ANÁLISE ESTRATÉGICA DA FUNÇÃO PRODUÇÃO: UM ESTUDO DE CASO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES Autores: BARROS NETO, José P. e OLIVEIRA, Luiz F. M. RESUMO A garantia de consistência e coerência, entre as decisões tomadas por uma empresa, é uma das principais armas para que a mesma obtenha uma vantagem competitiva. A estratégia de produção busca fornecer meios para a empresa organizar suas decisões, de tal forma a dar suporte ao atingimento de uma melhor posição competitiva no mercado no qual se insere. Este suporte é oferecido através da consistência entre as decisões estratégicas e as dimensões competitivas priorizadas pela empresa. Este artigo visa, portanto, analisar a função produção de uma empresa de Construção Civil, à luz de três fontes de evidências: análise documental, percepção de terceiros (pesquisadores/consultores) e percepção de um dos diretores da empresa estudada. Desta análise comparativa, identifica-se as coerências e incoerências existentes na tomada de decisão da função produção. Tal análise leva em consideração as Categorias de Decisão descritas por Wheelwright (1984), que são: instalações de produção, capacidade, tecnologia, integração vertical, força de trabalho, sistemas organizacionais, gerência da qualidade e relação com fornecedores. A partir disso, propõe-se algumas ações para manutenção e correção de possíveis (in)coerências observadas. 1. INTRODUÇÃO Uma estratégia de produção efetiva não é necessariamente aquela que leva à eficiência máxima, ou à engenharia perfeita, mas, antes disso, é aquela que promove consistência entre as potencialidades, as políticas e a vantagem competitiva do negócio. Deste modo, pode-se definir estratégia de produção como sendo um padrão de decisões referentes à função produção, que devem ser coerentes entre si, com a estratégia competitiva da empresa e com as outras funções que a compõe (marketing, recursos humanos, setor financeiro etc). Portanto, de acordo com Wheelwright (1984), é fundamental, um grande esforço para assegurar que as muitas e variadas decisões de produção sejam complementares, coerentes e mutuamente apoiadas. Enfatizando a importância de tais decisões, classifica-se as mesmas segundo dois grandes grupos: estruturais e infra-estruturais. As decisões estruturais apresentam impacto de longo-prazo, e uma vez postas em prática, é de difícil e custosa reversão. Assim, a Categoria de Decisões Estruturais é classificada em: • Capacidade de produção; • Instalações de produção; • Tecnologia; e • Integração Vertical. As decisões infra-estruturais são aquelas que podem refletir um impacto de longo prazo, sem que, necessariamente, não seja possível alterá-las com vistas às condições de médio prazo. 1 Portanto, estas decisões caracterizam-se por uma maior flexibilidade na adaptação às transformações ambientais. Estas correspondem a: • Força de Trabalho; • Gerência da Qualidade; • Sistemas Organizacionais (Organização da Produção e PCP); e • Relação com Fornecedores. Na Figura 1, há uma framework mostrando os desdobramentos da estratégia de produção. Observa-se que a escolha dos critérios competitivos da função produção (custo, qualidade, flexibilidade e prazo) e suas dimensões será definida a partir do conhecimento dos desejos e necessidades dos clientes de cada área estratégica de negócio 1 da empresa. A partir dessas definições parte-se para a determinação das ações e decisões a serem tomada em cada uma das categorias de decisão descrita na Figura 1. Deste modo, a formulação de estratégias de produção pretende estabelecer uma linha de pensamento coerente para a tomada de decisão na função produção. Além disso, ela desperta para a necessidade de se analisar as decisões de forma sistêmica, pois as decisões em uma categoria podem influir positivamente ou não tanto no desempenho da produção como em outras categorias. Figura 1 –Framework da estratégia de produção 1 Áreas Estratégicas de Negócios são unidades de mercados, nichos de mercados no qual os clientes tem os desejos parecidos e que podem ter muitas características em comum: faixa de renda, faixa etária, costumes etc. Por exemplo, pode-se ter as áreas de negócio: moradia para baixa renda, salas comerciais, moradias de alto luxo etc. dentro da mesma empresa, mas elas precisam ser tratadas de formas diferentes. 2 Além disso, o desdobramento e classificação das decisões em categorias também facilita o conhecimento dos pontos fortes e dos pontos fracos da função produção e a conseqüente possibilidade de exploração do primeiro e neutralização do segundo conjunto. Com isso, tem-se a oportunidade de definir as habilidades da produção que podem ser valorizadas e proporcionar o ganho de competitividade no setor ao qual a empresa pertence. Devido à restrição de páginas do artigo, não se entrará em detalhes a respeito de cada uma das categorias. Para quem desejar maiores esclarecimentos sobre a aplicação dos conceitos à construção de edificações, sugere-se a leitura da seguinte referência: Barros Neto et alli (1998). O escopo deste trabalho é analisar a função produção de uma empresa da Indústria de Construção Civil, Sub-setor Edificações, tendo como parâmetro tais Categorias de Decisão. Desta forma, através da percepção cruzada de três fontes de informação, analisa-se a coerência entre as percepções obtidas, e entre as decisões estratégicas tomadas e as prioridades competitivas estabelecidas pela empresa. 2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Neste trabalho utilizou-se, em linhas gerais, o estudo de caso como o método de pesquisa. Este se adequa ao tipo de pesquisa que se desenvolveu porque ele é um estudo exploratório que tenta conhecer mais sobre um assunto pouco explorado na literatura, no qual os pesquisadores não conseguem controlar os eventos ambientais que porventura poderão vir a influenciar na obteção e interpretação dos dados e que está focado em eventos contemporâneos e atuais. Além disso, a pesquisa busca conhecer como e por que os eventos ocorrem dentro da organização estudada. Estas características vão ao encontro do que preconiza Yin (1994) a respeito do método de pesquisa: estudo de caso. No presente estudo de caso utilizou-se como unidade de análise uma pequena empresa de construção de edificações, no qual se buscava conhecer como era função produção desta empresa, como e por que eram tomadas as decisões relativas a esta mesma função e com isso verificar as coerências e incoerências existentes na tomada de decisão e o seus reflexos no desempenho da empresa. Para isso, foram utilizadas múltiplas fontes de evidências com o objetivo de desenvolver uma triangulação dos dados e informações destas fontes, para facilitar a interpretação dos mesmos e melhorar a confiabilidade do processo de pesquisa (Yin, 1994). A primeira fonte a ser utilizada foi um relatório elaborado pela empresa durante um curso para a aplicação do método de intervenção (Santos et alli, 1996) desenvolvido pelo NORIE/UFRGS 2. Neste relatório a empresa determinou quais seriam as suas prioridades competitivas relativas à função produção e quais seriam os seus planos de ação para implementá-las. A segunda fonte de evidência foi a entrevista com os consultores e pesquisadores que prestam algum tipo de serviço para a empresa em estudo, na busca percepção de pessoas externas à empresa. A terceira fonte foi uma entrevista com o diretor-presidente da empresa, na busca de percepções interna à empresa. Nas duas últimas fontes foi utilizado um questionário com vários questionamentos divididos em nove categorias de decisão estratégica da produção: instalações de produção, capacidade de produção, tecnologia de produção, integração vertical, sistemas organizacionais, força de trabalho, gerência da qualidade, relação com fornecedores. É interessante salientar também que as perguntas do roteiro de 2 Núcleo Orientado para a Inovação na Edificação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 3 entrevista foram montadas a partir da revisão bibliográfica, dos objetivos de pesquisa e da experiência dos pesquisadores. O tipo de entrevista utilizado foi a semi-estruturada, pois seguiu-se um roteiro de perguntas que não era muito rígido, dando assim liberdade ao entrevistador para aprofundar questionamentos ou fazer novas perguntas de acordo com o andamento da entrevista. Deste modo, pode-se resumir o trabalho de pesquisa deste artigo através do desenho de pesquisa esboçado na Figura 2. Análise dos Relatórios Percepção Externa Percepção Interna Análise da Produção e das Coerências Figura 2 Desenho de pesquisa do estudo de caso realizado A partir da Figura 2, verifica-se uma interdependência entre as fontes de evidências demonstrando que o processo foi cumulativo e que os questionamentos realizados na fase de percepção externa sofreram influência de uma primeira análise dos relatórios e que a avaliação da percepção interna sofreu influência da análise dos relatórios e da avaliação da percepção externa. Portanto, em cada uma das fases foram sendo feitos esclarecimentos sobre as fases anteriores. No final, as três fontes foram utilizadas para fazer uma análise completa da função produção da empresa e da coerência na tomada de decisão nesta função. 3. CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA Acerca da empresa analisada, pode-se afirmar que: é uma empresa nova que trabalha prioritariamente com setor de serviços (reformas, ampliações etc), mas que atualmente está construindo duas obras em regime de administração. Em função dela ser uma empresa pequena ela possui uma flexibilidade e agilidade muito grande para aceitar novos serviços. Os donos são dois engenheiros novos que trabalham em harmonia. Eles estão bastante motivados com os processos de melhoria desenvolvidos pelo NORIE e têm uma vontade de crescer, mas trabalham a passos curtos porém seguros e com uma visão definida de futuro. Em função de trabalhar na prestação de serviços a empresa desenvolveu a habilidade de gerenciar empreendimentos. Deste modo, todas as suas atividades são subempreitadas. 3.1 Estratégia Empresarial No início de 1995, a empresa passou por um processo de mudança no qual foi desenvolvido o projeto ATITUDE juntamente com uma consultoria externa. Dentro deste projeto 4 foram definidos os vários pontos que norteiam a estratégia empresarial da empresa. A seguir, apresenta-se os mesmos: • A filosofia da empresa Seriedade, competência, unidade de pensamento e ser a melhor • O negócio da empresa Construção civil em geral (prédios comerciais, residenciais e industriais) e prestação de serviços no setor da construção civil • A missão da empresa Estabelecer condições sólidas de crescimento viabilizando, assim, a vida profissional dos sócios • A estratégia geral da empresa Racionalizar, executar cada atividade apenas uma vez e padronizar para alcançarmos mais tempo para todos os envolvidos e maior eficiência com o objetivo de colocar a empresa em posição confortável no mercado Como já foi mencionado, a empresa atua fortemente no setor de serviços e apenas nos últimos três anos tem iniciado empreendimentos no setor imobiliário. Dentro deste mercado, a empresa focaliza as pessoas com renda superior a R$ 4.000,00. A empresa não tem sua estratégia explicitada, mas trabalha no setor de incorporação e serviços de reforma e agora está começando a se especializar num nicho de mercado de obras especiais, tais como: reformas em hospitais, hotéis, que exigem algumas habilidades especiais com relação à gerenciamento, logística e atendimento ao cliente, deixando de fazer alguma das atividades anteriores. Isto mostra que a organização está começando a fazer um reposicionamento estratégico. Pode-se concluir também que esta empresa se classifica como do tipo analista (Mintzberg, 1973) por tentar combinar aspectos das empresas defensoras com as prospectivas, ou seja, ela busca minimizar o risco enquanto tenta maximizar as oportunidades lucrativas. 3.2 Estratégia de Produção A partir do curso de intervenção do NORIE e utilizando a matriz de desempenho X competência de Slack (1993), a empresa determinou as dimensões competitivas a serem priorizadas: custo (fazer mais barato) e velocidade de produção (fazer mais rápido). Para o custo foram definidos os seguintes objetivos estratégicos com os respectivos planos de ação: • redução do custo global coletar indicadores calcular perdas contábeis e volumétricas Enquanto que para a velocidade de produção foram definidos os seguintes objetivos estratégicos com os respectivos planos de ação: • tornar os processos mais rápidos detalhar mais o planejamento físico das tarefas 5 desenvolver sistemas de formas Analisando as dimensões competitivas juntamente com os objetivos estratégicos e os respectivos planos de ação, verifica-se que há uma coerência entre eles. 4. DESCRIÇÃO DAS CATEGORIAS E ANÁLISE DAS COERÊNCIAS A seguir, descrever-se-á cada uma das categorias de decisão com os seus respectivos diagnósticos (nos dias de hoje), descrições das políticas adotadas a partir da estratégia de produção e os efeitos destas políticas sobre as dimensões competitivas escolhidas (na época do curso de intervenção). Esta descrição é feita a partir de duas óticas diferentes. A primeira, dita externa, tomou como base o depoimento de pesquisadores que vêm trabalhando com a empresa em projetos de melhoria dos processos gerenciais. A segunda ótica, dita interna, refere-se à percepção de um dos diretores da empresa. 4.1 Instalações de Produção 4.1.1 Percepção Externa A empresa não trabalha com centrais de produção e tudo é confeccionado e montado na obra. Ela não possui focalização geográfica. Além disso, não tem canteiros de obra com áreas padronizadas, mas ao início de cada obra ela desenvolve um bom planejamento de canteiro que acaba proporcionando uma boa logística. Esta preocupação surgiu a partir de um convênio com o NORIE/SEBRAE. A política adotada pela empresa com relação às instalações foi a de apenas ter um planejamento de canteiro em todas as suas obras, seguindo as mesmas diretrizes no processo de tomada de decisão. 4.1.2 Percepção Interna A empresa não possui centrais para a produção de componentes, sendo que sua produção é totalmente terceirizada, ficando a critério dos subcontratados o uso, ou não de centrais de produção. A instalação dos canteiros não é padronizada, não havendo, portanto, critérios definidos acerca do planejamento de layout. O material utilizado para a confecção das instalações dos canteiros de obra, via de regra, não é reutilizado em outras instalações. Uma prática que vem sendo adotada é o aluguel de containers, o que pode ser enxergado como uma nova postura no entendimento acerca do uso das instalações provisórias de canteiro. Quanto às instalações, destaca-se a preocupação com as instalações dos escritórios de obras e empresas, de forma a possibilitar as melhores condições possíveis para a troca de informação entre os mesmos. Logo, em todos os escritórios, encontra-se disponíveis telefones, máquinas de fax e computadores ligados em rede com as demais obras e o escritório central. Não existe, tampouco, critérios definidos para a aceitação de terrenos, tendo-se em vista os padrões de canteiro utilizados pela empresa, em função de que os mesmos não existem. Não há o uso de nenhum equipamento especial em obra, sendo os mesmos de uso disseminado na indústria. Tais equipamentos (carro de mão, gericas, escantilhão etc) são predominantemente próprios, com exceção de betoneira e guincho, que são alugados ao próprio subempreiteiro, e outros equipamentos (conteiners, andaimes etc) de elevado valor, que são 6 prioritariamente locados. Destaca-se o fato de não haver uma preocupação com a manutenção preventiva dos equipamentos. O critério adotado para a compra é, basicamente, o custo, tomandose sempre o cuidado de que as especificações sejam atendidas. Destaca-se uma busca de novos equipamentos e ferramentas quando existe uma necessidade executiva da obra, denotando uma postura reativa. Verifica-se alto grau de consistência entre as duas percepções, o que indica grande transparência das decisões acerca de instalações. Pode-se concluir, ainda sobre este aspecto instalações, que a política adotada pela empresa é indiferente para os dois objetivos estratégicos (custo e velocidade de produção), pois não influi diretamente no bom desempenho deles. 4.2 Capacidade de produção 4.2.1 Percepção Externa A empresa não tem noção de sua capacidade de produção e de gerenciamento. Tanto é verdade que ela não rejeita serviços e os diretores estão sempre atarefados. Eles não fazem pesquisa de mercado nem acompanham a demanda. Como a empresa é uma construtora e não uma incorporadora, ela está mais preocupada em desenvolver parcerias com investidores de vários setores industriais. Deste modo, esta questão do conhecimento da demanda do mercado de edificações se torna secundário. A política adotada pela empresa com relação à capacidade foi a de sempre manter, na sede da empresa, uma equipe pequena, fixa responsável pelas tarefas administrativas, enquanto trabalha com subempreiteiros como responsáveis pelas tarefas produtivas. Desta maneira a empresa repassa a dificuldade de trabalhar com as incertezas do ambiente para os subempreiteiros. 4.2.2 Percepção Interna Não existe preocupação com a previsão de demanda, nem tampouco, com o planejamento da capacidade. Existe, sim, uma política de ganhar obras e gerenciar os recursos, de tal forma que os objetivos do empreendimento sejam alcançados. A relação engenheiro/obra é no mínimo de 1/1, admitindo-se condições especiais para as quais podem ser disponibilizados até dois engenheiros para cada obra. Em épocas de baixa demanda, a empresa não precisa tomar muitas ações para reagir à falta de serviços, tendo em vista que seu quadro funcional é extremamente reduzido. Isto ocorre pelo fato do mesmo corresponder somente a um quadro administrativo, pois todo o quadro de produção é subcontratado. As equipes de produção são definidas a partir das necessidades verificadas pelo planejamento da produção. Todo os recursos de financiamento das obras advêm de origem particular, não havendo a captação de recursos em instituições financeiras. A empresa, além de atuar no setor imobiliário, presta serviço na execução de obras de reforma de grande vulto, como uma recente obra executada em um tradicional hospital de Porto Alegre. Novamente, destaca-se a coincidência entre as percepções analisadas, bem como a indiferença da política adotada, em relação aos dois objetivos estratégicos, pois ela não influi diretamente no bom desempenho deles. 7 4.3 Tecnologia de produção 4.3.1 Percepção Externa A empresa utiliza a tecnologia tradicional de construção, mas atualmente adquiriu uma tecnologia de formas para concreto já difundida no mercado. No que diz respeito à tecnologia de informação está muito bem, pois possui computadores ligados em rede no escritório e em todas as obras há computadores ligados diretamente à empresa via modem. Como política de melhoria da tecnologia de produção, a empresa adotou a busca e incorporação de técnicas, processos e equipamentos já difundidos no setor, visando reduzir os custos de produção. Além disso, procurou racionalizar alguns processos (alvenaria, concreto) utilizando as técnicas e métodos desenvolvidos pelo NORIE. 4.3.2 Percepção Interna Verificou-se uma preocupação com o emprego de tecnologias racionalizadas, com o uso de blocos cerâmicos para a confecção de alvenarias, formas padronizadas para a execução da estrutura e padronização das instalação, com a compatibilização do projeto das mesmas com os projetos de detalhamento das estruturas e alvenarias. Há, contudo, uma convivência destas tecnologias com outras mais convencionais como o emprego de guincho para o transporte vertical de materiais. O principal critério utilizado para o emprego de uma nova tecnologia é a redução de custo, sem o prejuízo da qualidade. Em obras de prestação de serviço, algumas vezes, destaca-se o critério prazo, levando à busca de tecnologias que acelerem o ritmo da obra, tornando-se, por vezes, preponderante sobre o critério custo. Praticamente, não há desenvolvimento de tecnologia própria, verificando-se que a empresa não desenvolve, internamente, equipamentos ou ferramentas para o uso na produção. Também não há o incentivo do desenvolvimento destas tecnologias por parte dos subcontratados. Faz-se uso de pré-fabricados de pequeno porte como peitoris, vergas e outros elementos, produzidos na própria obra. Emprega-se, também componentes pré-montados, como kits de portas, que já chegam ao canteiro prontos para a instalação. Existe uma estratégia de implantação para toda nova tecnologia, pela qual a introdução deverá ser feita em uma obra e, somente depois de testada e aprovada, haverá a disseminação para as demais obras. Foi verificada grande preocupação com a tecnologia de informação empregada, podendose destacar a utilização de rede de microcomputadores na comunicação entre as obra e o escritório central. Com a introdução de novas tecnologias, a tendência é aumentar a eficiência dos processos construtivos da empresa. Deste modo, esta política está coerente com o objetivo de redução de custos. Com relação ao objetivo de velocidade de produção, a introdução de novidades tecnológicas pode diminuir os prazos de execução de etapas da obra melhorando este objetivo. Portanto, pode-se considerar a política como sendo coerente também. Percebe-se também as percepções externas e internas são congruentes entre si. 8 4.4 Integração vertical 4.4.1 Percepção Externa A empresa subcontrata todos os serviços, mas mantém parcerias de muitos anos com alguns empreiteiros. Apesar de utilizar bastante o recurso da subcontratação, ela não realiza controle padronizado sobre os serviços terceirizados e nem possui um canal freqüente de comunicação com os seus subcontratados. Além disso, o principal critério para escolha dos fornecedores é o preço, excetuando-se os que trabalham em regime de parceria. Ela também compra todos os materiais e aluga todos os equipamentos. A política adotada pela empresa com relação à integração vertical foi o uso da subcontratação como defesa contra a sazonalidade dos serviços e variação da demanda. Como a empresa não controla os seus subcontratados, fica difícil controlar os custos finais do empreendimento. Portanto, esta política é incoerente com o objetivo de melhoria do custo. Com relação à velocidade de produção, a política adotada também é incoerente, pois a não garantia de entrega de produtos dentro das especificações e no prazo estabelecido, pode comprometer este objetivo. 4.4.2 Percepção Interna Todos os serviços de produção são terceirizados em função de uma decisão estratégica da empresa. Dada a grande importância dos subcontratados, a empresa procura trabalhar em sistema de parceira com a maioria desses. Os critérios utilizados para a escolha de fornecedores de serviços são relacionados à capacidade destes de atenderem critérios de custo, prazo e qualidade apresentados pela contratante. Um outro critério que se destaca é a capacidade de o contratado atender aos requisitos estabelecidos pela NR-18. A análise destes critérios, no entanto, não tem procedimentos rigidamente estabelecidos, sendo, por vezes, subjetiva. Toda a relação entre a empresa e os subcontratados é estabelecida formalmente através de contrato. A empresa exerce controle total sobre os subcontratados no que tange ao atendimento dos objetivos do empreendimento, previamente estabelecidos. A empresa, por motivos estratégicos, não fabrica nenhum material ou componente, sendo os mesmos, em sua totalidade, adquiridos de terceiros. Em termos de equipamentos, existe uma diretriz para que os mesmos sejam alugados, com exceção dos casos em que os custos de locação excedam os custos de aquisição. Aqui, verifica-se inconsistência entre as percepções obtidas, no entanto, pode-se inferir que a atual falta de controle identificada corresponde ao anseio interno de que esta falha seja corrigida, demonstrando uma preocupação coerente com a estratégia estabelecida de priorização dos critérios custo e velocidade de produção. 4.5 Força de trabalho 4.5.1 Percepção Externa Como a empresa trabalha em regime total de subcontratação, a mesma não tem política de recrutamento e seleção dos recursos humanos nem de treinamento. A preocupação maior da empresa nesta categoria é com a segurança dos operários, principalmente depois da entrada em 9 vigor da NR-18 e com o ambiente de trabalho nas obras (refeitórios e alojamentos em boas condições, por exemplo). Isso é cobrado constantemente dos empreiteiros. Há um dado importante com relação aos recursos humanos que merece ser registrado. O clima organizacional no escritório da empresa é excelente com os funcionários bem motivados e interessados em participar das atividades de melhoria. A diretoria mantém uma tratamento cordial e interativo com todos os membros da organização e com os seus parceiros. 4.5.2 Percepção Interna A empresa não recruta nem seleciona operários, tendo em vista que toda a equipe de produção é subcontratada. Não há ainda, por questão de não adequação às necessidades, política de remuneração, de critério de promoção ou para redução do absenteísmo e rotatividade. Contudo, existem programas de motivação da mão-de-obra subcontratada, com o intuito de atingir melhor produtividade, tais como a distribuição de prêmios para os operários mais assíduos. Há uma preocupação especial com relação aos itens da norma NR-18, com a intenção de que os mesmos sejam cumpridos na íntegra, por todos os subcontratados. Para tanto, a empresa conta com um especialista em segurança do trabalho e a fiscalização de toda sua equipe de engenharia para que não se verifique desrespeito à referida norma nas obras. O controle de freqüência, assiduidade e pontualidade é realizados através do uso do cartão de ponto. Embora não haja uma punição definida devida às faltas registradas, o funcionário pode ficar de fora dos programas de motivação, como, por exemplo, distribuição de cestas básicas. Não existe a coleta, hoje em dia, de indicadores detalhados de produtividade, embora exista a preocupação com a coleta de um índice de produtividade global para a equipe que realiza um determinado serviço. A política adotada para esta categoria foi a de continuar trabalhando com mão-de-obra subcontratada, buscando melhorar o controle sobre os subcontratados. Os efeitos desta política sobre os objetivos estratégicos são os mesmos que estão analisados na categoria anterior. Porém, vale ressaltar que esta política sendo bem administrada, pode trazer bons frutos para empresa principalmente no que tange à questão da velocidade de produção, pois pode-se elevá-la rapidamente através de mão-de-obra subcontratada, fato que não aconteceria tão rapidamente se a empresa tivesse que selecionar, recrutar e contratar operários para atender um pico da demanda. Além do mais, os custos desta mobilização seriam grandes. Contudo, verifica-se, novamente, problemas relacionados ao controle o que ratifica o que já foi comentado no item anterior. 4.6. Gerência da qualidade 4.6.1 Percepção Externa A empresa busca a padronização dos processos junto com seus subcontratados. Ela também tem definido uma hierarquia de responsabilidades com relação à liberação dos serviços, o responsável é o mestre sob a supervisão do estagiário, que presta contas ao engenheiro da obra e diretor técnico da empresa. A política adotada pela empresa foi a de repassar às subcontratadas os conceitos de gestão da qualidade, visando a padronização como forma de reduzir o custo global. Deste modo, esta 10 política está coerente com os dois objetivos estratégicos, pois a melhoria da qualidade e da padronização propicia a redução do custo e um detalhamento melhor do planejamento físico das atividades, proporcionando uma melhoria na velocidade de produção da obra. A partir desta política os principais parceiros da empresa participam de todos os projetos de melhoria da empresa, inclusive dos trabalhos com a equipe de pesquisadores do NORIE. 4.6.2 Percepção Interna Verifica-se a preocupação com a garantia da qualidade do produto final, sem que, no entanto, seja verificado um estabelecimento formal de padrões de qualidade para o produto, ou introdução de procedimentos que visem a garantia da qualidade do processo. O controle da qualidade, portanto, adquire um caráter subjetivo, personificado na figura do engenheiro responsável pela gerência de produção. Não existe procedimento padrão para a verificação de projetos, sendo normal a verificação de problemas relacionados a projeto, durante a fase executiva. Existem procedimentos especiais para o recebimento de alguns materiais como concreto, bloco cerâmicos e aço. Estes e outros materiais têm seus estoques controlados através de cartões de estoque. Verifica-se a existência de controle tecnológico para concreto e aço. A produção apresenta a preocupação de conseguir manter uma flexibilidade que garanta o atendimento de alterações requisitadas, a tempo, pelo cliente. Não há, no entanto, o informe dos prazos que os clientes deveriam atender para o pedido de cada tipo de alteração. Pode-se identificar, aqui, uma clara incoerência entre as percepções, interna e externa, indicando a capacidade da empresa de passar uma idéia de aplicação de conceitos de qualidade que na prática não se verificam. Isto traz prejuízo à consecução dos objetivos estratégicos traçados, uma vez que um programa de melhoria da qualidade do processo de produção poderia resultar em importantes ganhos no desempenho de custo e velocidade. 4.7 Sistemas organizacionais (organização da produção e PCP) 4.7.1 Percepção Externa O sistema organizacional da empresa é o tradicional, mas sem uma rigidez muito grande quanto à hierarquia e à disciplina, principalmente para os funcionários do escritório. É notório que o programa ATITUDE surtiu efeito, pois a empresa está bem organizada e os operários bastante motivados. Há uma preocupação com o cronograma e com o orçamento, e a empresa, na medida do possível, faz um acompanhamento dos dois. Os membros da organização confiam muito nas informações destes dois instrumentos. Há, também, o desenvolvimento de um planejamento operacional através da consultoria de um grupo de pesquisa. Em contrapartida, não há um controle efetivo de todas as etapas da obra nem uma medição da produtividade dos operários. 4.7.2 Percepção Interna A estrutura é organizada por projeto. Entenda-se por isso, certa polivalência dos funcionários técnico-administrativos. Estes podem assumir diferentes funções conforme a conjuntura vivida pela empresa em dado momento. Existem duas superintendências, na qual uma 11 responde pelas questões técnicas e a outra pelas financeira-comerciais, havendo certa divisão das responsabilidades administrativas. A estrutura hierárquica da obra é rígida, apresentando-se na ordem diretor, engenheiro responsável, engenheiro residente, empreiteiros, encarregados e equipes de produção. Há, ainda, um estabelecimento bem definido de cada uma das funções e seus graus de autonomia. No planejamento, verifica-se a utilização de cronogramas físico-financeiros e orçamentos bem detalhados, fazendo-se uso na elaboração de tais planos de recursos computacionais. Este detalhamento denota uma forte preocupação com o acompanhamento e controle dos prazos e custos de obra. Realiza-se, ainda, um planejamento operacional de curto prazo, o qual apresenta forte ênfase na detecção e solução de problemas. Faz-se, também, o acompanhamento de indicadores relacionados ao desempenho do processo de planejamento. Existe preocupação no sentido de envolver os subcontratados no processo de planejamento, de forma a possibilitar um maior comprometimento por parte daqueles. As entregas de materiais são totalmente programadas com antecedência suficiente para que se verifique baixos índices de solicitações emergenciais. Os decisores resolveram adotar como política principal para esta categoria a busca da melhoria do planejamento através do desenvolvimento de ferramentas de controle e do planejamento operacional semanal das atividades. Isto é coerente com o objetivo de custo da produção, pois esta política auxilia a detectar os motivos de atrasos e custos indesejáveis na produção, auxiliando diretamente na melhoria do custo. Com relação ao outro objetivo, ela é coerente também, pois a melhoria no planejamento do tempo de execução tem relação direta com a velocidade de produção. É coerente, ainda, no aumento do esforço de incrementar os mecanismos de controle, ainda escassos. 4.8 Relação com fornecedores 4.8.1 Percepção Externa Há uma série de parceiros que trabalham com a empresa, como por exemplo: projetistas, empreiteiros de obra bruta, serviços de pintura e instalações etc. Para os outros materiais ela pensa em ter daqui a algum tempo no máximo três fornecedores para os principais insumos. Atualmente, vem desenvolvendo os seus trabalhos de melhoria juntamente com estes parceiros. Por exemplo, o empreiteiro de obra bruta participa de todas as reuniões com o grupo de pesquisadores do NORIE e das implantações decorrentes delas. Esta é uma área que a empresa está investindo muito. 4.8.2 Percepção Interna Os fornecedores passam, no caso dos principais insumos, por um processo de préqualificação, depois do qual existe uma concorrência no qual o critério de escolha recai sobre custo. Assim, verifica-se a existência de uma preocupação com o estabelecimento de algumas parcerias que restringe-se à aquisição de materiais especiais. O controle e monitoramento da qualidade dos materiais fornecidos é informal, inexistindo procedimentos padrão para avaliação de fornecedores. Não há, tampouco, preocupação de 12 oferecer seminários e treinamento que aumentem a qualificação dos fornecedores, nem parceria estabelecida para o desenvolvimento conjunto de novos produtos. A política adotada pela empresa com relação a esta categoria, foi buscar parcerias duradouras em alguns serviços, apesar de em outros haver uma relação competitiva com os fornecedores, procurando o menor preço e a melhor condição de pagamento. Esta política é coerente com os dois objetivos estratégicos da produção, pois favorece a redução do custo da obra através de negociações do tipo ganha-ganha entre empresas e fornecedores e também coopera para que os materiais estejam no tempo certo e na quantidade certa no canteiro, melhorando obviamente a velocidade de produção. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do que foi exposto nos parágrafos anteriores, pode-se fazer uma comparação entre os planos de ação previstos no desenvolvimento da estratégia de produção e a realidade atual da empresa e verificar que muito foi realizado. Acredita-se que isso ocorreu porque a empresa estipulou planos coerentes com o tempo e com a sua capacidade de implementá-los. Mais uma vez verifica-se que a empresa toma decisões de curto prazo, mas visando um longo prazo bem definido. Além do mais, acredita-se que as dimensões competitivas priorizadas estão sintonizadas com os desejos do novo negócio (serviços especiais), pois a garantia do custo é interessante para a empresa disputar concorrências que sempre existem neste ramo. Já o desenvolvimento da velocidade de produção permite a empresa entregar as obras num prazo mais curto, propiciando aos contratantes a possibilidade de auferirem lucros num prazo menor. Contudo, há alguns problemas que precisam ser solucionados. Por exemplo, é preciso incrementar o planejamento e desenvolver o controle efetivo de tempos e insumos em obra. Algum movimento da empresa, no sentido de aumentar o controle sobre o processo de produção, já pode ser notado. Isto se reflete através da preocupação com este tópico, e o desenvolvimento de procedimentos e padrões, tanto para a execução, quanto para o controle desta. Além do mais, há uma caso explícito de estratégia emergente (Mintzberg, 1987), pois a empresa começou a trabalhar com serviços especiais a partir de um serviço de ampliação que ela fez em um hospital de Porto Alegre e em função de seu desempenho e análise percebeu que este nicho de mercado não era muito explorado pelas empresas da região. Além disso, verificou que conseguiu se adaptar muito bem a este tipo de obra e, a partir dai, começou a se especializar neste tipo de obra, buscando o desenvolvimento das competências essenciais (planejamento eficiente e eficaz, logística de canteiro etc) para atuar neste negócio. 6. LIMITAÇÕES E PRÓXIMOS PASSOS Este trabalho teve algumas limitações, pois a análise teria sido mais completa se funcionários da empresa tivessem sido questionados, se empreiteiros e fornecedores tivessem sido abordados e se o outro diretor tivesse sido entrevistado, pois novas percepções teriam sido anexadas ao processo de análise. Outro procedimento que teria enriquecido o processo era a observação in loco dos processos, procedimentos, índices, técnicas mencionados pelos respondentes. Nesta fase, haveria 13 um detalhamento que proporcionaria um aprofundamento das análises e a real confirmação ou não do que foi mencionado pelos respondentes. Estas limitações ocorreram principalmente devida à disponibilização limitada de tempo da empresa para atender os pesquisadores, apesar da mesma está bastante interessada nesta avaliação. Atualmente, está havendo negociações como o comando da empresa para a continuação deste trabalho. Além disso, estão sendo desenvolvidas ou adaptadas ferramentas para observações in loco. Além disso, pretende-se estender este trabalho para outras pequenas empresas de construção de edificações com o intuito de aumentar o conhecimento da função produção deste setor tão carente de informações. BIBLIOGRAFIA BARROS NETO, J. P., OLIVEIRA, J. I. R. & FENSTERSEIFER, J. 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