1 CONCEITO DE PERSONALIDADE E A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE* Ana Cleusa Delben** SUMÁRIO: Introdução; 1. Considerações Preliminares; 1.1. Definições; 1.2. Psicologia; 1.3. Antropologia; 1.4. Sociologia; 2. A personalidade no curso da história; 2.1. A Grécia Antiga; 2.2. Direitos da Personalidade em Roma; 2.3 Na Idade Média; 2.4. A Idade Moderna; 2.5. A Idade Contemporânea; 3. Teorias da Personalidade; 4. Sujeito de Personalidade; 5. Fundamentos Jurídicos Da Personalidade; 6. Os Direitos Da Personalidade No Direito Brasileiro; 6.1. O Império; 6.2. A República; 6.2.1. As Constituições; 6.2.2. O Código Civil; Conclusão; Referências bibliográficas. RESUMO: Nesta abordagem que primou pelo estudo da personalidade nas mais diversas áreas da ciência, viu-se que ela não é mais que algo intrínseco do ser humano. Numa evolução histórica se percebe a possibilidade da tutela da personalidade sem distinção de qualquer natureza, como ocorria, em séculos passados. Os direitos da personalidade são muitos e no Brasil são tutelados pelo artigo 5º da Constituição Federal e artigos 11 a 21 do Código Civil de 2002. PALAVRAS-CHAVE: personalidade; ciências; evolução, direitos da personalidade. PERSONALITY’S CONCEPT AND DEVELOPMENT PERSONALITY RIGHTS ABSTRACT: In this approach that it elevated by the personality’s study in the most diverse science’s areas, it saw that it is nothing more than something intrinsic to human people. In a historic development it’s indicated the possibility of protecting the person without distinction of any kind, as it occurred in past centuries. The rights of personality are many and in the Brazil are protected by the Article 5 of the Federal Constitution, and Articles 11 to 21 of the Civil Code of 2002. KEYWORDS: personality; sciences; development, personality rights. CONCEPTO DE LA PERSONALIDAD Y EL DESARROLLO DE LOS DERECHOS DE LA PERSONALIDAD RESUMEN: Bajo este enfoque, que subrayó por el estudio de la personalidad en los más diversos ámbitos de la ciencia, encontró que no es nada más que algo intrínseco a los seres humanos. En un acontecimiento histórico se indica la posibilidad de proteger a la persona sin distinción de ningún tipo, como ocurrió en los siglos pasados. Los derechos de la personalidad son muchos y Brasil están protegidos por el artículo 5 de la Constitución Federal y los artículos 11 a 21 del Código Civil de 2002. PALABRAS CLAVE: personalidad; ciencias; desarrollo, los derechos de la personalidad. 2 INTRODUÇÃO O intuito deste artigo é buscar de uma maneira sucinta a evolução do termo personalidade, através dos tempos. Tanto que, pauta-se em desenvolvimento classificatório, onde se elabora um estudo sobre o vocábulo dentro da psicologia, antropologia e sociologia, encerrandose no campo jurídico. A personalidade, embora, inata à pessoa humana é moldada através dos tempos, da cultura social, bem como da bagagem hereditária. Durante a evolução histórica, aqui abordada, percebe-se que o termo personalidade sofreu diversas influências do meio, agregando-se valores às pessoas físicas ou jurídicas, onde são tutelados direitos fundamentais à dignidade da pessoa. E, em linhas gerais vai ser analisada a codificação da personalidade e dos direitos dela emergentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 1.1. Definições Etimologicamente falando, personalidade tem origem latina, derivando de “personalitate”, trazendo os seguintes significados: Personalidade per.so.na.li.da.de sf (baixo-lat personalitate) 1 Qualidade de pessoal. 2 Caráter essencial e exclusivo de uma pessoa. 3 Aquilo que a distingue de outra. 4 Personagem. 5 Sociol Estrutura de hábitos adquiridos na vida social. 6 Psicol Organização integrada e dinâmica dos atributos físicos, mentais e morais do indivíduo; compreende tanto os impulsos naturais como os adquiridos e, portanto, hábitos, interesses, complexos, sentimentos e aspirações. 7 Dir Aptidão reconhecida pela ordem jurídica a alguém para exercer direitos e contrair obrigações. P. civil: estado de todo ser racional, suscetível de direitos e obrigações na ordem civil, desde o momento em que nasce. P. extrovertida: aquela na qual a atenção e interesses se dirigem, preferentemente, aos fenômenos externos e socialmente perceptíveis. P. introvertida: aquela na qual a atenção e interesses se dirigem ao próprio eu, ou à vida psíquica. P. jurídica: a que implica a qualidade de pessoa fictícia ou moral, por oposição à pessoa física propriamente dita. P. natural: a que abrange todo indivíduo da espécie humana. P. simbólica: caráter representativo; estereótipo pessoal, que se converteu no símbolo de um governo, movimento, tribo, associação, tipo de pensamento, música ou arte. P.-tipo: exemplo simplificado de personalidade, escolhido para caracterizar 3 um grupo de personalidades semelhantes que se encontram com alguma 1 freqüência na sociedade. De Plácido e Silva também conceitua personalidade como derivada do “latim personalitas, de persona (pessoa), quer, propriamente, significar o conjunto de elementos, que se mostram próprios ou inerentes à pessoa, formando ou constituindo um indivíduo que, em tudo, morfológica, fisiológica e psicologicamente se diferencia de qualquer outro”2. Nesta esteira, Clayton Reis buscou o seguinte sentido para o termo: “caráter ou qualidade do que é pessoal; personalidade; o que determina a individualidade de uma pessoa moral; o elemento estável da conduta de uma pessoa; sua maneira habitual de ser; aquilo que a distingue de outra”3. Assim em se tratando de pessoa física, personalidade é relacionada ao comportamento de cada ser, diante dos fatos, por isso, dizemos que, ela é ligada ao ego propriamente dito. Todas as pessoas são dotadas de personalidade e para que esta se desenvolva é preciso analisar o meio em que este indivíduo vive, bem como os valores, sua experiência em sociedade e a cultura que lhe foi passada. Dadas às informações e as constantes mutações que sofre a personalidade de um ser é algo que vai se moldando com o decorrer da vida. As particularidades e peculiaridades de cada homem são os detalhes que lhe formam a personalidade. As reações diante dos problemas são os definidores de temperamento e de caráter de uma pessoa. 1.2. Psicologia Personalidade para a psicologia é a particularidade do eu, desta maneira sendo definida: S. f. Psicologia. Organização constituída por todas as características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo. Personalidade de 1 Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://michaelis1.locaweb.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues& palavra=personalidade.> Acesso em: 18 maio 2012. 2 SILVA, De Plácido e apud REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 7, dez. 2001. 3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, apud REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 6, dez. 2001. 4 base: Sociologia. Configuração psicológica própria dos membros de uma determinada sociedade, e que se manifesta por um certo estilo de vida. Personalidade psicopática: Psicol. 1. Personalidade caracterizada por 4 tendência constitucional ao desenvolvimento de uma psicose. Para Clayton Reis “a personalidade é o caráter multifacetário, do ser humano ante o ponto de vista psicológico e jurídico” 5. Desta maneira, a personalidade jurídica funda-se na visão psicológica, que é a realidade psíquica do indivíduo. Não se distingue, de modo geral, a conceituação tanto na psicologia como no direito, mesmo por que a base em ambos é o indivíduo, enquanto sujeito de direitos. Porém, a personalidade jurídica e personalidade psíquica não se confundem, tanto que a personalidade jurídica é como o homem encara a sua personalidade psíquica, tendo por parâmetro a sua criação social e a ordem jurídica existente. Para Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão: “A personalidade, na psicologia, é uma construção cientifica cujo objetivo é explicar a realidade psíquica do indivíduo. Ela se constitui de três grandes sistemas: o id, o ego e o superego.”6 Tomando por base ensinamentos freudiano, temos que o “id” que é a estrutura da personalidade original, que é inata, básica e mais central. Ao passo que o ego tem consciência da realidade externa, tendo a tarefa de garantir a saúde, segurança e sanidade da personalidade.7 E, por fim, o superego “é o depósito dos códigos morais, modelos de conduta e dos construtos que constituem as inibições da personalidade.”8 A personalidade é como o ser humano é visto, em diversos enfoques, até mesmo nas tomadas de decisão, suas características pessoais, tais quais, timidez, extroversão, poder de persuasão, bondade ou maldade, entre outros fatores, que distinguem uma pessoa da outra, sendo original e tendo peculiaridades. 4 LEITE, Gisele. Considerações sobre personalidade, pessoa e os direitos da personalidade no Direito Civil Brasileiro. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/22594.> Acesso em: 18 maio 2012. 5 REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 6, dez. 2001. 6 FERMENTÃO. Cleide Aparecida Gomes Rodrigues.Os direitos da personalidade como direitos essenciais e a subjetividade do direito. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 6, n. 6, p. 253, dezembro de 2006. 7 FADIMAN, James. Teorias da Personalidade. James Fadiman, Robert Frager; coordenação Odette de Godoy Pinheiro; tradução de Camila Pedral Samabapaio, Sybil Safdié. São Paulo: HARBRA, 1986. p. 11. 8 FADIMAN, James. Teorias da Personalidade. James Fadiman, Robert Frager; coordenação Odette de Godoy Pinheiro; tradução de Camila Pedral Samabapaio, Sybil Safdié. São Paulo: HARBRA, 1986. p. 12. 5 No tocante à definição de personalidade, Phillips congrega como “... a organização integrada de todas as características cognitivas, afetivas, e físicas de um indivíduo, como se manifesta em distintas situações e atribui significado especial para outras”.9 Para a psicologia, a personalidade traz atributos concernentes à pessoa como sua constituição, seu temperamento, sua inteligência, seu caráter e um jeito específico de se comportar diante das mais diversas situações, com o que concorda Phillips10. J. Fernandes Filho, quando trata de personalidade, ainda reconhece que não é simples entendê-la, mesmo porque existem muitos fatores que contribuem para sua formação, tanto que diz: Compreender os aspectos e a dinâmica da personalidade humana não é tarefa simples, visto à complexidade e variedade de elementos que a circunda, gerados por diversos fatores biológicos, psicológicos e sociais. Com relação aos aspectos sociais, quanto mais complexa e diferenciada for a cultura e a organização social em que a pessoa estiver inserida, mais complexa e diferenciada será a personalidade. Do ponto de vista biológico, a pessoa já traz consigo, em seus genes, diferentes tendências, interesses e aptidões que também são formados pela combinação dinâmica entre diversos fatores hereditários e uma infinidade de influências sócio11 psicológicas que ela recebe do meio ambiente. Tanto que para Flávio Fortes D’Andrea: “… cada indivíduo tem a sua história pessoal e esta é a unidade básica a ser levada em conta no estudo da personalidade” 12. Neste sentido, temos que a personalidade é formada por dois fatores básicos: Hereditários: são os fatores que estão determinados desde a concepção do bebê. É a estatura, cor dos olhos, da pele, temperamento, reflexos musculares e vários outros. É aquilo que o bebê recebe de herança genética de seus pais. 9 Phillips apud VOLPI, José Henrique. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter, segundo a psicologia corporal. Disponível em: <http://www.centroreichiano.com.br/artigos/PARTICULARIDADES%20SOBRE%20O%20TEMPERAMENTO,%20 A%20PERSONALIDADE.pdf> . Acesso em: 18 maio 2012. 10 PHILLIPS, apud VOLPI, José Henrique. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter, segundo a psicologia corporal. Disponível em: <http://www.centroreichiano.com.br/artigos/PARTICULARIDADES%20SOBRE%20O%20TEMPERAMENTO,%20 A%20PERSONALIDADE.pdf> . Acesso em: 18 maio 2012. 11 FERNANDES FILHO, J. apud VOLPI, José Henrique. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter, segundo a psicologia corporal. Disponível em:<http://www.centroreichiano.com.br/artigos/PARTICULARIDADES%20SOBRE%20O%20TEMPERAMENTO, %20A%20PERSONALIDADE.pdf> . Acesso em: 18 maio 2012. 12 D’ANDREA, Flávio Fortes. Desenvolvimento da personalidade: enfoque psicodinâmico. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 9. 6 Ambientais: São aqueles que também exercem uma grande influência porque dizem respeito à cultura, hábitos familiares, grupos sociais, escola, responsabilidade, moral e ética, etc. São experiências vividas pela criança que irão lhe dar suporte e contribuir para a formação de sua 13 personalidade. Assim, G. J. Ballone preleciona ser a personalidade: A organização dinâmica dos traços no interior do eu, formados a partir dos genes particulares que herdamos, das existências singulares que suportamos e das percepções individuais que temos do mundo, capazes de tornar cada indivíduo único em sua maneira de ser e de desempenhar o seu papel social14. Em sendo assim, a personalidade psicológica que se molda com o passar do tempo, com sua evolução moral, psíquica e fisiológica, bem como, com as experiências vividas e com as inovações em sociedade, como veremos, há uma relação com a personalidade na ordem jurídica, apesar de não terem o mesmo significado. 1.3. Antropologia A personalidade é verificada dentro de um determinado povo, observando-se sua história, bem como sua cultura. Abram Kardiner e do Ralph Linton, tratam da personalidade, respectivamente em seus trabalhos, O indivíduo e sua sociedade de 1939, e Fronteiras Psicológicas da Sociedade de 1940. Linton colaciona os seguintes postulados sobre personalidade: 1) O efeito duradouro das primeiras experiências do indivíduo sobre a personalidade, especialmente dos seus sistemas projetivos. 2) Tendências de as experiências similares produzirem configurações similares na personalidade dos indivíduos que a elas se sujeitam. 3) O emprego de técnicas padronizadas culturalmente (semelhantes mas não tão idênticas) da parte dos membros de uma sociedade no trato e criação dos filhos. 4) Diferença, de uma para outra sociedade, dessas técnicas padronizadas .15 culturalmente 13 VOLPI, José Henrique. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter, segundo a psicologia corporal. Disponível em: <http://www.centroreichiano.com.br/artigos/PARTICULARIDADES%20SOBRE%20O%20TEMPERAMENTO,%20 A%20PERSONALIDADE.pdf> . Acesso em: 18 maio 2012. 14 BALLONE, G. J. apud VOLPI, José Henrique. Particularidades sobre o temperamento, a personalidade e o caráter, segundo a psicologia corporal. Disponível em: <http://www.centroreichiano.com.br/artigos/PARTICULARIDADES%20SOBRE%20O%20TEMPERAMENTO,%20 A%20PERSONALIDADE.pdf> . Acesso em: 18 maio 2012. 15 LINTON apud CINTRA, ANTÔNIO OCTÁVIO. Personalidade Básica. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/pauloapgaua/trab/soc.pdf.>Acesso em: 18 maio 2012. 7 Ralph Linton estabelece que a personalidade básica é: O tipo de personalidade básica para qualquer sociedade é a configuração de personalidade, compartilhada pela maioria de seus membros, como resultado das primeiras experiências que tiveram em comum. Não corresponde à personalidade total do indivíduo, antes aos sistemas projetivos; em outras palavras, ao sistema de valores e atitudes que são 16 básicos para a configuração da personalidade do indivíduo. Kardiner estatui as instituições sociais em primárias e secundárias, sendo aquelas que influem no modo de pensar, na valoração do superego, nos princípios religiosos. Já aquelas têm raízes em sistemas de tabus, religião, ritos, técnica de pensamento etc. Muitos são os problemas que os conceitos de personalidade básica vêm suscitar, e ainda não suficientemente esclarecidos ou não rigorosamente tratados: a historicidade da personalidade básica, a sua caracterização numa sociedade complexa e plurisegmentada como o é a sociedade ocidental capitalista, etc. 1.4. Sociologia A personalidade vem influir no “conflito indivíduo X sociedade”, bem como na interação entre fenômenos psíquicos totais, agindo nas formas de conhecimento, nas normas sociais e em suas estruturas. Desta forma, a personalidade dos indivíduos é vista no enfoque do social, como interação dentro da instituição da sociedade em que vive, relacionando suas vontades sentimentos e intelecções desses indivíduos.17 2. A PERSONALIDADE NO CURSO DA HISTÓRIA 2.1. A Grécia Antiga 16 LINTON apud CINTRA, ANTÔNIO OCTÁVIO. Personalidade Básica. <<http://www.antropologia.com.br/pauloapgaua/trab/soc.pdf.>Acesso em: 18 maio 2012. 17 KARDINER apud CINTRA, ANTÔNIO OCTÁVIO. Personalidade Básica. <<http://www.antropologia.com.br/pauloapgaua/trab/soc.pdf. >Acesso em: 18 maio 2012. Disponível em: Disponível em: 8 A idéia da representação teatral trazida pelos gregos, que usavam máscaras para caracterizar as divindades ou, ainda, para desempenhar a “personalidade” de outra pessoa, deu impulso ao que hoje chamamos de personalidade. Tanto que, Henrique da Silva Seixas Meirelles preleciona: […] a persona é a máscara que os capita usam quando desempenham certos papéis, certas formas de actividades, no âmbito da civitas. Neste sentido, a persona representa a capacidade que o homem tem de agir na cena jurídica. Mas para agir o homem tem de ser pessoa, no sentido de ser “personalidade”(personam habere), tem de possuir um determinado status que legitime a sua actividade (agere) perante o ius civile. Em último termo, persona tem um significado político. Persona representa o status de um determinado indivíduo (caput), quer dizer, o quantum iuris (C. Sforza) que esse indivíduo detém e utiliza nas diversas actividades que desenvolve na 18 cena jurídica. Para uma tradução mais exata da evolução do termo personalidade, urge citar o sentido trazido por Washington de Barros Monteiro, para o qual: […] a palavra pessoa advém do latim persona, emprestada à linguagem teatral na antigüidade romana. Primitivamente, significava máscara. Os atores adaptavam ao rosto uma máscara, provida de disposição especial, destinada a dar eco à suas palavras. Personare queria dizer, pois, ecoar, fazer ressoar. A máscara era uma persona, porque fazia ressoar a voz de uma pessoa. Por curiosa transformação no sentido, o vocábulo passou a significar o papel que cada ator representava e, mais tarde, exprimia a atuação de cada indivíduo no cenário jurídico. Por fim, completando a evolução, a palavra passou a expressar o próprio indivíduo que representa 19 esses papéis. Nesse sentido é que a empregamos atualmente.” 2.2. Direitos da Personalidade em Roma Os vocábulos personalidade jurídica, capacidade jurídica e capacidade de fato, eram usados de modo confuso no mundo romano. Em Roma,20 a personalidade jurídica acontecia com o homem nascendo com vida e tendo presença de viabilidade fetal. Tinha também reconhecimento da personalidade quando, se antecipava o começo da existência para a data da concepção; assim, por exemplo, o filho resultante de justas núpcias recebia o estado 18 MEIRELLES, H. da S.S. apud REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 6, dez. 2001. 19 MONTEIRO, W. de B. apud REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 6, dez. 2001. 20 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de, et. al. Os Direitos da Personalidade – Breve Análise de sua Origem Histórica. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/direito/pet_jur/textos/cafpardp.doc.> Acesso em: 18 maio 2012. 9 do pai no momento da concepção. Além destas causas naturais, a pessoa devia reunir os três status (também chamados caput). Além de que para se ter personalidade, eram necessários: a) status libertatis; b) status familiae e c) status civitatis. Cada status indica a posição da pessoa em relação ao Estado (como homens livres e cidadãos romanos) e à família (como pater familias ou filius familias)21. O escravo era visto como animal, sendo objeto do direito subjetivo, tanto que não podia casar legitimamente, não possuía patrimônio, não poderia litigar, sendo posto em comércio. Com todas essas restrições também não tinha plena capacidade jurídica. Para os romanos a personalidade terminava com a morte. 2.3 Na Idade Média Juan Castan Tobeñas, esclarece que foi o Cristianismo que, desde seus primeiros momentos, afirmou o indivíduo como um valor absoluto, exaltando o sentimento de dignidade da pessoa humana e proclamando uma organização da sociedade que viesse a permitir o total desenvolvimento de sua personalidade, sem prejuízo para o bem comum, ao revés, colaborando para desfrutar deste22. O termo persona foi garantido, sendo que apenas no período renascentista lhe foi acrescentada a dignidade humana, sendo a base da tutela dos direitos. 2.4. A Idade Moderna O direito da personalidade só passa a ter esse nome nos idos do século XIX. Antes disto era visto como direitos fundamentais, bem tratados com as revoluções burguesas do século XVIII, visto que os humanistas centram suas questões no homem e no mundo em que este habita. 21 ALVES, José Carlos Moreira, apud SOUZA, Carlos Affonso Pereira de, et. al. Os Direitos da Personalidade – Breve Análise de sua Origem Histórica. Disponível em: <http://www.pucrio.br/direito/pet_jur/textos/cafpardp.doc. > Acesso em: 18 maio 2012. 22 TOBENÃS, Juan Castan, apud PEREIRA, Heloisa Prado. “Algumas considerações sobre “pessoa humana”. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista006/persona%20humana.htm#_ftnref1.> Acesso em: 30 18 maio 2012. 10 Nesta era se afirma ao indivíduo à liberdade de consciência e de expressão. Tem origem as liberdades políticas e dos direitos e deveres dos cidadãos devendo ser resguardados os direitos inerentes à pessoa humana, anteriores à existência do próprio Estado. Assim, os “direitos humanos”, são salvaguardados e regulados por toda ordem internacional. 2.5. A Idade Contemporânea A personalidade é indissociável da pessoa humana, sendo a capacidade de possuir direitos e contrair obrigações. A codificação dos direitos da personalidade é necessária para garanti-los e dar-lhes coercitividade. Surgiram duas correntes a respeito da tutela da personalidade. Uma delas, dizia que ela era uma e indivisível, sendo tutelada por um único direito da personalidade. A segunda teoria, atomista, lançava várias projeções da personalidade, sendo protegida cada uma delas de maneira mais concreta. Essa foi mais aceita e difundida, dada a críticas que só entendia como existentes aqueles direitos da personalidade tutelados, e dadas às muitas mudanças da própria personalidade, estão sendo encarados como de caráter indivisível, tutelando os direitos da pessoa em seus mais variados aspectos, sejam físicos, psíquicos e intelectuais. 3. TEORIAS DA PERSONALIDADE No tocante a personalidade, temos duas teorias, sendo uma a teoria natalista e outra concepcionista. Aqueles que tratam da teoria natalista, entre eles Pontes de Miranda, preceituam que a personalidade é adquirida com o nascimento com vida, sendo inclusive tal preceito difundido pelo artigo 2º do Código Civil pátrio: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Dentro do Direito Comparado, podemos dizer que a teoria natalista é difundida em paises como Portugal, na Alemanha, na Suíça, na Itália, na Argentina, na França, na Holanda, ao passo que na teoria concepcionista difundida por Teixeira 11 de Freitas, Maria Helena Diniz, Clóvis Bevilácqua, prevê que o nascituro adquire personalidade desde a sua concepção, sendo assim, considerado um sujeito de direito, tudo conforme José Oliveira23. 4. SUJEITO DE PERSONALIDADE Pontes de Miranda ensina: “Quem pode ter um direito é pessoa ”.24 Para Clóvis Bevilácqua,“...pessoa é o ser a que se atribuem direitos e obrigações, e Personalidade é a aptidão reconhecida pela ordem jurídica à alguém para exercer e contrair obrigações”.25 A personalidade deriva, portanto, da pessoa, razão pela qual Maria Helena Diniz nos ensina que "primeiramente, imprescindível se torna verificar qual é a acepção jurídica do termo "pessoa" e ela mesma esclarece chamando a doutrina de Diego Espín Cánovas: "para a doutrina tradicional "pessoa" é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o nãocumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial".26 Tanto a pessoa natural como a jurídica, são destinatários finais da norma, sendo, portanto, sujeitos da personalidade.27 Conforme nos ensina Clayton Reis, citando Pontes de Miranda 28, não só a pessoa natural, mas, também a pessoa jurídica, ou morais, ou fictícias, ou fingidas.” é sujeito de direito, sendo portanto, detentores de personalidade. 23 OLIVEIRA, José. Teorias de aquisição da personalidade civil Disponível em: <http://joseoliveira.com/teorias-de-aquisicao-da-personalidade-civil.html> Acesso em: 18 maio 2012. 24 PONTES DE MIRANDA, apud FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Os direitos da personalidade como direitos essenciais e a subjetividade do direito. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 6, n. 1, p. 253, dezembro 2006. 25 BEVILÁQUA, Clóvis. apud FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Os direitos da personalidade como direitos essenciais e a subjetividade do direito. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 6, n. 1, p. 253, dezembro 2006. 26 PAIVA. J. A. Almeida. Sucessão em pauta - "A personalidade civil começa com o nascimento com vida.". Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/2160,1.> Acesso em: 18 maio 2012. 27 LEITE, Gisele. Considerações sobre personalidade, pessoa e os direitos da personalidade no direito civil brasileiro. Disponível em <http://www.jurisite.com.br/doutrinas/doutciv10.htm > Acesso em: 18 maio 2012. 28 DEDA. Arthur Oscar de Oliveira, apud REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 6, dez. 2001. 12 Diante dos ensinamentos trazidos pelo Novo Código Civil, onde se estatui no artigo 52, que serão aplicadas no que couber as regras concernentes à pessoa física, por analogia, se estende os direitos da personalidade às pessoas jurídicas.29 Desta maneira a pessoa jurídica, criada pelo homem é dotada de uma personalidade jurídica que com a dele possui semelhança,30 é merecedora de tutela. Entre outros, são exemplos de proteção à personalidade da pessoa jurídica, reparação por danos quando ocorre danos à honra, à imagem e ao nome, bem como casos de proteção do sigilo industrial ou comercial, que pode assemelhar-se mas não coincide com o direito à privacidade; assim é com o direito ao nome comercial, cuja natureza não coincide com a do direito ao nome.31 Desta maneira, Wanderlei de Paula Barreto, a respeito da pessoa, personalidade e direitos da personalidade, afirma: A pessoa é, pois, o sujeito, o titular dos direitos da personalidade; a personalidade é o fundamento ético, é a fonte, é a síntese de todas as inúmeras irradiações, da pletora de emanações possíveis dos direitos da 32 personalidade (direito à vida, à liberdade, à honra etc.). Assim sendo, temos a personalidade como intrínseca relação com o direito público, moldando-se a um conjunto de capacidades jurídicas reconhecidas e inerentes ao indivíduo – sujeito de direito, concebidas pelo ordenamento estatal, o qual tutela os direitos desta relação. De acordo com Caio Mario, da personalidade irradiam-se direitos, sendo certa a afirmativa de que a personalidade é o ponto de apoio de todos os direitos e obrigações”.33 Jellinek, neste sentido, acrescenta que é da personalidade jurídica do indivíduo que deriva a possibilidade de provocar o Estado no interesse individual, colocando em movimento normas do ordenamento jurídico34. 29 GIACOBBE, Claudio apud DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no Código Civil. Disponível em: <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista06/Docente/03.pdf> Acesso em: 18 maio 2012. 30 GALGANO, Francesco apud DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no Código Civil. Disponível em: <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista06/Docente/03.pdf> Acesso em: 18 maio 2012. 31 DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no Código Civil. Disponível em: <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista06/Docente/03.pdf> Acesso em: 18 maio 2012. 32 BARRETO, Wanderlei de Paula apud BARRETO, Maíra de Paula; GALDINO, Valéria Silva. Os princípios gerais de direito de família e os direitos da personalidade. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 7, n. 1, p. 290 e 291, janeiro / junho 2007. 33 PEREIRA. Caio Mário da Silva, apud PEDROSO, Eliane e FAVA, Marcos. Direitos da personalidade. Novo Código Civil e repercussões no Direito do trabalho. Disponível em: <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/trabalho.pdf.> Acesso em: 18 maio 2012. 34 DUARTE, Clarice Seixas. Direito público subjetivo e políticas educacionais. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000200012&script=sci_arttext&tlng=en> Acesso em: 18 maio 2012. 13 Tanto que ficou clara a distinção entre pessoa e sua personalidade, sendo a primeira, o titular de direito e obrigações, o sujeito do direito, e a segunda a capacidade de ser este titular35. 5. FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA PERSONALIDADE A personalidade jurídica é também garantida na Constituição Federal, sob enfoque social, quando se trata da dignidade da pessoa humana. O conceito jurídico de personalidade não se qualifica de forma diferente em que se assenta o fundamento psicológico da pessoa - há, em ambos, uma noção precisa de identidade do ser humano. Quando dizemos juridicamente sobre personalidade temos que buscar amparo em Orlando Gomes que preceitua: […] a personalidade é um atributo jurídico. Todo homem, atualmente, tem aptidão para desempenhar na sociedade um papel jurídico, como sujeito de direito e obrigações. Sua personalidade é institucionalizada num complexo de regras declaratórias, nas condições de sua atividade jurídica e, nos limites a que se deve circunscrever. O conhecimento dessas normas interessa a todo o Direito Privado, porque se dirige à pessoa humana 36 considerada na sua aptidão para agir juridicamente”. San Tiago Dantas estabelece que a personalidade jurídica é “uma ossatura destinada a ser revestida de direitos”37. Desta maneira, a personalidade é o meio pelo qual o titular pode adquirir, exercitar, modificar, substituir, extinguir ou defender interesses. Assim, trazendo o abaixo transcrito, personalidade não é direito e sim um bem, conforme Maria Helena Diniz, citando Goffredo Telles Júnior: A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que 35 FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Os direitos da personalidade como direitos essenciais e a subjetividade do direito. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 6, n. 1, p. 253, dezembro 2006. 36 GOMES, O., apud REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 6, dez. 2001. 37 LEITE, Gisele. Considerações sobre personalidade, pessoa e os direitos da personalidade no direito civil brasileiro. Disponível em <http://www.jurisite.com.br/doutrinas/doutciv10.htm> Acesso em: 18 maio 2012. 14 se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros 38 bens. Neste diapasão, Francisco Amaral consagra a personalidade jurídica como valor jurídico que se reconhece nos indivíduos e em grupos legalmente constituídos materializando-se na capacidade jurídica39. Desta maneira, Pontes de Miranda assegura que “personalidade é a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e execuções e também ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e execuções”40. Segundo o entendimento de Eduardo Espínola: A personalidade é o pressuposto de todo o direito, o elemento que atravessa todos os direitos privados e que em cada um deles se contém; não é mais que a capacidade jurídica, a possibilidade de ter direitos. Todo homem, por necessidade de sua própria natureza, é o centro de uma esfera 41 jurídica e assim tem personalidade, é pessoa. Como se sabe, é possível se reconhecer a personalidade jurídica sem capacidade. É o caso da pessoa jurídica, conforme dispõe o artigo 52, do Código Civil Brasileiro, do recém-nascido e do incapaz absoluta ou relativa, tratados pelos artigos 1.634, V, 1.690 e 1747, todos do Código Civil Brasileiro, sendo que estas pessoas são capazes de agir por meio de representantes legais. Wanderlei de Paula Barreto ao tratar sobre o assunto afirma que: […] personalidade constitui-se de: capacidade de direito, capacidade de fato e de um patrimônio (material e moral). Integram o patrimônio moral os chamados direitos imateriais ou direitos da personalidade. A personalidade é o fundamento ético, é a fonte, é a síntese de todas as inúmeras irradiações, da pletora de emanações possíveis dos direitos da 42 personalidade (direito à vida, à liberdade, à honra, etc.)” . 6. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO 38 DINIZ, Maria Helena, apud SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Responsabilidade civil por danos à personalidade. Barueri, SP: Manole, 2002. 39 LEITE, Gisele. Considerações sobre personalidade, pessoa e os direitos da personalidade no direito civil brasileiro. Disponível em <http://www.jurisite.com.br/doutrinas/doutciv10.htm> Acesso em: 18 maio 2012. 40 MIRANDA, Pontes de apud REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo código civil brasileiro. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 1, n. 1, p. 10, dez. 2001. 41 ESPÍNOLA, Eduardo apud FERMENTÃO, Cleide Aparecida Gomes Rodrigues. Os direitos da personalidade como direitos essenciais e a subjetividade do direito. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 6, n. 1, p. 254, dezembro 2006. 42 BARRETO, Wanderlei de Paula apud BARRETO, Maíra de Paula; GALDINO, Valéria Silva. Os princípios gerais de direito de família e os direitos da personalidade. Revista Jurídica CESUMAR, Maringá, v. 7, n. 1, p. 290 e 291, janeiro / junho 2007. 15 Com os argumentos acima sobre personalidade, cabe uma análise da evolução de sua tutela no Ordenamento Jurídico do Brasil. 6.1. O Império Os direitos e garantias individuais sempre foram consagrados no Brasil. Há doutrinadores que atestam a positivação dos direitos do homem, de maneira mais completa, mundialmente falando, à nossa primeira constituição, de 25 de março de 1824.43 No artigo 179 da Constituição Imperial, estão elencados os seguintes direitos da personalidade: liberdade (caput), inviolabilidade de domicílio (inciso VII), direitos autorais (inciso XXVI) e segredo epistolar (inciso XXVII). É interessante notar que a liberdade religiosa estava condicionada ao respeito à religião oficial do Império (“ninguém pode ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não ofenda a Moral Pública”, inciso V). Quando foram feitas as leis do Império, eram consagradas as leis portuguesas, que tratava os escravos e livres de maneira diferenciada, sendo inclusive no aspecto criminal demasiado severo, sem proteção à personalidade. No “Esboço de Código Civil” tratou no artigo 16 das pessoas dizendo que “todos os entes suscetíveis de aquisição de direitos são pessoas.” O Esboço, no entanto, não continha qualquer disposição referente aos direitos da personalidade. 6.2. A República 6.2.1. As Constituições As constituições republicanas tratavam de modo geral os direitos e garantias individuais, não tratando de modo claro os direitos da personalidade, apenas tendo significativa ampliação em seu rol de tutela, com a Constituição 43 SILVA, José Afonso da. apud SOUZA, Carlos Affonso Pereira de, et. al. Os Direitos da Personalidade – Breve Análise de sua Origem Histórica. Disponível em: <http://www.pucrio.br/direito/pet_jur/textos/cafpardp.doc. > Acesso em: 18 maio 2012. 16 Republicana de 05 de outubro de 1988, que trouxe diversas inovações, e, até mesmo direitos que não eram chancelados. José Carlos Moreira Alves quando tratava dos direitos da personalidade à luz da Constituição Federal, preceituou: “são por definição aqueles oponíveis aos demais indivíduos da sociedade, não se relacionando diretamente com o Estado. Entretanto, o Estado não pode se abster de proteger a pessoa humana e nossa Carta Magna atual sabiamente não se furtou a seu papel de regrar a convivência pacífica dos homens em nossa sociedade.”44 O artigo 5º da Constituição de 1988 tutela os direitos à vida, à liberdade, à honra, ao sigilo, à intimidade, à imagem, à criação intelectual, dentre outros, visto que em seu parágrafo 2º estabelece a possibilidade de novos direitos fundamentais serem albergados. 6.2.2. O Código Civil O Código Civil de 1916, elaborado por Bevilácqua, não tratava expressamente os direitos da personalidade, porém, tinham alguns artigos que se reportavam ainda que sucintamente, a saber: artigo 666, X que dispõe sobre o direito à imagem; artigo 671, parágrafo único, que versa sobre o segredo de correspondência e o direito moral do autor (artigos 649, 650, parágrafo único, 651, parágrafo único, 658).45 O Anteprojeto do Código de Orlando Gomes, de 1963, trouxe a positivação dos direitos da personalidade, falando inclusive sobre o nome, disposição do corpo, direito autoral, e imagem, bem como esclarecendo que tais são inalienáveis e intransmissíveis, e continua no artigo 29 parágrafo único: “quem for atingido ilicitamente em sua personalidade pode exigir que o atentado cesse e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de sanções de outra natureza.”46 Pari passu ao que já foi disciplinado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, X, o Código Civil, tem capítulo próprio tratando sobre os direitos da 44 ALVES, José Carlos Moreira, apud SOUZA, Carlos Affonso Pereira de, et. al. Os Direitos da Personalidade – Breve Análise de sua Origem Histórica. Disponível em: <http://www.pucrio.br/direito/pet_jur/textos/cafpardp.doc. > Acesso em: 18 maio 2012. 45 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de, et. al. Os Direitos da Personalidade – Breve Análise de sua Origem Histórica. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/direito/pet_jur/textos/cafpardp.doc. > Acesso em: 18 maio 2012. 46 MORAES, Walter. apud SOUZA, Carlos Affonso Pereira de, et. al. Os Direitos da Personalidade – Breve Análise de sua Origem Histórica. Disponível em: <http://www.puc-rio.br/direito/pet_jur/textos/cafpardp.doc. > Acesso em: 18 maio 2012. 17 personalidade, garantindo a todos os indivíduos, sem distinções, origem, raça, sexo, cor, idade e ou quaisquer outras formas de discriminação como havia na época do Império, o direito à vida, à integridade física e psíquica, ao nome, à imagem, à honra, à vida privada, bem como, assegurando a tutela destes direitos. Verifica-se neste Novo Código Civil Brasileiro, a idéia já consubstanciada em seu projeto de 1975, que a estes direitos são vedadas a intransmissibilidade e irrenunciabilidade, mesmo na modalidade voluntária. Salvo exceções, como exemplo, nos casos de direito à imagem de pessoa pública, ou casos como na disposição do próprio corpo, onde por ocorrer a transfusão sanguínea e o transplante de órgãos. CONCLUSÃO A personalidade não é um direito, e por ser intrínseca ao ser humano é a capacidade de possuir direitos e contrair obrigações. Embora não se confundam os significados de personalidade nas mais diversas ciências elencadas neste texto, verificou se que elas se amoldam para formar o todo do sujeito de direito. Os direitos que antigamente não eram garantidos a escravos, negros, índios e mulheres, hoje em dia o são, tanto que a Constituição Federal de 1988 congrega a impossibilidade da discriminação entre as pessoas desta feita, infere-se que toda a pessoa tem personalidade, apta a ser tutelada ainda que se faça através de representantes legais. Já o Código Civil de 2002 à Constituição Federal de 1988, prevê a intransmissibilidade e irrenunciabilidade do direito à personalidade e por fim, atestam que estes direitos são elencados em rol não taxativo, eis que o artigo 5º, parágrafo 2º, dispõe sobre a possibilidade de novos direitos serem disciplinados, neste elenco, eis que são direitos relativamente novos e estão em construção. Desta maneira, a tutela que se dá a dignidade da pessoa humana, e o respeito a todos os aspectos físicos, psíquicos e intelectuais de cada ser humano, são importantes para o desenvolvimento da personalidade, bem como a sua concepção de mundo e a maneira que se porta diante da sociedade, o caráter multidisciplinar da sociedade, de com isso se ocupando o direito da personalidade. 18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Maíra de Paula; GALDINO, Valéria Silva. Os princípios gerais de direito de família e os direitos da personalidade. Revista jurídica CESUMAR, Maringá, v. 7, n. 1, janeiro / junho 2007. CINTRA, ANTÔNIO OCTÁVIO. Personalidade Básica. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/pauloapgaua/trab/soc.pdf. >Acesso em: 18 maio 2012. D’ANDREA, Flávio Fortes. Desenvolvimento da personalidade: psicodinâmico. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 9. enfoque DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no Código Civil. 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