Relatos do Oriente © Gui Galembeck / Tatiana Ribeiro Relato 1 - 06 de março de 2013 No voo de Dubai a Pequim a Emirates também fez bonito. Cheguei a comentar por aí que tatuaria um coraçãozinho no braço com o nome Emirates dentro, em dourado. Depois desisti porque nem existe tinta de tatuagem dourada. E ali a gente já teve uma amostrinha do paladar chinês: cupnoodles a vontade o voo todo. E eu, mui ingenuamente, pensei comigo quem é que era o caipira que ia comer miojo num voo todo gourmet. Há! De caipira só tinha eu que não sabia que este é o pais do noodles. Se acabar o noodles aqui a China entra em colapso. Tanques de guerra teriam que enfrentar bilhares de pessoas enfurecidas, o sangue encharcaria as avenidas, milhares tentariam cruzar as fronteiras a qualquer custo, o suicidio seria uma prática constante e quase compreendida pelo demais que só se sustentariam vivos pela esperança de um dia voltar a comer noodles. Juro. Noodles aqui é tipo água pro resto do mundo. E o mais engraçado e que não teve salmão ao molho de cebolinha que segurasse a chinesada. Era noodles pra tudo quanto é lado, a aeromoça já tava virando os olhos. E assim fomos nós rumo a china, com uma sorte danada que ninguém sentou do nosso lado então nos revezamos para dormir um no colo do outro. E até que deu pra tirar um cochilo, mas falar pra vocês que o tal do jetlag me pegou mesmo assim. Fiquei doidona. Tive umas brancas, um sono forte do nada, coisa esquisita. Me senti esgotada quando tudo acabou. Não conseguia mais juntar duas palavras, acabar uma frase, falar em inglês direito, nada. Estava uma estafa em pessoa. Quase uma estufa. Aí já cheguei me fu... dendo. (Será que se separar o palavrão ele soa menos feio?). Deixei pra comprar a merdinha do desodorante no free shop chines e claro, não tinha porque chinês não usa desodorante. E tive que engolir sequíssimo o "não te disse pra comprar lá?!" do Gui, que realmente falou pra eu comprar lá. Aí entramos naquelas filas chatissimas que o policial escolhe uma pessoa a esmo pra abrir a mala e encher o saco e adivinha quem foi que ele escolheu? Tremi, tenho praticamente a droga raia inteira na minha mala, o que eu dizer? Trafico internacional de medicamentos! Iam achar que eu ficava nas esquinas oferecendo loratadina a preços indecentes. Só que, meu bem, eu tenho uma mala nova. E essa mala nova, querido, é linda. Tão linda que eu não queria que ninguém colocasse a mãozinha sujinha nela, meu amor. Então o que foi que eu fiz? Mandei plastificar no aeroporto. E o moço passou não uma, nem duas, mas duzentas e trinta e oito camadas de plástico verde limão. Entendeu, baby? A sorte brilhou verde limão pra mim naquele momento e a policial com TPM abriu só a mala do Gui. "Ta fazendo o que aqui na China? Conhece alguém aqui? Vai aonde? Quanto você tem de dinheiro? Quando você vai embora" e pegou o talco de pé do Gui ( tenis pé baruel) desconfiadissima, chacoalhou como quem esclarece qualquer coisa com isso e disse ok, pode ir. Quase descobriu as 200 gramas de cocaína que ele tinha no lugar do talco. Brincadeira, mãe. Ele só tinha ópio mesmo. E aí finalmente, 30 e tantas horas depois, chegamos na China. Esgotados, sem desodorante, fedendo a noodles, mas com um sorrisinho torto na cara. Nós conseguimos, tá bom? (Ler com voz e entonação da chinesa que me negou o visto na primeira vez). E cá me aparece a China por trás do vidrinho do aeroporto. Uma névoa branca cobre Pequim. E eu bobinha vou correndo pro grande império do meio, feliz e contente, abro a porta e... Volto. Puta fredo! Virge, vai ser foda hein? E toca arrancar os duzentos e trinta e oito rotaçoes de plástico verde limão pra pegar a blusão de frio, o cachecol, o gorro, a luva, no chão do aeroporto mesmo, com o maior orgulho ferido porque apostei horrores que não tava tão frio como dizem por aí, que era mentira da oposição. Pois não era. E encapotados saimos para nossa primeira aventura, parecendo dois pinguins cansados: encontrar o hotel. Eu com meu caderninho rabiscado de ideogramas que eu mesma fiz bem tortinhos e ainda nao sabia se alguem entenderia, uns xerox do endereço colados com cola bastão e as malas pesadinhas enchendo os córneos. Aí mostrei o endereço pro espertinho do taxista chinês que me disse "fór randredi yuans". Four hundred a bunda chinesa dele que eu sabia que o rolê não virava nem cem contos, li isso no google. E o Gui ainda me olha como quem diz "pagamos?". Eu olhei com minha cara de 30 horas de voo e cortei na hora " nem fodendo". Em português mesmo, pra ele é pro chines também. Falei, vamos de onibus e saí puxando a mala, super decidida pra desespero do meu marido que dava tudo pra chegar logo na droga do hotel e do chinês que veio dizendo " rau mach iu uant pei? Rau much? Rau mach?" E eu ofereci 100, de besta, porque eu sabia que dava menos. Aí o rapaz se fez de dificil, achou pouco, achou que a gente ia negociar, mas ele nao sabe que quando se trata de economia não tem 30 horas de noodles que me faça desistir. Vamos de ônibus e pronto. Virei as costas e sai andando, o Gui atrás " ah e como é que você acha que a gente vai conseguir chegar lá Tati? Posso saber?" Aí eu fui com meu caderninho torto com cara de quarta serie pra moça que tava do lado de um troço de busão, toda uniformizada, mostrei o endereço e ela falou: 15 yuans. E me deu um ticket. Touché! Ou seja, de 100 e tantos reais que o taxista queria, pagamos cincão pelo busão e lá fomos nós, com o dinheirinho no bolso, feliz e contentes enquanto Pequim se revelava para gente a cada curva que o ônibus fazia, cheia de prédios imensos, ideogramas estranhos, passarelas, milhares de carros e bicicletas convivendo nada pacificamente e comercias estranhos em telões gigantescos. E a gente ali, embasbacado. Pois nao é que o ônibus me para num Deus me livre qualquer e cospe a gente? Assim, do nada. Parou e o motorista falou umas vogais meio altas pra gente, abriu a porta e apontou pra fora meio sem paciência. E foi embora. Ficamos ali, eu, Gui e as malas perdidos em Pequim. E agora? Agora não sei, Gui, vamos perguntar pra alguém. Falei assim pra dar um ar de decidida, mas na real tava num mato sem cachorro, naquela maior friaca. Entrei num posto, Do you speak english? "Li nu wang ai li". Meu Deus, o que fazer? Toca pegar caderninho, mostrar endereço pro moço cruzando os dedos. E o cara foi o maior anjo da guarda, já se juntou com outros dois, discutiram a situaçao, pesaram as coisas, argumentaram, desenvolveram até que um deles chamou a gente pro canto da rua e chamou um taxi. Corrigindo, chamou o melhor taxi do mundo inteiro. Agora eu sei. Antes de ir embora eu olhei no olho do chines do posto e disse honestamente " xie xie". Quase disse "eu te amo" mas achei imprório. E o taxi saiu com a gente, foi um alivio. Saiu todo decidido, como quem conhece aquele endereço de longa data. Mas foi só impressão mesmo. Ele foi parar numa muvuca. Um lugar super lotado cheio de restaurantezinhos com um transito maluco, bicicletas pra tudo quanto é lado, gente estacionando em lugares absurdos, motos na contramão, uma zona! E o cara na maior paciencia parava o carro toda hora e pedia informaçao para os outros, perguntou para umas tres pessoas diferentes e voltava pro carro sorrindo pra gente, tadinho, estava tao perdido quanto a gente. Até que parou num lugar e falou alguma coisa como " aiua le ie!" . E disse pra gente que era ali, naquela ruazinha escura, uma vielinha suuuuuper pobrezinha. Entendemos que ele nao podia entrar la de carro entao pagamos, pegamos a mala e ele se foi. E cá estavamos nós de novo, meio sem rumo, sozinhos. Entramos na ruazinha escura e fomos na fé de que era ali. A gente não estava entendendo nada mesmo e nem tinhamos outra escolha. E quanto mais a gente andava, mais escuro ficava. E na penumbra a gente via umas pessoas meio que olhando pra gente e a cena ia ficando mais feia, mais suja, mais de decadente e entao, finalmente, eis que suge nosso hotel, o Hutong Inn, em meio aos escombros. Nem bonito nem feio, só estranho. Entramos e o chines com o cabelo lotado de gel verificou nossa senha do booking, localizou a reserva, nos cobrou e nos deu o cartao- chave do quarto 118. Fechamos as portas do nosso quarto e olhamos um para o outro sorrindo: nós conseguimos. Estávamos enfim na China.