Verdade e Liberdade
Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. O Problema da Verdade: 4.1. Estados da Mente
em Relação à Verdade; 4.2. Doutrinas que Tentam Explicar a Verdade; 4.3. O Relacionamento entre
Conhecimento e Verdade. 5. O Erro: 5.1. Fontes do Erro; 5.2. Aceitação Pacífica dos Erros; 5.3.
Perseverança na Luta contra os Erros. 6. A Libertação: 6.1. Aspectos Teológicos da Verdade e da
Libertação; 6.2. Conhecereis a Verdade e a Verdade vos Libertará; 6.3. A Semente é Livre, mas a
Colheita é Obrigatória. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é refletir sobre a frase evangélica “Conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará” (João, 8, 32). Para isso, analisaremos o problema da verdade, o
que está por detrás do erro e a libertação da pessoa humana.
2. CONCEITO
Verdade – É o reflexo fiel do objeto na mente, adequação do pensamento com a coisa.
É verdadeiro todo o juízo que reflete corretamente a realidade.
Erro – É o conhecimento que não reflete fielmente a realidade e por isso mesmo não
corresponde à realidade. O erro consiste no desacordo, na não-conformidade, na
inadequação do pensamento com a coisa, do juízo com a realidade.
Liberdade – É a capacidade para agir ou não, sem outra intervenção que a da vontade.
Libertação – Ato pelo qual a liberdade é concedida ou conquistada. Ex. saída da prisão,
após o cumprimento da pena; superação de um vício.
Escravo – Que está inteiramente sujeito a outrem ou a alguma coisa.
3. HISTÓRICO
Os filósofos gregos da antiguidade estavam sempre especulando. Eles, porém, não
especulavam por especular; suas perguntas tinham um alvo bem definido, ou seja,
descobrir a verdade, entendida como o princípio de todas as coisas, que muitas vezes
estava escondida por detrás das aparências. Sócrates procura a verdade através do
autoconhecimento. Platão fala-nos das idéias inatas, mas não separadas do mundo
sensível. Aristóteles demonstra-nos a verdade através da lógica.
Na Idade Média, a Filosofia sofreu influência marcante da revelação cristã, que passou a
ditar a verdade em termos de uma fé em Deus, idealizada pelos cânones dogmáticos da
Igreja nascente.
Na Idade contemporânea, a ciência, através do método teórico-experimental, dá um
passo muito importante na busca da verdade, pois os experimentos, auxiliados por uma
inovação tecnológica, evidenciavam nuances não vistos anteriormente.
Em
contrapartida, a Filosofia, cujo objeto constitui as verdades supremas, ajuda-nos a
ultrapassar os limites da simples observação sensível. A par da filosofia e da ciência,
poderíamos acrescentar os contributos da Doutrina Espírita, cuja função é fazer uma
síntese de todo o conhecimento humano.
4. O PROBLEMA DA VERDADE
“Se os poucos que sabem muito não ensinarem os muitos que sabem pouco, então todos
poderemos ser vítimas da ignorância e da servidão”. (Bazarian, J.)
4.1. ESTADOS DA MENTE EM RELAÇÃO À VERDADE
Para Aristóteles, na busca da verdade percorremos quatro degraus fundamentais:
Ignorância: estado de completa ausência de conhecimento do Sujeito em relação
Objeto. Ignorar é desconhecer.
Dúvida: estado em que determinado conhecimento é tido como possível. Mas as razões
para afirmar ou negar alguma coisa estão em equilíbrio.
Opinião: estado em que o Sujeito julga ter um conhecimento provável do objeto.
Afirma conhecer, mas com temor de se enganar.
Certeza: estado em que o Sujeito tem plena firmeza de seu conhecimento em relação ao
Objeto. O conhecimento surge como algo evidente. (Cotrim, 1990, p. 62)
4.2. DOUTRINAS QUE TENTAM EXPLICAR A VERDADE
1) Teoria da correspondência: é a que mais se aproxima da concepção do chamado
“senso comum”, sustentando-a a maioria dos que são classificados como “realistas”
embora seja concebida também por alguns “idealistas”. Define a verdade como
“correspondência com a realidade dos fatos”
2) Teoria da coerência: segundo esta teoria, a verdade consiste numa relação entre
juízos.
3) No pragmatismo, a verdade é definida como sendo o que é eficiente, o que é útil,
isto é, o que satisfaz as necessidades humanas. (Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira)
4.3. O RELACIONAMENTO ENTRE CONHECIMENTO E VERDADE
Tanto o conceito de verdade quanto o de conhecimento implicam sempre numa relação,
cujos termos desta relação são o sujeito (uma inteligência) e o objeto (uma realidade).
Daí a definição clássica: adaequatio intellecuts et rei.
Assim, poderíamos dizer:
Conhecimento é o reflexo e a reprodução do objeto em nossa mente.
Conhecimento verdadeiro é aquele que reflete corretamente a realidade na mente.
Verdade é o reflexo fiel do objeto na mente, adequação do pensamento com a coisa.
É verdadeiro todo o juízo que reflete corretamente a realidade
O que existe na realidade não pode ser verdadeiro ou errado. Simplesmente existe.
Verdadeiros ou errados só podem ser nossos conhecimentos ou juízos a respeito do
objeto.
Em outras palavras, verdadeiro ou errado pode ser apenas o reflexo subjetivo da
realidade objetiva. (Bazarian, s.d.p., p. 142, 143)
5. O ERRO
5.1. FONTES DO ERRO
1) Afirmação da parte pelo todo (absolutização do relativo). O ser humano, na sua
condição espontânea, é homo faber antes de ser homo sapiens. A exigência natural de
satisfazer as necessidades antes de ter condições de liberdade coloca o homem na vida
operativa antes de situá-lo na vida contemplativa. Esta operacionalidade pode provocar
o erro acima. Tomemos, por exemplo, o sucesso. Sendo concretizadas as ações que
atendem as nossas necessidades materiais, julgamos que estamos de posse da verdade.
Não importa o esquecimento das coisas do Espírito, se ajudamos ou não o irmão que
passa fome do nosso lado.
2) O consenso. O consenso pode nos levar ao erro, porque é formado de opiniões e, as
opiniões, por maiores que sejam, não necessariamente contêm a verdade.
3) Confundir os meios com os fins. Este é um erro bastante corriqueiro, passando
geralmente despercebido pela maioria de nós. Ele pode ser visualizado da seguinte
forma: projetamos atingir uma determinada meta – evolução do Espírito. O caminho é o
meio, a chegada o fim. O que se nos acontece? Ao nos colocarmos a caminho, ficamos
deslumbrados com as paisagens e desviamo-nos do fim ultimo. As comodidades e os
prazeres nos tiraram da meta a atingir. (Mendonça, 1977)
5.2. O COMODISMO NA LUTA CONTRA OS ERROS
De acordo com Eduardo Prado de Mendonça, em Filosofia dos Erros, o comodismo na
luta contra os erros resume-se num combate que a ele se opõe de maneira puramente
negativa. Acha ele que o erro só é combatido eficazmente na medida em que se
consegue implantar a verdade. Aquele que combate negativamente parece tranqüilizar a
consciência, mas permite a continuação do erro.
Anotemos alguns pensamentos relacionados ao comodismo:
·
O tempo que se leva dizendo o que não deve fazer é perdido em
relação a indicar o que deve, porque deve, e como deve ser feito.
·
A censura é vista como coisa má. Mas ela pode ter o seu aspecto positivo
quando instituída para disciplinar uma organização, uma sociedade.
·
O medo da exposição pública faz-nos silenciar e aceitar pacificamente o
erro.
·
Culto das distrações: preferimos o prazer que distrai ao trabalho que combate o erro.
(Mendonça, 1977)
5.3. PERSEVERANÇA NA LUTA CONTRA OS ERROS
A perseverança consiste numa determinação da vontade em prosseguir num fim, apesar
de todas as dificuldades do caminho. Nesse sentido, quanto mais forte for a vontade
menos a imaginação poderá influenciá-la.
Anotemos alguns pensamentos relacionados à perseverança:
·
O jovem espartano é educador para resistir à dor: desde os 12 anos de idade é
submetido a um regime severo: anda descalço, dorme sobre um leito de bambu, e
mesmo durante o inverno conta com um leve manto de algodão.
·
Provérbio Zen: “Antes da iluminação, cortar lenha e carregar água. Depois da
iluminação, cortar lenha e carregar água”.
·
Não confundamos “boa intenção” com “intenção boa”. Intenção é uma inclinação para,
que exige o discernimento próprio daquilo para o qual se inclina. A “intenção boa” é
aquela calcada no reto juízo e não simplesmente num desejo.
6. A LIBERTAÇÃO
6.1. ASPECTOS TEOLÓGICOS DA VERDADE E DA LIBERTAÇÃO
Em teologia, segundo o testamento neotestamentário, a fé está relacionada ao
reconhecimento da verdade, respectivamente de Deus. Isso significa que a verdade se
identifica com a verdadeira e correta doutrina; a pregação do Evangelho é denominada
“palavra da verdade”. Nesse contexto, a fé constitui-se em obediência à verdade. Cristo
veio ao mundo para dar testemunho da verdade. O reconhecimento da verdade, por
outro lado, corresponde a uma libertação. Por conseguinte, o conceito de verdade não
tem apenas o sentido formal de realidade de um objeto: a verdade adquire a significação
fundamental de única e autêntica realidade, ou seja, a de Deus. Nesse sentido, sua
libertação não se refere a um reconhecimento racional, que isente de erros e
preconceitos: a verdade liberta do pecado, santificando. Por isso, importa que os
adoradores de Deus o adorem “em espírito e verdade”. (Grande Enciclopédia Delta
Larousse)
6.2. CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE VOS LIBERTARÁ.
Está frase é própria do pensamento do Cristo. O que ele nos pede não é uma
racionalização da verdade, mas uma dada transcendência em Deus, para que fiquemos
livres do “pecado”, do vício. Assim, não seremos libertados pelos “aspectos da
verdade”, ou pelas “verdades provisórias” de que sejamos detentores no círculo das
afirmações apaixonadas a que nos inclinemos. Só existe verdadeira liberdade na
submissão ao dever fielmente cumprido. O Espírito Emmanuel assim se expressa:
“Quem apenas vislumbra a glória ofuscante da realidade, fala muito e age menos.
Quem, todavia, lhe penetra a grandeza indefinível, age mais e fala menos”.
6.3. A SEMENTE É LIVRE, MAS A COLHEITA É OBRIGATÓRIA
Observemos nossas escolhas na vida. No Evangelho está escrito que a sementeira é
livre, mas a colheita é obrigatória. Qual o sentido desta frase? Como podemos associá-la
à frase anterior “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”? Se nossa escolha é
livre, ela pode tender tanto para o bem quanto para o mal. Optando pelo bem, teremos
como conseqüência novos atos livres no bem, o que aumenta a nossa liberdade; ao
contrário, optando por atos viciosos, teremos de arcar com sua conseqüência, o que
diminui a nossa liberdade. E por que isto sucede? É que a escolha de um vício, faz-nos
ficar preso a ele. Observe o vício de fumar: onde quer que estejamos, estaremos
preocupados com o cigarro, com o ambiente, inclusive, sentindo-nos estressados se não
pudermos usufruir do cigarro no exato momento em que tivemos vontade de ingerir a
sua nicotina.
O Espírito Emmanuel, no capítulo 119 do livro Vinha de Luz, fala-nos que se quisermos
a fortaleza, não devemos nos esquivar à tempestade. Ele diz: “Muita gente pretende
robustecer-se ao preço de rogativas para evitar o serviço áspero. Chegada a preciosa
oportunidade de testemunhar a fé, internam-se os crentes, de maneira geral, pelos
caminhos largos da fuga, acreditando-se em segurança. Entretanto, mais dia menos dias,
surge a ocasião dolorosa em que abrem falência de si mesmos”. Esqueceram-se de que
embora a tribulação seja a tormenta da alma, ninguém deveria olvidar-lhe os benefícios,
ou seja, a libertação da nossa alma dos apegos às coisas materiais e aos desmandos da
inteligência viciosa. (Xavier, 1972)
7. CONCLUSÃO
Quando a verdade brilhar em nosso caminho, veremos que o erro, as admoestações, as
tribulações não representam espantalhos, mas sim lições valorosas que têm como
objetivo central, afastar-nos do mal, da vaidade e do tolo egoísmo.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ÁVILA, F. B. de S.J. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Rio de Janeiro, M.E.C., 1967.
BAZARIAN, J. O Problema da Verdade. São Paulo, Círculo do Livro, s. d. p.
COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia para uma Geração Consciente. Elementos da História do
Pensamento
Ocidental.
5.
ed.,
São
Paulo,
Saraiva,
1990.
Grande
Enciclopédia
Delta
Larousse.
Rio
de
Janeiro,
Delta,
1979.
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, s.d. p.
MENDONÇA, E. P. de. Filosofia dos Erros: Um Olhar sobre a Vida que Passa. Rio de Janeiro, Agir,
1977.
XAVIER, F. C. Vinha de Luz, pelo Espírito Emmanuel. 3. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1971.
São Paulo, fevereiro de 2002
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