17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis O contemporâneo espaço moderno catarinense Alena Rizi Marmo – Univille Nadja de Carvalho Lamas – Univille Resumo O texto discute as questões relativas a passagem do moderno, pós-moderno e contemporâneo a partir das transformações sofridas pelo espaço expositivo contemporâneo. Essas reflexões embasaram as análises de exposições de arte realizadas no período de 2006 a 2008, no contexto catarinense. Palavras-chaves:contemporâneo; pós-moderno; espaço expositivo; Abstract The text discusses the relative questions about the passage of modern, postmodern and contemporary from the transformations suffered by the expositive contemporary space. These reflections supported the analyses of exposition of art carried out in the period from 2006 to 2008, in the context inhabitant of Santa Catarina. Key words: contemporary; postmordernism; expositition space; Desconstrução, apropriação, resignificação, tempo fragmentado, paródia, ironia, rompimento com o suporte, hibridização, são algumas das ações características do comportamento artístico pós-moderno. No período de 2003 a 2005, foi desenvolvida a pesquisa Tendências Pós-Modernas na produção artística catarinense, cujo objetivo era a investigação crítica acerca da existência, ou não, de tendências pós-modernas na produção artística de Santa Catarina, o que se deu a partir da reflexão conceitual e análise de obras que contemplaram as exposições então visitadas. No decorrer da primeira pesquisa, foram visitadas 45 exposições compostas, no total, por 214 obras, sendo a maioria instaurada por artistas em início de carreira. Ao final verificou-se a predominância de trabalhos na linguagem da instalação e casos isolados de performance, vídeo-arte e fotografia. Entretanto, apesar da forte presença de linguagens contemporâneas, a minoria da produção analisada possui características provenientes da pós-modernidade, já que nem tudo que é contemporâneo necessariamente é pós-moderno. Partiuse então para uma pesquisa de cunho antropológico i com o objetivo de construir entendimento acerca da relação do artista e a obra. Tendo como foco de interesse o trabalho artístico, verificou-se que grande parte das mostras apresentava problemas em relação às condições físicas dos espaços, montagem e curadoria, o que levou a um novo tema de pesquisa a ser desenvolvido ii sobre essa problemática. Sendo assim, esta caminha para a 1 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis conclusão de três vértices investigativos: a pós-modernidade na produção artística, a relação do artista com sua obra no viés antropológico, e a obra com o espaço expositivo, enfoques observados a partir da visita a 62 exposições, em algumas cidades de Santa Catarina. O Pós-Moderno e o Contemporâneo Nesta investigação os termos “pós-moderno” e “contemporâneo” foram analisados do ponto de vista histórico, estético e etimológico. Historicamente marca início em 1939 com a II Guerra Mundial. Do ponto de vista da Estética, tal termo tem sua origem na crítica literária dos anos 60, assumindo sua atual conotação dentro do contexto da arquitetura como índice de superação das atitudes vanguardistas marcado pelo retorno de formas e estilos menos conflituosos. A partir daí, como comportamento, estendeu-se rapidamente a todas as manifestações artísticas, desde o retorno da figuração na pintura, até a recuperação da tonalidade na música. Segundo Jean François Lyotard, o termo diz respeito ao estado da cultura ocidental depois da queda das grandes narrativas, tais como o Marxismo, o Positivismo, o Idealismo, entre outras, configurando o que o filósofo chama de a “Condição Pós-moderna”. (LYOTARD: São Paulo, 2002). O pós-modernismo é marcado por atitudes como o hibridismo e a reciclagem, num contexto onde estilos e linguagens diversas convivem num mesmo espaço delineado por ações irônicas, sarcásticas muitas vezes por meio da apropriação do passado. Sendo assim, não pode ser entendido como uma superação do moderno, pensamento que é reforçado pela análise etimológica da palavra, quando é encarado como o período que se sucede ao modernismo, por isso do prefixo “pós”, através do que se pode absorver uma idéia de continuidade. O termo contemporâneo, por sua vez, historicamente refere-se à chamada Idade Contemporânea, período de tempo que vai da Revolução Francesa, em 1789, até os dias atuais. Sendo assim, historicamente, é contemporâneo tanto o tempo em que se localiza a origem do comportamento expressionista, por exemplo, como também as manifestações da linguagem da instalação. Por outro lado, se analisarmos o contemporâneo levando-se em conta fielmente a significação da palavra, é contemporâneo tudo o que é do mesmo tempo. Partindo-se de tal pressuposto, Eufileto foi contemporâneo à 2 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Nikias, assim como Rafael Sanzio o foi à Leonardo da Vinci, da mesma maneira como todos que vivem hoje encontram-se dentro da mesma contemporaneidade. Do ponto de vista da Estética, trata-se da produção artística que contempla características e linguagens surgidas na atualidade. Uma pintura mimética do gênero retrato, por exemplo, mesmo se realizada nos dias de hoje, não é considerada como arte contemporânea, uma vez que tal comportamento pictórico remonta à Idade Moderna. São linguagens artísticas contemporâneas a instalação e seus desmembramentos (como a land art, por exemplo), o objeto, o happenig, a performance, a vídeo-arte, a web art, entre outras, marcadas por comportamentos pós-modernos como os já citados anteriormente, entre eles o rompimento com o suporte e a hibridização. Partindo desse pressuposto observa-se que tudo o que é pós-moderno é contemporâneo, mas o contrário não se pode afirmar. Os espaços moderno, contemporâneo e pós-moderno Lisbeth Rebollo (2004, p.13) em um livro que relata sua pesquisa sobre cenografia nas exposições contemporâneas coloca que “na história, a exposição e o museu caminham juntos” e que o museu surge pela necessidade de colecionar objetos aliada ao desejo de expor a coleção, trata-se da busca pelo saber universal. Desde a Antiguidade Clássica, a produção cultural tem seu espaço próprio. Em Alexandria, no século I a.C., o historiador Estrabão utiliza-se da palavra Mousêion para referir-se a um centro interdisciplinar de cultura e patrimônio, período este em que os museus integravam os palácios. Sendo assim, tal termo foi, durante o helenismo, utilizado para indicar a tentativa de reunião de conhecimentos produzidos pelo homem. Segundo Rebollo, a história do museu e da exposição está ligada à história do homem como testemunho da produção cultural humana, pois em todos os momentos, e em todos os lugares, a exposição aparece como pressuposto-chave da idéia de museu, é o meio pelo qual são reunidos e resgatados objetos carregados de informação cultural para uma recepção determinada. (REBOLLO, 2004. p.37). 3 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Até o final do século XVIII somente a nobreza e o clero possuíam acesso à produção artística e cultural. Com o advento da Revolução Francesa (1789), marcando o início da Idade Moderna, é que o Museu se torna uma instituição aberta ao público, sendo a exposição então encarada como um espaço de representação, por meio do qual se obtinha conhecimento do pensamento de uma sociedade, em uma determinada época. Observa-se então que ocorre uma profunda mudança na forma de pensar a exposição, influenciada pelas transformações ocorridas a partir da ruptura com a visão clássica da produção artística. A obra de arte numa visão modernista tem como conteúdo a própria arte, assumindo a dimensionalidade do suporte num gesto de apresentação em detrimento da representação. Ou seja, o espaço expositivo não mais representa valores fora do campo artístico, mas explora formas próprias da arte. O questionamento Dadá, por meio de Marcel Duchamp e seus ready mades, põe em cheque o signo artístico institucionalizando objetos de produção industrial. Mais do que o questionamento da natureza da arte, a atitude de Duchamp pode ser analisada do ponto de vista da dessacralização do espaço expositivo, atitude esta levada à tona por Andy Warhol, que ao mesmo tempo em que possui suas obras (não mais únicas) dentro do espaço do museu, as mesmas peças podem ser encontradas nas prateleiras de um supermercado. Tal atitude traz como conseqüência uma presentificação do real e não mais a sua apresentação. Arthur Danto ao refletir sobre o contexto moderno, contemporâneo e pós-moderno aponta para a dificuldade de distinção entre esses termos até os anos 70 e 80, uma vez que a arte produzida naquele momento ainda continua a carregar características das vanguardas históricas. No entanto, o termo pósmoderno, na sua concepção, “mostra por si mesmo a debilidade do termo contemporâneo como denominação de um estilo por parecer mais um termo temporal” (DANTO, 1999, p.33). A partir da reflexão sobre o impacto da obra Brillo Box (1964), Danto coloca que [...] as embalagens de papelão de Andy Warhol, exibidas em grandes pilhas como num depósito de supermercado, me deixaram estupefato. Aceitei-as prontamente como arte, mas 4 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis depois me perguntei por que aquelas caixas eram arte enquanto as embalagens comuns não eram. (DANTO, 2005,p.16) O Brillo Box, tal como Danto aborda, presentifica a concepção de uma obra distante daquela concepção clássica de representação, bem como aquela de apresentação do moderno, para dessacralizar o espaço expositivo ao legitimar um objeto de produção industrial como obra de arte. Esse pensamento permite compreender que o modernismo trata o espaço institucional interno como forma de proteção e isolamento do mundo externo, enquanto o pós-modernismo institucionaliza o externo. O pós-modernismo do ponto de vista da Estética pode ser encarado como o estabelecimento de uma nova relação entre a obra e o espaço que agora além de integrar e se tornar suporte, passa a ser, em muitos casos, ponto de partida para a criação do objeto artístico. Sendo assim, o espaço expositivo, de uma existência meramente física, torna-se base conceitual para a existência da obra de arte. Modernos ou contemporâneos espaços expositivos catarinenses? Durante o período que se realiza esta investigação foram visitadas 62 exposições, em cinco cidades de Santa Catarina: Joinville, Jaraguá do Sul, Blumenau, Itajaí e Florianópolis. O objetivo principal da pesquisa é conhecer as concepções de curadoria e nos espaços expositivos que possui a organização institucional das mesmas, quem são os profissionais que as propõem, planejam e as executam, qual é o embasamento teórico desses e que formação possuem. Esses dados revestem-se de especial significado, pois um projeto de curadoria de exposição de arte possui múltiplas dimensões. Parte-se do pressuposto de que há grande complexidade na concepção de expor algo, em particular uma obra de arte. As análises são desenvolvidas nas perspectivas conceituais, sensíveis e técnicas. O que se observou neste conjunto é que embora exponham obras que em princípio são vistas como “contemporâneas”, o seu modo de expor evidencia uma concepção de característica modernista. 5 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Desde a primeira investigação ficou evidente que no conjunto das obras expostas, a grande maioria é contemporânea do ponto de vista temporal, tal como abordado por Danto, porém suas características indicam que estas guardam ainda muitos elementos próprios do moderno, tais como referenciar-se ao universo da arte, vinculação com suporte, tratar de questões construtivas e a plasticidade do trabalho artístico, entre outras. Poucas são as obras que efetivamente ultrapassaram as categorias do moderno, o que as identifica com o pensamento artístico contemporâneo emergido pós os anos sessenta. Ao analisar como essas mesmas obras foram expostas identificou-se uma visão igualmente modernista, pois são mantidas as mesmas características, qual seja, espaço branco, algumas vezes com obras sustentadas por cubos e protegidas por vitrine, isoladas do mundo externo. Na exposição de Ricardo Basbaum, no Museu Histórico do Palácio Cruz e Souza, em 1996, ocorre um paradoxo que evidencia o que abordamos, pois a obra um work in progress propunha um percurso fora do espaço museológico, questionando o sistema da arte. No entanto, em decorrência de uma ação do grupo artístico Vaca Amarela, o próprio artista organiza a exposição dentro de uma instituição museológica, indo contra o próprio principio proposto. Embora o artista não seja catarinense, o fato ocorre em terra catarinense, razão pela qual entrou nesta pesquisa. O fato reveste-se de relevância na medida em que a proposta artística é contemporânea, de característica pós-moderna, porém seu modo de exposição é moderno. Embora seja um exemplo entre as sessenta e duas visitadas, esta se configurou como um fato marcante com relação ao que se aborda neste texto que é a forte característica moderna na concepção das exposições, ainda que a obra proponha a transgressão do espaço moderno e o questionamento do sistema da arte, ela continua a refletir um pensamento moderno. i Antropologia da arte contemporânea catarinense, realizada em 2005 com subsídios FAP/Univille. Exposições de obras de arte: problemáticas espaciais e conceituais, realizada em 2006 a 2008, com subsídios FAP/Univille. ii 6 17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis Referências COUDERC, Sylvie . L’exposition comme œuvre. In: DÉOTTE, Jean-Louis e HUYGHE, Pierre-Damien. Le jeu de l’exposition. Paris: L’Harmattan, 1986. DANTO, Arthur C. A transfiguração do lugar-comum. São Paulo: Cosac Naify, 2005. _______________. Después del fin del arte – El arte contemporâneo y el linde de la historia. Buenos Aires: Paidós, 1999. HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos. Companhia das Letras: São Paulo, 1995. KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LYOTARD, Jean François. A Condição Pós-Moderna. Jose Olympio: São Paulo, 2002. O'DOHERTY, Brian. No interior do Cubo Branco. Martins Fontes: São Paulo, 2002. REBOLO, Lisbeth Gonçalves. Entre Cenografias – O museu e a exposição de arte no século XX. EDUSP: São Paulo, 2004. TASSINARI, Alberto. O espaço moderno. São Paulo: Cosac Naify, 2001. VINÇON, René. Atifices d’exposition. Paris: L’Harmattan, 1999. Alena Rizi Marmo Mestre em Artes Visuais, pela UFRGS, 2005. Licenciada em Educação Artística, com habilitação em Artes Visuais, pela Univille, em 2002. Artista plástica. Curadora independente. Docente no curso de Design, na Univille e Instituto Brasileiro de Design de Interiores. Pesquisadora. Nadja de Carvalho Lamas Doutora e mestre em Artes Visuais, pela UFRGS 2005 e 1996 respectivamente, Pesquisadora e docente no curso de Artes Visuais e mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade, da Univille. Membro da ABCA e ANPAP. Presidente do Instituto Schwanke. 7