Controladoria-Geral da União
Ouvidoria-Geral da União
PARECER
Referência:
Assunto:
Restrição de
acesso:
Ementa:
Órgão ou
entidade
recorrido (a):
Recorrente:
99901.000698/2014-81
Recurso contra decisão denegatória ao pedido de acesso à informação.
Sem restrição.
Brindes – marketing - interesse social/público – denúncia - a regra é a
publicidade, o sigilo é exceção - Banco do Brasil – risco à competitividade –
sigilo comercial - acata-se a argumentação do recorrido - conhecido e desprovido
– rever seus normativos internos.
Banco do Brasil S/A.
F.C.L.F.
Senhor Ouvidor-Geral da União,
1.
O presente parecer trata de solicitação de acesso à informação pública, com base na
Lei nº 12.527/2011.
2.
Em 05/06/2014, o requerente solicitou ao Banco do Brasil a “Lista nominal dos
contemplados com ingressos da Copa do Mundo”.
3.
Na resposta ao pedido, datada de 01/07/2014, o Banco do Brasil assim se manifestou:
“1) Conforme divulgado em Nota enviada à imprensa, como parte da sua
estratégia de marketing, o Banco do Brasil adquiriu ingressos para a Copa do
Mundo de 2014 com a finalidade convidar clientes estratégicos da
instituição, dos segmentos Alta Renda e Corporate, assim como fizeram os
principais bancos atuantes no mercado brasileiro, que procederam de forma
similar, com vista , em especial, a fidelizar clientes de maior potencial.
2) As informações requisitadas são de conhecimento exclusivo do nível
estratégico desta instituição financeira. Sua publicidade pode ocasionar a
inadequada exposição de clientes e colocar em risco a estratégia de negócios
da empresa diante dos demais concorrentes, o que, por consequência, poderá
acarretar variação ponderável na cotação de valores mobiliários.
3) Desta forma, por haver risco de exposição de clientes e envolver as
estratégias de marketing e negocial da empresa, o Banco do Brasil,
sociedade de economia mista constituída sob forma de sociedade anônima,
não deve divulgar a lista nominal dos clientes convidados, amparando-se,
para tanto, na hipótese complementar de sigilo prevista na Lei 6.404/1976,
em seu art. 155, §1º e no disposto no art. 5° do Decreto 7.724/2012, que
regulamenta a Lei de Acesso à Informação.
Lei nº 6.404/76, art. 155:
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo
sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para
conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de
modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valerse da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante
compra ou venda de valores mobiliários.
Decreto Nº 7.724/2012
Art. 5º Sujeitam-se ao disposto neste Decreto os órgãos da administração
direta, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou
indiretamente pela União.
§ 1o A divulgação de informações de empresas públicas, sociedade de
economia mista e demais entidades controladas pela União que atuem em
regime de concorrência, sujeitas ao disposto no art. 173 da Constituição,
estará submetida às normas pertinentes da Comissão de
Valores Mobiliários, a fim de assegurar sua competitividade, governança
corporativa e, quando houver, os interesses de acionistas minoritários.
§ 2º Não se sujeitam ao disposto neste Decreto as informações relativas à
atividade empresarial de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado
obtidas pelo Banco Central do Brasil, pelas agências reguladoras ou por
outros órgãos ou entidades no exercício de atividade de controle, regulação e
supervisão da atividade econômica cuja divulgação possa representar
vantagem competitiva a outros agentes econômicos”.
4.
Insatisfeito com a resposta do Banco do Brasil, o requerente interpôs recurso à
autoridade superior em 02/07/2014:
“Que mal pode causar informar quem foi escolhido para receber um
benefício discricionário do banco? Para tudo há um ônus e um bônus. É deve
prestar contas, informar e justificar quem recebeu ingresso e porque recebeu
tal ingresso. São todos clientes? Não há ninguém do banco? Quem há do
banco? Por quê? Sob sigilo tais informações ficam preteridas para, veja só,
garantir o benefício do anonimato a quem já foi beneficiado por um ingresso.
Ninguém está revestido ou blindado do dever de se informar publicamente
quem foi beneficiado”.
5.
No julgamento do recurso, registrado em 07/07/2014, o Banco do Brasil ratificou o
teor da resposta inicial ao pedido:
“... ratificamos integralmente as razões da negativa de fornecimento
das informações em razão dos sigilos comercial e bancário,
acrescentando, ainda, que:
a) o Banco do Brasil S.A. desenvolve suas atividades no regime
concorrencial das empresas privadas, a teor do artigo 173, § 1º da
Constituição Federal;
b) a estratégia de marketing e negocial adotada pelo Banco do Brasil
está em consonância com a praticada pela concorrência, a exemplo
dos maiores bancos que atuam no mercado Brasileiro, além de
grandes outras empresas privadas ou não;
c) a Copa do Mundo, não é demais lembrar, é um evento grandioso e
exclusivo, com participação direta de trinta e dois países, atraindo os
olhos do mundo e dos agentes econômicos para o Brasil e suas
empresas. A adoção dessa estratégia de marketing é uma oportunidade
do Banco do Brasil S.A. estreitar o relacionamento negocial com o
público priorizado, utilizando-se do futebol – esporte considerado a
“paixão nacional” – para proporcionar uma experiência ímpar a um
público seleto e capaz de retornar o investimento seja pela fidelização,
seja pelo crescimento dos negócios”.
6.
Por não se conformar com a decisão, em 07/07/2014 o requerente interpôs recurso
perante a autoridade máxima do Banco do Brasil:
“Como já é público, houve casos em que familiares de dirigentes do
Banco do Brasil, sob essa mesma estratégia de marketing, acabaram
beneficiados nos ingressos comprados. Isso inclui o próprio presidente
do Banco do Brasil, Aldemir Bendir, que levou a mulher e uma filha.
Faz parte da estratégia do Banco do Brasil distribuir ingressos a
clientes e familiares de dirigentes? Os ingressos dados à mulher e uma
filha são regra? São exceção? Quais outros familiares foram
beneficiados? Por que os familiares são beneficiados? Como dar
ingresso a familiar faz parte da estratégia de marketing? Que
estratégia de marketing é essa que, ao mesmo tempo, é permissiva ao
dar ingresso a familiar mas não permite divulgar quem recebeu
ingresso? Houve políticos? Que mal pode causar informar quem foi
escolhido para receber um benefício discricionário do banco? Para
todas essas perguntas, a resposta está na transparência”.
7.
Em 14/07/2014, o Banco do Brasil publicou a decisão da “autoridade máxima para
fins de recursos da LAI”, ratificando as respostas dadas anteriormente e acrescentando novos
argumentos para a negativa de acesso à informação solicitada. Essencialmente o Banco alega
que:
a) a LAI garante divulgação de informações de interesse público,
segundo o art. 3º, II, da Lei nº 12.527/2011;
b) o Banco do Brasil, como sociedade de economia mista, possui duas
naturezas jurídicas distintas, uma pública e outra privada. Nos
assuntos e atuação públicos, subordina-se à LAI; nos demais, como no
caso em tela, equipara-se às empresas privadas, nos termos do art.
173, §1º, inciso II, da Constituição Federal. Como consequência, as
informações decorrentes de sua atuação na esfera privada são também
privadas;
c) o pedido feito pelo requerente envolve o fornecimento de
informações vinculadas à estratégia comercial do Banco, formulada
com o objetivo de fidelizar clientes. A divulgação da listagem
colocaria em risco a estratégia de marketing adotada e a
competitividade do Banco perante os seus concorrentes no mercado
financeiro. Essas circunstâncias amparam a proteção à informação
solicitada, de acordo com o art. 22 da LAI e art. 6º, I, do Decreto nº
7.724/2012, ao reconhecer a vigência das hipóteses legais de sigilo
previstas na legislação, tais como o comercial, bancário, fiscal e
outros;
d) o fornecimento da lista dos contemplados com ingressos para jogos
da Copa do Mundo levaria à quebra do sigilo financeiro e bancário
dos clientes beneficiados, na medida em que o público-alvo da
estratégia compreende clientes do segmento Alta Renda e Corporate;
e) como estabelecido no art. 5º, §1º, do Decreto nº 7.724/2012, a
divulgação de informações de entidades sujeitas à concorrência
empresarial, se submete às normas definidas pela Comissão de Valores
Mobiliários – CVM, a fim de assegurar sua competitividade,
governança corporativa e interesses dos acionistas minoritários;
f) o pedido feito pelo recorrente não se coaduna com o conceito de
documento público – como aquele decorrente de funções
administrativas, legislativas e judiciárias – estabelecido pelo art. 7º da
Lei nº 8.159/1991 (dispõe sobre a política nacional de arquivos
públicos);
g) no recurso de 2ª instância, o requerente faz novas perguntas, basedo
em suposições;
h) o Banco do Brasil já havia divulgado, por meio da imprensa,
informações relativas à compra de ingressos para o Mundial, como
parte da sua estratégia de marketing de relacionamento.
8.
Por fim, como não obteve resposta satisfatória ao seu pleito no âmbito do Banco do
Brasil, o requerente recorreu à CGU em 15/07/2014:
“Na resposta em 2ª instância, no item 5.3, o Banco do Brasil frisa que
não há interesse público em revelar quem recebeu ingresso.
Como o próprio banco informa, a Copa do Mundo é um evento
grandioso. E obviamente atrai o interesse de todos os brasileiros,
tornando claro que há interesse público.
E a maior prova vem da própria CGU, que se deu o trabalho de editar
regras justamente sobre o recebimento de ingressos, por entender que
é o assunto que se tornou relevante e pertinente, dado o interesse de
todos, servidores ou não, de ter ingressos da Copa.
Dito isso, o banco se vale da estratégia de marketing de “mimar”
clientes (expressão utilizada em exemplo apontado pelo próprio banco
em reportagem do UOL).
Sendo tais clientes estratégicos, diz o banco, não há interesse público
e poderia haver inadequada exposição.
Como já é público, ingressos que deveriam ser destinados a clientes
foram dados à mulher do presidente do banco, Aldemir Bendine,
Silvana Maria Zacharias Bendine e uma filha, para assistir um jogo do
Brasil.
Aqui
tem
mais
detalhes:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/07/1481814-dirigente-usaingressos-do-banco-do-brasilpara-levar-familia-a-jogo.shtml
Em qual estratégia de marketing seria cabível “mimar” clientes e, ao
mesmo tempo, dar ingressos a familiares de dirigentes do banco? Ora,
diz o banco que não há interesse público em revelar o nome dos
clientes. E qual seria o interesse em dar ingressos para familiares e
omitir a relação de recebedores de ingressos?
Que estratégia de marketing é essa que, ao mesmo tempo, é
permissiva ao dar ingresso a familiar mas é rígida ao não permitir
divulgar quem recebeu ingresso?
Por tudo isso, a transparência é a melhor maneira de responder todas
estas questões. Os ingressos dados aos familiares foram exceção? Ou
será que existem outros casos dentro da compra de R$ 5 milhões em
ingressos?
Ao negar a lista de contemplados com o ingresso, o BB protege
clientes e todos os familiares de dirigentes que receberam ingressos.
Isso é correto? Os familiares de Bendine foram uma exceção? Só a
transparência pode responder.
É correto o banco dar ingresso a familiares de dirigentes? Essa é uma
política recorrente? Essa é uma política que se coaduna com os
princípios constitucionais? Essa é uma política que se coaduna com os
princípios que a CGU defende?
Que mal pode causar informar quem foi escolhido para receber um
benefício discricionário do banco?
Para todas essas perguntas, a resposta está na transparência.
No há nenhum mal ou dano aos clientes que foram beneficiados por
ingressos em informar quem recebeu que se sobreponha ao princípio
constitucional da transparência. Ninguém é blindado de, além de
receber ingresso, não ter seu nome divulgado. Não há vínculo entre o
benefício de receber ingresso e o benefício de receber sob anonimato.
Não faz sentido o anonimato quando justamente são critérios objetivos
que levaram aquele nome a ser escolhido. A não ser que não existam
critérios objetivos que justifiquem familiares receber ingressos. Aliás,
quantos familiares receberam ingressos?
Como é apregoado, a transparência é a regra e o sigilo, a exceção”.
É o relatório.
Análise
9.
Registre-se que o recurso foi apresentado à CGU de forma tempestiva e recebido de
acordo com as regras e condições estabelecidas no art. 16 da Lei nº 12.527/2011 e art. 23 do
Decreto nº 7.724/2012:
Lei nº 12.527/2011
Art. 16. Negado o acesso a informação pelos órgãos ou entidades do
Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer à ControladoriaGeral da União, que deliberará no prazo de 5 (cinco) dias se:
(...)
§ 1º O recurso previsto neste artigo somente poderá ser dirigido à
Controladoria Geral da União depois de submetido à apreciação de
pelo menos uma autoridade hierarquicamente superior àquela que
exarou a decisão impugnada, que deliberará no prazo de 5 (cinco)
dias.
Decreto nº 7.724/2012
Art. 23. Desprovido o recurso de que trata o parágrafo único do art. 21
ou infrutífera a reclamação de que trata o art. 22, poderá o requerente
apresentar recurso no prazo de dez dias, contado da ciência da decisão, à
Controladoria-Geral da União, que deverá se manifestar no prazo de cinco
dias, contado do recebimento do recurso.
10.
Quanto ao aspecto formal relativo ao trâmite dos recursos, o Banco do Brasil, no
julgamento do recurso de segunda instância, não informou ao requerente sobre a possibilidade
e prazo para interposição de recurso à CGU, nos termos do art. 23, caput, do Decreto nº
7.724/2012. Já em relação ao cumprimento do art. 21 do Decreto, observa-se que a decisão de
2ª instância não foi proferida pelo dirigente máximo do Banco, mas pela “Autoridade Máxima
para fins de recursos da LAI”, figura decisória criada pela instituição e que não encontra
respaldo nas disposições legais, seja na Lei nº 12.527/2011 seja no Decreto nº 7.724/2012. O
Banco, portanto, inovou em matéria recursal, atribuindo e delegando competência decisória
para julgamento do recurso de 2ª instância a autoridade não prevista na legislação aplicável.
11.
No que diz respeito ao pedido, o requerente solicita a lista nominal dos contemplados
com ingressos da Copa do Mundo realizada no Brasil.
12.
Da resposta ao pedido inicial e ao longo de todo o trâmite recursal, o Banco do Brasil
expõe suas razões para negar o fornecimento da informação, tendo como argumento central a
ideia de que o Banco atua sob dois regimes distintos, um público e outro privado, sendo que o
fornecimento dos ingressos integra a estratégia comercial da instituição e, portanto, relacionase à sua esfera de atuação privada. Como consequência desse raciocínio, as informações
solicitadas não podem ser disponibilizadas, pois levariam à quebra do sigilo comercial (e
bancário) oriundo da relação privada mantida entre o Banco e seus clientes. Por isso, a LAI
não se aplica a este pedido específico, estando o Banco submetido às suas disposições quando
estiver atuando sob o regime público e houver interesse público na divulgação das
informações.
13.
O requerente discorda do posicionamento assumido pelo Banco do Brasil e afirma,
sem alongar-se em considerações jurídicas, que a instituição deve prestar contas, justificar e
informar os beneficiários de ingressos para a Copa do Mundo. Alega também que, ao
contrário do que diz o Banco, há sim interesse público (da sociedade) na divulgação das
informações, tanto é verdade que a CGU editou normas a respeito do recebimento de
ingressos. No seu entender, a não divulgação não se sobrepõe ao princípio constitucional da
transparência e não se justifica o anonimato em função dos critérios objetivos definidos para a
escolha dos clientes contemplados. Não haveria mal algum em divulgar o favorecido por um
benefício discricionário do Banco. Por fim, lembra que a transparência é a regra e o sigilo, a
exceção.
14.
Antes de passar às considerações de mérito, é necessário primeiramente fixar o objeto
da análise, circunscrevendo-a ao que foi solicitado no pedido inicial. Isto é necessário, pois,
como rapidamente comentado pelo Banco do Brasil, o requerente inovou no pedido durante a
instrução recursal ao fazer uma série de perguntas, ou insinuações, que, embora relacionadas
ao tema, divergem do pedido original. Entre essas perguntas, podem ser citadas:
•
São todos clientes? Não há ninguém do banco? Quem há do banco? Por quê?
•
Faz parte da estratégia do Banco do Brasil distribuir ingressos a clientes e familiares
de dirigentes? Os ingressos dados à mulher e uma filha são regra? Quais outros
familiares foram beneficiados? Por que os familiares são beneficiados? Como dar
ingresso a familiar faz parte da estratégia de marketing? Que estratégia de marketing é
essa que, ao mesmo tempo, é permissiva ao dar ingresso a familiar mas não permite
divulgar quem recebeu ingresso? Houve políticos?
•
Essa é uma política que se coaduna com os princípios constitucionais? Essa é uma
política que se coaduna com os princípios que a CGU defende?
Como essas perguntas extrapolam a solicitação inicial – de fornecimento da listagem com os
contemplados com ingressos para a Copa do Mundo -, não serão consideradas para efeito de
análise do atendimento ao pedido, embora possam subsidiar os comentários sobre a questão
em discussão.
15.
No mérito, assiste razão ao Banco do Brasil em não fornecer as informações
solicitadas pelo requerente, pois há fundamento jurídico em tal decisão.
16.
Em primeiro lugar, por se constituir como sociedade de economia mista, o Banco
possui natureza jurídica singular, em que se mesclam os regimes de direito público e privado.
Assim, há temas, circunstâncias e situações envolvendo a operação do Banco em que há de
prevalecer as prerrogativas e obrigações típicas de direito público assim como há dimensões
em que a face privada da instituição deve ser protegida por meio do marco legal característico
do direito privado. Para os assuntos em que se observa, a toda evidência, a atuação empresária
do Banco, que compete no mercado, que deve enfrentar e se defender das investidas da
concorrência, que deve gerar resultados para garantir a própria sobrevivência e proporcionar
lucros tanto ao governo federal, seu acionista controlador, quanto os acionistas privados, deve
prevalecer as normas de direito privado. A peculiaridade da atuação estatal das sociedades de
economia mista está prevista na Constituição:
Art. 173. (...)
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da
sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade
econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços, dispondo sobre:
I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributários;
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações,
observados os princípios da administração pública;
IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e
fiscal, com a participação de acionistas minoritários;
V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos
administradores. (grifos não constantes do original)
17.
Observa-se que a Constituição previu a criação do estatuto jurídico das empresas
públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica – como é o caso
do Banco do Brasil -, o que, se houvesse sido editado, facilitaria o entendimento e diminuiria
as incertezas interpretativas, ao delinear os parâmetros para modulação da aplicação dos
diferentes regimes e tornar mais claras as situações de prevalência de um ou de outro. No
entanto, a falta de edição desse estatuto não torna tais entidades submetidas integralmente ao
regime público, pois, no que diz respeito à sua operação comercial e mercadológica,
continuam submetidas a normas de direito privado, incluindo aquelas que tratam de sigilo
(comercial, bancário, fiscal etc.). Isto posto, conclui-se que, no âmbito do direito de acesso à
informação, nem todos os dados e informações custodiados ou produzidos pelo Banco do
Brasil poderão ou deverão ser franqueados de forma aberta e indiscriminada à sociedade ou
cidadãos em geral. De fato, não se pode negligenciar o fato de que o Banco é um negócio e,
por isso, deve operar e gerar resultados como um negócio.
18.
Ao sugerir (na verdade em forma de pergunta) que não haveria problema em divulgar
os nomes dos favorecidos com ingresso, pois a escolha decorreu de poder discricionário do
Banco e de que “para tudo há um ônus e um bônus”, o requerente não leva em conta o fato de
que, neste caso, há direitos de terceiros a serem preservados. Ainda que possa haver interesse
público ou interesse da sociedade na divulgação da informação, os direitos de terceiros, ou
seja, dos clientes do Banco beneficiados com ingressos, não podem ser transgredidos ou
desrespeitados. Se os clientes não foram avisados previamente e, portanto, não tiveram a
chance de autorizar ou não a divulgação de seus nomes como beneficiários da promoção, não
se pode agora, à sua revelia, quebrar o sigilo comercial mantido entre Banco e clientes, sob
pena de transgressão das normas vigentes. O “bônus” do cliente de receber o ingresso não
gera automaticamente o “ônus” de ter o seu nome divulgado, a não ser que isto tivesse sido
previamente acertado entre as partes.
19.
Cumpre esclarecer e destacar que o Banco do Brasil e as demais sociedades de
economia mista estão submetidos à LAI, como expressamente previsto no art. 1º, parágrafo
único, inciso II, da Lei, como admitido pelo próprio Banco. Isto não significa dizer que esta
sujeição seja total e irrestrita. Como já visto e discutido, a Lei de Acesso à Informação não
afastou as demais hipóteses de sigilo previstas em outras leis. E as sociedades de economia
mista possuem a peculiaridade de se constituírem com a presença de dois regimes jurídicos
distintos, um público e outro privado. A interpretação do requerente dá a entender que todos
os atos do Banco, incluindo sua política comercial e de marketing, estariam submetidos ao
regime de direito público, com prevalência do acesso irrestrito às informações e da
transparência absoluta. Isso poderia ser verdadeiro se tais sociedades se não houvesse colisão
com outros princípios do ordenamento jurídico (como o da livre concorrência, proteção à
privacidade e intimidade, entre outros) ou choque com outras regras (legislação que trata das
diferentes formas de sigilo).
20.
É evidente que existe o interesse público, de toda a sociedade, de que o Banco do
Brasil, por ser sociedade de economia mista, com controle acionário do governo federal, seja
bem administrado e paute suas ações pelo respeito aos princípios da administração pública,
como legalidade, publicidade e moralidade. A publicidade, a transparência e o controle social
são valores normatizados integrantes do nosso ordenamento jurídico. A LAI assenta o
controle social como uma de suas diretrizes. Porém, a Constituição, a LAI e outras normas do
ordenamento jurídico também garantem a proteção a outros valores e bens da vida, como
aqueles que envolvem a intimidade e privacidade das pessoas. O controle social não se faz a
qualquer custo ou sobrepondo-se a direitos fundamentais. O cidadão (o indivíduo) não deixa
de existir, com seus direitos e obrigações, em face do controle estatal ou social.
21.
Ademais, o controle social não prescinde, suplanta ou substitui o controle
institucional. Importante abordar este ponto, pois as perguntas e afirmações feitas pelo
requerente ao longo do trâmite recursal aproximam-se mais do campo da denúncia do que
exclusivamente do pedido de acesso à informação. Com base em notícia veiculada na Folha
de São Paulo na internet, o requerente afirma que, como é de conhecimento público,
“ingressos que deveriam ser destinados a clientes foram dados à mulher do presidente do
banco, Aldemir Bendine, Silvana Maria Zacharias Bendine e uma filha, para assistir um jogo
do Brasil”. Se o requerente entende que há indícios de conduta indevida por parte de
dirigentes do Banco no que se refere à alegada distribuição de ingressos para assistir a jogos
da Copa do Mundo, existe o caminho institucional da denúncia ou representação a órgãos de
controle e de defesa do Estado e da sociedade, como a CGU, Tribunal de Contas da União TCU e Ministério Público Federal.
22.
No âmbito da CGU, denúncias podem ser registradas por meio de formulário
eletrônico disponível na página do órgão na internet – www.cgu.gov.br (especificamente em
http://www.cgu.gov.br/denuncias). As denúncias devem conter fundamentação mínima para
que possam ser processadas e apuradas. No caso do Ministério Público Federal, o endereço
eletrônico
para
registro
de
denúncias
ou
manifestações
é
http://cidadao.mpf.mp.br/formularios/formulario-eletronico. Por fim, o TCU esclarece e
explica
o
seu
procedimento
para
recebimento
de
denúncias
no
endereço
http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/ouvidoria/perguntas_frequentes/denuncia_for
malizacao.
23.
Não é demais ressaltar que a força do controle social (exercido pela sociedade em
geral, órgãos de imprensa, associações e grupos organizados) se revela também na sua
capacidade de provocar, cobrar e acompanhar o controle institucional no cumprimento da sua
missão. Os órgãos de controle possuem instrumentos e mecanismos de investigação e análise
aptos a serem utilizados na apuração de denúncias ou irregularidades que não possam ser
verificadas diretamente pelo cidadão, em razão de disposições legais ou dificuldades
operacionais. Diante, por exemplo, de norma que impede o acesso a informações protegidas
por sigilo – tal qual no caso em tela -, subsiste a alternativa de se recorrer aos mecanismos
institucionais de controle e, a partir daí, cobrar sua atuação.
24.
Deve-se, a título de registro, ressalvar alguns dos argumentos utilizados pelo Banco do
Brasil para rejeitar o pedido do requerente. Em primeiro lugar, ao defender que algumas
informações não devem ser divulgadas porque não são exigidas pela CVM – em referência ao
art.5º, §1º, do Decreto nº 7.724/2012 -, deve-se contrapor este argumento com a observação
de que este dispositivo legal mira a transparência ativa e não a transparência passiva. A CVM
obriga-se a regulamentar aquilo que deve ser divulgado de maneira ativa pelas instituições
financeiras sujeitas à sua atividade de controle e não a esgotar todas as hipóteses de
fornecimento de informação em sede de transparência passiva, quando o cidadão faz
perguntas a instituições estatais no âmbito da Lei de Acesso à Informação. Dito de outro
modo, o fato de existirem normas reguladoras das informações que devem ser divulgadas
ativa e obrigatoriamente pelas instituições financeiras estatais (por exemplo, por meio da
internet) não esgota as hipóteses de informações que podem ser solicitadas (transparência
passiva) e, caso se enquadrem nas disposições legais, devam ser entregues ao cidadão. Então,
a CVM define apenas o mínimo de informações que devem ser disponibilizadas ativamente à
sociedade, não apresentando um rol taxativo do que é passível de acesso pela sociedade.
25.
Em segundo lugar, a referência feita pelo Banco à Lei nº 8.159/1991, que dispõe sobre
a política nacional de arquivos públicos, não traz subsídios consistentes aos seus argumentos
para negar o acesso à informação. O art. 7º da Lei, transcrito a seguir e citado pelo Banco, traz
a definição de arquivos públicos:
Art. 7º - Os arquivos públicos são os conjuntos de documentos produzidos e
recebidos, no exercício de suas atividades, por órgãos públicos de âmbito
federal, estadual, do Distrito Federal e municipal em decorrência de suas
funções administrativas, legislativas e judiciárias.
26.
Segundo interpretação do Banco do Brasil, as informações solicitadas pelo recorrente
não se enquadram na definição de documento público, como sendo aquele vinculado ao
exercício de funções administrativas, legislativas e judiciárias, o que justificaria o não
atendimento do pedido. Há, no caso, três equívocos. O primeiro deles é que o Banco foi por
demais conciso em sua explicação, falhando em demonstrar, com clareza, qual exatamente a
dissociação entre o conceito legal e o pedido. O segundo aspecto é que a própria Lei nº
8.159/1991 traz definição do que sejam arquivos, em seu art. 2º, que é ligeiramente diversa e
menos restritiva que a definição do art. 7º:
Art. 2º - Consideram-se arquivos, para os fins desta Lei, os conjuntos de
documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de
caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de
atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o
suporte da informação ou a natureza dos documentos.
27.
Ademais, a Lei nº 8.159/1992 deve considerar a existência das regras previstas pela
Lei nº 12.527/2011, que regula o acesso a informações previsto na Constituição. Esta é bem
mais pródiga, flexível e predisposta a facilitar o exercício do direito fundamental do cidadão
de ter acesso a informações públicas ou pessoais do seu interesse. Tanto é assim que a
amplitude de aplicação da Lei nº 12.527/2011 abarca todas as esferas e poderes, órgãos e
entidades da administração direta e indireta, empresas públicas, sociedades de economia mista
e até entidades privadas sem fins lucrativos em determinadas situações, e suas definições de
documento e informação, contidas no art. 4º, são abertas e inclusivas:
Art. 4 Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - informação: dados, processados ou não, que podem ser utilizados para
produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio,
suporte ou formato;
II - documento: unidade de registro de informações, qualquer que seja o
suporte ou formato;
Portanto, tentar afastar o atendimento a pedidos de acesso à informação com base apenas na
definição de documento dada pela Lei nº 8.159/1992 não se sustenta à luz das disposições, das
definições atualizadas e da interpretação teleológica e sistemática que deve ser dada à Lei de
Acesso à Informação.
28.
Ainda assim, o Banco do Brasil precisa, neste caso concreto, proteger as informações
pessoais de seus clientes.
29.
Por fim, informa-se que, em 3 de outubro de 2014, a CGU foi informada de que havia
sido decretado sigilo na Ação Civil Pública (ACP) 2014.01.1.090731-2, nos termos da decisão
abaixo transcrita:
30.
Uma vez que o objeto da ACP envolve a apresentação da lista com “(...) nomes e
dados dos beneficiários dos ingressos, além de apresentar os critérios que nortearam sua
escolha” (Decisão Interlocutória de 16 de junho de 2014), verifica-se que a incidência do
disposto no artigo 22 do Lei n. 12.527/2011, abaixo transcrito:
Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo
e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da
exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física
ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Conclusão
31.
De todo o exposto, opina-se pelo desprovimento do recurso, visto que as
informações solicitadas estão protegidas pelo sigilo comercial.
32.
No aspecto formal, o Banco do Brasil deve apresentar, na primeira oportunidade, as
razões completas que fundamentam a sua negativa. Além disso, não informou ao recorrente
sobre a possibilidade e prazo para interposição de recurso à CGU, nos termos do art. 23,
caput, do Decreto nº 7.724/12. Ressalte-se que as obrigações formais relacionadas ao trâmite
dos recursos devem ser obrigatoriamente observadas pelos órgãos, entidades, empresas
públicas e sociedades de economia mista, pois os solicitantes têm o direito subjetivo à
apreciação recursal em todas as instâncias disponíveis e de acordo com os procedimentos
legais vigentes.
MÁRCIO ALMEIDA DO AMARAL
Analista de Finanças e Controle
DECISÃO
No exercício das atribuições a mim conferidas pela Portaria n. 1.567 da
Controladoria-Geral da União, de 22 de agosto de 2013, considerando a informação enviada
pelo Banco do Brasil em 3 de outubro de 2014, de que havia sido decretado sigilo na Ação
Civil Pública (ACP) 2014.01.1.090731-2, nos termos da decisão abaixo transcrita:
Uma vez que o objeto da ACP envolve a apresentação da lista com “(...) nomes
e dados dos beneficiários dos ingressos, além de apresentar os critérios que nortearam sua
escolha” (Decisão Interlocutória de 16 de junho de 2014), verifica-se que a incidência do
disposto no artigo 22 do Lei n. 12.527/2011, abaixo transcrito:
Art. 22. O disposto nesta Lei não exclui as demais hipóteses legais de sigilo
e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da
exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física
ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público.
Assim sendo, decido pelo desprovimento do recurso interposto, nos termos do
art. 22 da lei 12527/2011, sigilo judicial, no âmbito do pedido de informação nº
99901.000698/2014-81, direcionado ao Banco do Brasil.
JOSÉ EDUARDO ROMÃO
Ouvidor-Geral da União
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Controladoria-Geral da União
Folha de Assinaturas
Documento: PARECER nº 3934 de 08/10/2014
Referência: PROCESSO nº 99901.000698/2014-81
Assunto: Instrução de recurso da LAI
Signatário(s):
JOSE EDUARDO ELIAS ROMAO
Ouvidor
Assinado Digitalmente em 08/10/2014
Este despacho foi expedido eletronicamente pelo SGI. O c ódigo para verificação da autenticidade deste
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