do homem encontram-se facilmente os teólogos do novo humanismo e os ideólogos marxistas, especialmente quando os teólogos fazem-se progressistas e quando os marxistas tornam-se liberais, como bem o expressa R. Spaemann. 61 Esta união surge do descobrimento das idéias do "jovem Marx': incorporadas à teologia política que, segundo E. Gassler, é um sincretismo da filosofia neomarxista que quer descobrir "o ateísmo no cristianismo"62 e da teologia humanista que quer descobrir o cristianismo autêntico no ateísmo. 55 E. Fromm, Conceito Marxista, p. 50 56 L. Scheffczyk, O homem, p. 128. 57 - E. Fromm, Conceito marxista, p. 52. 58-5. Moltmann, El hombre, p. 78. 57 E. Fromm, Conceito marxista, p. 52. 58-5. Moltmann, El hombre, p. 78. 58 J. Moltmann, El hombre, p. 78. 59 Ibid., p. 121. 60 L. Scheffczyk, O homem, p. 127. 61 R. Spaemann, "Theologie, Prophetie, Politik: Zur Krit der Polistschen Theologie': Wort und Wahrheit 24 (1969) 487-488. 62 E. Gassler, "Die Politische herausforderung an die Biblische Thoelogiel' Evangelische Theologie 30 (1970), p. 242. Entre os primeiros podemos mencionar a Roger Garaudy63 e Ernest Bloch. Entre os segundos, a Johann Baptist Metz e Jurgen Moltmann. 64 Um dos primeiros teólogos que entrou em diálogo com o marxismo foi Karl Barth. Considerou que o cristianismo e o marxismo têm a mesma finalidade, isto é, a construção de uma nova sociedade que os cristãos chamam Reino de Deus e os marxistas, sociedade comunista. Devido a isto, seu discípulo Helmut Gollwitzer declara: "Como Barth não pode compreender o evangelho sem influência sobre a vida, isto é, sem ética, do mesmo modo não podia compreendê- lo sem inclinações ao socialismo”. 65 Já antes da Segunda Guerra Mundial Barth tinha muitos seguidores entre os teólogos protestantes e posteriormente ocorreu o mesmo entre os teólogos católicos. Devemos mencionar dois teólogos checoslovacos que seguiram a linha protestante de "teologia dialética" exposta por Karl Barth: Josep Hromadka, cujo livro El evangelio para los ateos, foi publicado em tradução castelhana no ano de 1970, em Montevidéo, e Milovan Machovec, que escreveu um livro intitulado Marxismo e teologia dialética, cuja tradução alemã foi publicada na cidade de Friburgo, no ano de 1971. Estes teólogos desenvolvem seu pensamento do ponto de vista ético em contraste com os de Barth, que são estritamente teológicos. No ano de 1959 Ernest Bloch publicou sua obra intitulada O princípio da esperança.66 Era o primeiro passo marxista em direção aos teólogos cristãos, assim como Barth representou o primeiro passo cristão em direção ao marxismo.67 Ambos prepararam o caminho para a teologia de Jurgen Moltmann, exposta em seu livro Teologia da esperança, publicado pela primeira vez em 1964.68 Neste livro unem-se a teologia de Barth sobre o reino de Deus e os conceitos da esperança humana de Bloch.69 Argumenta, dentro da área da escatologia, cujo conceito tradicional - doutrina das últimas coisas Moltmann modifica para entender por meio dela a "doutrina acerca da esperança cristã", segundo a qual a escatologia abrange toda a história do cristianismo, pois este é "esperança, alvo e orientação para o futuro, e é também por isso mesmo abertura e transformação do 63 Roger Garaudy, From Anthema to Dialogue: A Marxist Challenge to the Christian Churches (Herder and Herder, 1966). 64 Marcel Xhaufflaire, La teologla polr'tica (Salamanca, Ediciones Sígueme, 1974), p. 115. 65 Citado por Miguel Poradowski, El marxismo invade la iglesia (Valparaíso, Ediciones Universitarias de Valparaiso, 1974), p. 23. 66 Ernst Bloch, Das Prinzip Hoffnung (Suhr Kamp, 1959). 67 Numa consideraçáo sobre sua obra dos anos 1948 e 1958, Karl Barth, referindo-se ao comunismo disse: "Parece-me que o anticomunismo como princípio é um mal ainda maior que o comunismo em sil' Citado por Boniface Willems, Karl Barth, an Ecumenical Approach to His Theology (Glen Roch, Paulist Press, 1965), p. 55. 68 Jurgen Moltmann, Theologie der Hoffnung (Munche, Ch. Kaiser Verlag, 1964). Existe traduçáo castelhana: Teologia de la esperanza (Salamanca, Sígueme, 1966). 69 J. Moltmann, "'Das Prinzip Hoffnung' en die 'Theologie der Hoffnung": Evangelische Theologie 23 (1963) 537-557, estabelece a relaçáo entre "el principio de la esperanza" de Bloch y la "teologia de la esperanza" de Moltmann. presente”. 70 O dinamismo desta esperança essencialmente terrena faz com que o homem também se torne dinâmico no compromisso de modificar a vida historicamente: seu aspecto social, suas instituições públicas e o mundo em geral.71 O seguinte passo no diálogo da teologia com o marxismo e produzido na área da teologia católica, entretanto, não parte dos teólogos. Foi a editora católica Herder & Herder que aproximou os teólogos com os escritores marxistas. Em 1966 publicou: primeiro um livro do marxista- leninista, membro do Partido Comunista Francês, Roger Garaudy, intitulado Do anátema ao diálogo: um desafio marxista às igrejas cristãs. Este livro foi publicado nos Estados Unidos. Posteriormente, porém no mesmo ano, a editora Herder & Herder publicou também um livro do católico canadense Leslie Dewart, intitulado O futuro da fé: teísmo em um mundo maior de idade. No tempo em que se publicavam estes livros Garaudy visitou os E.U.A. para dar uma série de conferências patrocinado por organizações católicas, o que era completamente novo nas atitudes dos católico, pois Garaudy era membro do Comitê Central do Partido Comunista Francês. Nestas conferências Garaudy convidava os cristãos a entrar em diálogo com os marxistas, pois assim colaborando poderiam juntos construir a sociedade ideal do futuro. Uma de suas conferências intitulava-se "Comunistas e cristãos em diálogo"72 No ano de 1968 aparece o primeiro trabalho teológico católico importante neste diálogo. Trata-se do livro Teologia do mundo, de Johann Baptist Metz, professor de teologia fundamental na Universidade de Munster (Alemanha) com o qual nasce a teologia política.73 No ano seguinte (1969)0 comunista suíço Konrad Farner publica um estranho estudo teológico que se intitulou Teologia do comunismo?74 Farner75 chega à conclusão de que o porvir do homem não pode ser edificado contra os crentes nem sem sua participação, do mesmo modo que tampouco pode ser construído contra o marxismo ou sem sua ajuda. Declara que o comunismo "não é nenhuma alternativa frente ao cristianismo, mas uma possibilidade e talvez a única possibilidade”. 76 Vai mais longe ainda, ao dizer: "Sem comunismo não haverá no futuro nenhum cristianismo”.77 O diálogo dos teólogos cristãos - católicos e protestantes - com os ideólogos marxistas está firmemente estabelecido. Não é baseado num simples idealismo social dos teólogos cristãs, mas, como o expressa Garaudy, na idéia comum de um homem livre, capacitado para arriscar-se e para tomar decisões, destinado a entrar num novo futuro completamente alheio ao seu passado. É o campo da antropologia teológica com os conceitos do novo humanismo onde se iniciam os diálogos 70 J. Moltmann, Teología, p. 20. 71 Ibid., p. 245. 72 Veja-se a conferência de Roger Garaudy, "Comunists and Christians in Dia logue:' Union Seminary Quarfely Review 22 (1966) 205-212, 73 Johann Baptist Metz,Theologie der Welt (Mains, Mathias Grunewald, 1968). Existe traduçáo castelhana: Teolog/a del mundo (Salamanca, Sígueme, 1970). 74 Konrad Farner, Theologie des Kommunismus? (Frankfurt; Stimme, 1969). 75 Ibid.. o. 190. 76 Ibid., p. 184. 77 -Ibid., p. 8. 77 Ibid., p. 8. do cristianismo com o marxismo e será nesse mesmo campo onde este diálogo se desenvolverá até amadurecer plenamente na teologia da libertação e estruturada pelos teólogos sul-americanos.78 Participam na teologia da libertação tanto teólogos católicos - Juan Luis Segundo, Hugo Assman, Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, 79 - COmO teólogos protestantes: Rubén Alves, Emilio Castro, José Míguez Bonino, Richard Shaull.80 Esta teologia busca uma interpretação da realidade que vive hoje a América Latina, cujas características são identificadas como uma tomada de consciência que o povo faz de sua situação de dependência e opressão, um anelo à liberação dessa dependência, um compromisso crescente para alcançar a liberação e uma atitude histórica assumida pela igreja católica por ocasião da reunião do CELAM - Conselho Episcopal Latino-Americano - realizada em Medellin em 1968.81 Esta teologia considera o homem como um ser total, composto de matéria e espírito. Porém este homem total não consegue ser plena totalidade até que não se inclua nele sua dimensão social. Contudo ele encontrase numa sociedade pecadora. O pecado é social e estrutural: ausência de fraternidade, ruptura da amizade com os homens e, como conseqüência, divisão interior da pessoa. O homem, o mesmo que o homem marxista, é ativo. Deve lutar contra estes pecados e transformar a sociedade. A transformação da sociedade Impõe um revolução. Com esta produz-se a união da teologia da libertação com a teologia da revolução. Os conceitos sul-americanos da teologia da revolução foram colhidos por Giuseppe Vaccari em seu volumoso livro intitulado Teologia da revolução, publicado primeiro em italiano em 1969 e depois em francês em 1971.82 Esta revolução tem vários objetivos: (1) A liberação política das pessoas socialmente oprimidas. (2) A liberação do homem oprimido pelas estruturas que Ihe impedem de adquirir uma nova maneira de ser. (3) A libertação pedagó gica e cultural que Ihe permita desenvolver uma consciência crítica através da qual o pedagogo brasileiro Paulo Freire chamou conscientização”. 83 78 Mario Veloso, "Tendências atuais da teologia católica", O universitário adventista -1975 - Ano IV - NP 7, pp. 1-8. 79 Juan Luis Segundo, Teologia para el laico adulto (Buenos Aires, Ediciones Lohle, 1968); Hugo Assman, Opression-Liberacion: desafio a los cristianos (Montevidéo, Tierra Nueva, 1971); Gustavo Gutierrez, Apuntes (Lima, edición mimeografiada, 1970; "Notes for a theology of liberation:' Theological Studies 31 (1970) 243-261; Teologia de la liberación (Lima, Peru, 1971); Leonardo Boff, Teologia desde elcautiverio (Bogotá, IndoAmerican Press Service, 1975). 80 Rubem Alves, Religión: opio o instrumento de liberación? (Montevidéo, Tierra Nueva, 1968); R. Shaull, "La liberaci6n humana desde una perspectiva teo16gica:' Mensaje 17 (1968) 175-179; Jose Míguez Bonino, Doing Theology in a Revolutionary Situation (Philadélphia, Fortress Books, 1975). 81 Rubem Alves, et al, Tendências da teologia no Brasi[ (São Paulo, ASTE, 1977), pp. 88-9(3. 82 Giuseppe Vaccarl, Teologia della Rivoluzione (Roma, Feltrinelli Editore, 1969), Théologie et Revolution (Paris Union Genérale d'Editions , 1971). 83 Carlos Alberto Torres, A praxis educativa de Paulo Freire (Sáo Paulo, Ediçóes Loyola, 1979). Considera-se que uma das maiores expressões desta revolução na América Latina foi Camilo Torres, sacerdote colombiano que morreu num tiroteio como membro da guerrilha de Che Guevara,84 sintetiza seu pensamento na seguinte frase: ((Cada católico que não é revolucionário vive em pecado mortal”. 85 Resumindo devemos dizer que a reflexão teológica partindo do homem termina concentrando-se nos assuntos de interesse exclusivamente humanos e terrenos. Se Deus deixa de ser o objeto principal da reflexão teológica, esta perde o interesse na revelação bíblica, por conseguinte, os teólogos, a causa da orientação exageradamente humanista e estritamente terrena, dedicam-se quase exclusivamente aos assuntos políticos, aos problemas econômicos e às atividades revolucionárias, de tal maneira que perdem completamente de vista o conceito bíblico do homem e os objetivos espirituais do evangelho. "A miséria da antropologia moderna, firmada sobre o solo de uma teologia herdada, enraíza exatamente em suas heranças teológicas e religiosas. Como homem total, como homem ideal, como homem em possibilidade ou homem em decisão, tem o homem que produzir por si mesmo o que não pode produzir. A divinização do homem não o faz mais humano, pelo contrário, mais desumano. Uma antropologia que, no sentido moderno pós-cristão, pretenda herdar à teologia, unida a um Deus autêntico, perderá também de vista o homem autêntico. Ao fazer de Deus e do homem uma coisa só, já não poderia dizer de quem está falando”. 86 A antropologia bíblica O termo antropologia bíblica é usado não para referir-se a uma antropologia sistemática no sentido filosófico da antropologia teológica, pelo contrário: para referir-se aos ensinos da Bíblia sobre o homem. G. C. Berkouwer disse que esta antropologia não pretende dar um sistema completo, mas, simplesmente,''um quadro do homem”.87 Às vezes esta antropologia bíblica tem-se dividido em termos como “antropologia paulina”, antropologia do AT ou antropologia do NT. Nós, entretanto, neste estudo, usaremos o termo no sentido de uma busca em toda a Bíblia para encontrar a resposta à pergunta: Que é o homem? Não esqueceremos de fazer as conexões com as idéias que os diferentes estudiosos do tema expõem, não somente os exegetas, como também os teólogos sistemáticos e ainda os filósofos. Ao fazer isto, no entanto, não estamos pretendendo fazer uma antropologia teológica, mas um estudo bíblico acerca do homem. Do homem que a Bíblia expõe de o início como "um ser vivente" (Gen. 2:7). Tem-se entendido a revelação divina de maneiras contraditórias. Leo Scheffczyk disse que "a revelação divina é, antes de tudo e de maneira decisiva, a revelação que Deus faz de Si mesmo ao mundo e não uma doutrina teórica acerca do humano. O primeiro objeto e o conteúdo central da revelação é Deus e não o homem”.88 Por outro lado, representando outra corrente de pensamento, Abraham Heschel declara que "a Bíblia é primeiramente não a visão que o homem tem de Deus, mas a visão que Deus tem do homem. A Bíblia não é a teologia do homem, mas a antropologia de Deus, que trata do homem e daquilo que Ele pede do homem, e não da natureza de Deus. Deus não 84 Harvie, M. Conn, Teologíacontemporánea en el mundo (Gran Rapids, Mich. Subcomisión Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, sine data), p.81 85 John Gerassi, editor, Revolutionary Priesl-The Complete Writings and Messoges of Cami[o Torres (Nueva York, Vintage Books, 1971), p. 29. 86 J. Moltmann, El hombre, p. 145. 87-G. C. Berkouwer, Man, p. 31. 87 G. C. Berkouwer, Man, p. 31. 88 L. Scheffczyk, O hombre, p. 37. 89 - Abraham Heschel, O homem, p. 134. revelou aos profetas os mistérios eternos, mas Seu conhecimento e amor ao homem. A inspiração de Israel não era conhecer o Absoluto, mas saber o que Ele quer do ho mem. Comungar com Sua vontade e não com Sua essência”.89 Este trabalho não se inclui em nenhuma das duas correntes. Não considera a Bíblia como a visão que Deus tem do homem, nem como a revelação que Deus faz de Si mesmo, se estes conceitos forem considerados isoladamente. A Bíblia refere-se aos dois. Nela podemos conhecer as relações de Deus com o ho mem, as características de Seu caráter que estão relacionadas com estas relações, a explicação que Deus faz acerca do homem como criatura Sua e as respostas deste à vontade de seu Criador e Redentor. Como acertadamente disse Hans Walter Wolff, "cada nova geração deveria fazer-se as perguntas pelo ser do homem"90 Perguntas tais como as seguintes: "Que é o homem?" (Salmos 8:4; 56 7:17). "Quem sou eu?" (Êxodo 3:11; TI Sam. 7:18). "Homem, quem és tu?" (Gen. 3:9). Existem respostas a estas perguntas. No entanto, não devem ser procuradas fora da fé em Deus, conforme disse Gerhard Von Rad: que "somente é possível compreender as idéias de Israel sobre o homem a partir de suas características especiais de sua fé em Deus”.91 È Lógico que homem alienado, inautêntico, frustrado com co que o uma vida sem sentido, exageradamente racionalista, cheio de dúvidas e assomb rado ante o mistério de sua própria realidade, pergunte-se: Que é o homem? e, embora tenha procurado a resposta por muitos séculos, continue sem encontrá- la. Porém, por que o homem adventista haveria de fazer-se a mesma pergunta se ele está completamente integrado consigo mesmo, é autêntico, sente-se auto-realizado, tem uma missão que enche sua vida de sentido, e experimenta todas as possibilidades da fé? A situação do homem adventista é igual à que experimentou o homem bíblico: Moisés e o salmista, por exemplo. Moisés frente à realidade de Deus e à grandeza da missão que Deus Ihe confiou, com humildade, pergunta-se: "Quem sou eu?" (Ex. 3:11). O salmista faz-se a mesma pergunta frente à grandeza da criação e frente à realidade da companhia de Deus ao declarar: "Quando contemplo os teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, que dele te lembres? e o filho do homem, que o visites?" (Salmos 8:3,4). Ele concentra sua atenção em dois feitos fundamentais da experiência humana: o homem não tem sido esquecido por Deus e Deus visita o homem. O homem adventista, então, não se pergunta: que é o homem? a partir de uma situação de ferida interior, de vida sem sentido ou frustrada. Ele analisa esta questão com humildade e com fé, pressupondo e aceitando a grandeza da criação, a companhia de Deus e a realidade constante da missão que Deus Ihe confiou. Partindo desta perspectiva e situando- nos no século XX, quase XXI, estudaremos na Revelação de Deus, o que é o homem, não o homem do novo humanismo - um ser terreno que se humaniza - mas um homem bíblico que Deus criou à Sua imagem como uma pessoa vivente. 89 Abraham Heschel, O homem, p. 134. 90 Hans Walter Wolff, Antropologia do Antigo Testamento (São Paulo, Edições Loyola, 1975), p. 11. 91 Gerhard von Rad, Theologie des Alten Testaments, 11, 369 citado por H. Wolff, Aniropologia, p. 13. CAPíTULO II A ORIGEM DO HOMEM Nosso estudo acerca do homem deve iniciar-se com a pergunta por sua origem. Como teve início a existência desta pessoa vivente que é o homem? Existe uma grande variedade de respostas a esta pergunta, cujo conteúdo, desde então depende da fonte que se utilize para defini- lo. Uma das pressuposições básicas deste estudo é que a Sagrada Escritura, também chamada de Bíblia, é a revelação de Deus e, portanto, nela devemos encontrar nossa resposta. Seu primeiro livro, chamado Gênesis, de acordo com o titulo que Ihe foi dado na versão dos LXX, porque esta palavra significa "origem" ou "fonte': tamoem recebeu o titulo de "livro da criação do mundo" no Talmude judeu e no texto hebreu foi designado com a primeira palavra que nele aparece, isto é, bereshit, que significa "no princípio”. O livro de Gênesis, segundo L. A. T. van Dooren, divide-se em duas partes: História universal (Gen. I:1 - 11:9), com três subdivisões importantes - desde a criação à queda, desde a queda ao dilúvio, e desde o dilúvio à torre de Babel - dedicada ao ser humano em geral. História patriarcal (Gen. 11:10 -50:26) que, em quatro partes, relata as relações de Deus com os patriarcas Abraão, Isaque, Jacó e José.1 O relato sobre a criação encontra-se em Gen. 1:1 - 2:25. Está dividido em duas partes: um relatório geral da criação (Gen. 1:1 - 2:3)e depois um relatório específico da criação do ser humano (Gen. 2:4 -25). Relatório geral da criação A pergunta pelo homem nunca pode ser estudada em forma isolada porque o homem encontra-se imerso numa realidade muito mais abarcante que sua própria pessoa. A revelação de Deus não podia desconhecer este fato, em conseqüência, expõe em primeiro lugar o relato acerca da realidade como um todo. Esta totalidade do real tem sido um mistério para o homem: A compreensão acerca de sua origem tem estado sempre fora de seu alcance.2 O homem poderia pretender um conhecimento acerca da origem da realidade e, de fato, o tem pretendido. Esse conhecimento científico torna-se sempre uma ilusão de óptica pelo fato de que o real, sem chegar a ser infinito em sentido absoluto, em sentido prático, é infinito para o homem. O homem nunca poderá aprisionar a totalidade do real, do ponto de vista espacial, em seu limitado sistema científico que somente reconhece aquilo que pode ser demonstrado experimentalmente. Esta dificuldade torna-se ainda maior quando o homem procura abarcar toda a realidade do ponto de vista temporal em cujo começo encontram-se as respostas acerca de sua origem. As fronteiras espaciais e temporais que têm a totalidade do real estão muito além das maiores distâncias que o homem tenha podido alcançar até o presente, quer tenha percorrido essas distâncias por meio de uma especulação míticoreligiosa, por meio de uma sistematização filosófica ou por meio de uma investigação científica. O homem não pode descobrir aquilo que não é repetível, que ocorreu antes ou durante o processo que o trouxe à existência, a menos que tenha confiança num relato cuja origem esteja fora do homem em si. Ninguém pode descobrir no caminho que percorre o que se encontra atrás do ponto onde iniciou seu trajeto, somente pelo fato de estudar suas próprias pegadas registradas de maneira mais ou menos clara. A alternativa que e apresentada ao homem moderno é definida: o mistério do mundo será para ele um caos incompreensível ou, apesar da sua infinitude prática, terá uma significação clara e 1 L. A. T. van Dooren, Introducing the Old Testament (Grand Rapids, Mich., Zondervan, 1%7), p. 21. 2 W. Pannenberg, El hombre, p. 52. absolutamente plena de sentido.3 Tudo dependerá das fontes que exija para sua investigação. Suas próprias pegadas - a geologia, os fosseis, a história, a evolução, a filosofia, etc. - ou a revelação. Já temos dito que a captação da realidade total, por ser praticamente infinita para o homem, somente pode realizar-se num plano de confiança. A confiança desenvolve-se no campo das relações pessoais. Ninguém pode estabelecer relações pessoais com a geologia ou com as ciências biológicas, ou com os dados incertos dos fósseis, etc. Pode estabelecer-se com eles uma relação de conhecimento, pois as relações pessoais surgem somente entre as pessoas. O relato da criação, que encontramos no livro de Gênesis, é a comunicação de um Deus pessoal. A possibilidade de entabular com Ele uma relação de confiança é plena, porque o homem tem a capacidade de confiar e porque Deus oferece suficientes evidências que O demonstram como uma pessoa absolutamente de confiança. O primeiro dado que Ele dê ao homem em Sua revelação expressa-se na frase: "No princípio criou Deus" (Gen. 1:1) Logo a criação é explicada num relato dividido em duas partes: a primeira expõe a criação em geral e a segunda, a criação do ser humano em particular. Toda a narração, incluindo as duas partes, move-se numa direção específica: a criação do homem. A primeira parte do relato tem o propósito de situar o homem em seu ambiente, que também foi criado por Deus. Esse ambiente inclui os seguintes elementos: Um ambiente físico inanimado e um ambiente natural animado. O ambiente físico inanimado Sua Criação é registrada em Gn 1:3-10, 14-19 e inclui a luz, a expansão, a terra seca, os mares, o sol, a lua e as estrelas. O primeiro elemento que Deus criou para formar o ambiente físico inanimado onde pensava situar a vida, foi a luz. A luz é indispensável para a vida. Por isso Davi declarou: "Pois da morte me livraste a alma') para que eu ande "na presença de Deus na luz da vida" (Sal. 56:13), e em outro salmo afirma "O Senhor é a minha luz... é a fortaleza da minha vida" (Sal. 27:1). João, no prólogo de seu evangelho, que tem sido considerado um paralelo de Gen. I, ao falar que o Verbo estava no princípio com Deus e que todas as coisas foram feitas por Ele, declara: "A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens" (João 1:4). A luz esteve sempre tão relacionada com a vida, que Cristo, o Verbo da vida (I João 1:1), é "a luz do mundo" (João 8:12; 9:5) e Deus, que dá a vida (I João 5:16) "é luz" (I João 1:5). A expansão é outro elemento importante para a vida. Esta expansão criada no segundo dia (Gen. 1:6-8), nós a chamamos atmosfera. É uma camada protetora que alcança uma altura de 900 a 60.000 quilômetros, embora os gases que mantêm a vida são confinados na sua maioria dentro de uma delgada camada de uns 8 a 15 quilômetros de espessura, chamada troposfera, além da qual há outras camadas importantes. Entre estas está a estratosfera que, com sua elevada concentração de ozônio e os efeitos do campo magnético da terra, protege o planeta das elevadas irradiações de energia prejudiciais para a vida.4 A terra seca e os mares foram Criados no terceiro dia (Gen. 1:9,10). Neste processo de separar as águas para colocá- las num conjunto ordenado - os mares - para que a terra ficasse seca, Deus estava criando as condições favoráveis, tanto para a vida marinha como para a vida terrestre. A superfície da terra, com seus continentes, suas ilhas, seus vales, seus altiplanos, suas montanhas, seus rios, suas lagoas e seus lagos, foi organizada para que a vida existisse sobre ela (Isa. 45:18). Assim com a terra foi feita para ser habitada, a água, seiva vital da terra, é indispensável para que a vida possa existir. Serve como meio para os processos químicos da vida e faz da terra um lugar agradável para viver. 3 4 A. Heschel, O homem, P. 41. R. M. Ritland, En busca de un sentido para la naturaleza (Villa Libertador S. M., E. R. Argentina, Editorial C.A.P., 1972), p. 66. O sol, a lua e as estrelas, criados no quarto dia(Gen. 1:14-19), foram estabelecidos para dar sentido e ordem a vida dos animais e à vida do homem (Sal. 104:19-23). Para manter ordenado o sistema de qualquer tipo requer-se energia. Tal energia é indispensável não somente para o homem e os animais, como também para as plantas. A primeira fonte de energia para a vida é o sol.5 Desta maneira, o ambiente físico inanimado, tão necessário para a existência da vida, havia sido feito por Deus de maneira que, segundo Seu próprio juízo, "era bom" (Gen. O ambiente natural animado Além do ambiente físico inanimado, o ser vivente homem necessitava um ambiente natural animado que Deus passou a criar antes de realizar a criação do homem. Este ambiente estava formado por erva verde, árvores frutíferas, animais aquáticos, aves, répteis e animais terrestres que Deus criou no terceiro, quinto e sexto dias (Gen. 1:11-13, 20-25). A vegetação compõe-se de erva verde (désche) sinônimo de pasto (éseb, Lialmos 23:2), erva ou plantas que dão semente e árvores que produzem fruto. Deus deu um duplo sentido à vegetação: devia reproduzir-se "segundo seu gênero" (Gen. 1:11,12)e devia servir de alimento: a erva verde para os animais (Gen. 1:30) e as plantas que produzem semente, juntamente com as árvores frutíferas, para o homem (Gen. 1:29). A criação dos "seres viventes" (néfesh jayyah), isto é, bestas ou animais mudos (behemah)- gado em geral - animais pequenos (rémés) - gusanos, insetos e répteis - animais selvagens - (jaYetho 'érets), também tem um sentido em relação com o homem. Deus os leva ao homem para que Ihes designe seu nome (Gen. 2:19) e, como os elementos do ambiente inanimado, estarão sob o domínio do homem (Gen. 1:18). O relatório geral da criação, depois de expor a criação do ambiente físico inanimado e do ambiente natural onde Deus situaria a família humana, completa-se com a criação especial do homem e com o repouso de Deus. A criação especial do homem Esta parte do relatório geral da criação encontra-se em Gen. 1:26-31. Encontramos aqui três partes que devemos considerar: o plano de Deus para a criação especial do homem (Gen. 1:26), a execução desse plano (Gen. 1:27) e a relação de Deus com as criaturas humanas (Gen. 1:28-30). O plano de Deus para a criação especial do homem (Gen. 1:26). Uma vez que Deus havia completado a criação do ambiente para a vida humana. Deus anuncia Seu plano para a criação do homem: "Também disse Deus" (Gen. 1:26). Esta frase mostra que há uma diferença entre o que foi criado até o momento e o que vem depois. Esta criação é tão especial que declara uma definida cooperação da Divindade: "Façamos o homem' : Como deveria ser esse homem? O plano de sua criação não revela o ser do homem do ponto de vista de sua essência ou dos elementos que o constituem. Estes serão expostos no relato específico da criação do homem. No momento somente são descritas suas relações e funções. Isto é, sua vida. É isto uma indicação de que a experiência da vida e suas relações verdadeiras têm mais valor que o conhecimento objetivo dos elementos que constituem a essência do homem? A relação do homem com Deus é de "imagem" e "semelhança': Com o resto da criação relacionar-se-ia como governante, pois Deus planejou que fosse senhor de "toda a terra': Da planificação, Deus passa à execução de seu plano. Execução do plano (Gen. 1:27). A primeira informação concreta acerca do homem está na frase: "Criou Deus o homem” O homem é um ser criado por Deus. Em seguida são dadas outras duas informações com respeito ao homem: foi criado à imagem de Deus e o que Deus criou foi um par: "Homem e mulher os criou”. 5 Ibid., p. 46. Relação de Deus com as criaturas humanas (Gen. 1:28-30). No plano da criação do homem (Gen. 1:26), duas relações a seu respeito são identificadas: sua relação com Deus e com o restante da criação. Quando Deus realizou Seu ato criador une estas duas relações e a relação que Deus queria manter com o homem ao dizer: "E Deus os abençoou" (Gen. 1:28). A bênç ão é uma relação de abundância: abundância da espécie, "sede fecundos e multiplicai- vos" Abundância de realização pessoal na qual Deus participa abençoando o homem ao dar-lhe direito de utilizar os vastos recursos da terra ("sujeitai-a") e ao conceder- lhe a capacidade de governar, "dominai ;todos os sereS inferioreS qUe POVOam a terra. Abundância de alimentos, que não é a egoísta abundância do que acumula, prejudicando a outros, mas uma positiva abundância quantitativa e qualitativa. Do ponto de vista de quantidade é uma abundância que consegue não somente para alimentar o homem mas também para alimentar a todos os animais da terra. A qualidade especifica no tipo de alimentos que se concede ao homem - sementes e frutas - e no tipo de alimentos que se concede aos animais: ((toda erva verde'' (Gen. 1:29,30). Ninguém necessita sacrificar-se para prover a abundante alimentação do homem e dos animais. Não devia haver sacrifício de animais nem de homens. O relatório geral da criação, após explicar a criação do ambiente para o homem e a origem do ser humano como um ser criado por Deus, feito à imagem divina e em forma de homem e mulher, conclui com o repouso. O repouso de Deus para o homem Deus termina Seu trabalho criador no sétimo dia (Gen. 2:l-3). A partir deste momento a Bíblia nos revela o trabalho como um meio para um fim. Este fim não é a humanização do homem, nem sua auto-realização nem sua autocriação. Deus não trabalhou para Si. Sua criação não era autocriação, era criação de um ambiente para colocar o homem, criado também por Ele. O sentido do trabalho está fora daquele que o executa. Sua finalidade não é introduzir o produto do trabalho na personalidade daquele que o executa, mas estender sua personalidade àqueles para quem e executado. Por esta razão o trabalho é desprendimento e entrega. Falta-lhe algo, entretanto. Aquele que é a finalidade do trabalho. Os seis dias da criação alcançaram sua plenitude na criação do sétimo dia. O trabalho alcançou sua plenitude no repouso. O repouso bíblico não era para recuperar as forças gastas, nem para adquirir as energias que serão usadas no próximo trabalho. Deus não é um demiurgo, nem o homem é um animal de carga. Deus é a fonte da vida e o homem um ser vivente que está em íntima relação de bênção-abundância com seu criador. O sábado "é um dia dedicado à vida"6 porque foi a culminação do processo criador da vida, cujo feito principal7 e "obra coroadora do Criador"8 foi o homem. Para o pensamento bíblico, o repouso "é o mesmo que felicidade e tranqüilidade, paz e harmonia ”.9 O trabalho somente tem sentido quando transmite e consegue harmonia, paz, tranqüilidade e felicidade. Deus abençoou o sábado. Colocou nele toda sua plenitude de vida. Por isso o sábado é vida, é alegria e é repouso. Nele produz-se a união perfeita do prazer com a liberdade e a disciplina. Deus o 6 A. J. Heschel, EI shabat y el hombre moderno (Buenos Aires, Editorial Paidós, 1964), p. 22. 7 P. van Imschoot, Teologia delAntiguo Testamento (Madrid, Ediciones Fax, 1966), p. 336. 8 E. G. White, Patriarcas e Profetas (Mountain View, Calif., Publicaciones Interamericanas, 1955), p. 27. 9 A. J. Heschel, EI shabat, p. 32. colocou no coração da lei moral repetida no Sinai (Ex. 20;8-11). Esta lei expressa o amor de Deus e o amor ao próximo (Mat. 22:36-40)e Tiago a chama: lei "da liberdade" (Tiago 1:25). O sétimo dia da semana, sábado, foi santificado por Deus. "O propósito de Deus na criação é a santificação do mundo)”. 10 Deus não queria um mundo que se apartasse d'Ele, queria-o dedicado a Ele. O mundo somente podia dedicar-se a Deus, isto é, ser santo, através do homem. O homem devia estar completamente dedicado a Deus. O sábado seria a marca desta santidade e a expressão de que a vida do homem estava dedicada a Deus. Através da consagração do homem o mundo inteiro estaria dedicado a Deus. A santidade não é inerente à matéria. Por ser um relação pessoal, somente é possível na vida do homem, enquanto este se relaciona com Deus. O sábado foi estabelecido para que o homem, liberado de todas as coisas que não concedem santidade, se relacionasse com Deus, que santificou o sábado para que fosse um sinal de completa dedicação do homem a Deus, que como Senhor do mundo, dava, assim, sentido a toda a criação. Relato específico da criação do ser humano ESte relato enCOntra-Se em Gen. 2:4-25. Pode ser dividido em seis seguintes partes: quando não havia homem (2:4-6), criação do homem (2:7), a morada do homem (2:8-15), ética para o homem (2: 16, 17), um ser doador de sentido (2:18-20), criação de Eva e igualdade do homem com a mulher (2:21-25). Quando não havia homem Ao considerar a seção de Gen. 2:4-6, devemos dizer que a grande maioria dos comentadores divide o verso 4 em duas partes. Consideram a primeira parte como a última frase do relato anterior. Com isto também separam drasticamente os conteúdos do primeiro e do segundo relatos da criação. Por outro lado, outros autores declaram que "a divisão de Gen. 2:4 em duas partes é tanto arbitrária como não bíblica”.11 Por que esta divisão é considerada arbitrária? Porque "se faz a divisão somente em benefício da teoria dos dois relatos paralelos da criação”.12 De nossa parte preferimos considerar o segundo relato não como um relatório separado do anterior, mas como uma explicação mais detalhada do que ocorreu na segunda parte do sexto dia da criação. O versículo 4 começa com a frase: "Esta é a gênese dos céus e da terra quando foram criados' A palavra "gênese" é uma tradução do hebreu toledoth, que significa gerações, e seu uso na Bíblia, quase sistemático, refere-se à história da família de Um homem, especificamente ao nascimento de seus filhos (Gen. Esta é a única vez em toda a Bíblia que o termo é aplicado à origem dos céus e da terra. Porém, como o relato da criação assinala que tudo foi criado em função do homem, ''ao qual estão ordenadas todas as demais coisas”, 13 podemos perfeitamente entender que, embora os céus e a terra não pertençam às relações humanas, estão submetidos ao homem e sua criação foi realizada em função do homem. Por outro lado, no verso 5, nos é dito que se está falando desta origem quando não havia homem, o que Ihe dá a posição de vértice da criação. 10 Herbert W. Richardson, Toward an American Theology (New Yord, Harper and Row, Publichers, 1967), p. 112. 11 Robert L. Reymond,''Does Genesis 1:1-3 teach a creation out of nothing?" Scientific studies in special creation, Walter E. Lammerts, editor (Freedom, Cal., Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1971), p. 13. 12 Ibid., p. 13 13 M. Flick Y Alszeghy, Antropologia teológica (Salamanca Editiones Sígueme, 1970), 45. Nesta seção fala-se da criação dos céus e da terra seguindo a mesma idéia do capítulo 1, versículo 1, onde se diz que: "No princípio criou Deus os céus e a terral' Além disso fala-se da vegetação num momento quando "o Senhor Deus não fizera chover sobre a terra, e também não havia homem para lavrar o solo" (Gen. 2:5). A vegetação existiu de maneira exuberante, porém não surgiu como o produto das forças da natureza nem do trabalho do homem. Seria entregue ao cuidado do homem e sua existência estaria a serviço do homem, porém havia sido criada por Deus porque "criou Deus os céus e a terra” Esta verdade torna a repetir-se através de toda a Bíblia. Na lei moral é dito:'<lembrate do dia de sábado... porque em seis dias fez o Senhor dos céus e a terra, o mar e tudo o que neles há" (Ex. 20:8-11). Os profetas repetem: "Não sabes, não ouvistes que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da terra...? (Isa. 4:28). O salmista cantou esta verdade dizendo: "Teus são os céus, tua a terra; o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste" (Sal. 89:11). "Os céus por sua palavra se fizeram" (Sal. 33:6). "Lançaste os fundamentos da terra, para que não vacile em tempo nenhum" (Sal. 105:5). O NT declara: "No princípio era o verbo... todas as coisas foram feitas por intermédio dele" (João 1:1,3). "Nestes úItimos dias nos falou, em que é seu Filho... pelo qual também fez o universo" (Heb. 1:2). "Tu és digno... porque todas as coisas tu criaste" (Apoc. 4:11). Este ensinamento manteve-se no mundo ocidental sem alterações até que se produziu a reação científica contra a mentalidade medieval que encontrava na natureza forças místicas em constante operação. Em nossos dias podem ser encontradas basicamente três posições: a posição agnóstica, que não aceita a revelação divina e crê que as evidências a favor de um Criador são tão nebulosas e insegura que devem ser rejeitadas. A posiÇão ateística, desconhecendo a mesma existência de Deus, insiste em que a origem da natureza deve ser atribuída a processos naturais que ninguém dirige, portanto obedecem a uma evoluÇão mecânica. Finalmente a posição teísta que, aceitando a existência de um Deus de lei, de ordem e de grande poder, ensina que Deus Se submete estritamente às leis da natureza. Desde um teísmo geral ate o evolucionismo teísta, segundo o qual Deus usou o processo da evolução para trazer o mundo à existência, existe uma grande variedade de idéias. Estas posições tem produzido diversas teorias como a teoria física ou materialista, que pressupõe a eternidade da matéria e crê na existência da vida por geração espontânea, a teoria da emanação ou panteísta, que afirma que o mundo não foi criado, mas emanou de Deus e é a extensão da substância divina, e a teoria da criação contínua, que não aceita a criação como um ato completo mas como um ato contínuo, portanto, o desenvolvimento orgânico deve-se ao poder divino operando dentro desse organismo.14 Todas estas teorias pretendem ser cientificas, porém quase todas desconhecem a primeira lei termodinâmica também chamada lei da conservação da energia: Segundo ela é possível a mudança de uma forma para outra, porém a energia total permanece constante. Isto significa que, por si unicamente, a massa de energia pode produzir variações, porém nunca aumento ou criação de nova energia. Os céus e a terra não podiam surgir do nada sem que houvesse previamente um poder que os trouxesse à existência. O livro de Gênesis no diz que esse poder provinha de Deus que criou (bara: Gen. 1:1), e fez ('ashah, Gen. 2:4) os céus e a terra. O verbo bara' é um termo técnico que se usa exclusivamente para designar a ação criadora de Deus.15 AIém de usado no livro de Gênesis, este termo é empregado por Isaías (Isa. 40:26,28; 45:18)e no livro de Salmos (Sal. 89:13 e 48; 14 Wiley H. Orton y Paul T. Culbertson, Introducción a la teologia dogmática (Kansas city, Bercon Hill Press, 1948), pp 151-153. 15 P. Humbert, "Emplit et portée du verb bara (créer dans 1'Ancient Testament", Theologische Zeitschrift (1947), p. 401 ss. 1O4:30; 148:5). Nunca aparece relacionado com matéria preexistente e, portanto, segundo Gerhard v. Rad, “temos o conceito de criação “do nada”. 16 Criação do nada. O conceito de criação ex nihilo foi primeiramente expresso no 2P livro de Macabeus 7:28, onde diz: ''Peço-te, meu filho, que contemples o céu e a terra e vejas tudo o que neles há, e penses que Deus os criou do nada, e que também o gênero humano tem a mesma origem” O IV Concílio de Latrão17 reconhece esta idéia que, posteriormente, é confirmada no Concílio Vaticano I (1870).18 Segundo a filosofia escolástica o nada não é um princípio ou uma coisa que precede à realidade, mas a negação de qualquer outro princípio distinto do Criador.19 Baseando-se no conceito de criação do nada, alguns têm pensado que Gen. 1:2 refere-se a um caos não criado, preexistente à criação divina. Desta forma, o livro de Gênesis, segundo este conceito, estaria conectado com o relato babilônico, Enuma Elish, no qual se apresenta os deuses nascendo das águas do caos. Ambos os conceitos - criação do nada e criação do caos - são completamente estranhos ao pensamento bíblico. A idéia de criação do nada é demasiado abstrata para a mente hebréia e a preexistência de um caos é alheia a um Deus soberano, cuja vontade não pode ser condicionada. Criação pela palavra. Deus cria por Sua palavra. "Os céus por sua palavra se fizeram, e pelo sopro de sua boca o exército deles" (Sal. 33:6). "Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir" (Sal. 33:9). "Deus... chama (kaloúntos) a existência as coisas que não existem (ónta)" (Rom. 4:17). "Pela fé entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus" (Heb. 11:3). Como antes da palavra o único que existe é a pessoa que a pronuncia, assim a criação não depende de nenhum elemento previamente existente, exceto Deus que pronunciou a palavra criadora. Os hebreus foram zelosos guardadores deste conceito ainda durante seu período helenístico. Os tradutores da septuaginta evitaram sistematicamente o verbo grego dèmiourgéo para indicar a ação criadora de Deus, pois esta palavra expressa a ação de um obreiro que produz coisas de materiais previamente existentes. Eles escolheram outros verbos, especialmente o verbo ktízo. Deste modo queriam expressar que a soberania de Deus foi absoluta na criação. Também os autores neotestamentários preferiram usar o verbo ktizo e seus derivados. Não queriam que Deus fosse confundido com o demiurgo dos gnósticos. A fé' cristã não tinha seus antecedentes no pensamento grego mas no pensamento hebreu. O conceito de criação pela palavra identificava claramente estas raízes.20 Criação em Cristo. O NT ensina que a criação foi realizada em Cristo. "filho do seu amor... é a imagem do Deus invisível.. nele foram criadas todas as coisas" (Col. 1:13-16). Que se entende por criação em Cristo? Não significa que se conceda ao Filho o lugar que teve o Pai na criação. Paulo declara: "Todavia, para nós ha um só Deus, o Pai, de quem são todas as cousas'' (I Cor. 8:6). O originador de todas as coisas é o Pai. Paulo continua dizendo no mesmo versículo, "E um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as cousas': O 9ue estava na mente do Pai desenvolveu-se à 16 Gerhard Von Rad, Teologia do Antigo Testamento (São Paulo, ASTE, 1957), I, 17 Denzinger 800. 18 Denzinger 3025 19 Flick y Alszeghy, Antropología, p. 51. 150. 20 "La creación por la palabra constituye un distintivo esencial del pensamiento del Antiguo Testamento", L• Scheffcziyk, O homem, p. 51. realidade em Cristo. "Deus... nestes Últimos dias nos falou em um que é seu filho... pelo qual também fez o universo" (Heb. 1:1-3). O conceito de criação em Cristo expressa a unidade de Deus, o Pai com o Filho no ato criador. Por out ro lado, este mesmo conceito reflete também a unidade do homem e Cristo como sentido e culminação na criação do mundo. É-nos dito que "tudo foi criado por meio dele e para ele'' (Col. l:16). No início deste versículo é dito que todas as coisas que há nos céus e na terra foram criadas "nEle': A parte final do versículo explica o significado desta frase “n'Ele": "Por meio" do Filho reflete a união do Filho com o Pai como originadores de todas as coisas. "Para Ele" expressa o sentido da criação em Cristo no qual aparece a unidade da criatura humana com o Filho de Deus, posto que o homem era a culminação do processo criador divino. Em Cristo tem origem e sentido a criação inanimada, a criação animada e o homem. Por esta razão, todo o homem que não se dirige a Cristo está no processo inverso ao ato criador. Está no caminho de sua própria destruição, levando consigo em direção a ela tUdo o que foi criado por Deus em Cristo. Os céus e a terra tiveram sua origem antes que houvesse homem e fora criado tendo em vista a criação do homem. Criação do homem O ato em si da criação do homem aparece em Gên. 2:7. Embora seja verdade que "precisamente como Deus realizou a obra da criação, jamais Ele o revelou ao homem”.21 Este versículo descreve a criação do homem em dois atos: O primeiro é expresso com o verbo "formar" (yatsar) e o segundo com o verbo "soprar" (yapaj) Os dois são parte do único trabalho expresso na palavra "criar" (bara') que aparece na frase: "Criou Deus, pois o homem" (Gen. 1:27). Um ser criado. Não somente o livro de Gênesis ensina que Deus criou o homem. Esta verdade repete-se através de todas as Escrituras: Nos livros didáticos é dito: "Deus fez o homem" (Ecl. 7:29). Nos profetas maiores registra-se: "Assim diz o Senhor... Eu fiz a terra, e criei nela o homem" (Isa. 45:11,12). Nos profetas menores pergunta-se: "Não nos criou o mesmo Deus?" (Mal. 2:10). No NT proclama-se: "Mas Deus, sendo rico em misericórdia... nos deu vida juntamente com Cristo... porque pela graça sois salvos... pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus" (Ef. 2:4,5,8,10). Os povos pagãos apartaram-se completamente deste ensinamento e consideravam que os homens haviam nascido da terra, ou haviam emanado das rochas, das árvores, dos animais selvagens ou ainda dos deuses. No mundo cristão ocidental manteve-se o ensino bíblico acerca da origem do homem e este continuou sendo considerado como ser criado por Deus. Entretanto, com o desenvolvimento da ciência, surgiram duas tendências que Flick e Alszeghi denominaram fundamentalismo e concordismo. A primeira afirma que os ensinamentos acerca da origem do homem encontram-se na Bíblia. A segunda procura concordar os ensinos bíblicos com as novas teorias científicas.22 Um desvio sempre conduz a outro maior e em novembro de 1859: publica-se, no mundo cristão ocidental, o livro A origem das espécies, de Charles Darwin. Desta maneira a teoria da evolução havia sido lançada definitivamente. Ante a posição extrema, do evolucionismo materialista, segundo o qual o homem se deriva mecanicamente por evolução a partir das espécies inferiores, e como reação a ela, surge o evolucionismo moderado. Pio XII abriu a porta à legalidade teológica no mundo católico ao estabelecer em sua encíclica Humani Generis (195O) que os versados em teologia e em ciências naturais podiam expor a questão "da origem do corpo humano a partir de 21 180. 22 E. G. White, Patriarcas e Profeslas, p. 39. 22 - Flick y Alszeghy, Antropología, p. uma matéria viva preexistente”.23 Teilhard de Chardin, com seus muitos livros, especialmente El fenómeno humano, publicado em Madri em 1965, e La aparición del Hombre, publicado também em Madri, em 1965, expandiu esta posição entre os teólogos católicos que aceitaram o surgimento do homem, não do modo como o livro de Gênesis relata sua criação, mas partindo de um ser vivo pré-humano no qual Deus teria interferido com um ato especial que Ihe criou a alma humana. Os evolucionistas moderados haviam resolvido que enfrenta o evolucionismo materialista, embora não. Haviam resolvido o problema da Lei da Biogênese, segundo a qual a vida vem da vida, ou seja, que um organismo vivo procede de outro organismo vivo. Ao colocar um ser vivo como ascendente do homem resolviam aparentemente este problema. Ficava, entretanto, sem solução toda a seqüência que trouxe: à vida essa criatura que serviu de base para o surgimento do homem. Ou seja, de onde procedia o primeiro organismo vivo. Por outro lado, ambos;os evolucionistas e cristãos defrontam-se:com a primeira e a segunda lei da termodinâmica A primeira diz que uma massa de energia pode mudar de uma forma para outra, porém sua quantidade permanece constante. E a segunda, ainda mais contrária ao processo evolutivo apresentado, mediante o qUal vai-se de uma espécie inferior a uma superior, declara que existe uma tendência irreversível mediante a qual os processos de um sistema vão sempre para uma ordem inferior. Isto significa que em lugar de produzir um ser mais perfeito, a evolução deve ria produzir um ser cada vez menos perfeito.24 Além disto, o evolucionismo moderado, entre muitas outras falhas, transformou os seres animados, que eram simples integrantes do ambiente criado por Deus para a vida humana, em instrumentos para a criação do homem. Mais ou menos na mesma época em de Darwin estabelecia firmemente a teoria da evolução, surgiu o marxismo. Este sistema ideológico traria outro conceito acerca da origem do homem que, como as outras tendências evolucionistas, influenciaram poderosamente na concordância do pensamento e a vida do homem atual. Friedrich Engels, falecido em 1895, expôs claramente estas novas idéias em seu artigo intitulado "A parte que desempenhou o trabalho na humanização do macaco': Nele declara-se que a transformação dos macacos em seres humanos desenvolveu-se mediante o uso de instrumentos, isto é imediatamente o trabalho. O ser humano, portanto, foi criado por meio de seu próprio trabalho. 25 Estas idéias também foram incorporadas à teologia no pensamento de teólogos europeus, norte americanos e latino-americanos, como já mostramos no capítulo I. Tais idéias têm privado de sentido não somente à criação inferior como ambiente para o homem, como também ao homem em si e a seu trabalho. Não é estranho que na vida do homem atual se reflita uma desorientação completa, uma frustração constante no trabalho, uma permanente ausência de sentido e um uso irresponsável dos meios naturais. Tudo isto representa uma destruição de seu próprio ser por se haver apartado do conceito bíblico acerca de sua criação. "Deus criou o homem à Sua própria imagem. Não há aqui mistério. Não há lugar para a suposição de que o homem evoluiu, por meio de morosos graus de desenvolvimento, das formas inferiores da vida animal ou vegetal. Tal ensino rebaixa a grande obra do Criador ao nível das concepções estreitas e terrenas do homem. Os homens são tão persistentes em excluir a Deus da soberania do universo, que degradam ao homem, e o despojam da dignidade de sua origem”.26 23 J. Feiner, "El origen de la humanidad': MysTe'ium Salutis, IL, tomo II, 642-643. 24 Thomas G. Barnes, "A scientific alternative to evolution", Walter E. Lammerts, editor, Scientific Sfudies pp 330-337. 25 Friedrich Engels, "Anteil der Arbeit an der Menschwerdung des Affen': K. Marx, Friedrich EnRels Werke (Berlín, 1962), XX, 444, 445. 26 E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 28. Uma pessoa com fôlego de vida. Em primeiro lugar Deus formou ou "modelou" o homem do pó da terra. O verbo yatzar com o qual se expressa esta idéia, aparece também no livro de Isaías, quando relata que o oleiro dá forma a uma estátua de barro (Isa. 29:16; 45:9; 64:8). O que Deus fez em primeiro lugar ao criar o homem foi modelar uma estátua de barro. Alguns dizem que esta é a maneira como Deus criou o corpo do homem, fazendo assim uma distinção clara com a criação do ,espírito humano. Porém, o resultado após modelar o barro-não era o corpo. O barro continuava sendo barro. Somente será modificado posteriormente quando Deus colocar nele Seu fôlego de vida. De qualquer maneira se o homem não possui o fôlego de vida não passa de um objeto vinculado à terra: é pó (Gen. 3Ç19; 18:27; Ecl. 12:7; Sal. 103:14) e torna ao pó (Gen. 3:19; Sal. 104:29, 146:4; Jó 10:9, 34:15). Neste sentido não tem nenhuma diferença dos animais, porque eles também foram criados da terra (Gen. 2:19)e porque o homem morre como eles (Ecl..3:19, E- diferença entre o homem e os animais? Todos eles são seres vivos e a expressão néfesh jayyah refere-se aos animais marinhos (Gen. 1:20, 21), aos animais domésticos (Gen. l:24), e aos animais em geral (Gen. 9:10, 12, 15). Existem, entretanto, diferenças entre o homem e os animais. Em primeiro lugar os animais foram criados "segundo seu gênero'' ou "segundo sua espécie" (Gen. 1:21, 24, 25) em trOCa O homem foi criado "à imagem e semelhança de Deus (Gen. l:26, 27).27 Em segundo lugar os animais foram criados de forma coletiva - assim expressam os verbos ''enxamear'', (sharts, Gen. 1:20)e "produzir" Cvatsa' Gen. 1:24) usados por Deus ao criá- los da terra - sem que Deus colocasse em cada um deles um elemento especifico que Ihe concedesse características pessoais. Em troca os seres humanos foram criados de forma individual, primeiro o homem (Gen. 2:7), depois a mulher (Gen. 2:22), e soprou em suas narinas Seu próprio ''fôlego de vida'' (nisemath jayym, Gen. 2:7).28 Este mesmo, fôlego ou sopro do Todo-Poderoso, não somente dá vida ao homem (Jó 33:4), como também Ihe dá entendimento (Jó 32:8), e uma lâmpada com a qual o homem esquadrinha sua vida (Prov. 20:27). Se o corpo do homem, quando não tem este fôlego de vida é simplesmente terra que torna à terra, quando o possui está relacionado com seu Criador e com o barro numa pessoa vivente. Nos capítulos subseqüentes estudaremos de forma mais detalhada estas duas diferenças entre o homem e o animal, que se expressam em sua condição de haver sido criado à imagem e semelhança de Deus e de haver recebido diretamente de Deus o fôlego de vida. No momento, digamos que a vida dada por Deus aos animais os fez seres conscientes, em troca o fôlego de vida dado ao homem o fez um ser autoconsciente, o animal chegou a tornar-se um ser com determinação, em troca o homem um ser com autodeterminação. O animal não tem juízo, nem raciocínio, nem idioma para comunicar-se. Não tem idéia do espaço, nem do tempo, nem conhece a diferença entre o bem e o mal. Não tem consciência, não experimenta a fé, nem está provido de uma estrutura espiritual que Ihe permita viver religiosamente. O homem, em troca, possui todas estas qualidades juntamente com uma capacidade moral que pode exercer em plena liberdade.29 27 Millard J. Erickson, Man's need and God's gift (Gtand Rapids, Mich., 1976), P 28 28 é Hans Walter Woltr, Anrroporogrcr uu rrlrav I~~rur<~r \I– ––-1 14 ÇOeS Loyola, 1965), PP. 87-98. 29 Augustus H. Strong, Systematic Theology (Westwood, N. J. Fleming H. Revell, 1907), pp. 465-476. A pessoa vivente, isto é, a união do pó da terra com o espírito de vida que Deus uniu sob Sua expressa vontade de criar um homem, é um ser indivisível, completo e total, diferente de cada um dos elementos que intervieram em sua criação. Os elementos da terra formam parte do homem, porém a terra já não é terra. É um corpo. Mais ainda, é um corpo vivo, cujas funções, desde a pele até sua parte interior mais profunda, completam-se de tal modo, que a terra, com os mesmos elementos constitutivos, jamais poderia realizar. O fôlego de vida que Deus colocou pessoalmente no homem já não é simples fôlego de vida. O homem não pode transmitir esta vida através de um sopro de sua respiração. Tem-se unido a seu corpo de tal maneira que somente pode ser transmitida através das complicadas funções reprodutoras de seu corpo. Onde termina o corpo e começa a vida? Onde a vida se faz corpo? Estas perguntas não teriam sentido, pois o homem é uma unidade, uma totalidade indivisível. E por esta razão que os idealistas que consideram seus espíritos como uma parte do Espírito Divino e exaltam seu valor sobre o valor do corpo, como os materialistas que consideram o homem como um simples animal, altamente desenvolvido, estão muito longe da realidade indivisível que é o homem. 30 Toda vez que a Bíblia fala do corpo, refere-se ao homem completo, considerado com base em seu corpo e quando se refere-a seu espírito, também fala do homem completo, com base em suas capacidades espirituais. Por isso quando lemos que o corpo e "santuário do Espírito Santo" O Cor. 6:19) não devemos entender que se refere exclusivamente à parte material do homem, mas ao homem completo, considerado com base em seu corpo. Ninguém imaginaria que esta frase diz que o corpo sem vida, isto é, um cadáver, é o santuário do Espírito Santo. Fica claro, então, que a natureza humana, conforme o relato do livro de Gênesis, tem somente dois elementos constitutivos: matéria e fôlego de vida. Isto elimina a divisão do corpo, alma e espírito como substâncias distintas que formam o ser humano.31 Algumas vezes tem-se traduzido Néfesh jayyah como "alma vivente': querendo dar a idéia de que néfesh expressa a existência de um elemento eterno no homem. Porém Hans Walter Wolf como a maioria dos exegetas modernos, em seu cuidadoso estudo sobre os termos do AT que expressam idéias antropológicas, afirma:''a néfesh não compete nunca com o significado de um núcleo de existência indestrutível, em oposição à vida corporal, podendo existir também separado dela”. 32 Indica, além disso, que néfesh é usado no AT com significados tão concretos como garganta ou boca (Prov. 23:2; Ecl. 6:7; Hab. 2:5; Prov. 25:25; Sal. 5:9; 69:3, 115:7; Prov. 23:2; Jer. 2:25; Rom. 3:13). Significa pessoa pois a néfesh pode alimentar-se de sangue (Lev. 17:10), pode atender a necromantes e feiticeiros (Lev. 20:6), pode ser imunda (Lev. 22:6) e aparece em contraste com o povo como grupo (Lev. 23:30; 19:8; 22:3; Num. 5:6; 9:13). Por esta razão os israelitas consideram a néfesh como uma designação apropriada da pessoa individual. Não é estranho, então, que um cadáver seja um néfesh met ou "pessoa morta" (Num. -13). A pessoa viva, em troca, é néfesh jayyah (Gen. 2:7). Por tudo isso, no AT, após a entrada do pecado, concede-se a néfesh jayyah (pessoa individual viva) as conotações de homem necessitado que tem esperança (Sal. 42:6, 12; 43:5), que bendiz ao Senhor (Sal. 103:1) e que tende para a vida (I Reis 20:32; Gen. 19:19, 20). 30 Emil Bruner, The christian Doctrine of Creation and Redemption (Philadelphia, Westminster Press, 1952), pp. 53-63. 31 Charles Hodge, Systematic theology (Grand Rapids W. B. Eerdmans, 1952), II, 32 H. W. Wolff, AntropoCògia, P. 34. 42-51. No AT viver significa estar em relação.33 Em primeiro lugar com Deus (Gen. 2:7) porque Ele é a fonte da vida (Sal. 36:8-10), em segundo lugar com os animais (Gen. 2:19, 20), em terceiro lugar com o universo (Gen. 1:26; 3:23), e em quarto lugar com seus semelhantes (Gen. 2:22-24). Para conhecer-se a si mesmo, o homem, como pessoa vivente, não necessita realizar um estudo minucioso de sua própria essência. o que deve fazer é analisar sua origem, o sentido de sua existência, sua vocação e o objetivo que tem na missão de sua vida. A morada do homem A origem do homem é aquilo ao qual ele pertence. Já dissemos que por criação pertence a Deus. Também pertence a seu ambiente físico e social. Em Gen. 2:8-15 é-nos descrito o ambiente físico ao qual homem pertencia originalmente. Em primeiro lugar e de forma resumida, é dito que Deus plantou um jardim no Éden e pos nele o homem (Gen. 2:8). Este jardim está formado por uma abundante vegetação integrada por árvores ornamentais e árvores frutíferas (Gen. 2:9), e muito bem regado por um rio que tem quatro braços (Gen. 2:10), possui abundância de minerais, especialmente ouro, bdélio e pedra de ônix (Gen. 2:11, 12). Duas árvores destacam-se de maneira especial: A árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gen. 2:9)e conclui exp licando o objetivo da vida de Adão para com sua morada (Gen. 2:15). O jardim do Éden Éden significa delícia. Tem-se pretendido descobrir a localização do jardim do Éden numa região dos altiplanos armênios, a oeste do monte Araram ou nas cercanias de Shat-El-Arab, onde o Tigre e o Eufrates unem-se para desembocar no Golfo pérsico, porém todas estas são simples conjeturas, já que sua localização não pode ser determinada devido às alterações topográficas produzidas pelo dilúvio. Na Bíblia são feitas poucas referencias ao jardim do Éden. Apenas é dito que era o jardim de Deus (Eze. 28:13; 31:9), que possuía árvores escolhidas (Eze. 3l:16) e que posteriormente foi desolado (Eze. 36:35; Joel 2:3). Como no povo de Israel, os nomes refletem o desejo que os pais tem para seus filhos e o caráter das pessoas que os possuem. Pode ter algum interesse a única informação concreta que aparece na Bíblia acerca de uma pessoa que possuiu este nome. Trata-se de um levita descendente de Gerson que respondeu favoravelmente ao convite ao rei Ezequias para uma reforma religiosa que incluía o completo restabelecimento do culto no templo. (II Cron. 29:12). A informação antropolÓgica de maior valor que oferece o registro acerca desta pessoa está no fato de haver aceito como seu trabalho diário a missão que, como levita, lhe correspondia. Sob as ordens de Core, filho de Imna, dedicou-se à distribuição das coisas santíssimas (II Cron. 31:14 e 15). O Éden era uma morada santa. Bela e completa. O homem não a construiu por si mesmo. Foi Deus que plantou para ele. O homem não pode pertence a um ambiente físico construído por ele mesmo. Quando o homem constrói sua própria morada, como foi o caso de Caim que edificou uma cidade após haver tido seu primeiro filho (Gen. 4:17), começa uma vida na qual seu senso de pertencer ao meio se deturpa - Caim era uma pessoa errante (Gen. 4:14)- e seu próprio trabalho em relação à vida carece de sentido, porque "Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam" (Sal. 127:1). Isto não significa que a única maneira de recuperar o senso de pertencer com relação ao meio físico, seja volver à vida natural abandonando completamente as cidades. O importante aqui não é o senso de pertencer de maneira formal e externa, mas de maneira espiritual, que surge quando se tem clara consciência de estar associado com Deus na construção da morada. Quando Adão perdeu esta associação com Deus teve que abandonar o jardim do Éden (Gen. 3:24)e embora não tenha saído 33 E. Jungel, "Tod" Themen der Theologie 8 (1971) 99-138 citado por H. W. Wolff, Antropologia, p. 147. para morar em cidades, mas num meio natural como o anterior, experimentou a mesma falta de raízes que experimenta o homem moderno quando não está associado com Deus na edificação de sua própria morada. Esta associação com o doador da vida mantém o homem no pleno sentido da vida. A árvore da vida. O nome que se dá a esta árvore é hajayym. A palavra vida Cjayyah) aparece no plural de abstração Cjayym) denotando referir-se à vida como tal e está precedida pelo artigo "a" (ha) dando força ao fato de que se refere especificamente à vida em quanto tal. Trata-se, então, de uma árvore diferente das demais árvores frutíferas comuns que estavam no jardim e que tem um valor superior a elas em relação com a vida. O fruto destas ajudaria a preservar a vida, em troca, o fruto daquela a manteria "para sempre" (Gen. 3:22). O homem, "privado disto, sua vitalidade diminuiria gradualmente até que a vida se extinguisse”.34 A árvore da vida estava situada no "meio do jardim" (Gen. 2:9). Assim como o centro de toda a criação era o homem como pessoa vivente, o centro da morada que Deus Ihe preparou era a árvore da vida que, como o resto da criação e de forma mais específica, devia servir ao ser humano. Já vimos anteriormente que veda no AT, significa relações. Deste ponto de vista, a árvore da vida seria a árvore das relações com o doador da vida. Após a entrada do pecado, as relações do homem com Deus estabelecem-se pela fé. Poderia dizer-se, então, que a árvore da vida era para as relações do homem com Deus antes de cair em pecado o que a fé é para estas relações após a queda no pecado? A árvore da ciência do bem e do mal. A palavra ciência no nome desta árvore aparece precedida pelo artigo definido (hada'ath) o qual significa que não se trata de qualquer ciência ou todas as ciências, mas um certo conhecimento especifico, o conhecimento do mal em -oposição ao bem. Esta ciência não deve ser compreendida como percepção intelectual de alguns dados concretos acerca do mal. Uma definição deste tipo colocar-se-ia muito mais no pensamento lógico-objetivo dos gregos do que no pensamento hebreu do AT. Para ser fiel a esta maneira de pensar, devemos entender a ciência desta árvore dentro do plano da compreensão psicológica. Assim, por exemplo, os hebreus quando analisam a verdade não se perguntam como os gregos: O que é a verdade? em sentido objetivo, sim. O que é o subjetivamente certo? O que é o confiável no sentido existencial? O que é que concorda com os fatos que produzem sentido? Se a ciência da verdade está em estreita relação com a fidelidade, a segurança, a realidade, o confiável e a existência 35, a ciência do bem e do mal estará muito mais vinculada a uma experiência de vida pois se presta muito menos à especulação intelectual que tem caracterizado a investigação da verdade no pensamento ocidental. Comer do fruto da arvore do bem e do mal não significa alcançar um conhecimento de informações acerca do mal, mas ter um conhecimento de experiência, de vivência com o mal, ainda que fosse negativo. Esta árvore também estava ensinando para a vida, especificamente à vida como vivência, como realidade de um perigo. A possibilidade da experiência negativa estava presente no paraíso e estará sempre presente na vida dos seres humanos, até que o mal seja erradicado para evitar este tipo de experiência, . homem deve ter uma clara compreensão do objetivo que tem sua vida e dos princípios éticos com que a reagem. O objetivo do jardim do Éden era sua morada. Este objetivo aparece claramente em Gen. 2:15 ao dizer que o homem foi posto no Éden ''para que o cultivasse e o guardasse” O homem pertence ao seu ambiente físico porque Deus o colocou nele (Gen. 2:8) e porque um dos objetivos de sua vida é manter esta morada em condições que contribuíram para a preservação da vida (Gen. 2:15). Origem e missão derivam-se de Deus. A cooperação do homem com Deus é indispensável para.que o trabalho da vida tenha sentido. Deus deu uma origem perfeita à morada do homem e o homem tem a missão de guardar esta morada de maneira ininterrupta e perseverante. O verbo "guardar" 34 35 E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 54. 35 - Thorleif Boman, Hebrew thought compared witJz Greek (New York, W W Norton and Co., Inc., 1960), pp 193-204. (shamar) significa vigiar, perseverar, reter firmemente. Toda a vez que o homem se desinteressa de sua morada se autodestrói, A negligência é sempre uma destruição da personalidade. Quando o homem mantém sua morada em condições de perfeição, beleza e eficiência, está acrescentando à sua própria personalidade a eficiência, beleza e perfeição. Se a perfeição está estreitamente vinculada com a missão do homem, muito mais o estará em relação com sua conduta. A ética para o homem A ética que regia a Adão em seu lar edênico era simples. Em primeiro lugar devia saber quem definia o que era correto ou incorreto. Não era o homem mas Deus: "E Ihe deu esta ordem" (Gen. 2:16). Nunca foi plano de Deus que o homem determinasse os valores éticos. O homem é livre para escolher se aceita ou não seguir a conduta que Deus Ihe pede, porém a determinação dessa conduta, se é boa ou má, é assunto que está sob o domínio e soberania de Deus. Deus proibiu ao homem ter qualquer experiência com o mal. Estava autorizado a comer de todas as árvores do jardim e também da árvore da vida, porém da árvore da ciência do bem e do mal, disselhe Deus: "Não comerás" (Gen. 2:17). Esta experiência seria tão negativa para a vida que mudaria completamente o sentido da existência. O homem havia sido criado como uma pessoa vivente que tinha tendência para a vida por origem, vocação, relações e missão. A experiência com o fruto da árvore da ciência do bem e do mal o conduziria para a morte desvinculando-o de sua origem, de sua vocação, de suas relações e da missão que Deus lhe havia confiado. O abandono dos princípios éticos estabelecidos por Deus significaria esvaziar a vida do sentido que Deus nela colocou. Um ser doador de sentido O homem, como um ser pleno de sentido, devia transbordar esta abundância para os seres viventes que integram seu ambiente natural animado. Segundo Gênesis 2:18-20, os animais e as aves não tinham a missão de dar sentido à vida do homem pois entre eles não havia "auxiliadora idônea" para ele. O homem permanecia só. Contudo, os animais foram levados a Adão para que ele desse sentido a suas vidas colocando- lhes nome. Para esta tarefa Adão necessitava compreendê- los, conhecer seus hábitos e captar suas características. Através deste trabalho o homem compreenderia o modo pelo qual estava unido aos animais e a maneira pela qual estava separado deles. Separado porque entre eles não pode encontrar uma auxiliadora idônea para ele (Gen. 2:20). Unido porque eles dependiam dele. Na parte do relato que fala da criação em geral, e ao fazer o plano da criação do homem, Deus havia dito: "Façamos o homem... tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céus, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra(Gen. 1:26). Posteriormente Davi louva e bendiz ao Criador porque colocou ao homem como vice-rei da criação: "Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus, e de glória e de honra o coroaste. Deste- lhe domínio sobre as obras da tua mão, e sob seus pés tudo Ihe puseste: ovelhas e bois, e também os animais do campo; as aves do céu e os peixes do mar, e tudo o que percorre as sendas dos mares. O Senhor, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome!>' (Sal. 8:5-9). A vinculação do homem com os animais como seu governante é uma conseqüência direta da vinculação do homem com Deus na qual o homem reconhece a Deus como o Ser supremo sobre toda a criação.36 “Ele foi posto, como representante de Deus, sobre as ordens inferiores de seres. Estes não podem compreender ou reconhecer a soberania de Deus, todavia foram feitos com capacidade de amar e servir ao homem”.37 36 P. van Imshoot, Teología del AT; p. 336. 37 E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 28. Tem-se dito que o homem, por definição, "é um subordinador", que esta é a informação mais importante oferecida na história de suas origens e que o propósito e o objetivo do rela to completo é exaltar ao homem como subordinador.38 A idéia de subordinador possui conotações que o relato de Gênesis não oferece. O domínio que o homem deve exercer sobre os animais não é impositivo nem tirânico. Toda ação coercitiva é alheia ao caráter de Deus e está completamente fora de Seus propósitos para a ação do homem. O governo que o homem deve exercer sobre a criação está dentro da esfera de mordomo. Como representante de Deus não pode atuar de nenhuma maneira que negue ou desvirtue Seu caráter. Trata-se, então, de um serviço no qual, mais que um subordinador, é um doador de sentido. Neste trabalho ele descobre seu estado de solidão e sua falta de "auxiliadora idônea: Criação de Eva e igualdade do homem com a mulher A solidão do homem é resolvida pela companhia da mulher sempre que ela Ihe haja sido pessoalmente dada por Deus. No caso de Adão, foi- lhe dada por um ato criativo, no caso dos homens que vieram depois de Adão, pelo ato matrimonial. Ocupa Adão um lugar prioritário pelo fato de ser ele quem recebe a mulher? A parte do relato que se refere a criação da mulher (Gen. 2:18, 20-24) não contém nada que favoreça a resposta positiva. Ao contrário, destaca vários elementos que se referem à sua igualdade. A igualdade do homem e da mulher aparece na provisão de uma auxiliadora idônea para Adão, na Criação de Eva e na união matrimoniai. A auxiliadora idônea. Nesta expressão do texto aparecem duas palavras que requerem atenção: auxiliadora é e idônea é A palavra 'zer que se traduz na Bíblia como auxiliador nunca é usada para designar uma auxiliar subordinada a outra pessoa. Mas refere-se a uma pessoa que está em condições de prestar o auxílio que se necessita. Destaca mais a capacidade de auxiliador do que uma relação de inferioridade. Por esta razão, o próprio Deus é considerado auxiliador do homem e quando isto ocorre o homem é bem-aventurado: "Bem aventurado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio". Por que pode ser auxiliador? Porque fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e mantém para sempre a sua fidelidade, porque faz justiça, porque dá pão aos que têm fome, porque liberta os encarcerados, porque abre os olhos aos cegos, porque levanta os abatidos, porque ama os justos, porque guarda o peregrino, porque ampara o órfão e a viúva, porque reina para sempre (Sal. 146:5-10). Tampouco nada há de superior ou auxiliador. O que se diz do auxiliador é que ele está capacitado para auxiliar e se coloca ao nível daquele a quem auxilia. Esta idéia é novamente enfatizada na palavra negeda que significa "duplicata", "igual e adequado a': A idéia de igualdade aparece muito clara no significado desta palavra.39 Portanto a posição de São Tomás, no sentido de que a mulher é uma auxiliadora enquanto procria filhos, porque no demais outro homem seria melhor auxílio,40 o mesmo que na idéia de Martinho Lutero de que a mulher é uma ajuda apenas no que respeita ao exposto por São Tomás e na administração dos assuntos domésticos, estão equivocadas. A expressão auxiliadora idônea expressa a idéia de um ser que tem a capacidade de prestar o auxílio necessário e que está num nível de igualdade por ser equivalente ao homem. 38 Leonard Verduin, Somewhat less than God (Grand Rapids, Mich., W. B. Eerdmans, 1970), pp. 27-47. 39 Citado por H. Doms, "Bissexualidade e matrimonio': Mysterium Salutis, Vol. II, tomo II, 795-841, a citaçáo é da pag. 799. 40 Paul K. Jewett, Man as male and female (Grand Rapids, Mich., W. B. Eerdmans, Publishing Co., 1975), pp. 124-125. A criação da mulher. Também a criação da mulher descreve sua igualdade com o homem. Como na criação do homem, Deus planejou a criação da mulher. Disse: "Far- lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea" (Gen. 2:18). Tanto na criação do homem como na criação da mulher Deus atuou de maneira direta e pessoal. Não Se limitou a dar uma ordem como ocorreu com o restante da criação. Quando executou Seu plano, o homem "dormia" (Gen. 2:21). Não estava ativamente participando embora seu corpo fosse o elemento que Deus estava usando na criação da mulher. A mulher e o homem, portanto, foram criados por um ato igualmente exclusivo de Deus. Quando Deus leva a mulher ao homem, este declara: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada” (Gen. 2:23). Igualdade de constituição – carne de minha carne – e igualdade de ser – varão e varoa – embora tenham diferença de sexo. A união matrimonial. A diferença de sexo, entretanto, não foi criada para ser uma separação ou desigualdade entre o homem e mulher. Seria um elemento de união . Gen. 2:24) e de multiplicação (Gen. 1:28). União porque o homem devia cortar qualquer outra ligação social para dar absoluta prioridade à união com sua esposa, com quem agora seria "uma só carne”. De multiplicação porque.na união matrimonial o homem e a mulher formam o núcleo básico da sociedade e pro criam seus integrantes. Este ensino da igualdade entre o homem e a mulher tão claramente exposto no relato bíblico da criação, tem sido debilitado por todas as teorias que se opõem ao monogenismo bíblico, isto é, que toda a sociedade teve sua origem num par Adão e Eva - criado por Deus. Tanto a teoria préadâmica, que ensina a existência de seres humanos antes da criação de Adão e Eva, como a teoria do poligenismo, expostas já em 1655 por Isaac de la Peyrére, que ensina o surgimento da sociedade a partir de vários troncos originais, deturpa a unidade e igualdade tanto do homem e da mulher como dos diferentes povos e raças que compõem a sociedade humana". 41 Não se pode negar a igualdade do homem e da mulher. Como reafirmação deste conceito, leiamos o seguinte parágrafo: O próprio Deus deu a Adão uma companheira. Proveu- lhe uma 'adjutora' ajudadora esta que Ihe correspondesse - a qual estava em condições de ser sua companheira, e que poderia ser um com ele, em amor e simpatia. Eva foi criada de uma costela tirada do lado de Adão, significando que não o deveria dominar, como a cabeça, nem ser pisada sob os pés como se fosse inferior, mas estar a seu lado como seu igual, e ser amada e protegida por ele. Como parte do homem, osso de seus ossos, e carne de sua carne, era ela o seu segundo eu, mostrando isto a intima união e apego afetivo que deve existir nesta relação42 Definição do homem em relação com sua origem O homem é um ser criado por Deus. Criou-se por Sua palavra em Cristo como uma pessoa vivente que devia manter com seu Criador uma relação de imagem e semelhança, com os animais uma relação de mordomo doador de sentido, com sua morada uma relação de senso de pertencer e de cuidado e com seus semelhantes uma relação de igualdade e de unidade. Deus deu- lhe uma plenitude de vida, comissionou-o para a vida e ditou- lhe uma ética para a conservação da vida que 41 J. Feiner, "El origen de la humanidad': Mysterium Salutis, Vol. I1, tomo II, PP 649-650. 42 E. G. White, Patriarcas e Profetas, pp. 29. ele podia livremente aceitar ou rejeitar. Ao prover- lhe um lar, Deus deu- lhe uma companheira com a qual, em plena unidade, formariam a raça humana para uma vida cheia de bênção e repleta de significado. CAPíTULO III A PERDA DA VIDA O homem e a mulher como pessoas viventes desfrutavam da ordem e harmo nia existentes no lar que Deus lhes havia criado. "Estavam sempre a descobrir alguma atração que Ihes enchia o coração do mais profundo amor, e provocava novas expressões de gratidão”. 1 Podiam desfrutar da vida em sua plenitude qualitativa e quantitativa”. Enquanto permanecessem fiéis à lei divina, sua capacidade para saber, gozar e amar, aumentaria continuamente. Estariam constantemente a adquirir novos tesouros de saber, a descobrir novas fontes de felicidade, e a obter concepções cada vez mais claras do incomensurável, infalível amor de Deus”. 2 Quanto tempo Adão e Eva desfrutaram desta experiência? O livro de Gênesis não contém nenhuma informação a este respeito. Moisés, autor do livro de Gênesis, abandona sua descrição das condições que rodeavam a vida no paraíso e passa a contar-nos a história da queda sem deixar indício algum acerca do tempo que Adão e Eva passaram em "seu estado de inocência"3 no qual estavam destinados para a vida.4 A perda dessa vida é o conteúdo do relato de Gênesis que continua imediatamente após seu relato sobre a criação em geral e do homem em particular. Os capítulos 3 a 8 contam- nos como o homem perdeu a vida como pessoa individual e como sociedade humana. A queda (Gen. 3:1-24), o homicídio de Caim (Gen. 4:1-24), a morte dos descendentes de Adão (Gen. 4:25-5:31) e o dilúvio (Gen. 5:32-8:22) constituem o relato acerca da perda da vida. Esta perda produz-se numa seqüência que se inicia numa conversação mantida por Eva e a serpente acerca de uma ordem específica que Deus havia dado, cuja desobediência conduzia à morte. A conversação concentrou-se na possibilidade de adquirir um conhecimento especial. O conhecimento para a morte A serpente e sua tentação (Gen. 3:1), a resposta da mulher e a ordem de Deus (Gen. 3:2, 3), o conhecimento do mal e a queda (Gen. 3-4-7), colocam em conflito a ética da vida e a ética da morte, a ética da relação e a ética da separação, o conhecimento do bem para a vida e o conhecimento do mal para a morte, a autoridade de Deus e a autoridade da serpente. A serpente e sua relação com o mal Moisés apresenta a serpente sem dar nenhuma explicação acerca da mesma. Apenas declara que era mais "sagaz" que todos os animais que Deus havia criado (Gen. 3:1). Este relato tem sido considerado como uma narração mitológica, uma etiologia histórica5 e como "uma história da origem da humanidade''6 Gerhard Von Rad, referindo-se a Gênesis capítulos 3 a 11, diz que estas 1 E. G. White, Patriarca e Profetas, p. 35. 2 Loc. Cit. 3 Ludwig Ott, Manual de teologia dogmática (Barcelona, editorial Herder, 1969). 4 H.Wolff, Antropologia, p. 288. 5 5 - Heinrich Gross, "Exégesis teol~gica de Génesis 1-3': Mysterium Salutis, Vol. II, tomo I, pp. 469-487, o citado é da pág. 474. 6 19577, 6 - Gerhard Von Rad, Teologia do Antigo Testamento, (São Paulo, ASTE, narrativas "não deveriam ser chamadas mitos, porque a inspiração de seus autores encontra-se nas antípodas do pensamento mítico arcaico.7 A explicação etiológica é uma espécie de profecia retrospectiva, realizada, segundo Karl Rahner, partindo da atual experiência com Deus pelo fa to de que nessa experiência e através dela, o homem pode reconhecer "como deveriam ser as coisas no princípio”. 8 Ele faz uma diferença entre a etiologia mitológica que, a partir desta experiência, explica simbolicamente uma causa e a etiologia histórica que pretende conhecer os fatos do passado. As leituras mitológicas e etiológicas negam a realidade histórica de todo o relato que descreve a perda da vida, porém sua realidade histórica tem sido mantida por muitos eruditos9 e pelo próprio texto da Bíblia. No livro de Jó menciona-se a existência de Adão como o que existiu antes de qualquer homem (Jó 15.7). O profeta Oséias confirma a realidade histórica da transgressão de Adão ao comparar com esta os pecados de Israel (Oséias 6:7). Cristo refere-se ao relato de Moisés nos primeiros capítulos de Gênesis dizendo: "Não tendes lido que o Criador desde o princípio os fez homem e mulher, e que disse: por esta causa deixará o homem pai e mãe, e se unirá à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?" (Mat. 19:4,5). E refere-se também ao diabo como homicida "desde o princípio", como "mentiroso e pai da mentira" (João 8:44). O apóstolo Paulo fala da queda como "a transgressão de Adão" (Rom. 5:14), afirma que "a serpente enganou a Eva co a sua astúcia" (II Cor. 11:3) e que "sendo enganada, caiu em transgressão" (I Tim. 2:14). João, o revelador, declara que antiga serpente se chama Diabo e Satanás (Apoc. 12:9; 20: O nome Satanás provém do hebreu Satan que significa adversário e o nome diabo tem sua raiz no grego diabolos, cujo significado é enganador. O Apocalipse atribui estes dois nomes à serpente ao descrever uma luta que se entabulou no céu entre o dragão, a antiga serpente que se chama diabo e Satanás e Miguel (Apoc. 12:7-9), a quem o anjo revelador, dirigindo-se a Daniel, denomina "vosso príncipe" (Dan. 10:21). O diabo, também chamado Estrela M a ou imo da Alva (Isa. 14:21), em sua rebelião contra Deus, encheu-se de orgulho e pretendeu ser semelhante ao Altíssimo(Isa. 14:1214). Ao utilizar a serpente como médium atua com sagacidade (Gen. 3:1), de maneira enganosa (Gen. 3:13); Apoc. 12:9; 20:8, 10)e torna-se um homicida (João 8:44). Como resultado de sua luta contra Miguel é expulso do céu e atirado para a terra (Apoc. 12:8;9; Luc. 10:18). Tornou-se um acusador dos homens (Jó 1-2), um inimigo do povo de Israel na pessoa de seus 1íderes políticos (Judas 9) e de seus 1íderes religiosos (Zac. 3:1,2), um adversário de Cristo a quem tenta (Luc. 4:2,13) e entrega à morte por meio de Judas (Lucas 22:3-6; João 13:2,27) e um inimigo dos cristãos (I Pedro 5:8). Para induzir os homens ao pecado trabalha com "maquinações" (II Cor. 2:11), com ciladas (Efe. 6:11), com laço (I Tim. 3:7), e com "sagacidade" (Gen. 3:1). Sua função principal é a de um tentador (I Tes. 3:5; I Cor. 7:5) que procura induzir os homens ao pecado e à rebelião contra Deus 7 7- Loc. Cit. 8 Karl Rahner, "Reflexiones fundamentales sobre antropologia y protologia en el marco de la teología:' Mysterium Salutis, Vol. II, tomo I, pp. 454-468, o citado é da pág. 466-468. 9 N Orton Willey y Paul T. Culbertson, Inrroducción a la reologia cristiana, (K~'"Sas City, Beacon Hil( Press, 1948), p. 183. (Atos 5:3). Iniciou sua obra de tentador encarnado na serpente, discutindo com a mulher sobre o conhecimento do bem e do mal. O conflito entre a ética da vida e a ética da morte Segundo Dietrich Bonhoeffer, o objetivo da reflexão ética é o conhecimento do bem e do mal. 10 A serpente está preocupada exatamente com este assunto. Inicia sua conversação com Eva apresentando- lhe uma pergunta cujo objetivo não é conhecer o pensamento de Eva mas incutir uma idéia concreta em seu pensamento: ”É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?" (Gen. 3:1). O pensamento que a serpente procura transmitir à mente de Eva é exatamente o oposto ao que Deus havia expresso. Ele disse: "todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento" (Gen. 1:29). A expressão "todas as arvores" torna a repetir-se numa enumeração de três tipos de árvores: "toda árvore agradável à vista", "a árvore da vida" e "a árvore do conhecimento do bem e do mal" (Gen. 2:9). Deus disse que "toda árvore agradável à vista" era "boa para alimento” As duas vezes em que aparece a expressão "todas as árvores" nas instruções de Deus, está relacionada com a manutenção da vida. Deus deu uma instrução definida para manter a vida. A sugestão de Satanás está no sentido contrário. A resposta da mulher, embora dubitativa, expressa corretamente ordem de Deus. Expõe o que podiam fazer: "podemos comer" (Gen. 3:2), o que não podiam realizar: "Dele não comereis, nem tocareis nele" (Gen. 3:3)e as conseqüências se produziriam se esta ordem fosse desobedecida: "para que não morrais" (Gen. 3:3). É notável o contraste entre a forma dubitativa com a qual Eva expressou a ordem de Deus e a forma claramente positiva com que Deus a enunciou. Eva declarou: "Deus disse: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais' Deus havia dito: "De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás: porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gen. 2:16,17). Nas palavras de Deus havia uma definição clara quanto às conseqüências que teriam que sofrer se desobedecessem Sua ordem: "certamente morrerás': Eva, em troca, declarou que poderia ocorrer a morte se cometessem este ato. A expressão "para que não" (Gen. 3:3), em hebreu pan, é uma linguagem que expressa dúvida e vacilação ante a possibilidade de que ocorra O que se diz a seguir. Nesse caso a morte. Aqui se inicia o conflito entre a ética da vida e a ética da morte. A primeira é definida, concreta, específica, clara e sem ambigüidade. A segunda, vacilante, indefinida, dubitativa e imprecisa. Entre ambas existem as mesmas diferenças que há entre a vida e a morte. O homem havia sido criado por Deus para a vida. A única ordem que Deus Ihes havia dado tinha por objetivo a preservação dessa vida. Todas as ordens que Deus deu ao homem daquela primeira ocasião em diante tiveram sempre o objetivo de conservar, restaurar ou recuperar a vida para o homem. Ao expor Deus seus mandamentos ao povo de Israel, disse-lhes: "Vê que proponho hoje a vida e o bem, a morte CO mal; que hoje te ordeno, que ames ao Senhor teu Deus, andes nos seus caminhos, e aguardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos, então viverás. Jesus Cristo dirigindo-se ao jovem rico disse- lhe: “Se queres porém, entrar na vida, guarda os mandamentos" (Mat.19:17) Tanto o mandamento de Deus em relação com a árvore do conhecimento do bem e do mal como a santificação do sábado no sétimo dia da criação tinham o mesmo objetivo: manter o homem na 10 17. Dietrich Bonhoeffer, Ethics (New York, Mcmillan Publishing Co., Inc, 1955), p. direção da vida. Qualquer desvio significa perder esta direção e encaminhar-se para a morte. A santificação do sábado foi coloca^ por Deus, mais tarde, no próprio coração de Sua lei moral (Ex. 20:2-17). Cristo confirmou que essa lei podia resumir-se em dois grandes mandamentos: amar a Deus (Mat. 22:37,38; Deut. 6:5)e amar ao próximo (Mat. 22:39-40; Lev. 19:18). Estes dois princípios do amor encontram seu oposto no egoísmo que origina a cobiça, a ambição, o ciúme e a intemperança. por sua parte a cobiça, pecado de querer ter mais, gera a falsidade, o furto, o roubo, a fraude e a avareza. A ambição, pecado de querer ser mais, origina o orgulho e a prodigalidade. O ciúme, pecado que destrói as relações por causa da desconfiança em si mesmo e de uma imaginação equivocada em relação aos demais, produz a maldade, a inveja e o ódio. A intemperança, pecado da autodestruição, dá origem aos crimes, à lascívia, ao adultério e á condescendência.11 Se todos estes pecados expressam-se no egoísmo, este produz a desobediência de todos os mandamentos incluídos na segunda tábua, isto é, aqueles que se relacionam com o próximo. Todos eles estavam resumidos na ordem dada por Deus em relação com a árvore do conhecimento do bem e do mal. %r outro lado esta ordem também tinha que ver com o reconhecimento da autoridade de Deus claramente requerida nos três primeiros mandamentos do decálogo. A santificação do sábado havia sido estabelecida no sétimo dia da criação, portanto todos os princípios do decálogo já haviam sido expostos com seu objetivo de vida no momento quando Sataná s e Eva discutiam a direção que devia orientar a conduta de nossos primeiros pais. O conhecimento do bem e do mal O caminho para o conhecimento do mal inicia-se na contradição A serpente contradisse a Deus dizendo: "Não morrereis" (Gen. 3:4). Este espírito contraditório foi transferido, a partir deste momento, à Eva, em quem a contradição passou é palavras ouvidas para as atitudes e as ações. Esta experiência foi repetida por Adão. Deste modo em lugar de conservarem uma mente amiga, livre de toda contradição, deram início à trágica conduta de uma mente inibiria. O processo desenvolveu-se de forma completa. Em primeiro lugar a tentação, contraditória e mentirosa. A mentira não somente está na frase: "Não morrereis", mas também nas palavras que Satanás continuou dizendo: "Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão as olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal" Gen. 3:5). A mentira não está aqui claramente expressa no conteúdo, mas no que o conteúdo insinua. É verdade que o conhecimento do bem e do mal colocará o homem numa posição semelhante à de Deus, pois Ele mesmo o confirma mais tarde dizendo: "Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal" (Gen. 3:22). A insinuação que esta frase contém, entretanto, é completamente enganosa: supere a existência de algo bom que o homem pode adquirir, que Deus o conhece e que, ocultando-o, impede- lhe sua posse. 11 E. G. White, Testemunhos Se[etos, Vol. I pp. 518-519. "Abriu-se outro livro, no qual se achavam registados ospecados dos que professam a verdade. Sob o cabeçalho geral de egoísmo, vinha uma legião de pecados, Havia também cabeçalhos sobre cada coluna e, embaixo destes, ao lado de cada nome achavam-se registrados, em suas perspectivas colunas, os pecados menores Sob a cobiça vin~ia a falsidade, o furto, o roubo, a fraude e a avareza; sob a ambição vinha o orgulho e a prodigalidade; o ci~ime encabeçava a maldade, a inveja e o ódio; e a intemperança servia de cabeçalho a uma longa lista de terríveis crimes, como a lascívia,o adultério, a condescendência com as paixões animais, etc”. A tentação segue a direção contrária ao mandamento, cujo objetivo é preservar a vida. A tentação origina-se no mal (Tiago 1:13), produz o pecado que, por sua vez, dá luz à morte (Tiago 1:15). Existem dois tipos de instrumentos para a tentaÇão. Em primeiro lugar aparecem os instrumentos externos dos quais o diabo (Mat. 4:1) é o principal, pois recebe o nome de tentador (I Tes. 3:5). Também as pessoas humanas podem tornar-se em instrumentos de tentação como ocorre no caso de Cristo, que é tentado pelos fariseus (Mat. 22:34,35), pelos escribas (João 8:6)e pelos herodianos (Mat. 22:16,18). Os instrumentos internos produzem o que Paulo denomina como "tentação humana" (I Cor. 10:13), cuja origem encontra-se na própria cobiça (Tiago 1:14). A epithumia, concupiscência, é o apetite sem controle racional das faculdades pervertidas,12 é o desejo selvagem que arrasta ao pecado. (Gen. 4:6-8). A única maneira de controlar sua força tentadora é crucificando-o (Gal. 5:25)e seguindo os desejos do Espírito (Gal. 516,17). Este desejo do Espírito encontra-se expresso no mandamento de Deus porque a lei é espiritual (Rom. 7:14). A tentação da concupiscência, entretanto, não era possível que atuasse em Eva porque ela não estava corrompida pelo pecado. O crime de Caim, porém, seria produto deste desejo pecaminoso (Gen. 4:7,8). Eva é assaltada por uma tentação externa que procede da mente inimiga do tentador como primeiro passo para a rebeldia contra Deus. O segundo passo é a incorporação da tentação externa à estrutura interior das emoções e dos desejos pessoais. Eva, observando a árvore do conhecimento do bem e do mal, descobriu que era "desejável" (Gen. 3:6). A queda e a transgressão tiveram início neste exato momento, pois a ética da vida, que surge das ordens de Deus, não rege unicamente a conduta externa nem está relacionada unicamente com a execução dos atos que culminam com a prática da obediência, mas estão destinados a orientar os desejos interiores da pessoa vivente. Por esta razão Deus colocou na lei o mandamento: "Não cobiçarás" (Ex. 20:17). Depois que Eva desejou, "tomou- lhe do fruto e comeu" (Gen. 3:6). O pecado estava consumado. Apenas faltava comparti- lo, porém este passo, o último no processo para a transgressão, é o mais natural de todos eles e não se :fez esperar: "E deu também ao marido, e ele comeu" (Gen. 3:6). Toda raça humana existente nesse momento havia se rebelado contra Deus, pois o pecado é uma decisão pessoal contra a pessoa e a autoridade de Deus.13 Tratando-se de uma decisão pessoal, o pecado somente pode surgir numa pessoa que tenha liberdade de decisão ou livre arbítrio. Isto nos coloca a par de uma discussão entre duas teorias: (1)0 pecado é de algum modo acidental, (2) o pecado é uma decisão definida, deliberada e voluntária do home m. Em relação com a primeira teoria foram expostas diferentes idéias, porém três parecem ser as principais. A primeira é exposta pelos evolucionistas, segundo os quais o pecado é um produto de origem animal do homem e trata-se de resíduo do uso equivocado que o homem fez de seus hábitos e tendências etapas anteriores de sua evolução. O homem não é responsável pois o pecado e somente um anacronismo de sua personalidade.14 A segunda coloca a responsabilidade do pecado sobre as estruturas sociais e culturais que pressionam o ser humano. Este enfoque social do pecado o faz derivar de uma "herança social" em lugar de estabelecer sua transmissão por "herança física" 12 Van A~ Harvey, Theological Terms, p. 55. 13-Leo Scheffczyk, O homem, p.6~. 13 Leo Scheffczyk, O homem, p. 65. 14 E R. Tenant, "Evolutionary theory ofthe the empricalprigin ofsin': Man's need and GodLi gift, Millar J. Erickson, ed., (Grand Rapids, Mich, Baker Book House, 1976), pp. 107-123, o citado é da p. 113. como sustentam os que defendem a doutrina do pecado original. Desta maneira o homem é um produto de seu ambiente social, não apenas do ponto de vista cultural mas também do ponto de vista moral. 15 Não é estranho então, que que m se tenha associado a esta idéia a exposição de uma ética social.16 Segundo a terceira idéia, o pecado é um produto da ignorância. Seguindo a tradição platônica adota o critério de que se o homem soubesse que tipo de conduta é boa, ele decidiria em seu favor e atuaria em harmonia com esta decisão. Entretanto, seu problema baseia-se no fato de que ele é um ser finito. Portanto, não está plenamente capacitado para descobrir e compreender a verdade e o bem em forma total. Como o homem não é responsável por sua própria limitação, o pecado não é algo mau mas ignorância.17 As idéias expostas nesta teoria permitem- nos compreender a orientação que seguem algumas antropologias teológicas que analisamos no primeiro capítulo, especialmente aquelas que desenvolvem uma compreensão otimista do homem e que estabelecem seu compromisso com as modificações estruturais da sociedade, cujo resultado seria unicamente o que Ihes permitirá a redenção do homem. A segunda teoria que estabelece a plena responsabilidade do homem ,ao definir o pecado como produto de sua decisão voluntária e deliberada, diz que o homem peca pelo fato de haver adquirido uma natureza radicalmente corrupta. Portanto o homem é um ser caído que pertence a uma raça rebelde, cuja única esperança reside na salvação oferecida por Cristo.18 A plena responsabilidade que esta teoria atribui ao homem está baseada no conhecimento que este tem de sua situação pecaminosa. Adão e Eva "perceberam que estavam nus' (Gen. 3:7) Haviam alcançado não um conhecimento benéfico como o que havia sido ;sugerido pela serpente (Gen. 3:5), mas um conhecimento de sua situação pecaminosa. Tanto as palavras da serpente que se referem ao conhecimento do bem e do mal (Gen. 3:5) como as do relato no qual informa que Adão e Eva perceberam que estavam nus, referem-se a um mesmo tipo de conhecimento. A palavra hebraica yada implica muito mais que a simples captação intelectual de algo. Refere-se à captação desse algo por experiência e por domínio,19 e indica o poder de aceitar algo para realizá- lo.20 O conhecimento que Deus havia retido para o homem ao proibir-lhe comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, referia-se a um tipo específico de experiência contrária à experiência da vida. Experiências de não- vida que o homem somente poderia viver se encontrasse 15 Ibd, 120. 16 Amos N. Wilder, Kerygma, eschalotogy, and social athics (Philadelfia. Fortres Press, 1966); Theo Preiss, "Life in Christ and social ethics in the Epistle to Philemon': Life in Christ (Naperville, III., Allenson, 1954), capítulo dois. 17 - M. J. Erickson, Man's Need, p. 100. 17 M. J. Erickson, Man's Need, p. 100. 18 Calvin Linton, "Man's Difficulty - Ignorance or evil?" Man's need, pp. 125-130. 19 G. von Rad, Teologia , I, 1á2. 20 P van Irnschoot, Teología del antiguo Testamento (Madrid Ediciones Fax, 1969), p, 675. na direção da morte, na qual seriam concentradas todas as anteriores. "Era a vontade de Deus que Adão e Eva não conhecessem o mal. A ciência do bem lhes havia sido dada livremente; mas o conhecimento do mal - o pecado e seus resultados, o trabalho fatigante, os cuidados, as decepções e a aflição, a dor e a morte - foi- lhes amorosamente vedado''21 Isto era muito diferente da idéia apresentada pelo tentador no sentido de que Adão e Eva alcançariam a sabedoria e o poder de Deus. Prometeu- lhes que seriam "como Deus", porém ele não se referia ao poder e à sabedoria de Deus, mas à autoridade que determina o que pertence à esfera do bem ,, à esfera do mal na conduta de suas criaturas. do que é bom do que é mau, do correto e do que pertence ao homem. O critério supremo para determinar que é correto e o que está errado reside exclusivamente na vontade de Deus. Quando Eva e Adão determinam p,R eles era bom comer da árvore do conhecimento do e do mal arrebataram para si um atributo que não Ihes pertencia. Eles eram seres livres: podiam responsavelmente decidir o que fariam OU O que deixariam de fazer, porém o que Deus ha via definido como bom podiam eles, mediante o exercício de sua própria vontade, modificar essa determinação Intentá- lo é uma blasfêmia, pois eles não eram Deus e não podiam pretender em atuar como se o fossem. Toda vez que o cedeu a esta tentação degradou-se.22 Isto é, afastou-se de Deus, da paz da integração para aproximar-se da desintegração,da angustia,da morte e do nada. Esta inversão da experiência partindo drt humanidade para a desumanidade deu ao homem o conhecimento do mal que, por ser incorporação de experiência, equivale a pecado. Conceito bíblico de pecado O poder pictórico da língua hebraica é exibido com maior clareza como conexão com os diversos aspectos do mal. Cada palavra é uma peça de filosofia; em realidade é uma revelação. O observador dos assuntos humanos é plenamente impressionado pelo tédio da vida e pela quantidade de esforço e trabalho que devem realizar os filhos dos homens para obterem uma escassa existência; ele vê o vazio, a vaidade e a irrealidade daquilo que a princípio parece brilhante e atrativo; ele nota que a natureza humana, em seus aspectos pessoal e social, está deturpada e sem sentido; que a cadeia do amor que deveria unir numa só a grande família, tem sido destruída em mil pedaços; que o isolamento e a desolação têm tomado o lugar da unidade e da felicidade; que a relação entre o homem e seu Criador tem-se obscurecido, e que embora o homem conheça a vontade de Deus, há algo em sua natureza que o impulsiona a rebelar-se contra ela; finalmente chega à convicção de que este estado de coisas não é original, mas opôe-se aos melhores instintos humanos e frustra o propósito original de sua criação". A bíblia hebraica apresenta-nos um completo conhecimento destes multiformes aspectos do sofrimento humano e une as más ações com o sofrimento num grau notável, mostrando o pecado em sua relação com Deus, com a sociedade e com o próprio ser do homem, descrevendo- lhe em seu aspecto negativo com iniqüidade ou injustiça.”23 21 E. G. ~hite, Educaçáo, p. 23. 22 Edmond Jacob, Theology ofthe Old Testament (New York, Harper and Row, publishers, 1958), 171. 23 Robert Baker Girdlestone, Synonyms ofthe Old Testament (Grand Rapids, Mich, Wm Eerdmans, 1897), p. 76. Os termos empregados no AT para referir-se ao pecado podem agrupar-se em quatro tipos conforme expressem: desvio, mudança, rebelião, ou destaquem a característica pecaminosa da ação pecadora como tal.24 Desvio do caminho correto: Existem várias palavras que expressam esta idéia. O verbo jata significa errar o alvo ou o caminho.25 Indica o fracasso em algo que devia ser feito em favor de algum homem ou de Deus (I Sam. 2:25). Neste sentido o pecado aparece como infidelidade ou separação (I Reis 12:19) que pode ser rebeldia contra Deus ou contra o rei (Oséias 1:13; Jer. 2:19)e portanto o pecado é uma insensatez ou loucura (I Sam. 25:25). Toda má ação é um fracasso, é não alcançar o objetivo ao qual Deus Se propôs ao criar o homem. É um fracasso ontológico porque o homem deixa de ser o que Deus propôs que fosse e é uma perda de sentido porque o homem já não está determinado para a vida mas para a morte. Isto quer dizer que cada desvio da lei de justiça significa não alcançar o propósito para o qual o homem foi feito e errar o alvo que ele devia alcançar com as ações de sua vida.26 Quem não cumpre a missão de sua vida está em pecado e leva uma vida sem sentido porque está encaminhada para o fracasso e para a morte. Esta perda do caminho correto destrói no pecador sua capacidade de relação Começa com a incredulidade (Sal. 78:32), pecado encontra-se a incredulidade27 e a falta de fé. "Eva, absorta, lisonjeada, iludida, não percebeu o engano. Cobiçou o que Deus havia proibido; desconfiou de Sua sabedoria. Repeliu a fé, chave do saber”. 28 Preferiu o conhecimento racional o qual, partindo da dúvida, procura investigá- lo totalmente, em lugar de aceitar o conhecimento de fé o qual, por reconhecer a existência de limitações e mistérios, relaciona a pessoa com Deus e com Sua criação de um modo mais tranqüilo e confiado. Continua realizando o mal contra outras pessoas (I Reis 8:31; II Sam. 19:20; I Reis 18:9: II Reis 18:14) e termina rebelando-se contra Deus (Isa. 43:27). Está é a forma mais violenta de separação29 e converte-se num pecado que não somente nos exclui de Deus, "mas destrói na alma humana tanto o;desejo como a capacidade de O conhecer”. 30 Nesta mesma linha de pensamento aparece o termo awo que expressa a idéia de maldade ou iniqüidade cometida contra um homem (I Sam. 20:21) ou contra Deus (Jó 13:23). Dentro da idéia geral de perder o caminho, esta palavra também era o conceito de desorientação pois expressa, de maneira específica, a idéia de estar desviado.31 A pessoa que comete maldade perde o caminho da retidão e não sabe como retornar ao mesmo. Está completamente perdida. 24 H. WheeleT-ãobinson, "Old Testament terminology for sin': The Christian Doclrine ofi~ian (Edinnburg, T. and T. Clark, 1926), pp. 42-45. 25 p. van Imschoot, Teologia, plj. 664-672. 26-R. B. Girdlestone, Synonyms, p. 77. 26 R. B. Girdlestone, Synonyms, p. 77. 27 Reinold Niebuhr, The Nature and Destiny of Man (New York, Charles Scribner's Sons, 1964), p. 174. 28 E. G. White, Educação, p. 24. 29 H. Strong, Systematic theology (Philadelphia, Judson, 1956), p. 585. 30 E. G. White, Educação, p. 28 31 P. van Imschoot, Teología, pp. 28. A mudança de situação - A pessoa que comete pecado muda para uma situação de culpabilidade. A palavra rashgr foi primeiramente usada como um termo forense para declarar a culpabilidade de alguém (Ex. 22:8). Indicava que essa pessoa não tinha razão e que era culpável no sentido de não ser inocente (Deut. 25:2). Juntamente com isto está a palavra asham que significava tornar-se culpável (Gen. 26:10; Prov. 14) seja perante o homem (Num. 5:7; Eze. 25:12) ou perante Deus (Lev. 5:19) e estar disposto a expiar a falta mediante um pagamento (I Sam. 6:3,4,8,17). Adão rebelde contra um superior - No primeiro grupo de palavras referimo-nos à rebelião como destruição de relações Este grupo refere-se a uma atitude rebelde que executa ação definida contra a pessoa que é o objeto da rebelião. Esta idéia é expressa pela palavra pesha' que se pode cometer contra um rei (I Reis 12:19; II Reis 1:1; 3:5,7; 8:20,22) ou contra Deus (Isa. 43:27). A ação mais intensa da rebelião, expressa por este termo em relação com a rebelião de jata> aparece claramente em Jó onde se expressa: "Pois ao seu pecado (Jatta'th) acrescenta rebelião (pesha?" (Jó 34:37). Esta maneira ativa de rebelião também é expressa pelo termo ma'al, que significa infidelidade traidora, que pode ser de uma esposa contra seu esposo (Num. 5:12,27) ou de um homem contra Deus (Num. 5:6). A descrição do ato pecaminoso como tal - Geralmente o ato pecaminoso é descrito com o termo ra'aj, que significa todo tipo de mal (I Sam. 12:17)e que inclui a maldade, a violência, a vaidade, a loucura, a insensatez, a indignidade, a destrutibilidade e a criação de situações problemáticas. Como se vê, todas estas expressões do AT descrevem experiências. Nenhuma delas destaca a pecaminosidade como tal, separada da pessoa que comete o pecado. O AT não tem uma doutrina do pecado, mas a descrição da experiência pecaminosa do homem ou da comunidade. O pecado no NT - Os termos usados no NT para descrever o pecado seguem uma linha semelhante à que vimos no AT. Entre as principais palavras que são utilizadas mencionamos as seguintes: Anomia - É o pecado da ilegalidade ou falta de conformidade com a lei. Neste sentido o pecado representa um estado desordenado e confuso de rebelião contra Deus. Um texto clássico a este respeito é I João 3:4 que diz: "Todo aquele que pratica o pecado, também transgride a lei: porque o pecado é a transgressão da lei (anomiá)' Este estado de desordem e confusão deve ser entendido como aplicado à pessoa que comete a anomiá. Seu estado de confusão é devido ao fato de que não conhece a Deus nem permanece n'Ele (I João 3:6). Privado do verdadeiro senso de pertencer transforma-se em propriedade do diabo (I João 3:8) e vive num estado de confusão. Asébeia - Este é o pecado da separação. A pessoa que comete este pecado adquire um caráter diferente do caráter de Deus e por esta razão separa-se dEle e experimenta uma vida caracterizada pela ausência de Deus. E um pecado similar à injustiça, relacionado com o engano e transforma o pecador num candidato a receber a ira de Deus. "A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade (asébeia)e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça" (Rom. 1:18). A separação que os ímpios experimentam tem conseqüências escatológicas porque quando o Senhor vier exercerá juízo contra todos (Judas 14,15).32 Hamartía - Este é o pecado da desobediência. Se a anomrá é a falta de conformidade com a lei, o pecado de hamartía é a desobediênc ia aos mandamentos da lei divina como o adultério ou a fornicação. (I Cor. 6:18). 32 Wiley, Culbertson, Introducción, pp. 193-194. Adikía - Esta palavra significa "encurvadura, perversidade do que era reto" e portanto é o pecado da iniqüidade resultante de atos pervertidos. Por este pecado o homem auto-separação de Deus e o eu assume o lugar que deveria ser ocupado por Ele. Em conseqüência, a maior iniqüidade e a maior perversão. segundo o apóstolo Paulo, manifestam-se nos úItimos dias, quando os homens seriam "amantes de si mesmos" (II Tim. 3:1,2). O apóstolo João diz que "toda injustiça (adikía) é pecado" (I João 5:17). Hamartía - Esta palavra é usada no NT para expressar .O pecado em geral ou em particular, uma ofensa que se comete contra Deus, destacando a culpabilidade que esta produz sobre a pessoa que a comete. Surgem três tipos de hamartía: (1) -O pecado como ato individual (Atos 2:38; 3:19; I Tim. 5:22; Heb. 1:3; 2:17; 5:1). (2) Como expressão que escreve a natureza corrupta do homem e sua hostilidade contra Deus à qual se apresenta em fórmulas como: ter pecado (João; 15:22,24; 19:11; I João 1:8), temos pecados (I João 3:5) e morrer no pecado (João 8:21,24; 9:34; I Cor. 15:17), conhecimento do pecado (Rom. 3:20), permanecer no pecado (Rom. 6:1), corpo de pecado (Rom. 6:6), carne pecaminosa (Rm. 8:3). (3) Como pecado em sentido geral que entrou no - : mundo por um homem (Rom. 5:12), que se torna visível pela existência da lei (Rom. 7:79), engana ao homem (Rom. 7:11), assedia-o (Heb. 12:1), habita nele (Rom. 7:17,20), desperta- lhe as paixões pecaminosas (Rom. 7:5) e toda sorte de concupiscência (Rom. 7:8). Todos os homens estão debaixo do pecado (Rom. 3:9; Gal. 3:22) ao qual são vendidos como escravos (Rom. 6:16, 20; 7:14; João 8:34; Gal. 2:17) para servi- lo (Rom. 6:6) de acordo com a sua lei (Rom. 7:23) e para receber seu salário (Rom. 6:23) que é a morte (Rom. 5:21; 7:11; Tiago 1:15). Tanto no AT como no NT a experiência do pecado é uma destruição das relações com Deus, com o próximo e com a natureza e é um desvio do objetivo ou missão que Deus estabeleceu para a pessoa humana vivente. Por eSta razão Cristo é uma pessoa na qual não existe pecado (I João 3:5)e veio para cumprir uma missão específica. Esta missão é vista no próprio nome que Ihe é dado: "e Ihe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles" (Mat. 1:21). Como ser sem pecado, mantém uma relação de estreita unidade com Deus e vence o pecado convertendo-se no Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, na propiciação pelos nossos pecados (I João 2:2) e Seu sangue purifica de todo pecado (J João 1:7). É evidente que a experiência do pecado afeta tanto a relação com Deus como o cumprimento da missão. Não é estranho então que o conhecimento do pecado trouxe uma completa transformação para Adão e Eva e, através deles, para toda a humanidade. Isto nos coloca frente ao problema da transmissão do pecado e especificamente diante do conceito de pecado original. O pecado original O conceito de pecado original tem sido exposto, através da história do cristianismo, seguindo duas linhas de pensamento: como um estado de culpa, e como um "estar situado') A primeira reflete a doutrina tradicional e a segunda expõe esta doutrina no marco do novo humanismo. O pecado original como estado de culpa - Duas posições atuais permitem-nos uma visão clara acerca do conceito de pecado original. Em primeiro lugar exporemos o modo como o magistério da igreja católica o tem definido e em segundo lugar transcreveremos o artigo de fé da igreja anglicana sobre este particular. O magistério da igreja católica estabelece que cada ser humano se encontra num estado de culpa mesmo antes de cometer seu primeiro pecado pessoal. é pecado original não é um pecado cometido,mas contraído. No entanto é pecado prÓprio33 “do indivíduo" e também é pecado "de todo o gênero humano”, 34 não se contrai por imitação,mas por herança. Nos artigos de fé da igreja anglicana é definido da seguinte maneira: "O pecado original é a falta e corrupção de todo ho mem por meio da qual todo indivíduo está separado de sua retidão original e é por sua própria natureza inclinado ao mal, de maneira que a carne tem sempre desejos contrários ao espírito; e, portanto, cada pessoa nascida neste mundo merece a ira e a condenação de Deus"35 Segundo o que acabamos de ver, o pecado de Adão é imputado a cada homem36 e, em conseqüência, é responsável e culpado pelo pecado de Adão, merecendo seu castigo peio simples fato de que todos procedemos de Adão.37 O primeiro a elaborar a doutrina do pecado original foi Santo Agostinho (354-430). Santo Agostinho, em oposição a Pelágio, defendeu a idéia de que o pecado de Adão transmite sua responsabilidade a todos os homens e os faz culpáveis. Seus argumentos eram dois: (1) Adão é o pai físico de toda a raça humana. Os homens são pecadores por haverem herdado o pecado como descendentes deste primeiro pai pecador. Deste modo, o pecado aparece como o produto de um fato puramente natural, isto é, a descendência física de Adão, e cada homem deve tomar sobre si a responsabilidade e a culpa de um ato que ele não cometeu. (2) Adão era o representante de toda a raça humana. Em conseqüência, todos os homens são pecadores em Adão. Se no argumento anterior é destacada a herança física, neste chama-se a atenção à solidariedade da raça humana no ato pecaminoso e a culpabilidade de Adão.38 Santo Agostinho baseou sua doutrina do pecado original no capítulo 5 da epístola aos Romanos. Considera-se que Rom. 5:12-21 é o locus clasicus desta doutrina e sua exegese tem sido "uma das tarefas mais difíceis da teologia bíblica”. 39 Embora todo o texto esteja sob consideração, a maior dificuldade que se apresenta está relacionada com o versículo 12, que diz: Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque (ef'hó) todos pecaram' A expressão ef'hó é a que apresenta a dificuldade neste versículo. Desde o século IV alguns padres gregos deram início à sua tradução pela expressão latina in quo, dando- lhe assim o sentido de um pronome relativo que se refere a Adão. A frase 33 Piet Schoonenberg, "El hombre em pecado': Myslerium Salutis, Vol. II, tomo 2, 1204. 34 José I. Vicentini , "Comentario a los Romanos': La SagradaEscritura, B.A.C. NT, Tomo II, p. 226. 35 Wiley, Culbertson, Introducción, p. 197. O grifo no texto é nosso. 36 Jonathan Edwards, "Some evidences of original sin frarn facts and events:' Man's need, pp. 131-151, o citado é da p. 131. 37 Max Mainertx, Teología delNuevo Testamento (Madrid, Ediciones Fax, 1966), pp. 297-315. 38 Emil Brunner, Man NI revolt (Philadelphia, The Westminster Press, 1939), pp. 118-122. 39-Ibid, p. 119. 39 Ibid, p. 119. ficaria, então, "no qual todos pecaram': No "Ambrosiáster", autor desconhecido do século IV cujas obras foram atribuídas por muito tempo a Santo Ambrósio, encontra-se a idéia de "condenação" e o fato de que "a multidão se convertera em pecadora” Entretanto, este último conceito mescla-se com a idéia dos pecados pessoais. Santo Agostinho, em conseqüência, é o primeiro que faz uma exegese de Romanos 5:12-21 interpretando a passagem apenas do ponto de vista do pecado original”.40 Entretanto, sua exegese da expressão ef'hó é questionável. Não se trata de um pronome relativo, mas por estar acompanhado de uma preposição, encontramo-nos ante uma perífrase por uma conjunção, cujo significado é "dado que", "por quanto”41 A frase, portanto, deve ser traduzida: "por quanto (ou dado que) todos pecaram' A atuação da simples preposição epí, cuja presença Santo Agostinho descuidou completamente, dá à frase um sentido muito diferente. Já não se trata de um pronome relativo cujo antecedente seria: um homem - se fosse assim teria que concordar no caso, gênero e número com seu antecedente, o que não ocorre - mas expressa a causa pela qual ocorre o declarado na frase anterior. A morte passou a todos os homens porque todos pecaram. Desta maneira, o versículo nos diz que por um homem entrou o pecado no mundo, dando assim ao pecado um sentido pessoal e a sua entrada no mundo Ihe dá características históricas. Houve um momento na história quando o pecado entrou no mundo por meio de um homem. Por intermédio do pecado foi introduzida a morte. Logo passa da esfera dos acontecimentos históricos à esfera das experiências e responsabilidades individuais. A morte espalhou-se entre todos os homens porque todos eles pecaram. Pelo contexto esta expressão, além de incluir a responsabilidade pessoal, expressa a condição da raça humana completa. Pois o pecado de Adão e Eva, depravando sua natureza,42 os fez abandonar seu "estado de inocência e santidade", 43 diminuiu seu poder para resistir ao mal, tornou mais fácil o acesso de Satanás a eles e adormeceu sua percepção moral.44 O que Adão e Eva transmitiram de herança a seus descendentes não foi a culpabilidade do pecado, mas a tendência de pecar. De Adão em diante foi muito mais fácil cometer o pecado,pois a relação direta com Deus estava cortada (Isa. 59:2) e porque, ao contrário do que ocorreu com Adão.45 O homem sofria os efeitos do pecado e estava escravizado por Satanás.46 AIém de Rom. 5:12-21, outros textos têm sido usados para apoiar a doutrina do pecado original. São os seguintes: II Cor. 5:14; I Cor. 15:21; Salmos 51:5. Destes, o único que tem tido alguma força de argumentação é I Cor. 15:21,22, porém este não se refere à transmissão do pecado, mas à transmissão da morte. "Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque assim como em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo" Este texto realmente não dá nenhum apoio à doutrina do pecado original. Em 40 Piet Schoonenberg, Mysterium Salutis, Vol. II, tomo II, p. 1007-1008. 41 Joseph Henry Thayer, A Greek-English Lexicon of the New Testament (New York, American Book Company, 1886), p. 455. 42 42 - E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 55 "Sua natureza ficara depravada pelo pecado~' 43 43- Ibid, p. 51 44 . 44-. P 374. 45 45 - E~ G~ White, O Desejado de Todas as Naçóes, p. 81. 46 46 - White, Caminho a Cristo, p. 17. contraposição à doutrina do pecado original, Santo Agostinho o chamava peccatum orignali, Pelágio, monge britânico, no ano 409 apresentou em Roma sua doutrina do Qeccatum naturale ou pecado natural. Não admitia a propagação do pecado na forma hereditária pois, segundo ele, cada pessoa vem ao mundo com uma alma criada diretamente por Deus em estado de inocência, livre de tendências depravadas e com a mesma capacidade de servir a Deus como teve Adão no momento de sua criação.47 A transgressão de Adão não foi imputada à sua posteridade e a morte que cada ser humano sofre não é um castigo pelo pecado de Adão mas uma conseqüência natural”.48 Pelágio cria que a contínua insistência no fato de que o homem está depravado e debilitado é a causa pela qual cada ser humano peca, pois pensando que ele não pode fazer outra coisa senão pecar, está psicologicamente preparado para cometer o pecado.49 A isto é somada a realidade do mal, exemplo que desde Adão é uma força poderosa que induz os homens ao pecado.50 As idéias de Pelágio foram condenadas pelo Concílio de Cartago no ano 418. O único elemento resgatável na doutrina de Pelágio é a ação que estimula a força do exemplo. Desde cedo deve ser considerado como uma força que se exerce sobre um homem que já possui uma natureza depravada. Este era o caso dos homens que seguiram o exemplo de Caim. "A influência exercida sobre seus descendentes por sua vida e ensino, determinou o estado de corrupção que exigiu a destruição do mundo inteiro pelo dilúvio.51 Os reformadores foram partidários da doutrina sobre o pecado original. Martinho Lutero, seguindo a Santo Agostinho, equipara o pecado original com a concupiscência. Melanchton. Desde cedo este exemplo também defendia a doutrina do pecado original exposta no segundo artigo da Confissão de Augsburgo da seguinte maneira: "Ensinamos que, devido a queda de Adão, todos os homens que nascem naturalmente são concebidos e nascem em pecado, isto é, que todos eles estão cheios de concupiscência e de mas inclinações desde o seio materno e não podem por natureza ter nenhum verdadeiro temor a Deus nem uma verdadeira fé em Deus; que a mesma concupiscência e o pecado original inatos são verdadeiros pecados e todos os que não nasceram pelo batismo e pelo Espírito Santo são condenados pela ira eterna de Deus”. 52 Calvino também aceita este conceito de pecado original e defende que o entendimento e a vontade do homem estão completamente corrompidos. Arminio (1560-1609), professor na Universidade de Leyden, no Sul da Holanda, cujas idéias são defendidas atualmente pelos catequistas, opôe-se à doutrina do pecado original da reforma e da IgreJa católica. Arminio afirma que todos os homens, enquanto continuam na transgressão de Adão, estão destituídos da justiça original e devem sofrer as conseqüências da miséria e morte. A 47 k H. Strong, Systemaitc Theology, p. 597. 48 Gustave E Wiggers, "The pelagian view of original sin': An Historical Presentation os Autrinism and Pelagianism from the Original Sources (Andover, N. Y., Could, Newman and Saxton, 1840), pp. 83-88. 49 M. J. Erickson, Man's need, p. 101. 50 A. H. Strong, Systematic Theology, p. 597. 51 E. G. White, Patriarcas e Pr~fetas, ~. 334. 52 Die Bekenntnisschriften der evangelisch-lutherischen Kirche, (Gotinga, Deutscher Evangelischer Kirchenausschus, 1956), p. 53, citado por Piet Schoonenberg, Mysterium Sa[utis, Vol. II, tomo II, p. 1015. incapacidade que têm os homens de obedecer devesse ao fato de haverem herdado de Adão a tendência ao pecado, portanto sem Cristo, o homem não pode, de maneira nenhuma, alcançar a vida eterna. Tão logo o ser humano chegue a um estado consciente, Deus Ihe provê uma influência especial do Espírito Santo para que ele possa resistir aos efeitos de uma herança depravada, criando- lhe assim as condições favoráveis para a obediência, cuja realidade depende não apenas .:este poder do Espírito Santo mas também da cooperação da entidade humana com ele. Deus somente imputa como pecado as tendências herdadas quando o homem consciente e voluntariamente permite que elas atuem de maneira contrária ao poder do Espírito Santo. Arminio considera que a morte não é pena que os homens sofrem por compartilhar os pecados de Adão mas trata-se simplesmente das conseqüências que o perdão introduz no mundo porque todos transformam em atos de transgressão suas tendências interiores herdadas para o pecado.53 De todas as posições que temos estudado nesta seção a de Arminio parece ser a que mais se aproxima da Sagrada Escritura. O pecado original como "estar situado" - Este conceito é mais recente e está vinculado ao surgimento do novo humanismo na antropologia teológica. Não é o conceito evolucionista que define o pecado original como a "transgressão primitiva de um homem primitivo”. 54 O conceito de estar situado indica que o homem se encontra numa circunstância composta por uma situação determinada e o ambiente que rodeia o homem. Esta circunstância determina interiormente a pessoa e constitui o pecado original que não é voluntário, salvo no fato de que existe pela vontade de Adão porém não pela decisão de nenhuma outra pessoa posterior a ele.55 O pecado original procede unicamente de uma situação exterior e elimina completamente a responsabilidade do homem sobre seu pecado pessoal, transferindo-a às estruturas sociais que formam a situação na qual o homem se encontra. Os dois conceitos de pecado original - como estado de culpa e como estar situado - reduzem a responsabilidade pessoal do homem em seus atos pecaminosos, porque o primeiro considera que tanto o pecado como a culpa chegam a eles por uma decisão de Adão e não por uma decisão pessoal e o segundo coloca a responsabilidade no ambiente que rodeia o homem. Isto está em completa oposição à doutrina do pecado que encontramos através de toda a Sagrada Escritura, onde o pecado é sempre um ato do homem. "Por maior que seja a pressão exercida sobre a alma, a transgressão é o nosso próprio ato”. 56 E assim como “Adão não podia;negar nem desculpar seu pecado”57 nosso pecado não tem desculpas. "A tentação mais forte não pode desculpar o pecado”.58 Esta situação ficou claramente comprovada quando Adão e Eva tiveram que enfrentar as perguntas que Deus Ihes fez imediatamente depois haverem cometido o pecado. As perguntas da vida 53 A. H. Strong, Systematic Theology, pp. 601-602. 54 Christopher E Mooney, Teilhard de Chardin y el miiterio de Crato (Sala manca, Ediciones Sígueme, 1967), p. 91. 55 Piet Schoonenberg, Mysterium Salutis, Vol.II, Tomo II, p. 1028-1032. 56 E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 442. 57 Ibid, p. 51. 58 Ibid, p. 442. 57 O homem já não se encontrava no caminho da vida quando como de costume, Deus se aproximou do jardim para conversar com Adão e Eva. O fato em si de se haverem escondido presença de Jeová indica a profunda transformação que havia o em sua maneira de pensar e de atuar. Suas atitudes simpatias, de amizade, de aproximação e de relação com haviam sido destruídas. Esta única conseqüência do pecado constituía uma enorme tragédia. Mas não seria a única. Deus, que havia dado a vida a Adão e Eva, apresentou- lhes perguntas que posteriormente a vida em si se encarregaria repetir a cada um dos seres humanos. Exporemos a seguir três tipos de perguntas. Qual é a tua posição? Deus, chamando ao homem, disse- lhe: "Onde estás?" (Gen. 3:9). A posição do homem havia mudado. Antes a voz de Deus o atraía, agora o aterrorizava. Antes se sentia comprometido com tudo o que Deus Ihe comunicava, agora, destinado a morte, encontrava completamente desligado de todo o compromisso com a vida. A primeira ve z que Adão escutou a voz de Deus é para conhecer a relação de bênção que havia adquirido pelo fato de haver sido criado por Deus (Gen. 1:28,29). Agora, pecador, descobriu que se encontra numa relação de temor. O medo não produz aproximação mas separação. Em conseqüência, o homem inicia sua marcha de separação com a qual tem seguido permanentemente, ocultando-se de Deus até o ponto de chegar a conceber sua não existência para evitar seu encontro com Ele. A posição do homem, quanto mais afastada de Deus, mais se encontra de uma filosofia humanista, mundana, que mantém o homem numa abertura para a natureza e para a sociedade humana, porém impede- lhe toda possibilidade de comunicação com o Deus Criador. A quem reconheces como autoridade? Deus perguntou a Adão: "Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses?" (Gn 3:11). Ensinar e mandar expressam autoridade. O homem já n.o esta sob a autoridade de Deus. Esta sob a autoridade do inimigo de Deus e desse momento em diante somente terá interesse em executar os desejos de seu pai, o diabo (João 8:44). Porém o homem – criado como ser responsável e livre já não assume seus compromissos. Quem não segue a verdadeira autoridade é um irresponsável. Adão transferiu sua responsabilidade a Eva: "A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, eu comi" (Gn 3:12). Transfere sua responsabilidade a Eva e a Deus. Somente a pessoa orientada para a morte vive na irresponsabilidade porque o que esta orientado para a vida sempre reconhece a autoridade de Deus. "Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos" (Mat. Quem é que determina tuas ações? A vida do homem não depende das ações que ele executa, pois a vida chegou à existência pelas ações criadoras de Deus. Entretanto, as ações do homem podem determinar sua perda da vida. Isto foi o que ocorreu com Adão e Eva. Deus perguntou à Eva: "Que é isso que fizeste?" (Gn 3:13). Ela reconheceu que havia desobedecido: "Comi" porém indicou que suas ações haviam sido determinadas pela serpente e pelo engano: " A serpente me enganou A presença deste poder negativo externo no homem atuando permanentemente para determinar suas ações, tem sido uma realidade Através de toda a história humana. Juntamente com ele esta a mentira e o engano. O homem foi criado para que Deus orientasse suas ações e para que atuasse dentro do âmbito da verdade. Some nte quando ocorre descobre que seu ser não fica enclausurado dentro si mesmo, mas na própria vanglória, e na vacuidade de sua não se abre para o Deus que é também o caminho, a verdade e a vida (Jo 14:6). Partindo de uma posição confusa, contraditória, temerosa e de indiferença diante de Deus, o homem passou ao deserto completo de Sua autoridade para ocultar-se na ilusão de ótica de suas próprias escusas, do engano e das ações sentido. Com tudo isto o homem havia iniciado seu caminho rumo a morte. O caminho para a morte As conseqüências que o homem sofre pelo pecado são descritas em (Gn 3:14-24)e constituem o caminho para a morte. a entrada do pecado o homem já não é um ser para a mas, como claramente o percebeu Martin Heidegger, é um para a morte': Entretanto, ele estava equivocado ao pensar que o homem somente pode alcançar uma existência autêntica se corre ao encontro da morte, pois toda vez que o homem marcha para a morte estaria indo contra seu próprio ser o objetivo de sua própria criação. A maior falta de autenticidade do homem é sua identificação com este novo ser qual o pecado o introduziu, isto é, o ser para a morte. É verdade que agora todos morrem, porém exatamente desse destino deve livrar-se o homem. Cristo veio para que todos tenham e para que a tenham em abundância (João 10:10). Esta é exatamente a mesma que resulta da verdadeira relação que Adão tinha com seu Criador antes da entrada do Com a vida, Adão recebeu tudo o que necessitava para mantê-la e para desfrutá-la. A verdadeira autenticidade só se consegue quando o homem abandona seu ser para e torna a viver em harmonia com o objetivo que Deus para ele desde a própria criação. Esta volta a Deus, devido do pecado, forma parte de um conflito cósmico se introduziu na terra quando o homem aceitou a autoridade anjo caído. O conflito cósmico O início deste conflito é descrito em Gn 3:14,15. “Então o Senhor Deus disse à serpente: visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos, e o és entre todos os animais selváticos: rastejaras sobre o teu ventre, e comerás pó, todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” Nestes textos, Edmond Jacob vê não somente o conflito entre o homem e a serpente, como também "um início da salvação final do homem" e, em conseqüência, descobre um messianismo universal59 de significação muito maior que aquele messianismo próprio do povo de Israel, cuja realidade futura se repete insistentemente Através de todo o AT. Não cabe a menor dúvida que Gn 3:15 é um texto onde a exegese cristã tem lido permanentemente todo o tipo de declarações cristológicas.60 Há, entretanto, alguns ensinamentos que são claros em seu conteúdo. Embora Cristo comece pronunciando uma maldição sobre a serpente cuja sorte, na nova condição do mundo, seria pior que a de "todos os animais domésticos" e de "todos os animais selváticos", obrigando-a a arrastar-se sobre o pó todos os dias de sua vida (Gn 3:14), imediatamente a seguir Suas palavras incluem aquele personagem usado pela serpente como um meio através do qual se comunicou com Eva. O conflito real seria entre a antiga serpente que se chama diabo e satanás e a mulher. Se este conflito ficasse reduzido a Satanás e à mulher com seus descendentes, isto é, a raça humana, teríamos que falar de um conflito universal do mesmo modo como Jacó fala de um messianismo universal. 59 Edmond Jacob, Theology ofthe Old Testament, (New York, Harper and Row, 1958), 328. 60 Uma coleção bibliogdfica sobre este texto encontra-se em Beda Rigaux, "La femme et son lignage': Revue Biblique (1954), p. 321. Entretanto, a semente da mulher não inclui exclusivamente a pessoa de seus descendentes humanos. A expressão semente implica vinculo que vai além da família ou da raça. O mesmo termo aplica-se à serpente. A semente da serpente não pode ser simplesmente as serpentes que existiam sobre a Terra. Se faz referencia a satanás, a semente tem que ser seus seguidores. Cristo indicou que existe uma relação de filho para pai entre estes seguidores e Satanás. “Vós sois do diabo que é vosso pai e quereis satisfazer-lhe aos desejos" (Jo 8:44). Neste caso específico Cristo define algumas características que nesta relação e que descrevem a vida deste pai e de O apostolo Paulo também utiliza a mesma relação de pai e filho entre o diabo e seus seguidores quando, em Pafos, se encontrou com Barjesus o Elimas, mágico, a quem Ihe disse: "filho do diabo, cheio de todo o e de toda a malicia, inimigo de toda a justiça, de perverter os retos caminhos do Senhor?" Aqui as características da vida deste filho do diabo: o engano, a malícia, a injustiça, a provocação de desvios ou apostasias. O apóstolo João coloca em contraste os filhos de e os filhos do diabo e assinala duas características próprias dos filhos do diabo: não praticam a justiça e não amam a seu irmão (I João 3:10). Os instrumentos da luta especificados por satanás e seus seguidores estão assim especificados injustiça, apostasia, ódio e homicídio. Por outro lado, os descendentes da mulher não são simplesmente os homens que, gerados, saem de suas entranhas. Estas dirigidas a Eva estão no mesmo contexto da promessa que Deus fez a Abraão, na qual se inicia a formação do povo de Deus na nova origem da humanidade, depois que o dilúvio destruiu a humanidade da primeira origem. Deus prometeu Abraão que o faria uma grande nação, que nele seriam todas as famílias da terra e que receberia a terra pro(Gn 12:1-7). Porém esta promessa não foi feita somente também foi feita à sua "descendência" (Gn 12:7). O apóstolo Paulo disse que esta descendência ou semente de não eram todos os que pertenceriam à sua família ou tribo e nem sequer todos os que formariam seu povo, tarde chamado povo de Israel, como se sua semente fosse no plural, mas referia-se a uma única pessoa: a semente por autonomásia, "a qual é Cristo" (Gl 3:16). O apóstolo João no livro do Apocalipse o nascimento deste "Filho", da mulher, o qual seria arrebatado para Deus até seu trono 12:5) e relata que o dragão, a antiga serpente, que se diabo e Satanás, (Apoc. 12:9) estava esperando o momento no qual a mulher daria a luz para "devorar" a seu filho (Apoc. 12:4). Esta atitude de Satanás, conforme o contexto, aparece como um episódio da guerra que Satanás iniciou no céu contra Miguel, "o Grande Príncipe" (Dan. 129), na qual participam também os anjos de Cristo e os anjos do dragão (Apoc. 12:7). iA luta descrita em Gênesis 3:15 é parte de um conflito universal porque nele tem participado todos os homens de todos os tempos, mas também é um conflito cósmico porque nele participam também os seres extraterrestres. Neste conflito cósmico Satanás procura levar todos os seres humanos para a morte. Cristo, entretanto, veio "para destruir as obras do diabo" (I João 3:8) e "para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse a todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida" (Heb. 2:14,15). Semelhante conflito implicava muitas dificuldades, entre as quais estão o sofrimento físico, a opressão social, a destruição da natureza e uma luta diária pela vida destinada ao fracasso e a morte. Sofrimento e opressão Nas palavras que Deus dirige à mulher ficam definidas duas conseqüências diretas do pecado: a dor e a opressão. Deus ordena a existência da dor: "Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez" (Gn 3:16), porém não a opressão que surge do pecador: "Teu desejo será para o teu marido, e ele Estas duas frases expressam a mesma idéia, pois a primeira – "teu desejo será para o teu marido" – também pode ser traduzida como: "Tua vontade será sujeita a teu marido' é verdade que a vontade pode ser sujeita a outra vontade porque aquela a tem conquistado Através da simpatia e do amor. Nesse caso a opressão não existe. É produzida uma identificação de vontades e, em conseqüência, ambas as vontades são livres e atuam em unidade. Em troca, o desejo da mulher é especificado com a palavra shuq, que expressa um anelo intenso, uma paixão que impulsiona a pessoa a ir atrás de alguma coisa ou alguma pessoa. A unidade de duas vontades não se produz a nível das paixões mas a nível de amor. A isto deve acrescentado o domínio que o homem exerceria sobre a mulher, convertendo-se em seu amo e senhor. A mulher já não como uma auxiliadora idônea pelo homem, isto é não numa situação de igualdade. O homem a tem submete a mantém sob opressão. Isto não se origina em Deus, porque Deus é amor e o amor nunca oprime a ninguém. O amor conquista, convence, o amor "não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal" (I Cor. 13:5,6). não pode produzir nem originar a opressão porque "Deus r" (I João 4:8) e o amor de Deus é manifestado no fato .haver "enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para viver por meio dele (I Jo 4:9). A opressão é essencialmente por isto, é ação do inimigo (Sal. 42:9; 43:2)e do ímpio 55:3). Em troca, o justo deve desfazer as ataduras da servidão e deixar livres os oprimidos (Isa. 58:6). O justo nada tem com a atitude opressora porque ela é completamente alheia caráter de Deus. A dor e o sofrimento, em troca, estão relacionados com Deus os controla, os ordena e os dirige. Segundo os profetas, Deus cria a adversidade (Isa. 45:7; 63:3-6). O profeta Amós a seguinte pergunta: "Sucederá algum mal é cidade, sem o Senhor o tenha feito (Amós 3:6). Entretanto Deus que o ordene e o controle – não é o autor do sofrimento. Este tem sua origem no pecado (Gn. 42:21; Jos. 7:13). de parto da mulher tem sido usadas metaforicamente expressar três idéias: (1) O sofrimento que se experimenta conseqüência do pecado. O profeta Oséias diz que Israel u idolatria ao seu pecado (Oséias 13:2). Além disso ensoberbeceu-Ihes o coração e se esqueceram de Deus (Oséias Por esta razão, "dores de parturiente Ihe virão" (Oséias ) O apóstolo Paulo, falando das aflições do tempo presente, afirma que também a criação sofre os efeitos do cativeiro da corrupção em que vive a humanidade (Rom. 8:21) e, em conseqüência, “geme e suporta angústias até agora" e não somente ela, mas o mesmo ocorre com os seres humanos (Rom. 8:22, 23) (2) Também são utilizadas as dores de parto da mulher para expressar o sofrimento que experimentam os que são oprimidos. Neste sentido o profeta Isaias expressa sua dor pessoal a opressão de seu povo, dizendo: "Pelo que os meus lombos estão cheios de angústias; dores se apoderaram de mim como as de parturiente" (Isa. 21:3). Este mesmo sofrimento experimentou Judá quando estava ameaçado pela invasão de um povo que vinha da terra do norte (Jer. 4:31; 6:23,2B 13:19-21; II Reis 19:1-3). Ainda o rei de Babilônia, frente a seus opressores, será debilitado e a angústia o tomará, "dores como as da mulher que esta de parto" (Jer. 50:43). (3) O terceiro sofrimento que se descreve com a metáfora da mulher de parto, refere-se àquele que experimentarão os homens no dia do Senhor, que vira como assolação do Todo-Poderoso. Os homens se encherão de terror e "terão contorções como a mulher parturiente" pois "vem o dia do Senhor, dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra em assolação, e dela destruir os pecadores" (Isa. 13:6-9). Embora o sofrimento tenha sua origem no pecado, é um mal que não deveria existir na experiência humana. Pelo fato de haver Deus ordenado sua existência pode ter um valor educativo semelhante ao de uma correção paterna (Deut. 8:5; Prov. 3:11,12; II Cron. 32:26, 31), pode ter um valor purificador semelhante ao fogo que separa o metal da escória(Isa. 1:25), e pode ser um instrumento para provar os servos de Deus e demonstrar que nenhuma situação altera sua relação com Deus como no caso de Abraão (Gen. 22) e de 56 (56 1:11; 2:5). Cristo veio como servo que leva sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores (Isa. 53:4) com o objetivo de curálas (Mat. 8:17)e eliminar para sempre a dor e a morte (Apoc. 21:4). A atitude cristã frente ao sofrimento, embora reconheça que este é um resultado da desobediência, deriva-se da atitude de Cristo frente a Seu próprio sofrimento e identifica-se com ela (Heb. 13:12,13). Cristo não prometeu aos cristãos que estariam livres do sofrimento, pelo contrário, disselhes: "No mundo tereis aflições" (João 16:33). Devem ter o cuidado para que seus sofrimentos sejam por causa da justiça (I Pedro 3:14), entretanto, o mais importante no sofrimento, é ter o "mesmo pensamento" de Cristo (I Ped. 4:1). Isto significa que no sofrimento devemos ter confiança no poder de Cristo (João 16:33). Tanto Jesus Cristo como o Pai estão interessados em administrarnos Seu consolo para que nós também possamos consolar aos que estão em tribulações (II Cor. 1:4), pois com esta atitude pode ser dado ao sofrimento um sentido de salvação (II Cor. 1:6). Em conseqüência, o sofrimento deve ser usado como uma ocasião para testemunhar perante aqueles que provocam o sofrimento e diante das demais pessoas (Mat. 10:17,18). O cristão não é um estóico que não reage ante o sofrimento. Reage como todos os mortais. Só que a sua reação é positiva. Um teStemunho de sua fé em Deus e do que o poder de Deus que realiza em sua própria vida em termos de salvação. Esta salvação que ele tem recebido o consola, Ihe dá confiança e Ihe provê atitude espiritual necessária para participar da missão redentora de Cristo, cujo objetivo é a salvação do homem e a restauração do mundo, pois a natureza também sofre as conseqüências gerais pelo pecado do homem. A natureza perde sua razão de ser Toda natureza foi criada para o homem, seu sentido estava ele devia cultivá- la e guardá-la (Gn 2:15) enquanto ela a tudo o que o homem necessitava para manter a vida 1:29). Esta produção seria abundante porque fazia parte da benção que Deus havia dado ao ser humano. Depois da entrada do pecado tal situação foi totalmente modificada. Pelo fato do homem haver desobedecido a ordem de Deus, Criador comunicou- lhe Sua determinação com respeito à natureza: "Maldita é a terra por tua causa"ela produzirá também cardos e abrolhos (Gn 3:17,18). Embora tenha Deus determinado esta perda Sentido da natureza e por Sua sentença a criação ficou sujeita à vaidade (Rom. 8:20),61 Deus não era a causa desta degradação, mas o homem. A Adão foi dito que isto ocorria "por causa" (Gn 3:17). Isto assinala claramente a responsabilidade do homem frente à natureza desde a criação.o até este momento Imediatamente, após a entrada do pecado, mais uma vez a responsabilidade do homem é apresentada diante da natureza. Deus disse- lhe que esta nova situação exigiria dele um esforço muito mais sacrificado, entretanto ele teria a responsabilidade de continuar trabalhando e protegendo-a para que a terra pudesse ter oportunidade de recuperar seu sentido de produção a serviço do homem. Trabalho não criador A autocriação do homem por seu trabalho, mantida pelo marxismo, não pode ser aceita a luz das conseqüências que recaíram sobre o trabalho do homem com a entrada do pecado. Deus disse a Adão: "No suor do rosto comeras o teu pão, até que tornes a terra, pois dela foste formado: porque tu és pó e ao pó tornarás" (Gn 3:19). O trabalho do homem tem uma produção restrita. Somente com sofrimento consegue os meios para manter a vida, não poderia produzi- la com seu próprio trabalho. O mundo opõe uma resistência ao homem em lugar de ajudá- lo a alcançar sua plena realização. Além disto a terra estaria sempre preparada para receber em seu seio os elementos que integram o corpo humano; "porque tu és pó e ao pó tornarás': A morte sempre será uma desorientação completa para o homem como pessoa vivente, pois ele não foi criado para ambientarse com ela. Diante da morte o homem é como um mendigo cego que transita no labirinto da natureza. Apenas pode chegar a conhecer o seu modo de agir, porém desconhece totalmente o porco ou por causa de quem.62 As antropologias modernas descrevem o homem como um ser aberto para a natureza, 61 G. Ernest Wright, Doutrina bli~lica do homem na sociedad~?, (São Paulo, ASTE, 1966), p. 49. 62 Abraham J. Heschel, O homem, p. 52. porém nunca explanam porque a natureza está fechada para o homem. Esta realidade torna impossível a plena integração de ambos e a natureza, criada para ser o lar do homem, o rejeita. O homem tampouco sabe descobrir sua função frente à natureza e a destrói. A natureza fica sem proteção e o homem sem lar. "Entre os seres inferiores, Adão se achara como rei, e enquanto permaneceu fiel a Deus, toda Natureza reconheceu o seu governo; mas, transgredindo ele, foi despojado deste domínio. O espírito de rebelião a que ele próprio havia dado entrada, estendeu-se por toda a criação animal. Destarte, não somente a vida do homem, mas a natureza dos animais, as árvores da floresta, a relva do campo, o próprio ar que ele respirava, tudo a triste lição da ciência do mal"63 A vida como esperança e a morte como realidade Estava claro que o homem devia voltar ao pó, isto é, devia Com a entrada da morte, embora nesse momento sua não se havia concretizado, o homem fez-se um ser corporal. Esta temporalidade do homem converteu-o num ser presente. O presente pecador do homem manchou completamente seu passado de bem-aventurança e pureza e marcou personalidade não somente com a culpabilidade mas com de suas faculdades. Desde então o homem tem trazido constantemente para recuperar seu passado, procurando trazê-lo ao seu presente por meio do tobogã invertido da Se trabalha apenas em sua recuperação, quase todo passado se Ihe resvala e ele conserva em suas mão apenas algumas teorias acerca de fatos, de acontecimentos e de transformações, perdendo completamente a realidade autêntica dos fatos e, muitas vezes, o sentido que estes tiveram. Se o se Ihe escapa, o futuro resultará completamente inacessível, salvo aquilO que pode deter por meio de esperança. o homem não descobre o sentido da história e perde converte-se num ser desconectado de sua origem futuro. Num ser em confusão por que o presente isolado não pertence a nada e o homem que atua nele esta à deriva. Uma vida assim não tem sentido. Adão não ficou como um ser à deriva. Sua experiência desintegrada por dois elementos que Ihe abriram as possibilidades de regresso à vida. Bm primeiro lugar a esperança e em lugar a realidade. Adão expressou sua esperança ao nome em sua mulher: "E deu o homem o nome de Eva mulher, por ser a mãe de todos os seres humanos" (Gn G palavra hebraica com a qual Adão designa o nome sua mulher é Jawwah. Esta é uma forma semítica arcaica "vida". Apesar de estarem recebendo a sentença de Adão teve confiança nas palavras pronunciadas por Deus e registradas em Gênesis 3:15, nas quais Deus prometia que a descendência da mulher venceria a satanás. Adão interpretou isto com uma recuperação da vida e já não viu Eva como a originadora do pecado no mundo, mas como a "mãe de todos os seres humanos" (Gn 3:20). Com isto deixou de ser o homem do presente, o ser em confusão, o ser à deriva. Transformou-se na pessoa da esperança. Como pessoa da esperança não pode desconhecer a realidade. Esta realidade estava determinada por alguns fatores trágicos: estava nu (Gn 3:21), estava sub merso na experiência do mal (Gn 3:22), foi- lhe permitido que comesse da árvore da vida (Gn 3:22), foi expulso do Éden (Gn 3:24) e devia lavrar a terra (Gn 3:23). A confusão do presente somente pode ser transformada numa organizada realidade quando o homem, por meio da esperança nas promessas de Deus, decide fazer frente a sua tragédia sem alienação. Se o pecado introduz a confusão e a alienação no homem, a esperança em Cristo devolver-Ihe a ordem e a realidade. A pluralidade desorganizada da natureza passa a ter unidade e, portanto, sentido. A alienação do homem com a divisão interior que produz na pessoa humana desaparece. O presente pecador com sua realidade de morte é iluminado pela esperança no futuro de vida. A vida não é somente uma luz que se vislumbra no impreciso final do 63 E. G. White, Educa~rSo, P. 26. futuro, mas uma realidade que se une ao presente de um modo religioso, embora também afete a cultura humana e o modo como o homem se associa com seus semelhantes. A tragédia do homem errante Depois que Adão e Eva foram expulsos do jardim do Éden, tiveram seu primeiro filho ao qual chamaram Caim. Caim foi o primeiro homem errante que existiu sobre a terra (Gn 4:12,14). Foi um homem espiritualmente errante, pois afastou-se de Deus com atos que constituíram a maior negação da vi da. Desobedeceu a Deus na questão das ofertas e em lugar de oferecer um cordeiro, segundo as ordens de Deus, ofereceu o fruto da terra, exaltando assim o produto de seu próprio trabalho. A desobediência sempre é auto-exaltação. Esta sensibilidade egoísta é o que encheu o coração de Caim ao que a oferta de seu irmão era aceita por Deus e "Irou-se, sobremaneira Caim, e descaiu- lhe o semblante" (Gn. 4:5). Deus disse- lhe que se quisesse ser enaltecido havia apenas um caminho: fazer o bem (Gn 4:7). Caim não estava disposto a fazer o bem e matou a seu irmão (Gn 4:8). A realidade da morte chegou à família humana em forma de tragédia. A tragédia da morte é produzida quando o homem realiza ações que limitam a vida. De acordo com a sentença que já havia sido dada, a morte chegaria de todas as maneiras, porém era muito melhor que viesse como morte natural. O homem errante, cheio de ira (Gn 4:5), que busca exalt ação própria (Gn 4:7), não está em condições de seguir o curso natural dos acontecimentos. Ele desespera-se e atua de maneira trágica. Tudo isso contribui para que ele se sinta e seja maldito (Gn 8:11). Em conseqüência, retira-se da presença do Senhor, e vai habitar na terra de Node (Gn 4:16). Node significa errante. Esta foi a pátria de todos os ímpios descendentes de Caim, pois ali Caim construiu uma cidade a qual chamou pelo nome de seu filho (Gen 4:17) O homem errante está privado da morada que Deus criou ele no principio e vive na morada que ele construiu com próprias mãos. Protege-se assim sob suas próprias obras e com tudo isto procura dar sentido à sua vida. Sentindo que nunca consegue e portanto seu viver diário esta sempre ameaçado pela morte. CAPiTULo IV FIM DA PRIMEIRA ORIGEM Nosso estudo até aqui nos mostrou a origem do mundo e todas as coisas que nele existem, a origem do homem e da sociedade humana, a origem do pecado e suas conseqüências para a família humana. O homem foi criado como uma pessoa vivente com características diferentes às que tem os animais, pois eles foram criados "segundo a sua espécie" e o homem foi criado "à imagem de Deus': Isto significa que a ênfase nos animais, como seres viventes, está na espécie, em troca, por criação, o homem é uma pessoa. Suas características pessoais incluem todas aquelas que necessita para viver em comunidade, porém certamente sua vida em comunidade não é à custa de suas características pessoais. O fato de que o homem seja uma pessoa não significa que deva levar uma vida individualista. O ind ividualismo é uma conseqüência do pecado porque este destrói as relações do homem, não apenas com seu Criador, mas também com seu semelhante. Todo individualismo é negativo. Em troca, o desenvolvimento do homem como pessoa o faz aproximar-se cada vez mais de Deus, pois é assim que se expressam plenamente suas características de "imagem e semelhança" de Deus. A introdução do pecado produz uma forma de viver que não é outra coisa senão uma marcha errante em direção à morte. Isto ocorre com o homem individual e também com a sociedade humana. A morte é o fim do homem e da sociedade. O livro do Gênesis contem uma descrição completa do destino que o homem individualista e a sua sociedade. Isto é aprendido nos capítulos 5-8 do Gênesis. O Gênesis, capitulo 5, expõe dois assuntos claros: primeiro o que é o homem – imagem de Deus (Gn 5:1) e logo apresenta a morte com um acontecimento natural: oferece uma lista genealógica de Adão até Noé, caracterizando três dados em cada geração: viveu, gerou, morreu. Os capítulos 6-8 expõem a morte como cataclismo: toda a raça humana é destruída. Com isto conclui o episódio da primeira origem da sociedade humana que se iniciou com a criação do primeiro homem à imagem e semelhança de Deus. O homem como imagem de Deus A idéia de que o homem é a imagem de Deus aparece no AT e no NT. É verdade que a sua presença não é muito abundante na Bíblia, porém este escasso número de vezes que é utilizado não reduz sua importância.1 De fato, "o tema central Bíblia, o tema ao redor do qual giram todos os outros livros, é o plano da redenção, a restauração da imagem de Deus alma humana"2 Assim como Nikolai Berdjajew (1874-1948) disse que a antropologia é "problema central de nosso tempo", 3 Wolfgang disse que "a doutrina da semelhança divina do homem núcleo fundamental da antropologia cristã e contém em os seus temas'4 Dada a importância que tem o conde imagem de Deus para a antropologia bíblica, teremos, que fazer um rápido estudo da maneira como foi entendido é conceito na patristica, na teologia geral, na Bíblia e na teologia adventista. 1 G. C. Berkouwer, Man: The Image of God (Grand Rapids, Mich. Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1962), p. 67. 2 E. G. White, Educafdo, p. 125. 3 Herbert Vorgrinler y Robert Vander Gutch, La Teologia en el siglo XX (Madrid, 1973), p. 143. 4 Wolfgang Seibel, "El hombre, imagem sobrenatural de Dios. Su estado original: Mysterium Salutis, Vol. II, tomo II, p. 901-939, o citado é da p8g. 910. Imago Dei na Patrística lmago Dei na Patristica O conceito de imago Dei (imagem de Deus) alcançou rapidamente um lugar prioritário no interesse teológico dos padres. Eles trabalharam baseados num antecedente filosófico que tinha uma mescla de platonismo, religiões de mistério, neoplatonismo, judaísmo e rabinismo. O platonismo considera a todo o mundo visível como uma imagem do mundo invisível das idéias. Esse mundo ideal o das idéias – apesar de estar separado do mundo real e situado fora dele, não possui uma essência divina, entretanto, existe de maneira independente pelo qual se constitui num modelo do mundo real que é apenas uma imagem sua. Transferindo estes ensinamentos ao homem, seu conceito da homoiosis expressa que o homem vai progressivamente se assemelhando à divindade. A imagem em si é invisível, e portanto, não deve ser buscada na parte visível do homem mas em seu centro espiritual. Partindo daqui, as religiões de mistério, coisa que também ocorre nos escritos herméticos, estóico e gnósticos, consideram que a imagem é uma manifestação real da idéia. O ponto culminante da especulação sobre a imagem encontra-se no neoplatonismo de Plotino. Ele disse que a alma é a imagem verdadeira de Deus na qual se reflete a sabedoria divina. Estes conceitos do pensamento grego exerceram sua influência no judaísmo tardio e no rabinismo. Filón, por exemplo, disse que o homem obtém a semelhança pela mediação de conhecimento invisível e que esta se produz unicamente na alma espiritual. Falando acerca do modelo do qual o homem é uma semelhança, a patristica nos dá três respostas: a primeira diz que o modelo é o conhecimento invisível e é oferecida por Clemente e Orígenes, cujo pensamento É seguido por quase todos os padres gregos e pela maioria dos padres latinos. A segunda resposta é apresentada por Santo Agostinho, que afirma que o modelo É a Trindade em sua unidade de natureza e em sua tríade de pessoas. A ultima resposta, sustentada por Tertuliano, Prudêncio e Irineu, afirma basicamente que Adão foi criado como um protótipo e tendo como objetivo a Cristo que viria na carne. Este conhecimento encarnado é o modelo e a imagem é o corpo dotado de espírito.5 Os padres fazem uma distinção imagem (imago), e semelhança (similitude). A imagem o estado inicial ou, como dizia Irineu, é uma conformidade menos perfeita com Deus, em troca a semelhança É o para chegar a si mesmo ou a consumação na semelhança com o protótipo divino, a participação com divina por meio dos dons da graça.6 Imago Dei na teologia A teologia em geral tem desenvolvido cinco idéias principais,em torno do conceito de imago Dei. Estas idéias são: a de Deus refere-se à natureza física do homem, identifica razão do homem, expressa a habilidade que o homem tem de se relacionar, assinala sua capacidade de domínio só:a natureza e caracteriza sua necessidade de viver em comunicada uma destas características tem sido estudada de isolada e muitas vezes de forma comple tamente controlada com os outros conceitos. Corpo físico – Existem muitos teólogos que defendem a idéia de que a imagem de Deus se refere exclusivamente ao corpo do homem. Assim, o homem seria semelhante a Deus em Seu aspecto físico. Edmond Jacob declara o seguinte: "É num sentido físico que se pode compreender a 5 W. Seibel, Mysterium Salutis, pp. 905-907. 6 . Flick y Z. Alszeghy, Antropologia teoldgica, p. 101 passagem do que se refere à imagem de Deus sobre o assunto da do sangue (Gn 9:6): tocar no homem é tocar em mesmo, de quem cada homem É a imagem. 7 Paul Hum disse que o homem "tem a mesma aparência que a Divindade, da qual é a efígie tangível”.8 Miller J. Maxwell, apóia mesmo conceito dizendo: "A Imagem de Deus usa-se com à aparência corpórea do homem Apoiado com Eze. 28.9.9 Muitos exegetas modernos,10 como também uma boa quantidade de teólogos contemporâneos, declaram-se partidários da tendência a incluir o corpo na imagem, pois crêem que se pode dividir o homem numa parte espiritual e outra corporal.11 Por sua parte G, Von Rad admitindo claramente que o corpo É parte da imagem divina, porque tem um significado real e concreto, opôe-se aqueles que, como M. Flick e Z, Alszeghy declaram que a imagem de Deus se encontra na alma do homem e que no corpo tem apenas um reflexo da perfeição espiritual da alma.12 Von Rad afirma: "O debate acerca de se a imagem divina refere-se ao ser espiritual ou físico do homem não é difícil. Se temos que pensar em termos de tal alternativa teríamos que decidir em favor de uma semelhança predominantemente física, não no sentido de uma especulação acerca da forma ou corporalidade de Deus mas no sentido de uma referencia da natureza de Elohim própria do homem”. 13 Alguns exegetas que defendem a idéia de que a imagem de Deus esta na parte física do homem, dizem que existe uma identidade de forma entre ambos, P, van Imschoot opôe-se a esta idéia argumentando que não existe necessariamente uma relação de identidade de forma entre uma imagem e seu objeto. Apresenta como prova Gen, 1:27, pois o homem e a mulher não podiam separadamente ser idênticos a Deus.14 A razão - Muitos tem crido que a imagem de Deus no homem É sua razão, Afirmam que a capacidade de raciocinar distingue o homem de todas as demais criaturas, Este conceito encontra suas raízes na filosofia neoplatônica e desenvolvesse extensamente na teologia cristã, Seus primeiros expositores foram Atanásio, Clemente e Santo Agostinho, Seu melhor expositor foi São Tomas de Aquino, Baseando-se em Col. 3:10 conclui que "a imagem de Deus pertence somente à mente. Ainda que em todas as criaturas exista algum tipo de semelhança com Deus, somente na criatura racional encontramos uma semelhança de imagem”. 15 7 Edmond Jacob, Theology of the OT, p. 167. 8 - Paul Humbert, ~tudes sur le r~cit du paradie et de la chute dans la Genese (Neuchatel, 1940), p. 157, citado por Edmond Jacob, Theology, p. 167. 9 Miller J. Maxwell, "In the 'imagz and 4ikeness' of God:' Joumal ofBiblical Literature 91:3 (1972), 291-292. 10 P van Imschoot, Teologia del AT, p. 342. 11 G. É. Berkouwer, Man: The Image of God, p. 75. 12 Flick y Alszeghy, Teologia, p. 103. 13 G. von Rad, "The divine likeness in the 0'~' Theological Dictionary of the New Testament, II, 391. 14 15 P. van Imschoot, Teologia del A~; p. 342. Tomas de Aquino, "Made to the Image of God': Man's Need, pp. 37-43, o citado é da p. 38. Capacidade de relacionar-se – Siiren Kierkegaard afirma imagem de Deus no homem reside em sua capacidade relacionar-se com Deus e declarava que isto É o que torna homem a um homem.16 também Emil Brunner sustenta esta idéia, Afirma que a imagem de Deus está refletida em a criação e sempre expressa a semelhança de Deus de forma passiva. O homem, em troca, reflete-a ativamente porque, um ser responsável, é capaz de responder, Sua capacidade responder esta baseada em sua autodeterminação e sua e constitui o aspecto formal da imagem de Deus. Este conceito também tem um aspecto material, Com isto Brun:refere-se ao ato em si de responder a Deus. Portanto a imagem de Deus no homem É dinâmica e de relação. Por esta mesma razão somente esta presente no homem quando este se encontra em relação de Deus.17 É fácil passar da capacidade de relação que o homem tem com Deus para o dialogo com Deus, Por esta razão alguns teólogos pensam que o homem como imagem de Deus descreve ser capaz de dialogar com Deus. Eles estendem o diálogo como uma relação pessoal que capacita o homem a escutar chamado divino e a produzir a resposta apropriada por meio um compromisso livre e espontâneo. Neste sentido o homem teria sido colocado no universo como um cooperador e tenente de Deus.18 Também Karl Barth desenvolve o conceito de imagem de em termos de relação, Entretanto, descreve-a como uma relação especifica que ele chama analogia relationis. Com este o ele afirma que a imagem se refere à criação do ser o como homem e mulher, Ele crê que a relação homem é um reflexo das relações que existem entre os seres da Não admite que estas relações sejam iguais, Entretanto a relação homem- mulher é a que inclui a que existe entre um homem e seu próximo e declara que Gen, 1:27 ensina a imagem consiste na diferença e na relação entre um homem e seu próximo, A semelhança do homem com Deus não é uma analogia entis – analogia de ser – mas uma analogia relationis, isto é, uma analogia de relação. Ele crê que a relação "eu'I'tu" esta presente em Deus e essa É a que se produz entre o homem e a mulher, como também entre o homem e seu próximo.19 H. Doms afirma que "a essência especifica do homem se realiza em dois sexos: homem e mulher': Opôe-se terminantemente à idéia de que esta bissexualidade seria a imagem de Deus declarando: "Estou plenamente convencido de que é o homem singular aquele que É a imagem de Deus, e de que a mulher o É tanto quanto o homem”. 20 Por sua parte G. C. Berkouwer também discorda desta especificação – relação homem- mulher, da imagem e semelhança de Deus no homem e afirma: "Ambos os termos, obviamente, se referem a uma relação entre o homem e seu Criador; uma "semelhança' entre o homem e Deus sem nenhuma explicação acerca de exatamente em que consiste ou em que implica esta semelhança”. 21 16 Bernard Ramm, Diccionario de Teologia Contemporcinea (Buenos Aires, Casa Bautista de Publicaciones, 1969), p. 67. 17 Emil Brunner, The Christian Doctrine of Creation and Redemption (Philadelphia, Westminster Press, 1952), pp 53-63. 18 Flick y Alszeghy, Antropologia, pp. 98,99. 19 Karl Barth, Kirchliche Dogmatik, III, 1, 207-220, citada por G. C. Berkouwer, Man, pp. 72-73. 20 Herbert Doms, "Bisexualidad y matrimonioP Mysterium Salutis, Vol. II, tomo II, pp. 795-839, o citado e da pp. 795 e 807. 21 21-G. C. Berkouwer, Man, p. 69. Domínio sobre a natureza – Os teólogos que sustentam esta idéia crêem que a imagem de Deus não É substantiva como o expõe São Tomas ao declarar que a Sua imagem reside na razão do homem, nem é de relação, como temos visto em vários autores anteriormente citados, mas funcional. O homem É a imagem de Deus enquanto executa uma função especifica. Segundo L. Verduin, tal função consiste na autoridade que Deus Ihe deu sobre a criação, mediante a qual exerce o domínio sobre a mesma.22 Este conceito constava já no catecismo sociniano, onde se diz que a imagem consiste "no poder e no domínio que possui o homem sobre todas as coisas submetidas a Deus sob a terra". 23 Entre outros autores que sustentam esta mesma idéia, podemos mencionar a E. Kiinig, H. Gunkel, Th. C. Vriezen, K. L. Schmidt, L. Kiihler, e J. Hempel. 24 O Concílio Vaticano II, primeiro concilio que trata explicitamente do tema da imagem de Deus no homem, afirma: "A imagem de Deus esta no homem, enquanto que o homem foi criado por Deus 'com capacidade para conhecer e amar a seu Criador, e que foi constituído por Deus como senhor de toda a criação visível para governá-la e usá- la glorificando a Deus”. 25 Seguindo o Concilio Vaticano II, H. Gross afirma: "A propriedade que o homem tem de ser imagem de Deus consiste sua participação da realeza majestática de Deus manifesta exteriormente, em sua participação da glória de Deus” O estaria destinado, em essência, a participar do senhorio de Deus e o encargo de dominar o mundo "supõe a obrigação que tem o homem, como imagem de Deus, de irradiar a glória de Deus, sobre as criaturas infra-humanas e de possuí- las como senhor no âmbito da tarefa de domínio confiada por Deus”. 26 Ultimamente Wolfhart Pannenberg também aceita esta opinião ao dizer que a Bíblia quando fala da imagem e semelhança divina no homem se refere ao destino do homem para Deus que se revela "no seu predomínio sobre o mundo, o vicariamente a soberania divina sobre o universo”. 27 Entre os que se opõem a esta interpretação da imagem de encontram-se G. C. Berkouwer, entre os teólogos sistemáticos e P. van Imschoot, entre os teólogos bíblicos. Berkounega que Gn 1:26, 28 ou Sal. 8:6, 7, expliquem de algum a imagem de Deus como domínio sobre as demais criaturas. Com respeito ao primeiro diz que pelo fato de estarem a ordem de encher a terra e sujeitá- la, a imagem de Deus não pode ser entendida como Sua capacidade de domínio, pois teria que ser entendida como sua capacidade de procriação. Quanto a Salmos 8:6, 7, embora o texto fale sobre domínio, não se refere às demais criaturas mas ao domínio sobre as obras das mãos do homem. 28 22 22 - Leonard Verduin, Somewhat less rhan God(Grand rapids, Mich., Wm B. Eerdmans, 1970), pp. 27-48. 23 G. L. Oerderus, ed., Cathechismus Racoviensis, (1739), p. 48 24 J. Skinner, "Genesis, "lnternational Critical Colnlnentary (1930), p. 32; E Kdnig, Die Genesis (1919), p. 159; H. Gunkel, Genesis (1902), p. 99; Th. C Vriezen, "La cr~ation de phomme d'apres pimage de Died' Oud Testamentische Studi~'n, (1943) II, 98; K. L. Schmidt, "Homo imago Dei im Alten und Neuen Testament:' Eranos-Jahibuch, (1948) XV, 174; L. K6hler, Theologie des Alten Testaments (Tiibingen, 1936), p. 133; J. Hempel, Das Ethos des A.~:, (Tiibingen, 1938), p. 174. 25 Gaudium et Spes:' nP 12, citado por Flick y Alsczeghy, Antropologia, p. 104. 26 H. Gross, Mysterium Salutis, Vol. II, tomo I, pp. 479-480. 27 Wolfhart Pannenberg, El hombre, p. 27. 28 G. C. Berkouwer, Man, p. 71. 29-P. van Imschoot, Teologia, p. 343. Por outro lado, neste texto não aparece o termo imagem. Em conseqüência não pode estar se referindo à mesma. Por sua parte P. van Imschoot diz que o domínio que o homem exerce sobre a natureza é uma conseqüência do fato de que o homem É a imagem de Deus e portanto esta imagem não pode consistir nessa capacidade de senhorio.29 Capacidade de viver em comunidade – Este conceito tem se desenvolvido mais recentemente e esta relacionado com as idéias que o novo humanismo tem introduzido na antropologia teológica. Baseia-se no fato de que Deus é uma Trindade. Deste ponto de vista o homem individual nunca poderia refletir a imagem de Deus. G. Holzherr disse que "a pessoa é imagem de Deus em sua natureza social" e "se o homem tem de manifestar em forma de imagem a unidade de Deus e a plenitude da comunidade pessoal divina, dever~ ativar cada vez mais suas potências sociais”. 30 Por sua parte Fernando Boasso disse que Deus, cuja imagem é o homem, existe como um ser de infinita liberdade pessoal em três pessoas. Estas três pessoas formam uma comunidade. Não se trata de uma comunidade estática, mas de uma comunidade vivente, dinâmica, que se renova continuamente graças ao dialogo em que se encontram o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Estas mesmas características devem ser manifestadas no ho mem. Deve ser um ser em comunidade, portanto, vivo, dinâmico e responsável.31 Indubitavelmente todos estes conceitos, desenvolvidos isoladamente uns dos outros, refletem mais as tendências dos teólogos que os expõem em lugar de expressar objetivamente o conteúdo bíblico. Um pouco mais completo são os conceitos que tem expressado a imagem de Deus como referindose à personalidade,32 à dignidade pessoal,33 à faculdade de pensar e por si mesmo,34 à capacidade de conhecer e amar a seu criador,35 à participação na natureza divina em poder, discernimento ético e personalidade. 36 Imago Dei na Bíblia Já dissemos que não são muito abundantes as referências da imagem de Deus, porém que este conceito, através todo o texto bíblico, É básico para a concepção do homem. 29 P. van Imschoot, Teologia, p. 343. 30 G. Holzherr, "El hombre y las comunidades~' Mysterium Salutis, Vol. II, tomo I, pp. 852-858. 31 Fernando Boasso, "Imagem Teo16gica del hombre y promoci6n human:' ClAS 18:186 (1969), pp. 7 -30, o citado pe da p. 29. 32 H. O. Wiley y P. T. Culbertson, Introduccidn, p. 179 33 Wolfgang Seibel, "El hombre, imagem sobrenatural de Dios. Su estado original:' Mysterium Salutis, Tomo II, vol. II, p. 912. 34 P. van Imschoot, Teologia, p. 343. 35 M. A. Martinez Molina, "Creacidn”, Diccionario del ~/aticano II (Madrid, Biblioteca de autores cristianos, 1969), p. 133. 36 82. Otto J. Baab, The Theology of the OT (New York, Abingdom Press, 1949). p. No Antigo Testamento – Os principais textos do AT que referem ao homem como imagem e semelhança de Deus são seguintes: O primeiro refere-se à criação do homem como divino e declara: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança", (Gn 1:26). O segundo declara a criação do homem como um ato divino: "Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, a imagem de Deus (Elohim) o criou" 1:27). O terceiro texto esta em Gn 5:1, que diz: "No em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez”. A quarta vez que o AT repete esta idéia se encontra no pacto Deus fez com Noé ao dizer- lhe que "Se alguém derramar do homem, pelo homem se derramara o seu; porque fez o homem segundo a sua imagem" (Gn 9:6). Considera-se que o melhor comentário que o AT tem acerca textos relacionados com a criação do homem, no qual aparece como a imagem de Deus, C Salmos 8:5, onde lê "Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos, (demut) e de glória e de honra (tselem)o coroaste” Estes textos nos dizem em primeiro lugar que o homem foi a fim de ter uma especial relação com Deus. Isto É deduzido do texto que relata a deliberação de Deus e Sua resolução a criação do homem (Gn 1:26). As palavras que aparecem neste versículo são tselem que significa "imagem, estátua, esculpido37 e aparece na Bíblia com o significação de forma ou aparência (Sal. 73:20), expressando algo que é como uma sombra ou imagem (Sal. 39:6), indicando a idéia de uma imagem material (II Reis 11:18; I Sam. 6:5, 11; Eze. 7:20; 16:17; 23:14). A outra palavra apresentada em Gn C demut, que significa "semelhança, equivalência ”.38 No AT expressa-se a semelhança em sentido abstrato (Eze. 1:10, 16; 10:10), ou em sentido concreto (II Reis 16:10; Eze. 1:5, 22, 26, 28; 8:2; 10:1, 21, 22). No texto que estamos analisando (Gn 1:26) a palavra demut é uma interpretação da palavra tselem. Em conseqüência, o texto deve ser entendido com uma ênfase especial na noção de semelhança. Esta não deve ser compreendida como uma característica especifica do homem, isolada do resto de suas características. Em realidade os dois termos referem-se ao homem como um todo. O semelhante a Deus É a totalidade do homem. Esta totalidade e a que esta numa especial relação com Deus expressa em sua característica de ser imagem e semelhança de Deus. Muitas vezes tem-se dito que a Bíblia tem uma concepção antropomórfica de Deus. O que na realidade ocorre É que a Bíblia nos apresenta uma concepção teomórfica do homem: o homem foi feito é imagem e semelhança de Deus. Toda vez que Deus É descrito com características do homem não se esta fazendo outra coisa senão basear-se neste conceito e descrever a Deus partindo do conhecido para o desconhecido. O que se conhece de Deus É sua imagem e semelhança: o homem. Podemos dizer sem erro que o homem foi criado na forma de Elohim, o quaI significa que foi criado um pouco menor do que os anjos (Sal. 8:5). Algumas das características que a Bíblia atribui aos anjos são as seguintes: podem discernir entre o bem o mal (II Sam. 14:17), tem a sabedoria para conhecer o que há na terra (II Sam. 14:20) e são bons (I Sam. 29:9). Indubitavelmente, então, a bondade, a sabedoria e a capacidade de discernir entre o bem e o mal fazem parte desta característica do homem, de ser a imagem e semelhança de Deus. Aclarando um pouco mais a idéia de que o homem foi feito com características teomórficas, devemos prestar atenção em Ezequiel 1:26, onde se descreve a Deus como "que a semelhança dum homem” Ezequiel não esta descrevendo a Deus com a imagem de um homem mas refere-se.ao locus clasicus da doutrina da imagem de Deus no homem, isto é, Gn 1:26. A única imagem de Deus que existe na criação é o homem. Por esta também Deus proibiu que o homem fizesse para si 37 G. von Rad, Teologia, I, p. 152. 38 Loc. Cit. 110 esculturas ou imagem alguma de Deus, pois somente o homem representar a imagem e a figura de Deus na terra.39 A estreita relação40 que existe entre o homem e Deus aparece novamente em Gn 5:3, onde se afirma que Adão gerou filho "B sua semelhança, conforme a sua imagem, isto é, paralelo de Gn 5:1, onde se diz que Deus fez o homem semelhança (Kidmutenu). A expressão Kidmutenu exprime as idéias de semelhança, diferença, proximidade, parêntese relação intima. Isto significa que a expressão "imagem e semelhança " reflete todas as características de um pai que se contra em seu filho. Não pode, então, o sentido de "imagem e semelhança" ser reduzido a apenas uma das características. -se ao conjunto, à totalidade da pessoa humana. O homem seu todo era semelhante ao Pai e estava em intima com Ele. No Novo Testamento – O conceito de imagem de Deus NT É aplicado de maneira dupla: ao homem e a Cristo, porque no NT "a imagem de Deus É principalmente Cristo”. 41 Este conceito está vinculado a imagem divina do AT. Paulo ao referir-se a Cristo como "a imagem de Deus" (II Cor. ,está identificando a Cristo com Adão que foi criado por e cuja criação é descrita em Gênesis 1:27. Isto é, confirmado em I Cor. 15:45-49, onde se fala do primeiro Adão e do último Adão, do primeiro homem e do segundo homem, e se declara que assim como temos trazido a imagem do homem ter também traremos a imagem do homem celestial. Por sua parte Cristo é a imagem de Deus no sentido de igual com Ele e no sentido de que Ele e Seu Filho. A igualdade -se na idéia de semelhança: Cristo tendo a "forma de (morfé)É "igual a Deus"(Fil. 2:6). Por esta razão Cristo dizer: "Quem me v~ a mim v~ o Pai" (Jo~;o 14:9; 12:45). disto, ao dizer que Cristo É a image m do Pai esta simplesmente dizendo que É Seu Filho: "O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação" (Col. 1:15). Esta dupla relação de igualdade e de filho para pai que Cristo tem com Deus é expressa na idéia de que Cristo é a imagem de Deus.42 Nosso Senhor Jesus Cristo, como imagem de Deus, é Seu Filho e é igual a Ele. também é a mais completa presença do Pai com os homens e a forma mais perfeita de comunicação que Deus teve com a raça humana. Em Heb. 1:1-4 é dito que Deus falou muitas vezes pelos profetas, porém nestes últimos dias tem falado pelo Filho. O Filho é o herdeiro de tudo, Criador do universo, sustentador de todas as coisas, purificador dos pecados, e de maneira especifica é o resplendor da glória de Deus e "a expressa imagem da sua pessoa" (Heb. 1:3). O fato de que o Pai "tem falado pelo Filho" (Heb. 1:1) não apenas descreve a Cristo como a Palavra - veiculo da comunicação, mas também como a Palavra - conteúdo da mesma. Neste sentido podemos prestar atenção no Seu poder, pois é dito que Cristo sustenta todas as coisas "pela palavra do seu poder" (Heb. 13). Porém, além do poder, esta a pessoa em si como conteúdo da palavra comunicadora. Sua pessoa efetua a purificação do pecado pois o texto diz: "havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados" (Heb. 13). Cristo trouxe uma mensagem de poder sustentador e de poder purificador. Estreitamente relacionado com isto esta o poder normativo. Cristo como imagem de Deus é o poder normativo da criação, pois existiu antes de todas as coisas (Col. 1:15) e todas elas foram criadas com vistas a 39 J. Moitmann, El hombre, p. 148. 40 H. W. Wolff, Antropologia, pp. 211-213. 41 Flick y Alszeghy, Antropologia, p. 100. 42 42 - Gerhard Kittel, "The Metaphorical use of Image in the N~I' Theological Dictionary qf the New Testament, II, 195-397. Cristo (Col. 1:16). Cristo também é o poder normativo do homem, especialmente dos eleitos, pois eles devem "ser conformes$ imagem de seu Filho" (Heb. 8:29) e sua transformação, que deve ser realizada de glória em glória pelo Espírito do Senhor, tem por norma "a mesma imagem" (II Cor. 3:18). O modelo para o progresso do novo homem é também Cristo como imagem de Deus: "Uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento segundo a imagem daquele que o criou" (Col. 3:9, 10). Neste sentido Cristo como imagem de Deus ordena uma ética de igualdade (Col. 3:11), de santidade, de amor, de misericórdia, de benignidade, de mansidão, de paciência, de perdão de paz (Col. 3:11-15). Esta ética esta diretamente relacionada com o fato de que a palavra de Cristo deve morar na vida daquele que é transforma à Sua imagem (Col. 3:16). Cristo, como imagem de Deus, é princípio ético para o homem, como imagem de Deus, poro homem foi criado à imagem de Deus, em troca, Cristo a mesma imagem de Sua substância. O homem não somente esta relacionado com Cristo, à imagem de Deus, de um modo ético. Também o está de um modo lógico, porque assim como nosso pai terreal nos dá o ser da procriação (Gn 5:3) também teremos, em Cristo, Homem do céu (I Cor. 15:47), um novo ser (I Cor. 15:49). imagem de Cristo que deve ser restaurada no homem é equivalente "a glória do Senhor" (II Cor. 3:18), isto é, o ser o de Cristo. também o homem é "imagem e glória de " (I Cor. 11n). O conceito de imagem de Deus no NT expressa as idéias unidade, relação de filho-pai, principio de conduta, restauro do verdadeiro ser e entrega à missão. O homem restaurado à imagem de Deus tem a missão de pregar "o evangelho glória de Deus" (I Tim. 1:11) que é a imagem e semelhança Deus e deve ser embaixador da igreja porque esta é "glória Cristo" (II Cor. 8.23). A Bíblia nos revela Através de todas as suas páginas – AT – que o conceito de imagem e semelhança de Deus descreve as características especificas do homem incluindo a totalidade de seu ser e a plenitude de suas expressões de vida. Caracteriza o homem como pessoa vivente que tem a capacidade relacionar-se com o Criador, que esta em condições de viver em harmonia com seus semelhantes, que possui uma capacidade espiritual mediante a qual pode distinguir entre o bem mal, que compreende claramente a finalidade ou missão sua vida, à qual deve se dedicar com todas as suas energias, atua com uma identidade pessoal diferente da identidade dos animais, que possui a liberdade de decidir e de atuar harmonia com suas decisões, que experimenta uma vinculação especial com o poder normativo de Cristo e com a própria pessoa do Senhor, imagem perfeita de Deus, graças a qual pode adquirir um novo ser cuja realidade é a restauração da imagem de Deus destruída pela experiência do pecado. O homem como imagem de Deus é uma pessoa vivente que se realiza em Cristo e encontra sentido para sua existência na missão que Ele Ihe incumbiu. A imagem de Deus no adventismo Os teólogos, em geral, tem uma visão do homem que sempre tende a reduzi- lo num dos aspectos que compõem a totalidade de seu ser. A imagem de Deus no homem não se refere a uma característica em particular, mas a pessoa completa. é essa pessoa total que leva a imagem de Deus. "Como a moeda trazia a imagem e inscrição do poder dominante, assim apresentava o homem na sua criação a imagem e inscrição de Deus”. 43 Esta imagem de Deus inclui a aparência física do homem: sua forma e sua fisionomia. "No principio o homem foi criado à semelhança de Deus, não somente no caráter, mas na forma e aspecto”. 44 A semelhança exterior deve ser agregada sua natureza, sua mente, seus afetos, sua razão e sua conduta. O homem tem a imagem de Deus em sua natureza porque estava em harmonia com a vontade de Deus. Tinha-a em sua mente porque era capaz de compreender as coisas divinas. 43 44 E.G. White, A Ci~ncia do Bom Viver, p. 163. O Grande Conflito, p. 642. Tinha-a em seus afetos porque eram puros. Tinha-a em sua razão porque esta controlava seus apetites e suas paixões. Tinha-a em sua conduta porque era santo e se sentia feliz. "O homem deveria ter a imagem de Deus, tanto na aparência exterior como no caráter. Cristo somente é a "expressa imagem" do Pai (Hebreus 1:3); mas o homem foi formado à semelhança de Deus. Sua natureza estava em harmonia com a vontade de Deus. A mente era capaz de compreender as coisas divinas. As afeições eram puras; os apetites e paixões estavam sob o domínio da razão. Ele era santo e feliz, tendo a imagem de Deus, e estando em perfeita obediênc ia à Sua vontade”. 45 As características anteriormente mencionadas devemos notar a individualidade e a faculdade de pensar e de atuar o integrantes da imagem de Deus no homem. "Cada ser o criado à imagem de Deus é dotado de certa faculdade ria do Criador, – a individualidade – faculdade esta de e agir. Os homens nos quais se desenvolve esta faculdades são os que arrostam responsabilidades, que são os dirigem os empreendimentos e que influenciam nos caracteres”. 46 O prOceSSO de destruição desta imagem de Deus iniciou eminentemente depois que o pecado entrou no mundo. A partir instante, at~ a morte do homem, é produzida a perda da em de DeuS no homem e com ela a destruição de sua perde, de seu caráter, de sua vontade, de sua mente, de afetos, de sua razão e também é produzida a perda do senda vida. "Com o pecado a semelhança divina se deslustrou, obliterando-se quase. Enfraqueceu-se a capacidade do homem a sua capacidade mental diminuiu; ofuscou-se-lhe a vida espiritual. Tornou-se sujeito à morte. Todavia, a raça humana não foi deixada sem esperança. Por infinito amor e misericórdia foi concebido o plano da salvação, concedendo-se tempo de graça. Restaurar no homem a imagem de seu Autor, levá- lo de novo à perfeição em que fora criado, promover o desenvolvimento do corpo, espírito e alma para que se pudesse realizar o propósito divino de sua criação – tal deveria -a obra da redenção”47 O homem separado de Deus encontra-se numa situação na q pecado destrói seu caráter, sua capacidade espiritual é seu ser físico perece na morte e as faculdades de mente são diminuídas consideravelmente. A vida, entendida como relação com Deus, como imagem de Deus no homem, ida e acaba. A morte como acontecimento natural Já dissemos que o capitulo 5 do Gênesis nos oferece uma genealógica que começa com Adão e termina com Noé. Antes de relacionar os descendentes de Noé faz uma referencia à criação do homem. Este foi criado "à semelhança de Deus" (Gn 5:1), cujo significado vimos nos parágrafos anteriores. Além disto declara que Deus criou o homem em forma de "homem e mulher" e "os abençoou" (Gn 5:2). Esta expressão "homem e mulher" unida ao fato da benção de Deus refere-se especificamente é formação da família, cuja benção consiste em frutificar e multiplicar-se(Gn 1:28). Cristo usou a expressão "homem e mulher" neste mesmo sentido: "Não tendes lido que o Criador desde o principio os fez homem e mulher, e que disse: por esta causa deixara o homem pai e mãe, e se unir~ a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?" (Mat. 19:4, 5). Esta é evidentemente uma referência a Gn 2:24. O apóstolo Paulo usa este mesmo versículo para referir-se à união entre o marido e a mulher, da qual extrai uma ilustração acerca da unidade de Cristo e Sua igreja. Esta unidade deve estar baseada no amor e no respeito (Efe. 5:27-33). Assim ficou Adê.o unido a sua mulher e "gerou um filho a sua semelhança, conforme a sua imagem" (Gn 5:3). 45 Patriarcas e Profetas, p. 28. 46 Educação, p. 17. 47 Ibid, 13. Daqui para a frente o relato do capitulo 5 nos oferece três informações fundamentais acerca de cada um dos descendentes de Adão até Noé, exceto no caso de Enoque: viveu, gerou e morreu. A vida expressa-se em períodos de tempo divididos em duas seções: Uma, os anos de vida antes de gerar o filho primogênito e outra, depois de gerar este filho até sua morte. Imediatamente, a seguir, é expresso o período total da vida. Deste modo descobrimos que o capitulo 5, em primeiro lugar, apresenta a vida como imagem e semelhança de Deus com tudo o que isto significa, incluindo a estreita relação do homem com Deus. Depois descreve a vida em suas relações sociais Através das bênçãos que o matrimônio contém para os indivíduos e para a comunidade. Em terceiro lugar descreve a vida como longitude de tempo. Estas três concepções da vida são importantes Através de toda a Bíblia. A vida do homem desenvolve-se entre Deus, a sociedade e o tempo. Uma verdadeira concepção da vida tem que abarcar estes três elementos. A falta de qualquer um deles constitui uma visão parcial da vida e, portanto, toda conclusão que se extraia deste conceito ser~. errada ou pelo menos deficiente. A relação com Deus indica as origens da vida e seu sentido: vem de Deus e dirige-se a Deus. A relação com a sociedade as funções da vida. Estas funções estão determinadas Bíblia pela idéia de serviço. O homem é um mordomo que administrar tudo o que recebe na vida. ~, um canal de bem através do qual deve fluir tudo o que Deus Ihe dê sem deter nele. Flui para seus semelhantes. Isto não se refere somente bens que possui, nem se reduz às ações que realiza. Inclui seu próprio ser. O homem é um ser-para-os-outros, homem egoísta, que é um ser-para-si-mesmo, destrói suas com a comunidade e se autodestrói até a morte. ;: Do ponto de vista do tempo, a vida tem seu limite na morte ou permanece para a eternidade. Neste sentido Deus outorgará prolongamento de seus dias ao homem que O ama, O obedece, O segue (Deut. 30:20) e os justos viverão para sempre a terra (Sal. 37:29). Em troca, ao ímpio ser- lhe-á "cortado o número de seus meses" (56 21:17-21). Quando Deus criou os nossos primeiros pais teve o propósito de conceder- lhes a idade. "A imortalidade lhes era prometida sob condição de obediência ; pela transgressão despojar-se-iam da vida eterna ...”48 Pecaram e portanto perderam este direito. A morte que a principio foi uma tragédia, segundo Gn 5, incorporou-se à existência humana como um acontecimento natural. Uma geração gera outra geração e morre. Assim continua seqüência da vida: Adão viveu 130 anos e gerou a Sete, viveu 800 anos nos quais gerou filhos e filhas e todos seus dias foram 930 anos (Gn 5:3-5). Depois se repete o esquema para ~L vida de Sete: viveu uma quantidade tempo, gerou seu primogênito e depois é citado novamente que viveu gerando filhos e filhas para logo dar o total anos de sua vida. O mesmo repete-se com Caim, Maalalel, matusalém, Lameque e Noé. Entre Jarede e Matusalém produzida uma modificação neste período. Enoque viveu 65 anos até que gerou a seu filho Matusalém. Logo se diz que "andou Enoque com Deus" (Gn 5:22). que gerou a Matusalém e durante esse tempo gerou filhas. A única diferença que se estabelece com o resto das pessoas registradas em Gn 5 esta no fato de que Enoque andou com Deus. A seqüência deste modo de vida marca uma diferença radical com respeito ao tempo da vida, que termina naturalmente com a morte. A Enoque "Deus o tomou para si" (Gn 5:24). A epistola aos Hebreus explica que este caminhar com Deus é uma vida de fé. "Pela fé:Enoque foi trasladado para não ver a morte" (Heb. 115). A 6nica coisa que pode afastar a vida de sua rotina é a fé:. Esta também muda o destino da pessoa humana. Seu destino já não é a morte. é a vida com Deus. Enquanto permanece na fé obtêm testemunho de haver agradado a Deus(Heb. 11:5) porque "sem fé é impossível agradar a Deus" (Heb. 11g). Além de agradar a Deus e portanto levar uma vida agradável, o homem de fé:recebe uma clara visão do futuro que Ihe permite organizar sua vida com vistas para um objetivo definido. Para Enoque essa visão do futuro chegou até a segunda vinda de 48 E. G. White, Patriarcas e Prqfetas, p. 54. Cristo, pois profetizou acerca de Sua vinda acompanhado de suas santas miríades para fazer juízo contra todos os ímpios (Judas 14, 15). A fé:estabelece a diferença entre a morte e a vida, entre uma existência sem sentido e uma vida com objetivo. Entre uma vida frustrada, limitada no tempo e destinada à morte e uma vida na qual o homem é verdadeiramente uma pessoa vivente que se sente realizada, que desfruta de todos os dias de sua existência e que tem a certeza de uma esperança. Através do todo o AT o conceito sobre a morte é "unitário e constante”. 49 Todos os homens certamente morrem (JI Sam. 14:14) porque a vida do homem pecador "é um sopro" (Jó 7:7), em conseqüência "passa o homem como uma sombra" (Sal. 39:6). Tão universal é a morte que as pessoas podem anunciar que vão morrer dizendo: "E eis aqui eu vou hoje pelo caminho de toda a terra; como no caso de Josué e de Davi (Jos. 23:1g I Reis 2:2). Esta frase significa "o que se passa em toda a terra". 50 A morada do morto é o sepulcro,51 e é descrita como sepulcro familiar(Gn 50:13; Jos. 24:32; I Reis 2:10; 11:43), como lugar de silêncio (Sal. 115:17), como terra do esquecimento (Sl 88:12) e também Ihe é dado o nome de seol, sepultura (Gn 42:38) O seol é um vão profundo na terra (56 17:16) no qual existe somente trevas (56 17:13), onde os corpos se decompõem pela ação dos gusanos (56 17:14)e descansam no pó (56 17:16). esta razão a frase descreve que os homens descendo ao seol, sepultura (Gn 42:38, 44:29, 31; Isa. 38:10, 17; Sal. 9:16, 18; :10, 49:10, 16; 88:4-7, 12, 13; Prov. 1:12). "não significa mais que a indicação do enterro como fim da vida”.52 O AT define a morte de várias maneiras. A primeira referência seu respeito descreve-a como um retorno ao pó: "No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois foste formado: porque tu és pó e ao pb tornaras (Gn 9), "me puseste no pó da morte" (Sal. 22:15). Uma segunda é a definição da morte aparece em 56 7:21, onde é descrita como de existir: "P ois agora me deitarei no pó; e, se me buscar não serei". Tudo o que o homem é deixa de ser. A terceira definição aparece em Sal. 88:5 onde se descreve a morte como um estado no qual chegam os homens por haverem sido os "das mãos de Deus': Logo são colocados "na mais funda cova" (Sal. 88:6) e permanecem como um "homem forCas" (Sal. 88:4), completamente fora do âmbito do pode Deus. Neste sentido a morte significa uma ausência completa de toda relação com Deus porque a relação com Deus significa vida (Gn 2:7). Em quarto lugar define a morte como um sono. Assim se expressa o salmista: "Ilumina- me os para que eu não durma o sono da morte" (Sal. 13:3), profeta Daniel: "E muitos dos que dormem no pó da terra levantarão" (Dan. 12:2). Em harmonia com estas definições da morte, o AT diz que mortos não podem louvar a Deus(Sal. 115:17), não podem recordar de Deus (Sal. 6:5), não podem anunciar a verdade 30:9), não podem reconhecer a justiça de Deus (Sal. :10-12), não podem receber a verdade (Isa. 38:18), nem podem pensar (Sal. 146:4). Em conseqüência, "os mortos nada " porque "a sua memória jaz no esquecimento" (Ecl. 9:5). isto devemos acrescentar que não podem amar, não podem não podem sentir inveja (Ecl. 9:6), nem podem retornar do sepulcro para se encontrar com os vivos (56 10:21) e "não tem eles parte em coisa alguma do que se faz debaixo do sol" (Ecl. 9:6). Os mortos tampouco podem realizar qualquer atividade no sepulcro porque no seol, sepultura "não há obra, 49 G. von Rad., "Life and death in the Old Testament:' TDNT, II, pp. 843-849, o citado é da p8g. 846. 50 H. W. Wolff, Antropologia, p. 137. 51 Pierre Grelot, "Morte:' Xavier Lãon-Dufour, director, Vocabulririo de teologia biblica (Petr6polis, RJ., Editora Vozes Ltda., 1977) pp. 616-625. 52 H. W. Wolff, Antropologia, p. 143. nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma" (Ecl. 9:10). O homem que deixa de existir perde sua conexão com Deus e portanto deixa de ser o que é. E privado do tempo da vida (Isa. 38:10-12), deixa de ser a imagem de Deus e portanto não tem vida religiosa alguma, seja esta positiva ou negativa, não pode pensar nem exercer os atributos de sua vontade, não pode sentir nem compreender as circunstâncias dos seres vivos, não pode receber a verdade nem comunicá- la. Frente a esta situação na qual o homem fica absolutamente reduzido ao sepulcro e desconectado de toda possível realidade material ou espiritual, o AT ensina que o homem deve manter, durante o tempo de sua vida, uma verdadeira comunhão com Deus porque, como o salmista reconhecia dirigindo-se a Deus, "Os que se afastam de ti, eis que perecem; tu destróis todos os que são enfieis para contigo. Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refugio, para proclamar todos os seus feitos"(Sal. 73:27, 28). Duas coisas são destacadas nesta relação com Deus: pôr a esperança n'Ele e contar todas as Suas obras. A esperança é a relação com Deus através do tempo e além da morte. Contar Suas obras é participar de missão que Ele tem e realiza na terra. Existem dois tipos de obras que Deus realiza no mundo: as criadoras e as obras redentoras. O homem não pode participar das obras criadoras de Deus porque estas já estão completamente realizadas. Pode, entretanto, participar plenamente na Sua obra redentora, pois a miss~;o Através da qual Deus salva a humanidade está em pleno funciona mento. Compromisso na missão e esperança na ação todo-poderosa de Deus devem ser as características fundamentais na vida da pessoa vivente. Sua esperança na vida eterna supera a angústia da morte. Isto é expresso claramente no AT. Embora muitos exegetas afirmem que a esperança na ressurreição não é descrita no AT, esta é claramente ensinada por Isaias: "Os teus mortos viverão, os teus mortos ressuscitarão; despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho será como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos" (Isa. 26:19) pelo profeta Daniel: "E muitos dos que dormem no pó da ressuscitarão, uns para a vida eterna e outros para vergonha e desprezo eterno" (Dan. 12:2). Esta vida que supera a morte claramente no AT nas experiências de Enoque, que foi trasladado por Deus (Gn 5:21) e de Elias que também foi levado por Deus diretamente ao céu sem ver a morte (II Reis 2:9) Também o NT ensina que a morte, por ser o salário do pe(Rom. 6:23), é o destino de todos os homens porque tropeçaram (Rom. 5:12; Heb. 7:8; 9:27; João 6:49, 58; 8:52). conseqüência, a origem da morte está vinculada ao inicio pecado. É sua conseqüência e por sua vez seu castigo: os praticam a injustiça, a malicia, a avareza, a maldade, a inveja, o homicídio, a contenda, o dolo, a malignidade, a difamação, a calúnia, a soberba, a presunção, a desobediência aos a insensatez, a falta de afeição natural, "são dignos de (Rom. 1:28-32). O que serve ao pecado é seu servo para a morte (Rom. 6:16 21, 23). As paixões pecaminosas produzem "fruto para a morte" (Rom. 7:5). A inclinação da carne morte (Rom. 8:6, 13), "e o pecado, sendo consumado, gera ,morte" (Tiago 1:15). A morte exerce seu poder na vida do ser humano. Devido pecado o homem é escravo do pecado (Rom. 6:16, 17), vive a imundície e para servir à maldade (Rom. 6:19), cujo fim morte (Rom. 6:21). Entretanto o poder da morte não é definitivo. O homem pode livrar-se dele e tornar-se um servo de (Rom. 6:22) ou servo da justiça (Rom. 6:18) para a santidade (Rom. 6:19), cujo fim é a vida eterna (Rom. 6:22). A do homem é sempre uma vida para a morte pelo pecado, para Deus e a vida eterna. "Porque o sal~.rio do pecado é morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Nosso Senhor" (Rom. 6:23). A ação do homem pecador nunca poderá contribuir para auto-realização, muito menos para a sua autocriação, pois o que faz são "obras mortas" (Heb. 9:14) que não podem conduzir vida. Neste sentido o homem pode descrever-se antes como um ser morto (Mat. 8:22; Efe, 5:14). Morto seus delitos (Efe, 2:l)e em seus pecados (Col. 2:13; Efe, 2:5). troca os crentes, ainda que sofram a morte física, já posa Victória sobre este inimigo (I Cor. 15:25, 55). Portanto, não morrerão (Jo~.o 6:50, 11:25) pois já passaram da morte para a vida (Jo 5:24; I João 3:14). A destruição final da morte ser~ o resultado de uma luta que o cristão deve manter constantemente, durante a qual recebe os primeiros frutos, necessários para a redenção do corpo (Rom. 8:23), como uma garantia ou antecipação do corpo imortal que recebera (II Cor. 5:1-5) ao ressoar da 6ltima trombeta, quando a morte e o pecado serão absorvidos (I Cor. 15:42-56). Enquanto esperamos este dia, a morte, que bons e maus, é um estado semelhante ao sono. JÁ vimos que o AT diz que Davi, Salomão e muitos reis de Israel dormiram com seus pais (I Reis 2:10; 11:43; 14:20, 31; 15:8; 1I Cro. 21:1; 26;23). Como sono é descrita por 56 (56 7:21; 14:10-12), pelo salmista (Sal. 13:3), por Jeremias (Jer. 51:39, 57) e por Daniel (Dan. 12:2). No NT Cristo, falando da morte da filha de Jairo, diz que dormia (Mat. 9:24; Marcos 5:39) e descreve a morte de Lázaro do mesmo modo (João 11:11-14). Paulo e Pedro também dizem que a morte é um sono (I Cor. 15:51, 52; I Tes. 4:13-17; II Pedro 3:4). Quando Cristo ressuscitou, é dito que muitos "dos que dormiam" saíram de seus sepulcros e apareceram a muitos (Mat. 27:52, 53). Os exegetas modernos estão divididos: uns aceitam que a melhor descrição da morte é o estado do sono 53 e outros opõemse a esta concepção porque lhes é difícil aceitar um estado complementar inconsciente e preferem dizer que os mortos estão em Cristo,54 com o qual dão a entender que os mortos tem algum grau de consciência. O conceito de morte, mediante o qual o homem conserva algum grau de consciênc ia, não chega a descrever plenamente o que ocorre com o homem. Continua o ensinamento da serpente que enganou a Eva dizendo: "N ão morrereis" (Gn 3:4). Em troca, a descrição da morte como;m sono é aplicada a um conceito de morte completa que ocorre em dois tempos: a primeira morte é temporária e é por esta razão que Jesus e toda a Bíblia a comparam com o sono (João 11:11-14). Porém chegara a hora "em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal para ;a ressurreição do juízo" (João 5:28, 29). Os que ressuscitam para a vida eterna "ressuscitarão incorruptíveis"' (I Cor. 15:52) porque "é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal 'se revista da imortalidade" (I Cor. 15:53). Em troca, os que fizeram o mal são os homem ímpios que ressuscitam para "a perdição" (II Pedro 3:7)e para a morte definitiva que sofrerão ao completarem os mil anos (Apoc. 20:3, 5) sob a ação do fogo que descendo de Deus os consome (Apoc. 20:7-9). Nessa ocasião também a morte, o inferno e todos os que não estão inscritos no livro da vida são lançados ao fogo, sofrendo a segunda morte, que é definitiva e para sempre (Apoc. 20:14, 15). Esta morte é a conseqüência final da maldade humana. A maldade humana A destruição definitiva da raça humana que ocorre no final dos mil anos corresponde à destruição da humanidade antediluviana, cuja maldade havia traspassado os limites da tolerância divina. Gênesis 6 inicia a descrição desta maldade humana condenando o casamento dos "filhos de Deus" com as "filhas dos homens". a violência dos nefilim e a maldade dos 'homens. Os filhos de Deus e os filhos dos homens foram os dois :grupos nos quais se dividiu a raça humana desde o nascimento de Caim e Abel. Caim ofereceu sacrifícios que contrariavam a vontade de Deus, em troca, Abel ofereceu a Deus "mais excelente sacrifício do que Caim" (Heb. 11:4). Logo Caim sentiu ciúme porque a oferta de seu irmão foi aceita diante de Deus e o matou (Gn 4:8). Os descendentes da Caim, como o seu I: pai, se converteram em homens errantes e fugitivos 53 Otto Michel, "Zur Lehre von TodoschlaO' Zeitschrifffiir die neutestamentliche Wissenchaft 35 (1936) pp. 285-290. 54 R. E. Bailey, "Is 'sleed the proper biblical term for the intermediate state?:' Zeitschriftfiir die neutestamentliche Wissenschaft 55 (1964) pp. 161-167. (Gn 4:12) porque Caim foi expulso da terra. Escondeu-se da presença divina (Gn 4:14) e habitou ao oriente do Éden na terra de Node (Gn 4:16). Node significa errante. Depois do nascimento de seu filho Enoque, Caim edificou uma cidade à qual deu o nome de seu filho (Gn 4:17). Entre os descendentes de Enoque, e pertencendo a quinta geração desde Caim, nasceu Lameque (Gn 4:17, 18). La meque introduziu a poligamia (Gn 4:19) e a violência no trato com seus semelhantes com o qual seguia o exemplo de seu antepassado Caim. Dirigindo-se a suas mulheres Lameque disse: "Matei um homem porque ele me feriu: e um rapaz porque me pisou. Sete vezes se tomara vingança de Caim, de Lameque, por~:m, setenta vezes sete" (Gn 4:23, 24). A outra linha de seres humanos que Gênesis 6 chama filhos de Deus iniciou-se com Abel, a quem Cristo chamou "o justo" (Mat. 23:35)e na epistola aos Hebreus é descrito como um homem de fé que recebeu de Deus o testemunho da justiça (Heb. 11:4). Este estilo de vida foi interrompido com a morte de Abel, porém reiniciou-se entre os homens com o ~nascimento de Sete, que substituiu a Abel (Gn 4:25). Por esta razão quando nasceu o seu filho Enos "então se começou a invocar o nome do Senhor" (Gn. 4:26). Os descendentes de Caim eram filhos dos homens porque não serviam a Deus, em troca os descendentes de Abel-Sete eram filhos de Deus porque serviam ao Senhor. Mais tarde esta designação seria aplicada a Israel, a quem Deus considerou seu primogênito (Ex. 4:22), e Moisés disse aos israelitas: "Filhos sois do Senhor vosso Deus" (Deut. 1d1). "Por algum tempo as duas classes permaneceram separadas. A raça de Caim, espalhando-se do lugar em que a principio se estabeleceu, dispersou-se pelas planícies e vales onde os filhos de Sete haviam.habitado; e os últimos, para escaparem de sua influência contaminadora, retiraram-se para as montanhas, e ali fizeram sua morada. Enquanto durou esta separação, mantiveram em sua pureza o culto de Deus. Mas com o correr do tempo arriscaram-se pouco a pouco a misturar-se com os habitantes dos vales. Esta associação produziu os piores resultados”. 55 A mistura chegou a sua culminância quando os filhos de Deus, atraídos pela formosura das filhas dos homens, dentre elas, "tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais Ihe agradaram" (Gn 6:2). Os filhos de Deus foram induzidos a cometer os pecados que praticavam os filhos dos homens. Judas chama "o caminho de Caim" a este estilo de vida (Judas 11). Os que seguem o caminho de Caim são "homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus, e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo" (Jud. 4), o exemplo "dos que não creram" entre o povo liberado Egito (Jud. 5), "dos anjos, os que não guardaram o seu do original, mas abandonaram o seu próprio domínio" (Jud. 6), dos habitantes de Sodoma e Gomorra e as cidades que se prostituíram e praticaram os vícios contra a natureza (Jud. 7). Estes homens ímpios são sonhadores contaminaram a carne, rejeitam o governo e difamam as autoridades superiores (Jud. 8). Este capitulo de rebeldia contra Deus manifestava-se de maneira especial entre os nefilim ou gigantes que existiram na terra antes e depois que os filhos de Deus se casaram com as filhas dos homens (Gen. 6:4). A palavra hebraica nefilim foi impiamente traduzida pelo termo gigantes, pois esta não era características exclusiva deles. Todos os homens eram de estatura. Esta palavra pode provir da raiz nafal e em conseqüência a característica que destacava os nefilim era a violência. Estes rebeldes contra Deus, possuidores de elevadas faculdades intelectuais e de grande forCa física, "procuravam tão satisfazer os desejos de seu orgulhoso coração, e folgavam em cenas de prazer e impiedade. Não desejando conhecimento de Deus em seu conhecimento, logo vieram a negar a Sua a. Adoravam a natureza em lugar do Deus da natureza. Glorificavam o gênio humano, adoravam as obras de suas as mãos, e ensinavam seus filhos a curvar-se ante imagem escultural”.56 55 E. G. White. Patriarcas e Profetas, p. 77. 56 lbid., p. 88. Em conseqüência "a maldade se multiplicara na terra" (Cr. Quando Adão e Eva aceitaram o pecado, este surgiu por tentação da serpente, pelo qual o estimulo para o mal proveio de fora do homem. Em troca os antediluvianos estavam terrivelmente inclinados para o mal que a tentação provido interior deles, pois "toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só mB continuamente" (Gn 6:5). Os pensamentos destes homens tinham um inicio objetivo: o mal. yetser (pensamentos) é derivada do verbo yatsar, que ((inventar" ou "formar': Os homens inventaram o pecado e davam forma ao mal em suas próprias mentes. A maldade individual transformou-se em violência social. Corrompeu-se a terra diante de Deus e "encheu-se a terra de violência" (Gn 6:11). A característica destacável da humanidade é expressa com a palavra hamas, "violência, transgressão do direito”. 57 A terra estava cheia de hamas" (Gn 6:13). Segundo Gerard Von Rad esta palavra "designa a ruptura da ordem jurídica pela violência”. 58 A ra'ath, maldade ou rebeldia pessoal contra Deus, havia-se convertido em hamas ou violência social que desconhecia o valor da ordem constituída e opunha-se à autoridade legalmente estabelecida. Os indivíduos que vieram à existência como resultado da criação de Adão, a sociedade humana na qual os filhos de Deus e os filhos dos homens se uniram na corrupção, a violência e o terrorismo, estavam preparados para sua destruição. Pelo poder de Deus haviam chegado a existência e um ato divino poria fim a esta primeira origem da humanidade. O fim da primeira origem Pelo fato da maldade do homem ser grande na terra, disse Deus: "Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis, e as aves dos céus " (Gn 6:70). A corrupção da terra e a violência que se havia espalhado por todos os setores da sociedade, induziram a Deus a tomar uma decisão com respeito aos homens, a qual comunicou a Noé com as seguintes palavras: "Eis que os farei perecer juntamente com a terra" (Gn 6:13). A Bíblia ensina que tanto a origem como a destruição da sociedade humana dependem de um ato soberano de Deus. A origem e o sentido da história encontram-se em Deus. Este conhecimento, tão claro e livre de todo elemento mítico no pensamento hebreu, aparece confuso e deturpado entre os armeiros pensadores gregos. As primeiras intuições acerca dos deuses, do cosmos, da terra, do homem e da história, são expressas em mitos e contos. Neles, a história sempre se desenvolve num processo cíclico que, segundo Ovídio, passa por quatro idades: a primeira é a do ouro, a segunda, de Prata,a terceira de bronze e a quarta, do ferro. A escola demócrito-epicúria começa a introduzir, em sua concepção da história, a idéia de causalidade. Coloca como motivos da evolução histórica a necessidade e a utilidade. A escola estóicas, baseando-se no fato de que a natureza está regida pelo princípio racional do logos, concebe a história como um processo no qual ordena racionalmente seus próprios atos,59 o que se contrapõe às idéias de Heródoto, porém concorda com as de Tucídides. Heródoto cria que a vida humana esta sob o controle de um poder sobre- humano que governava sobre os homens motivado pela inveja e a mimese ou a ira justa.60 Tucídides, em troca, pensava que a adoração aos deuses não faria nenhuma 57 G. von Rad, Teologia, II, p. 163.. 58 Ibid., p. 447 59 Johannes Thyssen, Historia de la filosofia de la historia (Buenos Aires, EspasaCalpe, 1954), pp. 15-21. 60 J. B. Bury, The Ancient Greek Historians (New York, The McMillan and Co., 1909), p. 46. diferença nos fatos históricos porque não exerce sua influência sobre eles.61 Para os gregos, então, a história humana está regida pelas paixões dos deuses ou pela razão humana esta humana. Santo Agostino disse que a providência de Deus rege a história de tal maneira do poder e do domínio do homem, senão na sucessiva revede Deus.62 Durante a Idade Média ensinou-se que os fatos históricos não dependem de nenhuma planificação humana são a realização do Plano divino e o homem deve submeter-se à vontade de Deus. Por esta razão os historiadores não devem ocuparse em narrar as histórias particulares das nações, sim escrever uma história universal como gesta Dei.63 O Renascimento introduziu uma reação contra o teocentrismo medieval, para conceber a história em termos de humanismo, como na antiguidade greco-romana. Entretanto, este humanismo não é uma cópia do humanismo grego. Não aceita nem ideal dos gregos, que controlava seus atos e lavrava destino com a razão, O homem continua sendo o centro da história e o que a executa, porém, não é a história da razão humana mas de suas paixões. Mcchiavello, Guicciardini, e Bobino, seus três maiores expoentes, intervenção divina na história.64 A chegada do conceito de história como ciência coloco~ o homem numa relação intelectual com seu passado.65 O homem deixou de ser parte da vida para tornar-se simples observador da mesma. A natureza, a sociedade humana, a vida dos povos, as escassas ondas que se iluminam aqui e ali na ininterrupta fluidez da história universal – como dizia Schiller em seu livro Como se chama e com que fim se estuda a história universal – converte-se num simples objeto de observa ção. Logo, os historiadores se perguntam se a história é o que tem sucedido ou o que sucede (conceito objetivo) ou é o conhecimento do suceder (conceito subjetivo).66 Desligado da vida, o homem sofre a solidão que E. Grassi e Th. Von Uexkiill Ihe atribuem quando perde a fantasia e é expulso de seu posto original: "está abandonado exclusivamente a si mesmo”. 67 Aqui é onde aparece em ação o homo faber de Max Scheller. Este conceito encontra-se em oposição à de homo sapiens inventado pelos gregos e exaltado a sua cúspide durante a Ilustração, segundo o qual o homem atua em completa harmonia com a razão pois ela é um agente divino que a natureza não provê 68 O conceito de homo fader, em troca, considera entre eles uma diferença de graus. O homem é um ser instintivo que possui três potências instintivas primordiais. Instinto de reprodução, instinto de 61 C. A. Robinson, Selectionsfrom Greek and Roman Historians (New York, Hoit, Renehart y Wiston, 1966), p. 87. 62 Jospe Ferrater Mora, Cuatro visiones de [a historia universal (Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1955), pp. 54-57. J. Thyssen, Historia, pp. 36-39. 63 J. Thyssen, Historia, pp. 36-39. 64 Ibid, pp. 41-43. 65 Pierre Lacombe, La historia considerada como ci~ncia (Buenos Aires, EspasaCalpe, 1958), p. 11. 66 Guillermo Bauer, Introduccidn a[ estudio de la historia, pp. 31-32. 67 E. Grassi y Th. Von Uexkiill, Las ciencias de la naturaleza y del espiritu (Barcelona, Luis Miracle, editor, 1952), p. 75. 68 23. Max Scheller, La idea del hombre y [a historia (às. As., Siglo XX, 1959), pp. 22- crescimento e poderio e instinto alimentício. Em relação com cada um deles surgem três concepções naturalistas da história. Os que destacam o predomínio dos instintos de reprodução consideram a história como um acontecimento no qual se realizam os processos de mistura e separação de sangues ou raças Entre os que sustentam esta idéia.devem ser mencionados Gumplowitz e Freud. Os que destacam no homem instintos de crescimento e poderio vêem a história como ação do poder político. Seus expoentes principais são: Th. Macchiavello, Nietzsche e Adler. Finalmente os que o instinto alimentício ou de nutrição é o que no homem, defendem a concepção econômica69 ou da história”. 70 Este último conceito é mantido pelo marxismo e pelo socialismo, do que Herbert Spencer prognosticou em seu leito de morte dizendo que inevitavelmente viria, que significaria "a maior desdita que a humanidade tem at~ o presente:'e dava a razão para esta desdita: "Não há nenhum homem que possa fazer o que queira, mas que qual fará o que se Ihe diga”.71 Entretanto, a maior desdita do homem não consiste em fazer que se Ihe diga, mas em transformar-se "num desertor vida”. 72 Pensadores como Frederico Nietzsche e H. Bergson confundem este conceito e consideram o homem como a enfermidade da vida e a história como o processo de extinção que se verifica numa espécie ferida de morte. que o homem, considerado individualmente, e a sociedade organizada, padecem uma ferida de morte. Entretanto não é verdade que o homem seja um animal que tenha adoecido pelo espírito, nem é certo que seu destino definitivo seja completa. O homem dirige-se para a morte e a sociedade humana ser~, destruída, mas não como resultado do natural que segue sua enfermidade, senão como um soberano de Deus. Esta ação soberana de Deus na origem e a destruição das encontram-se totalmente ausentes dos conceitos expor um dos maiores historiadores contemporâneos. ArJ. Toynbee considera que uma sociedade que nasce é uma simples derivação de outra que morre. Este nascimento dependa direção da mimese ou imitação. Quando esta se dirige as personalidades criadoras, a sociedade encontra-se em movimento e para uma mudança que determina seu crescimento. Isto indica que se trata de uma sociedade de afiliação. Em troca, a que atua como progenitora da anterior, dirige sua mimese às gerações anteriores pelas quais permanece estática por algum tempo e logo morre. A destruição de uma civilização produz-se: 1) pelo fracasso da minoria em usar seu poder criador, 2) pela resposta da maioria retirando sua mimese da minoria sem poder criador e 3) pela perda da unidade social como um todo, por parte dos dois grupos. Toynbee afirma que a destruição da civilização não depende de forças cósmicas que atuam de fora, nem é o resultado de uma ação de Deus. Nem sequer se produz pela ação das leis da natureza. A civilização destrói-se quando perde a autodeterminação. No processo de desintegração, o corpo social divide-se numa minoria dominante, um proletariado interno e um proletariado externo. Toynbee define o proletariado co~ mo "um estado emocional" em lugar de uma circunstância 69 Ibid., pp. 35-49. 70 Véase Rafael Gambra Ciudad, La interpretacidn materialista de la historia (Madrid, Ediciones Jura, 1946). 71 Citado por Max Scheller, Elsabery [a cultura (Santiagq Chile, Editoria Universitaria, 1960), pp. 13-14. 72 Max Scheller, La idea del hombre, p. 51. determinada.73 O proletariado interno tem o sentimento de que não existe uma liderança que responda às suas necessidades, a qual produz uma desorientação no modo de vida que culmina na rebelião e na violência.74 A revolução encontra-se estreitamente relacionada com a rebeldia e a violência. Segundo Jiirgen Moltmann, 75 o termo "revolução" é empregado hoje em dia como sinônimo de 'história', na qual se anuncia um futuro que é novo frente a todas as situações apresentadas at~ agora. Este conceito é comum a marxistas e teólogos que sustentam o novo humanismo. Do campo marxista Ernest Bloch declara: "Rechaçamos tanto o "sentido total do mundo' como também um sentido universal da história. Não se pode provar do campo do materialismo nenhum sentido universal e total da história”. 76 Por outro lado os teólogos afirmam que para "dar sentido ao sem sentido':" antropologia filosófica necessita uma metafísica a partir da qual ela possa extrair suas categorias, e a analogia pragmáticorevolucionária necessita de uma fé mesmo num futuro no qual o homem possa ser realmente homem esta é a necessidade do marxismo segundo Moltmann, o necessita de uma nova teologia profética, uma secular, política e social, da esperança”.77 Com o conde esperança, Moltmann coloca seu ponto de partida no futuro. No futuro que se faz presente e Através do qual se chega a uma nova concepção da realidade como história. A categoria dominante para compreender a realidade de um modo é o futuro, de tal maneira que "o que nós chamamos é o ‘elemento do futuro', o campo experimental do futuro”. 78 Também Wolfhart Pannenberg trabalhou com este conceito explica que os sucessos passados foram o futuro das situação que o precederam, pelo qual se deve dizer que todos os do passado surgiram do poder do futuro para qual dirigimos hoje. Nenhum desses fatos era inevitável. Surgiram casual e livremente. Deste modo a escatologia e a história -se unidas. Pannenberg disse que Deus é o futuro de presente atual e de todas as situações históricas. Com conceito dá ao tempo um sentido circular, semelhante ao os gregos tinham do tempo e contrario à idéia bíblica do que, segundo Oscar Cullman, é linear.79 Este tipo de para Pannenberg, não é apresentada como o campo Deus executa seu poder soberano, mas se apresenta como uma "pedagogia divina da humanidade" através da qual tem chegado a consciência de sua historicidade e à e de sua criação.80 73 Arnold J. Toynbee, The Study of History, resumo de D. C. Somerwell (New York, Oxford University Press, 1947), p. 377. 74 Mario Velosq "ToynbePs ideas about history and religion:' (Berrien Springs, Mich., 1969), pp. 9-14. 75 76 Jiirgen Moltmann, Conversidn alfuturo (Madrid, Morava, 1974), p. 45, Citado em Ibid., p. 62. 130 77 Ibid., p. 160. 78 Ibid. Oscar Cullmann, Christ and Time, 79 80 Wolfhart Pannenberg, Teologia y reino de Dios (Salamanca, Ediciones Sigueme, 1974), pp. 25,27-37. Segundo a Bíblia, não é por meio da história que o homem a plenitude de sua pessoa vivente, mas na história e meio do poder de Deus que atua na mesma. Deus é quem o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis" 2:21), tira o poder político (Dan. 4:31)e o restaura (Dan. faz surgir as nações (Dan. 5.28) e lhes põe fim (Dan. 5:26). "O poder exercido por todo governante sobre a Terra lhe comunicado pelo Céu; e depende seu êxito do uso que fizer do poder que assim Ihe é concedido”. 81 Ao atuar soberanamente na história Deus sempre tem um propósito e "a força das nações, como a dos indivíduos, não se acha nas oportunidades ou facilidades que parecem torná- las invencíveis; não se acha em sua decantada grandeza. Mede-se ela pela fidelidade com que cumprem o propósito de Deus”.82 "A cada nação que tem subido ao cenário da atividade, tem sido permitido que ocupasse seu lugar na terra, para que se pudesse ver se ela cumpriria o propósito "do Vigia e Santo' A profecia delineou o levantamento e queda dos grandes impérios mundiais – Babilônia, Média-Pérsia, Grécia e Roma. Com cada um destes, assim como com nações de menos poder, tem-se repetido a história. Cada qual teve seu período de prova, e cada qual fracassou; esmaeceu sua glória, passou-selhe o poder e o lugar foi ocupado por outra nação. Conquanto as nações rejeitassem os princípios de Deus, e com esta rejeição operassem a sua própria ruína, todavia era manifesto que o predominante propósito divino estava agindo através de todos os seus movimentos”. 83 A história não se rege pela razão do homem nem por suas paixões, nem pela direção da mimese, nem pelas forCas revolucionárias, nem pelo poder do futuro, senão pela vontade de Deus. "Nos anais da história humana o crescimento das nações, o levantamento e queda de ímpios, aparecem como dependendo da vontade e façanhas do homem. O desenrolar dos acontecimentos em grande parte parece determinar-se por seu poder, ambição ou capricho. Na palavra de Deus, porém, afastase a cortina, e contemplamos ao fundo, em cima, e em toda a marcha e contramarcha dos interesses, poderio e paixões humanas, a força de um Ser todo- misericordioso, a executar, silenciosamente, os conselhos de Sua própria vontade”. 84 O mundo antediluviano foi destruído pela ação do poder de Deus por causa de sua maldade, de sua corrupção e de violência. Deus propôs-se por fim a primeira origem da idade por meio de um dilúvio, porém encontrou entre homens a Noé, "homem justo" e integro em sua história (Gn 6:9). Pelo fato de Noé haver andado com Deus, como Enoque, pode mantê- lo com vida. Foi objeto da graça de Deus 6:8)e mediante a mesma pôde entrar na nova origem. 81 82 E. G. White, Educa~aão, p. 174. Ibid., pp. 175. 83 - Ibid., pp. 176-177. 84 -Ibid., p. 173. Ibid., pp. 176-177. 84 Ibid., p. 173. 83 CAPÍTULO V A NOVA ORIGEM Depois do dilúvio a vida começa novamente sobre a terra.É uma espécie de nova origem de todas as coisas. O homem começa sua vida na pessoa de Noé sua família, depois de haver passado pelo enorme batismo do dilúvio (I Pedro 3:20,21). Assim como Adão e Eva formaram uma família no inicio da primeira origem, a família de No~, nesta nova origem, constitui o núcleo da nova sociedade que se formara sobre a terra. Como no caso da criação, a pessoa humana vinculada com Deus, portanto na plenitude de seu ser e na totalidade de suas relações, ocupa o lugar central da nova origem. A nova origem pessoal Esta nova origem pessoal surge, como na primeira origem (Gen. 1:28), com a benção de Deus. A primeira palavra que aparece em Gn 9, onde se inicia o relato da nova origem, é a frase: "Abençoou Deus" (Gn 9:1). A palavra hebraica berakah indica "o poder pelo qual a vida é mantida e prolongada”. 1 Do ponto de vista da vida diária a benção significa concretamente três coisas: (1) Riquezas. Quando o criado de Abraão se apresentou diante de Betuel, pai de Rebeca (Gn 24:15), ao contar-Ihe de Abra~.o disse-lhe: "O senhor tem abençoado muito meu senhor, e ele se tornou grande: deu- lhe ovelhas e bois, e ouro, e servos e servas, e camelos e jumentos" (Gn Moisés, ao ordenar ao povo de Israel que se mantivesse a Deus, ouvindo atentamente a Sua voz e guardando os mandamentos (Deut. 28:1), assegurou- lhes que receberiam riquezas da parte do Senhor como uma benção: "O Senhor determinará que a benção esteja nos teus celeiros, e em o que puseres a tua mão: e te abençoara na terra que te o Senhor teu Deus" (Deut. 28:8). (2) Vitória sobre os inimigos. Moisés também inclui esta bênção entre as que enumerou diante do povo de Israel: "Bendito ao entrares, e bendito ao saíres. O Senhor fará que sejam os na tua presença os inimigos que se levantaram contra ti: por um caminho sairão contra ti, mas por sete caminhos fugirão da tua presença" (Deut. 28:6,7). Esta benção poder-se at~ o ponto de transformarse em benefícios de e nações inteiras. Assim o expressa lsaque quando abençoa Jacó (Gn 27:26,27). "Sirvam- te povos, e nações te reverenciem" (Gn 27:29). Relacionado com isto é apresentado o to de respeito por parte dos familiares. Jacó, na benção que dá a seus filhos (Gn 49:1), declara a Judá: "Jud~, teus te louvarão; a tua mão estará sobre a cerviz de teus inimigos; os filhos de teu pai se inclinarão a ti" (Gn 49:8). A que recebe a benção de Deus nas atividades comuns de vida desfrutar~ da Victória sobre seus inimigos, exercerá autoridade o poder político e desfrutar~ de prestigio entre os membros de sua família. (3) Numerosos descendentes. Ao abençoar Deus a Adão e disse- lhes: "Sede fecundos, multiplicaivos, enchei a ter(Gn 1:28). Esta mesma afirmativa está incluída na benção que Deus promete a Abraão (Gn 12:1; 13:16). A benção a descendência pode ter não apenas o sentido de descendentes numerosos, como também incluir a permanência desses descendentes para sempre. Por esta razão Davi pedia a Deus: isso ainda pouco aos teus olhos, Senhor Deus, de maneira que também falaste a respeito da casa de teu servo para tempos distantes; e isto é instrução para todos os homens, ó Senhor Deus" (II Sam. 7:19). A frase "falaste a respeito da casa teu servo para tempos distantes", pode ser traduzida: "o tens dito e com tua benção seria bendita a casa de teu servo para sempre': 1 Edmond Jacob, Theology offhe Old Testamenl (New York, Harper and row, 1958), p. 179. O homem que recebe a benção de Deus em sua vida diária desfruta de bens materiais abundantes, não t prejudicado pela ação de seus inimigos, adquire um prestigio social que Ihe confere dignidade, é objeto de admiração de sua família e seus numerosos descendentes viverão em plena segurança com a certeza da vida eterna. A b@nCão especifica uma situação que o AT define com a palavra shalom. Esta expressa a idéia de abundância, prosperidade e paz que nunca se adquire de um modo individualista, nem num estado de solidão. A pessoa realiza-se em família Deus abençoou "a Noé e a seus filhos" (Gen. 9:1). Quando o AT se refere ao pai e aos filhos, indubitavelmente está falando da família, por isso a família se chama bef'ab, que significa "casa do pai" e que às vezes tem sido traduzida pela frase "che fes das suas famílias" (Exo. 12:f I Cron. 7:2).2 Toda pessoa é membro de sua bet'ab, casa paterna, ou de sua bajit, casa, (Gn 24:38, 40). O homem só nunca pode se sentir realizado. Esta solidão expressa-se com as palavras lebad, cuja raiz bad assinala a parte separada do todo, que significa segregado, afugentado, sem ninguém (I Sam. 21:1), e jachid, que expressa a aflição de quem está isolado e abandonado (Sal. 25:16-18). O AT nunca ensina que o homem possa alcançar a felicidade num estado de isolamento ou solidão. Este é um perigo que correm órfão e a viúva. Recomenda-se o cuidado deles a todos os pais de Israel (Deut. 14:29)e o homem virtuoso é sempre um pai para o órfão e um protetor pala a viúva (56 3~:17,18). A responsabilidade da família recai sobre o pai. O pai que honra o Senhor transforma o seu lar num refugio para seus filhos, onde encontram tudo o que necessitam para uma vida segura (Prov. 14:26). Toda a casa agrupa-se ao redor do pai e a família forma assim uma comunidade na qual a mãe, os filhos, os servos e ainda a propriedade se fundem para formar uma unidade inseparável.3 A família era o núcleo protetor de todos os seus integrantes responsável por esta proteção era o pai e quando este a responsabilidade passava a cada um dos membros da porém de modo muito especial correspondia ao go'el redentor da família. Go'el provém de uma raiz que significa proteger, redimir.4 O Go'el é o parente mais próximo que, por razão, se transforma no redentor, no protetor e defensor :família. Deve proteger a cada uma das pessoas que a integram, a família como grupo e o patrimônio que Ihe pertence 25:25, 47-49). Foi sob este dever que Jeremias comprou propriedade de seu sobrinho Hanameel (Jer. 32.8-12)e toda a história de Ruth gira em torno do dever de chefe de família o protetor e redentor. Através desta instituição surgem os deveres religiosos do chefe da família porque o Senhor, como go'el de Israel, o escolheu 49:7), o transformou numa nação (Isa. 44:24) e Ihe deu nome (Isa. 43:1). Reconstruiu suas cidades (Isa. 44:26), -o do cativeiro (Isa. 43:14), é o seu socorro (Isa. 41:14) seu refugio (Sal. 78:35). Dá- lhe Seu espírito e Sua palavra 59:20,21). Defende a sua casa (Jer. 50:34), redime-o de seus pecados e rebeliões (Isa. 44:22), dá- lhe o repouso (Jer. 50:34) tara o justo porque é um Redentor vivo (56 19:25-27). O que Deus, como go'el, faz por seus filhos, deve também o pai por sua família. Deve dar- lhe seu nome, prover- lhe ajuda material, protegê- la de todos os perigos e, sobretudo deve dar- lhe a assistência espiritual que Ihe permita alcançar o perdão de seus pecados, receber a palavra de Deus e o Santo e estar preparada para ressuscitar pelo poder de Tudo isto havia feito Noé por sua família (Gn 79), que composta por sua mulher, seus filhos e as mulheres de seus (Gn 7:7). Deste modo Noé 2 H. W. Wolff, Antropologia, p. 240. 3 J. Pedersen, /srae/, Its I.ife and Culrure (Copenhague, 1953) I-ll, p. 63. Roland de Vaux, Ancient Israel, I, 31. 4 apenas foi um "pregador justiça" (II Pedro 2:5) para o mundo antediluviano, como também para sua própria família. Em harmonia com este ensinamento da Bíblia devemos admitir que "o pai é em certo sentido o sacerdote da família, apresenta ante o altar de Deus o sacrifício da manhã e da tarA esposa e os filhos devem ser encorajados a unir-se nesta e também a participar dos cânticos de louvor. De manhã e de tarde o pai, como sacerdote da família, deve confessar a Deus os pecados cometidos por si e pelos seus durante o dia.5 Esta permanente intercessão do pai ante Deus a favor de sua família resultar~ em abundantes bênçãos para cada um de seus membros. Desta maneira o pai é"colaborador de Deus, promovendo os graciosos desígnios de Deus e estabelecendo em seus filhos elevados princípios, os quais capacitam- nos a formar caráter puro e virtuoso, porque tem ocupado previamente a alma com aquilo que capacitar~~ seus filhos a render obediência não somente a seus pais terrestres, mas também ao Pai celestial”.6 Naturalmente que para conseguir estes resultados o pai deve manter-se em estreita vinculação com Deus. Esta é uma "vital conexão"; portanto deve constantemente manter-se ao lado de Cristo e demonstrar assim que grande bem pode ser realizado por meio da instrumentalidade paterna,7 não somente na edificação.o espiritual de cada um dos membros da família, como também na participação que eles tem ao tornarem-se associados com seu pai e com Deus na tarefa de pregar a justiça a um mundo que necessita da mensagem de salvação. A família completa, os pais e os filhos, sentem-se plenamente realizados na unidade e na paz deste ambiente espiritual e missionário, que atende as necessidades materiais, religiosas, laborais e sociais de cada um dos seus integrantes. Esta unidade era tão estreita entre os membros da família de Noé que, quanto fez o pacto com Noé, Deus falou com ele e com seus filhos (Gn. 9:8), pois o objetivo deste pacto incluía Noé e seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos (Gen. 6:18), mediante o que, ao chegar a hora do dilúvio, disse- lhe Deus: "Entra na arca, tu e toda a tua casa" (Gen. 7:1). Frente a uma emergência Adão e Eva entraram na vida sob circunstâncias perfeitamente normais que concordavam plenamente com o plano divino para o homem, o mundo e a natureza. Noé e sua família encontraram-se frente a uma situação de emergência, provocada pelo pecado e suas conseqüência s destruidoras que se fizeram plenamente reais através do juízo divino que o dilúvio trouxe para a raça humana. Sob esta nova circunstância modificaram-se alguns aspectos do viver diário entre os quais mencionam a relação do homem com os animais e o tipo alimentos que Deus Ihe autorizou a consumir. Esta nova relação com os animais conserva o domínio que havia dado ao homem sobre toda a criação, porém já não disse que deveria sujeitar a terra e dominar sobre os animais (Gn 1:28), mas Ihe informa que "nas vossas mãos serão es" (Gn 9:2). O homem terá que domesticar os animais para ter com eles uma relação semelhante à que Adão manteve com todos os animais que Deus havia criado. Domesticação fazia-se necessária por causa do "pavor e que os animais sentiam do homem (Gn 9:2). Isto indica o grau de separação que o pecado havia introduzido entre e o homem. Em seus intentos por controlar a natureza usando a inteligência e a força, o homem tem destruído plantas e ainda consumido os produtos químicos da Tal ação constituiu-se em prejuízo para o próprio homem. vida tornou-se mais difícil. Esta dificuldade não somente surgiu nas relações com a natureza como também no prolongamento da vida humana. O destruiu todas as fontes de alimentação e Deus, para o homem e conservar sua vida, proveu- lhe um alimento até esse instante não Ihe havia autorizado consumir: a carne animal. 5 E. G. White, O Lar Adventista, p. 212. 6 Loc. Cit. E. G. White, O Lar Adventista, p. 325. 7 Não foi plano de Deus que as criaturas se comessem umas às outras e muito menos que o homem matasse animais para sua alimentação. No inicio apenas Ihe deu sementes tos (Gn 1:29). Quando entrou o pecado acrescentou- lhe -vegetais (3:18). Depois do dilúvio o autorizou a comer verduras e carne (Gn 9:3). "Deus deu aos nossos primeiros pais o alimento que pretendia que a raça humana comesse. Era contraria ao Seu plano que se tirasse a vida a qualquer criatura. Não devia haver no Éden. Os frutos das árvores do jardim eram o alimento que as necessidades do homem requeriam. Deus não deu homem permissão para comer alimento animal, senão dedo dilúvio. Fora destruído tudo que pudesse servir para do homem, e diante da necessidade deste, o Senhor deu a Noé a permissão de comer os animais limpos que, que ele levara consigo na arca”. 8 O consumo dos animais limpos foi autorizado por Deus por duas razoes: (1) porque a vegetação havia sido destruída pelo dilúvio e (2) para reduzir o tempo da vida. Permitiu que a raça longeva comesse alimentos de origem animal para abreviar sua existência pecaminosa. "Logo após o dilúvio o gênero humano começou a decrescer rapidamente em tamanho e na extensão dos anos”. 9 A classificação dos animais limpos e imundos era bem conhecida Através de todo o período veterotestamentário. Quando Deus ordenou a Noé que introduzisse os animais na arca, disse- lhe: "De todo animal limpo levarás contigo sete pares: o macho e sua fêmea; mas dos animais imundos, um par: o macho e sua fêmea (Gn 7:2). Duas razões impunham a necessidade de ter sete pares de animais limpos. Em primeiro lugar a autorização de comer carne implicava na morte de parte desses animais que Noéestava conservando na arca. Se Deus tivesse em mente o consumo de animais imundos, teria introduzido um maior número desses animais na arca, pois, levando apenas um par de cada um deles, algumas espécies extinguir-se- iam quando Noé matasse um deles para sua alimentação. A presença desses animais na arca não tinha nenhum sentido, pois estando ali não se salvaria a espécie se o homem comesse desses animais. Em troca, dos animais limpos havia sete pares, quantidade que permitia o consumo de alguns deles e, contudo, a espécie continuaria existindo. Em segundo lugar necessitavam-se de animais para os sacrifícios que Noédeveria oferecer a Deus depois do dilúvio. Estes sacrifícios seriam somente de animais limpos (Gn 8:20). Entre as leis sanitárias que Deus deu para a nação israelita, e que estão incluídas no corpo da lei mosaica, Deus também fez a distinção entre os animais limpos e os imundos ao indicarlhes as carnes que podiam comer e as que não podiam consumir (Exo. 22:131; Lev. 22:8). Este é um conceito que não pertence exclusivamente ao povo de Israel, pois já existia na é época de Noé. É um princípio de alimentação para a situação de emergência em que vive o homem depois da entrada do pecado. Por que Deus teve tanto interesse em especificar o tipo de alimento que o homem devia consumir? O AT explica claramente que o corpo humano tem as características de templo e morada do Espírito Santo, portanto, deve ser cuidadoso de tal forma que nenhum alimento contamine este templo. Templos de Deus O apóstolo Paulo em 1 Cor. 3: 16,17 diz: "Não sabeis que santuários de Deus, e que o Espírito de Deus habita em ? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado'. No contexto, o apóstolo Paulo faz clara referência a duas de viver que exercem influência positiva ou negativa na pessoa que, segundo Paulo, deve ser santa ou completamente a Deus. Diz aos coríntios que lhes esta escrevendo como a carnais, pois não lhes pode escrever como espirituais (I 3:1). Este contraste faz uma classificação das pessoas que essa igreja em duas categorias: (1) os 8 G. White, Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 373. 9 lbid., p. 373. cristãos espirituais que Paulo chama "experimentados" (I Cor. 2:6), e (2) cristãos carnais, que são como crianças em Cristo (I Cor. Não se deve confundir os cristãos carnais com o que Paulo chama: "homem natural" (I Cor. 2:14). O homem natural não pode perceber as coisas que são do Espírito de Deus, para eles são loucura porque não as pode der. Ele não tem discernimento espiritual (I Cor. 2:14). O coração carnal, em troca, tem aceito a Cristo, porém reflete muitas características próprias do homem natural. Tem ciúmes, contendas e dissensões (I Cor. 3:3). Possui um espírito partidista e identifica-se mais com os lideres humanos do que com mesmo (I Cor. 3:4). Esta situação impede- lhe de receber to sólido, próprio do homem espiritual. Por esta razão criança em Cristo, quando já deveria ter alcançado a maturidade. O estilo de vida do homem natural e o estilo de vida do homem carnal estão fortemente influenciados pela "sabedoria mundo" (1 Cor. 3:19; 2:13). A sabedoria deste mundo e auto-engano (I Cor. 3:18), é loucura e somente consiste em astúcia (I Cor. 3:19). Está completamente vazia e produz pensamentos v~-os (I Cor. 3:20). Paulo expressa seu desejo de que os cristãos da igreja de Corinto fossem espirituais, isto é que estivessem em condições de não somente compreender a sabedoria de Deus (I Cor. 2:7), revelada pelo evangelho, mas também tivessem "a mente de Cristo" (I Cor. 2:16), para que assim nenhuma das coisas pertencentes à sabedoria do mundo contaminasse sua vida. Em relação com estes estilos de vida, Paulo declara que ele e Apolo são servos (I Cor. 3:5-8) e colaboradores de Deus (I Cor. 39-11). Como servos tem sido instrumentos para que os coríntios chegassem a crer (I Cor. 3:5). Segundo a expressão de Paulo, ele plantou e Apolo regou, entretanto, isto não é o mais importante na vida do servo, o que tem maior importância em sua vida é o resultado e este procede exclusivamente de Deus, que dê o crescimento (I Cor. 3:6). Paulo e Apolo são colaboradores de Deus para construir o edifício de Deus (I Cor. 3:10). Nesta construção o fundamento é Cristo (I Cor. 330-11). O contraste entre uma vida que leva a fé a outras pessoas e coloca o fundamento do edifício espiritual semelhante a um templo, e aquela outra vida dirigida pela sabedoria do mundo, completamente vil, como uma semente sem vida que, embora seja semeada não dar produto algum (I Cor. 3:20), é enorme, como também é imenso o contraste de uma vida carnal, vazia e demasiado sujeita às influências da sabedoria deste mundo, com a vida do missionário, plena de frutos, originadora de fé e que coloca a Cristo como o fundamento de sua experiência espiritual. Neste contexto o apóstolo Paulo expõe o conteúdo do estilo de vida que recomenda aos coríntios e que, por extensão, é recomendável a todas as pessoas que aceitam a Cristo. Os crentes que aceitam a Cristo como fundamento da verdadeira vida edificam sobre Ele (I Cor. 3:10-15). Ao edificarem, baseados em Cristo transformam-se num templo (I Cor. 3:16-17). Em relação com este templo Paulo estabelece três idéias importantes: (1) o espírito de Deus mora no templo, (2) esse templo pode ser destruído e (3) é um templo santo. O corpo como morada do Espírito Santo – A palavra templo no NT é utilizada para identificar o lugar onde Deus se reúne com Seu povo, seja o santuário do deserto, o templo de Jerusalém ou o templo celestial. Sob este mesmo critério de Deus com Seu povo, também identifica-se como temo corpo do ser humano. é propósito de Deus reunir-se, por de Seu Santo Espírito, com o ser humano em Seu próprio corpo. Ao ser templo do Espírito Santo, esse corpo já não exclusivamente ao ser humano (I Cor. 6:19,20). É propósito de Deus habitar nos crentes (JL Cor. 6:16), portanto, espera que estes não tenham vinculação alguma com o estilo de vida dos incrédulos (II Cor. 6:14), nem com a injustiça, nem as trevas (II. Cor 6.14). Cristo espera que os crentes nada a ver com o estilo mundano de vida, dirigido pelo Maligno e a incredulidade (II Cor. 6:15). O cristã~.o não deve ter nenhuma relação com o que for imundo, que contamine ou desole templo de seu corpo (II Cor. 6:17). Uma vida, sem contaminação de carne nem de espírito, aperfeiçoando constantemente a santidade no temor de Deus, a vida que os crentes devem seguir (II Cor. 7:1). Somente assim o corpo ser a verdadeira morada do Espírito Santo. Do contrário, este templo pode ser destruído. A destrutibilidade do corpo – Desde a entrada do pecado corpo tem sofrido sua influência corrosiva e destruidora. O pecado não tem apenas uma relação de caráter mental ou espiritual com o homem. Também é vinculada com seu corpo. apetites pervertidos levam o homem a realizar ações erradas e a consumir alimentos, bebidas e outras substâncias que contribuem para a debilitação da energia física e a destruição do corpo. Deste modo o homem oferece seu corpo a Satanás verdadeiro sacrifício, porque ao não seguir os princípios estabelecidos por Deus para sua alimentação, esta sacrificando sua própria vida. O corpo e' um templo santo – Santo significa "separado uso sagrado '. É exatamente este o significado que se quer ressaltar através da imagem do templo. Todo templo é consagrado para uso exclusivo de Deus. Qualquer outro uso que se dê a esse edifício, profana-o. O corpo foi feito por Deus para habitação Através do Espírito Santo e, conseqüentemente, a própria criação foi sagrado ou santo. Qualquer coisa se realize no corpo contrária a este propósito original de destrói a sua santidade. A idéia de santo, quando é aplicada a um templo, tem, também, o significado de inviolabilidade. É precisamente em relação com este conceito que Habacuque afirma: "O Senhor, porém, esta no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra" (Hab. 2:20). Um respeito total que impeça violar o lugar da morada de Deus deve ser parte do estilo de alimentação que o crente adquire para a manutenção de seu próprio corpo. Qualquer violação ~s leis divinas que descrevem o alimento apropriado para o corpo, destrói este respeito e destrói o templo~ Uma consagração total A consagração do homem a Deus na vida de emergência introduzida pelo pecado é mencionada em primeiro lugar na proibição de Deus a Noé e seus descendentes sobre o consumo de sangue. "Carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis" (Gn 9:4). O sangue, como símbolo da vida, pertence exclusivamente a Deus.10 Por esta razão cada vez que um israelita queria matar um boi, um cordeiro ou uma cabra, devia levar seu animal é porta do tabernáculo para que o sacerdote oferecesse o sangue a Deus (Lev. 17:3-6). Este pensamento faz-se muito mais intenso quando se trata de sangue humano. Nenhum homem pode tirar a vida de outro homem, pois a vida pertence somente a Deus. O derramamento de sangue humano é crime contra a imagem de Deus. "Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramara o seu; porque segundo a sua imagem" (Gn 9:60). O homem que comete um crime, derramando o sangue de um ser humano, leva sobre si o sangue dessa pessoa e, como Caim, se converte num fugitivo que "fugirá até à cova: ninguém o detenha" (Prov. 28:17). Sua fuga é uma separação completa de Deus. Esta separação é o contrário da união com Deus,que significa uma total consagração a Ele. Portanto, a proibição de consumir sangue está relacionada com esta completa consagração do homem a Deus. Outro elemento que descreve a consagração do homem a Deus é o pacto que Deus estabelece com Noé, com seus filhos, com seus descendentes e com todo ser vivente (Gn. 9:8-10). Segundo este concerto, Deus nunca mais destruiria o homem ;n um dilúvio (Gn 9:11), daria uma terra especifica para a unidade do concerto (Gn 15:18)e aumentaria abundantemente os membros desta comunidade (Gn. 17:2-6). O concerto consistia numa consagração completa dos membros da unidade do pacto a Deus, de tal maneira que deviam aceitá-Lo perpetuamente como seu Deus (Gn 17:7). Este pacto foi 10 H. W. Wolff, Antropologia, p. 90. 144 selado com o sangue do sacrifício oferecido por Abraão (Gn 15-18). Deus também fez um pacto com o povo de Israel, que i selado com o sangue oferecido por Moisés (Exo. 24:6-8). No NT expõe-se a existência de "uma nova aliança" para que os chamados recebam a promessa da herança eterna (Heb. também esta aliança foi selada com sangue. Não com e de animais sacrificados mas com o sangue de Cristo 9:12-14). Esta aliança implica uma consagração tão completa a Deus que Suas leis estarão escritas nos corações e nas dos que O aceitam (Heb. 10:16,17). A consagração do homem total Segundo o apóstolo Paulo a consagração do homem não é obra deste, mas de Deus, e deve abarcar a totalidade de seu "O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo (hototeleí) e todo vosso 'ser" (holdkléron humdn), espírito, alma e sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo " (I Tes. 5:23).11 Uma das idéias que saltam à vista em forma imediata, neste texto, é a composição do homem. Frente a este problema tem sido expostas diferentes idéias cujos principais conceitos explicaremos a seguir. Idéias sobre a composição do homem Desde os tempos antigos tem-se procurado identificar os elementos que compõem o ser do homem. Tal intento tem produzido diferentes respostas, entre as quais mencionaremos as principais. Em primeiro lugar estão aquelas doutrinas que não especificam em forma concreta as partes que constituem o homem, mas que procuram explicar a sua natureza de um modo geral. Este é o caso do antigo paganismo que explica o homem como a forma em que a natureza chega à sua autoconsciência. Este conceito expressa-se nas formas míticas primitivas e também nas formas mais sofisticadas que definem o homem como anima mundi. Neste mesmo grupo devemos colocar a doutrina panteísta segundo a qual o homem é uma manifestação elevada do principio universal do ser e da vida. Em segundo lugar é mencionado o racionalismo grego que esta ligado, de algum modo, ao panteísmo e que serviu de base para algumas doutrinas antropológicas. Para os gregos, o homem é a união do Logos, razão universal e impessoal, com um corpo vivo organizado. O ser do homem, portanto, esta composto por três elementos: soma, psujé e logos, ou seja, corpo, alma e razão impessoal. Como já dissemos, este conceito servirá de fundamento para uma doutrina sobre a composição do homem, que se conhece como o homem de tricotomia, que junto com o dualismo tem sido as doutrinas mais amplamente aceitas. O dualismo ensina que o homem é um espírito criado, que esta em unição vital dom um corpo organizado. Por esta razão o homem está composto por dois elementos: matéria e mente. Como derivação desta doutrina surgem o materialismo e o idealismo. Estes dois conceitos são antagônicos entre si e opõem-se ao dualismo no sentido de que não aceitam as exigências dos elementos – matéria e mente – com existência independente. O materialismo diz que a mente é somente uma função do corpo e o idealismo, negando a posição do materialismo, afirma que o corpo é a forma da mente. Outra forma de expressar esta mesma doutrina é a doutrina segundo a qual o homem está formado pela alma e pelo corpo. Este conceito de alma baseia-se no pensamento dos gregos. Os antigos gregos diziam que a alma é o alento vital que sai do homem no momento de exalar seu 6ltimo 11 Mario Veloso, "Contenido antropo16gico de 1 Tes. 5:23", Diakonia tou logou (Buenos Aires, Revista Biblica, 1979), 129-140. suspiro. Platão considerava a alma como uma realidade especial distinta da do corpo. Este conceito permaneceu por muito tempo na antropologia teológica. Ludwig Ott, teólogo católico contemporâneo, afirma que o corpo e a alma constituem uma união intrínseca, de sorte que a alma espiritual é a forma do corpo.12 sua vez o corpo é parte essencial da natureza humana. O Concilio de Latrão ensina que cada alma é criada diretamente por Deus e Pio XII em sua encíclica Humani Generis (1950) diz que a fé católica ensina que as almas são criadas "imediatamente por Deus ”.13 Existem também teólogos protestantes que sustentam esta doutrina. O distinto professor Charles Hodge, que ensinou teologia durante 56 anos no Princeton Theological Seminary, em sua obra magna diz: "O homem consiste de dois princípios distintos, um corpo e uma alma: um material, o outro material; um corpóreo, o outro espiritual”.14 A doutrina da tricotomia, como a doutrina da dicotomia e o dualismo, tem suas raízes em outros ensinamentos de Platão. Dissemos que o dualismo se baseava na doutrina platônica que define a alma como uma realidade especial distinta da do corpo.15 A tricotomia baseia-se na doutrina platônica, segundo a qual o homem esta composto de corpo, alma e razão. Ensina que o homem está constituído de três substâncias diferentes: corpo, alma e espírito. Já na igreja primitiva introduziu-se conceito mediante o qual o sôma, a psujé e o pneuma ou o corpus e o animus se unem para formar uma personalidade integrada que funciona como unidade.16 Existem diferentes as de expressar esta doutrina, mas a mais comum delas que o corpo e a parte do homem, a alma é o principio da animal e o espírito é o principio da vida racional e imortal. O espírito é a única parte do homem realmente diferente animais. Ao espírito pertencem a compreensão, os sentimentos, a sensibilidade e as percepções. Finalmente, ao corpo pertence o puramente material. Até não muito atrás, estas idéias impunham-se quase completamente na cultura contemporânea ocidental já que o protestantismo liberal do século XIX havia conseguido unir os elementos clássicos, ressuscitados pelo Renascimento, e os elementos bíblicos, recuperados pelo protestantismo, numa síntese semelhante à que o catolicismo medieval havia conseguido ao unir o conceito antropológico bíblico com os ensinamentos da antiguidade clássica do mundo grecoromano. Contemplando esta situação, Rinhold Niebuhr, em 1964, afirmou: "N ão é impróprio afirmar que a cultura moderna, isto é, nossa cultura, desde o Renascimento, deve ser crida como o maior avanço na compreensão da natureza e como a maior confusão da compreensão do homem”. 17 Posteriormente este quadro modificou-se radicalmente, pois a antropologia moderna tem conseguido... "destruir a metafísica tradicional sobre a alma;18 com o que ressurge o conceito monístico bíblico do homem total. O homem é a unidade indivisível cujas partes constitutivas não podem ser separadas sem que o ser completo deixe de existir. Esta nova situação aparece clara nas seguintes palavras de Leo Scheffczyk: "Conceitos capitais para a antropologia bíblica como 12 Ludwig Ott, "La naturaleza del hombre': Manual de teologia dogma'tica (Barcelona, Herder, 1969), p. 167. 13 14 Ibid, 171. Charles Hodge, Systematic Theology (Grand rapids, William B. Eerdmans, 1952), II, 42. 15 W. Pannenberg, El hombre, p. 71. 16 17 Wiley Culbertson, Teologia, p. 175. R. Niebuhr, Nature and Destiny of Man, p. 5. 18 W. Pannenberg, EI hombre, p. 73. 'carne','alma', 'coração','Espírito', 'vida', já não podem ser apresentados ao ouvinte atual sem uma consciente reconstrução mental de seu espírito original, porque, do contrário,seriam entendidos invariavelmente segundo o superado esquema dualístico que não e bíblico e que, além disso, também não corresponde mais ao sentir próprio e intimo do homem atual, porque este sentir se acha novamente orientado para a compreensão da unidade do ser humano compreensão é qual já não interessa o estabelecimento de diversos elementos do ser nem de elementos humanos opostos; o que interessa é o conhecimento da integridade humana diante de Deus”. 19 Ao serem modificados os conceitos metafísicos da alma para aceitar o conceito bíblico sobre a unidade, elimina-se também outra doutrina que teve suas raízes no platonismo: a imortalidade da alma. Platão expôs seu argumento sobre esta doutrina, que se tornou o argumento clássico em favor da imortalidade da alma em sua obra Feddn. Segundo Platão a natureza específica da alma é seu caráter de espírito capaz de conhecer. imortalidade deste espírito estava no fato de que o homem, através de seu conhecimento espiritual, podia participar das arquétipos eternos das coisas que não possuem uma existência corporal e que além disso são incorruptíveis. Este conhecimento espiritual que o homem possui somente pode adquiri- lo num estado anterior ao que possui atualmente, pois impõe à sua alma o encadeamento das percepções e da subsistência no corpo. Esta existência da alma num estado anterior põe em evidência sua eternidade. Wolfhart Pannenberg afirma que: "a antropologia moderna tem descartado totalmente a postura tradicional a favor da imortalidade da alma”20 A unidade da pessoa vivente segundo a Bíblia Em primeiro lugar devemos dizer que não se pode falar de uma doutrina acerca dos elementos essenciais que constituem pessoa humana por que a Bíblia não expõe tais elementos é maneira separada. Toda vez que se refere a algum elemento co de personalidade humana, deverá entender-se que partindo deste ângulo fala do homem total, pois "o pensamento hebraico originário compreende o ser humano como uma unidade viva”. 21 Deste ponto de vista quando Paulo se refere a espírito, alma e corpo em I Tes. 5:23, não esta expondo a doutrina tricotomia,22 porém referindo-se às formas em que se ta o ser humano total.23 No AT usam-se três palavras para referir-se ao homem. Estas são: basar, nefesh e ruaj. Muitas vezes estas palavras tem traduzidas por carne, alma e espírito. Porém estas traduções podem induzir a erros, porque nenhuma dessas palavras refere a um elemento constitutivo da pessoa humana, mas sua totalidade. A palavra basar é mencionada 273 vezes no AT. Refere-se à carne dos animais (Isa. 44:16), à carne humana (Gn. 2:21; Lev. 26:29; Isa. 4926)e ao corpo humano total (Nm 8:7; 56 4:15; Lev. 13:2,k 19:28; Sal. 102:6; Prov. 4:22). Indica parentesco (Gn 37:27; 29:14; Lev. 18:6), designa pessoas vivas, não cadáveres (Gn 6:17; 9:16; Eze. 6:5; Amós. 6:10)e caracteriza a vida humana como fraca e caduca (56 34:14,15).24 Quando se fala do homem como carne se destaca o fato de que é uma pessoa transitória. "Lembrase de que eles são carne, vento que passa e já não volta" (Sal. 78:39). Jó pergunta a Deus: "Tens tu olhos de carne? Acaso vês tu como vê o homem? São os teus dias como os dias do mortal? Ou são os teus anos como os anos de um homem?” (56 10:4,5). Ao referir-se ao homem como carne 19 Leo Scheffczyk, O homem, p. 28. W. Pannenberg, El hombre, p. 71. 21 Leo Scheffczyk, O homem, p. 64. 20 22 Mario Veloso, Yo tengo fe' (Buenos Aires, ACES, 1976), pp. 32-41 J. R. Zurcher, The Nature and Destiny ofMan (New York, Philosophical Library, 1969), p. 15. 24 H.W.Wolff, Antropologia, pp. 44-50. 23 também é especificada sua debilidade e portanto é alguém em quem não se pode confiar. "Assim diz o Senhor: Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor" (Jer. 17:5). Tudo isto não indica um elemento constitutivo da personalidade humana mas sua pessoa total observada desde uma de suas manifestações. O homem como carne é um ser vivo, completo, débil, fora de época, limitado no tempo e não possui fortaleza que merece a plena confiança nele.25 A palavra nefesh também se refere a pessoa humana completa. Quando Deus criou a Adão formou uma 'nefesh vivente' (Gn 2:7). Quando Abraão saiu para a terra de Canaã levou consigo a Sara, a Ló, e as pessoas (nefesh) que Ihe acresceram em Harã (Gn 12:5). Quando Jacó foi ao Egito levou consigo 76 pessoas (nefesh Gn 46:26; Cf. Exo. 1:R 12:4; Lev. 4:2). Por esta razão nefesh pode ser usada como pronome pessoal ou reflexivo (Gn 12:13; 19:19,20). Usa-se para expressar o homem que sente a angústia das palavras inoportunas (56 19:2), as ansiedades da vida (Prov. 13:4), o pesar do desejo não cumprido (Miq. 7:l)e a alegria do desejo satisfeito (Prov. 13:19). Muitas vezes a nefesh é utilizada para indicar uma parte do corpo humano na qual se refere a pessoa completa. É mencionada como boca (Isa. 5:14); Ecl. 6:7)e como olhos (Ecl. 6:9), como órgão da respiração (56 11:20; Jer. 2:24) e como pescoço (Jer. 4:10). Ao pecar, o homem defrauda sua própria pessoa (nefesh) que se priva da vida (Prov. 8:35,36). Em troca, o que possui entendimento ama sua nefesh, sua própria vida(Prov. 19:8). que se deixa seduzir por uma rameira atua contra sua nefesh, sua vida (Prov. 7:23), em troca, o favor do Senhor dura a nefesh, toda a vida (Sal. 30:5). A nefesh refere-se ao homem como pessoa individual desde os 6rgãos de seu corpo de seus sentimentos de ansiedade, de angústia, de alegria, de seu eu pessoal e desde sua plena vitalidade. Entretanto, "a não compete nunca a significação de um núcleo da existência indestrutível, em oposição à vida corporal, podendo existir também separado dela”.26 Tem-se dito que ruaj é a base das emoções, das funções intuais e das aptidões da vontade.27 Entretanto, no AT esta é usada para significar ar em movimento (Exo. 10:1k 7:2) para identificar a respiração do homem (Isa. 42:a 56 :14; Sal. 146:4), para referir-se à força vital criadora do Senhor (Sal. 33:6; 104:29,30; Exo. 14:8) e para expressar os sentimentos (Jó 15:13; Juizes 8:3), a vontade (Jer. 51:11; Nm. 14:24) os ciúmes dos homens (Nm. 5:14, 30). O homem como ruaj é um ser que tem capacidade de estar comunicação com Deus e o ruaj de Deus mantém uma comunicação.o dinâmica como homem. Ao ser usado este termo, tanto para referir-se ao homem como a Deus, de nenhuma maneira pode ter um sentido de transcendência do espírito humano se não melhor define o homem desde sua capacidade de relacionar-se com Deus Através de seu ser completo com uma invisível unidade.28 Para o AT o homem pecador é um ser indivisível, débil, fora de época e transitório; é uma pessoa individual, cheia de vitalidade, que experimenta angústias e ansiedades, alegria e fede e que está plenamente equipado para a vida; é um ser sente, que exerce sua vontade, que depende da força vital ora do Senhor, que está equipado para manter uma verdadeira relação com Deus. Por causa do pecado é um ser mortal A descrição do homem que se encontra no NT não difere da que temos visto no AT. Descreve-o com quatro palavras: sôma, sarcs, psujé' e pneuma. Cada uma delas refere-se ao homem completo. 25 Leo Scheffczyk, O homem, p. 63. 26 H. W. Wolff, Antropologia, p. 34. 27 Friedrich Baumg~rtel, "Spirit in the OT", TDNT, V1, 359-368, citado da p. 361. 28 R. Niebuhr, The Nature, p. 151. A palavra sôma significa corpo e, em geral, é empregada de maneira neutra, isto ~, para significar o homem externo de maneira concreta e objetiva (I Cor. 9:27; 13:3, Gl. 6:17) sem as conotações éticas presentes na palavra sarcs, carne. O corpo é a presença externa do homem completo (II Cor. 10:10). A idéia de totalidade v~-se claramente nos textos onde corpo, carne e presença são sinônimos, como igualmente são sinônimos espírito e coração (I Cor. 5:3; Col. 2:5; I Tes. 2:17). Em I Cor. 6:13-20, onde o apóstolo diz que o corpo não é para a prostituição, declara que no ato sexual chegam a ser um corpo e uma carne. Com os termos corpo e carne não somente se refere ao homem externo como algo que ele tem, mas como algo que ele é. De fato a palavra "sôma é o equivalente mais próximo é nossa palavra personalidade.29 A proibição de prostituir-se esta exatamente baseada no fato de que este ato altera a própria personalidade do homem (I Cor. 6:18), pois o corpo é a pessoa completa. ~, como pessoa total que constitui o templo do Espírito Santo (I Cor. 6:19) com o qual, com seu espírito, o homem deve glorificar a Deus, porque Lhe pertence (I Cor. 6:20). O corpo significa a pessoa completa (Rom. 12:1; Fil. 1:20)e por esta razão pode ter o sentido de um pronome pessoal (II Cro. 4:12-1B Rom. 6:12,1k I Cor. 6:15; 12:27).30 Em todo o pensamento Paulino não aparece a possibilidade da existência humana numa forma que não seja corpórea ou somática. Portanto, Paulo nunca usa a palavra sôma para referir-se a um cadáver. Tampouco pode ele conceber a existência futura, nem a ressurreição sem uma realidade corpórea (I Cor. 15:42-50; Fil. 3:21). Devemos dizer claramente que no pensamento Paulino o corpo se refere ao ser humano visível, tangível e vivo (Rom. 12:4-5; I Cor. 7:4; 9:27; 12:12-26 13:3; Gal. 6:17). Em conseqüência, a realidade puramente biológica do homem implica outra realidade mais profunda, já que cada órgão tem vida somente como uma função do todo e a totalidade do ser pode ser expressa por cada um dos membros particular.31 Ainda que a palavra sarcs, carne, se refira à substância constitutiva do corpo humano – que Paulo distingue da carne dos (I Cor. 15:39), para a qual prefere utilizar a palavra (Rom. 14:21; I Cor. 8:13)– não se deve pensar que Pause refere a ela como uma parte do corpo. Refere a ela como parte do corpo. Refere-se melhor ao corpo como um toe também à pessoa completa, do ponto de vista de sua existência física visível externamente (Gal. 4:13,14; I Cor. 7:28; II 12:7). Muitas vezes a palavra carne tem o significado de homem'. Isto vê-se claramente na frase "N ão consultei a carne nem o sangue" (Gal. 1:16). Também nas expressões onde : "Nenhuma carne:' significa ninguém (Rom. 3:20; I Cor. ; Gl. 2:16). Não é estranho então que Paulo utilize a pala"carne" em forma intercambiável como o pronome pessoal fé. 5:28,29; II Cor. 2:13; 7:5). Como dizíamos anteriormente, existe uma diferença entre uso da palavra sôma, corpo, e a palavra sarcs, carne. As vezes segunda tem uma conotação ética para referir-se ao homem rebelião contra Deus". 32 Este conceito aparece claro nas tes palavras: "As quais tem, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne" (Col. 2:23). Desta maneira a palavra carne pode expressar o homem em conduta contrária à vontade de Deus. A sabedoria ;segundo carne" (I Cor. 1:26) é 'simplesmente "sabedoria humana (I : 2:4), ou "sabedoria dos homens" (I Cor. 2:5) e esta' em 'contraste com "a graça de Deus" (II Cor. 1:2) e o "poder de "(I Cor. 2:5). O conflito do homem carnal contra Deus leva-o a uma radical separação de sua vontade: 'porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita h lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser. Portanto os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Rom. 8:7,8). O 29 John A. T. Robinson, The Boc/y (Londres, SCM press, 1966), p. 28. 30 Ibid., pp. 26~33. J. R. Zurcher, The Nature, pp. 151-152. 32 - John A. T. Robinson, The Body, p. 27. 31 32 John A. T. Robinson, The Body, p. 27. homem, visto desde a carne, esta' completamente separado de Deus e é mortal. "E assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues li morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossa carne mortal” (II Cor. 4:11). Conseqüentemente, o homem-carne não pode herdar o reino de Deus (I Cor. 15:50). Estes conceitos, que definem o homem do ponto de vista da carne, descrevem apropriadamente sua atual existência terrena. Ele esta "na carne" (Gl. 2:20), permanece na carne (Fil. 1:24), e enquanto vive a vida presente não pode sair do mundo (I Cor. 5:10). Embora os cristãos permaneçam no mundo já não caminham "segundo a carne", mas "segundo o espírito" (Rom. 8:4), pois já não são da carne mas do espírito (Rom. 8:5).33 A palavra espírito, pneuma, a diferencia de carne, sarcs, que define o homem em contraste com Deus, expressa a capacidade humana de estar aberto à vida de Deus. Este conceito Paulino está em contraposição a idéia grega, segundo a qual o espírito era um dos elementos constitutivos do corpo humano que, segundo Epicteto, estava composto de quatro elementos: espírito, terra, água e fogo 34 OS gregOS o colocam em contraste com o corpo e dizem que o espírito é o elemento eterno do homem que, quando morre, o deixa em seu último suspiro. No NT, pneuma, espírito, expressa a idéia hebraica que encontramos na palavra ruaj. Conseqüentemente, expressa a totalidade do homem com base em suas funções espirituais (II Cor. 7:1), afetivas (Col. 2:5), emocionais (II Cor. 2:13; 7:5),35 intelectuaiS (I Cor. 2:11)e volitivas (I Cor. 5:3-5). O homem que conhece, compreende, sente e decide, esta capacitado para entrar em relação com Deus e para manter uma estreita unidade com Ele. Isto somente é possível enquanto o homem é um ser vivo. O NT descreve o homem como ser vivente com a palavra psujé. Muitas vezes esta palavra tem sido traduzida pelo termo alma, no sentido grego de ente independente e imortal, que se encontra aprisionado pelo corpo, quando em realidade deve ser entendida partindo do conceito hebreu nefesh. Entendida deste modo, Rinhold Niebuhr diz que expressa "o sentido hebreu unidade do corpo e alma em vez de uma idéia especial de independência do espírito”.36 Portanto, o homem como psujé' ser entendido como um corpo vivo ou "corpo animado" não, segundo o conceito grego, como "uma alma encarna". 37 A palavra psujé' no NT significa força total (Atos 20:10), vida (Mat. 6:25; Luc. 12:22; Apoc. 12:11), vida neste mundo (Jo 12:25; Mat. 10:39), e vida eterna (João 12:25). Significa vivente (I Cor. 15:45; Atos 2:43; 3:23). Refere-se às emoções (Atos 14:2,22; 15:2d Apoc. 18:14), e à vontade (Mat. 22:37; ar. 12:30,33; Col. 3:23). Um texto que tem apresentado dificuldades para sua compreensão é Mateus 10:28 que diz: "E não temais os que matam corpo, e não podem matar a alma; temei antes aquele que e fazer parecer no inferno a alma e o corpo': Alguns teólogos têm visto aqui o ensino da imortalidade da alma. Por exemplo, Eugene Fairweather disse que "a doutrina da imortalidade da alma sujeita apenas à onipotência divina é indicada plenamente”. 38 porém D. R. G. Owen, citando suas palavras, de"mas somente se indica plenamente se este versículo é interpretado em termos das pressuposições dos 33 Ibid., pp. 17-27. 34 Hermann Kleinknecht, "Pneuma in the Greek World': TDNT, VI, 334-359 Eduard Schweizer, "The antropological pneuma': TDNT, VI, pp. 435-436. 35 36 r. Niebuhr, The Nature, p. 151. 37 D. R. G. Owen, " Body' and hour in the New Testament': Man's Need and God's Gift, pp. 85-98, a citação é da p. 86. 38 E. R. Fairweather, "In defense of Immortality': Theology (56:396), p. 219. gregos. E não nenhuma razão para supor que Jesus pensou nesses termos: o judaísmo no qual cresceu era judaísmo palestino e não judaísmo helenístico. Se interpretamos esta passagem à luz de seus antecedentes hebreus, seu significado pleno parece ser o seguinte: 'Não temais o homem que pode somente destruir vossa existência presente, mas não pode eliminar o essencial do homem; sem entretanto temer a Deus, que pode destruir para sempre o homem completo". 39 O homem expresso como psujé' indica suas manifestações de alma vivente e o define como um ser vivo, pessoal, consciente, possuidor de sentimentos, de emoções e de vontade. Expressa o homem total em sua unidade perfeita. Alguns teólogos tem procurado ler uma descrição dicotômica do homem em I Cor. 7:34, onde fala do espírito e do corpo ou tricotômica em I Tes. 5:23, onde se refere a espírito, alma e corpo. Porem ambas as leituras são completamente alheias ao pensamento dos autores neotestamentários, particularmente às idéias expressas pelo apóstolo Paulo. Em II Cor. 7:1, ele refere-se à carne (sarcs)e espírito (pneuma): "Ora, amados, pois que temos tais promessas purifiquemo-nos de toda a imundície da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus. Em Fil. 1:27 usa as palavras pneuma e psujé' como sinônimos: "Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito (enhenipneu'mati) combatendo juntamente (miapsuje) com o mesmo ânimo pela fé do evangelho' As expressões enheni pneu'mati, num espírito, e miapsujé, numa alma, estão no mesmo caso locativo e significam a mesma coisa; unanimidade, que se expressa pelo fato de está num espírito e estar numa alma. Por outro lado o apóstolo Paulo também usa em forma sinônima as palavras pneuma, espírito, e sarcs, carne: "Não tive descanso no meu espírito (to Ted pneu'mati mou), porque não achei ali meu irmão Tito; mas, despedindo- me deles, parti para a Macedônia" (II Cor. 2:13). "Porque, mesmo quando chegamos à Macedônia, a nossa carne (he sarcs hémdn) não teve repouso algum; antes em tudo fomos atribulados: por fora combates, temores por dentro" (II Cor. 7:5). Em ambos os textos Paulo refere-se a mesma situação. No primeiro caso com a palavra pneuma, espírito, e no segundo com a palavra sarcs, carne. Como se vê, por este uso intercambiável das palavras, o apóstolo não pretende enumerar as partes que constituem a pessoa humana, mas referir-se à esta pessoa completa, partindo de um determinado aspecto de seu ser. De acordo com o estudado anteriormente, podemos dizer que o homem não tem um corpo, um espírito ou uma alma. O homem é corpo, é espírito e é alma vivente. Nenhum destes três pode ser tomado em forma separada. Eles formam uma unidade indivisível e os hebreus sempre o compreenderam assim até a época do judaísmo helenístico que, sob a influência da filosofia grega, introduziu a hipótese de que o ser humano se compõe de elementos independentes.40 Este conceito antético introduziu-se no cristianismo pela via do mesmo pensamento grego. A teologia recente descobriu novamente a unidade do homem com isto rejeita a imortalidade da alma. Já não se ensina imortalidade da alma mas a esperança na ressurreição, que pleno fundamento bíblico. Mantendo esta posição, Oscar Cull disse que a "imortalidade da alma é um dos maiores equívocos do cristianismo”. 41 Afirma também que as expressões comigo no paraíso" (Lucas 23:43), no "seio de Abraão" 16:22), "estar com Cristo" (Fil. 1:23), e "aos que dormem" Tes. 4:13) não provam que o corpo ressuscite imediatamente a morte individual, pois nesses textos não aparece nenhuma palavra acerca da ressurreição do corpo. Estas expressões -se ao tempo 39 D. R. G. Owen, Man's Need, p. 87. 40 Leo Scehffczyk, O homem, p. 64. 41 Oscar Cullmann, "Immortality of the soul or resurrection of the dead': Im mortaliry and Resurreiction (New York, The Macmillan Co., 1965), pp. 9-53, a cita~lo e da P. 9. compreendido entre sua morte e sua ressurreição sem que o NT dê, com elas, nenhuma oportunidade "nenhuma tipo de especulação sobre o estado dos mortos durante este período de espera". 42 A Bíblia ensina claramente a ressurreição dos mortos e a transformação dos vivos. "Nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. "Porque é necessário que este corpo corruptível se revista incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imoralidade" (I Cor. 15:51:53); Cf. Mat. 25:21; I Tes. 4:16,17; Apoc. ; 21:4). "Nossa identidade pessoal é preservada na ressurreição ainda que não sejam as mesmas partículas de matéria substância material que foram à tumba... Uma matéria mais comporá o corpo humano, porque é uma nova criação, novo nascimento. Semeia-se um corpo natural, e ressurge corpo espiritual”.43 Para alcançar a ressurreição, o homem completo deve estar inteiramente consagrado a Deus como Paulo diz em I Tes. 5:23. Esta consagração inicia-se na nova origem, com o novo nascimento. A necessidade de uma nova origem A necessidade de uma nova origem para o homem aparece em dois conceitos básicos: João a expressa na idéia do novo nascimento e Paulo em seu conceito de nova criatura. O novo nascimento Segundo a antropologia de João, o homem está determinado pela sua origem. Esta origem manifesta a natureza da pessoa que se expressa por meio das ações. Existem duas possíveis origens44 para o homem: uma é "de Deus" (João 8:47; I João 4:4,6; 5:19), a "do pai" (I João 2:16), ou "da verdade" (Jo 18:37). Esta origem é exatamente a mesma origem de Cristo (João 8:42; 16:28)e se pode conseguir mediante o novo nascimento (João 1:13). A outra origem é "do mundo" (João 8:2R 15:19; 17:14; I João 2:16; 4:4,5). Tudo o que não nasceu de novo "~ do mundo" e portanto não tem controle sobre a vida, não pode conseguir a salvação por si mesmo, não pode chegar à luz, não pode praticar a verdade, não pode alcançar a vida. O sentido da vida depende da origem. O homem "do mundo" é o que experimenta todos os antecedentes da morte: trevas espirituais e intelectuais, desequilíbrios psíquicos criadores de angústia e de aflição, inadaptações e conflitos sociais produtores de sofrimento, um estilo de conhecimento e sabedoria que se move num circulo, originando-se no mundo e escutado pelo mundo (I João 4:5) e, finalmente, um destino de morte. O novo nascimento, ao contrário, produz uma origem em Deus que orienta a vida inteira. Faz com que o homem creia, conheça a luz e viva nela. Consegue que pratique a verdade, faCa a vontade de Deus, obedeça Seus mandamentos e tenha um sentimento de missão para a vida. Numa palavra, aqueles que por em Seu nome, receberam o privilégio de serem feitos de Deus, com esta nova origem recebem a vida e a salvação. Podem entrar no reino de Deus. O novo nascimento produz-se pela ação do Espírito. Nisto a apresentar-se a antropologia da origem e especifica-se o sentido da vida depende do novo nascimento. Jesus disse a Nicodemos: "O que é da carne, é carne; e o que nascido do Espírito, é espírito" (João 3:6). Desta vez -se as duas origens 42 43 Ibid., pp. 38-39 E. G. White, Manuscrito 76 de 1900 citado em Seventh-day Adventist Bible Commentary VI, 1093. 44 Rudolf Bultmann, The Gospel ofJohn (Philadelphia, The Westminster Press, 1976), p. 138. na frase: "da carne" e "do espírito novo nascimento pelo espírito – equivalente ao nascimento pela vontade de Deus (João 1:13) e o nascimento mencionado acima (João 3:7) – prov~ a origem para a vida espírito do homem. Esta origem radicalmente nova do homem está vinculada Jesus disse: "Quem não nascer da água e do Espírito" 3:5). A água simboliza o Espírito (João 7:37,38) e a purificação (João 13:1-20) aqui somente pode se referir à purificação pelo fato de que O Espírito já esta mencionado. A purificação é um tema importante no evangelho de João (João 3:25; :10,11; 15:2,k I João 1:7,9). O símbolo da água, como elemento purificador indispensável para o novo nascimento,45 tique ser claramente compreendido por Nicodemos porque, antigo Israel, a purificação era realizada por meio da água 46 e por meio do cordeiro que o pecador, depois de confessar sobre ele o seu pecado, oferecia em sacrifício. Concordando com simbolismo, os sinópticos dizem que João prega va o batismo do arrependimento para perdão dos pecados (Luc. 3:k 1:4; Mat. 3:6).47 A água, além de simbolizar a purificação, simboliza também o batismo. No caso do batismo de Cristo, este não podia car purificação de pecados, pois Ele não os tinha. Batizou-Se para aceitar a missão que Deus Lhe havia dado (Mat. 3:15). O que nasce de novo (Jo~.o 3:7)é como o vento: atua sem que os que percebem sua ação possam ver sua origem e seu destino (João 3:8). O homem do mundo ou da carne pode entrar em contato com ele e ver suas obras. No entanto, não conhece a origem da vida que esta nele nem o destino de sua vida. Ao contrário, o que é nascido de novo conhece sua origem e seu destino; sua origem esta em Deus e seu destino é o reino de Deus. Esta nova origem que o homem adquire pelo novo nascimento produz, segundo o apóstolo Paulo, uma nova criatura. A nova criatura João fala do novo nascimento e Paulo fala da morte do velho homem (Rom. 6:6) "assim também andemos nós em novidade de vida" (Rom. 6:4). também diz que devemos despojarmos do velho homem e revestir-nos do novo homem (Col. 3:10-15). A morte do velho homem produz-se pelo batismo em Cristo: "Ou, porventura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do pai, assim também andemos nós em novidade de vida" (Rom. 6:3,4). A nova origem inicia-se em relação com o símbolo da água, mais especificamente no batismo. A nova origem que se produziu com a escolha de Noé também estava vinculada à água. O apóstolo Pedro diz que o dilúvio foi o batismo pelo qual passaram Noé e seus familiares. Refere-se àquela ocasião em que a paciência de Deus, nos dias de Noé, esperava enquanto a arca era preparada, na qual poucas pessoas, isto é oito, foram salvas pela água. "O batismo agora também vos salva... por meio da ressurreição de Jesus Cristo" (Pedro 3:20,21). Como já temos visto, João e Paulo também vinculam o nova origem do homem com o batismo. O importante não é a água, mas para João o nascimento do Espírito e para Paulo o fato de haver sido 45 I. de la Potterie, "Naitre de Peau et naitre de PEsprit': Sciences EcclPssiastiques 14 (1962) 417-443, citado e da p. 419. 46 Giinter Stemberger, La symbolique du bien et du mal selon saint Jean (Paris, Editions du Seuil, 1970), p. 154. 47 147. H. van den Bussche, El Evangelio segu'n San Juan (Madrid, Studium Ediciones, 1972), p. batizado em "Cristo Jesus" (Rom. 6:3). Isto é de tal maneira importante que "se alguém esta em Cristo, nova criatura é" (II Cor. 5:17). Existem dois elementos vitais para a nova criatura: tem sido reconciliada com Deus e recebeu o ministério da reconcilia"Assim que, se alguém esta em Cristo, nova criatura é, as velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isso de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus, e nos deu o ministério da reconciliação (II Cor. 118). A reconciliação é indispensável como experiência pessoal o mensagem que os embaixadores de Cristo devem trans(II Cor. 5:19,20), porque os homens eram "estranhos e os no entendimento" (Col. 1:20,21). A inimizade contra significa egoísmo (II Cor. 5:15), desobediência à lei de (Rom. 8:7), amizade com o mundo (Tiago 4:4) e execução de obras más (Col. 1:21). Pelo fato da reconciliação ser produzida pela fé na morte de Cristo (Col. 1:22,23), Paulo também a chama justificação pela fé:. "Sendo pois justificados pela fé tenhamos paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo. se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus morte de seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, salvos pela sua vida" (Rom. 5:1, 10). A reconciliação transforma uma mente inimiga em mente de Deus. O que tem a mente inimiga é o homem natural Cor. 2:14). Ao contrário, o homem espiritual (I Cor. 2:15) a mente de Cristo (II Cor. 2:16), com uma atitude de completo serviço a Deus (Mat. 4:8-10)e de total obediência à sua vontade (João 6:38). Esta nova atitude mental que não é de inimizade, mas de é obtida graças à justificação pela fé Cristo Jesus. "Sendo justificados pela fé, tenhamos paz com Deus, por Nosso r Jesus Cristo" (Rom. 5:1). Deus desenvolve esta paz no como também o gozo e a esperança, pelo poder do Santo: "Ora o Deus de esperança vos encha de todo gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pela virtude do Espírito Santo" (Rom. 15:13). A justificação pela fé, conseqüentemente, não é um simples ato forense ou justificação objetiva. Em verdade a justificação pela fé: é um ato pelo qual Deus declara justo o homem e pecador (II Cor. 5:21), porém a reconciliação implica uma transformação das relações existentes entre homem inimigo e Deus. Esta transformação subjetiva é descrita pela paz que o homem inimigo recebe para tornar-se amigo de Deus no ato da justificação. Em sua atitude inimiga o homem perdeu sua verdadeira relação com Deus e dirige-se para a morte. Não há nada que ele possa fazer para sair desta situação. Somente a justiça de Cristo pode transformá- lo, porque esta "~ um principio de vida que transforma o caráter e rege a conduta”48 Mediante a justificação, o homem é perdoado por Deus. "O perdão de Deus não é meramente um ato judicial pelo qual Ele nos livra da condenação. ~, não somente perdão peIo pecado, mas livramento do pecado. ~I~ o transbordamento de amor redentor que transforma o coração”.49 Para receber e dividir o amor perdoador de Deus, o homem deve conhecer esse amor e crer nele. Assim como para ser justificado deve ter fé em Cristo porque "o homem não é justificado por obras da lei, e, sim, mediante a é em Cristo Jesus, também nós temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados peia fé em Cristo e não por obras da lei, pois por obras da lei ninguém ser~, justificado”. (Gal. 2:16). O fato de que na justificação produzida uma transformação do pecador não implica em que ele esteja fazendo alguma obra para obter essa justificação. Tudo é um dom de Deus. Inclusive o arrependimento e a fé. Desta maneira os méritos de Cristo não são um complemento de nossos méritos mas os únicos méritos que podemos apresentar diante de Deus (Gl 6:14). Conseqüentemente, "não somos salvos pela fé e pelas obras, mas por uma fé que obra”. 50 48 48 - E. G. White, Desejado de Todas as Nações, p. 413. 49 49 - E. G. White, O Maior Discurso de Cristo, p. 100. Hans Larondelle, Chrisl our Salvation (Mountain View, Calif., Pacific Press, 1980), p..44. 50 O homem justificado pela fé, ou seja, reconciliado, adquiriu uma nova origem de Deus, pela qual Deus o envia ao mundo como embaixador em nome de Cristo com a palavra da reconciliação (II Cor. 5:19,20), para ensinar que, "aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (II Cor. 5:21). A experiência da justificação pela fé: introduz o homem numa nova vida pelo batismo (Rom. 6:4) porque:'se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos" (Rom. 6:8), pelo qual "considerai- vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado em vosso mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões; nem cada um os membros do seu corpo ao pecado como tos de iniqüidade; mas oferecei- vos a Deus como ressurrectos dentre os mortos, e os vossos membros a Deus como instrumentos de justiça" (Rom. 6:11-13). O homem que nasceu de novo, isto é, a nova criatura, com experiência de paz e de gozo no Senhor, por haver sido justificado sem méritos próprios, convertido em embaixador reconciliação, não apenas entra em comunhão pessoal com o, mas também participa em unidade com todos os integrantes do corpo de Cristo, isto é, a igreja (Col. 2:19,20, Efe. 5). O homem, restaurado à vida, pertence à comunidade da e deve trabalhar proclamando a mensagem de vida em Cristo Jesus. Esta ação missionária consegue o estabelecimento da comunidade e contribui para seu crescimento. Deste modo a nova origem pessoal alcança sua plenitude e dá lugar à nova -Origem social. A nova origem social Deus produziu a nova origem social quando eliminou a vida sobre o planeta mediante um dilúvio, com a salvação de Noé e sua família. Como no inicio, através do núcleo familiar, Deus formou a sociedade. Porém esta dividiu-se, como se dividiu também a primeira sociedade depois que Caim cometeu o crime contra seu irmão Abel. Deste vez o pecado foi cometido por Noé por seu filho Cão (Gn 9:18-29). Noé deu-se ao apetite e preparou uma bebida que contaminava seu corpo destruindo " a santidade com a qual devia tê- lo conservado. "Bebendo do vinho embriagou-se, e se pôs nu dentro de sua tenda (G~. 9:21). O pecado de Cão foi a falta de respeito para com seu pai: "vendo a nudez do pai, fê- lo saber, fora, a seus dois irmãos" (G~. 9:22). O relato acerca da divisão da sociedade é muito simples. Nos diz que nos descendentes de Noé "foram disseminadas as nações na terra" (Gn 10:32). O grupo que se situou na planície de Sinear continua na linha de ação, pois antes do dilúvio executaram os filhos dos homens. "Disseram: Vinde, edifique_ mos para nós uma cidade, e um torre cujo tope chegue até aos céus, e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espelhados por toda a terra" (Gn 11:4). Abraão e seus descendentes representam a continua ação da linha iniciada antes do dilúvio por Abel-Sete. Três fatores citados em Gn 10:13 incidem na divisão da sociedade humana nos dois grupos mencionados. Em primeiro lugar esta o propósito com o qual se usa a terra. Os habitantes de Sinear possuíram a terra para mandar e edificar. Ninrode começou a ser poderoso na terra(Gn 10:8), e Babel foi o inicio de seu reino, após a qual construiu várias outras cidades (Gn 10:10-13). Os filhos de Éber, dos quais descendem Abraão e todo o povo israelita, tiveram inicio com Pelegue, cujo nome significa divisão e seu pai o chamou assim porque "se repartiu a terra" A diferença entre possuir a terra para dominar k possuir a terra para repartir indica a divisão dos dois grupos. O segundo elemento que contribui para a divisão da sociedade humana é a finalidade com a qual os homens executam o trabalho. Os habitantes de Sinear trabalharam para tornarem célebre o seu nome (Gn 11:4), para a confusão que os levou à mais completa incomunicabilidade (Gn 11:7) e para a separação, pois finalmente foram dispersados sobre toda a terra(Gn 11:9). O egoísmo do homem sempre tem produzido estes mesmos trágicos resultados. Em troca, realizar o trabalho com a finalidade de honrar a Deus foi a característica de Abraão, que não edificou cidades mas edificou altares, de tal maneira que em cada lugar onde estabelecia seu acampamento edificava um altar no qual servia a Deus e, ao partir, deixava com ele um testemunho do verdadeiro objetivo das atividades que realizava em sua vida (Gn 12:7; 13f18). O terceiro elemento que contribui para a divisão da sociedade humana é o acúmulo de posses. "E a terra não podia sustentá-los, para que habitassem juntos, porque eram muitos os seus bens; de sorte que não podiam habitar um na companhia do outro" (Gn 13:6). Esta situação produziu uma luta violenta entre os servos de Abraão e os servos de LC, (Gn 13:7). Abraão tomou o caminho da abnegação(Gn 13:8,9)e L~, decidiu pelo egoísmo. Levantou, os olhos, "e viu toda a campina do Jordão, e que era toda bem regada (antes de haver o destruído Sodoma e Gomorra), como o jardim do Senhor, como a terra do Egito, como quem vai para Zoar. Então escolheu para si toda a campina do Jordão, e partiu para ocidente; separaram-se um do outro" (Gn 13:10,11). Ló, escolheu para si e dirigiu-se às cidades onde estavam os homens e pecadores" (Gn 13:13). O egoísmo o levou à associar-se com os maus e como conseqüência colheu a destruição. :perseguido, levado prisioneiro, perdeu seus bens, sua cidade foi completamente queimada e ele teve que fugir para um cheio de perigo, onde gerou dois povos, Moabe e Amon 19:37,38), que foram inimigos de Israel por muito tempo. Abraão, ao contrário, formou a comunidade do pacto, que baseada nas promessas de Deus: "De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma (Gn 12:2). Depois prometeu- lhe a posse da terra (Gn :7; 15:18)e a grandeza nacional (Gen. 17:2-6). Essa comunidade do pacto chegou a ser o povo de Deus, a nação israelita. A comunidade da vida esteve integrada primeiro pelos filhos de Deus, depois pelos membros da comunidade do pacto, tarde pelo povo de Deus, a nação israelita que, quando ~foi rejeitada por não cumprir a missão que Deus Ihe havia confiado, deu lugar à igreja cristã, cuja permanência no fim dos impôs forma a comunidade escatológica. A comunidade da vida esta em contraste com a sociedade ,:da morte. A primeira não é do mundo, embora esteja no mundo, a segunda é mundana, terrena e diabólica. A comunidade da vida esta fundada em Cristo e em Sua palavra. "Eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou. Não peCo que os tires do mundo; e, sim, que os guarde do mal. Eles não são do mundo como também eu não sou. Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo" (João 17:14-18). Os membros da comunidade da vida, como Cristo, – Caminho, Verdade e Vida – (João 14:6), não pertencem ao mundo por natureza, mas por dom:"Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:16). Cristo não era do mundo, porém foi enviado ao mundo. Veio para a sua cria ção, porém esta não O recebeu. Houve gente que O rejeitou e não quis crer n'Ele. Estes constituíram o mundo. Por, outro lado, os que creram nEle foram gerados por Deus e constituíram a comunidade da vida. Desta maneira, novamente, aparecem claramente caracterizadas a sociedade da morte e a comunidade da vida. A sociedade da morte é o mundo e a ela não pertencem os homens que nasceram de novo, as novas criaturas. A comunidade da vida é também a comunidade do poder: "Porque o reino de Deus consiste, não em palavra, mas em poder" (I Cor. 4:20). Em troca, os que rejeitam a Cristo integram a sociedade do antigo poder, porque não somente se encontram fora da comunidade do poder em que atua a vida de Cristo, mas lutam contra a ação de Seu poder vivente e restaurador. O poder do evangelho é que dá sentido à vida pessoal e à vida da comunidade. Por isto o apóstolo Paulo dizia: "Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes; por isso, quanto esta em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros, em Roma. Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como esta escrito: o justo viverá, por fé" (Rom. 1:14-17) CAPiTULo VI O SENTIDO DA VIDA O problema do sentido para a vida tem adquirido, recentemente, características angustiosas. O homem pergunta se a vida tem ou não tem sentido. Intelectualmente tenciona que tem ido. Em sua experiência de vida sofre a angústia constante produz- lhe ausência de sentido. Abraham H. Heschel disse que na mente humana esta profundamente gravada a certeza que existência e sentido estão relacionados entre si. Afirma ainda que a vida é avaliada em termos de sentido.1 Se assim fosse o homem nunca aceitaria a idade de que sua vida está vazia e sem sentido. Porém a realidade diária grita- nos constantemente a pergunta pelo sentido da vida, que surge da frustrada existência em que se debatem os seres humanos. A busca do sentido Isto significa que a mente humana, na forma natural, não identifica o sentido da vida. O homem pecador, que foge de Deus, separado da vida e no caminho para a morte não pode ter dentro de si o sentido da vida. Ele não está na morte. Conhece apenas o sentido da morte. Erich Fromm diz que "o homem só esta vivo na medida em que esteja produzindo, na medida em que abarca o mundo exterior no ato de manifestar seus próprios poderes humanos específicos e de abarcar o mundo com eles. A medida em que o homem não esta produzindo, a medida em que o receptivo é passivo, nada O esta morto. Neste processo produtivo, o homem realiza sua própria essência, retorna à sua própria essência, o que em linguagem teológica, não é outra coisa senão seu retorno a Deus"2 A angústia da falta de sentido que experimenta o homem trabalhador demonstra dia a dia que a 6nica verdade no parágrafo anterior encontrasse na frase: "seu retorno a Deus': O homem só esta vivo quando retorna a Deus e neste retorno descobre o sentido da vida. Erich Fromm, ao propiciar que só esta vivo o homem que sabe como trabalha, comete o mesmo erro cometido pela filosofia desde a época de Sócrates, ao propiciar a idéia de que quem sabe como pensar também sabe como viver. Esta filosofia se dedicou todo tempo a uma investigação sobre o pensar correto. O materialismo moderno teria, em conseqüência, que dedicar-se a uma investigação sobre o trabalho produtivo. Este duplo erro, mediante o qual o homem busca para sua vida um sentido objetivo ou um subjetivo, desliga o homem da verdadeira vida e o coloca numa situação afastada e de contramão com a vida. No inicio da década de 20, quando surgiu o novo humanismo da pessoa e das relações pessoais, criticou-se acerbamente a mecanização do mundo e a solidão do eu em que vive o homem moderno. Esta atitude levou ao descobrimento do tu na filosofia e produziu modelos proféticos para uma nova comunidade.3 Assim iniciou-se a busca do sentido relacionado com a vida. Esta nova visão da vida produziu uma nova antropologia, cujos começos encontram-se no pensamento de Ferdinand Ebner. Uma vez que a sociedade humana, moderna, reduza o eu, se havia descoberto o tu, era necessário introduzir a comunicação entre o eu e o tu. Segundo Ebner a vida humana é uma vida dialogística, do contrario o homem estaria permanentemente doente e sua situação se tornaria cada vez mais critica. 1 Abraham Heschel, O homem, p. 200. 2 Erich From, Conceito marxista do homem (Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975), p. 38. 3 Jiirgen Moltmann, EI hombre, pp. 111-112. O homem sem comunicação experimentaria a sorte de meninos órfãos submetidos a uma experiência especial por Frederivon Hohenstaufen Frederico II queria descobrir qual havia sido a linguagem original do homem. Para isto escolheu um de meninos 6rfétos que não sabiam falar e os colocou casa onde recebiam toda classe de cuidados, mas evitou-se rigorosamente falar com eles. Frederico II esperava que quando estes meninos começassem a falar apareceria espontaneamente o idioma original da humanidade. Infelizmente os meninos não falaram nenhum tipo de idioma conhecido. Todos morreram. Se as teorias de Platão fossem corretas, a alma desses meninos teria que ter conhecido alguma espécie de linguagem. Sem dúvida os meninos morreram mudos. Ebner afastou também a formula aristotélica 9ue define o homem como racional. Para Ebner o logos do homem não é a consciência, nem a razão, é a pala vra da linguagem. Descobriu que o homem é um ser espiritual, um ser falante, um ser para comunicação. Antes que a consciência do eu, esta a consciência do tu e só se produz a plena consciência do eu quando se estabelece uma comunicação prOdutiva entre o eu e o tu. A pessoa e o sentido da vida Ebner tinha razão ao considerar que em primeiro lugar está a consciência do tu. Só que ele identificou mal o tu. Identificou-o na pessoa do próximo humano. Olvidamos que esse outro ser humano t: somente outro eu. O verdadeiro tu é um tu transcendente. Quando Deus criou a Adão, formou-o do pC, da terra e logo colocou em seu nariz o poder vital que o trouxe à vida. Ao abrir seus olhos, Adão viu em primeiro lugar a Deus. I~~ este o verdadeiro Tu Nele se encontra o sentido da vida. A vida se originou n'Ele e se dirigia perto dEle. A comunicação entre o eu e o outro eu nunca produzira a plena personificação.do homem, porque essa comunicação não é produtora de vida. Apenas em sua comunicação com Deus pode o homem submergir numa experiência 9ue O cOloque em contato com a vida. O que o homem moderno necessita não é "o vinculo reconciliador entre tu e eu",4 entendendo_ se os dois como seres humanos, senão a reconcilia~:o com Deus, Somente nela o homem alcança uma reconciliação de paz que transforma seu estado interior e transmite os poderes vitais que necessita não só para o desenvolvimento de seu pensamento, que se expressa numa conversação de linguagem, senão, muito mais. O homem necessita de uma comunicação real que se expresse em autênticas experiências da vida, em primeiro lugar com Deus e também com seus próximos humanos. A comunicação tem seu lugar no sentido da vida, mas não é uma simples comunicação de linguagem. é uma comunicação de experiência vivente. É uma comunicação do todo do homem como pessoa vivente, com seu próximo que se encontra desligado da vida. O homem que adquire sentido deve ser um comunicador de sentido. A obtenção do sentido e a comunicação do sentido da vida é o que contribuirá para que o homem alcance sua plenitude como pessoa. O homem que não possui o sentido da vida não é uma pessoa. Não digo que ele se encontra sob um estado de coisificação da pessoa. O estado de não ser pessoa é todavia pior que o estado de coisificação da pessoa humana. Assemelha-se à condição dos que foram afetados pelo decreto alemão feito durante a segunda guerra mundial, sob o nome de "Noite e Neblina". Este decreto estabeleceu que certas pessoas ficariam completamente privadas de sua identidade. Não existiria nenhum registro a respeito delas. Nada se sabia acerca de seu nascimento. Não possuiriam certificados de casamento, nem apólices de seguro, nem documentos pessoais. Tudo isto seria destruído. Sua existência não seria mais que um número. Foi- lhes proibido qualquer espécie de relação com outras pessoas. Para que isto se tornasse completamente efetivo seriam mantidos em constante mudança de um campo de 4 J. Moltmann, El hombre, p. 114. concentra~~:o a outro. A situação deles era terrivelmente clara; eram seres não existentes, não pessoais, mortos-vivos. Nenhuma de suas pegadas devia ficar marcadas na sociedade, nem na vida pessoal de outros indivíduos.5 A não pessoa necessita de auto-respeito, desconhece o uso liberdade, é individualista, egoísta e egocêntrico, não pertence a nada, esta privada do sentimento de significância e todos seus trabalhos são ações coisificadas 9ue revelam constante sua falta de sentido. Para recuperar o sentido da vida que adquirir uma nova origem. Deve passar por uma experiência que o permita, como a Adão quando surgiu à vida, vivendo pessoalmente com Deus. Esta vivência só é possível através do novo nascimento. Depois do novo nascimento, o homem transformado em nova criatura, reintegrado à vida, está. condições de experimentar o sentido da vida. Só quando alcança por experiência própria o sentido da vida obterá total compreensão de seu próprio ser. Então poderá perguntar-se: sou eu? Sem experimentar angústia alguma terá a resposta correta O verdadeiro ser do homem não é um ser em si. É um ser desde, é um ser em relação e um ser para. A terceira descrição centra as duas anteriores. Esta é a que identifica o sentido ),~ vida. Quando Moisés, no deserto de Midiam, encontrou-se com Deus lhe perguntou:"Quem sou eu para ir a Faraó e tirar ":do Egito os filhos de Israel?" (~,, 3:11). Frente ao chamado de Deus, Moisés descobriu seu ser-para. Com humildade se contempla, junto a Deus, e descobre que sua vida agora tem um novo sentido: a missão que Deus Ihe incumbiu. Havia Ihe dito Deus: ''Vem, agora, e eu te enviarei" (~x 3:10). O verbo enviar tanto no Velho Testamento,,mo no Novo Testamento é portador constante das diferentes missões que recebem os homens, sejam estas de origem humana ou divina. A missão envolve a vida total: sua origem, sua experiência presente e seu futuro. Moisés havia se encontrado com Deus no deserto, junto à sarça ardente, convertida agora em "terra santa" pela presença de Deus. Desde esta santidade, desde esta dedic ação, desde esta nova maneira de ser que se origina com Deus e 9ue experimenta pessoalmente com Deus, Moisés descobriu o sentido de SUa vida naS PalaVraS 9ue Deus Ihe dirigiu: "Eu serei contigo” (Ex. 3:12). Desde então devia comunicar sua mensagem dizendo:''O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó, me enviou a v~,s outros: (Ex. 3:15). O trabalho desta missão é sempre produtivo, Seus frutos são necessariamente frutos de fé. Quando Moisés apresentou_ se aos israelitas no Egito, e comunicou- lhes sua mensagem, (h prOvO creu" (Ex. 4:31). A fé produz uma relação dupla: relação dos crentes com Deus e relação dos crentes entre si. Todos juntos formam a comunidade da fé, A vida do povo de Israel no Egito e as atividades de Moisés, juntamente com seu irmão Arão foram completamente polarizadas pela missão que Deus havia incumbido a Moisés e na qual, agora, também os israelitas participavam. Deviam sair do Egito, deixar sua escravatura para dirigir-se a terra prometida, onde serviriam a Deus sem nenhum tipo de restrições e onde cumpririam todos os propósitos de Deus. A comunidade e o sentido da vida O sentido da vida pessoal é sempre um sentido comunitário. Todos os membros da comunidade participam dele. Tal sentido apareceu nos nomes que Deus designou a esta comunidade, Em primeiro lugar o nome estabelecia uma clara diferença entre aqueles que tinham a missão de Deus e os povos que não a possuíam. O povo de Deus recebeu o nome hebraico de 'am, enquanto que o resto dos povos que povoaram a terra era designado pela palavra goy, Mais tarde quando se formou 5 George Carey, IBelieve in Man (Grand Rapids, Mich., William B. Eerdmans Publishing Company, 1977), p. 110. a igreja cristã também se produziu esta mesma identificação. A comunidade cristã se designava com a palavra grega lads, Em compensação, todos os outros povos da terra recebiam o nome de ethnds. Esta comunidade da fé, o 'am e o lads, não possuíam fronteiras sociais rígidas. Todos seus contornos deviam estar cheios de portas para que entrassem novos membros a integrá-la. Por esta razão, quando se esta formando o lads cristão, no Concilio de Jerusalém, Simão contou "como Deus primeiro visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome" (Atos 15:14), Este conceito de fronteiras abertas para a incorporação de novos integrantes, esteve inclusive presente no nome de "Israel': 9ue o povo de Deus recebeu como nação politicamente organizada. Este nome designava algo mais que uma simples entidade nacional. Era um povo unido, o povo do Senhor, com uma tradição nacional que devia conservar, porém, sobretudo, o conhecimento da atividade redentora de Deus que devia comunicar”.6 Esta missão redentora havia sido comissionada ao povo de no momento quando Deus chamou a Abraão. Deus Ihe "Serás bendito" (Gn 12:2) e "serão benditas em ti toas famílias da terra" (Gn 12:3). A benção não consiste na faculdade, como tal, de possuir a vida. Inclui o fa to é estar comissionado para transmiti- la. Benção é possuir e transmitir vida.7 Deus chamou a Abraão e a "grande nação" dele descenderia (Gn 12:2) para que fossem missionários a terra e levassem a benção a "todas as famílias da terra” (Gn 12:3). Se este povo de Deus houvesse cumprido sua missão, todas nações do mundo saberiam que Deus se uniu com seu povo ido numa missão para salvar a todos os homens. Cada ~ato do povo de Israel havia sido uma ação salvadora, e sua história uma história da missão. Deste modo, todo o povo que se fizera amigo de Israel sido bendito (Nm. 24:9) e ao receber OS servos de Deus havia recebido a benção da salvação (Gen. 30:27, 30; 39:5). Como ponto culminante desta experiência havia chegado o tempo do Messias, quando todos os povos receberiam a bendita salva ção em toda sua plenitude (Sal. 72:17). Deus queria que a comunidade israelita fosse "um reino de sacerdotes" (Ex. 19:5, 6; Cf. Deut. 4:20; 7:6; 14:Z 26:18). O apóstolo Pedro ao explicar o sentido desta frase, e aplicando-a aos cristãos, disse: "Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, afim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou" (1 Pedro 2:9). Deus,ao ditar a Moisés as leis que governariam a seu povo, afirma sua intenção de receber aos estrangeiros como membros da congregação do Senhor (Deut. 23:7, 8). "Deus havia tomado disposições para que todos os que renunciassem ao paganismo, e se unissem a Israel, partilhassem das bênçãos do concerto, Estavam incluídos na designação 'o estrangeiro que peregrina entre vocês', e com poucas exceções essa classe deveria gozar de favores e privilégios iguais aos de Israel”.8 Depois de sua instalação na Palestina, o povo de Israel teve uma atitude oscilante com respeito a sua missão. Mas em geral pode-se chegar à conclusão de que a nação de sacerdotes perdeu sua identidade, ao perder o sentido missionário de sua existência nacional, A. Gelin fez um estudo para descobrir como o povo de Israel havia cumprido sua missão, Divide a história missionária de Israel em três períodos.9 No primeiro período ele foi chamado de "povo eleito': Este corresponde à época quando Israel foi objetivo do pacto ou aliança com Deus, desde a formação da nação israelita até seu cativeiro, Neste período, segundo Gelin, Israel não cumpriu com a missão que foi Ihe encarregada. 6 E. Ernest Wright, Dolrlrina bihliro do homem na soci~dade (Sj-o Paulo, ASTE, 1954), p. 95. 7 Mario Veloso, El compromlso cristiano (Buenos Aires, Zunino Ediciones, 1975), PP 74-79. 8 E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 535. 9 A. Gelin, "L'idCe missionaire dans la Bible': L~lmi du CIerge'66 (1956), pp. 411-418. No segundo período o denominou: "povo testemunho': Este período corresponde ao tempo do cativeiro. Foi uma época de vergonha nacional e profanação do nome de Javé, Deus não pode dar sua benção por causa da desobediência do povo e porque este havia se separado completamente do objetivo de sua existência: não cumpriu sua missão, Este período, sem dúvida, deixa algo positivo para os israelitas em forma pessoal: aprendem a desempenhar seu papel de testemunha entre as nações (Sal, 67:1-3, 6-8). No terceiro período, dá- lhe o nome de : "povo missionário" . É o período quando Israel encontra-se no exílio. Ali finalmente, parece ter se identificado com a missão que Deus Ihe destinou, Desde então, ocupa-se em cumpri- la, embora não alcance fazê- lo em forma organizada como comunidade missionária. ~, o período mais produtivo, mas segundo Gelin, "Israel apenas entreabriu a porta de entrada aos gentios"10 Israel apresenta a história do fracasso de um povo que não soube cumprir com sua missão,11 já que até a época pós-exílio não realizou atividades que possam propriamente ser chamadas de missionárias.12 Parece que só depois da época dos macabeus pode-se propriamente falar de um período missionário.13 porém nem mesmo neste período a na~~.o atua como um organizado para realizar o trabalho missionário. A proclamação da fé: israelita foi realizada mais pelos judeus da dispersão, sem que existisse um corpo profissional de missionários. Esta ação missionária foi executada em forma espontânea por cada um dos judeus que estavam dispersos por todos os paises da terra. O êxito da ação missionária que se registra durante este período deve-se principalmente a dois fatores: em primeiro lugar é trabalho pessoal que cada um dos judeus realizava. Em segundo lugar aos cultos celebrados nas sinagogas, que exerciam grande atração sobre os pagãos.14 O judaísmo da dispersão se converteu na primeira grande religião.o missionária do Mediterrâneo, de tal maneira que quando Jesus apareceu cumprindo SUa missão redentora, esta parte do povo de Israel encontrava-se em sua maior época missionária, realizando uma ação comO a nação israelita jamais havia realizado até esse momento.15 O fato da ação missionária produtora de sentido aparece na experiência dos judeus da dispersão na troca de atitude que eles tiveram com respeito à sua condição de exilado. Tal situação perdeu seu significado funesto e foi considerada como a ocasião em que Jeová ofereceu a seu povo para que o glorificasse no mundo inteiro.16 Por outro lado os judeus que permaneciam na Palestina, 10 Ibid., p. 414. 11 J. H. Bavinck, An Introduction to the Science ofMissions Philadelphia, Pa., The Presbyterian and Reformed Publ. Co., 1960), p. 17. 12 Ibid. 13 E M. Derwacter, Preparing the Way for Paul,. The Proselyte Movement in Iater Judaism (New York, 1930), p. 62; B. J. Bamberger, Proselytism in the Talmudic Period (Cincinnati, 1939), p. 3; é. E Moore, Judaism in the Firsf Three Centuries of the Christian Era (Cambridge, Mass., 1927), I, 335. 14 14-é. EMoore, Judaism, I, 323. 15 J. Jeremias, Jésus, p. 7. J. Heuschen, "L'idee missionaire dans 1'Ancien Testament': Revue Ecclésiastique de Liêge 16 (1975), pp. 234-244. particularmente os dirigentes, receberam tal êxito missionário com profundas reservas.17 Estas reservas se tornaram oposição entre os teólogos da escola de Schammai, que se mostravam completamente cépticos com respeito à possibilidade dos propósitos permanecerem na fé judia. Em troca, os teólogos da escola de Hillel (c. 20 A.é.) tomaram uma atitude um pouco mais favorável com respeito a eles e alguns de seus membros chegaram a estabelecer a seguinte máxima: "Ama às criaturas e conduze-as a Torah". 18 A ação missionária que realizaram os israelitas na forma individual durante o exílio19 não chegou a ser o autêntico cumprimento da missão que Jeová~~ esperava de seu povo. Esta ação missionária, logo a atitude dos dirigentes da nação estava misturada "com outros sentimentos demasiados terrenos e humanos:' que impediam a completa assimilação dos propósitos ao povo de Israel logo o reservava uma situação determinada de segunda ordem dentro da nação judaica.20 Deste modo o povo de Israel enclausurou-se nos privilégios que Deus lhe havia concedido, ao torná- lo depositário de sua benção, la que se negou a repartir com os povos pagãos o que Deus havia concedido. Esta atitude egoísta desvirtuou completamente sua ação missionária em vez de transformar-se numa bênção para todas as nações. Israel se dedicou a defender as formas externas do culto, até ao ponto de pensar que sua missão consistia na conservação de tais formalidades, esquecendo-se completamente seu objetivo salvador e a obrigação de partilhar que implicava m os privilégios espirituais que gozavam. "Mas o povo de Israel perdeu de vista seus altos privilégios como representantes de Deus. Esqueceram-se de Deus e deixaram de cumprir Sua santa missão. As bênçãos por eles recebidas não produziram bênçãos para o mundo. Apropriaram-se de todas as suas vantagens para glorificação própria. Excluíram-se do mundo para escapar à tentações. As restrições por Deus impostas na sua associação com os idolatras como um meio de prevenir- lhes o conformismo com as práticas pagãs, eles as usaram para levantar um muro de separação entre si e as demais nações. Roubaram a Deus no servirão que Ele requerera deles e roubaram ao próximo na guia religiosa e santo exemplo. Sacerdotes e príncipes fixaram-se numa rotina de cerimônia. Satisfizeram-se com uma religião legal e era-lhes impossível dar a outros as vivas verdades do Céu”. 21 Em conseqüência, este desvio da missão produziu a perda identidade nacional e o desprezo do Messias, que era o objetivo de sua própria existência como nação. O Messias, cuja vinda deviam ter proclamado a todo o mundo, foi desprezado definitivamente pela nação e Cristo excluiu aos israelitas e perde seu sentido como nação. Jesus lhes disse: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais o reino dos diante dos homens; pois, vós não entrais, nem deixais entrar quem está entrando (Mat. 23:13). '"Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! porque rodeais o mar e a terra para fazer prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós' (Mat. 23:15). A missão abandonada pelo povo de Israel foi retomada por `Cristo porque sempre Ihe pertenceu. Na realidade a missão de levar o pecador para a vida eterna pertence às três pessoas divinas. é a missão 17 Angel Santos Hernlndez, Teologia biblico-patristica de las misiones (Santander, Editorial Sal Terrae, 1962), p. 28. 18 Pirque Abboth, I, p. 12. 19 R. Martin-Achar, Israelet les nations (Neuch~tel, Delachaux et Niestl~ 1959), diz que os resgatados das na~des, Isa. 45:20, não são os israelitas espalhados na Mesopotdmia, por~m os povos paglos. Ver Revue d'féitorie et Philosophie Religieuse 41 (1961) pp. 218-219. 20 A. Santos HernBndez, Teologia, p. 26. 21 21 - E. G. White, Atos dos Apdstolos, p. 14. do Pai: "amou o mundo de tal maneira que ) deu Seu Filho... para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (João 3:16). E também a missão do Filho. Ele declarou: "eu vim para que tenha vida e a tenham em abundância" (João 10:10), "Eu sou a ressurreição e a vida. Quem " cri~ em mim, ainda que morra, viver~" (João 11:25). E também a missão do Espírito Santo. Ele viria a dar testemunho a respeito de Jesus (João 15:26), a glorificar o Filho, a comunicar: tudo o que se relaciona com a missão de Cristo (Jo 16:13-14), a convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo (João !6:8) e dar a vida (João 6:68). Como parte do cumprimento de sua missão, Cristo estabeleceu a comunidade dos crentes, aos quais integrou na Koinonia divina, junto com o Pai e Cristo, para testificar e anunciar : a vida eterna (I Jo~;o 1:1-3). O gozo da vida dependia do cumprimento desta missão (I João 1:4). Cristo mesmo fala da miss~;o dos crentes identificando-a com a sua própria. H~ três textos no evangelho de João nos quais Jesus realiza esta identificação. O primeiro esta em João (13:20), que diz: "Quem recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou Este mesmo pensamento esta amplamente repetido nos sinópticos (Mat. 10:40, Marca. 9:37; Luc. 9:48; 10:16). O segundo texto está em João (17:17, 18), que registra as seguintes palavras de Cristo: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo' O terceiro texto se encontra em João (20:21) e diz: ''Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" Estas palavras foram pronunciadas no domingo da ressurreição (João 20:19). Nelas os discípulos puderam ver claramente que o Pai tem estado junto do Filho toda sua vida missionária. Esta missão não termina com a morte de Cristo ou com o retorno de Cristo ao Pai, porque o começo da missão dos discípulos é a continuação da missão de Cristo. A identificação plena da missão com a vida do crente se expressa no evangelho de João com seu conceito de santificação. João emprega outras vezes o verbo santificar (Jacó 10:36; 17:17; 17:19, duas vezes) e seis vezes o adjetivo santo (João 1:3k 6:69; 7:29; 14:26; 17:11; 20:22). O significado do verbo santificar extrai João do mesmo verbo em hebraico que se utiliza sempre em relação com o culto. Por esta razão a versão dos LXX traduz o nome do santuário como "as coisas santas”. 22 O adjetivo santo João aplica exclusivamente às pessoas divinas: o Santo Pai (Jo 179D, Cristo e o Santo de Deus (João 6:69) e o Espírito, o Paracleto, é Santo (João 1:3k 7:3R 14:26; 20:22). Cristo disse que Ele se santifica a Si mesmo para que também os discípulos sejam santificados na verdade (João 17:19). A santificação de Cristo não é para aperfeiçoar sua vida porque Cristo era completamente perfeito e sem pecado. Em conseqüência esta santificação tem outro objetivo. Ele mesmo o define quando diz que o Pai o santificou e o "enviou ao mundo" (João 10:36). Em cumprimento a este envio missionário Cristo realiza obras para que os homens creiam (João 10:38). A santidade do Filho é sua própria vida. Uma vida que não fica reduzida a si mesmo, mas que se estende e revela-se através da missão. Os crentes são incorporados à mesma missão porque, como novas criaturas, têm uma nova origem em Deus e o sentido de sua vida o encontram na missão de Cristo. A santificação dos crentes também está vinculada à missão. Sua vida completa esta dedicada à proclamação de Cristo ao mundo. Não só do mundo, por~:m tem uma missão a cumprir por Ele. "Não peço que os tires do mundo; e, sim, que os guardes do mal. Eles não são do mundo como também eu não sou. Santificaos na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo" (João 17:15-19). Cristo os elegeu do mundo (João 15:19) e os elegeu para que dêem fruto (João 15:16). A eleição esta em relação com o conhecer de Cristo (João 13:18)e seu objetivo é que dêem muito fruto (João 15:16). Dar fruto significa participar na semeadura e na ceifa da vida eterna (João 4:36). 22 M. Casabd, La teologia moral em San Juan (Madrid, Ediciones Fax, 1970), p. 228. QUando a pessoa humana recebe esta vida, graças à atividade salvadora de Cristo ou de outro crente que a comunica, ele é incorporada Koinonia divina que dá testemunho. Cristo, a Palavra, permanece na comunidade e ela nele. Seus membros deixam de ser do mundo e chegam ser filhos de Deus. Deus os santifica, os consagra no Cristo-Palavra, no Cristo-Verdade, no Cristo ativo que tem atuado para salvar aos homens. São santificados no Cristo Redentor e Salvador que veio ao mundo com uma missão cuJo cumprimento perfeito deu pleno sentido à sua vida. Sua santificação consistia em estar consagrado e exclusivamente dedicado a esta missão. Para santificar aos crentes os incorpora em sua própria missão e deu- lhes o mesmo sentido que esta teve em sua própria vida. A missão dos crentes consiste em dar testemunho (João 15:27), no expor a verdade (João 17:17-19), em colher frutos para a vida eterna (João 4:36-38)e em perdoar e deter pecados (João 20:21, 23). Podem cumprir esta missão por terem estado pessoalmente com Cristo (João 15:27)e por estarem estreitamente assolados com o Espírito Santo (João 15:26).23 Se a missão redentora dá sentido à vida pessoal e à vida da comunidade crista, tanto a pessoa individual como a comunidade dos crentes dever~,o ter uma clara consciência de que existem graças a um especial ato criador de Deus. A pessoa individual foi objeto desta ação criadora divina de um tal modo que chegou a ser uma nova criatura, havendo morto o pecado, ressuscitou a Cristo por meio do batismo. A comunidade cristã chega à existência pela ação do Espírito Santo, que une a todos os crentes para formar a igreja. Em segundo lugar, pessoa e comunidade devem ter uma definida experiência de unidade. Nesta unidade realizam ações como membro de uma congregação que fazem oposição à dispersão própria das sociedades em desintegração. O amor se contrapõe ao egoísmo . A simpatia às suspeitas. Mantêm-se um espírito de assistência mútua na qual as pessoas ajudam-se mutuamente e as congregações se aproximam na ação missionária Em terceiro lugar os crentes e a igreja como comunidade do Espírito Santo devem manter clara consciência de suas origens. Isto permite que a história individual e a história da comunidade se identifiquem. A pessoa individual nunca reagira de maneira critica à história de sua comunidade. Tampouco ser~~ ignorante de tudo o que Deus realizou Através da história da igreja. Ao estudar a história de sua igreja nunca se esquecer~~ que esta estudando a história do corpo de Cristo. Ser~~ reverente, crente, honesto e criador. Observara os feitos do paSsado para descobrir o poder de Deus atuando na proclamação do evangelho. Os ataques ao passado, de um reinterpretação histórica, originam-se no individualismo e revelam uma atitude contestadora. Na comunidade da fé apenas tem lugar para a reforma do presente. Se algum desvio se pratica, este deve ser corrigido. A constante revisão do passado de modo critico, com o propósito de modificar a identidade presente da igreja de Deus, só consegue produzir a psicologia do homem errante e fugitivo, ao modo de Caim. Separa-se de Deus e inicia o processo da desintegração comunitária. Em quarto lugar o crente e a igreja devem ter uma consciência clara da comunidade. De modo algum devem permitir sua desintegração. A igreja é a comunidade de salva~~:o e portanto todos seus atos devem ser redentores. Seu trabalho deve ser ação missionária. Sua produção deve ser fruto para a vida eterna. A igreja crista é a videira verdadeira integrada por Cristo, os crentes e Deus (João 15:1-8). Como videira, esta comunidade deve estar constantemente unida na produção de discípulos novos membros para a comunidade (Jo 15:8). A igreja cristã é o corpo de Cristo que atua completamente Deve entender-se este corpo no sentido hebraico de ba vivente e total. 24 Sua vida manifesta-se numa ação uni~ (I Cr. 12:20)e num crescimento constante que e providencial, quer dizer, pela ação de Deus (Col. 2:19; Ef. 4:16). 23 24 M. Veloso, EI compromiso, pp 297-323. Clarence T. Craig, Soma Christou, the Joy of Study (New York, Sherman E. Johnson, 1951), pp. 73-85. Em quinto lugar, o pessoal crente e a comunidade cristã devem manter uma clara consciência de estar sob o governo direto de Cristo. Cristo expressa sua vontade Através dos profetas, Através de sua Palavra, através do Espírito de Profecia. -(Heb. 1:1-T Apoc. 14:17; 19:10). Os juizes de Israel não se sentiam chamados para uma missão de reis senão de libertadores. Gideão disse: "Não dominarei sobre v~,s, nem tão pouco meu filho dominara sobre vós; o Senhor vos dominará. (Juiz. 8:23). Os profetas missionários da palavra divina resistiam a falar suas próprias palavras. Apenas declaram o que Jeová~ os havia declarado, que introduziam com a frase: "Assim diz o Senhor" e lutavam contra os falsos profetas, que furtam as minhas palavras (palavras do Senhor)" (Jer. 23:30). O governo da igreja e a comunicação da verdade só seguiram as ordens de Cristo e as expressões de sua vontade. Finalmente cada crente e a igreja em conjunto deveriam ter uma clara consciência da missão. Esta convicção deve incluir pelo menos dois conceitos. Em primeiro lugar a idéia de que sua existência é uma existência missionária. Apenas existem para a pregação do evangelho. Em segundo lugar devem compreender claramente o conteúdo de sua missão. Só, trabalham para comunicar o evangelho de Cristo. Toda vez que o cristão ou a comunidade cristã perdem sua convicção missionária desviam-se da vida em Cristo e entram numa crise de sentido. Existe uma crise de sentido na IASD? Alguns te~,logos dizem que a Igreja Adventista está~ em frente a uma crise e necessita compreender mais claramente sua natureza, sua identidade e sua função.25 As crises que aparecem, em nossos dias, nas igrejas como a IASD, podem ser de tr~:s naturezas: uma crise que envolva a comunidade completa, uma crise que apenas corresponde a um setor dela ou uma crise externa que Ihe é atribuída, Na Igreja Adventista não tem desenrolado uma cris e eclesiástica, pois uma analise eclesiástica de sua teologia revelara que nunca houve problemas com sua identidade, O problema eclesiástico aparece nela como algo já formado, Como algo que Ihe é dado. Surge num processo contrário ao que se seguiu nas outras igrejas cristãos, No caso delas esta crise se originou nos campos missionários26 e teve o propósito de descobrir unidade da igreja sob as múltiplas denominações.27 Na Igreja Adventista não surge dos campos missionários onde é unidade da igreja é um assunto que não oferece dúvidas. Na curta história eclesiástica ecumênica (desde Amsterdã, 1948) pode descrever seu desenrolar numa circulação pelas seguintes idéias: 1) procura da unidade da igreja, 2) obediência à missão de Cristo,28 3) existência da igreja para o mundo29 compromisso da igreja em sua situação atual. 30 Os teólogos que afirmam a existência de uma crise na eclesiástica adventista começam sua teologia da igreja com este ultimo problema, Parece que a chamada crise eclesiástica da Igreja Adventista pode ser proporcional ao grau em que tais teólogos transfiram os problemas existentes nas outras 25 B. T. Douglas, "The Church, its nature and function': Servantsfor Christ (Berrien Springs, Mich., Andrews Universty Press, 1980), pp. 53-85. 26 27 28 29 30 Colin W. Williams, The Church (The Westminster Press, 1968), p. 12. Ibid., p. 13. Ibid., p. 15. Report of the World Concil of Churches, The Church for Others (Geneva, 1967), pp. 18-69. C. W. Williams, The Church, p. 20. igrejas, Alguns dos assuntos que se analisam neste tipo de teologia são os seguintes: a contextualização do evangelho, a natureza da igreja e a missão da igreja. Contextualização do evangelho Este é um problema complexo. Os primeiros cristãos o enfrentaram em seu próprio contexto, e o resolveram de duas maneiras: uns produziram um testemunho relevante e outros uma hifenização do cristianismo. No primeiro caso se encontra o evangelho de Jo, escrito no fim do primeiro século e chamado por é, K, Barrett "um livro grego". 31 Ao pregar o evangelho, João não desconheceu o gnosticismo existente, nem incorporou suas idéias num intento de indiscriminada contextualização do evangelho, Conservou os conteúdos da revelação divina.32 "Usou a linguagem gnóstica num sentido não gnóstico”. 33 Portanto modificou e contrabalançou "o gnosticismo com as idéias cristãs' Resultado: "Com a riqueza da linguagem a sua disposição, deu testemunho de Jesus”. 34 No segundo caso se encontra a escola de Alexandria, no final do século II, de onde floresceu um tipo de cristianismo "confessadamente gnóstico"35 Porque nele Panteno, Clemente e Orígenes 'moldaram o cristianismo com o melhor da cultura grega”. 36 O pensamento grego super imposto ao cristianismo, entre muitas outras coisas, foi responsável 1) pela enuncia~~.o das verdades cristas em forma de dogma37 e 2) pela mistura do paganismo e cristianismo que permitiu o desenrolar do "homem do pecado" (II Tess. 2:3).38 Em nossos dias os teólogos católicos sul-americanos tencionam realizar uma contextualização ideológica, expressando a teologia católica em categorias marxistas.39 Como resultado estão marchetando a teologia,40 estão criando uma perigosa situação de conflito e estão produzindo uma crise de autoridade.41 Ao modificar a missão da igreja impõe-se uma modificação de sua natureza e produz-se uma perda de sentido, A Igreja pode contextualizar os métodos que utiliza na pregação, mas jamais os 31 C. K. Barrett, The Gospel ofJohn and Judaism (Philadelphia, 1975), p. 59. 32 Juan fue fuertemente influido por el AT, E M. Braun, Jean le Thãologien: Les Grandes d'lsrael et ljlccord des Escritures d'apres le Quatrieme Evangile (Paris, 1964), p. 226; M. Veloso, El compromiso, p. 73. 33 - Barret, Gospel, p. 73. 34- Ibid., p. 76. 33 Barret, Gospel, p. 73. 34- Ibid., p. 76. 34 Ibid., p. 76. 35 John Baillie, editor, The Library of Cristian Classics, Vol., 1, by Cyril é. Richardson, and others, Early Christian Fathers (Philadelphia, 1953), p. 24. 36 Robert R. Williams, A Guide to the Teachings of the Early Church Fathers (Grand Rapids, Mich., 1960), p. 90. 37 Thorleif Boman, Hebrew thought compared with Greek (New York, 1960), p. 18. 38 E. G. White, O Grande Con~flito, p. 50. 39 Gustavo Gutierrez, Teologia da Liberta~aão (Petr6polis, 1976). 40 Miguel Poradowski, El marxismo invade la iglesia (Valparaiso, 1974). 41 Sociedad de Defensa de la Tradici6n, Familia y Propriedad. (Society the Defense of Tradition, Family and property). La Iglesia del Si/encia em Chile (La Paz, Bolivia, 1977). conteúdos de sua missão porque estes não são criados por ela, Procedem do Pai e do Filho (João 20:21)e representam o poder de Cristo (Mat, 28:18). A natureza da Igreja Segundo a teologia adventista, a Igreja é um colaborador de Cristo (I Cor, 3:9),42 é Um pilar e apoio da verdade (I Tim. 3:15),43 é Uma aGencia estabelecida por Deus para a salvação dos homens,44 e é uma escola de preparação45 para que todos seus membros sejam obreiros cristãos.46 Alguns teólogos assinalam como problema principal da Igreja sua relação com o mundo, Deste ponto de vista apresentam criticas a quatro modelos de igreja sustentados por teologias distintas. O modelo que define a igreja como uma instituição descuida a ação missionária e diminui a atenção das necessidades econômicas e a assistência pastoral, O modelo que apresenta a igreja como uma fortaleza cria uma separação radical entre a igreja e o mundo, O modelo que desCreve a igreja como um arauto propicia a pregação do evangelho de um modo que a divorcia completamente dos problemas que cultivam os homens num meio determinado, Tais teólogos sentem mais simpatia pelo modelo que define a igreja como um servo, porque este permite concebê-lo como uma agência que trabalha para a eliminação da fome, da pobreza e da opressão, e porque assim ela ajuda a criar as condições favoráveis a boa vontade entre os grupos sociais. Numa eclesiologia adventista que realmente cria na aproximação da segunda vinda de Cristo, o problema principal não pode ser a ralação da igreja com o mundo, desde o ponto de vista social e econômico, senão desde o ponto de vista da pregação do evangelho. Seu problema será, ent ão, como acelerar a pregação para alcançar a cada ser humano no breve tempo que resta até a segunda vinda de Cristo. São oferecidas trás idéias principais como sugestões para uma eclesiologia adventista, I) a igreja tem sido constituída por um poderoso ato de Deus, 2) a igreja existe porque tem a Cristo como principio operativo de sua vida e 3) a unidade deve ser um fator prioritário que, sem dúvida, não desconhece a diversidade existente entre seus membros. Na exposição do terceiro ponto alguns teólogos parecem dar mais ênfase a um conceito de diversidade na unidade, a qual seria uma inversão do principio estabelecido pelo apóstolo Paulo, Ele fala da unidade na diversidade, não da adversidade na unidade, Tais teólogos propiciam a existência de uma ampla variedade de convicções sempre que estas não sejam divididas abertamente cismáticas, Esta posição tem 6bvios problemas exegéticos. Paulo, em I Cor. 12:4-12, não fala de diversidade de opiniões, senão de diversidade de dons, de administrações e de operações, Logo refere-se à manifestação do mesmo espírito em alguém pela palavra de sabedoria, em outro por palavra de conhecimento, em outro por fé, em outro por dons de saúde, em outro por obras milagrosas, em outro pela profecia, em outro por discernimento do espírito, em outro por diversidade de línguas e em outro por interpretação de línguas, Em todos os casos o mesmo Espírito é que reparte os dons como satisfaz. 42 E. G. White, Testemunhos Seletos (Mountain View, Ca., 1936), Vol. 5, p. 328. 43 E. G. White, Para'bolas de Jesus (Washington, D. é., 1941), p. 54. E. G. White, Caminho a Cristo (Mountain View, Ca., 1956), p. 80 "A igreja de Cristo é o agente designado por Deus para salvação dos homens. Sua miss~.o é levar o evangelho ao mundo. E essa obrigação repousa sobre todos os cristãos. Cada um, na medida de seus talentos e oportunidades, deve cumprir a comisslo do Salvador". 45 E. G. White, Testemonies, Vol. 4, p. 16; Caminho a Crisro, p. 81. 44 46 E. G. White, A Ci~ncia do Bom Viver, (Mountain View, Ca., 1942), p. 149. De maneira alguma pode deduzir-se que o apóstolo ensina a existência de uma ampla variedade de convicções entre os cristãos. Os dons não são convicções, senão instrumentos que devem usar-se na pregação das convicções cristas recebidas com o evangelho. O mesmo ocorre em Romanos 12:4-8 onde Paulo fala de diversidade de dons, Conceito que Paulo volta a partir em Efe. 4:4-14, onde expõe que os dons são para a perfeição dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo, de tal maneira que não sejamos arrastados por qualquer vento de doutrina. Paulo refere-se a igreja como um corpo com diversidade de dons, mas unido numa sólida doutrina.47 Nela se inclui a missão da igreja, A missão da Igreja Como luz do mundo (Mat. 5:14)48 a igreja tem a missão de iluminá- lo (Mateus 5:16; II Cor. 4:5, 6),49 de proclamar- lhe o eva ngelho (Mat. 28:19, 20; 24:14),50 de dar-lhe a conhecer o amor de Deus (I João 4:9-14) e de ganhar os pecadores para Cristo (Tiago 5:19, 20).51 "A igreja de Cristo foi orga nizada com fins missionários”.52 Descrevendo a missão da igreja alguns teólogos destacam duas idéias, A primeira afirma que a missão deve estar relacionada com a situação na qual vivemos, Esta situação sempre demandar~ novos métodos através dos quais o pregar do evangelho, porém nunca deve permitir que ela modifique a missão da igreja, 186 A segunda declara que a igreja deve estar envolvida na discussão dos problemas morais, na luta pela liberdade e justiça e na eliminação da fome e conquista da enfermidade. A igreja tem o dever, dever que também tem cada um de seus membros, de viver em harmonia com os elevados ideais 47 E. G. White, Testemonies, Vol. 3, pp. 446-447: (InglCs) "Através da diversidade de dons e governos que Ele tem colocado na igreja, todos deverao ter uma unidade da fé~. Se alguCm tomar seus pontos de vista da verdade da Biblia sem procurar as opiniões de seus irmHos, e justificar suas idCias, alegando que ele tem o direito de ter seus pontos de vista peculiares, e entao pressionar sob os outros, como podera ele cumprir a oraCHo de Cristo? E se outro e mais outro se levantar, cada um mostrando seu direito para crer que fala o que quer sem referhcia a fé~ do corpo, onde ir8 aquela harmonia que existe entre Cristo e Seu Pai, e pela qual Cristo orou pedindo que exista entre os irmãos?" 48 E. G. White, Testemunhos para Ministros e Obreiros EvangPlicos, (Mountain View, Ca., 1962), p. 49. 49 E. G. White, Mensagens Escolhidas (Washington, D. é., 1958), Vol. 1. p. 133. 50 E. G. White, Atos dos Apdstolos, (Mountain View, Ca., 1939). 51 E. G. White, Testumunhos Seletos, Vol. 1, p. 359: "A missSlo da igreja de Cristo é salvar os pecadores que estão a perecer. é divulgar o amor de Deus aos homens, conquistando-os para Cristo pela eficacia daquele amor. A verdade para este tempo deve ser levada aos tenebrosos recantos da Terra': 52 - E. G. Withe, Obreiros EvangPlicos, (Washington, D. C., 1948), p. 464. 52 E. G. Withe, Obreiros EvangPlicos, (Washington, D. C., 1948), p. 464. morais que expressam o evangelho em geral e na lei de Deus em particular, pois deve mostrar ao mundo que a maneira crista de viver é valida para a realização e a felicidade do homem. Porém, isto não significa que sua vida moral, sua pratica da liberdade, seu exercer a justiça, seu trabalho para auxiliar o faminto, seu esforço para vencer a enfermidade devam transformar-se em bandeira de agitação comunitária ou de expressão contestatória, que critica qualquer tipo de organizações existentes na sociedade, que trabalham com a finalidade de ajudar aos homens em suas lutas com estes problemas. A igreja cristã deve participar na proclamação.daquela liberdade à qual Cristo se referiu em Nazaré, ao começo de seu ministério público quando declarou que o Espírito do Senhor estava sobre ele para dar liberdade aos cativos (Luc, 4:18), Segundo Walter Russel Bowie, isto se refere ao cativeiro "moral e espiritual”53 Ellen G, White aplica esta passagem àqueles "homens e mulheres que levam uma carga pesada de tristeza, de sofrimento e de pecado”. 54 Segundo Hans Conzellmann, este texto refere-se a: "a salvação hoje”. 55 Que dizer quanto à liberação política,à liberdade acadêmica, à liberação moral e outras semelhantes? A missão da igreja nada tem que ver com a proclamação ou a defesa de tais liberdades, pois, em geral, elas significam revolução, ausência de compromisso com o evangelho e imoralidade. Ao contrário, a igreja, por natureza e missão, está sujeita à lei e a ordem. Esta totalmente comprometida com o Senhor Jesus Cristo e é a aGencia de Deus no mundo para testificar com as virtudes de uma vida moral. A respeito da atenção aos pobres, a teologia adventista tem uma posição muito clara: "aos pobres, submergidos no pecado, deve-se buscá- los, orar por eles e guiá- los passo a passo até o Salvador. Aos pobres que são verdadeiros filhos do Senhor, deve-se ajudá- los (I Tim. 5:16) aliviando suas necessidades”56 Não se pode inverter este principio geral para incorporar na missão da igreja sua participação na luta ideológica pela eliminação da fome e da enfermidade. A igreja serve ao necessitado, mas não participa dos conflitos ideológicos que geram a condição da pobreza humana. Cristo comissionou a sua igreja para ir de cidade em cidade, de pais em pais, preparando o caminho para a segunda vinda de Cristo. Ele estabeleceu um exemplo de ação missionária tanto que, ao atrair os homens, fazia assim como em sua busca pessoal deles. Este é o modelo missionário que a igreja deve seguir. Seu desvio, em qualquer direção significara uma perda de sentido e de identidade. A igreja que tem a missão de levar ao mundo a ultima mensagem de Deus não pode permitir nenhum destes dois efeitos, pois cada um deles, por si só, já seria uma tragédia, não só para a comunidade cristã, senão para o mundo, em geral, que deve receber a mensagem de salvação. Uma vez que o homem pecador, pelo novo nascimento, recebe sua nova origem em Cristo deve começar uma nova vida, pois as coisas velhas passaram, porque todas tem sido feitos novas, Este novo modo de vida é semelhante ao que experimentou Adão antes de cair no pecado. Inclui uma relação pessoal, intima e constante com Deus; uma completa identificação com a missão que Ihe 53 Walter Russel Bowie, Luke. The Interpreter's Bible (New York, 1952), Vol. VIII, p. 92. 54 "How to Deal with the Erring", The Revier and Herald 88:4, (January 26, 1911), 3-4, quotation from p. 4. 55 Hans Conzelmamm, EI centro del tiempo. La teologia de Lucas (Madrid, 1974), p. 272. 56 E. G. White, Testemonies, Vol. 6, p. 255; Testemoines, Vol. 4 p. 508-51t Testemonies, Vol. 3, p. 511-521. entregou e uma participação ativa na comunidade da fé:, a igreja, que deve pregar o evangelho ao mundo inteiro. A vida-desde, a vida-em-relação, e a vida-para só pode estar plenamente presente no cristão, porque ele tem uma origem que não é unicamente histórica senão vivida, ou meio do novo nascimento, tem uma relação com Deus, que não é simplesmente intelectual, senão vivente e tem um sentido que não é puramente objetivo nem exclusivamente subjetivo, nem puramente dialogal, senão plenamente vivido, porque na missão cristã se comunica a vida de um homem com a vida de outro homem para conectar juntos com o Doador da vida que promete vida eterna a todos os que crêem n'Ele. O homem foi criado para a vida e só em Cristo encontra sua total realização, porque nEle volta a vida para qual foi criado. Cristo restaura nele a imagem de Deus e o homem volta a ser, na plenitude, uma pessoa vivente. BIBLIOGRAFIA Assmann, Hugo. Opresión- liberación desafio a los cristianos. Montevideo, Tierra Nueva, 1971. Bailey, Robert E. "Is 'sleed the proper biblical term for the intermediate state?". 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