Apontamentos sobre a titulação mínima para ingresso na carreira do magistério superior federal Edilson José Graciollii Prometi a mim mesmo que, nestas férias, não me ocuparia de assuntos profissionais, dado o imperativo terapêutico e existencial de usufruir desse breve tempo supostamente livre apenas para descansar. Abro, entretanto, esta curta exceção para sistematizar alguns apontamentos sobre um assunto que, infelizmente, já adquiriu contornos finais, pois os que poderiam oferecer resistência (bacharéis, licenciados, entidades sindicais, conselhos profissionais, entre eles) estão, mais do que eu, de férias. Refiro-me ao embate em torno do requisito mínimo, em termos de titulação acadêmica, para se ingressar na carreira de magistério superior federal. Como se pode ler, entre outras fontes, no Portal de Notícias do Jornal do Senado Federal, Com 14 votos favoráveis e apenas 1 contrário, o projeto que estabelece a exigência de titulação em nível de pós-graduação para ingresso por concurso na carreira de magistério superior federal foi aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). O PLS 123/2013, de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), poderá seguir diretamente para a Câmara dos Deputados, se não for apresentado recurso para votação em Plenário. De acordo com a relatora, Ana Amélia (PP-RS), o projeto corrige equívoco contido no artigo 8º da Lei 12.772/2012, que impede as universidades federais de exigir, nos editais de concurso para professores, títulos de mestrado ou doutorado. Pela legislação em vigor, as universidades públicas podem exigir apenas a graduação. Para a relatora, o projeto acerta ao modificar a lei e voltar a permitir a exigência de titulação de pós-graduação nos concursos para o magistério público federal. Conforme explicou, a mudança prevista no PLS 123/2013 restabelece exigência já contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB — Lei 9.394/1996). “O projeto tem o mérito de buscar a qualificação cada vez maior para o ensino superior em nosso país” — disse. Ana Amélia informou ainda que a norma contida na Lei 12.772/2012 tem sido criticada pelas instituições federais de ensino superior, considerada como retrocesso no processo de contratação de docentes das universidades públicas. [http://www12.senado.gov.br/noticias/jornal/edicoes/2013/04/25/aprovadaexigencia-de-pos-graduacao-para-professor-de-universidade-publica]. O artigo 8º da Lei 12772/2012, em minha opinião, corrigiu uma distorção produzida pela LDB. A prerrogativa de ensinar, de ser docente, no nível superior de ensino é algo previsto em praticamente todos os projetos pedagógicos dos cursos de graduação, inclusive nas instituições federais de ensino superior (IFES). Qualquer um que queira verificar isto poderá, com facilidade, consultar esses projetos pedagógicos, referentes a cursos que são aprovados, credenciados e avaliados periodicamente pelo MEC. Aquelas profissões devidamente regulamentadas também apresentam como uma das possibilidades de atuação dos respectivos profissionais graduados o ato de lecionarem no ensino superior. Assim sendo, exigir como requisito ao ingresso na carreira de ensino superior das IFES “apenas” a graduação corresponde a reconhecer que todos os que preenchem essa exigência estão, em tese, de acordo com o que se estabeleceu como um dos horizontes para a atuação profissional. Os candidatos inscritos em concursos públicos para a docência nas IFES que tivessem, ou tiverem, títulos de mestrado ou doutorado evidentemente fariam valer isso na prova de títulos, podendo, ainda, expressar a eventual experiência docente e o patamar de conhecimento deles decorrentes nas provas didática e teórica. O argumento de que a exigência de titulação acima da Graduação garantiria maior qualidade para a docência nas IFES é falacioso e desconsidera uma série de aspectos que, a rigor, explicam os reais motivos para o que agora se obteve de alteração na legislação. Senão vejamos. 1. Ao longo de décadas, mais precisamente dos anos 1980 até a segunda metade dos anos 2000, o Estado brasileiro propiciou, no âmbito federal, condições de razoáveis a boas para a qualificação do corpo docente das IFES. Por meio de afastamentos, integrais ou parciais, em geral com bolsas correlatas à modalidade de afastamento, que compunham o PICD (Programa Institucional de Capacitação Docente), houve o fomento à obtenção de títulos de Mestre e Doutor para os que quisessem e pudessem a isso se dedicar. Se hoje as IFES contam com uma ampla maioria de mestres e doutores em seu quadro de docentes efetivos, sem dúvida alguma isso se deveu a essa política de Estado. 2. Ao longo das décadas mencionadas, até mesmo a maioria dos atuais gestores das IFES e dirigentes das agências de fomento (tais como CAPES e CNPq) também foi qualificada progressivamente e por meio de aporte de recursos públicos vinculados ao PICD. Tanto é assim, que muitas instituições apenas nos últimos anos passaram a contar com reitores com mestrado ou doutorado. A UFU somente conheceu reitor com título de doutor a partir de 2000. 3. Boa parte do corpo docente de cada IFES se qualificou por obra e graça do PICD e percorreu as classes e níveis na carreira com a titulação obtida dessa forma. Muitos, portanto, de nós, que integramos o quadro efetivo de docentes, ingressamos nela como graduados, obtendo, posteriormente, os títulos que agora resolvemos exigir como requisito. Claro, tudo em nome da qualidade, não é mesmo? 4. Desde 2008, entretanto, por meio da Portaria 112, de 08/08/2008, a CAPES instituiu um substituto ao PICD, o Programa de Formação Prodoutoral, posteriormente modificado em seu regulamento pela Portaria 140, de 01/07/2010. Esse programa supõe e exige que cada IFES elabore um Plano Institucional de Formação de Quadros Docentes (Planfor). Uma análise atenta sobre o significado do Prodoutoral e do Planfor permite perceber que eles representam uma precarização das condições para a qualificação do corpo docente, além de uma transferência para os interessados dos gastos e tempo de dedicação (os teóricos do chamado capital humano diriam “investimento na empregabilidade”...). O Estado, assim, passa, na prática, a se eximir de uma política para a qualificação do corpo docente, numa lógica linear de corte orçamentário. Uma reflexão sobre isso pode ser vista no Informativo 365 da ADUFU, de 04/10/2010, disponível em http://www.adufu.org.br/admin/uploads/downloads/1/1285957275_0.01363335_ivo_365_04-10-10.pdf. Ora, com a exigência de mestrado ou doutorado como requisito para o ingresso na carreira em tela, essa política institucional de qualificação deixa de existir. A rigor, nem faz sentido manter uma carreira com a classe inicial de Auxiliar, pois esta se destina aos que são Graduados, sem título de Mestre e muito menos de Doutor. A propósito, um doutor que ingresse na carreira docente como tal, poderá ter pela frente longos 35 anos até a aposentadoria (supondo que esse seja seu primeiro vínculo empregatício formal), ao passo que a progressão na carreira de Adjunto nível 1 até Titular lhe reservará apenas 16 anos, isto é, ele deve saber que o que lhe espera é um período de 19 anos de estancamento na carreira. A Lei 12.272/2012 nem de longe resolveu adequadamente os problemas existentes na carreira dos docentes das IFES. Ao contrário, acentuou antigas distorções e criou novas. Entretanto, paradoxalmente, em seu artigo 8º trouxe uma medida que democratiza os concursos públicos, pois valoriza o verdadeiro e legal requisito a ser observado, a Graduação, sem desconsiderar que títulos de pós-graduação sejam devidamente pontuados na prova de currículo e expressem seu diferencial nas demais provas (didática e teórica). Não se pode, é verdade, desconsiderar que em muitas regiões do país o número de candidatos doutores em relação às vagas oferecidas chega a ser de 30:1, ou até mais. Porém, este não me parece ser motivo aceitável para que se afronte um direito – o de se inscrever em concurso público – a quem, por força das prerrogativas de sua formação universitária, atende ao que define a legislação. A alteração produzida pelo PLS 123/2013 e respaldada por amplos segmentos da chamada comunidade universitária constitui um ato ilegal e uma afronta ao regime democrático. Em uma palavra, exigir a Graduação como requisito para o ingresso em tela não feriria direito algum de Mestre e Doutores, mas a recíproca não é verdadeira. Quando um direito é assim desconsiderado, abre-se um grave precedente. Uberlândia, 06/05/2013. i Professor Associado 3 de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal de Uberlândia (e-mail [email protected]). Bacharel em Sociologia, Mestre em Sociologia e Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e pósdoutor em Sociologia pela UNESP, campus Araraquara.