Exercício físico e infecção
pelo HIV: atualização e recomendações
ARTIGO DE REVISÃO
Pedro Celso Gagliardi Palermo1, Olavo Guimarães Feijó2.
Resumo
Objetivos: O propósito deste estudo foi examinar na literatura quais os efeitos do treinamento aeróbio e de resistência progressiva sobre a imunidade e a qualidade de vida de
pacientes HIV/AIDS, bem como verificar a intensidade ideal e a sua influência sobre a perda
de massa magra involuntária e a lipodistrofia, a fim de subsidiar os professores de educação
física no planejamento do treinamento para esta população.
Métodos: Foram pesquisados diversos bancos de dados eletrônicos e sites científicos de
acesso livre, entre 1990 e 2003. Mais de 600 citações foram inicialmente triadas, sendo
selecionados cerca de 80 resumos, até culminar com a revisão 30 publicações, sendo a maior
parte de ensaios experimentais, que deram o suporte de base para esta revisão.
Resultados: Os resultados indicam a possibilidade do emprego de atividades aeróbias até
75% do VO2 máximo (moderada), contínuas ou intervaladas, associadas com exercícios de
resistência (3 séries de 10 repetições até 80% de 1RM) e de flexibilidade sem qualquer
prejuízo para a imunidade. Atividades de maior intensidade somente parecem viáveis em
pacientes assintomáticos e necessitam de um maior rigor e acompanhamento da carga viral
e do número de células CD4+. O uso de testosterona, nandrolona decanoato e de hormônio
do crescimento parece válido, porém seus efeitos colaterais exigem maior controle sobre os
distrúrbios metabólicos associados ao HIV.
Conclusões: Apesar da necessidade de mais estudos com pessoas severamente
imunocomprometidas (CD4+<200 céls./mm3), além de mulheres e crianças, os resultados
confirmam que o exercício pode ser um importante agente terapêutico no controle da
1 - Programa de Pós Graduação em Educação
Física da Universidade Gama Filho.
Núcleo do Instituto de Ciências da Atividade
Física - NuICAF.
2 - Universidade do Contestado – Campos
Concórdia, SC.
Mestrado Multidisciplinar em Ciências da Saúde
Humana.
Submetido em 12/01/2004
Versão final em: 30/01/2004
Aceito em: 18/02/2004
Endereço:
Av. Mal. Fontenelle, 1200 CDA-NuICAF
Campo dos Afonsos – CEP.: 22740-000
e-mail: [email protected];
Fone: (21) 2457-2999, 3357-5720 (trabalho)
9959-1888 (cel) Fax: (21) 3357-5681.
Agradecimentos:
Aos professores Alexander Barreiros Bomfim (CDANuICAF), Carlos Renato Souza dos Anjos e Roberta
Abrantes Gonçalves Gomes.
Biblioteca e COMUT de Manguinhos – Rio de Janeiro.
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Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
lipodistrofia, na redução da fadiga, no aumento da capacidade funcional e na qualidade de vida de pacientes HIV/AIDS. Foram
propostas recomendações e diretrizes para a
orientação segura e eficiente de profissionais de educação.
Palavras chaves: HIV, exercício,
lipodistrofia, composição corporal, perda de
massa magra.
Introdução
Desde a sua identificação até os dias atuais, a infecção pelo HIV e a AIDS têm sido
responsável por um grande número de estudos científicos desenvolvidos por pesquisadores do mundo inteiro. Desde 1996 a terapia antiretroviral deu um salto de qualidade
com a inclusão dos inibidores da protease,
iniciando o advento da terapia antiretroviral
de alta atividade, conhecida como HAART
(‘highly ative antiretroviral therapy’). Esse
avanço permitiu a redução da morbidade,
da mortalidade e afecções oportunistas em
cerca de dois terços1,2.
Ainda assim, a infecção pelo HIV continua crescendo em todo o mundo, principalmente entre as mulheres, e permanece sem
cura. Porém, com o adequado tratamento
antiretroviral, é possível viver por um longo período de tempo de forma produtiva e
com boa qualidade de vida dos pacientes.
A HAART, no entanto, estabeleceu uma
nova preocupação terapêutica pela sua associação a distúrbios metabólicos como a
resistência à insulina3, a hipercolesterolemia,
a hipertriglicedemia, a lipoatrofia periférica
e o acúmulo de gordura visceral e central4-6,
todos vinculados ao aumento do risco de
doenças cardiovasculares7. Além disso, outros antigos problemas relacionados à infecção pelo HIV como a osteopenia8 e a perda
involuntária de massa corporal9, 10 que, de
acordo Scevola et al.7, chega a atingir entre
5 e 75% dos indivíduos, não somente per-
sistem, como também aumentam a
morbidade e a mortalidade desses pacientes1, 11.
Diante desse quadro, o exercício físico,
que tem sido reportado como um importante agente aprimorador da capacidade
cardiorrespiratória, da força, do controle
metabólico da insulina, do colestorol e dos
triglicerídeos, da massa óssea e do estado
psicológico12-16, vem assumindo um destacado papel também na terapêutica de pacientes HIV/AIDS.
Apesar de os pesquisadores conhecerem
os efeitos da atividade física moderada em
soropositivos, algumas questões ainda permanecem obscuras e continuam sob investigação. Um exemplo disso refere-se aos efeitos do treinamento de resistência, associados ou não a hormônios e/ou a esteróides
anabolizantes, em pacientes com hipo ou
normogonadismo, em homens ou mulheres,
com o objetivo de aumentar a massa
corpórea magra e controlar os distúrbios
metabólicos citados. Outro problema está
associado à intensidade da carga e ao tipo
de treinamento para pacientes em diferentes
estágios da infecção, com ou sem
sintomaticidade, e os efeitos dessa atividade sobre a imunidade e a carga viral.
Como o número de pessoas infectadas cresce a cada ano e a expectativa de vida vem
aumentando em pessoas infectadas pelo HIV,
é razoável considerar-se que, nas diversas
academias de ginástica espalhadas pelo
mundo, vários soropositivos possam estar
interessados em utilizar o exercício, com o
objetivo de aperfeiçoar a qualidade de suas
sobrevidas. Entretanto, essas pessoas, por
questões sócio-discriminativas, não se identificam como portadoras do HIV, como o fazem, por exemplo, os pacientes cardíacos,
hipertensos, diabéticos, osteoporóticos, dentre outros. Por sua vez, os profissionais de
educação física, por questões ético-legais,
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Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
têm evitado a argüir seus clientes, o que dificulta uma abordagem profissional mais
abrangente e segura.
Aspectos como estes têm distanciado os
professores de educação física da temática
sobre o exercício físico em pacientes HIV/
AIDS, apesar de serem merecedores de uma
orientação diferenciada quanto à carga e ao
tipo de treinamento, sob o risco de, paradoxalmente, comprometerem a sua já debilitada imunidade.
Alguns autores17-19 antes da HAART propuseram algumas diretrizes e recomendações
sobre o emprego de exercícios aeróbios em
pacientes HIV. Entretanto, uma série de outros estudos envolvendo também exercícios
de resistência progressiva foi desenvolvida
nos últimos cinco anos. O objetivo desse
estudo, portanto, foi revisar e analisar na literatura os efeitos dos diversos tipos de exercícios físicos em pacientes HIV/AIDS, e propor recomendações importantes para profissionais de educação física no emprego do
exercício como uma ferramenta terapêutica
segura e eficaz.
Métodos
Busca bibliográfica
Foram pesquisados diversos bancos de
dados eletrônicos e ‘sites’ científicos de acesso livre, além dos diponíveis gratuitamente
na Biblioteca de Manguinhos, entre 1990 e
dezembro de 2003 (PUBMED-MEDLINE,
BIREME, Literatura Latino Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde – LILACS, Sistema de Informação da Biblioteca da OMS
– WHOLIS, Science Direct, Catálogo Coletivo Nacional - IBICT-CCN, Portal de
Periódios da CAPES, ISI Web of Science,
Scientific Eletronic Library on Line –
ScIELO, Biblioteca Virtual em Saúde – BVS,
MEDSCAPE, Buscador de Informações Ci-
entíficas - SCIRUS for Scientifc Information,
BIBLIOMED). As palavras chaves utlizadas
foram: ‘HIV and exercise’ ou ‘AIDS and
exercise’, refinadas, quando era o caso por:
‘weight loss’, ‘aerobic exercise’, ‘resistence
exercise’, ‘lipodystrophy’. Todas as línguas
foram pesquisadas, a despeito de haver tido
maior ênfase na língua inglesa. Mais de 600
citações foram inicialmente triadas e, num
segundo momento, foram selecionados cerca de 80 resumos ou ‘abstracts’. Foram realizados dois contatos via internet com pesquisadores estrangeiros com o objetivo de
adquirir artigos não encontrados em bibliotecas brasileiras, dos quais somente um20,
enviou resposta favorável.
Critério de Seleção dos Estudos
Após lido os ‘abstracts’ e resumos, foram
selecionados, prioritariamente, os estudos
experimentais que empregavam o exercício
físico em pacientes HIV/AIDS. A ênfase maior foi dada às pesquisas com ensaios controlados e randomizados. Outros estudos de
revisão, de cohorte, estudo de caso, dissertação e monografia também foram selecionados por apresentarem dados e discussões
consideradas relevantes para as análises procedidas. Referências secundárias, por serem
citadas constantemente em diversos estudos
ou por apresentarem algum dado diferencial, também foram posteriormente agregadas
aos artigos selecionados. Algumas referências não puderam ser adquiridas ou localizadas nas bibliotecas do país, por não haver
tempo disponível e/ou recursos suficientes
para serem solicitadas, via COMUT, ao exterior. Ao todo foram cerca de 35 trabalhos
científicos, dos quais 22 são pesquisas básicas em ensaios experimentais que deram o
principal suporte para esta revisão. Todas as
demais referências possibilitaram a realização das análises, considerações, recomendações e conclusões deste estudo.
220
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
Análise dos Dados
Os autores dos estudos foram catalogados, e
seus ensaios tiveram suas características e seus
resultados detalhadamente descritos em quadros, os quais permitiram a comparação e a
análise qualitativa dos estudos. Esta, por sua
vez, foi dividida, basicamente, em dois blocos: 1o) o estudo dos efeitos do treinamento
aeróbico; e 2o) o estudo dos efeitos do treinamento de resistência em pacientes HIV/AIDS.
Os efeitos psicológicos, como a ansiedade, a
depressão e a qualidade de vida e/ou capacidade funcional, quando citados pelos estudos
como decorrentes do exercício físico, também
foram abordados nesta revisão. Outro aspecto
importante revisado refere-se aos instrumentos empregados nos estudos e seus efeitos sobre a validade interna.
Resultados
Os quadros 1, 2 e 3 apresentam, respectivamente, as características e os resultados
dos estudos experimentais selecionados. Alguns dados não estavam claramente descritos nos trabalhos, porém puderam ser inferidos em função dos que estavam disponíveis.
Discussão
Intensidade do Treinamento
Aeróbio
Como pode ser observado na quadro 1, os
trabalhos que referem o treinamento aeróbio
em pacientes HIV/AIDS possuem características de intensidade, tipo de estímulo (contínuo ou intervalado), duração da sessão e
tempo de duração bastante distintos, de
modo que a avaliação do significado dos
resultados e da tendência dos seus efeitos
sobre a imunidade (quadro 2) deve ser analisada de uma forma mais criteriosa.
Nestes estudos, os termos ‘moderado’ e ‘intenso’, quando referentes à intensidade de
esforço, não são utilizados pelos autores com
o mesmo significado. Wilmore e Costil22 relacionam e classificam a intensidade do exercício aeróbio com duração de 20 a 60 minutos, utilizando como referência a freqüência
cardíaca máxima e o VO2 máx. ou a freqüência cardíaca de reserva, e consideram ‘moderado’ o esforço que não ultrapassa 75%
do VO2 máximo ou 80% da FC máxima. Essa
intensidade enquadra-se perfeitamente com
o limite estabelecido pelos estudiosos dos
efeitos do exercício sobre a imunidade23-30,
que argumentam que exercícios moderados
e com duração inferior a 60 minutos não
ocorre nenhuma supressão imunológica importante. A tabela 4 apresenta a classificação das intensidades de treinamento
sugeridas pelos autores e a padronização
estabelecida segundo os critérios estipulados por Wilomore e Costill22.
Intensidades menores do que 50% do VO2
máx. são consideradas leves, e seus efeitos
sobre o condicionamento aeróbio parecem
apresentar resultados menos expressivos, a
despeito de não alterarem a imunidade6, 31, 32
e tendem a oferecer uma menor contribuição
sobre
o
aprimoramento
cardiorrespiratório e o controle da
lipodistrofia associada à infecção pelo HIV
e/ou à terapia antiretroviral com inibidores
da protease. Não obstante, intensidades até
75% do VO2 máx., além de aprimorarem o
condicionamento aeróbio dos pacientes
HIV/AIDS, também não oferecem prejuízo
ao sistema imunológico18, 33-37. O esforço
aeróbio em HIV+ deve possuir, como limite
superior, uma intensidade que não comprometa a imunidade. Nessa população, o nível
absoluto e percentual de CD4+ e a carga viral
são os principais índices prognósticos na
evolução
da
síndrome
da
imunodeficiência18, 38.
Das tentativas de estudos com duas intensidades de treinamento, o de Stringer et al.32
chegou a 78% do VO2 máx., sendo detecta221
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
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Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
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Legenda: GP -pessoas integralmente
participantes (98% das sessões de
treinamento).
GSP - pessoas semi-participantes (45% das
sessões).
GNP - pessoas não participante (29,7%
das sessões).
G1 – grupo exercício 1.
G2 – grupo exercício 2.
GEP - grupo experimental participante
(mais de 50% das sessões).
GESP - grupo experimental semi-participante (menos que 50% das sessões).
GW - grupo ‘wasting’.
GNW - Grupo não ‘wasting’.
GC - grupo controle.
GE - grupo experimental.
GNaC - grupo nandrolona decanoato
controle.
GNaEx – grupo nandrolona decanoato
exercício.
GPC - grupo placebo controle.
GPEx - grupo placebo exercício.
GTtC - grupo testosterona controle.
GTtEx - grupo testosterona exercício;
GTtOxEx - grupo testosterona, oxandrolona
e exercício.
HAART - antiretrovirais de alta intensidade.
TRP – Treinamento de resistência
progressiva.
MMII – membros inferiores.
MMSS – membros superiores.
224
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
Quadro 2 - Resultado dos estudos com treinamento aeróbio em pacientes HIV/AIDS
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226
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
Legenda: # estatisticamente significativo
comparados com valores de base (inter
grupos) p<0,5.
## Significativos para p<0,01 comparados com valores de base (inter grupos).
& significativo para p<0,001 comparados
com valores de base (inter grupos).
@ estatisticamente significativo intra
grupos P<0,5.
IP- integralmente participantes (98% das
sessões de treinamento).
SP- semi participantes (45% das sessões
de treinamento).
NP- não participantes (29,7% das sessões
de treinamento).
Y(17)-dados relativos a 17 pacientes entre
as semanas 0 a 12 (6 IP, 5 SP e 6 NP).
Y(8)-dados relativos a 8 pacientes entre as
semanas 12 a 24 (6 IP e 2 NP).
$ Resultados referentes à primeira fase do
estudo com 8 semanas.
Os resultados da segunda fase com mais 8
semanas de treinamento sem supervisão
não constam deste quadro.
HIV + C - controle;
HIV + E - experimental;
GC - grupo controle;
GE - grupo experimental;
GP - grupo participante;
GSP - grupo semi participante;
GEP - grupo experimental participante;
GESP - grupo experimental semi
participante;
FEMS – flexão e extensão dos membros
superiores;
FTSC - flexão do tronco sobre as coxas;
A estado - ansiedade estado;
A - traço - ansiedade traço;
GExA - grupo exercício aeróbio;
GExR - grupo exercício resistência.
Tabela 3 - Resultado dos estudos com treinamento de resistência progressiva em pacientes HIV/AIDS
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
227
Legenda: # estatisticamente significativo
comparado com valores de base (inter
grupos p<0,5.
@ estatisticamente significativo intra
grupos P<0,5.
## Significativos para p <0,01
comparado com valores de base (inter
grupos).
& significativo para p<0,001 comparado
com valores de base (inter grupos).
$ Resultados referentes à primeira fase do
estudo com 8 semanas. Os resultados da
Segunda fase com mais 8 semanas de
treinamento sem supervisão não constam
deste quadro. T: A - relação de gordura do
tronco versus apendicular; DC - dobras
cutâneas; GE - grupo experimental;
GC - grupo controle;
GW - grupo ‘wasting’;
GNW - grupo não ‘wasting’;
GPC - grupo placebo controle (não
exercício);
GREx - grupo placebo experimental
(exercício);
GTtC - grupo testoterona controle;
GTtEx - grupo testoterona experimental;
MCM - massa corpórea magra;
IMC - índice de massa corporal;
%G - percentual de gordura;
G - gordura;
GNaC - grupo nandrolona decanoato
controle (não-exercício);
GNaEx - grupo nandrolona decanoato
exercício.
$$ - resultados referentes à primeira fase
do estudo com 12 semanas. As 12
semanas seguintes não estão apresentadas
neste quadro.
228
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
Tabela 4 - Classificação da intensidade do treinamento aeróbio nos estudos com HIV+
*Nota: as intensidades desse estudo foram estabelecidas com base em dados dos autores.
do um ligeiro declínio dos níveis de CD4+
(não significativo estatisticamente), de -3±15
céls/mm3. No mesmo estudo, no entanto, o
grupo com intensidade leve apresentou um
aumento das CD4+ de +13±14 céls./mm3. No
de Terry et al.6, o grupo que se exercitou,
com o limite superior de 85% da FC máxima, ou seja intenso, apresentou uma pequena queda (também não significativa) dos
níveis de CD4+ (de 590±242 para 586±316
céls/mm3). Já o grupo com intensidade moderada de 55 a 60% da FC máxima apresentou uma elevação das CD4+ (de 592±245
para 683±291 céls./mm3). Smith et al. 39, que
chegaram a 80% do VO2 máximo, apesar de
apresentarem um discreto aumento nos valores absolutos de células CD4+ (332 para
339 cél./mm3), apontaram uma diminuição
dos valores percentuais (de 21,7 para
21,1%). Lox et al.40, com proposta de treino
basicamente moderada por 24 minutos, experimentaram um discreto aumento das
CD4+ de 403 para 412 céls./mm3. Por fim, a
pesquisa de Macarthur et al.33, cuja proposta de treinamento intenso ficava entre 75 e
85% do VO2 máximo, apresentou uma grande limitação quanto à adesão ao programa,
com somente seis pacientes participando em
mais de 80% do planejado. Os autores não
apresentaram os resultados comparativos
entre ambos os grupos (intenso e leve). Optaram por agrupar os dados e dar ênfase na
relação entre a adesão ao estudo e a evolução das variáveis pesquisadas.
Mais importante, talvez, do que a carga
de treinamento, é a adesão ao programa de
229
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
exercícios. Perna et al.37 sugerem que os pacientes que não se engajaram no programa
de exercícios podem apresentar um declínio
mais acelerado nos valores de CD4+. Neste
estudo, os autores verificaram que aqueles
que faltaram às sessões de treinamento em
50% ou mais apresentaram uma diminuição
significativa das células CD4+ (de 476,3 para
390,3 céls./mm3 com p<0,01). Pedersen et
al.24 referem que a deterioração clínica pode
estar associada à baixa adesão ao treinamento. Já Smith et al.41 apontam que os piores
condicionados no início do estudo foram os
que apresentaram o maior índice de desistência. Palermo42 acrescenta que a motivação ao treinamento está associada ao tipo
de exercício que mais agrada ao paciente.
Nesse sentido, o trabalho de Lira31, por apresentar estímulos aeróbios diferenciados, com
a utilização de implementos como bolas, arcos, bastões e uma grande integração entre
os participantes, foi o estudo, tipicamente
de prevalência aeróbia, que reportou a maior adesão entre os participantes (78%), juntamente com o de Smith et al.39. Adesões
maiores do que essas somente foram observadas em estudos com exercícios de resistência associados ou não aos aeróbios, talvez porque os participantes sintam uma
maior necessidade de persistência devido à
perda de MCM decorrente da infecção pelo
HIV.
Mustafa et al.43, no único artigo encontrado que relaciona o exercício físico e a progressão pelo HIV num estudo de cohorte com
considerável ‘folow up’ (seis anos), apesar
do limitado número amostral e dos diferentes estágios de infecção, reportaram que atividades moderadas aumentam, ainda que de
forma não significativa, a concentração das
células CD4+. A mesma pesquisa aponta,
também, que exercícios realizados 3 a 4 vezes por semana aparentemente promovem
um melhor efeito protetor sobre o avanço da
infecção pelo HIV, do que se realizados dia-
riamente, reforçando a hipótese de que, além
de não ser necessária para a melhoria da qualidade de vida, uma carga de treinamento
elevada também não oferece nenhuma vantagem imunológica adicional. Este trabalho
encontra maior relevância, pois é o único
que apresenta resultados referentes aos efeitos crônicos do exercício sobre a imunidade
de pacientes HIV positivos.
Apesar de alguns autores defenderem que
atividades aeróbias intensas32, 36 ou competitivas17 poderem ser utilizadas sem restrições para pessoas infectadas pelo HIV e
assintomáticas, a sua adoção, segundo o
nosso entendimento, ainda não se mostra
totalmente segura. As pesquisas ainda apresentam algumas limitações; como: 1a) o número amostral reduzido prejudicando a validade externa; 2a) o pequeno ‘follow up’
dos estudos; 3a) a inexistência de mais dados longitudinais; 4a) a baixa adesão aos
programas de treinamento propostos, prejudicando a análise dos resultados; 5a) os
diferentes instrumentos utilizados para a
avaliação de quesitos semelhantes, comprometendo a validade interna de alguns estudos; 6a) as quantidades (percentual e total)
de CD4+, a carga viral e o estágio inicial de
infecção diferenciados entre os sujeitos estudados; e 7a) o nível de condicionamento
físico pré-treinamento dos pacientes.
Calabrese e LaPerriere17 consideram que
os exercícios para pacientes assintomáticos
não apresentam restrição alguma, inclusive
as atividades competitivas de alta intensidade; ao passo que, para pessoas que já apresentaram ao menos um evento de
sintomaticidade, devem ser evitados, somente, esforços exaustivos. Os exercícios intensos somente seriam excluídos do programa
de treinamento para quem apresenta diagnóstico de AIDS. Entretanto, em concordância com o entendimento de que se deve evitar intensidades elevadas, ainda que sejam
aceitáveis em pacientes HIV+, Lira19 propõe
230
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
um interessante critério de avaliação. De
acordo com Tvede et al.26, também citado
pelo autor, as respostas imunes são influenciadas pelo nível plasmático de adrenalina.
Conforme conclusões extraídas do estudo
de Mazzeo e Marshal (1989), apud Lira19, a
concentração plasmática de adrenalina explica cerca de 95% do comportamento de
lactato sangüíneo. Desta forma, o autor recomenda que a prescrição de atividades
aeróbias nos períodos de assintomaticidade
seja sempre inferior ao limiar anaeróbio.
Exercícios com intensidades superiores a
este patamar poderiam aumentar os níveis
de adrenalina a valores críticos para as respostas imunes. Apesar de ser mais conservador, existem dois fatores complicadores para
o emprego dessa estratégia: 1º) nem sempre
se dispõe de recursos para diagnóstico
laboratorial do limiar anaeróbio; e 2º) dependendo do paciente, no caso de um atleta, por exemplo, é possível encontrarmos valores de limiar superiores a 75% do VO2 máx.
As pesquisas ainda são pobres na determinação da carga de treinamento para pessoas
HIV positivas e altamente condicionadas, e,
por prudência, convém-se considerar, até o
momento, a intensidade de 75% do VO2 máx.
como limite máximo de treinamento. No caso
de algum atleta necessitar de um treinamento em que a intensidade deva ser superior a
esta, sugere-se atentar para o risco potencial
de prejuízo imunológico, o qual poderá ser
minorado, caso o paciente atleta esteja em
adequado acompanhamento da carga viral
e do número de células CD4+, fatores que
devem ser agregados como variáveis importantes no planejamento dos ciclos de treinamento.
Quanto à duração, parece não haver dúvidas de que exercícios muito prolongados,
mesmo em intensidade de até 75% do VO2
máx., podem produzir uma resposta imune
desfavorável. Ullum et al.44, em estudo sobre os efeitos do exercício agudo sobre di-
versos índices imunes em pacientes HIV,
sugerem que atividades nessa intensidade,
com duração de 60 minutos em bicicleta
ergométrica, apesar de aumentarem temporariamente o percentual e a atividade das
células ‘natural killer’ (NK) e das linfocinas
ativadoras das células ‘Killer’ (LAK) após o
esforço, não apresentaram o mesmo comportamento que o grupo controle HIV-. Esses
dados sugerem que, em resposta ao estresse
físico, as pessoas HIV+ têm uma menor capacidade de mobilizar suas defesas orgânicas. Todos os estudos citados na tabela 4
planejaram cargas contínuas ou intervaladas
de atividade aeróbia com duração total de
20 a 45 minutos de duração. Em vista dos
resultados, esse intervalo parece ser bastante adequado para o planejamento da carga
de treinamento para pessoas HIV/AIDS.
Essas recomendações são suportadas pelos resultados dos estudos revisados. Como
pode ser observado na quadro 2, todos os
trabalhos que apresentaram dados relativos
ao VO2 máximo, à força, à flexibilidade e à
composição corporal, comparativamente aos
valores inicias e finais, invariavelmente demonstraram que os pacientes, a despeito de
haver comprometimento imune, são capazes de melhorar os índices de condicionamento físico, o mesmo ocorrendo com os
quesitos psicológicos (ansiedade, depressão,
autoestima, estresse e qualidade de vida),
ainda que alguns não apontem significância
estatística.
Alguns pesquisadores31, 35, 42, 46 investigaram a associação de exercícios aeróbios com
os de resistência e flexibilidade. Apesar de
esta metodologia não possibilitar que os efeitos sobre a imunidade possam ser interpretados de forma isolada, consideramos que a
diversidade de estímulos físicos além de
enriquecer o treinamento, possibilita que o
praticante encontre maior prazer na atividade47 e, quanto melhor orientada, mais tende
a motiva-lo, aumentando a adesão e a per231
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
sistência em incorporar o exercício como um
hábito de vida48. Ademais, vários autores
destacam a importância dos treinamentos de
força e de flexibilidade associados ao desenvolvimento da capacidade aeróbia para
a manutenção da saúde12, 14-16. Essa visão
pode ser verificada analisando-se os resultados de Palermo42, Lira31, Rigsby et al.35,
Grispoon et al.45 e Wagner et al.46, em que a
carga de treinamento físico aeróbio, associado aos exercícios de força e/ou resistência
e flexibilidade, não causou prejuízo
imunológico aos pacientes, a despeito de a
sessão de treinamento ter alcançado até 90
minutos de duração.
Quanto ao comportamento das células
CD4+, deve-se ter cautela na afirmação de
que o exercício físico leva a um aumento
das suas concentrações numéricas e/ou
percentuais, como sustenta o grupo de
LaPerriere et al.34. Os estudos desse autor e
de Perna et al.37 mostraram que os aumentos
de células CD4+ foram estatisticamente significativos. Entretanto, em ambos, os sujeitos apresentavam a imunidade relativamente bem estruturada (CD4+ > 500 céls/mm3),
se comparada aos trabalhos de Rigsby et
al.35, Macarthur et al.33, Stringer et al.32 e
Palermo42 cuja média das CD4 girava em
torno de 200-250 céls./mm3, na maior parte
dos sujeitos estudados, sendo que, em alguns, era menor do que 50 céls./mm3. Além
disso, o estudo de Terry et al.36, apesar de
iniciar com pacientes com média aproximadamente igual a 600 céls./mm3, não mostrou aumentos significativos das células
CD4+. Ao contrário, como referido anteriormente, o grupo que se exercitou de forma
mais intensa apresentou uma tendência de
queda nos seus valores numéricos, apesar
de não ser estatisticamente significativa. Não
obstante, confirmadamente, a tendência das
CD4+ em esforços moderados foi positiva
em todos os estudos.
Efeitos do treinamento aeróbio
sobre o comportamento
psicológico e a capacidade
funcional
Antoni et al.49 e Perna et al.50 sustentam
que o estresse psicológico não controlado
tem conseqüências danosas sobre a imunidade, e propõem um modelo baseado na
psiconeuroimunologia (PNI), em que esses
eventos ativam os sistemas nervoso autônomo e neuroendócrino e, conseqüentemente,
seus efeitos imunosupressivos. Assim, quanto
maior o estresse psicológico, como ansiedade, depressão, autoestima, comuns em pacientes HIV/AIDS51, maior a probabilidade de
avanço da infecção para AIDS. Entretanto,
baseados na possibilidade de redução da
ansiedade e do estresse, por meio da atividade física, LaPerriere et al.52, 53 propuseram
num modelo reverso, que os efeitos do sistema nervoso autônomo e neuroendócrino
poderiam ser contidos ou pelo menos diminuídos, permitindo ao sistema imune um
retorno ao seu estado normal. Mackinnon54
também estabeleceu um modelo teórico em
que o exercício, o estresse e a doença podem ser vistos como vértices de um mesmo
triângulo e que, cada fator, tem efeitos independentes sobre o sistema imune. Podem,
também, interagir em conjunto, por exemplo: enquanto o estresse é um fator contribuinte para o desenvolvimento de doenças,
o exercício pode modular o estresse e evitar
o acometimento patológico.
Suportando esse entendimento, vários autores agregaram aos seus estudos a investigação de aspectos psicológicos relacionados à atividade física em pessoas HIV/AIDS,
encontrando, em grande parte deles, significativas reduções da ansiedade e da depressão33, 34, 36, 40, 42, além da melhoria da capacidade funcional e/ou da qualidade de vida32,
40, 46, 55
(vide quadros 2 e 3).
232
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
Roubenoff et al.55 utilizaram-se de outra
estratégia para a avaliação da eficácia do
treinamento sobre a qualidade de vida em
pessoas HIV+. Por meio de uma subescala
de avaliação da capacidade funcional do
‘Medical Outcames Studty’ (MOS), um formulário com 36 perguntas (SF-36), procuraram medir o grau de autonomia funcional
que o exercício poderia oferecer para pacientes debilitados que se submeteram a treinamento de resistência. No entanto, esbarraram na limitação de que mesmo com um
aumento nos níveis de força dos pacientes,
uma capacidade funcional acima da normal
não pôde ser reportada, pois os mesmos, no
início do estudo, já apresentavam escores
elevados. Duas hipóteses decorrem como
possíveis: 1a) ou o instrumento não apresentou-se sensível o suficiente para a
diagnostigar níveis de capacidade funcional restritas no período pré-treinamento; 2a)
ou os pacientes não se encontravam, realmente, com limitações funcionais dignas de
nota.
Lox et al.40 no entanto, obtiveram mais
sucesso ao adotarem o ‘Positive and
Negative Affect Schedule’ (PANAS), o
‘Satisfaction with Life Scale’ (SWLS) e o
Physical Self-Efficacy Scale (PSES), respectivamente para medirem o estado afetivo
positivo e negativo, a satisfação com a vida
e a capacidade funcional. Os autores calcularam a derivação padrão (ES – effect sizes)
para determinar a tendência (positiva ou
negativa) e o grau de impacto do exercício
aeróbio ou de resistência sobre estas variáveis em HIV+. Os resultados apontam para
um benefício na satisfação de vida e no estado afetivo (vide quadro 2), bem como um
grande aumento da capacidade funcional,
também em ambos os grupos.
Análise dos Instrumentos
utilizados nos estudos envolvendo
o exercício e HIV
Com relação à validade interna, apresentamos, em outro trabalho42, uma intensa revisão a cerca dos instrumentos utilizados nos
estudos ora revisados. De maneira geral, alguns resultados não encontraram maior
significância estatística devido ao emprego
de instrumentos pouco adequados para tal.
A adoção de protocolos submáximos ou
máximos para a avaliação da potência
aeróbia, ou de mensurações com instrumentos clínicos (como os testes de repetição
máxima e de carga máxima para avaliação
da resistência e da força muscular, ou o de
dobras cutâneas para a avaliação da composição corporal) versus instrumentos
laboratoriais (dinamômetro isocinético eletrônico para avaliação da força e do torque
ou absormetria por dupla energia de raio-x DEXA e tomografia computadorizada para
avaliação da composição corporal) não pode
ter seus resultados analisados da mesma forma. Não obstante, os estudos com instrumentos de menor acurácia não devem, por este
motivo, ter a sua relevância e validade descartadas. O fato de os dados não se mostrarem significativos estatisticamente tem, na
verdade, como principais fatores limitantes,
o número amostral restrito e a baixa aderência aos eventos de pesquisa. A utilização de
instrumentos com menor rigor científico é
válida à medida que viabiliza o seu emprego em grande escala e com baixo custo, favorecendo o controle dessas variáveis, durante a intervenção por meio do treinamento físico, num maior número de pacientes.
Esse aspecto cresce em relevância, à medida
que a AIDS é reportada como uma patologia
das minorias18, para quem o acesso a meios
diagnóstigos sofisticados é bem mais restrito.
233
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
Rigsby et al.35 e Palermo42 observam que
o emprego de testes máximos para a avaliação da potência aeróbia poderia exercer um
efeito adverso sobre a imunidade, dado que
a intensidade dos mesmos tende a ser muito
alta. Roubenoff et al.56, no entanto, identificaram que um estímulo intenso agudo, até
onde as limitações de seu estudo permitiram, não se mostrou prejudicial a pacientes
HIV/AIDS. Palermo42 acabou por concluir
que, em pesquisas científicas, onde a acurácia
dos resultados tem um papel de destaque, os
testes máximos são melhor indicados; porém, para o emprego clínico, numa academia de ginástica ou por um preparador físico pessoal, por exemplo, os submáximos
revestem-se de menor risco para o avaliado16. Esse mesmo entendimento é válido para
os testes de força/RML e avaliação da composição corporal, em que a determinação da
carga máxima, por meio do teste de 1RM ou
dos testes de repetições máximas para os
membros superiores e região anterior do tronco e a medição de dobras cutâneas pode ser
normalmente empregada.
Os únicos instrumentos que Palermo42 reputa em seu trabalho como de capital importância para o acompanhamento clínico
são aqueles referentes à carga viral e à imunidade, notadamente às células CD4+. Primeiro porque o acompanhamento das células CD4+ é o principal preditor clínico do
curso da infecção pelo HIV38. Segundo porque a técnica de PCR – ‘polymerase chain
reaction’ (para a carga viral) e a citometria
de fluxo com anticorpos monoclonais (para
as células CD4+) são as técnicas mais aceitas, tanto científica como clinicamente, para
a avaliação dessas variáveis. Ainda com relação às CD4+, Fei et al.57 argumentam que
existe uma falta de uniformidade entre laboratórios certificados na enumeração desses linfócitos. Acrescentam que a margem
de erro aceita pelos procedimentos-padrão
em pessoas infectadas HIV é insatisfatória e
aponta dados em que uma variação entre
11,5 e 19,2% foi verificada em quatro laboratórios distintos nos números absolutos de
CD4+. A variabilidade ocorre por diversas
causas, incluindo flutuações intra-sujeitos
derivadas do exercício físico, de medicações
e variações diárias. Os autores recomendam
cuidados especiais na estabilidade
linfocitária no anticoagulante durante a
estocagem, no manuseio da amostra, no controle de qualidade, na hora do dia para coleta, no intervalo de tempo para a mensuração
(entre 24 e 30 horas), na utilização do mesmo lote de fluorescente, na calibração periódica e rigorosa do citômetro de fluxo e, por
fim, sugerem até a coleta de uma segunda
amostra e retestagem no caso de flutuações
intra-sujeitos.
Ullum et al.44 ainda sustenta que, como a
quantidade de células CD4+ é mais suscetível a alterações resultantes do treinamento
físico, deve-se, preferencialmente, acompanhar o seu percentual (%CD4+) em relação
aos linfócitos totais em pacientes HIV.
Inafortunadamente, somente quatro estudos33, 36, 41, 42 apresentaram dados referentes
aos valores percentuais desses linfócitos.
Porém, o acompanhamento do percentual
das CD4+ quando o número absoluto for
menor do que 200 céls./mm3 podem não ser
significativo, devendo ser observado, também, o número total de linfócitos e absoluto
de CD4+57.
Com relação aos questionários auto-aplicáveis para a avaliação psicológica e da capacidade funcional/qualidade de vida, algumas considerações fazem-se pertinentes,
a despeito dos resultados positivos apresentados. Analisando o aspecto psicológico,
Wolcott (1986, apud Tanganelli51) considera que os pacientes com AIDS apresentam
comumente sintomas como ansiedade, culpa, raiva, pesar antecipatório e depressão. O
sentimento de culpa está relacionado à sua
auto-percepção e valorização, sendo, por-
234
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
tanto, um importante quesito de avaliação,
juntamente com a depressão. O Inventário
de Depressão Beck (IDB), antes de Palermo42,
já havia sido utilizado por Kokkevi et al.
(1991, apud Maj58) e por Krikorian e Wrobel
(1991, apud Maj58), em pessoas infectadas
pelo HIV e em diferentes estágios. Maj58,
entretanto, considera que tanto o Inventário
de Depressão de Beck59, validado para a língua portuguesa por Goreinstein e Andrade60,
como o HRS-D, utilizado por Perna et al.37 e
por Wagner et al.46, por apresentarem uma
carga muito grande de itens somáticos, tendem a inflar o escore global de depressão. O
autor sugere a utilização do MADRS61 como
o ideal para medição do nível de depressão,
o mesmo utilizado por Terry et al.36, pois
apresenta um limitado número de itens
somáticos. Palermo42 relata em seu trabalho
que os resultados dos questionários aplicados nem sempre refletiam a percepção médica, durante as visitas ambulatoriais dos
seus pacientes, sugerindo uma falha de medida do instrumento ou, talvez, uma dissimulação do avaliado ao responder o seu verdadeiro ‘sentimento’.
Para uma análise mais fidedigna dos índices comportamentais em estudos futuros ou
em acompanhamentos futuros, sugerimos
que possam ser adotadas algumas estratégias a serem adotadas pelos psicólogos. A primeira seria por meio da aplicação de testes
subjetivos em que o avaliado não tenha a
possibilidade de ser tendencioso nas suas
respostas, avaliando além da ansiedade e da
depressão, quesitos como a qualidade de
vida e o estresse. A segunda seria a adoção
do MARDS (em sua versão validada para o
português por Dractu et al.62); associado a
outros instrumentos, como os Inventários de
Sintomas de Estresse e o Inventário da Qualidade de vida, ambos de Lipp (1989, apud
Tanganelli,51); e o Levantamento das Fontes de Estresse e Levantamento das Estratégias, ambos de Tanganelli51. Todos esses ins-
trumentos foram desenvolvidos para populações brasileiras e já previamente aplicados em pessoas HIV/AIDS por Tanganelli51.
Outros dois questionários, testados por
Burgess et al.63, porém ainda não validados
para a língua portuguesa, são o MOS-HIV,
com 30 itens, proposto por Wu et al. (1991,
apud Burgess et al.63) ou o HIV-QoL (‘HIVrelated Quality of Life Questionnaire’) proposto por Cleary et al. (apud Burgess et al.63),
os quais também se apresentam como boas
alternativas de emprego para a mensuração
da qualidade de vida e da capacidade funcional desses pacientes. Os instrumentos utilizados por Lox et al.40 também parecem oferecer bons resultados, porém não foram desenvolvidos especificamente para populações infectadas pelo HIV, sendo que o SWLS,
segundo os autores, ainda carecem de validação apesar de já terem sido utilizados em
diversas populações (Pavot & Diener, 1993,
apud Lox et al.40).
Efeitos do treinamento de
resistência sobre a massa corporal
magra e a lipodistrofia
Os avanços na terapia antiretroviral têm
proporcionado uma sobrevida maior aos
pacientes HIV positivos1, contudo a transcrição do HIV-1 ainda persiste em células
sangüíneas mononucleadas64, o que tem contribuído com o desenvolvimento de sintomas, como a dispinéia, a fadiga65, a perda
indesejável de massa magra10, além de alterações metabólicas, como a resistência à insulina65 e a redistribuição de gordura4,5, associadas aos próprios medicamentos
antiretrovirais inibidores da protease6 e relacionados a anormalidades cardiovasculares7.
A lipodistrofia refere-se a esse segundo tipo
de anormalidades, que inclui, também, um
acúmulo de gorduras abdominal e visceral,
associado ou não à gordura na região
cervical posterior67.
235
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
Como a redução indesejada da massa corporal total em mais de 10% do peso normal
ou uma diminuição do IMC para valores
abaixo de 20 kg/m2 estão associadas a um
prognóstico ruim com a diminuição da capacidade funcional e ao aumento das possibilidades de morte associada à infecção pelo
HIV9, 10, vários autores (vide quadros 1 e 3)
têm associado o exercício de resistência,
com ou sem o uso de hormônios do crescimento recombinado, testosterona ou
esteróides anabolizantes, com o intuito de
aumentar o peso corporal total e o IMC por
intermédio do aumento da massa corporal
magra.
A associação entre o treinamento de resistência, a imunidade (células CD4+) e a progressão da infecção (carga viral e beta 2
imunoglobulina) também foi reportada em
vários estudos revisados. Nota-se, da mesma forma, que os esforços aeróbios de alta
intensidade, que, nas diversas pesquisas com
treinamento de resistência, o número de
CD4+ absoluto, diminuiu não significativamente. Lox et al.40, especificamente no grupo que realizou exercício de resistência com
no mínimo 60% de 1RM, apesar da baixa
imunidade inicial, pôde experimentar um
aumento discreto no nível das CD4+ (de 149
para 172 céls./mm3). Diferentemente, Rall et
al.68 identificaram que exercícios de força
com intensidade elevada (80% de 1RM)
durante 12 semanas não afetaram as funções
imunes de pessoas jovens e idosas saudáveis e em indivíduos com artrite reumatóide.
Baseando-se nesses dados, Roubenoff et al.55
acompanharam 25 pacientes com intensidade até 80% de 1RM, três séries de oito repetições e sensação subjetiva de esforço (escala de Borg) entre 16 e 20, porém apontaram
uma diminuição não significativa de 328
para 303 céls./mm3 nas primeiras oito semanas de treinamento (fase 1). Nas oito semanas seguintes (fase dois), quando os pacien-
tes já não se encontravam sob supervisão, o
número das CD4+ aumentou para 357 céls./
mm3, superando até os valores de base. Percebe-se pela quadro 3 que a carga de treino
nas oito últimas semanas notadamente foi
menor do que nas oito primeiras, haja vista
que os níveis de força diminuíram no segundo período. Confirmando esta possibilidade, Strawford et al.69, no grupo que associava testosterona e exercício com carga bastante semelhante ao de Roubenoff et al.55 as
CD4+ também diminuíram, passando de 337
para 310 céls./mm3. O mesmo não ocorreu
com o grupo que, além de testosterona e
exercício, fez uso também de oxalandrona.
Neste, as CD4+ permaneceram com o mesmo valor durante o experimento (234 céls./
mm3). Sattler et al. (1999) também apresentaram dados em que o grupo nandrolona
decanoato mais exercício de resistência com
80% de 1RM apresentou uma discreta queda de 10 céls./mm3 nas CD4+, enquanto que
no grupo que somente fez uso do esteróide
houve um aumento médio de cerca de 12
células, a despeito do número inicial de
CD4+, em ambos os grupos, ser pouco maior do que 200 céls./mm3. Grispoon et al.45,
que utilizaram o esforço aeróbio até 70% da
FC máxima (portanto moderado), associado
a três séries de oito repetições a 80% de
1RM, apresentaram queda nas CD4+ somente no grupo testosterona-exercício (de 426
para 399 céls./mm3). Os grupos placebo-exercício e testosterona-controle (ambos não
exercício) apresentaram discreto aumento
das CD4+. O curioso é que o único grupo
que apresentou queda na carga viral foi exatamente o testosterona-exercício. Esses dados são semelhantes aos de Palermo42 e de
Rigsby et al.35, que não apresentaram queda
das CD4+ e, igualmente, associaram o treinamento aeróbio ao de resistência. Wagner
et al.65, que planejaram cargas aeróbias e de
resistência, apresentaram, da mesma forma,
um aumento das CD4+ em torno de oito
236
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
céls./mm3. Porém, infelizmente, a intensidade do esforço não foi reportada com clareza,
o que dificulta maiores abstrações.
Apesar de as CD4+, aparentemente, apresentarem uma involução não estatisticamente significativa, o objetivo principal desses
estudos era o incremento de massa corporal
magra, o que não se consegue adequadamente com o treinamento de RML, como reportado por Palermo42, quando discutiu os resultados de seu trabalho. Assim, a adoção de
treinamento de força para pacientes HIV
passa pela necessidade de aumentar os índices de IMC. Para aqueles que não apresentam esta carência, os exercícios contra resistência de menor intensidade parecem ser
menos comprometedores da imunidade. Ao
se adotar o treinamento de força com intensidade elevada, deve-se acompanhar, com
maior rigor, a evolução clínica e laboratorial
do paciente, num verdadeiro trabalho
multidisciplinar. A periodização do treinamento, nestes casos, deve incluir essa variável como determinante no planejamento da
sobrecarga e na observância do princípio da
adaptabilidade.
O peso, a MCM, o IMC e o percentual de
gordura, em todos os estudos com exercícios de resistência, apresentaram um comportamento positivo e, em muitos casos, significativamente estatístico (vide quadro 3). Os
dados de Spence et al.71 e de Roubenoff et
al.72 confirmam que, mesmo sem o uso de
testosterona, nandrolona decanoato,
oxalandrona ou hormônio do crescimento,
é possível observar em oito semanas, um
aumento significativo do IMC e MCM e uma
redução, também significativa, da massa
gorda, e assim permanecer durante outras
oito semanas basicamente sem treinamento.
Quando Roubenoff et al.55 subdividiram a
mesma amostra dos dados de 1999b72, em
pacientes com perda de massa (grupo
‘wasting’ com IMC=21,5 kg/m2) versus sem
perda de massa magra (grupo não ‘wasting’
com IMC=27,0 kg/m2), encontraram, como
resultados, que os sujeitos que apresentavam menor IMC no início da pesquisa, experimentaram significativos aumentos comparativamente aos que reportaram maior
IMC. Em ambos, a massa magra e a massa
gorda dos pacientes mais magros foram as
responsáveis por este aumento, com o
percentual de gordura subindo de 18 para
19%. Strawford et al.69 apresentaram um excelente incremento do peso e do IMC em
ambos os grupos (grupo testosterona e exercício versus grupo testosterona, oxalandrona
e exercício), maiores dos que o apresentado
por Roubenoff et al.72. A administração de
testosterona exógena, em ambos os grupos,
por Strawford et al.69, teve por objetivo inibir a produção endógena desse hormônio e
obter um maior controle e padronização de
seus níveis, de forma a possibilitar a averiguação dos efeitos da oxalandrona (20 mg/
dia) em pacientes com 8 a 9% de perda de
massa corporal total. Apesar de Dobs73 haver
questionado a ausência de um grupo controle sem exercícios e com oxalandrona,
Romeyn et al.74 publicaram dados preliminares informando que a oxalandrona continua viável para aqueles que apresentam perda de massa corporal superior a 5% e não
podem ou não querem se exercitar.
A concentração de testosterona utilizada
por Strawford et al.69 de 100 mg/semana foi
bem menor do que a reportada por Bhasin et
al.75 em pessoas saudáveis (600mg/semana),
por acreditar que, a despeito do confirmado
aumento de massa magra, as conseqüências
do uso prolongado e seguro de altas dosagens ainda são desconhecidas. Wagner et
al.46 iniciaram com 200 mg/sem, subiram para
400 mg bisemanalmente em pacientes com
hipogonadismo e reportaram que, sem exercício físico, os resultados não são significativos. Estes autores, no entanto, procuraram
respostas muito mais sobre a capacidade fun-
237
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
cional do que sobre a força muscular, dado
que grande parte de seus pacientes apresentava CD4+<50 céls./mm3, 71% tinham diagnóstico de AIDS, a maioria apresentava depressão e a metade, perda considerável da
massa magra.
O próprio grupo de Bhasin et al.76 desenvolveu um estudo semelhante ao de
Strawford et al.69 dividindo a amostra em
quatro grupos: placebo-não exercício;
placebo-exercício; testosterona (100 mg/
semana)-não exercício; e testosterona (100
mg/semana)-exercício. Assim como os dados de Grispoon et al.45, que desenvolveram
estudo com as mesmas características e subdivisões na amostra, ambos confirmaram
estatisticamente aumento na MCM daqueles que se exercitaram com ou sem
testosterona, bem como daqueles que fizeram uso de anabolizantes com ou sem exercício. Bhasin et al.76 encontraram ganhos significativos de força nos membros inferiores,
mesmo para o grupo placebo-exercício, o
mesmo ocorrendo com os membros superiores nos sujeitos estudados por Grispoon et
al.45 (vide quadro 3).
Sattler et al.70 preferiu utilizar a nandrolona
decanoato por se tratar de um esteróide derivado da testosterona, porém com a expectativa de menores efeitos colaterais sobre componentes metabólicos. Os efeitos do treinamento sobre a massa corporal magra, o peso
corporal e a área da sessão transversa da coxa
aumentaram em ambos os grupos
(nandrolola-controle e nandrolona-exercício, P<0,001). Entretanto, somente o grupo
exercício apresentou redução significativa
da massa de gordura, o que para pacientes
que fazem uso de inibidores da protease é
um efeito bastante desejável. Os ganhos de
força, tanto para os membros superiores como
para os inferiores também foram significativos para ambos os grupos, porém em maior
magnitude para os que se exercitaram
(P<0,001 em todos os exercícios). Estes da-
dos apontam para o fato de que mesmo quando a imunidade não é bem estruturada, ou a
perda de massa é severa, os pacientes apresentam a possibilidade de hipertrofia muscular e, conseqüentemente, de melhorar a
capacidade funcional (vide quadro 3).
Fairfield et al. 77 , em seu ensaio com
tomografia computadorizada, acabaram referendando essa hipótese, apesar da falta de
uma confirmação por biópsia. Neste trabalho, os autores apresentam dados que indicam que realmente ocorre uma alteração na
composição muscular de pacientes que recebem esse tipo de intervenção (exercício
mais anabolizantes), e que a hipertrofia resultante não se refere, somente, ao aumento
da quantidade de água intramuscular. Ratificando essa possibilidade, Roubenoff et
al.78, utilizando dados do mesmo estudo de
1999a56, argumenta que, após um esforço de
15 minutos, os níveis de síntese protéica
mantiveram-se aumentados mesmo depois
de seis dias do esforço, tanto em pacientes
com grande perda de massa (‘wasted’) como
naqueles sem perda de massa (‘nonwasted’).
O aumento significativo (P<0,02) na disposição não oxidadtiva de leucina (‘NOLDnonoxidative leucine disposal’) após o exercício em pacientes ‘wasted’ sugere que os
mesmos retêm a habilidade de responder ao
exercício de uma forma anabólica.
Esses dados juntos indicam que o exercício de resistência, associado ou não ao uso
de anabolizantes e/ou hormônios exógenos,
tem um efeito positivo na restauração da
massa magra melhorando o prognóstico e a
qualidade de vida de HIV+. Em se tratando
de pacientes com hipogonadismo e/ou com
severa perda de massa magra, o uso isolado
e/ou combinado de testosterona e
oxalandrona com exercício também se mostram bastante eficientes.
Entretanto, um efeito indesejável afigura-se
como preocupante com o uso de hormônios
238
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
exógenos. Grispoon et al.10, 45 apontam que o
exercício de resistência eleva os índices de
HDL colesterol; porém, a administração de
testosterona isolada os abaixa. Existe um consenso de que a infecção pelo HIV leva ao desenvolvimento de um perfil lipídico anormal2.
O fato de o treinamento físico aumentar o HDL
colesterol parece ser benéfico a esses pacientes, enquanto o uso de testosterona pode ser
prejudicial, caso seja confirmado o seu risco
de aumento, o qual está associado a doenças
arterioescleróticas e cardiocirculatórias7, 79-81.
Os dados de Yarasheski et al.65 apontam
para o mesmo comportamento do colesterol,
ainda que de forma não significativa, o mesmo não ocorrendo com a insulina, que aumentou discretamente nos pacientes
pesquisados. O diferencial neste estudo refere-se à grande queda de triglicerídeos, em
11 dos 18 sujeitos indicados. Desses, nove
apresentavam hipertriglicidemia (>200 mg/
dl). Esses dados foram associados a uma grande tendência de aumento da massa corporal
magra (P<0,07, r2=0,19) e da redução da gordura do tronco (P<0,07, r2=0,20), com poder
de relação entre as variáveis (1-b) de 0,44 e
0,46, respectivamente. Apesar do aumento
da força muscular, da MCM e da sessão transversal da musculatura da coxa, este estudo
não demonstrou uma significativa redução
nos níveis de gordura corporal.
Sattler et al. 82 , utilizando a mesma
metodologia apresentada no trabalho de
199970, reportaram o resultado do acompanhamento dos triglicerídeos, do colesterol
total, do LDL-C, do HDL-C e suas frações,
do tamanho das partículas de HDL e de LDL
e da lipoproteína a (Lp(a)). Assim como nos
demais estudos revisados, os autores reportam que não houve alteração na ingestão
total de quilocalorias ou de macronutrientes
entre os sujeitos estudados durante toda a
pesquisa. O diferencial neste estudo é que
continuaram acompanhando estas variáveis
por mais 12 semanas sem treinamento em
ambos os grupos (nandrolona-controle e
nandrolona-exercício). Os triglicerídeos, o
colesterol total e o LDL-C, durante as 12
semanas de treinamento, apresentaram uma
diminuição não significativa de seus valores (0,07<P<0,54). Já o tamanho da partícula de LDL reduziu significativamente
(P<0,03) no grupo que se exercitou, bem
como a Lp(a) que diminuiu em ambos os
grupos (P<0,002 e P<0,01, respectivamente
controle e exercício). Esse último resultado
parece animador, a medida em que Koppel
et al.83 reportaram os inibidores da protease
estão associados ao aumento dessa
lipoproteína. Porém, após a 24a semana, todos estes índices alcançaram ou ultrapassaram os valores de base, sem apresentarem
significância (0,12<P<0,98). Os níveis de
triglicerídeos de toda a amostra reduziu significativamente após 12 semanas (P<0,01) e
foi associado com o aumento no tamanho
das partículas de LDL (r=-0,59, P<0,001).
Os níveis de HDL-C e suas subfrações foram
estatisticamente reduzidos (P<0,001) em
ambos os grupos, sendo que o HDL-C o
HDL 3b de alta densidade do grupo
nadrolona-exercício mantiveram-se significativamente menores após a 24a semana
(P<0,01 e P<0,04, respectivamente). A redução dos HDL2a e HDL2b, por serem de menor
densidade e estarem associados ao LDL e a
doenças cardiovasculares (DCV) parecem
animadores em se tratando de pacientes com
a lipodistrofia associada ao HIV.
A glicose e a insulina também foram
pesquisadas e seus valores apontam significativa diminuição após 12 semanas, somente no grupo nandrolona-exercício
(0,02<p<0,045, respectivamente). Após a 24a
semana, apesar de aumentarem novamente,
não se aproximaram tanto dos valores de
base e não apresentaram diferença significativa para os valores encontrados após a
12a semana. Os autores, diante dos resulta-
239
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
dos, propõem que possa haver outros benefícios associados ao metabolismo dos
carboidratos ou grandes chances de aumento de massa corporal apendicular decorrente do exercício de resistência. No entanto, o
significado de todos os dados associados
sobre o risco de DCV permanece desconhecido. Argumentam, ainda, que os efeitos adversos sobre o HDL-C e o aumento da Lp(a)
após as 12 semanas iniciais parecem estar
grandemente associados ao uso de
nandrolona, a medida foram rapidamente
revertidos depois da interrupção do seu uso.
A limitação desse estudo refere-se à não utilização de grupos placebo-controle e
placebo-exercício, como propuseram
Grispoon et al.45 e Bashin et al.75, e do fato
de um paciente reportar um encolhimento
dos testículos como efeito colateral da
nandrolona.
Apesar da maior aderência e aceitação aos
exercícios contra-resistência, principalmente
em pacientes com perda de MCM, o exercício aeróbio, associado ao de resistência, parece ser uma estratégia mais adequada. A
preocupação com o uso de esteróides cresce
à medida que também a oxalandrona, utilizada por Strawford et al.69, além de reduzir
os níveis de HDL colesterol, também apresentou uma elevação extremada de enzimas
do fígado, indicando uma possível sobrecarga hepática, a ponto de faze-lo interromper o seu uso. Este evento também ocorreu
em outro sujeito, porém com menor magnitude, permitindo-o finalizar o protocolo de
pesquisa.
Gravila et al.84, num estudo de cohorte com
120 HIV positivos, verificaram a relação
entre o exercício e anormalidades metabólicas. Reportaram haver uma significativa e
independente associação inversa entre o
exercício aeróbico habitual, combinado ou
não com de resistência muscular, e os níveis
de insulina (std b=-0,20; P=0,03),
triglicerídeos (std b=-0,28; P=0,004) e
percentual de gordura (std b=-0,29; P=0,03),
e direta com a MCM (std b=-0,30; P=0,02).
Os níveis de colesterol total e suas frações,
no entanto, não apresentaram relações com
qualquer tipo de exercício. Os autores postulam que os efeitos do exercício sobre os
níveis de triglicerídeos são possíveis, devido ao aumento da expressão da lípase
lipoproteína no músculo logo após o esforço. Essa enzima estimularia a liberação de
ácidos graxos livres, que seriam utilizados
pelo músculo para repor os níveis de
triglicerídeos, diminuindo, assim, seus níveis séricos. Até a publicação de Gavrila et
al. 84 , nenhum outro estudo do tipo
‘observacional’ havia explorado a relação
entre o exercício habitual e a síndrome metabólica associada ao HIV. Seus achados,
portanto, confirmam aquilo que os outros
autores apontavam em intervenções agudas
entre oito e 24 semanas.
Diante dos efeitos colaterais apontados
nas terapias com associação de esteróides
anabolizantes e apostando nos efeitos positivos do exercício associado a dieta,
Roubenoff et al.67 realizaram um estudo de
caso, com acompanhamento de quatro meses, num paciente que apresentava
lipodistrofia clássica (IMC de 29,9 kg/m2,
%G de 29,4, relação cintura quadril de 0,98,
elevada adiposidade abdominal, cervical
posterior e peitoral). Com exercícios físicos
combinados, três vezes por semana, com 115
minutos de duração (20 de aeróbio entre 80
e 85% da FC máxima, 10 minutos de flexibilidade e de fortalecimento abdominal e
dorsal, 40 minutos de musculação e 5 de
volta à calma) e dieta rica em fibras, após
quatro meses semi-supervisionado, o paciente reduziu o percentual de gordura total e
abdominal, o IMC, os níveis de colesterol
total e suas frações (com HDL ainda assim
ficando na faixa de 47 mg/dl), triglicerídeos,
insulina, glucagon e glicose, sem, contudo,
240
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
aumentar a carga viral e diminuir significativamente os níveis de CD4+ (508 para 479
céls./mm3). Os únicos efeitos relacionados a
lipodistrofia, que não sofreram alterações
neste paciente, foram os relacionados à
atrofia periférica de gordura que, isoladamente, parece ser muito mais um problema
estético do que para a saúde em si.
Recomendações
Diante de tudo que foi apontado nos estudos, parece claro que o exercício físico é
benéfico e deve ser utilizado como agente
terapêutico na infecção pelo HIV. Contudo,
alguns cuidados devem ser observados, em
complementação aos já apresentados por
Calabrese et al.17 e Stringer et al.32, os quais,
à época, ainda não dispunham de dados suficientes sobre o treinamento de força. Segue, abaixo, dez recomendações como diretrizes básicas a serem seguidas pelos profissionais de educação física que pretendem
trabalhar com esta população:
1o) certificar-se de que o paciente encontra-se em tratamento médico constante e
conta com avaliações laboratoriais da carga
viral e das CD4+ com reconhecido controle
de qualidade conforme recomendado por Fei
et al.57;
2o) acompanhar os níveis de CD4+ e a carga viral do paciente e verificar se o treinamento físico não está impedindo a estabilidade ou ascensão da imunidade e a queda
da carga viral promovida pelos
antiretrovirais. Notar que exercícios até 75%
do VO2 máximo (contínuo ou intervalado) e
de RML parecem não diminuir os níveis
absolutos e percentuais de CD4+, diferentemente do que ocorre com os de maior intensidade e/ou de força;
3o) observar sempre o estágio da infecção
em que o paciente se encontra e se apresenta
ou não sintomaticidade. Nos casos de CD4+ <
200 céls./mm3, o cuidado com a intensidade
deve ser ainda maior, não devendo ultrapassar
a intensidade discutida neste trabalho. Em casos de sintomaticidade, a carga deve ser diminuída ou até interrompida, dependendo de cada
caso. Para tal, é fundamental a comunicação
constante com o médico assistente, num verdadeiro trabalho multidisciplinar. O risco de
intensidades maiores de treinamento parece
ser menor em pacientes, que apresentam relativamente bem estruturada (CD4+ acima de
500 céls./mm3);
4o) procurar associar exercícios aeróbios
com os de resistência, assim como adaptar
as de atividade para as que o paciente apresenta maior possibilidade de persistência;
5o) antes de iniciar o programa de exercícios, deve-se realizar a bateria de testes físicos proposta pelo ACSM2, utilizando-se dos
protocolos de medidas apropriados. Associar a estes testes os questionários auto-aplicáveis sobre a qualidade de vida e a capacidade funcional, os quais poderão referendar
futuras correções de rumo no programa inicialmente proposto, sempre acompanhado
por psicólogos.
6o) programar treinos entre 3 e 4 vezes por
semana e não ultrapassar a sessão de 90 minutos totais ou 45 minutos aeróbios. Preferir exercícios aeróbios com intensidade até
75% do VO2 máximo ou 80% da FC máxima. Em caso de atletas ou pessoas em que
essa intensidade seja pequena, assegurar-se
de um acompanhamento clínico/laboratorial
mais rigoroso e freqüente, porém, ainda assim, deve-se evitar treinos diários e muito
longos;
7o) O treinamento de resistência progressivo, quando necessário para pacientes que
apresentam perda excessiva e involuntária
de massa magra, deve ser programado até
que possa atingir 3 séries de 8 a 10 repetições a 80% de 1RM. Atentar para a evolução das CD4+ e da carga viral e a viabilidade ou não de progressão da carga de treina-
241
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
mento, uma vez que ainda não se conhece
com clareza os efeitos desse tipo de treinamento sobre a imunidade, tanto de HIVcomo de HIV+. Os estudos existentes, como
o de Rall et al.68, apresentaram limitações
amostrais com seis a oito sujeitos em cada
grupo estudado.
8o) para o controle da lipodistrofia e da
perda de massa é importante a associação
do exercício a uma adequada dieta e de medicamentos específicos prescritos e acompanhados,
respectivamente
por
nutricionistas e médicos especialistas. Os
trabalhos de Scevola et al.7 e de Grispoon et
al.10 propõem recomendações específicas
para os casos de lipodistrofia e perda de
massa, respectivamente.
9o) atentar para o fato de que o uso de
esteróides e/ou hormônios, prescritos pelo
médico assistente, deve ser rigorosamente
controlado e pode causar efeitos colaterais
indesejáveis, principalmente sobre os níveis
de colesterol total e de HDL colesterol. Nesses casos os exercícios aeróbios são
determinantes;
10o) Lembrar que mais importante do que
a carga é a aderência ao treinamento. Apesar
de necessitarmos de dados confirmativos,
pacientes que iniciam um programa e rapidamente deixam de prossegui-lo, podem
experimentar uma diminuição da imunidade. Por isso, manter o paciente-aluno motivado é essencial para o sucesso do treinamento.
Considerações finais e
Perspectivas futuras
A despeito de não ter sido possível efetuar a revisão em alguns poucos ensaios experimentais, até onde pudemos perceber, a
metodologia empregada possibilitou, até
onde pudemos observar, a realização de uma
das mais extensas revisões envolvendo a
infecção pelo HIV e o exercício. O’Brien et
al.20 empregaram a meta-análise em estudos
randomizados culminado com uma interessante revisão sistemática sobre exercícios
aeróbios e HIV. De acordo com o critério de
inclusão utilizado por estes autores, somente 10 artigos foram selecionados entre 1980
e 2003, englobando um total de 151 HIV+
investigados. O nosso estudo ampliou esta
amostra para pouco mais de 400 infectados
ao incluir, dentre outros, os resultados dos
trabalhos que relacionaram, também, os efeitos dos exercícios de resistência progressiva, porém, ainda assim, acreditamos que este
número seja insuficiente para conclusões
definitivas.
Os resultados de todos os estudos de revisão envolvendo HIV, imunidade, PNI e exercício, além desse7, 10, 17-19, 24, 39, 49, 50, 52, além de
todos os ensaios experimentais citados, referendam o emprego do exercício aeróbio.
Contudo, como bem recomenda O’Brien
et al.20 ainda assim, estes resultados devem
ser interpretados com cautela, pois somente
um pequeno número estudos controlados foi
possível de ser realizado e que, naturalmente, o número de participantes envolvidos é
relativamente pequeno. A validade externa
se torna ainda mais crítica quando a diversidade de estímulos e a baixa aderência se
apresentam como fatores complicadores.
Diante disso, a meta análise realizada não
pôde detectar com grande significância os
aumentos sugestivos das CD4+ e os efeitos
cardiorrespiratórios decorrentes do exercício aeróbio. Por estas razões, a ratificação
da proposta conservadora quanto à utilização de carga moderada para treinamento de
HIV+ previamente argumentada parece, até
o momento, uma ação prudente e possível
de ser empregada.
Apesar de não ser o tema dessa revisão,
tem sido reportado que o risco de contaminação por meio do contato físico e/ou dos
fluidos corporais, durante a prática esporti-
242
Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
va ou competitiva oferece um risco de próximo a zero, mesmo para as modalidades em
pode haver uma exposição do sangue17, 85.
Por outro lado, pesquisas em atletas HIV+
ainda se fazem também necessárias, a fim de
ser confirmado que as altas intensidades de
treinamento e/ou o estresse psicológico do
período competitivo não lhes serão prejudiciais.
Como perspectivas, há que se destacar a
necessidade de outros estudos com
subpopulação HIV-positivas, como as mulheres (principalmente os associados ao uso
de esteróides androgênicos para as pacientes com perda severa de massa corporal), as
crianças, os idosos e os pacientes severamente imunocomprometidos. Além disso, devem
ser estimulados ensaios com ‘folow up’ prolongado e/ou de cunho epidemiológico.
Outra preocupação refere-se, especificamente, à carga de exercícios de resistência associados ou não a esteróides e/ou hormônios e
seus efeitos, especificamente, sobre a imunidade. Essa lacuna é existente, também, em
pessoas HIV positivas, e, por se desconhecer tais efeitos, a recomendação de menor
intensidade é prudente e cabível.
Este trabalho conclui que o exercício físico em HIV+, desde que adequadamente prescrito é seguro e benéfico. Por intermédio
dele, é possível melhorar, manter ou até retardar a progressão da doença, além de possibilitar um aumento da capacidade funcional e a qualidade de vida. Por fim, cabe ressaltar que quanto mais cedo se ingressar num
comportamento físico ativo, mais precocemente seus benefícios poderão ser percebidos, independentemente do estágio de infecção em que se encontra o paciente e maior a possibilidade de ele tornar-se parte integrante de um hábito de vida saudável.
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Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício • Vol. 2 • nº 3 • Set / Dez 2003
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Exercício físico e infecção pelo HIV: atualização e