Revista da Revista Informativa de Segurança de Aviação - Dezembro/2014 • Ano 45 • Nº 75 Fotodisk ''Protegendo nossas riquezas, cuidando da nossa gente.'' É possível avaliar a efetividade do treinamento em CRM? Novas perspectivas na seleção de pilotos militares Automação dos cockpits - um novo desafio para a Aviação Naval ARP-E: Uma nova realidade na Marinha do Brasil Fator Humano na operação de aeronaves remotamente pilotadas Bolinha, trem, passo e gancho EDITORIAL T emos o prazer de apresentar a 75ª edição da Revista da Aviação Naval (RAN), periódico anual editado pelo Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Marinha (SIPAAerM), voltado, fundamentalmente, à difusão de conceitos, estudos, experiências pessoais e desenvolvimentos tecnológicos relacionados à segurança de aviação. A cada publicação iniciamos os trabalhos com a preocupação de sempre abordar temas atraentes e de grande abrangência e atualidade para a comunidade aeronáutica. Para que esse propósito seja alcançado, devemos propor, incessantemente, reflexões sobre assuntos diversificados e heterogêneos, de forma que sua essência permeie os mais distintos setores da aviação. Assim procedendo, selecionamos artigos por meio de concurso aberto a militares e civis de todas as especialidades e formações, com o prestimoso apoio de colaboradores altamente comprometidos com a segurança de aviação. Neste número, oferecemos ao dileto leitor dois artigos sobre os desafios trazidos pela operação de Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP), expondo as dificuldades, os riscos e as variáveis relacionadas ao fator humano envolvidos nesse tipo de operação. Não é demais destacar que o tema é bastante atual, razão pela qual deverá ser cada vez mais frequente nos próximos exemplares; as ferramentas de gerenciamento de segurança, tais como Gerenciamento de Recursos da Tripulação (Crew Resource Management - CRM) e Gerenciamento de Recursos de Manutenção (Maintenance Resource Management - MRM), que, devido a sua importância para a segurança da aviação, tanto na operação de aeronaves quanto na sua manutenção, são constantes em nossas páginas; o fator humano, quando enfocamos as novas perspectivas para a seleção de pilotos, especialmente a partir da aquisição do Teste de Aptidão para Pilotagem Militar (TAPMIL) pela Marinha do Brasil (MB); e o gerenciamento do voo em aeronaves automatizadas, enfatizando que, em breve, as aeronaves Super Lynx (AH-11A) do nosso inventário igualmente receberão a tecnologia de glass cockpit. A entrada em operação das aeronaves SH-16 e UH-15, a modernização das AH-11A e AF-1/1A e o processo de aquisição das Carrier Onboard Delivery (COD) são conquistas da Aviação Naval extremamente importantes para a proteção de nossas fronteiras e salvaguarda dos recursos vivos e minerais de nossa Amazônia Azul. Entretanto, a cada mudança correspondem novos desafios e uma cuidadosa adaptação do Homem, o elo mais fraco da corrente, aos meios mais modernos. Desse modo, esperamos que os assuntos aqui incluídos venham contribuir para a reflexão sobre essas questões e que entusiasmem nossa comunidade, cada vez mais, ao trabalho incessante de prevenção de acidentes aeronáuticos e difusão da filosofia e dos preceitos da tão almejada segurança de aviação. Boa leitura e bons voos. No ar, os homens do mar. Carlos Frederico Carneiro Primo Contra-Almirante Chefe do SIPAAerM Revista da Revista Informativa de Segurança de Aviação - Dezembro/2014 • Ano 45 • Nº 75 Sumário Expediente Revista da Aviação Naval Publicação do Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Marinha – SIPAAerM R. Primeiro de Março, 118 / 13º Andar Rio de Janeiro, RJ - CEP 20010-000 Tel: (21) 2104-5031 / 2104-5475 Fax: (21) 2104-5034 E-mail: [email protected] [email protected] [email protected] [email protected] [email protected] Chefe do SIPAAerM: C Alte Carlos Frederico Carneiro Primo Subchefe do SIPAAerM: CMG Franklin Nogueira Gonçalves Junior Chefe do GE-SIPAAerM: CF Ricardo Silva Pinheiro de Souza Copydesk e Redação: CF Ricardo Silva Pinheiro de Souza CF Evandro José Souza Rangel CF Glaucio Nerildo da Costa Carvalho CC (T) Natália Azevedo da S. von Poser CC Bruno Tadeu Villela CC (T) Denise Dias Ferreira Mota Editoração e Divulgação: 1ºSG-AE Kátia Fernanda de Andrade CB-GR Willy Santanna Rodrigues Erick Viana Serva Equipe Técnica: SO-AV-CV Alex da Silva Torres SO-AV-MV Charles Hamilton Correa de Azevedo SO-AV-CV (RM1) João Carlos da Dores 1ºSG-AE Kátia Fernanda de Andrade 1ºSG-AV-MV José Dias de Araújo Júnior 1ºSG-AV-RV Luciano do Nascimento Costa 2ºSG-AV-RV Erlei de Andrade Carvalho Júnior 2ºSG-AV-SV Karlos Augusto Correia dos Anjos 2ºSG-ES Adriano da Silva Louback CB-GR Willy Santanna Rodrigues CB-AV-MV Bruno da Silva Ferreira CB-AV-RV Victor Mendes Gomes CB-AD Daniele Anastácia Santos de Oliveira Fotografias: Erick Viana Serva Iane Heusi SO-AV-RV Carlos Augusto Pereira Costa Acervo do SIPAAerM Projeto Gráfico, Diagramação e Revisão: Euangellus Comunicação www.euangellus.com.br [email protected] Impressão: Graça Artes Gráficas e Editora Ltda Os conceitos emitidos pelos autores não representam, necessariamente, o ponto de vista do SIPAAerM. 9º CONCURSO DE ARTIGOS ACONTECEU COMIGO É possível avaliar a efetividade do treinamento em CRM?........................... 4 A noite em que nos perdemos em alto-mar....28 Automação dos cockpits - um novo desafio para a Aviação Naval................. 8 Fator Humano na operação de aeronaves remotamente pilotadas........................ 12 Novas perspectivas na seleção de pilotos militares.............................................. 18 ARP-E: Uma nova realidade na Marinha do Brasil.............................................. 22 Bolinha, trem, passo e gancho.............. 24 Motivação, o combustível da segurança....32 SEGURANÇA DA AVIAÇÃO A atividade de resgate no 5º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral ............ 38 MRM - Maintenance Resource Management........................................ 44 Comando do 5º Distrito Naval promove I Simpósio de Segurança de Aviação........ 48 BRAVO ZULU ........................................................... 50 ........................................................... 54 Nossa Capa: Evolução das aeronaves empregadas na Marinha do Brasil 9º CONCURSO DE ARTIGOS É possível avaliar a efetividade do treinamento em CRM? por Capitão-tenente (T) Leonardo Ferreira Cunha - esqdhi-1 “Nos Estados Unidos da América, a Federal Aviation Administration (FAA), órgão responsável pela aviação civil, estima que o erro humano seja fator preponderante em 60 a 80% de todos os acidentes e incidentes aéreos.” A realidade da Marinha do Brasil (MB) não é diferente, uma vez que dados do Programa de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos de 2014 indicam que “o Fator Humano esteve presente em 83% dos fatores contribuintes das 92 ocorrências aeronáuticas cujos Relatórios Finais foram emitidos entre 2009 e 2013”. Uma das estratégias utilizadas para diminuir esse percentual tão expressivo é o treinamento denominado Crew Resource Management (CRM), que tem como objetivo reduzir o erro humano como fator concorrente para aquelas ocorrências. Através de instruções teóricas e práticas, com o CRM procurase desenvolver habilidades e atitudes que estejam relacionadas aos incidentes/acidentes e suas respectivas prevenções. Reconhecendo a importância desse tipo de ferramenta, a MB vem envidando esforços no sentido de instruir os militares lotados nos esquadrões de aeronaves com este tipo de conhecimento. No âmbito do Comando da Força Aeronaval, o Programa de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos de 2012 direcionou as responsabilidades pela condução do CRM, deixando a cargo do Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval Almirante José Maria do Amaral Oliveira (CIAAN) a aplicação de sua da 1ª fase, com a parte teórica; e dos esquadrões de aeronaves as 2ª e 3ª fases, com a parte prática - Mission Oriented Flight Training - ou voo MOST, e a reciclagem dos conceitos iniciais. Porém, apesar dos esforços envidados na capacitação dos pilotos e aeronavegantes em CRM, a avaliação da qualidade desse tipo de treinamento é baseada somente no feedback subjetivo dos participantes, devido à inexistência de um instrumento que mensure a efetividade do que está sendo realizado. Neste sentido, existe outro recurso psicológico denominado Treinamento de Habilidades Sociais (THS), que possui objetivos semelhantes ao do CRM, que pode viabilizar importante contribuição à promoção da segurança aeronáutica. Bolsoni-Silva conceitua Habilidades Sociais (HS) como o conjunto de capacidades comportamentais aprendidas que envolvem interações sociais. Almir e Zilda Del Prette esclarecem que a HS inclui a assertividade e as habilidades de comunicação, resolução de problemas interpessoais, cooperação, desempenhos interpessoais no trabalho, entre outras. Vale destacar que todas essas habilidades são desejáveis no meio aeronáutico e estimuladas no CRM. Especificamente acerca do ambiente de trabalho, os Del Prette denominaram HS Profissionais aquelas que visam ao cumprimento de metas: a liderança eficaz, a preservação do bem-estar da equipe, os direitos de cada indivíduo e a motivação dos colaboradores. Já Segrin e Flora constataram que, enquanto indivíduos inábeis sofrem agravamento dos problemas quando confrontados com estímulos estressores, 4 Revista da Aviação Naval nº 75 “Uma das estratégias utilizadas para diminuir esse percentual tão expressivo é o treinamento denominado Crew Resource Management (CRM), que tem como objetivo reduzir o erro humano como fator concorrente para aquelas ocorrências.” aqueles com níveis elevados de HS lidam mais facilmente com o estresse e são mais resistentes às situações de risco, característica importante naqueles que atuam na atividade aérea militar. Do até agora exposto, ressaltamos que os objetivos dos CRM e THS apresentam pontos em comum. No entanto, como os facilitadores de CRM não possuem ainda um instrumento para avaliar a necessidade de treinamento ou a efetividade daqueles já realizados, foram desenvolvidos inventários para a mensuração de HS, sendo um dos mais estudados o de autorrelato, elaborado por Almir e Zilda Del Prette. De forma a avaliar a possível correlação entre CRM e HS, levou-se a efeito no 1º Esquadrão de Helicópteros de Instrução (HI-1) pesquisa com o fito de mensurar as HS de um grupo de militares, Revista da Aviação Naval nº 75 5 utilizando, para isto, a aplicação do inventário dos Del Prette. De uso restrito a psicólogos, é um instrumento de autorrelato composto por 38 questões, que fornece subsídios para avaliação quantitativa de HS. Além da aplicação do IHS-DEL-PRETTE, foi solicitado aos participantes que informassem suas escolaridades, regiões de origem, idades, se eram aeronavegantes ou não e os níveis de conhecimento em CRM. Em relação a esta variável (CRM), os respondentes foram separados em três grupos, a saber: militares com treinamento completo em CRM, incluindo a realização de voo MOST; os com qualquer tipo de treinamento breve em CRM, como palestras ou aulas; e aqueles que não possuíam nenhum tipo de treinamento em CRM. Para a avaliação do IHS-DEL-PRETTE, os resultados obtidos são transformados em escores fatoriais percentis, que podem assumir valores de 0% a 100%. Nessa classificação, se o respondente obtém escore fatorial abaixo de 25%, inclusive, há a indicação da necessidade de treinamento em HS, quando os déficits se tornam fonte de problema; entre 26% e 49% encontramos bom repertório de HS, contudo, abaixo da mediana. Considera-se médio o escore fatorial 50%; entre 51% e 75%, verificamos um bom repertório de HS, acima da mediana. Um escore maior de 76% sugere repertório bastante elaborado de HS. Resumidamente, quanto maior o resultado, mais habilidoso socialmente pode ser considerado o indivíduo. Participaram voluntariamente da pesquisa 84 militares, praças do sexo masculino, que representavam, na data da aplicação, 46% dos aeronavegantes e 11% dos não aeronavegantes, todos do EsqdHI-1. No que tange à variável aeronavegante, verificou-se que esses profissionais apresentaram um repertório de HS mais elaborado, obtendo percentil médio 70%, se comparado aos não aeronavegantes, estes com média percentílica de 45%. Em relação à variável treinamento em CRM, o grupo composto pelos militares que desconheciam o CRM obteve percentil 65% de HS; os que possuíam treinamento mínimo alcançaram o percentil 6 75%; e os com treinamento completo, realizado no CIAAN, e voo MOST, conduzido no Esquadrão, obtiveram o percentil 95%, indicando deterem repertório bastante elaborado de HS. Para tornar-se aeronavegante, o militar deve ser aprovado em processo seletivo interno da Força. A principal hipótese inferida para a diferença encontrada entre as HS dos aeronavegantes (percentil médio 70%) e não aeronavegantes (percentil médio 45%) refere-se a esse processo, cuja bateria de testes psicológicos pode estar apurando aqueles com repertório social mais habilidoso. Outra inferência diz respeito às práticas culturais das organizações militares (OM) que operam aeronaves, que podem estar concorrendo para esse desenvolvimento, uma vez que aqueles comportamentos de um indivíduo que são condizentes com a segurança aérea vão sendo reforçados pelos pares. Enquanto a maioria dos aeronavegantes passa grande parte da carreira em OM que conduzem ou apoiam operações aéreas, os não aeronavegantes são intercambiados com outras unidades da MB onde essas habilidades podem não ser estimuladas, pois seriam dispensáveis ao cumprimento da tarefa e missão institucional delas. No tocante ao treinamento em CRM, constatou-se que aqueles que passaram por treinamento mínimo ou completo apresentaram resultados que indicam HS mais desenvolvidas. Apesar dos interessantes dados encontrados, como principal crítica ao trabalho realizado, destacamos o tamanho do espaço amostral, porquanto não possibilita que os dados obtidos sejam generalizados. Baseando-se nos resultados aqui apresentados, verificou-se uma correlação positiva entre a realização do treinamento em CRM e o repertório de HS dos militares respondentes, indicando a validade do treinamento que está sendo conduzido na MB. Por derradeiro, deduzimos que a aplicação do IHS-DEL-PRETTE, além de servir para indicar a necessidade de treinamento de HS, pode atuar como indicador para a seleção de militares para realização do treinamento em CRM, ou ainda contribuir para a avaliação quantitativa sobre a efetividade do treinamento realizado. Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 7 9º CONCURSO DE ARTIGOS Automação dos cockpits um novo desafio para a Aviação Naval por capitão-de-corveta guilherme conti padão - comforaernav “Essa evolução tecnológica consiste no emprego de displays digitais, softwares específicos para cada tipo de missão e configuração de aeronave, além de equipamentos aviônicos sofisticados.“ C om a aquisição e a modernização de meios, a Aviação Naval entra em uma nova fase, oportunidade em que suas aeronaves passam a ser dotadas de cockpits automatizados, também chamados glass cockpits. Essa evolução tecnológica consiste no emprego de displays digitais, softwares específicos para cada tipo de missão e configuração de aeronave, além de equipamentos aviônicos sofisticados. Tudo isso proporciona significativa mudança na forma como pilotos se relacionam com a máquina. 8 Os cockpits das aeronaves de gerações anteriores, com seus instrumentos analógicos, providos de ponteiros e agulhas, forneciam informações bastante intuitivas e simples, quando comparadas ao grande fluxo de dados gerado no glass cockpit. A partir dessas importantes transformações, tornam-se necessários os seguintes questionamentos: o “pé e mão” está perdendo espaço para a pilotagem de displays e botões? Os aviadores navais estão preparados para o glass cockpit? Serão eles agora considerados apenas usuários de computadores? Há, realmen- Revista da Aviação Naval nº 75 te, grandes diferenças entre os cenários analógico e digital? É possível confiar 100% nas informações digitais? Essas perguntas tentam sintetizar os desafios que naturalmente a Aviação Naval terá pela frente. A evolução dos cockpits de aeronaves iniciou-se na década de 1920, quando o estabilizador giroscópico era apenas utilizado em um piloto automático rudimentar, permitindo voar a aeronave sem as mãos, mantendo-a nivelada na proa escolhida. Apenas no fim daquela década surgiram três instrumentos baseados no princípio do giroscópio: inclinômetro, giro direcional e giro atitude (ou horizonte artificial). Esses instrumentos forneciam indicações úteis e confiáveis aos pilotos, criando uma relação homem-máquina capaz de possibilitar o voo sem referências externas em condições de voo por instrumentos (IMC). “A partir dessas importantes transformações, tornamse necessários os seguintes questionamentos: o “pé e mão” está perdendo espaço para a pilotagem de displays e botões?” Após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento de componentes eletrônicos mais apurados tornou possível a melhoria do sistema giroscópico, a introdução da navegação por VOR e do sistema de pouso ILS. Isso permitiu a sincronização dos sistemas de piloto automático com os sinais externos, tornando as aeronaves capazes de interceptar radiais de VOR e rampas localizer/glide slope de ILS sem o auxílio do piloto. Revista da Aviação Naval nº 75 9 “O nível de sofisticação da aviônica dos novos cockpits pode tornar a função dos pilotos, em alguns tipos de voos, praticamente periférica...” A partir da década de 1960, foram introduzidos pilotos automáticos e flight directors capazes de fazer as aeronaves pousarem sem o auxílio humano. Naquela época, tais equipamentos passaram a ter “autoridade” sobre o sistema de potência dos motores, possibilitando o controle total da aeronave pela máquina. Assim, ocorreu a primeira mudança no sistema de avaliação de pilotos civis, que passaram a ter que demonstrar capacidade de gerenciar sistemas embarcados em detrimento da habilidade de pilotar. Mais recentemente, a introdução de auxílios à pilotagem, tais como Ground Proximity Warning Systems (GWPS), Traffic Collision Avoidance System (TCAS) e Global Positioning System (GPS), permitiu que os sistemas de automação passassem a fornecer recursos para auxiliar os pilotos na tomada de decisão, contribuindo, sobremaneira, para o incremento da consciência situacional. Com o lançamento das aeronaves da família 757/767 pela Boeing, na década de 1980, ocorreu a introdução do cockpit automatizado na aviação comercial. As aeronaves passaram a adotar um lay-out de dois pilotos, glass cockpit e o uso do Flight Management System (FMS), gerenciando os sistemas de controle, navegação e comunicação. O FMS é considerado o “cérebro” das aeronaves automatizadas, integrando a navegação lateral/vertical, o sistema de autothrottle, o flight director e o piloto automático, reproduzindo nos displays informações obtidas de diversos equipamentos e sensores, tais como o GPS e sistema pitot-estático. A interface humana com ele ocorre através do Multifunction Control Display Unit (MCDU). O Electronic Flight Information System (EFIS) é o equipamento mais emblemático e responsável pela adoção do termo glass cockpit. Ele consiste de um con- 10 junto de displays eletrônicos substituindo os instrumentos eletromecânicos, utilizados anteriormente na aviação. Em grande parte das aeronaves é composto de três Multifunction Display (MFD), empregados em diversas funções durante o voo. Apesar de ser totalmente configurável pela tripulação, o piloto em comando normalmente manterá o display à sua frente, com a função de Primary Flight/Navigation Display (PFD), visualizando as informações necessárias à pilotagem e navegação da aeronave. O display entre os pilotos geralmente possui a função Engine Indicating and Crew Alerting System (EICAS), condensando todas as indicações do motor e seus alarmes. Já o display restante, localizado à frente do copiloto, poderá apresentar funções, tais como: mapa de navegação, checklist , imagem de câmera externa/FLIR, ou, simplesmente, espelhar o MFD do piloto em comando. O nível de sofisticação da aviônica dos novos cockpits pode tornar a função dos pilotos, em alguns tipos de voos, praticamente periférica, resumindo-se a monitorar os equipamentos e a introduzir comandos no sistema. Logo, novas formas de erros podem ocorrer, a exemplo da inserção de comandos errados no FMS, complacência por excesso de confiança no piloto automático e a falta de preparo teórico, uma vez que todos os dados já estão disponíveis no computador. No ano de 2005, publicou-se estudo pela BALPA (British Airline Pilots Association) reportando preocupação com a forma na qual os pilotos estavam sendo treinados, uma vez que eles dependiam excessivamente da automação. O treinamento não abrangia habilidades básicas e a capacidade de lidar com uma emergência em voo, especialmente por falhas mecânicas. O Report on the Operational Use of Flight Path Management Systems, emitido pela Federal Aviation Agency (FAA), em 2013, ressaltava que o gerenciamento dos atuais sistemas de voo criou novos desafios que podem conduzir a erros. Esses desafios englobam a complexidade de operação dos sistemas, a degradação do conhecimento e da habilidade dos pilotos e a interdependência de componentes do sistema de aviônica. A partir dessas constatações emitiram-se diversas recomendações, cabendo destacar: Revista da Aviação Naval nº 75 1) desenvolver e implementar procedimentos para manter e incrementar o conhecimento e a habilidade para voos manuais. 2) ressaltar que a responsabilidade pelo gerenciamento do voo permanece com os pilotos, em todas as etapas do voo. 3) focar a política operacional das empresas aéreas no estímulo ao gerenciamento do voo, em detrimento do simples monitoramento dos sistemas automatizados. 4) identificar, durante as rotas de voo, janelas para o cumprimento de operações manuais, visando ao treinamento das tripulações. A condescendência durante o gerenciamento de sistemas pode ser provocada pela aparente diminuição da carga de trabalho, provocada pela automação. O homem tende a ter uma má performance quando está passivamente monitorando um sistema automatizado e confiável, em busca de falhas ou anormalidades. Isso ocorre sempre que a tarefa for monótona ou repetitiva. É comum acontecer o esquecimento de procedimentos rotineiros, como o cheque de balanceamento de combustível ou o não acompanhamento dos parâmetros do motor, uma vez que um alarme será acionado, caso alguma pane ocorra. Esse é o paradoxo da automação: equipamentos aviônicos sofisticados tanto podem aumentar quanto diminuir a consciência situacional de pilotos. De sorte a aumentar o alerta e, consequentemente, reduzir o erro, devem-se adotar estratégias simples, tais como cumprir cheques periódicos em voo, rechecar procedimentos e informações obtidas e usar “chamativos verbais”: A apresentação da rota no PFD faz sentido? O destino final foi corretamente inserido no sistema de navegação? Esta luz deveria estar acesa? É recomendável, ainda: 1) verificar todas as informações disponíveis antes de decolar. 2) checar em voo a rota inserida. 3) utilizar e testar todos os equipamentos a bordo durante o voo. 4) planejar uma rota de voo realística, evitando o sobrevoo em terminais congestionados ou espaços aéreos proibidos. 5) atentar para as inserções de dados no FMS. O treinamento baseado em computadores ajuda a aumentar a familiarização das tripulações com o sistema dos equipamentos aviônicos. É importante que o piloto conheça todo o funcionamento lógico do software, uma vez que este será específico para o tipo de aeronave voada. O treinamento prático deve contemplar tarefas que busquem aumentar a habilidade dos pilotos para operações normais e de emergência, abordando o uso do “pé e mão” sincronizado à interpretação das informações disponíveis no glass cockpit. Especial atenção deve ser dispensada aos pilotos mais experientes, oriundos de aeronaves com cockpits analógicos. Em alguns casos, verifica-se uma maior inibição e dificuldade de interação com os sistemas computadorizados e suas quantidades excessivas de informações. A transição consistirá em aprender a filtrar e hierarquizar os dados fornecidos pela nova suíte de aviônicos. Respondendo às perguntas formuladas no início do artigo, verifica-se que a automação pode reduzir a habilidade motora dos pilotos. Esse fato pode ser corrigido com a inclusão de horas de voo exclusivas para a pilotagem da aeronave no treinamento de rotina. Por outro lado, o bom uso do glass cockpit depende de treinamento específico e adaptação ao novo ambiente. O piloto não é um usuário de computadores, muito menos mero espectador, pois sua autoridade sobre o sistema automatizado deve ser exercida sempre que necessário. Sem dúvida nenhuma o glass cockpit trará muitas mudanças, resultando em ganhos operacionais e economia de recursos, mas requererá novas formas de treinamento e interação com a aeronave. O homem, como elemento central do cockpit, sempre será o responsável por tomar as decisões finais na operação da aeronave. É importante incluir na formação de novos pilotos a compreensão da lógica da automação das aeronaves, tanto na parte teórica quanto prática. Para isso, será necessário o uso de aeronaves de instrução dotadas de glass cockpit. Deverá ser encontrado o ponto de equilíbrio no uso das horas de voo de instrução, a fim de harmonizar a proficiência motora normalmente exigida com a adaptação ao ambiente automatizado, que será encontrado em todas as aeronaves da Marinha do Brasil, em curto espaço de tempo. Revista da Aviação Naval nº 75 11 9º CONCURSO DE ARTIGOS Fator Humano na operação de aeronaves remotamente pilotadas por Capitão-de-fragata Alessandro Pires Black Pereira - dgmm “Nas estatísticas relacionadas aos acidentes aeronáuticos a respeito da contribuição dos fatores humanos, parece não haver discriminação entre sistemas de aeronaves tripuladas ou não tripuladas, o que talvez fosse esperado, pelo nível de automação desses sistemas.“ N o momento em que avançamos nos estudos para a implantação de Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP), operando-as a partir de nossos navios, vários outros aspectos do emprego desse sistema começam a ser observados de forma mais profunda e objetiva. Durante o processo de elaboração da minha monografia na EGN, em 2013, diversos assuntos tiveram de ser deixados de lado pela abrangência e escopo que tinha escolhido para o trabalho, mas que, decididamente, iriam contribuir, de alguma forma, para 12 Revista da Aviação Naval nº 75 a sua relevância e prosseguimento nos estudos sobre o tema ARP. Um deles, de grande relevância, foi a influência do fator humano nas operações e nos acidentes aeronáuticos que envolviam equipamentos já em uso em diversas forças armadas (FFAA) estrangeiras, operados de navios ou baseados em terra. Desse modo, o objetivo do presente artigo foi preencher essa lacuna, iniciando o processo de alerta e divulgação da matéria, que é relativamente nova na Marinha do Brasil (MB). “Sucessos operacionais têm demonstrado as vantagens estratégicas do uso dos ARP e do emprego dos seus sensores e equipamentos embarcados para a diminuição do efeito da névoa da guerra. ” Sucessos operacionais têm demonstrado as vantagens estratégicas do uso dos ARP e do emprego de seus sensores e equipamentos embarcados para a diminuição do efeito da névoa da guerra. Esses êxitos levaram a um rápido desenvolvimento de variados sistemas, com características diferenciadas (asa fixa ou rotativa, um rotor ou vários rotores, decolagem independente ou por meio de catapultas, estações de controle em terra ou embarcadas, dentre outras), e para aplicações limitadas, incluindo o esclarecimento no mar, segurança interna e patrulhamento de fronteiras. No entanto, o alto índice de acidentes de ARP em serviço operacional é frequentemente citado como elemento dissuasor para a ampliação do seu uso dual, em especial na desejada integração com a circulação aérea geral do espaço aéreo. Nas estatísticas relacionadas aos acidentes aeronáuticos a respeito da contribuição dos fatores humanos, parece não haver discriminação entre sistemas de aeronaves tripuladas ou não tripuladas, o que talvez fosse esperado pelo nível de automação desses sistemas. A análise histórica fornece evidências de que o erro humano é identificado como o principal fator causal em acidentes de aviação, sendo, portanto, a maior ameaça à segurança de voo. Revista da Aviação Naval nº 75 13 “Também foi observado que um dos maiores problemas encontrados é a dificuldade experimentada por pilotos externos durante pousos e decolagens.” As taxas de acidentes envolvendo ARP chegam a ser cem vezes maiores do que os de aeronaves convencionais, havendo cerca de um acidente a cada mil horas de voo, a maioria deles causado por panes nas aeronaves, embora um elevado número também o seja por aspectos do fator humano na condução das operações. Dados acerca da análise do fator humano em acidentes com ARP ainda são escassos. Todavia, o assunto vem ganhando importância desde que os orçamentos têm diminuído a disponibilidade de recursos para novas aquisições. Na composição dos acidentes, os principais fatores concorrentes foram, em média: 25% por falha de motor, 24% por falha elétrica, 22% devido a descuidos no pouso, 10% por falha mecânica, 10% por erro de lançamento e pouso, e 9% por outros itens como acuidade visual, sobrecarga de trabalho, saúde, baixa proficiência, desorientação espacial, falta de coordenação da tripulação e design da estação de controle. Os principais estudos relataram que mais de 50% dos acidentes tiveram relação com o fator humano, tais como as questões de proficiência, falhas durante o pouso e falhas ou atrasos em reconhecer e responder corretamente às panes mecânicas. Dentre as muitas recomendações emanadas desses trabalhos de pesquisa, algumas são bastante interessantes para o início de operação com ARP na MB: a criação de um programa de segurança com foco nas operações com ARP, a criação de critérios de seleção e treinamento de pessoal, o treinamento em coordenação com os navios, a melhoria do design dos sistemas de controle Ground Control Station (GCS) e a criação de carreiras e cursos específicos voltados para a operação e manutenção desses sistemas. Não só a escolha do melhor equipamento é suficiente para o sucesso do processo de adoção das ARP na MB, todavia outros aspectos também precisam receber atenção. Várias FFAA têm sido continuamente desafiadas a enfrentar, adequadamente, a integração de sistemas humanos para aperfeiçoar o desempenho dos sistemas ARP. A própria adoção do termo ARP (RPA em inglês), em detrimento ao antigo Drone ou VANT (veículo aéreo não tripulado), foi motivada pela imagem negativa de que eram robôs sem cérebro ou sem a pessoalidade. Dentre os aspectos mais importantes a serem observados na fase de desenvolvimento e implantação de um sistema ARP, destacamos as deficiências de engenharia e projeto, quando do delineamento ergonômico das estações GCS, o que contribui para erro humano em vários acidentes analisados. Posicionamento dos monitores, sistemas 14 Revista da Aviação Naval nº 75 de entradas de dados (teclado, mouse, joystick, reconhecimento de voz e trackball), luminosidade no ambiente, posicionamento dos dados nos monitores, luzes de alarme, cores utilizadas etc. são detalhes que têm levado à identificação de problemas de ergonomia funcional dentro de algumas GCS. Kiggans, em 1975, mencionou que as qualificações e status dos operadores de veículos remotamente pilotados estão entre os aspectos mais controversos do desenvolvimento desse equipamento. Opiniões sobre quem devem ser os futuros operadores variam do homem normal a um piloto altamente qualificado, com formação em engenharia. Pode-se entender um pouco a abrangência que esse fator irá trazer para a condução nas operações com ARP. O piloto é um dos requisitos técnico-operacionais fundamentais para que sejam solucionados os problemas inerentes ao processo decisório ao longo do voo, baseado no seu treinamento, talento individual e na sua educação aeronáutica, com ciclos de decisão bastante curtos e ação proativa. Os pilotos de ARP são elementos básicos necessários para assegurar a integridade dos protocolos operacionais e de controle de toda a missão, incluindo fases específicas, e que normalmente requerem grande habilidade psicomotora, como o pouso e a decolagem. Questões sobre o processo de recrutamento, seleção, necessidade de experiência prévia de voo e o treinamento com currículo adequado para a qualificação são essenciais e deverão ser analisados. O processo de formação de pilotos e mecânicos deve ser orientado para as novas tecnologias empregadas, facilitando uma melhor adaptação e melhoria do rendimento no cumprimento da missão, o que irá reduzir certamente a interferência de variáveis relacionadas aos fatores humanos nos possíveis acidentes aeronáuticos com ARP. Segundo Raza, os ARP são os elementos que carregam o fluxo de causalidade nesse ambiente de ações, ameaças e funções multidimensionais para a geração dos efeitos políticos desejados, sem risco para os pilotos, com muito baixa capacidade de interceptação e a um custo muito mais baixo do que seria possível com sistemas convencionais tripulados. E se por acaso, o ARP falhar em sua missão, não se tem nas mãos o “embaraço político” de ter pilotos capturados. Pilotos são os “bens” mais difíceis e caros de se produzir em tempo de paz, e com alta taxa de perdas em tempo de guerra, cuja escassez condiciona alternativas estratégicas. É possível verificar a importância dos pilotos nesses sistemas. Mesmo assim, há certa discriminação contra os pilotos de ARP, não sendo a eles transferida a imagem romântica da atividade aérea, tampouco os registros de horas de voo e o alcance de respectivas marcas, tão importantes para o desenvolvimento das suas carreiras aéreas. Nesse aspecto, as análises do fator humano relacionadas à motivação para a atividade e ao clima organizacional se fazem importantes. Devemos, do mesmo modo, evitar a resignação de pilotos e mecânicos causada por terem sido, inicialmente, deslocados da linha de voo para voarem ARP, o que poderá trazer a noção de que eles nunca mais poderão sentir as forças G novamente nas suas carreiras, numa cabine de verdade. Outra consideração é o impacto causado pela atividade no campo da saúde ocupacional. Sintomas de estresse, alterações de humor, alteração nos níveis de atenção associados à tarefa do GCS altamente automatizado, cognição e desempenho na pilotagem têm aparecido devidos, principalmente, às longas jornadas nas estações de controle causadas pelo aumento da demanda para que essas aeronaves estejam no ar. Revista da Aviação Naval nº 75 15 FATOR CONTRIBUINTE Resposta inadequada do operador. POSSÍVEL CAUSA -Falha em reconhecer uma situação crítica. -Informação crítica de voo errada ou inadequada. -Atraso no fluxo de informações. Inserção errada de dados críticos Entrada errada dos dados. para o voo. Excesso de informações do - Ação x tempo disponível. operador. - Sobrecarga dos sensores. Informação crítica indisponível Dependência do design. ou inadequada. Demora na reação aos comandos. - Operador distante da malha de controle. - Software inadequado - Link de controle. Fadiga do operador. - Descanso inadequado. - Troca de turnos ineficiente. - Saturação de tarefas a serem cumpridas. -Tempo x importância da missão. componentes que permita planejar a manutenção de forma eficiente, dificuldades associadas à documentação ausente ou inadequada e a necessidade de tomar decisões sobre o resgate de componentes. Outra questão relevante na condução dos serviços de manutenção é a cultura organizacional de que as ARP seriam “descartáveis”. Na verdade, elas possuem, sim, um ciclo de vida bem menor que uma aeronave convencional, e, em caso de falha, não estará colocando uma tripulação em risco. Mas essa cultura deve ser combatida, na medida em que a ARP já não permite uma perfeita consciência situacional do seu operador, o que poderia amplificar em muito os resultados de um acidente. Não se devem assumir riscos nos serviços de manutenção que normalmente não seriam aceitáveis em uma aeronave convencional. se-ão valorizados pelo o que estão fazendo, mas não será exatamente o que eles imaginaram nos seus sonhos estilo TOP GUN, e poderão ter problemas quando enfrentarem o ar fechado de um contêiner com ar condicionado e a discriminação de alguns de seus pares alados. Com isso, fica claro que, a partir desse momento, é imprescindível o empenho de vários setores para que, à medida que é iniciado o esforço da MB em demonstrar a viabilidade e a eficácia das ARP, operando a partir de seus navios, haja uma procura crescente para um melhor desempenho do sistema por completo e a redução dos aspectos relacionados ao fator humano; estes, especificamente, voltados para a redução das taxas de acidentes de que outras FFAA têm sido vítimas. Sistemas de aeronaves remotamente pilotadas não devem ser centrados no modelo de aeronave que será utilizada, e sim no homem que irá operá-la. Os alardeados benefícios e promessas oferecidas pelos fornecedores de sistemas ARP possuem uma infinidade de implicações para sua implantação na MB. Em vez de ser a solução para o erro humano, os sistemas ARP têm a oportunidade de abrir, de vez, um novo capítulo para a análise e crítica do fator humano na Aviação Naval. Seremos desafiados, dentro de um curto espaço de tempo, a enfrentar, adequadamente, a integração dos Fonte: 323-99 Range Commanders Council- RANGE SAFETY CRITERIA FOR sistemas ARP com os navios e o seu UNMANNED AIR VEHICLES pessoal, de forma a transformar, com um índice mínimo de acidenTambém foi observado que um dos maiores protes, o conhecido binômio navio–aeronave num blemas encontrados é a dificuldade experimentanovo termo: trinômio navio-aeronave-ARP. Sem da por pilotos externos durante pousos e decolagens. A maioria desses sistemas ARP possui um sombra de dúvidas, esse novo equipamento virá piloto externo, que executa as fases mais delicadas complementar a operação das nossas aeronaves do voo, como uma aeronave normal, utilizando- tripuladas embarcadas, minimizando os efeitos da se, normalmente, de um joystick ou um rádio igual névoa da guerra, e aumentando os níveis de seguao empregado por aeromodelistas, e o piloto inter- rança da operação militar, ao retirar as tripulações no, que está à frente de uma estação de controle, e de um possível ambiente hostil, deixando que elas que assume o controle após a decolagem, determi- se exponham somente quando realmente necessánando, através de um software, a altitude, a velo- rio. cidade e o rumo que a aeronave deve tomar. São muitos os desafios enfrentados pelo pessoal de manutenção de ARP, especialmente em áreas onde as tarefas de manutenção diferem daquelas as quais o pessoal já estaria acostumado. Podemos destacar os problemas de hardware, incluída a montagem e desmontagem frequente de sistemas, a falta de informação sobre padrões de falha de 16 A adoção de ações que mitiguem a interferência dos problemas de integração do homem com o sistema deverá ser mais forte dentro das áreas tradicionais do fator humano como, por exemplo, a ergonomia, especificamente nas estações GCS. No processo de seleção e treinamento dos pilotos e operadores de sensores, a preocupação com o fator humano será constante. Os escolhidos sentir- Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 17 9º CONCURSO DE ARTIGOS Novas perspectivas na seleção de pilotos militares por capitão-de-corveta (T) Simone Avellar Montes Ferreira - esqdhs-1 “Em 2014, o Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval Almirante José Maria do Amaral Oliveira (CIAAN) adquiriu o TAPMIL, tornando a MB uma das primeiras Marinhas do mundo a utilizar essa ferramenta na formação de Aviadores Navais.“ CRIATIVIDADE GERENCIAMENTO ARGUMENTAÇÃO RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS COORDENAÇÃO MOTORA HABILIDADE 18 PERCEPÇÃO ESPACIAL CAPACIDADE DE COMUNICAÇÃO Revista da Aviação Naval nº 75 A seleção de pilotos, especialmente militares, sempre foi grande objeto de estudo da Psicologia. Há registros de que, em 1943, a Força Aérea Americana já aplicava uma bateria de vinte testes nos Cadetes de Aviação, visando a melhor mensurar aptidões, tais como raciocínio matemático, relações espaciais, coordenação psicomotora, entre outras. Dessa forma, esperava-se reduzir o alto número de baixas que aconteciam em combate. Os investimentos em pesquisas e no desenvolvimento de testes para avaliar as características necessárias a um piloto justificam-se desde aquela época, tendo em vista o elevado custo envolvido na formação desses profissionais. No caso das forças armadas, além dessa questão, uma alta taxa de reprovação nos cursos de formação de pilotos reflete diretamente na estratégia de recursos humanos das instituições, tendo em vista que, além de dispendioso, um piloto não se forma do dia para a noite, exigindo-se longo período de preparação. Com o intuito de diminuir as perdas na instrução aérea e, consequentemente, os custos envolvidos na formação do piloto militar brasileiro, a Força Aérea Brasileira (FAB) adquiriu, em 2004, o Pilot Aptitude Test (PILAPT), instrumento de seleção desenvolvido pela Real Força Aérea Inglesa, e que no Brasil foi denominado Teste de Aptidão para Pilotagem Militar (TAPMIL). Esse teste também é usado em Forças Aéreas que fazem parte da OTAN, na Ásia e na América do Sul. O TAPMIL constitui-se em uma bateria de seis testes, que simula uma situação em que a performance requerida para realizar determinada tarefa é similar àquela observada em uma situação real de voo, com a finalidade de mensurar habilidades psicomotoras, cognitivas e execução de tarefas múltiplas (psicomotoras e cognitivas combinadas). Entende-se por habilidades cognitivas o conjunto de processos cerebrais que tornam possível o pensamento, a aprendizagem e a memória, entre outros, que possibilitam o gerenciamento de informações, a argumentação, a resolução de problemas, a capacidade de comunicação etc. Por outro lado, a habilidade psicomotora diz respeito aos movimentos coordenados do ser “Estudos realizados na AFA demonstraram que, quanto melhor o resultado no TAPMIL, maiores são as chances de obtenção de sucesso na instrução aérea.” humano, tais como velocidade de reação e deslocamento, coordenação motora, percepção espacial, agilidade e outros. Por tratar-se de um teste psicológico, aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, o TAPMIL é de uso exclusivo dos psicólogos devidamente registrados nesse Conselho, que estão sujeitos ao seu código de ética. O teste foi adaptado à realidade brasileira e validado usando um total de 476 Cadetes Aviadores da Academia de Força Aérea (AFA). Como é totalmente informatizado, o TAPMIL possui uma série de vantagens se comparado aos tradicionais métodos de medição de aptidão, a exemplo de: maior rapidez na obtenção dos resultados e objetividade em sua aplicação, e a possibilidade de avaliação de um maior número de atributos de uma só vez. Desta maneira, permite uma avaliação mais rápida e precisa. Nesse sentido, outra grande vantagem do teste é sua alta confiabilidade. Estudos realizados na AFA demonstraram que, quanto melhor o resultado no TAPMIL, maiores são as chances de obtenção de sucesso na instrução aérea. Uma vez que indivíduos com notas maiores no TAPMIL tendem a ter um desempenho superior, por consequência necessitam menos horas de voo para aprender. A escolha deles, portanto, pode gerar economia nas horas de voo gastas com a instrução. Cabe ressaltar que esse teste, como os outros de seleção de pilotos, não avalia a personalidade, estado emocional ou motivação dos militares, fatores que, comprovadamente, influenciam o sucesso durante o curso. Tais aspectos são apreciados durante a seleção pelo Instituto de Revista da Aviação Naval nº 75 19 Psicologia da Aeronáutica (IPA) e, no caso da Marinha do Brasil (MB), pelo Serviço de Seleção do Pessoal da Marinha (SSPM). Em que pese ser extremamente útil e eficiente na seleção de pilotos, não podemos esquecer que o teste avalia pessoas e, nesse caso, há, por vezes, a existência de indivíduos “falso-positivos” e “falso-negativos”. Contudo, a possibilidade de isto ocorrer é reduzida pela elevada taxa de validação do teste. A MB aplica o TAPMIL nos oficiais alunos do Curso de Aperfeiçoamento de Aviação para Oficiais (CAAVO), desde 2009, na AFA. O objetivo, entretanto, não é selecionar, já que o faz no decorrer das atividades escolares, servindo, basicamente, como ferramenta para assessor o Comando na instrução dos discentes. Em 2014, o Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval Almirante José Maria do Amaral Oliveira (CIAAN) adquiriu o TAPMIL, tornando a MB uma das primeiras Marinhas do mundo a utilizar essa ferramenta na formação de Aviadores Navais. Os psicólogos de aviação lotados no Complexo Aeronaval de São Pedro da Aldeia foram qualificados pela empresa PsyTech (desenvolvedora do software) para empregarem o teste. No futuro, pretende-se utilizar o teste no processo de seleção para o CAAVO, com o propósito precípuo de aprimorar a seleção dos pilotos da MB. Não é demais destacar, portanto, que a aquisição e a adoção, pela MB, do TAPMIL, como ferramenta de seleção para os Aviadores Navais do porvir, contribuirão, decisivamente, para a segurança da aviação e eficiência na seleção de pilotos, sendo excelente instrumento na predição de desempenho na instrução aérea. Em especial, por reduzir os custos e as baixas, no decorrer da formação de seus pilotos. 20 Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 21 9º CONCURSO DE ARTIGOS ARP-E: Uma nova realidade na Marinha do Brasil por Capitão-DE-CORVETA Davi Manoel Gomes Ribeiro - npaoc apa E “Em comparação com as aeronaves pilotadas, a utilização da ARP propicia algumas vantagens que a coloca como uma excelente opção em uso embarcado.” m 2014, a Marinha do Brasil (MB) deu um salto significativo no uso, em operações no mar, do binômio Navio-Aeronave Remotamente Pilotada Embarcada (ARP-E). Depois de uma triagem minuciosa, foram selecionados dois sistemas de ARP-E para realização de testes a partir de navios, com lançamento e recolhimento. Caso sejam efetivamente adquiridos, esses ARP-E poderão ser inicialmente utilizados em missões de esclarecimento. Sendo assim, o NPaOc “Apa” foi utilizado como plataforma para demonstração, em alto -mar, da ARP-E “SCAN EAGLE”, da Insitu-Boeing, e “CAMCOPTER” S-100, da Shiebel-Selex, nos períodos de 17 a 19 de fevereiro e 2 a 5 de julho de 2014, respectivamente, na costa de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos Fluminense. Essas ações tiveram como propósito permitir o levantamento dos dados operacionais desses dois ARP-E para subsidiar a consolidação dos requisitos para sua obtenção, tendo a Diretoria de Aeronáutica da Marinha (DAerM) capitaneado todo o processo, do início do planejamento até a execução, a fim de definir o sistema de ARP-E que poderá ser utilizado pelos nossos meios navais no futuro. 22 Devido à sinergia proporcionada pelos aspectos de inovação tecnológica, de desenvolvimento de sistemas, dos novos conceitos operacionais e da adaptação organizacional, a implantação desse equipamento a bordo dos navios da MB poderá representar uma quebra de paradigmas, tornando-se importante fonte de dados para identificação de alvos não colaborativos em missões de patrulha. Esse novo meio poderá aumentar a eficiência dessa atividade, em face de sua maior capacidade de permanência e velocidade em missões de esclarecimento. Dessa forma, o ARP-E elevará, de forma significativa, a capacidade de comando e controle dos navios, aumentando, sobremaneira, a consciência situacional marítima para a patrulha naval. Em comparação com as aeronaves pilotadas, a utilização da ARP-E propicia algumas vantagens que a coloca como uma excelente opção em uso embarcado. No tocante à segurança de aviação, seu emprego em missões de esclarecimento, em substituição às aeronaves convencionais, teria como principal vantagem a eliminação do risco à vida dos pilotos, cuja formação é bastante onerosa, e cujas perdas trazem impactos negativos na sociedade e Revista da Aviação Naval nº 75 no moral dos tripulantes a bordo. Outra vantagem da ARP-E, em relação às atuais aeronaves orgânicas, é sua capacidade de permanecer por prolongados períodos em voo. As características tecnológicas desse equipamento, principalmente quanto à autonomia, à versatilidade de emprego e ao seu custo, em relação ao binômio navio-aeronave, têm despertado a atenção para a possibilidade de esse equipamento complementar os atuais meios aeronavais. A utilização da ARP-E é também proveitosa ao proporcionar, em média, baixo custo de aquisição e manutenção, se a compararmos com os elevados custos requeridos pelos diversos modelos de aeronaves que equipam nossos atuais esquadrões aeronavais. Outro custo indireto relacionado é o da formação de pilotos, basicamente em função da necessidade de manutenção das aeronaves e do combustível empregado. Futuramente, respaldada por legislação pertinente, a qualificação específica de pilotos de ARP-E poderá trazer uma grande redução desses custos, pois o piloto receberá treinamento quase que totalmente em simuladores de voo e em computadores. Ademais, em razão de suas reduzidas assinaturas radar e térmica, pode-se considerar como benefício a dificuldade de detecção e interceptação pelos meios navais, principalmente os modelos menores e de menor autonomia. Por ser um meio dotado de tecnologia avançada, vislumbra-se que a operação dos ARP-E nos meios navais exigirá uma adaptação de doutrinas e procedimentos, em curto espaço de tempo, pelos diversos setores da MB envolvidos, de forma a assegurar a condução satisfatória e segura desses equipamentos. Nesse ínterim, podem-se priorizar alguns aspectos como: local de acondicionamento e manu- tenção das ARP-E, procedimento de qualificação e manutenção de pessoal e guarnecimento dos meios para operação com ARP-E. No que se refere ao acondicionamento e manutenção do ARP-E e procedimento de qualificação de pessoal, uma das possibilidades seria a concentração de todos os ARP-E em um esquadrão específico para esse fim, de modo que todas as etapas atinentes a essas atividades pudessem ser gerenciadas de forma única, facilitando o embarque nos meios. Com relação ao guarnecimento a bordo, por ocasião da demonstração dos dois modelos de ARP-E, verificou-se uma menor necessidade de integrantes para a Equipe de Manobra e Crache, em sua operação em convoos. Considerando-se o guarnecimento em sistema de rodízio, isso acarretaria uma redução na jornada de atividades aéreas dos militares qualificados para essa equipe, o que concorreria para uma maior prevenção de ocorrências aeronáuticas. Com o sucesso obtido nas demonstrações realizadas, pode-se considerar que a operação das ARP-E já é uma realidade na MB. Contudo, o rompimento de paradigmas proporcionado pelo acesso a tecnologias no estado da arte, incorporadas nesses equipamentos, irá impor maiores desafios a serem vencidos para a manutenção de um ambiente seguro na condução de operações aéreas em nossos meios navais. Revista da Aviação Naval nº 75 “Com o sucesso obtido nas demonstrações realizadas, pode-se considerar que a operação das ARP já é uma realidade na MB.” 23 9º CONCURSO DE ARTIGOS “A solução proposta foi tão inusitada quanto inovadora: adquirir aeronaves S-2 Tracker e Tracer da US Navy, que se encontravam no deserto do Arizona, EUA” Bolinha, trem, passo e gancho por Capitão-de-corveta (t) robinson farinazzo casal - dsam “O advento dessas aeronaves representará significativo salto quântico na capacidade de operação da Esquadra pois estenderá o alcance de detecção de alvos aéreos e de superfície para além do horizonte,...” Atlântico Sul, 13 de agosto de 1996. aeronave Grumman P-16 Tracker, do 4º Esquadrão, do 7º Grupo de Aviação (4º/7º GAV-Esquadrão “Cardeal”), retorna de uma missão de esclarecimento marítimo e vetoramento de alvos para helicópteros SH-3 da Marinha do Brasil (MB). O P-16, matrícula FAB 7034, estabilizado a mil pés acima das ondas na perna do vento, “paquera” o convoo do Navio Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas Gerais. Gira base com elegância, perdendo altura graciosamente sobre o mar, num flagrante contraste com a apreensão frenética dos tripulantes do navio envolvidos na atividade aérea. A 24 Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 25 “No enquadramento da final, o copiloto “canta” o velho memento de segurança...: “BOLINHA, TREM, PASSO E GANCHO”. No enquadramento da final, o copiloto “canta” o velho memento de segurança (que se tornaria, ao longo dos anos, a jovial saudação dos “Cardeais”): “BOLINHA, TREM, PASSO E GANCHO”. O piloto, assentindo com a cabeça, verifica que: o alinhamento e nivelamento da “bola” do espelho de pouso estão corretos; as luzes indicadoras do trem de aterragem exibem a cor verde, atestando que está baixado e travado; as alavancas do passo da hélice foram posicionadas em regime de rotação mínimo, quando então “agarram” o ar com muita avidez; e o gancho de parada (hook) está arriado. Repete, então, calmamente, mas com voz firme: “BOLINHA, TREM, PASSO E GANCHO”. Nivela as asas, “crosschecka” a alavanca de flaps, adequa o regime de potência e vem para o toque estabilizado “na rampa”. O pouso é sempre tenso, porque, embora esteja mais leve do que na decolagem, a aeronave ainda está “suja”, lenta e a baixa altura, buscando tocar, a quase cem milhas por hora, uma pista de aço flutuante que se afasta à velocidade de vinte nós, com movimentos de caturro e balanço que nunca ajudam. Diante das condições quase marginais, o toque no convoo se dá com a possível maestria, se consideradas as dez toneladas da aeronave, desacelerando de quase duzentos quilômetros por hora em menos de cem metros. É uma conta que, caso não fechada com extrema exatidão, redunda em fatalidade. Mas naquele dia acabou bem, à exceção do fato de, após o pouso, um dos motores da 7034 ter parado e não poder ser reparado com os recursos de bordo. Algum tempo depois, a FAB desativou essas aeronaves. Foi a última vez que essas hélices rugiram em convoos da MB. Em 1998, em razão de dispositivo legal, a MB voltou a operar aeronaves de asas fixas. 26 No dia a dia da operação com jatos, sentiu-se a necessidade de uma aeronave naval de asa fixa que operasse embarcada e fosse apta a realizar reabastecimento em voo (AAR - Air to Air Refueling), com capacidade de transferência de combustível superior ao atual sistema “Buddy to Buddy”, em uso nos AF-1. Além disto, deveria cumprir tarefas logísticas de transporte de carga e pessoal para bordo (COD - Carrier on Board Delivery). Em adição, também se considerou imperiosa uma segunda aeronave, voltada para missões de alerta aéreo antecipado (AEW - Airborne Early Warning). Essas demandas implicariam em soluções complexas, de vez que existem poucas aeronaves que cumprem as missões ora elencadas e se encaixem no envelope de pouso do nosso NAe “São Paulo”. A solução proposta foi tão inusitada quanto inovadora: adquirir aeronaves S-2 Tracker e Tracer da US Navy, que se encontravam estocadas no deserto do Arizona, EUA, e que, após criteriosa inspeção de células, seriam remotorizadas com grupo motopropulsor, tipo turboélice, aviônicos digitais, barramentos eletrônicos modernos e sofisticado sistema de missão customizado para as necessidades da MB. Com enfoque numa visão expandida das suas operações aeronavais, a MB tem buscado modernizar esses meios de maneira que, ao se concluir o projeto, eles possam proporcionar, dentre outras, as seguintes capacidades: Realizar abastecimento logístico por meios aéreos ao NAe São Paulo. Reabastecer em voo as aeronaves AF-1, aumentando-lhes o raio de ação. Prover alerta aéreo antecipado à frota em operação. A tarefa, além de hercúlea, é enormemente cerebral, de vez que, praticamente, se trata de construir uma aeronave a partir do zero. Os novos motores lhe conferirão diferentes curvas de performance, ensejando novo envelope de operações. Em face da premissa de que as aeronaves AEW deverão permanecer muito tempo em voo, pois a natureza de sua missão exige que sejam as primeiras a decolar e as últimas a pousar a bordo, visualiza-se a necessidade de dotá-las com motores de extrema confiabilidade, além de projetar a ergono- Revista da Aviação Naval nº 75 mia da cabine de maneira a mitigar ou retardar os efeitos da fadiga na tripulação. O pacote eletrônico embarcado, além de bastante complexo, demandará grande consumo de eletricidade, de modo que a planta elétrica da nova aeronave será completamente redimensionada em relação ao projeto original. Assim, com o objetivo de diminuir os riscos do projeto, a MB optou por executá-lo em duas fases: na primeira, COD/AAR, as células receberão os novos motores turboélices, receberão tratamento anticorrosão, equipamento de transferência de combustível, aviônicos digitais e sistemas de comunicação, sendo configuradas para emprego geral (transporte de carga, pessoal e REVO). Consolidada essa etapa, iniciar-se-á o projeto AEW, de envergadura mais difícil e trabalhosa, ocasião em que as aeronaves receberão, além de um potente radar retrátil de busca aérea e emprego tático (mas que preservará igualmente sua capacidade meteorológica e de navegação), um sólido sistema de missão embarcado integrado, e lançadores de chaff and flare. O advento dessas aeronaves representará significativo salto quântico na capacidade de operação da Esquadra, de vez que estenderá o alcance de detecção de alvos aéreos e de superfície para além do horizonte, incrementará o raio de ação dos Skyhawks e proporcionará melhor flexibilidade logística no reabastecimento ao NAe “São Paulo” em suas comissões. Essa tarefa só está sendo possível graças ao empenho de quase uma centena de aviadores, engenheiros, marinheiros e técnicos do EMA, DGMM, ComOpNav, DSAM, DPMM, DAerM, DEnsM, DOCM, DCTIM, ComForAerNav, CIAAN, BAeNSPA e GFRCOD, dedicados e incansáveis nas complexas tarefas de definir requisitos e procedimentos; projetar; contratar; adquirir; fiscalizar a montagem; receber; testar; voar; treinar os pilotos, mecânicos e operadores de sistemas; construir hangares e instalações; e elaborar manuais. A todos esses profissionais um feliz BOLINHA, TREM, PASSO E GANCHO! c m y cm my cy cmy k Revista da Aviação Naval nº 75 27 ACONTECEU SEGURANÇA DECOMIGO AVIAÇÃO A Noite em que nos perdemos em alto-mar... por Capitão-de-fragata Evandro José Souza Rangel - DAERM “A ideia de contar essa estória me ocorreu quando refletia sobre Gerenciamento do Risco Operacional e o papel do Comandante Operativo da Aeronave.“ E ra noite e chovia. Bem, muitos “causos” no 1º Esquadrão de Helicópteros de Esclarecimento e Ataque (HA-1) começaram assim. A grande maioria terminou bem, felizmente. Esse não foi diferente, como se pode depreender pelo fato de um dos protagonistas assinar o presente artigo. Mais uma daquelas estórias que os pilotos tanto gostam de contar para outros pilotos, que não necessariamente estão tão interessados em ouvir (ou ler). Mas vou contar mesmo assim, porque espero que sirva para alguém refletir sobre o papel do Comandante Operativo da Aeronave (COA) na aceitação de riscos. Nossa tarefa naquela noite era decolar para investigar uma direção, de onde, minutos antes, o equipamento de Medidas de Apoio à Guerra Eletrônica (MAGE) do navio detetara uma transmissão de radar suspeita, provavelmente do nosso “inimigo”, naquele exercício: uma fragata da mesma classe do nosso navio-mãe. Se identificássemos o alvo, teríamos liberdade para engajá-lo simuladamente com nossos mísseis ar-superfície Sea Skua. 28da Aviação Naval nº 70 Revista Tranquilo, se é que se pode dizer que decolar de um convés pequeno que “anda” e balança, voar por milhas sobre o mar imenso, à noite, sob forte chuva, navegar, operar sistemas de armas e voltar para pousar naquele convés que não estará onde você o deixou, é fácil. Mas a motivação e o nosso adestramento faziam parecer moleza; é isso que quero destacar. Eu era o COA, na posição de 1P (à direita, nos helicópteros), acompanhado de um Piloto Qualificado no Modelo (PQM), que estava sendo checado para a qualificação de Piloto Operativo da Aeronave (POA), como 2P. No jumpseat improvisado do Super Lynx, outro COA, que ajudava na qualificação do PQM. Completando o time, o Fiel da aeronave. Logo na decolagem, o Global Positioning System (GPS) (ou Sistema Global de Posicionamento por Satélite) da aeronave apagou. Vários resets depois, concluímos pelo óbito do equipamento. Não existia naquela época, e, sinceramente, não sei se já existe, uma lista GO/NO GO no Esquadrão, para cada tipo de missão. Cumpríamos os requisitos genéricos para embarque discriminados nas publicações normativas em vigor, e, nelas, não se mencionava o GPS. 28 Naval nº 75 Revista da Aviação Até alguns anos, o GPS era considerado um acessório, quase um luxo. Os antigos Lynx só possuíam o bom e velho sistema doppler, com todas as suas conhecidas limitações de precisão. E dava certo. O nosso Super Lynx também o utilizava para navegar, mas era ajudado pelo GPS. Após consultar a minha tripulação, concluímos pela continuidade da missão. Afinal, quem precisava de GPS?! Muitas milhas depois, nos deparamos com um “alvo” de características semelhantes ao “inimigo”, com as luzes apagadas, navegando em alta velocidade, em direção à nossa Força-Tarefa. Pelo jeitão dele, em meio àquele breu, decidimos atacar. Vale mencionar que ainda não dispúnhamos do utilíssimo equipamento de visão termal Forward Looking Infrared (FLIR), que hoje equipa os Super Lynx da Marinha do Brasil. Foi um verdadeiro tiro no escuro, portanto, mas estávamos fundamentados nas regras de engajamento. Iniciamos as evasivas, subimos e começamos a transmitir a posição da “ameaça” ao navio-mãe. 29 Naval nº 75 Revista da Aviação 29 Todavia, o orgulho pela missão cumprida durou muito pouco: pelo rádio, ouvimos perplexos que a posição informada do ataque estava sobre terra?! Minha reação natural foi olhar para a esquerda e dizer: “presta atenção filho, e passa a coordenada certa pro navio”. “Ele se empolgou com a missão e cometeu um erro”, pensei em silêncio. Mais alguns minutos e o banho de água gelada: o navio-mãe insistia que a posição estava sobre terra. E nem sinal de terra no radar ou no visual! Hora de descobrir o que estava errado. Consultamos o out-house, que era a posição estimada do navio-mãe, e o computador, quase que zombando de nós, apresentou um valor de quase 100 milhas, em direção à África. Era totalmente incompatível com o perfil do voo que tínhamos realizado. Olhei instintivamente para o indicador do equipamento doppler e percebi que a velocidade e a deriva da aeronave oscilavam sem critério, apresentando valores espúrios que eram repassados ao computador de navegação. O doppler não emitiu sinal de erro, apenas começou a fazer sua navegação “alternativa”, totalmente descolada da realidade. O ploating board (procedimento de navegação previsto em voos sobre o mar) do 2P não continha a navegação estimada, mas apenas um backup das posições que o computador vinha informando. Estávamos muito além do alcance radar do naviomãe, e eles, além do nosso. Um sabor meio amar30 da Aviação Naval nº 70 Revista go veio à boca junto com a desagradável constatação: estávamos perdidos... Quando o peito aperta, a mente se abre. Existem versões menos educadas e impublicáveis dessa frase, mas como há sabedoria nela! A tripulação, felizmente, funcionou como um time. Não exatamente como a Seleção Brasileira de 2014, todavia, como a de 1970, talvez... Em pouco tempo, pensamos em três possibilidades: a primeira, foi a de retornar ao “alvo” que, afinal, deveria ser, na verdade, um “irmão”, chamá-lo no “canal 16” do VHF, e solicitar um recolhimento em emergência. Mas seria o “alvo” o que pensávamos que fosse, ou apenas um coitado que estava na hora errada no lugar errado? Quanto tempo ele levaria para estar apto a recolher nossa aeronave? Ainda poderiam pensar que era um ardil nosso para atacá-los (acho que isso não valia no jogo, mas sei lá...). A segunda opção seria assumir um rumo oeste e esperar chegar à praia. Lembrávamos que, no briefing do voo, mencionava-se a existência de uma praia. Mas quão distante ela estava? Permitiria o pouso seguro? O combustível seria suficiente? A estratégia funcionou para Pedro Álvares Cabral em 1500, entretanto não parecia ser a melhor decisão naquele instante do século XXI. Sendo o COA, resolvi retornar ao rumo invertido ao qual voáramos a maior parte do tempo: mesmo sendo rápido, o navio-mãe deveria estar no outro lado da “linha”. Abandonamos também qualquer resquício de orgulho e declaramos emergência de navegação. Solicitei que todos os radares do navio fossem postos a funcionar, que o navio acendesse todas as luzes de navegação e ligasse o Non-directional beacon (NDB). Isso iria “melar” o exercício, porém, àquela altura, que importância isso tinha para nós quatro? Não lembro mais quantos minutos voamos naquela situação, mas pareceu uma semana inteira. Lá pelas tantas, a agulha do ADF (equipamento da aeronave que recebe os sinais do NDB) começou a mexer, estacionando quase na vertical do mostrador. Isso indicava que estávamos na 30 Naval nº 75 Revista da Aviação direção correta. Em seguida, o MAGE da aeronave apresentou sinais compatíveis com o radar do navio-mãe. Ufa! Navio detetado no radar e, em mais algumas milhas, tudo terminou bem. Após as explicações de praxe para o pessoal do navio, que ficara muito preocupado com a situação, fui ao hangar. Descobri que o compartimento do doppler da aeronave fora alagado pela chuva, pois estava mal vedado , sendo a origem dos sinais erráticos que alimentaram o computador, gerando a confusão. Pensei naquela hora que, se estivesse no Iraque ou no Afeganistão, não teria passado por aquele susto... A ideia de contar essa estória me ocorreu quando refletia sobre Gerenciamento do Risco Operacional e o papel do COA. Alguns pilotos parecem defender uma postura pela qual o COA é um soberano que escolhe quais normas podem ser relevadas em nome de um benefício maior, conforme a conveniência do momento. No entanto, sempre haverá situações não previstas em regulamentos, quando a experiência do COA será usada para “pensar fora da caixa”, decidindo pelo prosseguimento ou não da missão. Entretanto, existem riscos que já foram mensurados e foram mitigados pela adoção de normas, regulamentos e procedimentos de segurança. Defendo a tese de que o COA não é aquele que decide pela transgressão quando assim for interessante, mas aquele que conhece todos os regulamentos que norteiam sua função, planeja e executa sua missão, de modo que todas as normas sejam obedecidas e preservadas. Vale ressaltar que, quando nos deparamos com limitações materiais, nas aeronaves ou nos navios, com deficiências aquém de algum requisito operativo, é comum que recorramos ao GRO para tentar contorná-las. Não dá para fazer assim ou “assado”? Será que o requisito não é rigoroso demais? Podemos adotar medidas de controle? São perguntas que sempre nos fazemos, cedendo à tentação de cumprir a missão a qualquer custo, mesmo quando as condições contraindiquem. Não quero dizer que as normas não devam ser revistas periodicamente, até por que a tecnologia evolui. Mas não se pode criar uma regra nova a “A tripulação, felizmente, funcionou como um time. Não exatamente como a Seleção Brasileira de 2014, todavia, como a de 1970, talvez...” cada restrição material ou de outra natureza que apareça. Acredito no GRO para nos orientar a mitigar os riscos de situações não usuais, mas não para contornar requisitos que foram estabelecidos, muitas vezes, à custa de algum sangue derramado. Se eu tivesse uma lista GO/NO GO naquela noite, que me proibisse de voar sem GPS, ou se o GPS fosse considerado requisito para operação embarcada, certamente teria retornado ao navio imediatamente quando o equipamento falhou. Sem uma regra definida, fiz meu GRO e tomei uma decisão da qual não tenho nenhum orgulho, que foi influenciada pela motivação, mas, talvez, pela concepção que eu tinha sobre o papel do COA. Felizmente, as demais decisões conjuntas daquela noite foram corretas. O GRO funcionou perfeitamente para nos tirar do embaraço em que nos encontrávamos, mas a questão é se precisávamos ter passado por aquele susto. Se pudesse dar um conselho a um piloto recém-qualificado COA, eu diria: estude sempre, conheça todas as normas que regem sua atividade, conheça os requisitos operativos, as limitações, enfim, tudo o que puder. Decida sempre pela norma, porque ninguém vai te condenar quando você errar. E um dia, você vai errar! Não transija em procedimentos de segurança, pois eles não foram criados a partir do nada. Não se apegue ao GRO para “forçar uma barra”. Mas se um dia você se vir numa situação não prevista em nenhum procedimento, aí sim: use suas experiências e tripulação, e, claro, faça um bom GRO! E Boa Sorte! 31 Naval nº 75 Revista da Aviação 31 ACONTECEU SEGURANÇA DECOMIGO AVIAÇÃO Motivação, o Combustível da Segurança por Capitão-de-fragata RUDÁ CORRÊA DA COSTA JUNIOR - DAerM “Será que, para mim, essa seria uma maneira inconsciente de tentar me manter vivo em uma atividade repleta de riscos?“ L embro-me, como se fosse hoje, do entusiasmo de estar em um “mundo novo”. Sentado em uma sala de aula, absorvendo novidades profissionais, quase sem piscar, ávido por informações. Fazia parte do Curso de Aperfeiçoamento de Aviação para Oficiais (CAAvO) da Marinha do Brasil, parte teórica, preparando-me intelectualmente para percorrer, fisicamente, o eixo “z”. Então veio o questionamento interior: mas como? Aquele então tenente não ficava confortável próximo a parapeitos, ficava incomodado perto de janelas de edifícios muito altos, não fazia nenhuma questão de voar no assento de 32da Aviação Naval nº 70 Revista passageiros de uma aeronave em frente à porta aberta, ainda que com cinto de segurança... Enfim, não há vergonha alguma em admitir isso: Tenho medo de altura! E quando admito esse, em princípio, contrassenso, quase na totalidade das vezes, acontece o seguinte questionamento referente a minha narrativa (parece que é ensaiado): “Você só pode estar de brincadeira! Como pode um piloto com medo de altura?” Remeto-me, então, a uma aula específica da matéria Psicologia de Aviação do CAAvO, naquela época sensacional. O Instrutor versava sobre medos, fobias. Eis que, em meio ao tema, 32 Naval nº 75 Revista da Aviação surgiu a famigerada “acrofobia” (medo de altura). E, em tese, “medo de altura” não combinaria com “ser piloto”. Foi exatamente naquela sala, naquele exato momento, que escutei as palavras salvadoras daquele incômodo em poder ser um “piloto com medo de altura”. Ao ser indagado a respeito dessas presumidas incompatibilidades, o docente respondeu: “O medo te mantém vivo” / “Aquele que diz não ter medo, possivelmente é perigoso, pois nada o limita” / “Só a motivação vence o medo”. Bem, naquela época, sentia-me bastante motivado e queria me manter vivo. Então, por que não experimentar a emoção de conhecer esse prejulgado “ambiente hostil”? Na fase prática do curso, pude comprovar que o Instrutor estava certo. No cockpit, o medo desaparecia, sumia por completo. Nenhum vestígio sequer. Voar foi ótimo e ainda o é, mes- “Enfim, não há vergonha alguma em admitir isso: Tenho medo de altura!” mo para alguém que tem a coragem de admitir que tem medo de altura. Saltar de paraquedas? Pular de bungee jump? Nem pensar! Nem por alguns milhares de reais. Chame-me para voar, irei com prazer. Para a borda de um parapeito? Está dispensado, obrigado. A motivação era tanta que o medo ficou bem controlado (e até hoje fica). E aquele “medroso” obteve distinção na parte prática de voo. Voar realmente é um prazer, quase indescritível... 33 Naval nº 75 Revista da Aviação 33 Essa experiência me fez perceber a importância da motivação para qualquer coisa que nos propomos a fazer. A mente humana possui muitos mistérios e, após mais de 11 anos envolvidos diretamente com a atividade aérea, fui convivendo, aprendendo e interessando-me por assuntos ligados à Segurança de Aviação. São temas que me fazem parar e refletir. Será que, para mim, essa seria uma maneira inconsciente de tentar me manter vivo em uma atividade repleta de riscos? Na carreira, perdi dois estimados companheiros de turma. Deixaram-nos em trágicos acidentes aéreos. Vi também uma aeronave do Esquadrão do qual fiz parte por quase oito anos ter danos irrecuperáveis em um acidente. Neste, graças a Deus, sem vítimas fatais. E sejamos justos. Acidente aéreo só acontece com quem voa. Ninguém deseja que isso ocorra. Mas é óbvio, estamos sujeitos aos riscos inerentes a esse tão admirado e cativante ofício. Cabe a nós adotarmos medidas para mi- 34 da Aviação Naval nº 70 Revista tigá-los, utilizando as ferramentas que nos estão disponíveis. Podemos citar os Relatórios de Prevenção (RelPrev), o Gerenciamento do Risco Operacional (GRO), o manual, o cartão de trabalho e, não menos importante, a dedicação individual. Mas dedicar-se à causa é certeza de sucesso? Muitos dirão que certeza, só a morte. Sim, a morte é talvez a única certeza, mas ela não pode (deve) acontecer em um acidente aéreo. É evidente que não posso ter esta certeza apenas trabalhando. Mas posso afirmar que, certamente, aumentarei minhas chances de, por exemplo, participar do próximo Simpósio de Segurança de Aviação, ou de redigir outro artigo no ano que vem se assim proceder, trabalhando na contribuição com a segurança. Há muito o que fazer neste sentido. Para isso, um requisito indispensável é a motivação, o combustível da segurança. Esse estado de espírito não pode esmaecer. E de onde vem a motivação? É simples a resposta: a motivação nasce da paixão pela atividade, do inconformismo com 34 Naval nº 75 Revista da Aviação o “vamos dar um jeitinho” ou com o “vamos assim mesmo que não pega nada”. Ouve-se, por vezes, coisas do tipo: “A segurança engessa”, “Lá vem o OSAv sugar”, etc. E ao mencionar a figura do OSAv, cabe um comentário sobre um amigo com quem convivi na mesma OM, que era um exemplo de militar talhado para função. Nada o abalava. Incansável no desempenho de suas tarefas, atingia em cheio o propósito da sua luta diária. E a capacidade que aquele camarada tinha em entreter, em ser criativo abordando os temas relativos à segurança, era bastante interessante. Um exemplo de abnegação profissional a ser seguido. E quis o destino que, após muitos anos sem um acidente, o pesadelo se instaurasse novamente no ambiente daquela organização. Caíra uma aeronave em um voo rotineiro de adestramento. Fim dos trabalhos ou apenas o início deles? Dias após o ocorrido, apenas por um acaso do destino e do funil que cada vez ficava mais estreito, via-me em um congraçamento, na mesma data, desembarcando junto com aquele “Como aquele Oficial que eu tanto admirava profissionalmente poderia, num momento de despedida, admitir que houvera sido vencido por aquilo que ele combatera, tão brilhantemente, durante um terço de sua carreira? Eu não podia aceitar aquilo. “ 35 Naval nº 75 Revista da Aviação 35 brilhante OSAv. Durante o tradicional discurso de despedida, algo soou mal. Escutei uma frase em que, bastante emocionado, dizia que, após 10 anos de luta contra o abominado acidente, ele (o OSAv) tinha sido derrotado pelo sinistro com uma aeronave do nosso Esquadrão. Naquele momento, compreendi o seu sentimento, mas, ao mesmo tempo, fiquei incomodado. Como aquele Oficial que eu tanto admirava profissionalmente poderia, num momento de despedida, admitir que houvera sido vencido por aquilo que ele combatera, tão brilhantemente, durante um terço de sua carreira? Eu não podia aceitar aquilo. Eu não poderia ter sido enganado todo esse tempo. Não seria possível, então, evitar um acidente aéreo? Hoje penso que a resposta é: SIM! Na verdade, aquela fora uma pseudoderrota. E se a resposta é sim, como aquilo havia acontecido? Investigação, reflexões, conclusões. Alguma peça do dominó não havia sido retirada a tempo... Tenho absoluta certeza que hoje, passado algum tempo, aquele brilhante OSAv encontra-se novamente motivado e tem muito a contribuir com a Segurança de Aviação da nossa Marinha. Ele não falhara em sua missão. Passada aquela frustração momentânea, renasceu o OSAv que pensava sempre adiante, tentando não ser reativo, agindo ativa e proativamente, como era antes. Não acompanhei, pela distância que nos afastava, o que o fez recompletar o “tanque” de sua motivação, mas soube que isso havia acontecido. Seria péssimo perder, para uma frustração pontual, um elo tão importante do sistema. A vida é feita de vitórias e derrotas, altos e baixos, momentos bons e ruins. Dar a volta por cima é questão de tempo para quem acredita realmente no que faz e continua trabalhando, quando a posição em que se encontra é o fundo da senoide. Então, eu pergunto: combater ocorrências aeronáuticas que possam culminar em um acidente aéreo é tarefa exclusiva de OSAv, ASAv e Titulares de OM? O que você fez hoje para combater um acidente? Com certeza, muita coi- 36 da Aviação Naval nº 70 Revista sa poderia ter sido feita. Uma simples leitura em parada de um RelPrev pode contribuir com a busca da Meta da MB constante do seu PPAA (“reduzir drasticamente a Taxa de Acidentes Aeronáuticos em 80% até 2018”). Você poderia também, escrever um artigo para este periódico, dividindo alguma experiência com os seus leitores. E que tal parar alguns segundos para refletir sobre as mensagens diretas e subliminares presentes nos cartazes de Segurança de Aviação da sua OM? Pequenas ações de prevenção podem se tornar grandes contribuições para evitarmos o acidente aéreo. A mentalidade de segurança é como uma planta. Tem que ser regada constantemente com o risco de morrer, caso não seja dada a ela a devida atenção. Só depende de você e, o que é melhor, não custa nada. Mas e se eu falhar? Se isso acontecer, que eu aprenda com o erro e consiga renovar minha motivação. O importante é continuar tentando acertar. É um trabalho sem fim, cíclico, que não tem um ponto final. É justamente nesse ponto final (acidentes) que não podemos chegar. Na aviação, as pausas, que servem para pensar, são como vírgulas. Chamam-nos à reflexão, ganhando momentos de fôlego, sempre com o objetivo de não se chegar ao ponto final. Por isso, este texto não terá um desfecho. Ficará em aberto, apenas na tentativa de instigar mais a reflexão. No lugar do ponto final, terminarei com uma vírgula, pedindo licença à rígida forma ortográfica a ser respeitada. Se você chegou até aqui é porque ganhei a sua atenção, na tentativa de motivar a você e a mim mesmo a não esmorecermos, para seguirmos com o trabalho incessante, tendo sempre a certeza de que vale a pena continuar contribuindo com a segurança, de maneira direta ou indireta, de forma consciente. Assim, você pode evitar ou contribuir para evitar a perda de algo ou alguém importante. Apenas isso já é um motivo para abastecer o tanque da segurança, atopetando-o de motivação. Dedique mais do seu tempo à Segurança. Motive-se! Pense nisso, 36 Naval nº 75 Revista da Aviação 37 Naval nº 75 Revista da Aviação 37 SEGURANÇA DA AVIAÇÃO A atividade de resgate no 5º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral por CAPITÃO-DE-CORVETA (FN) SÉrgio Renato Mello Silveira - EsqdHU-5 “O EsqdHU-5 adotou como símbolo o albatroz, ave marinha característica da Região Sul do país, capaz de voar em longas distâncias da costa e condições meteorológicas por vezes muito severas, passando, então, a ser conhecido na Aviação Naval como “Esquadrão Albatroz”.” A estrutura de Busca e Salvamento (SAR) marítima no Brasil Região de Busca e Salvamento Marítimo do Brasil (RSAR-BR) compreende uma extensa área do Oceano Atlântico que, em função de suas amplas dimensões, foi dividida em cinco sub-regiões, atribuindo-se aos Comandos dos Distritos Navais a responsabilidade das operações SAR em cada uma delas. De acordo com o Plano de Operação SARSUL, o Comando do 5º Distrito Naval (Com5ºDN) tem a atribuição de coordenar e executar operações SAR e supervisionar a condução dessas operações pelos Subcentros de Coordenação SAR Marítimo e Fluvial subordinados, em sua área SAR, cabendo ao EsqdHU-5 manter uma aeronave (designada como Aeronave de Serviço Distrital – ASD) em condições de executar as tarefas afetas às operações de socorro. Com o propósito de contribuir para a estruturação do SALVAMAR SUL, sob a tutela do Com5ºDN, voltada para a salvaguarda da vida humana no mar, o EsqdHU-5 mantém uma equipe de serviço vinte e quatro horas por dia, pronta para guarnecer, operar e realizar a busca e o salvamento até 35 MN da costa, no período entre o nascer e o pôr do sol. A As atividades de resgate no EsqdHU-5 Ativado em 25 de junho de 1998, nas antigas instalações da Base de Aviação Naval da cidade do Rio Grande do Sul (RS), o EsqdHU-5 está sediado na Ilha do Terrapleno de Leste. O EsqdHU-5 adotou como símbolo o albatroz, ave marinha característica da Região Sul do país, capaz de voar em longas distâncias da costa e condições meteorológicas por vezes muito seve- 38 ras, passando então a ser conhecido na Aviação Naval como “Esquadrão Albatroz”. Conta, atualmente, com três aeronaves, oito pilotos, quatro resgateiros e cinco fiéis, prontos para cumprir as determinações do Com5ºDN. Para atender às necessidades de qualificação dos militares envolvidos nas ações de SAR, o EsqdHU-5 realiza treinamentos teóricos e práticos, dentre os quais voos em conjunto com a equipe de terra, bem como os com a Lancha Balizadora Rigel (navio subordinado ao Serviço de Sinalização Náutica do Sul - SSN-5), proporcionando um estreitamento de laços entre as equipes envolvidas e os tripulantes de voo. Está em fase de implantação a realização de treinamentos com as embarcações das diversas Capitanias, Delegacias e Agências subordinadas ao Com5ºDN, como forma de proporcionar o melhor emprego do meio aéreo quando encontrar-se sob comando e controle desses órgãos. Por fim, o EsqdHU-5 também executa voos com os navios do Grupamento de Patrulha Naval do Sul, quando, além do treinamento e preparo final da tripulação aérea, os militares de bordo têm a oportunidade de praticar, com profissionalismo, todos os procedimentos previstos, de sorte a garantir o treinamento adequado para que se obtenha o pleno sucesso num possível emprego em uma operação real de resgate. sempre possuíam o perfil requerido para o exercício daquela atividade. Para contornar esse óbice, em 2013 esses médicos foram substituídos por praças especializadas em enfermagem, com o Curso de Enfermagem Operativa, que passaram a ser denominados de Resgateiros. Esses militares inicialmente serviam em organizações militares (OM) distintas do EsqdHU-5 e passaram a compor a equipe de resgate, operando a partir de suas OM de origem, por meio de um regime de acionamento por escala de serviço. A partir de 2014, visando a incrementar a segurança nas operações de resgate, os Resgateiros passaram a fazer parte do efetivo do Esquadrão. Esses profissionais são submetidos a um intensivo programa de treinamento, com vistas ao aprimoramento e à manutenção técnico-profis- “Conta, atualmente, com três aeronaves, oito pilotos, quatro resgateiros e cinco fiéis, prontos para cumprir as determinações do Com5ºDN.” sional deles, além do incremento da higidez física individual, a fim de que estejam sempre prontos para atuar nas diversas situações que uma operação desse nível exige. A tripulação da ASD mantém-se em uma rotina periódica de treinamentos teóricos, oportunidade em que são abordados os detalhes de Treinamento e tripulação Até 2013, a tripulação básica da ASD era composta por dois pilotos, um fiel, um médico e um mergulhador da Estação Naval do Rio Grande (ENRG). Os resgates eram executados por médicos RM2, normalmente recém-formados, que nem Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 39 uma operação de resgate, constantes do Manual Interno de Procedimentos de Voo (MIPV), além da prática do resgate em si com os meios navais disponíveis na área de jurisdição do 5º DN. Essa equipe é também submetida mensalmente ao treinamento de cadeira de escape na piscina da Casa do Marinheiro de Rio Grande (CAMARIG), que viabiliza a tripulação manterse constantemente ambientada com os procedimentos de abandono de aeronave, em caso de pouso forçado na água, bem como usar os equipamentos de sobrevivência que poderão vir a ser utilizados durante o voo. Meios e equipamentos envolvidos A aeronave utilizada para a realização da tarefa de resgate é o Esquilo monoturbina AS-350, designado na MB como UH-12. Esse meio pode ser equipado com flutuadores de emergência, que são acionados para garantir sua flutuabilidade em caso de pouso na água, e um guincho elétrico com capacidade de carga de 136 kg. Como equipamento de proteção individual, além do capacete de voo, a tripulação dispõe de um macacão antiexposição, denominado de MAC-11, para utilização nos voos sobre água, com a temperatura do mar abaixo de 19º C ou do ar abaixo de 15º C. Conta, ainda, com o colete MK-15 e balsas individuais do tipo LR-1, com a finalidade de aumentar as chances de sobrevivência e localização da tripulação no caso de pouso forçado na água, além de auxiliar numa possível sobrevivência no mar. Operações de resgate Uma das principais características logísticas do litoral sul, sob jurisdição do Com5ºDN, é a pequena disponibilidade de aeroportos com a possibilidade de abastecimento de aeronaves. Essa limitação logística impõe às tripulações um cuidadoso e minucioso planejamento para a realização das operações de resgate. Desse modo, são de fundamental importância o detalhamento e a correção no emprego das informações a respeito dos locais onde existam 40 Revista da Aviação Naval nº 75 “Na região Sul esse fator é de extrema importância e sempre deve ser respeitado, porquanto as mudanças de tempo são normalmente rápidas e bastante intensas.” quantidade de combustível de aviação suficiente para o cumprimento da missão, pois no momento em que a aeronave chega ao ponto de resgate, deve possuir autonomia e disponibilidade de peso suficientes para manter-se na posição por, aproximadamente, trinta minutos (tempo médio para o cumprimento dos procedimentos de descida e avaliação da situação por parte do resgateiro), resgatar o paciente ou náufrago, regressar para a área selecionada para a remoção e, posteriormente, ser capaz de atingir um local de abastecimento. Outra variável sempre presente na atividade aérea é a meteorologia. Na região Sul, esse fator é de extrema importância e sempre deve ser respeitado, porquanto as mudanças de tempo são normalmente rápidas e bastante intensas. Em função disto, além dos órgãos de divulgação de informações meteorológicas administrados pela Força Aérea Brasileira, o EsqdHU-5 dispõe de dados atualizados fornecidos pelos faróis guarnecidos por militares do SSN-5 presentes no litoral da região. Vale mencionar que o grau de estresse presente nesse tipo de operação é relativamente alto. Em que pese a inegável vontade de prestar o socorro, deve-se evitar ao máximo o envolvimento emocional com a vítima. Ademais, para que o resgate seja realizado, a tripulação jamais deverá ser exposta a uma situação de risco desnecessário. A capacidade de decisão será constantemente posta em prova. Deve-se sempre ter em mente que o melhor parâmetro para avaliar se a decisão está sendo tomada de forma acertada é atra- Revista da Aviação Naval nº 75 41 EO/IR RA NK 42 A LI DAT vés da certificação de que as normas, limitações e procedimentos, previamente estudados e treinados, estão sendo fielmente cumpridos no momento da execução da tarefa. Além disto, o frequente preparo individual proporciona um aumento da autoestima e da autoconfiança, fazendo com que o grau de estresse se reduza a níveis aceitáveis. Por fim, após o cumprimento da missão, os dados relativos àquela operação são apresentados em debriefing para os demais tripulantes do Esquadrão, com a presença da psicóloga de aviação, para que as decisões e os ensinamentos coletados sejam repassados e discutidos por todos os presentes, de modo a propiciar recomendações de segurança para alguns setores da OM e o aprimoramento dos procedimentos e normas vigentes no Esquadrão. Reconhecimento do Esquadrão HU-5 Aos 16 anos de idade, o mais jovem Esquadrão de Helicópteros da nossa Aviação Naval já superou a marca de 14.000 horas voadas, com destaque para as mais de 140 missões SAR realizadas. É importante destacar o reconhecimento concedido pela Organização Marítima Internacional, em 2009 e 2011, através da distinção Letter of Commendation, por ocasião do prêmio “Excepcional Bravura no Mar”. Operando aeronaves de pequeno porte, o “Esquadrão Albatroz” mantém-se, através do incansável e abnegado trabalho de seus tripulantes, como uma confiável unidade de pronto emprego, que se esforça para bem representar a Aviação Naval Brasileira nas mais diversas missões que lhe são conferidas. Sabemos que a caminhada é interminável. Contudo, enquanto houver alguém necessitando de socorro estaremos sempre prontos: “No ar, para apoiar e salvar”. ESM DA R www.schiebel.net Supremacia Naval Visão de 360º de longo alcance Apoio na produção desta matéria: 1ºT Thiago Soares Garcia Vaz 1ºSG-AV-RV Maycon da Silva Moreira 3ºSG-HN Rodrigo de Lourdes Nascimento Revista da Aviação Naval nº 75 equipado com RADAR + ESM + EO/IR Revista da Aviação Naval nº 75 43 SEGURANÇA DA AVIAÇÃO MRM Maintenance Resource Management por Capitão-DE-CORVETA (t) Natália Azevedo da Silva Von Poser - daerm “O termo MRM foi cunhado em 1992, e caracteriza um programa multicooperativo de aperfeiçoamento da comunicação e redução de erros.” A partir de 1980, a indústria de aviação iniciou a implementação de uma ferramenta de segurança denominada CRM (Crew Resource Management) como tentativa de detectar e corrigir os erros cometidos pelas tripulações de voo. Este programa se mostrou bastante eficaz, evoluiu, e continua a ser implementado na maior parte das empresas relacionadas à aviação, se expandindo também para outras atividades em que o trabalho em equipe seja fundamental. Em 1989, após o acidente com uma aeronave da Aloha Airlines onde a manutenção foi um dos principais fatores contribuintes, foi sugeri- do que uma abordagem semelhante à do CRM fosse utilizada para a identificação e correção de erros nas atividades de manutenção, de forma a reduzir a sua contribuição para a ocorrência de acidentes e incidentes aeronáuticos. Foi realizada, então, uma análise detalhada dos fatores humanos presentes na atividade de manutenção, que culminou na criação do projeto do MRM (Maintenance Resource Management), regulado hoje nos EUA pela Federal Aviation Administration (FAA), por meio da Circular 120-72. O termo MRM foi cunhado em 1992, e caracteriza um programa multicooperativo de aperfeiçoamento da comunicação e redução de erros. Mais do que um treinamento, o MRM tem o objetivo de ser uma ferramenta para prover mecânicos de conhecimento e habilidades em gerenciamento de erros, comunicação, tomada de decisões, manejo de sobrecarga de trabalho e trabalho em equipe. O programa não visa apenas informar, mas promover uma mudança real de comportamentos e atitudes em relação ao trabalho de manutenção, inserindo os mecânicos de aeronave em uma cultura de segurança, onde todos os membros da equipe estejam sintonizados no objetivo de minimizar a ocorrência de erros. “O termo MRM foi cunhado em 1992, e caracteriza um programa multicooperativo de aperfeiçoamento da comunicação e redução de erros.“ Os objetivos de um programa de MRM podem ser resumidos em: 1 - Aumentar o nível de segurança da atividade. 2 - Reduzir a ocorrência do erro. 3 - Atenuar as consequências do erro. 4 - Aperfeiçoar o trabalho em equipe. 5 - Aumentar a consciência situacional dos mecânicos. 6 - Tornar a comunicação mais eficiente. Estes objetivos podem ser atingidos por meio da conscientização do grupo sobre como as consequências de uma ação individual reverberam pela organização como um todo; como utilizar os recursos disponíveis com segurança e eficiência; e como propagar uma cultura positiva de segurança através de ações individuais. A filosofia do MRM é baseada no CRM, porém leva-se em conta as diferenças entre os processos e a cultura de manutenção e das operações aéreas. O ambiente onde são realizadas as atividades é outro, e a natureza das tarefas é diversa e, portanto, o enfoque dado a muitos dos conceitos deve ser diferenciado. Um exemplo disso é o treinamento de habilidades de comunicação, que em um programa de MRM deve enfocar prioritariamente a comunicação escrita, uma vez que a documentação é atividade essencial de manutenção. Muito do trabalho de manutenção consiste no preenchimento de log cards, ordens de serviço, e especificações a serem passadas para os mecânicos do próximo turno. A exemplo dos programas de CRM, os de MRM evoluíram, desde sua concepção, em três gerações, com características e focos diferentes, a saber: MRM – Primeira Geração: Corresponde ao início da implementação do programa (1989 – 1994), que nesta fase tinha como objetivo reduzir a ocorrência dos erros de manutenção através da melhoria da comunicação e do aperfeiçoamento do trabalho em equipe. O programa era limitado a dois dias de treinamento que abordavam os seguintes tópicos: comunicação, assertividade, manejo de conflitos, consciência situacional e liderança. MRM – Segunda Geração: Sua concepção começou em meados da década de 1990 com implementação progressiva durante os treinamentos de grupos focais de mecânicos e supervisores. Essa abordagem priorizava a importância de briefings, debriefings e reuniões para troca de turnos, com o incentivo à participação dos mecânicos no planejamento de processos mais seguros. MRM – Terceira Geração – o hoje: A terceira geração dos programas de MRM consiste essencialmente no esforço em aumentar a consciência de segurança individual do mecânico e a sua capacidade de lidar com situações de risco para a segurança. Esta geração foi influenciada pelo trabalho desenvolvido pela Agência de Transporte do Canadá, no programa denominado Human Performance in Maintenance (HIPM), à época muito difundido. Uma das maiores contribuições desse programa foi a divulgação do conceito dos “Dirty Dozen”, (Dupont, 1997), que seriam as doze maiores causas de erros de manutenção. Desde então, praticamente todos os programas de MRM passaram a utilizar esse conceito como foco de seus treinamentos. Os chamados “Dirty Dozen” são: falta de comunicação, complacência, falta de conhecimento, distração, falta de trabalho em equipe, fadiga, falta de recursos, pressões, falta de assertividade, estresse, falta de consciência situacional e normas. Além destes conceitos, são abordados nos programas de MRM de terceira geração: Revista da Aviação Naval nº 75 45 1 - A compreensão do trabalho de manutenção como um sistema em que uma ação individual afeta toda a organização. 2 - O reconhecimento das causas do erro humano, partindo do princípio que, ao atingir a compreensão de como a interação entre fatores organizacionais da equipe e individuais podem levar a erros e acidentes, o pessoal de manutenção aprenderá como preveni-los proativamente ou gerenciá-los no futuro. 3 - Comunicação, que é um dos pilares também do CRM. Mecânicos, inspetores e supervisores são incentivados a desenvolver habilidades de comunicação eficaz de forma a aumentar a qualidade de seu trabalho e evitar interpretações erradas que geram confusões, erros e estresse. 46 O programa de MRM de terceira geração tem sido considerado bastante efetivo, porém, em alguns aspectos, limitado. Uma crítica frequente diz respeito ao foco do programa em influenciar valores e consciência individuais ao invés de abordar as equipes. Além disso, outros aspectos importantes deveriam ser abordados, tais como: a melhoria da segurança de forma sistêmica; o estabelecimento de objetivos claros de segurança; o feedback rápido dos resultados relativos à segurança, e o reforço aos profissionais que já se comportam de forma segura. A quarta geração de MRM vem sendo progressivamente implementada, alinhada com a filosofia do Safety Management System (SMS). O desafio é o estabelecimento de uma mudança consistente de comportamento e de padrões de comunicação nos indivíduos e equipes, e a inclusão da abordagem de mudanças na cultura organizacional. Nesta versão seria usado o conhecimento adquirido nas três gerações anteriores, adotando desta vez uma postura sistêmica, e acrescentando módulos voltados para a mudança de atitudes. Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 47 BRAVO ZULU SEGURANÇA DA AVIAÇÃO Comando do 5º Distrito Naval promove o I Simpósio de Segurança de Aviação POR: COMando do 5º distrito naval N o dia 16 de outubro, o Comando do 5° Dis- parceria com o Serviço Nacional de Aprendizatrito Naval (Com5ºDN), com a coordena- gem Comercial (SENAC). ção da Seção de Investigação e Prevenção Estiveram presentes na solenidade o Comande Acidentes Aeronáuticos (SIPAA), promoveu o I dante do 5° Distrito Naval, Vice-Almirante LeoSimpósio de Segurança de Aviação do Com5°DN. nardo Puntel, titulares de organizações militaO evento teve como objetivo difundir atividades res da MB situadas na cidade do Rio Grande-RS, educativas, promocionais e motivacionais dentro representante do Comando da Força Aeronaval, da atividade aeronáutica e conforme as orientaautoridades da Força Aérea Brasileira (FAB), do ções do Serviço de Investigação e Prevenção de Exército Brasileiro (EB), da Brigada Militar, da Acidentes Aeronáuticos da Marinha (SIPAAerM). Polícia Civil, do Corpo de Bombeiros, da EmO simpósio que ocorreu no auditório do presa Brasileira de Infraestrutura AeroportuáCentro de Convívio Meninos do Mar (CCMar/ ria (INFRAERO) e de Técnicos de Segurança do FURG) em Rio Grande, abordou temas como: Trabalho do Centro Cárdio da Santa Casa do Rio filosofia do SIPAER, psicologia aplicada na toGrande-RS. mada de decisão dos tripulantes de aeronave, influência da meteorologia na atividade aeronáutica, gerenciamento do risco na operação de asas rotativas, boas práticas de manutenção e comentário a respeito de dois estudos de casos envolvendo aeronaves da Marinha do Brasil, o AH-11A Super Lynx e o UH-12 Esquilo. Este evento contou com palestras de integrantes do V Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e da INFRAERO. A recepção teve o apoio dos alunos do curso de Recepcionista de Eventos, ministrado nas deEquipe de militares envolvidos na organização do evento pendências do CCMar em e palestrantes 48 Revista da Aviação Naval nº 75 BAeNSPA o dia 09 de outubro de 2014, por ocasião do táxi e decolagem para Gavião Peixoto-SP, a ANV N-1011 apresentou vazamento de combustível pela “VALVE ASSY, AIR SHUTOFF”. N Com a consciência situacional elevada e atitude proativa, a equipe de serviço da TWR SBES, constituída pelos 2ºSG AV-CV PIERRE ELIAS DA SILVA e 3ºSG AV-CV ANDRÉ FELIPE DE ALMEIDA SILVA, avistou o vazamento de combustível e informou prontamente ao piloto que havia uma “fumaça de cor branca” saindo da ANV. O piloto, ao receber a informação da TWR, verificou que a indicação do nível de combustível havia baixado bruscamente. Em seguida, declarou emergência e completou o circuito para pouso em SBES com segurança. A atitude proativa dos Controladores de Voo foi fundamental para que um provável acidente de grandes proporções fosse evitado. Que tal atitude sirva de exemplo e farol para todos, de forma que a Aviação Naval continue a operar com segurança. Aos SG PIERRE e ANDRÉ o nosso BRAVO ZULU! BAeNSPA indisponibilidade dos Equipamentos HEED III, além de restringir a disponibilidade operativa dos Esquadrões de Helicópteros da MB, poderia causar prejuízo à segurança das tripulações das ANV. A capacitação da BAeNSPA para este tipo de reparo, através de iniciativa e criatividade do SOMO RICARDO MARTINS GOMES, provê um nível de segurança de voo adequado e uma significativa economia de recursos, representando a independência da MB para esse tipo de serviço, haja vista a existência, na atualidade, de apenas uma empresa homologada. A Ao SO RICARDO o nosso BRAVO ZULU! Revista da Aviação Naval nº 75 49 BRAVO ZULU BRAVO ZULU Esquadrão VF-1 E m 15 de agosto de 2014, o 2º SG-AV -SV FABRIZIO DA SILVA PROCACI e o 3º SG-AV-MV THIAGO DE ALCANTARA CARDOSO, ambos exercendo a função de Fiel de aeronave, realizavam uma Inspeção “Turnaround”, a qual é realizada antes de cada voo das aeronaves AF-1 e AF-1A, quando detectaram um parafuso solto na aeronave, localizado em uma área de difícil acesso, próximo aos cabos de comando. Tal atitude demonstra o elevado grau de profissionalismo e dedicação dos nossos Fiéis de aeronave, além de ressaltar a importância do papel do homem como um “filtro” na segurança de voo. Que a atitude proativa e o comprometimento demonstrados pelo 2º SG PROCACI e pelo 3º SG CARDOSO sejam um exemplo para todos aqueles que trabalham diretamente envolvidos com as operações aéreas, para alcançarmos o nobre propósito da preservação de meios e da salvaguarda da vida humana. Aos SG PROCACI e SG CARDOSO, o nosso BRAVO ZULU! Esquadrão HS-1 E m 09 e 10 de abril de 2014, pela primeira vez desde a chegada das ANV MH16, foi necessário remover o conjunto da bequilha “Tail Landing Gear Shock Strut (TLG)” da ANV N-3033, pois foi verificado pela Equipe de Manutenção que a corrosão do pistão estava fora dos limites, podendo causar a rachadura do mesmo por ocasião de um pouso. A remoção e, posteriormente, a instalação do TLG é um serviço de grande monta, levando cerca de dois dias para sua realização. Além disso, requer muita atenção, já que engloba também a remoção de outros componentes que estão fixos no TLG, totalizando seis serviços durante a sua instalação. A tarefa foi realizada pelos 1o SG-AV-SV Rogério e 2o SG-AV-SV Bonfim, que realizaram a faina com extrema precisão e cuidado, tendo em vista que este serviço nunca tinha sido realizado no Esquadrão HS-1 e os referidos militares apenas receberam adestramentos teóricos durante o período de qualificação na ANV MH-16 provido pela empresa Sikorsky no Brasil. Esquadrão HU-1 D urante a OPERANTAR XXXII no Navio Polar Almirante Maximiano, no dia 24 de março de 2014, após ser dado o pronto para decolar da ANV 7069 pelos pilotos, depois da luz verde no convoo acesa, antes de sinalizar para retirada das peias, de forma segura e atenta o SO-AV-RV ZANON observou o entorno da ANV e percebeu um pequeno vazamento de combustível pela mangueira de dreno do piso do motor RH. Na ocasião, foi realizado o corte dos motores e consequentemente o cancelamento da decolagem. Durante a pesquisa da pane, ficou constatado que o vazamento era proveniente da tampa da bomba de combustível na área próxima ao parafuso inferior que fixa o detector de fogo. A proatividade do SO-AV-RV ZANON permitiu o cancelamento de um voo cuja segurança estaria comprometida por uma falha mecânica de difícil detecção pelos pilotos em voo. Ao SO-AV-RV ZANON o nosso BRAVO ZULU! E Esquadrão HU-2 m um voo de manutenção na ANV UH-14 N-7074 para tracking e balanceamento do rotor principal, durante o giro do mesmo pelo fiel para ajuste dos links de comando, após detectar um ruído anormal na parte de ré da caixa de transmissão principal (MGB), o 2ºSG-AV-MV LUIZ GUSTAVO MARTINS LACERDA solicitou aos pilotos que fosse cancelado o próximo voo de manutenção para uma melhor identificação da localização do barulho. Após uma minuciosa inspeção na ANV, foi detectado que a porca (shur-lok) de travamento do conjunto do freio rotor e seu espaçador estavam soltos, atritando diretamente no flange/eixo do rotor de cauda. Tal problema, provavelmente, poderia provocar a perda do acionamento do rotor de cauda. A correta atitude tomada pelo SG LACERDA favoreceu a detecção ainda em solo de uma pane que poderia ter acontecido em voo, podendo gerar um acidente/incidente aeronáutico. Ao 2ºSG AV MV LACERDA o nosso BRAVO ZULU! Aos 1o SG-AV-SV Rogério e 2o SG-AV-SV Bonfim o nosso BRAVO ZULU! 50 Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 51 BRAVO ZULU BRAVO ZULU Esquadrão HU-3 O CB-AV-MV RONY FRABRÍCIO DIAS, durante a realização dos procedimentos de preparação para o voo, percebeu a existência de 3 fissuras nos semimancais do rotor de cauda. Acreditava-se que as fissuras estavam dentro dos limites aceitáveis, mas a perseverança do militar em saber exatamente quais eram os limites chamou a atenção dos pilotos para a possibilidade de estarem fora dos parâmetros. A aeronave estava em uma missão em apoio ao 4º DN, pousada em Belém-PA. Foram enviados registros fotográficos para o EsqdHU-3, onde os especialistas condenaram a peça, indisponibilizando a aeronave para voo, e relataram a necessidade de troca do rotor de cauda. Em face à iniciativa e profissionalismo do CB RONY os outros semimancais foram trocados nas aeronaves do EsqdHU-3. Essa atitude contribuiu para a elevação do nível de segurança nas operações aéreas do esquadrão. Ao CB RONY o nosso BRAVO ZULU! Esquadrão HU-5 N o dia 10 de março de 2014, por ocasião do procedimento de fechamento das portas do hangar do EsqdHU-5, uma das portas se desprendeu do seu trilho. Como esse fato já havia acontecido anteriormente e, como os próprios militares que realizavam a faina conseguiram repor essa porta ao seu trilho, resolveram assim repetir o procedimento anterior. Foi então, que o SO (FN) AV-MV Ernani, praça mais antiga do Esquadrão, ao perceber aquela situação, lembrou-se de um fato semelhante àquele, ocorrido no EsqdHU-1, ocasião em que ventava muito e uma porta do hangar se desprendeu, vindo a atingir e danificar o cone de cauda de uma aeronave. Mediante essa experiência vivida, o SO Ernani determinou a suspensão imediata daquela ação e procedeu uma melhor verificação da situação da porta, percebendo que os quatro cantos da porta estavam soltos, inclusive a parte de cima, o que colocava em risco os militares e os meios do Esquadrão. Prontamente, os militares peiaram a porta, isolando a área para onde a mesma poderia tombar, e providenciaram o reparo, além de produzir o seu respectivo RelPrev. P Esquadrão HI-1 or ocasião do cumprimento de inspeção pré-voo, foi verificado pelos Oficiais-Alunos (OA) do CAAVO, 1T RONALDO CELSO SILVA LIMA e 1T RODOLPHO PAUL SACHINI que as aeronaves (ANV) escaladas para a realização dos respectivos voos apresentavam discrepâncias que comprometiam a segurança de aviação. No dia 12 de março de 2014, o 1T CELSO LIMA verificou que a mola do limitador dinâmico de abano das pás do rotor principal encontrava-se solta. O OA comunicou a discrepância ao IN e ao Fiel da ANV, tendo sido constatado que a mola não estava na posição correta. O referido limitador é preso por dois parafusos e tem como finalidade restringir a flapagem das pás no início da partida e no corte do motor, atuando quando a NR atinge 25%. No dia 14 de março de 2014, o 1T SACHINI verificou que a alavanca da unidade controladora de combustível (FCU) não estava posicionada no batente como deveria, estando o acelerador da ANV na posição de fechado. Tal fato foi reportado ao Fiel da ANV que, ao realizar o procedimento de abrir e fechar o acelerador, constatou que a distância entre a alavanca e o batente variava de posição ao se fechar o acelerador. Se isso não fosse verificado pelo OA, a ANV poderia vir a “partir quente”, com elevada possibilidade de avaria da câmara de combustão e componentes adjacentes. As atitudes proativas e assertivas dos OA, que estavam em Instrução Básica (Estágio ALFA), corroboram a mentalidade de segurança no EsqdHI-1. Os OA atuaram como uma barreira organizacional para a prevenção de possíveis incidentes e/ou acidentes, em razão da realização de inspeções obrigatórias de forma atenta. Aos 1T CELSO LIMA e 1T SACHINI o nosso BRAVO ZULU! Ao SO (FN) AV-MV Ernani o nosso BRAVO ZULU! 52 Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Aviação Naval nº 75 53 BRAVO ZULU BRAVO ZULU Premiação do 9º Concurso de Artigos da Revista da Aviação Naval O Concurso de Artigos da Revista da Aviação Naval, promovido pelo SIPAAerM com o apoio de entusiastas da Aviação Naval e empresas patrocinadoras, tem como objetivo ampliar cada vez mais a mentalidade de Segurança. O propósito da RAN é promover a “Cultura de Segurança de Aviação” e incentivar a prática de comportamentos seguros para todo o pessoal da Marinha do Brasil. A Comissão Julgadora agradece a participação de todos e parabeniza, em especial, os seis melhores artigos selecionados. Apresentamos ao nosso público os vencedores. 2º Lugar CC Padão Prêmio: Notebook 1º Lugar CT (T) Leonardo Prêmio: Passagens Aéreas 3º Lugar CF Black Prêmio: Tablet 4º Lugar CT (T) Simone Prêmio: IPod 5º Lugar CC Gomes Ribeiro Prêmio: Smartphone 54 54 Revista da Aviação Naval nº 75 6º Lugar CC Robinson Impressora Revista da Aviação Naval nº 75 5555 Assunção de Comando / Direção POSTO CMG CMG CF CF CF OM Assunção de Comando FÁBIO ANGELO DE ARAUJO AUGUSTO JOSÉ DA S. FONSECA JUNIOR EMERSON GAIO ROBERTO FABIANO MARTINS SASSE BAENSPA CIAAN EsqdVF-1 EsqdHU-1 31JAN14 21FEV2014 25JUL14 27JAN14 EVANDRO JOSÉ SOUZA RANGEL MARCELO VELOSO DE PAULA EsqdHA-1 02DEZ14 02DEZ14 NOME CF CF (FN) FÁBIO LUIZ BORBA DE AZEVEDO CC ANDRÉ MARCELLO VIVIANI SILVA EsqdHS-1 EsqdHU-2 EsqdHU-3 17JAN14 07JUL14 Autor: CMG (RM1) Alberto Barbosa Nascimento 56 Revista da Aviação Naval nº 75 Revista da Revista Informativa de Segurança de Aviação - Dezembro/2014 • Ano 45 • Nº 75 Fotodisk ''Protegendo nossas riquezas, cuidando da nossa gente.'' É possível avaliar a efetividade do treinamento em CRM? Novas perspectivas na seleção de pilotos militares Automação dos cockpits - um novo desafio para a Aviação Naval ARP-E: Uma nova realidade na Marinha do Brasil Fator Humano na operação de aeronaves remotamente pilotadas Bolinha, trem, passo e gancho