COLÉGIO ETAPA ANTOLOGIA DE TEXTOS FILOSÓFICOS A escola de Atenas. Afresco de Rafazel Sanzio. Palácio Apostólico, Vaticano ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA 2.º ANO DO ENSINO MÉDIO CONJUNTOS 3 E 4 2 ÍNDICE PRIMEIRA PARTE – TEORIAS E PROBLEMAS ÉTICOS ÉTICOS 1 – A ÉTICA DO DEVER EM KANT Textos 1 a 3 Excertos da Fundamentação da metafísica dos costumes 2 – SARTRE E O PROBLEMA DA LIBERDADE Texto 4 Excerto de O existencialismo é um humanismo 3 – A ÉTICA DA VIRTUDE EM ARISTÓTELES Texto 5 a 7 Excertos da Ética a Nicômaco SEGUNDA PARTE – FILOSOFIA POLÍTICA 4 – ARISTÓTELES E A CONCEPÇÃO GREGA DE POLÍTICA Texto 8 Excertos de A política 5 – MAQUIAVEL E A SEPARAÇÃO ENTRE MORAL E POLÍTICA Textos 9 e 10 Excertos de O príncipe 6 – HOBBES E A JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO ABSOLULISTA Textos 11 Excerto de Leviatã 7 – LOCKE E O ESTADO LIBERAL Texto 12 Excertos do Segundo tratado sobre o governo 8 – ROUSSEAU E A VONTADE GERAL Texto 13 Texto 14 Excerto do Discurso sobre a desigualdade Excertos de Do contrato social 3 PRIMEIRA PARTE Teorias e problemas éticos éticos 4 1 – A ÉTICA DO DEVER EM KANT Retrato de IMMANUEL KANT (1724-1804). Pintura do séc. XVIII de autor desconhecido. METAFÍSICA FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSIC A DOS COSTUMES TEXTO 1 [O conceito de dever] 1. Deixo aqui de parte todas as ações que são logo reconhecidas como contrárias ao dever, posto possam ser úteis sob este ou aquele aspecto; pois nelas nem sequer se põe a questão de saber se foram praticadas por dever, visto estarem até em contradição com ele. Ponho de lado também as ações que são verdadeiramente conformes ao dever, mas para as quais os homens não sentem imediatamente nenhuma inclinação, embora as pratiquem porque a isso são levados por outra tendência. Pois é fácil então distinguir se a ação conforme ao dever foi praticada por dever ou com intenção egoísta. Muito mais difícil é esta distinção quando a ação é conforme ao dever e o sujeito é além disso levado a ela por inclinação imediata. Por exemplo: — É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não suba os preços ao comprador inexperiente, e, quando o movimento do negócio é grande, o comerciante esperto também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode comprar em sua casa tão bem como qualquer outra pessoa. É-se, pois, servido honradamente; mas isso ainda não é bastante para acreditar que o comerciante tenha assim procedido por dever e princípios de honradez; o seu interesse assim o exigia; mas não é de aceitar que ele além disso tenha tido uma inclinação imediata para os seus fregueses, de maneira a não fazer, por amor deles, preço mais vantajoso a um do que a outro. A ação não foi, portanto, praticada nem por dever nem por inclinação imediata, mas somente com intenção egoísta. 5 2. Pelo contrário, conservar cada qual a sua vida é um dever, e é além disso uma coisa para que toda a gente tem inclinação imediata. Mas por isso mesmo é que o cuidado, por vezes ansioso, que a maioria dos homens lhe dedicam não tem nenhum valor intrínseco e a máxima que o exprime nenhum conteúdo moral. Os homens conservam a vida conforme ao dever, sem dúvida, mas não por dever. Em contraposição, quando as contrariedades e o desgosto sem esperança roubaram totalmente o gosto de viver; quando o infeliz, com fortaleza da alma, mais enfadado do que desalentado ou abatido, deseja a morte, e conserva contudo a vida sem a amar, não por inclinação ou medo, mas por dever, então a sua máxima tem um conteúdo moral. 3. Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo porém que neste caso uma tal ação, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, por exemplo o amor das honras que, quando por feliz acaso topa aquilo que efetivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é consequentemente honroso e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem, não por inclinação, mas por dever. Admitindo pois que o ânimo desse filantropo estivesse velado pelo desgosto pessoal que apaga toda a compaixão pela sorte alheia, e que ele continuasse a ter a possibilidade de fazer bem aos desgraçados, mas que a desgraça alheia o não tocava porque estava bastante ocupado com a sua própria; se agora, que nenhuma inclinação o estimula já, ele se arrancasse a esta mortal insensibilidade e praticasse a ação sem qualquer inclinação, simplesmente por dever, só então é que ela teria o seu autêntico valor moral. Mais ainda: — Se a natureza tivesse posto no coração deste ou daquele homem pouca simpatia, se ele (homem honrado de resto) fosse por temperamento frio e indiferente às dores dos outros por ser ele mesmo dotado especialmente de paciência e capacidade de resistência às suas próprias dores e por isso pressupor e exigir as mesmas qualidades dos outros; se a natureza não tivesse feito de um tal homem (que em boa verdade não seria o seu pior produto) propriamente um filantropo, — não poderia ele encontrar ainda dentro de si um manancial que lhe pudesse dar um valor muito mais elevado do que o dum temperamento bondoso? Sem dúvida! — e exatamente aí é que começa o valor do caráter, que é moralmente sem qualquer comparação o mais alto, e que consiste em fazer o bem, não por inclinação, mas por dever. ................................................................................................................................................................... 4. [...] Uma ação praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina; não depende portanto da realidade do objeto da ação, mas somente do princípio do querer segundo o qual a ação, abstraindo de todos os objetos da faculdade de desejar, foi praticada. Que os propósitos que possamos ter ao praticar certas ações e os seus efeitos, como fins e móbiles da vontade, não podem dar às ações nenhum valor incondicionado, nenhum valor moral, resulta claramente do que fica atrás. Em que é que reside pois este valor, se ele não se encontra na vontade considerada em relação com o efeito esperado dessas ações? Não pode residir em mais parte alguma senão no princípio da vontade, abstraindo dos fins que possam ser realizados por uma tal ação; pois que a vontade está colocada entre o seu princípio a priori, que é formal, e o seu móbil a posteriori, que é material, por assim dizer numa encruzilhada; e, uma vez que ela tem de ser determinada por qualquer coisa, terá de ser determinada pelo princípio formal do querer em geral quando a ação seja praticada por dever, pois lhe foi tirado todo o princípio material. 5. [...] — Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. Pelo objeto, como efeito da ação em vista, posso eu sentir em verdade inclinação, mas nunca respeito, exatamente porque é simplesmente um efeito e não a atividade de uma vontade. De igual modo, não posso ter respeito por qualquer inclinação em geral, seja ela minha ou de outro; posso quando muito, no primeiro caso, aprová-la, e, no segundo, por vezes amá-la mesmo, isto é, considerá-la como favorável ao meu interesse. Só pode ser objeto de respeito e portanto mandamento aquilo que está ligado à minha vontade somente como princípio e nunca com efeito, não aquilo que serve à minha inclinação, mas o 6 que a domina ou que, pelo menos, a exclui do cálculo na escolha, quer dizer a simples lei por si mesma. Ora, se uma ação realizada por dever deve eliminar totalmente a influência da inclinação e com ela todo o objeto da vontade, nada mais resta à vontade que a possa determinar do que a lei objetivamente, e, subjetivamente, o puro respeito por esta lei prática, e por conseguinte a máxima que manda obedecer a essa lei, mesmo com o prejuízo de todas as minhas inclinações. ................................................................................................................................................................... 6. Ponhamos, por exemplo, a questão seguinte: — Não posso eu, quando me encontro em apuro, fazer uma promessa com a intenção de a não cumprir? Facilmente distingo aqui os dois sentidos que a questão pode ter: — se é prudente, ou se é conforme ao dever, fazer uma falsa promessa. O primeiro caso pode sem dúvida apresentar-se muitas vezes. É verdade que vejo bem que não basta furtar-se ao embaraço presente por meio desta escapatória, mas que tenho de ponderar se desta mentira me não poderão advir posteriormente incômodos maiores do que aqueles de que agora me liberto; e como as consequências, a despeito da minha esperteza, não são assim tão fáceis de prever, devo pensar que a confiança uma vez perdida me pode vir a ser mais prejudicial do que todo o mal que agora quero evitar; posso enfim perguntar se não seria mais prudente agir aqui em conformidade com uma máxima universal e adquirir o costume de não prometer nada senão com a intenção de cumprir a promessa. Mas breve se me torna claro que uma tal máxima tem sempre na base o receio das consequências. Ora ser verdadeiro por dever é uma coisa totalmente diferente de sê-lo por medo das consequências prejudiciais; enquanto no primeiro caso o conceito da ação em si mesma contém já para mim uma lei, no segundo tenho antes que olhar à minha volta para descobrir que efeitos poderão para mim estar ligados à ação. Porque, se me afasto do princípio do dever, isso é de certeza mau; mas se for infiel à máxima de esperteza, isso poderá trazer-me por vezes grandes vantagens, embora seja em verdade mais seguro continuar-lhe fiel. Entretanto, para resolver da maneira mais curta e mais segura o problema de saber se uma promessa mentirosa é conforme ao dever, preciso só de perguntar a mim mesmo: — Ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima (de me tirar de apuros por meio de uma promessa não verdadeira) tomar o valor de lei universal (tanto para mim como para os outros)? E poderia eu dizer a mim mesmo: — Toda a gente pode fazer uma promessa mentirosa quando se acha numa dificuldade de que não pode sair de outra maneira? Em breve reconheço que posso em verdade querer a mentira, mas que não posso querer uma lei universal de mentir; pois segundo uma tal lei, não poderia propriamente haver já promessa alguma, porque seria inútil afirmar a minha vontade relativamente às minhas futuras ações a pessoas que não acreditariam na minha afirmação, ou, se precipitadamente o fizessem, me pagariam na mesma moeda. Por conseguinte a minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 27-38, p. 30-32, 34-35. [O imperativo categórico] TEXTO 2 1. [...] todos os imperativos ordenam ou hipotética — ou categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade. ................................................................................................................................................................... 7 2. O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. ................................................................................................................................................................... 3. Uma vez que a universalidade da lei, segundo a qual certos efeitos se produzem, constitui a que se chama propriamente natureza no sentido mais lato da palavra (quanto à forma), quer dizer a realidade das coisas, enquanto é determinada por leis universais, o imperativo universal do dever poderia também exprimir-se assim: Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza. natureza 4. Vamos agora enumerar alguns deveres [...]. 5. Uma pessoa, por uma série de desgraças, chegou ao desespero e sente tédio da vida, mas está ainda bastante em posse da razão para poder perguntar a si mesmo se não será talvez contrário ao dever para consigo mesmo atentar contra a própria vida. E procura agora saber se a máxima da sua ação se poderia tornar em lei universal da natureza. A sua máxima, porém, é a seguinte: Por amor de mim mesmo, admito como princípio que, se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias, devo encurtá-la. Mas pergunta-se agora se este princípio do amor de si mesmo se pode tornar em lei universal da natureza. Vê-se então em breve que uma natureza cuja lei fosse destruir a vida em virtude do mesmo sentimento cujo objetivo é suscitar a sua conservação, se contradiria a si mesma e portanto não existira como natureza. Por conseguinte aquela máxima não poderia de forma alguma dar-se como lei universal da natureza, e portanto é absolutamente contrária ao princípio supremo de todo o dever. 6. Uma outra pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: Não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decidia a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: Quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá. Este princípio do amor de si mesmo ou da própria conveniência pode talvez estar de acordo com todo o meu bem-estar futuro; mas agora a questão é de saber se é justo. Converto assim esta exigência do amor de si mesmo em lei universal e ponho assim a questão: Que aconteceria se a minha máxima se transformasse em lei universal? Vejo então imediatamente que ela nunca poderia valer como lei universal da natureza e concordar consigo mesma, mas que, pelo contrário, ela se contradiria necessariamente. Pois a universalidade de uma lei que permitisse a cada homem que se julgasse em apuros prometer o que lhe viesse à ideia com a intenção de o não cumprir, tornaria impossível a própria promessa e a finalidade que com ela se pudesse ter em vista; ninguém acreditaria em qualquer coisa que lhe prometessem e rir-se-ia apenas de tais declarações como de vãos enganos. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 52, p. 62-64. TEXTO 3 1. Ora digo eu: — O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim. [...] 2. [...] O imperativo prático será pois o seguinte: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. Vamos ver se é possível cumprir isto. 3. Atendo-nos aos exemplos dados atrás, veremos: 8 4. Primeiro: Segundo o conceito de dever necessário para consigo mesmo, o homem que anda pensando em suicidar-se perguntará a si mesmo se a sua ação pode estar de acordo com a ideia de humanidade como fim em si mesma. Se, para escapar a uma situação penosa, se destrói a si mesmo, serve-se ele de uma pessoa como de um simples meio para conservar até ao fim da vida uma situação suportável. Mas o homem não é uma coisa; não é portanto um objeto que possa ser utilizado simplesmente como um meio, mas pelo contrário deve ser considerado sempre em todas as suas ações como fim em si mesmo. Portanto não posso dispor do homem na minha pessoa para o mutilar, o degradar ou o matar. [...] 5. Segundo: Pelo que diz respeito ao dever necessário ou estrito para com os outros, aquele que tem a intenção de fazer a outrem uma promessa mentirosa reconhecerá imediatamente que quer servir-se de outro homem simplesmente como meio, sem que este último contenha ao mesmo tempo o fim em si. Pois aquele que eu quero utilizar para os meus intuitos por meio de uma tal promessa não pode de modo algum concordar com a minha maneira de proceder a seu respeito, não pode portanto conter em si mesmo o fim desta ação. Mais claramente ainda dá na vista esta colisão com o princípio de humanidade em outros homens quando tomamos para exemplos ataques à liberdade ou à propriedade alheias. Porque então é evidente que o violador dos direitos dos homens tenciona servir-se das pessoas dos outros simplesmente como meios, sem considerar que eles, como seres racionais, devem ser sempre tratados ao mesmo tempo como fins, isto é unicamente como seres que devem poder conter também em si o fim desta mesma ação. ................................................................................................................................................................... 6. Este princípio da humanidade e de toda a natureza racional em geral como fim em si mesma (que é a condição suprema que limita a liberdade das ações de cada homem) não é extraído da experiência, — primeiro, por causa da sua universalidade, pois que se aplica a todos os seres racionais em geral, sobre o que nenhuma experiência chega para determinar seja o que for; segundo, porque nele a humanidade se representa não como fim dos homens (subjetivo), isto é como objeto de que fazemos por nós mesmos efetivamente um fim, mas como fim objetivo, o qual, sejam quais forem os fins que tenhamos em vista, deve constituir como lei a condição suprema que limita todos os fins subjetivos, e que por isso só pode derivar da razão pura. [...] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 71-75. 9 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UEL / 2010] Leia o texto a seguir: Como determinamos as regras do que é certo ou errado? Immanuel Kant (1724-1804) responde a essa pergunta da seguinte forma: é moralmente correta a ação que está de acordo com determinadas regras do que é certo, independente da felicidade resultante a um ou a todos. Kant não propõe uma lista de regras com conteúdo previamente determinado – como é o caso dos mandamentos religiosos, por exemplo –, mas formula uma regra para averiguar a correção da máxima que orienta nossa ação. Essa regra de averiguação é chamada imperativo categórico [...]. BORGES, M. de L. et alii. O que você precisa saber sobre... Ética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.15. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o Imperativo Categórico kantiano, é correto afirmar: I. Constitui um princípio formal dado pela razão que visa à discriminação das máximas de ação, com a pretensão de verificar quais podem, efetivamente, enquadrar-se numa legislação universal. II. Representa a capacidade de a razão prática, do ponto de vista a priori, fornecer à vontade humana um dever incondicional com pretensão de universalidade e de necessidade. III. Compreende um princípio teleológico construído a partir da concepção valorativa do “bem viver” e que se impõe, como condição absoluta, na realização de ações e comportamentos das pessoas em geral. IV. Abrange a sabedoria prática, como condição inata de o ser humano deliberar e proceder, sempre de forma semelhante em relação às demais pessoas, no quesito das ações que envolvem virtude e prudência. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas II e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. 2. [UFU / Julho 2006] Kant define a ação moral através da relação entre dever e inclinação. Assinale, dentre as alternativas abaixo, a que estabelece uma relação correta entre estes conceitos, de acordo com o pensamento kantiano. a) Uma vez que o homem é dotado de intelecto e sensibilidade, a ação moral deve expressar o meio termo entre razão e paixão. b) Uma vez que a meta final da ação moral é a felicidade, o homem deve escolher somente as inclinações que permitam que todos os homens sejam felizes. c) Somente na medida em que é livre, o homem pode tornar as inclinações o fundamento da ação moral. d) Somente na medida em que evita as inclinações, o homem pode agir por dever e fundar moralmente suas ações. 3. [UEL / 2003] Leia o texto a seguir. O imperativo categórico é portanto só um único, que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 59. Segundo essa formulação do imperativo categórico de Kant, uma ação é considerada ética quando: a) Privilegia os interesses particulares em detrimento de leis que valham universal e necessariamente. b) A máxima que rege a ação pode ser universalizada, ou seja, quando a ação pode ser praticada por todos, sem prejuízo da humanidade. c) Ajusta os interesses egoístas de uns ao egoísmo dos outros, satisfazendo as exigências individuais de prazer e felicidade. d) É determinada pela lei da natureza, que tem como fundamento o princípio da autoconservação. e) Está subordinada à vontade de Deus, que preestabelece o caminho seguro para a ação humana. Gabarito 1. a 2. d 3. b 10 2 – SARTRE E O PROBLEMA DA LIBERDADE Fotografia de JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980) por Lufti Özkök. TEXTO 4 O EXISTENCIALISMO É UM HUMANISMO 1. [...] O que [os filósofos existencialistas] têm de comum é simplesmente o fato de admitirem que a existência precede a essência, ou, se se quiser, que temos de partir da subjetividade. Que é que em rigor se deve entender por isso? Consideremos um objeto fabricado, como por exemplo um livro ou um corta-papel: tal objeto foi fabricado por um artífice que se inspirou de um conceito; ele reportou-se ao conceito do corta-papel, e igualmente a uma técnica prévia de produção que faz parte do conceito, e que é no fundo uma receita. Assim, o corta-papel é ao mesmo tempo um objeto que se produz de uma certa maneira e que, por outro lado, tem uma utilidade definida, e não é possível imaginar um homem que produzisse um corta-papel sem saber para que há de servir tal objeto. Diremos, pois, que, para o corta-papel, a essência — quer dizer, o conjunto de receitas e de características que permitem produzi-lo e defini-lo — precede a existência: e assim a presença, frente a mim, de tal corta-papel ou de tal livro está bem determinada. [...] 2. [...] Que significará aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber. O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que se chama a subjetividade, e o que nos censuram sob este mesmo nome. Mas que queremos dizer nós com isso, senão que o homem tem uma dignidade maior do que uma pedra ou uma mesa? Porque o que nós queremos dizer é o que o homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente, em vez de ser um creme, qualquer coisa podre ou uma couve-flor; nada existe anteriormente a este projeto; nada há no céu inteligível, o homem será antes de mais o que tiver projetado ser. Não o que ele quiser ser. Porque o que entendemos vulgarmente por querer é uma decisão consciente, e que, para a maior parte de nós, é posterior àquilo que ele próprio se fez. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me; tudo isso não é mais do que manifestação duma escolha mais original, mais espontânea do que o que se chama vontade. Mas se verdadeiramente a existência precede a 11 essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas que é responsável por todos os homens. Há dois sentidos para a palavra subjetivismo, e é com isso que jogam os nossos adversários. Subjetivismo quer dizer, por um lado, escolha do sujeito individual por si próprio; e por outro, impossibilidade para o homem de superar a subjetividade humana. É o segundo sentido que é o sentido profundo do existencialismo. Quando dizemos que o homem se escolhe a si, queremos dizer que cada um de nós escolhe a si próprio; mas com isso queremos também dizer que, ao escolher-se a si próprio, ele escolhe todos os homens. Com efeito, não há dos nossos atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Escolher isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos [...]. Se a existência, por outro lado, precede a essência e se quisermos existir, ao mesmo tempo que construímos a nossa imagem, esta imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Assim, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a humanidade. Se sou operário e se prefiro aderir a um sindicado cristão a ser comunista, se por esta adesão quero eu indicar que a resignação é no fundo a solução que convém ao homem, que o reino do homem não é na terra, não abranjo somente o meu caso: pretendo ser o representante de todos, e por conseguinte a minha decisão ligou a si a humanidade inteira. E se quero, fato mais individual, casar-me, ter filhos, ainda que este casamento dependa unicamente da minha situação, ou da minha paixão, ou do meu desejo, tal ato implica-me não somente a mim, mas a toda a humanidade na escolha desse caminho: a monogamia. Assim sou responsável por mim e por todos, e crio uma certa imagem do homem por mim escolhida; escolhendo-me, escolho o homem. [...] 3. [...] O existencialista, pelo contrário, pensa que é muito incomodativo que Deus não exista, porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num céu inteligível; não pode existir já o bem a priori, visto não haver já uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está escrito em parte alguma que o bem existe, que é preciso ser honesto, que não devemos mentir, já que precisamente estamos agora num plano em que há somente homens. Dostoiévski escreveu: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. [...] O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem. Disse Ponge num belo artigo: “O homem é o futuro do homem”. É perfeitamente exato. Somente, se se entende por isso que tal futuro está inscrito no céu, que Deus o vê, nesse caso é um erro, até porque nem isso seria um futuro. Mas se se entender por isso que, seja qual for o homem, tem um futuro virgem que o espera, então essa frase está certa. Mas, em tal caso, o homem está desamparado. Para vos dar um exemplo que permita compreender melhor o desamparo, vou citar-vos um caso dum dos meus alunos que veio procurar-me nas seguintes circunstâncias: o pai estava de mal com a mãe, e tinha além disso tendências para colaboracionista; o irmão mais velho fora morto na ofensiva alemã de 1940, e este jovem com sentimentos um pouco primitivos, mas generosos, desejava vingá-lo. A mãe vivia sozinha com ele, muito amargurada com a semitraição do marido e com a morte do filho mais velho, e só nele achava conforto. Este jovem tinha de escolher, nesse momento, entre o partir para a 12 Inglaterra e o alistar-se nas Forças Francesas Livres — quer dizer, abandonar a mãe — e o ficar junto dela ajudando-a a viver. Compreendia perfeitamente que esta mulher não vivia senão por ele e que o seu desaparecimento — e talvez a sua morte — a mergulharia no desespero. Tinha bem a consciência de que no fundo, concretamente, cada ato que praticasse em favor da mãe era justificável na medida em que a ajudava a viver; ao passo que cada ato que praticasse com o objetivo de partir e combater seria um ato ambíguo que poderia perder-se nas areias, não servir para nada: por exemplo, partindo para a Inglaterra, podia ficar indefinidamente num campo espanhol ao passar pela Espanha; podia chegar à Inglaterra ou a Argel e ser metido numa secretaria a preencher papéis. Por conseguinte, encontrava-se em face de dois tipos de ação muito diferentes: uma, concreta, imediata, mas que não dizia respeito senão a um indivíduo; outra, que dizia respeito a um conjunto infinitamente mais vasto, uma coletividade nacional, mas que era por isso mesmo ambígua, e que podia ser interrompida a meio do caminho. Ao mesmo tempo, hesitava entre dois tipos de moral. Por um lado, uma moral de simpatia, de dedicação individual; por outro lado, uma moral mais larga, mas duma eficácia mais discutível. Havia que escolher entre as duas. Quem poderia ajudá-lo a escolher? A doutrina cristã diz: sede caridosos, amai o vosso próximo, sacrificai-vos pelos outros, escolhei o caminho mais duro, etc., etc. ... mas qual o caminho mais duro? Quem devemos amar como nosso irmão: o combatente ou a mãe? Qual a maior utilidade: essa, duvidosa, de combater num conjunto, ou essa outra, precisa, de ajudar um ser preciso a viver? Quem pode decidir a priori? Ninguém. Nenhuma moral estabelecida pode dizê-lo. A moral kantiana afirma: não trates nunca os outros como um meio mais como um fim. Muito bem; se eu fico junto da minha mãe, trato-a como fim e não como meio, mas assim mesmo corro o risco de tratar como meio os que combatem à minha volta; e, reciprocamente, se vou juntar-me aos que combatem, tratá-los-ei como um fim, e paralelamente corro o risco de tratar a minha mãe como um meio. 4. Se os valores são vagos, e sempre demasiado vastos para o caso preciso e concreto que consideramos, só nos resta guiarmo-nos pelo instinto. Foi o que aquele jovem tentou fazer; e quando o vi, dizia ele: no fundo, o que conta é o sentimento; eu deveria escolher o que verdadeiramente me impele numa certa direção. Se sinto que amo o bastante a minha mãe para lhe sacrificar tudo o mais — o meu desejo de vingança, o meu desejo de ação, o meu desejo de aventuras —, fico junto dela. Se, pelo contrário, sinto que o meu amor por minha mãe não é o bastante, então parto. Mas como determinar o valor dum sentimento? Que é que constituía o valor do seu sentimento para com a mãe? Precisamente o fato de ter ficado por causa dela. Posso dizer: gosto bastante de tal amigo para lhe sacrificar tal soma de dinheiro; mas só o posso dizer depois de o ter feito. Posso, pois, dizer: gosto o bastante de minha mãe para ficar junto dela — se eu tiver ficado junto dela. Não posso determinar o valor desse afeto a não ser que, precisamente, eu pratique um ato que o confirme e o defina. Ora, como eu pretendo que esta afeição justifique o meu ato, encontro-me metido num círculo vicioso. 5. Além de que Gide disse, e muito bem, que um sentimento que se finge ou um sentimento que se vive são duas coisas quase indiscerníveis: decidir que gosto da minha mãe ficando ao pé dela ou representar uma comédia que me leve a ficar por causa de minha mãe é a mesma coisa. Por outras palavras, o sentimento constitui-se pelos atos que se praticam; não posso, pois, consultá-lo para me guiar por ele. O que quer dizer que não posso nem procurar em mim o estado autêntico que me obrigará a agir nem pedir a uma moral os conceitos que me autorizem a agir. [...] SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 5-7, p. 9-11. 13 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UFU / Abril 2006 / Adaptado] [...] não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não termos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez que lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução e notas de Vergílio Ferreira. São Paulo: Nova Cultural, 1978, p. 9. Tomando o texto acima como referência, assinale a alternativa correta. correta a) b) c) d) Sartre afirma que o homem está condenado a ser livre e que, por esta razão, deve ser responsável por tudo o que acontece ao seu redor. Sartre considera que o homem não é responsável por seus atos, “porque não se criou a si mesmo”, sendo, por esta razão, totalmente livre. Ao dizer que “[...] não encontramos, já prontos, valores ou ordens que possam legitimar a nossa conduta”, Sartre defende que o existencialismo não admite qualquer valor, nem a liberdade. O existencialismo de Sartre defende a tese da absoluta responsabilidade do homem em relação aos atos que pratica, porque sua moral parte do princípio de uma liberdade coerente e comprometida com o bem comum. 2. [UFU / Setembro 2002] Liberdade, para Jean-Paul Sartre (1905-1980), seria assim definida: a) o estar sob o jugo do todo para agir em conformidade consigo mesmo, instaurando leis e normas necessárias para os indivíduos. b) circunstâncias que nos determinam e nos impedem de fazer escolhas de outro modo. c) conformação às situações que encontramos no mundo e que nos determinam. d) escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. “Estamos condenados à liberdade”, segundo o autor. 3. [UFU / Julho 2000] Sartre fundou um existencialismo ateu. Para este filósofo, não há um Deus que cria o homem e ordena-lhe a vida segundo um fim prévio. Sobre o existencialismo de Sartre as afirmativas abaixo são corretas, exceto a) a liberdade do homem só poderá efetivar-se plenamente no âmbito da sociedade burguesa que defende a livre iniciativa e o papel mínimo do Estado. b) o homem é o único ser que é ser-para-si, isto quer dizer que ele é o seu próprio projeto. c) a má fé resulta da fuga da experiência da angústia de ter sempre que escolher. d) os valores que estruturam a existência humana não são obrigações metafísicas individuais e nem imposições da tradição; cabe apenas ao homem criá-las. Gabarito 1. d 2. d 3. a 14 3 – A ÉTICA DA VIRTUDE EM ARISTÓTELES Cabeça de ARISTÓTELES (384-322 a.C.). Cópia do séc. I ou II d.C. Museu do Louvre, Paris. TEXTO 5 NICÔMACO,, LIVRO I ÉTICA A NICÔMACO 2 1. Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outras (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem. 2. Mas não terá o seu conhecimento, porventura, grande influência sobre a nossa vida? Semelhantes a arqueiros que têm um alvo certo para a sua pontaria, não alcançaremos mais facilmente aquilo que nos cumpre alcançar? Se assim é, esforcemo-nos por determinar, ainda que em linhas gerais apenas, o que seja ele e de qual das ciências ou faculdades constitui o objeto. Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra. Ora, a política mostra ser dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdade tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela. Ora, como a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras, de modo que essa finalidade será o bem humano. Com efeito, ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o indivíduo como para o Estado, o deste último parece ser algo maior e mais completo, quer a atingir, quer a preservar. Embora valha a pena atingir esse fim para um indivíduo só, é mais belo e mais divino alcançá-lo para uma nação ou para as cidades-Estado. Tais 15 são, por conseguinte, os fins visados pela nossa investigação, pois que isso pertence à ciência política numa das acepções do termo. 3 1. Nossa discussão será adequada se tiver tanta clareza quanto comporta o assunto, pois não se deve exigir a precisão em todos os raciocínios de maneira igual, assim como não se deve buscá-la nos produtos de todas as artes mecânicas. Ora, as ações belas e justas, que a ciência política investiga, admitem grande variedade e flutuações de opinião, de forma que se pode considerá-las como existindo por convenção apenas, e não por natureza. E em torno dos bens há uma flutuação semelhante, pelo fato de serem prejudiciais a muitos: houve, por exemplo, quem perecesse devido à sua riqueza, e outros por causa da sua coragem. 2. Ao tratar, pois, de tais assuntos, e partindo de tais premissas, devemos contentar-nos em indicar a verdade aproximadamente e em linhas gerais; e ao falar de coisas que são verdadeiras apenas em sua maior parte e com base em premissas da mesma espécie, só podemos tirar conclusões da mesma natureza. E é dentro do mesmo espírito que cada proposição deverá ser recebida, pois é próprio do homem culto buscar a precisão, em cada gênero de coisas, apenas na medida em que a admite a natureza do assunto. Evidentemente, não seria menos insensato aceitar um raciocínio provável da parte de um matemático do que exigir provas científicas de um retórico. [...] 3. Sirvam, pois, de prefácio estas observações [...]. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 49-50. TEXTO 6 NICÔMACO,, LIVRO II ÉTICA A NICÔMACO 1 1. Sendo, pois, de duais espécies a virtude, intelectual e moral, a primeira, por via de regra, gera-se e cresce graças ao ensino — por isso requer experiência e tempo; enquanto a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome (éthiké) por uma pequena modificação da palavra éthos (hábito). Por tudo isso, evidencia-se também que nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima, ainda que tentemos adestrá-la jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportar-se de outra. 2. Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornamos perfeitos pelo hábito. 3. Por outro lado, de todas as coisas que nos vêm por natureza, primeiro adquirimos a potência e mais tarde exteriorizamos os atos. Isso é evidente no caso dos sentidos, pois não foi por ver ou ouvir frequentemente que adquirimos a visão e a audição, mas, pelo contrário, nós as possuíamos antes de usá-las, e não entramos na posse delas pelo uso. Com as virtudes dá-se exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício, como também sucede com as artes. Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, e assim com a temperança, a bravura, etc. 4. Isto é confirmado pelo que acontece nos Estados: os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que lhes incutem. Esse é o propósito de todo legislador, e quem não logra tal desiderato falha no desempenho da sua missão. Nisso, precisamente, reside a diferença entre as boas e as más constituições. 16 5. Ainda mais: é das mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói toda virtude, assim como toda arte: de tocar a lira surgem os bons e os maus músicos. Isso também vale para os arquitetos e todos os demais; construindo bem, tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus. Se não fosse assim não haveria necessidade de mestres, e todos os homens teriam nascido bons ou maus em seu ofício. 6. Isso, pois, é o que também ocorre com as virtudes: pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos; pelo que fazemos em presença do perigo e pelo hábito do medo ou da ousadia, nos tornamos valentes ou covardes. O mesmo se pode dizer dos apetites e da emoção da ira: uns se tornam temperantes e calmos, outros intemperantes e irascíveis, portando-se de um modo ou de outro em igualdade de circunstâncias. 5 1. Devemos considerar agora o que é a virtude. Visto que na alma se encontram três espécies de coisas — paixões, faculdades e disposições de caráter —, a virtude deve pertencer a uma destas. 2. Por paixões entendo os apetites, a cólera, o medo, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão, e em geral os sentimentos que são acompanhados de prazer ou dor; por faculdades, as coisas em virtude das quais se diz que somos capazes de sentir tudo isso, ou seja, de nos irarmos, de magoar-nos ou compadecer-nos; por disposições de caráter, as coisas em virtude das quais nossa posição com referência às paixões é boa ou má. Por exemplo, com referência à cólera, nossa posição é má se a sentimos de modo violento ou demasiado fraco, e boa se a sentimos moderadamente; e da mesma forma no que se relaciona com as outras paixões. 3. Ora, nem as virtudes nem os vícios são paixões, porque ninguém nos chama bons ou maus devido às nossas paixões, e sim devido às nossas virtudes ou vícios; e porque não somos louvados nem censurados por causa de nossas paixões (o homem que sente medo ou cólera não é louvado, nem é censurado o que simplesmente se encoleriza, mas sim o que se encoleriza de certo modo); mas pelas nossas virtudes e vícios somos efetivamente louvados e censurados. 4. Por outro lado, sentimos cólera e medo sem nenhuma escolha de nossa parte, mas as virtudes são modalidades de escolha, ou envolvem escolha. Além disso, com respeito às paixões se diz que somos movidos, mas com respeito às virtudes e aos vícios não se diz que somos movidos, e sim que temos tal ou tal disposição. 5. Por estas mesmas razões, também não são faculdades, porquanto ninguém nos chama bons ou maus, nem nos louva ou censura pela simples capacidade de sentir as paixões. Acresce que possuímos as faculdades por natureza, mas não nos tornamos bons ou maus por natureza. [...] 6. Por conseguinte, se as virtudes não são paixões nem faculdades, só resta uma alternativa: a de que sejam disposições de caráter. 7. Mostramos, assim, o que é a virtude com respeito ao seu gênero. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 67-68 TEXTO 7 NICÔMACO,, LIVRO II ÉTICA A NICÔMACO 6 1. Não basta, contudo, definir a virtude como uma disposição de caráter; cumpre dizer que espécie de disposição é ela. 2. Observemos, pois, que toda virtude ou excelência não só coloca em boa condição a coisa de que é a excelência como também faz com que a função dessa coisa seja bem desempenhada. Por exemplo, a excelência do olho torna bons tanto o olho como a sua função, pois é graças à excelência do olho que vemos bem. Analogamente, a excelência de um cavalo tanto o torna bom em si mesmo 17 como bom na corrida, em carregar o seu cavaleiro e em aguardar de pé firme o ataque do inimigo. Portanto, se isto vale para todos os casos, a virtude do homem também será a disposição de caráter que o torna bom e que o faz desempenhar bem a sua função. 3. Como isso vem a suceder, já o explicamos atrás, mas a seguinte consideração da natureza específica da virtude lançará nova luz sobre o assunto. Em tudo que é contínuo e divisível pode-se tomar mais, menos ou uma quantidade igual, e isso quer em termos da própria coisa, quer relativamente a nós; e o igual é um meio-termo entre o excesso e a falta. Por meio-termo no objeto entendo aquilo que é equidistante de ambos os extremos, e que é um só e o mesmo para todos os homens; e por meio-termo relativamente a nós, o que não é nem demasiado nem demasiadamente pouco — e este não é um só e o mesmo para todos. Por exemplo, se dez é demais e dois é pouco, seis é o meio-termo, considerado em função do objeto, porque excede e é excedido por uma quantidade igual; esse número é intermediário de acordo com uma proporção aritmética. Mas o meio-termo relativamente a nós não deve ser considerado assim: se dez libras é demais para uma determinada pessoa comer e duas libras é demasiadamente pouco, não se segue daí que o treinador prescreverá seis libras; porque isso também é, talvez, demasiado para a pessoa que deve comê-lo, ou demasiadamente pouco — demasiadamente pouco para Milo e demasiado para o atleta principiante. O mesmo se aplica à corrida e à luta. Assim, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando o meio-termo e escolhendo-o — o meio-termo não no objeto, mas relativamente a nós. 4. Se é assim, pois, que cada arte realiza bem o seu trabalho — tendo diante dos olhos o meio-termo e julgando suas obras por esse padrão; e por isso dizemos muitas vezes que às boas obras de arte não é possível tirar nem acrescentar nada, subentendendo que o excesso e a falta destroem a excelência dessas obras, enquanto o meio-termo a preserva; e para este, como dissemos, se voltam os artistas no seu trabalho —, e, se, ademais disso, a virtude é mais exata e melhor que qualquer arte, como também o é a natureza, segue-se que a virtude deve ter o atributo de visar ao meio-termo. Refiro-me à virtude moral, pois é ela que diz respeito às paixões e ações, nas quais existe excesso, carência e um meio-termo. 5. Por exemplo, tanto o medo como a confiança, o apetite, a ira, a compaixão, e em geral o prazer e a dor, podem ser sentidos em excesso ou em grau insuficiente; e, num caso como no outro, isso é um mal. Mas senti-los na ocasião apropriada, com referência aos objetos apropriados, para com as pessoas apropriadas, pelo motivo e da maneira conveniente, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude. 6. Analogamente, no que tange às ações também existe excesso, carência e um meio-termo. Ora, a virtude diz respeito às paixões e ações, em que o excesso é uma forma de erro, assim como a carência, ao passo que o meio-termo é uma forma de acerto digna de louvor; e acertar e ser louvada são características da virtude. Em conclusão, a virtude é uma espécie de mediania, já que, como vimos, ela põe a sua mira no meio-termo. 7. Por outro lado, é possível errar de muitos modos (pois o mal pertence à classe do ilimitado e o bem à do limitado, como supuseram os pitagóricos), mas só há um modo de acertar. Por isso, o primeiro é fácil e o segundo difícil — fácil errar a mira, difícil atingir o alvo. Pelas mesmas razões, o excesso e a falta são característicos do vício, e a mediania da virtude: Pois os homens são bons de um modo só, e maus de muitos modos. 8. A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania [...]. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 71-73. 18 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UEL / 2010] No livro II da Ética a Nicômaco, Aristóteles diz que há duas espécies de virtudes – dianoética e ética. A virtude dianoética requer o ensino, o que exige experiência e tempo. Já a virtude ética é adquirida pelo hábito e não é algo que surge por natureza. Isso não quer dizer que as virtudes são geradas em nós contrariando a natureza. Para Aristóteles, somos naturalmente aptos a receber as virtudes e nos aperfeiçoamos pelo hábito. Com base no enunciado e nos conhecimentos sobre a ética aristotélica, considere as afirmativas a seguir: I. II. III. IV. A virtude dianoética e a virtude ética são adquiridas, respectivamente, pela experiência, tempo e hábito. A virtude dianoética e a virtude ética, por serem inatas, são facilmente aprendidas desde a infância. Os seres humanos são naturalmente aptos a receber as virtudes éticas, embora não sejam virtuosos por natureza. O hábito, de forma necessária, nos torna melhores eticamente, contudo as virtudes independem da ação para o desenvolvimento moral do indivíduo. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e III são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 2. [UEL / 2003] A virtude é pois uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consiste numa mediania [...]. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 33. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a virtude em Aristóteles, assinale a alternativa correta. a) A virtude é o governo das paixões para cumprir uma tarefa ou uma função. b) A virtude realiza-se no mundo das idéias. c) A virtude é a obediência aos preceitos divinos. d) A virtude é a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta. e) A virtude tem como fundamento a utilidade da ação. 3. [UFU / Julho 2005] A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, II, 6. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1979, p. 73. Considerando o trecho acima e a concepção aristotélica de virtude, assinale a alternativa correta. a) b) c) d) A virtude consiste na rejeição de todo prazer, resultado do uso da razão do homem sábio e corajoso que, contendo suas paixões, escolhe viver de modo ascético e agir sempre com piedade e compaixão, dispondo-se a sacrificar a qualquer momento a própria vida pelo próximo, pois, pleno de audácia e entusiasmo, não teme de forma alguma a morte. A virtude é a firme e irrefletida determinação para superar uma condição viciosa, como a coragem que, por ser opor totalmente à covardia, define-se como temeridade ou audácia. A virtude consiste numa capacidade equilibrada e racional de agir, como, por exemplo, a verificada na coragem, medianeira entre o excesso de audácia que caracteriza a temeridade e a falta de audácia ou excesso de medo do covarde. A virtude é a capacidade ou força do político corajoso que usa racionalmente os seus recursos para conservar o seu poder. Gabarito 2. d 1. b 3. c 19 SEGUNDA PARTE Filosofia Política 20 1 – ARISTÓTELES RISTÓTELES E A CONCEPÇÃO GREGA DE POLÍTICA Cabeça de ARISTÓTELES (384-322 a.C.). Cópia do séc. I ou II d.C. Museu do Louvre, Paris. TEXTO 8 A POLÍTICA INTRODUÇÃO – O homem, “animal cívico” 1. A sociedade que se formou da reunião de várias aldeias constitui a Cidade, que tem a faculdade de se bastar a si mesma, sendo organizada não apenas para conservar a existência, mas também para buscar o bem-estar. Esta sociedade, portanto, também está nos desígnios da natureza, como todas as outras que são seus elementos. Ora, a natureza de cada coisa é precisamente seu fim. Assim, quando um ser é perfeito, de qualquer espécie que ele seja — homem, cavalo, família —, dizemos que ele está na natureza. Além disso, a coisa que, pela mesma razão, ultrapassa as outras e se aproxima mais do objetivo proposto deve ser considerada a melhor. Bastar-se a si mesmo é uma meta a que tende toda a produção da natureza e é também o mais perfeito estado. É, portanto, evidente que toda Cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política. Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um indivíduo detestável, muito acima ou muito abaixo do homem, segundo Homero: Um ser sem lar, sem família e sem leis. 2. Aquele que fosse assim por natureza só respiraria a guerra, não sendo detido por nenhum freio e, como uma ave de rapina, estaria sempre pronto para cair sobre os outros. 3. Assim, o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu apenas a ele o dom da palavra, que não devemos confundir com os sons da voz. Estes são apenas a expressão de sensações agradáveis ou desagradáveis, de que os outros animais são, como nós, capazes. A natureza deu-lhes um órgão 21 limitado a este único defeito; nós, porém, temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação dos quais nos foi principalmente dado o órgão da fala. Este comércio da palavra é o laço de toda sociedade doméstica e civil. 4. O Estado, ou sociedade política, é até mesmo o primeiro objeto a que se propôs a natureza. O todo existe necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da Cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da Cidade: nenhum pode bastar-se a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade. 5. O primeiro que a instituiu trouxe-lhe o maior dos bens. Mas, assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos. Não há nada, sobretudo, de mais intolerável do que a injustiça armada. Por si mesmas, as armas e a força são indiferentes ao bem e ao mal: é o princípio motor que qualifica seu uso. Servir-se delas sem nenhum direito e unicamente para saciar suas paixões rapaces ou lúbricas é atrocidade e perfídia. Seu uso só é lícito para a justiça. O discernimento e o respeito ao direito formam a base da vida social e os juízes são seus primeiros órgãos. LIVRO III Capítulo IX – Das Diversas Formas Formas de Governo 1. O governo é o exercício do poder supremo do Estado. Este poder só poderia estar ou nas mãos de um só, ou da minoria, ou da maioria das pessoas. Quando o monarca, a minoria ou a maioria não buscam, uns ou outros, senão a felicidade geral, o governo é necessariamente justo. Mas, se ele visa ao interesse particular do príncipe ou dos outros chefes, há um desvio. O interesse deve ser comum a todos ou, se não o for, não são mais cidadãos. 2. Chamamos monarquia o Estado em que o governo que visa a este interesse comum pertence a um só; aristocracia, aquele em que ele é confiado a mais de um, denominação tomada ou do fato de que as poucas pessoas a que o governo é confiado são escolhidas entre as mais honestas, ou de que elas só têm em vista o maior bem do Estado e de seus membros; república, aquele em que a multidão governa para a utilidade pública; este nome também é comum a todos os Estados. ................................................................................................................................................................... 3. Estas três formas podem degenerar: a monarquia em tirania; a aristocracia, em oligarquia; a república em democracia. A tirania não é, de fato, senão a monarquia voltada para a utilidade do monarca; a oligarquia, para a utilidade dos ricos; a democracia, para a utilidade dos pobres. Nenhuma das três se ocupa do interesse público. Podemos dizer ainda, de um modo um pouco diferente, que a tirania é o governo despótico exercido por um homem sobre o Estado, que a oligarquia representa o governo dos ricos e a democracia o dos pobres ou das pessoas pouco favorecidas. ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 4-6, p. 105-106. 22 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UEL / 2004] Observe a charge e leia o texto a seguir. Fonte: LAERTE. Classificados. São Paulo: Devir, 2001. p. 25. É evidente, pois, que a cidade faz parte das coisas da natureza ,que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade, e que aquele que, por instinto, e não porque qualquer circunstância o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem [...]. ARISTÓTELES. A política. Tradução. de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 13. Com base no texto de Aristóteles e na charge, é correto afirmar: a) O texto de Aristóteles confirma a idéia exposta pela charge de que a condição humana de ser político é artificial e um obstáculo à liberdade individual. b) A charge apresenta uma interpretação correta do texto de Aristóteles segundo a qual a política é uma atividade nociva à coletividade devendo seus representantes serem afastados do convívio social. c) A charge aborda o ponto de vista aristotélico de que a dimensão política do homem independe da convivência com seus semelhantes, uma vez que o homem basta-se a si próprio. d) A charge, fazendo alusão à afirmação aristotélica de que o homem é um animal político por natureza, sugere uma crítica a um tipo de político que ignora a coletividade privilegiando interesses particulares e que,por isso, deve ser evitado. e) Tanto a charge quanto o texto de Aristóteles apresentam a idéia de que a vida em sociedade degenera o homem, tornando-o um animal. 2. [UEL / 2004] Leia o texto abaixo: Uma vez que constituição significa o mesmo que governo, e o governo é o poder supremo em uma cidade, e o mando pode estar nas mãos de uma única pessoa, ou de poucas pessoas, ou da maioria, nos casos em que esta única pessoa, ou as poucas pessoas, ou a maioria, governam tendo em vista o bem comum, estas constituições devem ser forçosamente as corretas; ao contrário, constituem desvios os casos em que o governo é exercido com vistas ao próprio interesse da única pessoa, ou das poucas pessoas, ou da maioria, pois ou se deve dizer que os cidadãos não participam do governo da cidade, ou é necessário que eles realmente participem. ARISTÓTELES. Política. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora UNB, 1997, p. 91. Com base no texto e nos conhecimentos sobre as formas de governo em Aristóteles, analise as afirmativas a seguir. I. A democracia é uma forma de governo reta, ou seja, um governo que prioriza o exercício do poder em benefício do interesse comum. II. A democracia faz parte das formas degeneradas de governo, entre as quais destacam-se a tirania e a oligarquia. III. A democracia é uma forma de governo que desconsidera o bem de todos; antes, porém, visa a favorecer indevidamente os interesses dos mais pobres, reduzindo-se, desse modo, a uma acepção demagógica. IV. A democracia é a forma de governo mais conveniente para as cidades gregas, justamente porque realiza o bem do Estado, que é o bem comum. 23 Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) I e IV. c) II e III. d) I, II e III. e) II, III e IV. Gabarito 1. d 2. c 24 2 – MAQUIAVEL E A SEPARAÇÃO ENTRE MORAL E POLÍTICA Retrato de NICOLAU MAQUIAVEL (1469-1527). Pintura de Santi di Tilto. Palazzo Vecchio, Florença. O PRÍNCIPE TEXTO 9 CAPÍTULO XV Das razões por que os homens e, especialmente, os príncipes são louvados ou vituperados 1. Resta examinar agora como deve um príncipe comportar-se com os seus súditos e seus amigos. Como sei que muita gente já escreveu a respeito desta matéria, duvido que não seja considerado presunçoso propondo-me examiná-la também, tanto mais quanto, ao tratar deste assunto, não me afastarei grandemente dos princípios estabelecidos pelos outros. Todavia, como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se pode imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e principados que nunca se viram nem jamais foram reconhecidos como verdadeiros. Vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se deveria viver, que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus. 2. Assim, é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade. 3. Deixando de parte, pois, as coisas ignoradas relativamente aos príncipes e falando a respeito das que são reais, digo que todos os homens, máxime os príncipes, por estarem mais no alto, se fazem notar através das qualidades que lhe acarretam reprovação ou louvor. Isto é, alguns são tidos como liberais, outros como miseráveis (usando o termo toscano misero, porque avaro, em nossa língua, é ainda aquele que deseja possuir pela rapinagem, e miseri chamamos aos que se abstêm muito de usar o que possuem); alguns são tidos como pródigos, outros como rapaces; alguns são cruéis e outros piedosos; perjuros ou leiais; efeminados e pusilânimes ou truculentos e animosos; humanitários ou soberbos; lascivos ou castos; estúpidos ou astutos; enérgicos ou indecisos; graves ou levianos; religiosos ou incrédulos, e assim por diante. E eu sei que cada qual reconhecerá que seria muito de louvar que um príncipe possuísse, entre todas as qualidades 25 referidas, as que são tidas como boas; mas a condição humana é tal, que não consente a posse completa de todas elas, nem ao menos a sua prática consistente; é necessário que o príncipe seja tão prudente que saiba evitar os defeitos que lhe arrebatariam o governo e praticar as qualidades próprias para lhe assegurar a posse deste, se lhe é possível; mas, não podendo, com menor preocupação, pode-se deixar que as coisas sigam seu curso natural. E ainda não lhe importe incorrer na fama de ter certos defeitos, defeitos estes sem os quais dificilmente poderia salvar o governo, pois que, se se considerar bem tudo, encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se fossem praticadas, lhe acarretariam a ruína, e outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas, trazem a segurança e o bem-estar do governante. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Lívio Xavier. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 63-64. TEXTO 10 CAPÍTULO XVIII De que forma os príncipes devem guardar a fé 1. Quanto seja louvável a um príncipe manter a fé e viver com integridade, não com astúcia, todos o compreendem; contudo, observa-se, pela experiência, em nossos tempos, que houve príncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada, e souberam, pela astúcia, transtornar a cabeça dos homens, superando, enfim, os que foram leais. 2. Deveis saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. Como, porém, muitas vezes a primeira não seja suficiente, é preciso recorrer à segunda. Ao príncipe torna-se necessário, porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem. Isto foi ensinado à socapa aos príncipes, pelos antigos escritores, que relatam o que aconteceu com Aquiles e outros príncipes antigos, entregues aos cuidados do centauro Quiron, que os educou. É isso que (ter um preceptor metade animal e metade homem) significa que o príncipe sabe empregar uma e outra natureza. E uma sem a outra é a origem da instabilidade. Sendo, portanto, um príncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta, deve dela tirar as qualidades da raposa e do leão, pois este não tem defesa alguma contra os laços, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Os que se fizerem unicamente de leões não serão bem sucedidos. Por isso, um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir. Se os homens todos fossem bons, este preceito seria mau. Mas, dado que são pérfidos e que não a observariam a teu respeito, também não és obrigado a cumpri-la para com eles. Jamais faltaram aos príncipes razões para dissimular a quebra da fé jurada. Disto poder-se-iam dar inúmeros exemplos modernos, mostrando quantas convenções e quantas promessas se tornam írritas e vãs pela infidelidade dos príncipes. E, dentre estes, o que melhor soube valer-se das qualidades da raposa saiu-se melhor. Mas é necessário disfarçar muito bem esta qualidade e ser bom simulador e dissimulador. E tão simples são os homens, e obedecem tanto às necessidades presentes, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar. Não quero deixar de falar pelo menos de um dos exemplos novos. Alexandre VI não pensou e não fez outra coisa senão enganar os homens, tendo sempre encontrado ocasião para assim proceder. Jamais existiu homem que possuísse maior segurança em asseverar, e que afirmasse com juramentos mais solenes o que, depois, não observaria. No entanto, os enganos sempre lhe correram à medida dos seus desejos, pois ele conhecia muito bem este lado da natureza humana.1 3. Contudo, o príncipe não precisa possuir todas as qualidades acima citadas, bastando que aparente possuí-las. Antes, teria eu a audácia de afirmar que, possuindo-as e usando-as todas, essas qualidades seriam prejudiciais, ao passo que, aparentando possuí-las, são benéficas; por exemplo: de um lado, parecer ser efetivamente piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e de outro, ter o ânimo de, sendo obrigado pelas circunstâncias a não o ser, tornar-se o contrário. E há de se entender o 1 Dizia-se de Alexandre VI que ele nunca fazia o que dizia, ao passo que César Bórgia nunca dizia o que ia fazer. 26 seguinte: que um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados bons, sendo frequentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade e a religião. É necessário, por isso, que possua ânimo disposto a voltar-se para a direção a que os ventos e as variações da sorte o impelirem, e, como disse mais acima, não partir do bem, mas, podendo, saber entrar para o mal, se a isso estiver obrigado. O príncipe deve, no entanto, ter cuidado em não deixar escapar da boca expressões que não revelem as cinco qualidades acima mencionadas, devendo aparentar, à vista e ao ouvido, ser todo piedade, fé, integridade, humanidade, religião. Não há qualidade de que mais se careça do que esta última. É que os homens, em geral, julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, pois todos podem ver, mas poucos são os que sabem sentir. Todos veem o que tu pareces, mas poucos o que és realmente, e estes poucos não têm a audácia de contrariar a opinião dos que têm por si a majestade do Estado. Nas ações de todos os homens, máxime dos príncipes, onde não há tribunal para que recorrer, o que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois, um príncipe, vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é levado pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados, e o mundo é constituído pelo vulgo, e não haverá lugar para a minoria se a maioria não tem onde se apoiar. Um príncipe de nossos tempos, cujo nome não convém declarar, prega incessantemente a paz e a fé, sendo, no entanto, inimigo acérrimo de uma e de outra.1 E qualquer delas, se ele efetivamente a observasse, ter-lhe-ia arrebatado, mais de uma vez, a reputação ou o Estado. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Lívio Xavier. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 73-75. 1 Alusão a Fernando, o Católico. 27 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UEL /2010] Leia o texto de Maquiavel a seguir: [Todo príncipe prudente deve] não só remediar o presente, mas prever os casos futuros e preveni-los com toda a perícia, de forma que se lhes possa facilmente levar corretivo, e não deixar que se aproximem os acontecimentos, pois deste modo o remédio não chega a tempo, tendo-se tornado incurável a moléstia. [...] Assim se dá com o Estado: conhecendo-se os males com antecedência o que não é dado senão aos homens prudentes, rapidamente são curados [...]. MAQUIAVEL, N. O príncipe / Escritos políticos. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.12. Nas ações de todos os homens, máxime dos príncipes, onde não há tribunal para recorrer, o que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois, um príncipe, vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é levado pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados. MAQUIAVEL, N. O príncipe / Escritos políticos. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.75. Com base nos textos e nos conhecimentos sobre o pensamento de Maquiavel acerca da polaridade entre virtú e fortuna na ação política e suas implicações na moralidade pública, considere as afirmativas a seguir: A virtú refere-se à capacidade do príncipe de agir com astúcia e força em meio à fortuna, isto é, à contingência e ao acaso nas quais a política está imersa, com a finalidade de alcançar êxito em seus objetivos. II. A fortuna manifesta o destino inexorável dos homens e o caráter imutável de todas as coisas, de modo que a virtú do príncipe consiste em agir consoante a finalidade do Estado ideal: a felicidade dos súditos. III. A virtú implica a adesão sincera do governante a um conjunto de valores morais elevados, como a piedade cristã e a humildade, para que tenha êxito na sua ação política diante da fortuna. IV. O exercício da virtú diante da fortuna constitui a lógica da ação política orientada para a conquista e a manutenção do poder e manifesta a autonomia dos fins políticos em relação à moral preestabelecida. I. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e IV são corretas. b) Somente as afirmativas II e III são corretas. c) Somente as afirmativas II e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. 2. [UEL / 2009] Leia o seguinte texto de Maquiavel. [...] como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se pode imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e principados que nunca se viram nem jamais foram reconhecidos como verdadeiros. Vai tanta diferença entre o como se vive e o modo por que se deveria viver, que quem se preocupar com o que se deveria fazer em vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se arruíne entre tantos que são maus. Assim, é necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda a poder ser maus e que se valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Cap. XV. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 69. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Maquiavel acerca da relação entre poder e moral, é corretor afirmar. a) b) c) d) e) Maquiavel se preocupa em analisar a ação política considerando tão-somente as qualidades morais do Príncipe, que determinam a ordem objetiva do Estado. O sentido da ação política, segundo Maquiavel, tem por fundamento originário e, portanto, anterior, a ordem divina, refletida na harmonia da Cidade. Para Maquiavel, a busca da ordem e da harmonia, em face do desequilíbrio e do caos, só se realiza com a conquista da justiça e do bem comum. Na reflexão política de Maquiavel, o fim que deve orientar as ações de um Príncipe é a ordem e a manutenção do poder. A análise de Maquiavel, com base nos valores espirituais superiores aos políticos, repudia como ilegítimo o emprego da força coercitiva do Estado. 28 3. [UFU / Fevereiro 2004] Antonio Gramsci, filósofo político do século passado, proferiu o seguinte comentário a respeito de Maquiavel: Maquiavel não é um mero cientista; ele é um homem de participação, de paixões poderosas, um político prático, que pretende criar novas relações de força e que por isso mesmo não pode deixar de se ocupar com o ‘deve ser’, que não deve ser entendido em sentido moralista. Assim, a questão não deve ser colocada nestes termos, é mais complexa: trata-se de considerar se o ‘dever ser’ é um ato arbitrário ou necessário, é vontade concreta, ou veleidade, desejo, sonho. O político em ação é um criador, um suscitador; mas não cria do nada, nem se move no vazio túrbido dos seus desejos e sonhos. Baseia-se na realidade factual. GRAMSCI, A. Maquiavel. A política e o Estado moderno. Tradução de Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, p. 42-43. Considerando o texto de Gramsci, marque a alternativa correta. a) Maquiavel não trata o “deve ser” na perspectiva ontológica da filosofia clássica. O juízo moral se submete às condições concretas que se apresentam para a conquista e a conservação do poder do Estado pelo príncipe moderno. b) O poder da paixão do político prático é visto por Maquiavel como o único caminho para o poder, isto significa que o príncipe deve agir guiado pelas suas veleidades e desejos que alimentam o seu sonho de poder. c) A realidade factual não deve ser vista como o conjunto das forças históricas. Elas podem ser desprezadas porque o príncipe é dotado de sabedoria suficiente para prescindir delas e agir motivado apenas pelos seus desejos. c) O príncipe é um homem de criação, que dá forma ao “dever ser” e rompe a distância que separa o sonho da realidade, porque tudo aquilo que ele quer, ele faz independente da realidade factual em que se insere a ação política. Gabarito 1. a 2. d 3. a 29 3 – HOBBES OBBES E A JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO ABSOLUTISTA Retrato de THOMAS HOBBES (1588-1679). Pintura de John Michael Wright. National Portrait Gallery, Londres. TEXTO 11 LEVIATÃ OU MATÉRIA, FORMA E PODER DE UM ESTADO ECLESIÁSTICO E CIVIL Capítulo XVII Das causas, geração geração e definição de um Estado 1. O fim último, causal final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a consequência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis da natureza [...]. 2. Porque as leis da natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais 30 nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e quando pode fazêlo em segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra os outros. Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima, e tão longe de ser considerada contrária à lei de natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. Nesse tempo os homens tinham como únicas leis as leis da honra, ou seja, evitar a crueldade, isto é, deixar aos outros suas vidas e seus instrumentos de trabalho. Tal como então faziam as pequenas famílias, assim também fazem hoje as cidades e os reinos, que não são mais do que famílias maiores, para sua própria segurança ampliando seus domínios e, sob qualquer pretexto de perigo, de medo de invasão ou assistência que pode ser prestada aos invasores, legitimamente procuram o mais possível subjugar ou enfraquecer seus vizinhos, por meio da força ostensiva e de artifícios secretos, por falta de qualquer outra segurança; e em épocas futuras por tal são recordadas com honra. ................................................................................................................................................................... 3. É certo que há algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, que vivem sociavelmente umas com as outras (e por isso são contadas por Aristóteles entre as criaturas políticas), sem outra direção senão seus juízos e apetites particulares, nem linguagem através da qual possam indicar umas às outras o que consideram adequado para o benefício comum. Assim, talvez haja alguém interessado em saber por que a humanidade não pode fazer o mesmo. Ao que tenho a responder o seguinte. 4. Primeiro, que os homens estão constantemente envolvidos numa competição pela honra e pela dignidade, o que não ocorre no caso dessas criaturas. E é devido a isso que surgem entre os homens a inveja e o ódio, e finalmente a guerra, ao passo que entre aquelas criaturas tal não acontece. 5. Segundo, que entre essas criaturas não há diferença entre o bem comum e o bem individual e, dado que por natureza tendem para o bem individual, acabam por promover o bem comum. Mas o homem só encontra felicidade na comparação com os outros homens, e só pode tirar prazer do que é eminente. 6. Terceiro, que, como essas criaturas não possuem (ao contrário do homem) o uso da razão, elas não veem nem julgam ver qualquer erro na administração de sua existência comum. Ao passo que entre os homens são em grande número os que se julgam mais sábios, e mais capacitados que os outros para o exercício do poder público. E esses esforçam-se por empreender reformas e inovações, uns de uma maneira e outros doutra, acabando assim por levar o país à desordem e à guerra civil. 7. Quarto, que essas criaturas, embora sejam capazes de um certo uso da voz, para dar a conhecer umas às outras seus desejos e outras afecções, apesar disso carecem daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens são capazes de apresentar aos outros o que é bom sob a aparência do mal, e o que é mau sob a aparência do bem; ou então aumentando ou diminuindo a importância visível do bem ou do mal, semeando o descontentamento entre os homens e perturbando a seu bel-prazer a paz em que os outros vivem. 8. Quinto, as criaturas irracionais são incapazes de distinguir entre injúria e dano, e consequentemente basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem com seus semelhantes. Ao passo que o homem é tanto mais implicativo quanto mais satisfeito se sente, pois é neste caso que tende mais para exibir sua sabedoria e para controlar as ações dos que governam o Estado. 9. Por último, o acordo vigente entre essas criaturas é natural, ao passo que o dos homens surge apenas através de um pacto, isto é, artificialmente. Portanto não é de admirar que seja necessária alguma coisa mais, além de um pacto, para tornar constante e duradouro seu acordo: ou 31 seja, um poder comum que os mantenha em respeito, e que dirija suas ações no sentido do benefício comum. 10. A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. 11. Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nissa da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 104-106. 32 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UEL / 2003] Sabemos que Hobbes é um contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e o XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização – que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de comércio social e de subordinação política. RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2000. p. 53. Com base no texto, que se refere ao contratualismo de Hobbes, considere as seguintes afirmativas: I. II. III. IV. A soberania decorrente do contrato é absoluta. A noção de estado de natureza é imprescindível para essa teoria. O contrato ocorre por meio da passagem do estado social para o estado político. O cumprimento do contrato independe da subordinação política dos indivíduos. Quais das afirmativas representam o pensamento de Hobbes? a) Apenas as afirmativas I e II. b) Apenas as afirmativas I e III. c) Apenas as afirmativas II e III. d) Apenas as afirmativas II e IV. e) Apenas as afirmativas III e IV. 2. [UEL / 2010] Leia os textos de Hobbes a seguir. [...] Os homens não podem esperar uma conservação duradoura se continuarem no estado de natureza, ou seja, de guerra, e isso devido à igualdade de poder que entre eles há, e a outras faculdades com que estão dotados. A lei da natureza primeira, e fundamental, é que devemos procurar a paz, quando possa ser encontrada [...]. Uma das leis naturais inferidas desta primeira e fundamental é a seguinte: que os homens não devem conservar o direito que têm, todos, a todas as coisas. HOBBES, T. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1992, pp. 40 - 41; 45 - 46. [...] aquele que submete sua vontade à vontade outrem transfere a este último o direito sobre sua força e suas faculdades – de tal modo que, quando todos os outros tiverem feito o mesmo, aquele a quem se submeteram terá tanto poder que, pelo terror que este suscita, poderá conformar as vontades particulares à unidade e à concórdia. [...] A união assim feita diz-se uma cidade, ou uma sociedade civil. HOBBES, T. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, p. 1992, p. 109. Para os jusnaturalistas o problema da legitimidade do poder político comporta uma questão de fato e uma questão de direito, isto é, o problema da instituição da sociedade civil e o problema do fundamento da autoridade política. Com base nos textos e nos conhecimentos sobre o pensamento jusnaturalista de Hobbes, considere as afirmativas a seguir: I. A instituição da sociedade civil fundamenta-se na sociabilidade natural do ser humano, pela qual os indivíduos hipoteticamente livres e iguais decidem submeter-se à autoridade comum de um só homem ou de uma assembléia. II. Além do pacto de associação para união de todos em um só corpo, é preciso que ao mesmo tempo se estabeleça o pacto de submissão de todos a um poder comum para a preservação da segurança e da paz civil. III. A soberania do povo encontra sua origem e seus princípios fundamentais no ato do contrato social constituído pelas vontades particulares dos indivíduos a fim de edificar uma vontade geral indivisível e inalienável. IV. O estado de guerra decorre em última instância da necessidade fundamental dos homens, naturalmente iguais entre si, por sua preservação que faz com que cada um tenha direito a tudo. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e IV são corretas. b) Somente as afirmativas II e III são corretas. c) Somente as afirmativas II e IV são corretas. 33 d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. 3. [UFU / Dezembro 2004] Hobbes escreve, no Leviatã, que a condição dos homens fora da sociedade civil nada mais é do que uma simples guerra todos contra todos, na qual todos os homens têm igual direito a todas as coisas.Com base nisso, assinale a única alternativa correta. a) A sociedade civil continua o estado de natureza. b) A sociedade civil é uma ruptura com o estado de natureza. c) O estado de guerra está presente na sociedade civil. d) A guerra de todos contra todos não pode ser eliminada da condição humana. Gabarito 1. a 2. d 3. b 34 4 – LOCKE E O ESTADO LIBERAL Retrato de JOHN LOCKE (1632-1704). Pintura de Godfrey Kneller. Museu Hermitage, São Peterburgo. TEXTO 12 SEGUNDO TRATADO SOBRE SOBRE O GOVERNO ENSAIO RELATIVO À VERDADEIRA VERDADEIRA ORIGEM, EXTENSÃO E OBJETIVO DO GOVERNO CIVIL CAPÍTULO II Do Estado de Natureza 4. Para bem compreender o poder político e derivá-lo de sua origem, devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhes as ações e regular-lhes as posses e as pessoas conforme acharem conveniente, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem. Estado também de igualdade, no qual é recíproco qualquer poder e jurisdição, ninguém tendo mais do que qualquer outro; nada havendo de mais evidente que criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, nascidas promiscuamente a todas as mesmas vantagens da natureza e ao uso das mesmas faculdades, terão também de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição; a menos que o senhor de todas elas, mediante qualquer declaração manifesta de sua vontade, colocasse uma acima da outra, conferindo-lhe, por indicação evidente e clara, direito indubitável ao domínio e à soberania. ................................................................................................................................................................... 6. Contudo, embora seja este um estado de liberdade, não o é de licenciosidade, apesar de ter o homem naquele estado liberdade incontrolável de dispor da própria pessoa e posses, não tem a de destruir-se a si mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse, senão quando uso mais nobre do que a simples conservação o exija. O estado de natureza tem uma lei de natureza para governá-lo, que a todos obriga; e a razão, que é essa lei, ensina a todos os homens que tão-só a consultem, sendo todos iguais e independentes, que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses. [...] 35 CAPÍTULO V Da Propriedade 27. Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode dizer-se, são propriamente dele. Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Retirando-o do estado comum em que a natureza o colocou, anexou-lhe por esse trabalho algo que o exclui do direito comum de outros homens. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros. CAPÍTULO VII Da Sociedade Política ou Civil 89. Sempre que, portanto, qualquer número de homens se reúne em uma sociedade de tal sorte que cada um abandone o próprio poder executivo da lei da natureza, passando-o ao público, nesse caso e somente nele haverá uma sociedade civil ou política. E tal se dá sempre que qualquer número de homens, no estado de natureza, entra em sociedade, para constituir um povo, um corpo político, sob um governo supremo, ou então quando qualquer indivíduo se junta ou se incorpora a qualquer governo já constituído; porque por esse meio autoriza a sociedade ou, o que vem a dar no mesmo, o poder legislativo dela a fazer leis para ele conforme o exigir o bem público da sociedade, para a execução das quais pode-se pedir-lhe o auxílio, como se fossem decretos dele mesmo. E por este modo os homens deixam o estado de natureza para entrarem no de comunidade, estabelecendo um juiz na Terra, com autoridade para resolver todas as controvérsias e reparar os danos que atinjam a qualquer membro da comunidade; juiz esse que é o legislativo ou os magistrados por ele nomeados. E, sempre que houver qualquer número de homens, associados embora, que não possuam tal poder decisivo para o qual apelar, estes ainda se encontrarão em estado de natureza. 90. Do que ficou dito é evidente que a monarquia absoluta, que alguns consideram o único governo do mundo, é, de fato, incompatível com o governo civil, não podendo por isso ser uma forma qualquer de governo civil, porque o objetivo da sociedade civil consiste em evitar e remediar os inconvenientes do estado de natureza que resultam necessariamente de poder cada homem ser juiz em seu próprio caso, estabelecendo-se uma autoridade conhecida para a qual todos os membros dessa sociedade podem apelar por qualquer dano que lhe causem ou controvérsia que possa surgir, e à qual todos os membros dessa sociedade terão de obedecer. Onde quer que existam pessoas que não tenham semelhante autoridade a que recorrerem para decisão de qualquer diferença entre elas, estarão tais pessoas no estado de natureza; e assim se encontra qualquer príncipe absoluto em relação aos que estão sob seu domínio. CAPÍTULO VIII Do Começo das Sociedades Políticas 95. Sendo os homens, conforme acima dissemos, por natureza, todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar consentimento. A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela. Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque não prejudica a liberdade dos demais; ficam como estavam na liberdade do estado de 36 natureza. Quando qualquer número de homens consentiu desse modo em constituir uma comunidade ou governo, ficam, de fato, a ela incorporados e formam um corpo político no qual a maioria tem o direito de agir e resolver por todos. CAPÍTULO IX Dos fins da Sociedade Política e do Governo 123. Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, e na maior parte pouco observadores da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”. 124. O objetivo grande principal, portanto, da união dos homens em comunidades, colocando-se eles sob governo, é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas condições faltam no estado de natureza: Primeiro, falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita mediante consentimento comum, como padrão do justo e injusto e medida comum para resolver quaisquer controvérsias entre os homens; porque, embora a lei da natureza seja evidente e inteligível para todas as criaturas racionais, entretanto os homens, sendo desviados pelo interesse bem como ignorantes dela porque não a estudam, não são capazes de reconhecê-la como lei que os obrigue nos seus casos particulares. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Tradução de E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 35, p. 45-46, p. 67-68, p. 77, p. 82-83. 37 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UFU / Julho 2007] Partindo do modelo de comunidade originária, John Locke descreve os pressupostos de sua teoria da propriedade. É um dever do homem se conservar e, portanto, preservar a sua vida. Esta tese pressupõe que todos os indivíduos racionais são proprietários de sua própria pessoa e, em conseqüência disso, do trabalho de suas mãos, da energia gasta no processo de apropriação e transformação dos recursos naturais. Mais exatamente, o fundamento irredutível da propriedade é a propriedade de si mesmo, de sua própria pessoa, e do trabalho que essa pessoa realiza. Em conformidade com o pensamento de Locke, assinale a alternativa correta. a) A propriedade determina o início das desigualdades morais entre os homens e o declínio da civilização. b) O pacto social institui o direito de propriedade nas sociedades que já estão politicamente constituídas. c) A propriedade é fruto do esforço humano e deve garantir a liberdade dos indivíduos. d) O detentor da soberania absoluta é responsável pela distribuição do direito à propriedade aos cidadãos de um determinado corpo político. 2. [UFU / Janeiro 2004] John Locke justificou a existência do Estado com estas palavras: O motivo que leva os homens a entrarem em sociedade é a preservação da propriedade; e o objetivo para o qual escolhem e autorizam um poder legislativo é tornar possível a existência de leis e regras estabelecidas como guarda e proteção às propriedades de todos os membros da sociedade, a fim de limitar o poder e moderar o domínio de cada parte e de cada membro da comunidade; pois não se poderá nunca supor seja vontade da sociedade que o legislativo possua o poder de destruir o que todos intentam assegurar-se, entrando em sociedade e para o que o povo se submeteu a legisladores por ele mesmo criado. LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. Tradução de E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 121. Analise as assertivas em conformidade com a citação acima. I . A propriedade privada é contratual, isto é, ela é subsequente ao nascimento do Estado, que institui o direito à propriedade, distribuindo a cada um aquilo que era propriedade comunal no estado de natureza. II . A propriedade privada surge com o aparecimento da sociedade civil, a geradora do Estado, que é a instituição suprema que tem, inclusive, a prerrogativa de suprimir a propriedade em benefício da segurança do Estado. III . A propriedade privada é parte do estado de natureza, pois o homem possui a propriedade de si mesmo e, com isso, tem o direito de tornar como sua propriedade aquilo que está vinculado com seu trabalho. IV . A propriedade privada é anterior à sociedade civil, portanto, a propriedade antecedeu ao Estado, cuja existência resultou do contrato social e teve a finalidade de preservar e proteger a propriedade privada de cada um. Assinale a alternativa que tem as assertivas corretas. a) III e IV. b) I e II. c) II e III d) II. 3. [UFU / Janeiro 1999] Para John Locke, filósofo político inglês, os direitos naturais do homen eram a) família, propriedade e religião. b) liberdade, propriedade e servidão. c) propriedade, servidão e família. d) liberdade, igualdade e propriedade. e) família, religião e pátria. Gabarito 1. c 2. a 3. d 38 5 – ROUSSEAU E A VONTADE GERAL Retrato de JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778). Pintura de Maurice Quentin de La Tour. Musée Antoine Lécuyer. TEXTO 13 DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS DA DESIGUALDADE ENTRE OS HOMENS [O estado de natureza] 1. Parece, a princípio, que os homens nesse estado de natureza, não havendo entre si qualquer espécie de relação moral ou de deveres comuns, não poderiam ser nem bons nem maus ou possuir vícios e virtudes, a menos que, tomando estas palavras num sentido físico, se considerem como vícios do indivíduo as qualidades capazes de prejudicar sua própria conservação, e virtudes aquelas capazes de em seu favor contribuir, caso em que se poderia chamar de mais virtuosos àqueles que menos resistissem aos impulsos simples da natureza. Sem nos afastarmos do senso comum, é oportuno suspender o julgamento que poderíamos fazer de uma tal situação e desconfiar de nossos preconceitos até que, de balança na mão, se tenha examinado se há mais virtudes do que vícios entre os homens civilizados; ou se suas virtudes são mais proveitosas do que funestos seus vícios; ou se o progresso de seus conhecimentos constitui compensação suficiente dos males que se causam mutuamente à medida que se instruem sobre o bem que deveriam dispensar-se; ou se não estariam, na melhor das hipóteses, numa situação mais feliz não tendo nem mal a temer nem bem a esperar de ninguém, ao invés de ter-se submetido a uma dependência universal e obrigar-se a receber tudo daqueles que nada se obrigam a lhe dar. 39 2. Não iremos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia da bondade, seja o homem naturalmente mau; que seja corrupto porque não conhece a virtude; que nem sempre recusa a seus semelhantes serviços que não crê dever-lhes; nem que, devido ao direito que se atribui com razão relativamente às coisas de que necessita, loucamente imagine ser o proprietário do universo inteiro. Hobbes viu muito bem o defeito de todas as definições modernas de direito natural, mas as consequências, que tira das suas, mostram que o toma num sentido que não é menos falso. Raciocinando sobre os princípios que estabeleceu, esse autor deveria dizer que, sendo o estado de natureza aquele no qual o cuidado de nossa conservação é o menos prejudicial ao de outrem, esse estado era, consequentemente, o mais propício à paz e o mais conveniente ao gênero humano. Ele diz justamente o contrário por ter incluído, inoportunamente, no desejo de conservação do homem selvagem a necessidade de satisfazer uma multidão de paixões que são obra da sociedade e que tornaram as leis necessárias. O mau, diz ele, é uma criança robusta. Resta saber se o homem selvagem é uma criança robusta. [...] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 251-252. TEXTO 14 DO CONTRATO SOCIAL OU PRINCÍPIOS DO DIREITO DIREITO POLÍTICO LIVRO I Capítulo VI – Do pacto social 1. Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza sobrepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, esse estado primitivo não pode subsistir, e o gênero humano, se não mudasse de modo de vida, pereceria. 2. Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e orientar as já existentes, não têm eles outro meio de conservar-se senão formando, por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concerto. 3. Essa soma de forças só pode nascer do concurso de muitos; sendo, porém, a força e a liberdade de cada indivíduo os instrumentos primordiais de sua conservação, como poderia ele empenhá-los sem prejudicar e sem negligenciar os cuidados que a si mesmo deve? Essa dificuldade, reconduzindo ao meu assunto, poderá ser enunciada como segue: 4. “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a mim mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes.” Esse, o problema fundamental cuja solução o contrato social oferece. 5. As cláusulas desse contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de modo que, embora talvez jamais enunciadas de maneira formal, são as mesmas em toda a parte, e tacitamente mantidas e reconhecidas em todos os lugares, até quando, violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciara àquela. 6. Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas a uma só: a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, à comunidade toda, porque, em primeiro lugar, dando-se completamente, a condição é igual para todos, ninguém se interessa por torná-la onerosa para os demais. 40 7. Ademais, fazendo-se a alienação sem reservas, a união é tão perfeita quanto possa ser e a nenhum associado restará algo mais a reclamar, pois, se restassem alguns direitos aos particulares, como não haveria nesse caso um superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, cada qual, sendo de certo modo seu próprio juiz, logo pretenderia sê-lo de todos; o estado de natureza subsistiria, e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou vã. 8. Enfim, cada um dando-se a todos não se dá a ninguém, e não existindo um associado sobre o qual não se adquira o mesmo direito que se lhe cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo que se perde, e maior força para se conservar o que se tem. 9. Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua essência, ver-se-á que ele se reduz aos seguintes termos: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo”. 10. Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto são os votos da assembleia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e potência quando comparada a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. Esses termos, no entanto, confundem-se frequentemente e são usados indistintamente; basta saber distingui-los quando são empregados com inteira precisão. Capítulo VIII – Do estado civil 1. A passagem do estado de natureza para o estado civil determina no homem uma mudança notável, substituindo na sua conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade que antes lhes faltava. É só então que, tomando a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem, até aí levando em consideração apenas sua pessoa, vê-se forçado a agir baseando-se em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas inclinações. [...] 2. Reduzamos todo esse balanço a termos de fácil comparação. O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. A fim de não fazer um julgamento errado dessas compensações, impõe-se distinguir entre a liberdade natural, que só conhece limites nas forças do indivíduo, e a liberdade civil, que se limita pela vontade geral, e, mais, distinguir a posse, que não é senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode fundar-se num título positivo. 4. Poder-se-ia, a propósito do que ficou acima, acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, única a tornar o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, porque o impulso do puro apetite é escravidão, e a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é liberdade. Mas já disse muito acerca desse princípio e o sentido filosófico da palavra liberdade, neste ponto, não pertence a meu assunto. LIVRO II Capítulo I – A soberania é inalienável 1. A primeira e a mais importante consequência decorrente dos princípios até aqui estabelecidos é que só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem comum, porque, se a oposição de interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou. O que existe de comum nesses vários interesses forma o liame social e, se não houvesse 41 um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, somente com base nesse interesse comum é que a sociedade deve ser governada. 2. Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não, porém, contra a vontade. 3. Se não é, com efeito, impossível que uma vontade particular concorde com a vontade geral em certo ponto, é pelo menos impossível que tal acordo se estabeleça duradouro e constante, pois a vontade particular tende pela sua natureza às predileções e a vontade geral, à igualdade. Menor possibilidade haverá ainda de alcançar-se uma garantia desse acordo; ainda quando devera sempre existir, não seria um produto da arte, mas do acaso. O soberano pode muito bem dizer: “Quero, neste momento, aquilo que um tal homem deseja, ou, pelo menos, aquilo que ele diz desejar”. Mas não poderá dizer: “O que esse homem quiser amanhã, eu também o quererei”, por ser absurdo submeter-se a vontade a grilhões futuros e por não depender de nenhuma vontade o consentir em algo contrário ao bem do ser que deseja. Se, pois, o povo promete simplesmente obedecer, dissolve-se por esse ato, perde sua qualidade de povo — desde que há um senhor, não há mais soberano e, a partir de então, destrói-se o corpo político. 4. Isso não quer dizer que não possam as ordens dos chefes ser consideradas vontades gerais, desde que o soberano, livre para tanto, não se oponha. Em tal caso, pelo silêncio universal deve-se presumir o consentimento do povo. [...] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do direito político. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 31-34, p. 36-37, p. 43-44. 42 EXERCÍCIOS DE VESTIBULARES 1. [UEL / 2010] Leia o seguinte texto de Rousseau. [...] só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem comum, porque, se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou. O que existe de comum nesses vários interesses forma o liame social e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. Ora, somente com base nesse interesse comum é que a sociedade deve ser governada. ROUSSEAU, J.-J. Do contrato social. 5. edição. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.43. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação entre contrato social e vontade geral no pensamento de Rousseau, é correto afirmar: a) A vontade geral, fundamento da ordem social e política, consiste na soma e, por sua vez, na concordância de todas as vontades individuais, as quais por natureza tendem para a igualdade. b) Pelo contrato social, a multidão promete obedecer a um senhor, a quem transmite a vontade coletiva e, por este ato de doação, torna-se povo e institui-se o corpo político. c) Pelo direito natural, a vontade geral se realiza na concordância manifesta pela maioria das vontades particulares, reunidas em assembléia, que reivindicam para si o poder soberano da comunidade. d) Por força do contrato social, a lei se torna ato da vontade geral e, como tal, expressão da soberania do povo e vontade do corpo político, que deve partir de todos para aplicar-se a todos. e) O contrato social, pelo qual o povo adquire sua soberania, decorre da predisposição natural de cada associado, permitindo-lhe manter o seu poder, de seus bens e da própria liberdade. 2. [UFU / Julho 2006] A obra mais conhecida de Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato Social ou osPrincípios do Direito Político, marca uma mudança radical na concepção de soberania. Sobre isso, leia o trecho abaixo e assinale a alternativa correta. Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, [...]. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado. ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social. Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. a) O povo é, ao mesmo tempo, cidadão e súdito; o primeiro quando é ativo, o segundo quando é passivo. b) Pelo texto acima, fica claro que, para Rousseau, a autoridade soberana pertence ao Estado e não ao povo. c) O povo obedecerá às leis feitas pelo Governo, pois ao Governo pertence a autoridade soberana. d) Para Rousseau, o corpo político é formado pelos cidadãos, e exclui os súditos. 3. [UFU / Julho 2000] O que há de comum entre as teorias dos filósofos contratualistas é que a) eles partem da análise do homem em estado de natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade, tendo direito a tudo. b) no estado de natureza, o homem possui segurança e paz, pois é dono de um poder ilimitado. c) os interesses egoístas não existem no estado de natureza, pois os homens realizam todos os seus desejos. d) as disputas evitam a guerra de todos contra todos, pois os homens desfrutam de todas as coisas. Gabarito 1. d 2. a 3. a 43 QUADRO CRONOLÓGICO DOS AUTORES CITADOS FILOSOFIA ANTIGA SÉCULO FILÓSOFOS IV a.C. Aristóteles SÉCULO FILÓSOFOS XVI Maquiavel CONTEXTO HISTÓRICO Crise da democracia ateniense Império macedônico: Filipe da Macedônia e Alexandre Magno FILOSOFIA RENASCENTISTA CONTEXTO HISTÓRICO Formação das monarquias nacionais Reforma protestante Concílio de Trento Fim do Renascimento artístico FILOSOFIA MODERNA SÉCULO FILÓSOFOS XVII Empirismo: Hobbes, Locke XVIII Iluminismo: Kant, Rousseau CONTEXTO HISTÓRICO Renascimento científico Mercantilismo e absolutismo Guerra dos Trinta Anos Revolução Gloriosa Liberalismo Revolução Industrial Despotismo Esclarecido Revolução Francesa FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA SÉCULO FILÓSOFOS XX Existencialismo: Sartre CONTEXTO HISTÓRICO Revolução Russa Segunda Guerra Mundial Guerra Fria República Popular da China (1949) 44 BIBLIOGRAFIA CITADA E SUGERIDA 1. Fontes citadas ARISTÓTELES. A política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. —. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril Cultural, 1979. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nissa da Silva. São Paulo: Abril Cultural, 1983. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2008. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução de E. Jacy Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1983. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução de Lívio Xavier. São Paulo: Abril Cultural, 1983. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1991. —. Do contrato social ou princípios do direito político. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Nova Cultural, 1991, SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 2. Historia da Filosofia BRÉHIER, Émile. História da filosofia. Tradução de Eduardo Sucupira Filho. São Paulo: Mestre Jou, 1977-1978. BUNNIN, Nicholas; TSUI-JAMES, E. P. Compêndio de filosofia. Tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 2007. OLIVEIRA, Armando Mora de. Primeira filosofia. Aspectos da história da filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1996. —. Primeira filosofia. Tópicos de filosofia geral. São Paulo: Brasiliense, 1996. 3. Antologias de textos de filosofia NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada de filosofia. Das origens à idade moderna. Tradução de Maria Margherita De Luca. São Paulo: Globo, 2005. VERGEZ, André; HUISMAN, Denis. História dos filósofos ilustrada pelos textos. Tradução de Lélia de Almeida Gonzalez, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. 4. Dicionários de filosofia ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução coordenada revista por Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Tradução de Desidério Murcho e outros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1997. LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. Tradução de Fátima Sá Correia e outros. São Paulo: Martins Fontes, 1993.