9
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
FABIO HENRIQUE GONÇALVES SOUSA
UM MUNDO À PARTE OU APARTADOS DO MUNDO?
São Luís e os alienados mentais em fins do século XIX
São Luís
2005
10
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
FABIO HENRIQUE GONÇALVES SOUSA
UM MUNDO À PARTE OU APARTADOS DO MUNDO?
São Luís e os alienados mentais em fins do século XIX
Monografia apresentada ao Curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do
grau de Licenciado em História.
Orientador: Profo Ms. Marcelo Cheche Galves.
São Luís
2005
11
Sousa, Fabio Henrique Gonçalves
Um mundo à parte ou apartados do mundo? São Luís e os
alienados mentais em fins do século XIX/ Fabio Henrique Gonçalves
Sousa.- São Luís, 2005.
74 f. : il.
Monografia (Graduação em História)-Universidade Estadual do
Maranhão, 2005.
1.Loucura 2. Internação 3.Hospício I. Título
CDU: 94 (812.1) “18”: 616.895
12
FABIO HENRIQUE GONÇALVES SOUSA
UM MUNDO À PARTE OU APARTADOS DO MUNDO?
São Luís e os alienados mentais em fins do século XIX
Monografia apresentada ao Curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do
grau de Licenciado em História.
Orientador: Profo Ms. Marcelo Cheche Galves.
Aprovada em ___/___/___
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Profo Ms. Marcelo Cheche Galves
(Orientador)
_______________________________
(1 o Examinador)
_______________________________
(2 o Examinador)
13
AGRADECIMENTOS
A minha mãe Lourdes, por... simplesmente tudo. Desde a idéia, discutível é
verdade, de trazer à luz este rebento, até todo o apoio e concentração de esforços para que eu
me tornasse uma pessoa melhor. Logo, ela não tem culpa se isso não deu certo.
Ao professor Marcelo, pela orientação, cuja importância se refletia quase sempre
que, após conferir as observações sugeridas, eu indagava comigo mesmo: “Mas como eu não
vi isso?”.
Aos professores que contribuíram e fizeram diferença na minha formação durante
esses anos de Universidade. Aos funcionários do Arquivo Público (só os bons e gentis), e a
todos os que direta ou indiretamente auxiliaram para este resultado final. Àqueles que, por
qualquer motivo, venham a empregar um pouco de seu tempo lendo este trabalho. Se esqueci
alguém... bem, isso quer dizer que não é importante o suficiente.
À absoluta força do acaso, que promoveu o encontro com uma temática inusitada e
até mesmo esquisita, levando em consideração as várias gargalhadas provocadas todas as
vezes que eu revelava o objeto de minha pesquisa. Alguns, perversamente, indagavam se eu
estava a escrever uma autobiografia. O interesse e a fascinação pelos loucos e pela loucura
não me levaram a esse estado, possibilidade considerada nos momentos de inquietação que
acompanham um trabalho deste feitio. Permanece, entretanto, a imensa curiosidade de saber
como é tudo isso, o que se passa na mente dessas pessoas. Talvez nunca venha a saber de fato
(assim o espero).
14
“Tudo o que fazem os homens está
cheio
de
loucura.
São
loucos
tratando com loucos” (Erasmo de
Roterdã, em Elogio da Loucura).
“Não é confinando o vizinho que
nos convencemos de nosso próprio
bom senso” (Dostoiévski).
15
RESUMO
No Maranhão, nas últimas décadas do século XIX, a questão da loucura era
encarada freqüentemente como um problema social, inserido à conservação de uma ordem e
de um padrão de comportamento. Designados como alienados, vários indivíduos eram vistos
sob o aspecto de um ser perigoso, e sobretudo indesejado, cuja circulação e permanência nas
ruas e espaços públicos representava uma vergonha e uma afronta ao bom convívio social.
Apesar da existência de um discurso pelo oferecimento de um tratamento mais cuidadoso a
essas pessoas, este ficava eclipsado pela prática corrente do recolhimento nas dependências
das delegacias ou na confusão instalada na Santa Casa de Misericórdia.
Palavras-chave: loucura-internação-hospício.
16
ABSTRACT
In Maranhão, in last decennaries of the century XIX, the madness was seen
currently like a social problem, inserted to the maintenance of a order and pattern of behavior.
Called madmen, many individuals was seen under the aspect of a dangerous being, and above
all unwanted, whose circulation and stay on streets and public spaces represented a shame and
a affront to the good social conviviality. Even though the existence of a discourse to the
offering of a treatment more careful to that people, this was hidden by the current practice of
imprisonment inside police stations or in the confusion installed in Santa Casa.
Keywords: madness-internment-asylum.
17
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
9
2. O RECOLHIMENTO NAS CADEIAS PÚBLICAS
11
2.1 A LOUCURA COMO CASO DE POLÍCIA
14
2.2 DECIFRO-TE E DEVORO-TE: A RECORRÊNCIA AO OLHAR MÉDICO
16
2.3 OS INCÔMODOS QUE SEJAM RETIRADOS!
21
3. A INTERNAÇÃO NA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA
25
3.1 DESORDEM DAS IDÉIAS OU DOS ESPAÇOS?
28
3.2 O UNIVERSO DOS “INFELIZES”
35
4. O PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO HOSPÍCIO
41
4.1 A TRAJETÓRIA DA INSTITUIÇÃO ASILAR
43
4.2 QUANDO A HORA JÁ NÃO PARECIA TÃO BOA
55
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
68
ANEXO
70
FONTES CONSULTADAS
71
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
72
REFERÊNCIAS
73
18
19
1. INTRODUÇÃO
A dificuldade em se lidar com a loucura sempre esteve vinculada a contextos
muito próprios, cada qual elaborando normas e expectativas em relação ao comportamento a
ser socialmente aceito e desejado, a partir dos sistemas de valores cultuados: o trabalho, o
tempo, o convívio social, as hierarquias, etc. Algo que está presente na própria discussão
sobre os modos como determinados grupos sociais lidam com as diferenças, com aquilo que
de alguma forma escapa aos padrões e às regras convencionalmente vistas como as mais
adequadas.
Sabemos que não raras vezes o incomum é rejeitado, estigmatizado ou até mesmo
ocultado. Basta que os comportamentos ditos desviantes sejam encarados com desconfiança,
isso quando não são vistos como aberrações. Neste trabalho pretendemos justamente enfocar
como se via, no Maranhão em fins do século XIX, aqueles indivíduos designados como
loucos ou alienados. Delimitamos nossa discussão ao período de 1880 a 1900,
correspondentes à última década da Monarquia e ao primeiro decênio da República no Brasil.
Este corte temporal é orientado pela intenção de identificar entre essas duas épocas as
permanências e/ou alterações na maneira de se pensar e tratar a questão da alienação mental
no Maranhão, mais precisamente na cidade de São Luís.
No primeiro capítulo será abordado o recolhimento dos alienados nas cadeias
públicas, prática muito comum no século XIX, não só no Maranhão como em todo o Brasil.
Arrastados pelas
autoridades policiais,
acabavam
equiparados
àqueles
indivíduos
considerados delinqüentes e desordeiros. A partir de informações levantadas em registros da
polícia, nas delegacias e subdelegacias, reconstituímos um pouco do perfil das personagens
envolvidas, tentando mostrar alguns dos interesses presentes em muitas dessas reclusões.
Uma outra alternativa para essas pessoas era a internação na Santa Casa de
Misericórdia, da qual trataremos no segundo capítulo. Aparentemente um local mais ameno
20
que as cadeias, na realidade apresentava uma desorganização dos espaços, sendo frequentes
os casos envolvendo violência e insegurança. A aplicação de um tratamento médico, que
aliviasse os sofrimentos e reabilitasse efetivamente, era praticamente neutralizada pelo caos
que marcava muitas vezes o interior do Hospital de Caridade. Baseados na leitura de
documentação produzida pelas diversas instâncias administrativas da Santa Casa, e também
em jornais da época, tentamos apontar algumas das técnicas dispensadas, os profissionais
empregados, além de casos particulares que elucidem um pouco do cotidiano daquela
instituição.
Em seguida acompanharemos as iniciativas em torno da criação de um hospital
para abrigar especialmente os indivíduos classificados como sofredores de alguma alienação
mental. Através principalmente dos livros de atas das sessões da Santa Casa de Misericórdia,
responsável pelas obras, podemos evidenciar as justificativas elaboradas para a inauguração
de tal projeto, assim como os obstáculos com os quais teve que se deparar.
A loucura podia se constituir como mais uma das modalidades de exclusão
presentes no século XIX. Temos como significativa a discussão das estratégias empregadas na
marginalização dos comportamentos vistos como inadequados e vergonhosos pelos padrões
dominantes. São merecedoras de debate todas as tentativas de interpretar as soluções buscadas
para os choques que marcam a sociedade, entre eles a loucura, em relação a qual parece ter
sempre se privilegiado pelo seu escamoteamento, como uma moléstia social a ser apagada.
Sem contar que esta é uma temática quase inexplorada nos estudos históricos sobre o
Maranhão.
21
2. O RECOLHIMENTO NAS CADEIAS PÚBLICAS
“... e se alguma coisa o preocupava naquela ocasião, se ele deixava correr pela
multidão um olhar inquieto e policial, não era outra coisa mais do que a idéia de que
algum demente podia achar-se ali misturado com a gente de juízo” (trecho de O
Alienista, de Machado de Assis).
São Luís, a contar da 2a metade do século XIX, e com mais intensidade a partir da
inauguração do período republicano, assistiu a um aumento das preocupações em torno de sua
configuração urbana e do provimento de determinados recursos que lhe conferissem um
aspecto mais “moderno” e “civilizado”. Segundo PALHANO (1988, p.142), até então o
Estado sempre se mostrara muito mais direcionado aos assuntos que envolvessem os setores
produtivos, mais precisamente a agro-exportação, principal atividade da economia
maranhense (e brasileira de uma forma geral):
[...] até 1889 a questão dos serviços públicos se resumia na sua tremenda escassez,
conseqüência de uma concepção de poder público, que não era apenas local,
extraordinariamente tênue quanto às responsabilidades do Estado no que tange à
produção e à gestão de serviços urbanos essenciais.
Tentativas de organização do espaço urbano que no Brasil começaram a ganhar
impulso ainda na 1a metade do século XIX, com a chamada Medicina Social, através do seu
discurso da necessidade de intervir na constituição das cidades: a distribuição do seu espaço,
suas características físicas e arquitetônicas, os hábitos de seus moradores, etc. Atacando
aqueles lugares considerados potenciais geradores de doenças ou desordens, advogava a
interferência na criação e no funcionamento de ruas, fábricas, cemitérios, escolas, bordéis,
hospitais, etc1.Todas as questões que de alguma forma se relacionavam aos espaços públicos e
1
Revestido com poderes de autoridade, defendia-se que o médico deveria ter entre suas atribuições a capacidade
de decidir, fiscalizar e punir. O que almejava a medicina era formar a constituição física e moral dos cidadãos
(MACHADO, 1978).
22
à dinâmica das cidades (habitações, mobilidade de pessoas, higiene, saúde) passaram a estar
cada vez mais associadas a um ideal de civilização a ser desejado e perseguido, espelhando-se
geralmente nas sociedades européias, vistas como cultivadoras dos caminhos que deveriam
ser trilhados (CHALHOUB, 1996). O Estado, na linha de frente dos processos de
regularização dos cotidianos urbanos (através de leis, códigos de posturas ou por meio da
esfera policial), passou a se valer mais da presença de técnicos e/ou especialistas: as
transformações urbanas não podiam mais prescindir do parecer legitimador da ciência em
suas diversas ramificações, em especial aqueles discursos mais intimamente ligados ao âmbito
da salubridade pública2. De acordo com SCHWARCZ (1995, p.34), o objetivo era implantar
uma “racionalidade científica para os abarrotados centros urbanos”, pretendendo-se “eliminar
a doença, separar a loucura e a pobreza”.
Na capital maranhense, as modificações no panorama urbano acabavam se
concentrando nas áreas ocupadas pela elite econômica e social, notadamente o centro da
cidade. Buscava-se organizar a distribuição de serviços públicos e disciplinar a existência dos
indivíduos. Soluções são elaboradas para a carência do abastecimento de água, para a
instalação de um sistema integrado de coleta e despejo do lixo, para o problema dos esgotos,
dos transportes, da iluminação pública, do calçamento e abertura de ruas e estradas e do
próprio trânsito a ser permitido ou não nas vias da cidade (PALHANO, 1988).
No Brasil, desde a época colonial a vida social e econômica se mostrou
sensivelmente polarizada: de um lado os senhores proprietários, os comerciantes, os
funcionários da administração; de outro a massa trabalhadora escrava. Numa faixa
intermediária, profissionais liberais, autônomos e um grupo numeroso daqueles sem ocupação
alguma, ou que realizavam atividades esporádicas, muitas vezes receosos em não se
submeterem a “trabalhos de negro”. Assim é que foi significativa, mesmo após o fim da
2
CHALHOUB (1996) considera que o século XIX assistiu ao surgimento da idéia de que uma cidade pode ser
apenas “administrada”, isto é, gerida de acordo com critérios unicamente técnicos ou científicos.
23
escravidão e a proclamação da República, a quantidade de indivíduos colocados na situação
de vadios, vagabundos e mendigos, bem como foram freqüentes as tentativas dos poderes
oficiais em disciplinar tais comportamentos enquadrados como desviantes3. Foi neste contexto
que a loucura veio engrossar as fileiras dos elementos incômodos, arrastada na “rede comum
de repressão à desordem, à mendicância, à ociosidade” (RESENDE, 2000, p.35).
Classificavam-se determinados indivíduos de alienados, agregando a isso expectativas de um
perigo em potencial, alertando-se para a necessidade de seu recolhimento. A questão não era
tanto de saúde, apesar da presença desse discurso em algumas ocasiões, quanto de
manutenção da ordem, da moral e da tranqüilidade pública.
Neste contexto, a retirada dos indivíduos considerados desordeiros, como bêbados,
vadios, jogadores e alienados, figurava nos planos de construção de um espaço sanado. Em
uma resolução municipal de 1892, o sugestivo título III (Polícia, comodidade e segurança)
trazia no capítulo XV a não menos reveladora sentença Providências sobre loucos, bêbados e
feras. Segundo essa resolução, aquele que pudesse ter em casa um louco, que o mantivesse
detido em segurança, caso contrário o entregasse à “Intendência para que o faça recolher a
algum estabelecimento ou casa para tal fim destinado”, prevendo-se uma multa em caso de
infração. Medida que visava coibir “os loucos que andarem vagabundos pelas ruas e praças da
cidade”, indicando assim como era fluente a transferência de uma situação a outra (Coleção
de Leis e Resoluções Municipais 1892-1909). Como afirma JACCARD (1981, p.37): “O
detentor do verbo possui o privilégio de definir e classificar”, exercendo através da palavra
“um prolongamento ‘civilizado’ da coação física”. Legitimava-se de certo modo o
encarceramento dessas pessoas nas cadeias públicas.
3
Segundo CARNEIRO (1993), ao lado das prisões, os manicômios e as instituições de caridade funcionavam
como entidades normalizadoras, recolhendo em locais vistos como adequados os indivíduos classificados como
desordeiros e perigosos à ordem estabelecida.
24
2.1 A LOUCURA COMO CASO DE POLÍCIA
Distrito do Cutim, aproximadamente 11 horas da noite. Pela estrada são disparados
vários tiros. Encontrado com uma pistola e aparentemente embriagado, César Augusto é
recolhido pelo subdelegado Fernando Pereira de Castro. Este, contudo, é assaltado por uma
dúvida: recebera informações de que César sofria de alienação mental, já tendo passagem
inclusive pela Santa Casa de Misericórdia. Que procedimento tomar? Retê-lo na cadeia ou
enviá-lo ao hospital? No fim, como era de praxe, o subdelegado levou a decisão a seu
superior, para que desse o “destino que achar conveniente” (Subdelegacia de polícia do
Cutim, 21-07-1885).
No momento da reclusão de alguém identificado como alienado, as autoridades
policiais poderiam demonstrar uma incerteza quanto ao verdadeiro estado daquele indivíduo,
levando-o às cadeias publicas. O ato de prisão parecia por vezes muito mais condicionado
pela percepção imediata dos gestos apresentados4, o que não significa que houvesse uma
clareza absoluta quanto às causas que os encobririam, se bem que isso, de fato, talvez não
importasse tanto quanto a constatação de que a paz pública estava sendo violada.
Quintino José dos Santos, no curto período de vinte e dois dias, foi preso nada
menos que três vezes: em 11 de junho de 1880 por sofrer de alienação mental; solto no dia 13,
foi novamente recolhido no dia seguinte, agora por embriaguez; em 2 de julho lá estava mais
uma vez, retornando à designação de alienado. As sucessivas prisões de Quintino não
demonstram terem sido acompanhadas por uma observação mais minuciosa ou pela realização
de um exame médico. O “diagnóstico” de alienação mental esteve neste caso subordinado às
impressões do subdelegado de polícia, orientado por uma idéia de preservação da ordem,
4
Detendo-se no contexto do Rio de Janeiro, do Império às primeiras décadas da República, Magali Gouveia
Engel (2001) enumera alguns itens através dos quais alguém poderia ser percebido como louco: palavras, gestos,
trajes, atitudes, hábitos.
25
mesmo que somente momentânea, como se comprova pela rapidez com que são efetuadas as
capturas/ solturas de Quintino e pelos motivos que o levaram à prisão (Secretaria de Polícia
do Maranhão, 12/14/15 de junho e 03 de julho de 1880).
Vinte e quatro horas foi o tempo estipulado para que Fernando Antonio da Silva
Junior, preso em fevereiro de 1885, deixasse de cometer desatinos na povoação do
Mocajutuba. O 1º suplente daquela subdelegacia considerou que para conter tão “grande
turbulento”, só uma “correção” deste tipo (Subdelegacia de polícia da povoação do
Mocajutuba, 23/02/1885). Cabe aqui a definição de CANGUILHEM (1990, p.211), para
quem o ato de normalizar é sobretudo:
[...] impor uma exigência a uma existência, a um dado, cuja variedade e disparidade
se apresentam, em relação à exigência, como um indeterminado hostil, mais ainda do
que estranho.
Note-se que nesta situação, além de sequer cogitar um possível envio a uma
instituição médica, no caso a Santa Casa de Misericórdia, ou mesmo a realização de um
exame, o responsável pelo reconhecimento tomou para si o encargo não somente de atestar o
problema, como também de prescrever a terapêutica que julgou ser mais eficiente e o tempo
que deveria durar.
Em abril de 1888, o professor público aposentado Luis Pereira d’ Almeida, após
ter diversas vezes invadido algumas casas, quando teria insultado e ameaçado com um
revólver a todos que ali se encontravam, foi recolhido ao 3º distrito por “embriaguez e
desrespeito a moral publica”. Entretanto, diante de seu “constante estado de excitação”, o
subdelegado começou a suscitar dúvidas a respeito das causas daquele comportamento, logo
passando a crer que Luis d’ Almeida sofria de qualquer desarranjo mental. Diferente do que
ocorrera com Quintino e Fernando Junior, recomendou-se que Luis fosse submetido a um
exame (Subdelegacia do 3o distrito da capital, 10/04/1888).
26
Até que se realizassem as observações médicas, julgava-se conveniente e mesmo
necessário que se mantivesse a prisão à espera do procedimento final a ser tomado. O
alienado podia ser considerado potencialmente um perigo não só à sociedade como a si
mesmo, o que se torna de certa maneira compreensível se imaginarmos o susto e a apreensão
originados por alguém que saía às ruas de arma em riste.
Foi através de uma justificativa semelhante que em agosto de 1880 o cearense
Joaquim Lourenço se viu recluso na subdelegacia do Bacanga. Seu desarranjo mental foi
avaliado possuidor de uma dupla conseqüência: 1) uma transgressão social através da prática
de não especificados “atos indecentes” (que provavelmente tem ligação com o fato de
Joaquim ter sido levado seminu à subdelegacia); 2) um estado de insegurança à sua própria
vida, alvo que fora das intenções de maus tratos por parte dos que se sentiram ofendidos.
Curioso notar que o subdelegado Lazaro Vieira mostrou-se um tanto decepcionado pelo fato
de que mesmo preso, Joaquim “tem continuado com o mesmo desarranjo” (Subdelegacia de
Polícia da freguesia de Sam Joaquim do Bacanga, 16/08/80). Seria absurdo supor que o
subdelegado nutrisse a expectativa de algo que se avizinhasse a uma cura? Esta hipótese, por
mais estranha que hoje possa nos parecer, talvez não devesse ser inteiramente ignorada. Pelo
menos quando observamos, em 1893, o caso de Rufino Vieira, solto por achar-se
“restabelecido de seus sofrimentos mentais” (Secretaria de Polícia do Estado do Maranhão,
07/01/1893). Somos levados a crer que possivelmente o restabelecer-se estava ligado a um
arrefecimento dos ânimos, circunscrito novamente a uma percepção momentânea dos gestos
apresentados, que influiria na decisão de manter-se ou não a reclusão.
2.2 DECIFRO-TE E DEVORO-TE: A RECORRÊNCIA AO OLHAR MÉDICO
Se a prisão de um indivíduo como alienado baseava-se principalmente na
captação de suas falas e sinais exteriores, abrindo portanto a possibilidade de uma certa
27
indistinção sobre o seu verdadeiro estado, isso não excluía, como vimos, que se admitissem as
dúvidas e diante dos receios se procurasse o olhar considerado mais apurado da autoridade
médica.
Uma das bandeiras levantadas pela Psiquiatria desde o seu surgimento como
especialidade médica em fins do século XVIII era justamente a retirada dos alienados das
dependências de prisões, onde eram misturados a todo o gênero daqueles classificados como
delinqüentes (prostitutas, mendigos, vagabundos, criminosos). A imagem do francês Philippe
Pinel, libertando os loucos de correntes e grilhões, é marcada por toda uma simbologia que
identifica a Psiquiatria a ideais essencialmente humanitários: a partir de então, o louco teria
começado a ser visto como um doente, que precisa sobretudo de um tratamento (SILVA
FILHO, 2000).
Inserida no movimento pela hospitalização dos loucos, cujas vozes começaram a
se organizar no Brasil a partir de 1830, principalmente através da atuação da Sociedade de
Medicina do Rio de Janeiro, a Psiquiatria brasileira adquire maior legitimidade no início da
década de 80, com a criação da cadeira de Doenças Nervosas e Mentais (COSTA, 1989),
adquirindo um respaldo crescente nas intervenções acerca da observação, do diagnóstico e do
destino a ser reservado aos alienados.
A partir de então se intensificaram os debates sobre as competências necessárias
na verificação de alguém enquanto alienado, e portanto incapaz de responder legalmente por
infrações cometidas ou de gerir bens e até mesmo sua própria pessoa (ENGEL, 2001).
Lembremos a propósito do médico maranhense, radicado na Bahia, Raimundo Nina
Rodrigues. Em “Os alienados no direito civil brasileiro”, ele submeteu a inúmeras críticas o
projeto de Código Civil elaborado por Clóvis Bevilaqua, apresentado em 1893. Produzido
com certo rigor de detalhes (remetendo-se a vários códigos de outros países), o livro de Nina
Rodrigues nos revela um pouco das discussões presentes na época: quais seriam os tipos de
28
alienação mental, os critérios que conferiam a alguém a qualificação de incapacitado civil,
sugestões ao andamento dos processos de interdição e internamento, etc. Todos os seus
argumentos, no fundo, vêm corroborar uma idéia principal, claramente expressa neste trecho:
Ora, a função de julgar se reduz em ultima analyse a um problema de psychologia
pratica; apurar e medir a responsabilidade do transgressor da lei. Mas sendo a
insanidade mental a mais poderosa derimente da responsabilidade e da capacidade, e
ao mesmo tempo, na sua qualidade de estado mórbido, da alçada immediata da
apreciação medica, se comprehende que é a perícia psychiatrica aquella a que cabe a
precedencia sobre todas as mais, - medicas ou outra, - porque é aquella que mais
próxima está da função do juiz a quem toca reconhecer a existência de um crime ou
a validade de um acto civil, affirmando a responsabilidade interior ou a plena
capacidade do agente (RODRIGUES, 1901, p. 212-213).
Em São Luís, talvez possamos medir a legitimidade do olhar médico sobre a
loucura através de algumas recorrências das autoridades policiais à realização de exames.
Contudo, independente da passagem do Império ao Regime Republicano, foi comum o
encarceramento nas cadeias por alienação mental.
Em junho de 1886, o marceneiro Constancio Correia Maia, morador da rua de S.
Anna, foi chamado à presença do subdelegado Joaquim Alves para dar explicações acerca do
“procedimento reprovado” que vinha apresentando. Segundo este, Constancio comparecera à
subdelegacia armado de um compasso grande, que dizia trazer para enfrentar alguns inimigos
e vingar-se de um individuo chamado Domingues. Recusando entregar a arma, teria
procurado cravá-la em uma ordenança e em duas praças. Acabou sendo recolhido à cadeia. O
subdelegado, atento a “algumas respostas que obtive e do aspecto que ele apresentava”,
inclinou-se a acreditar que Constancio sofria de alienação mental. Porém, para dirimir
quaisquer dúvidas, “não sendo seguro o juízo que faço me parece conveniente ser o dito
indivíduo examinado por médicos que possam atestar com precisão”.
29
Submetido ao olhar médico, representado pelos doutores Marcelino da Silva
Perdigão e Raimundo de Castro, constatou-se inicialmente que sofria de “delírios das
perseguições”, uma espécie de “monomania”5. Segundo o que foi apurado, Constancio
acreditava ser vítima de pessoas que desejavam propalar a sua invenção de um verniz especial
para colorir cuias, e que o estariam perseguindo desde o Pará há cerca de oito anos.
Os peritos, declarando a insuficiência de um único exame, acabariam por pedir a
realização de um segundo. O objetivo era responder aos seguintes quesitos: 1-Se ele sofria de
alienação mental; 2-Se seria contínua ou com intervalos lúcidos; 3-Se era geral ou parcial; 4Qual a sua espécie ou gênero; 5-Desde quando dela sofria; 6-Se o fato de correr ele armado
atrás de diversas pessoas foi algo cometido em estado de loucura ou em intervalos lúcidos.
Neste segundo exame o embasamento do diagnóstico de alienação consistiu na descrição dos
traços físicos de Constantino, em acordo com as concepções que associavam a constituição
física a uma espécie de espelho da alma: “o paciente apresenta o rosto vultozo, isto é cheio de
vinculos injectados, olhar saliente e prespicás, maneira pouco delicada e tratamento e uma
aparência geral de homem groceiro e malcriado”6. Concluíram sofrer ele de alucinações
visuais e auditivas, o que confirmaria a “verdadeira monomania ou delírio parcial”,
constatável também na observação de algumas falas e comportamentos:
[...] assim que diz... também apresentarem se em seu quarto varias pessoas para
prende-lo e faze-lo de novo escravo e é contra essas pessoas que ele tem se atirado
procurando ferilas.
[...] outros pontos que provão ainda o seu desarranjo mental, taes são andar
constantemente com um pacote de gazetas velhas onde diz elle que existem artigos
5
Ao longo de sua história, a psiquiatria viu nascer inúmeras classificações sobre as origens, os sintomas e as
variações da alienação mental. Conceito criado pelo francês Esquirol no início do século XIX, a monomania
corresponderia ao delírio sobre somente um ou poucos objetos, marcado por uma paixão alegre e expansiva
(PESSOTI, 1994).
6
A teoria da degenerescência ganhou força com Morel (1860), vinculando a loucura à hereditariedade,
acreditando ser possível, através da observação de estigmas físicos, a identificação de um “degenerado”
(ENGEL, 2001).
30
escriptos por artistas contra sua pessoa, o que não é verdade segundo a leitura que
fizemos.
[...] Revelou muito ciúme das gazetas velhas que traz e das quais não se separa nem
na ocasião de dormir sendo muito difícil conseguir-se dele uma para ler se, não se fia
de pessoa alguma por achar todos maus e assim não quis entregar ao subdelegado a
chave de seu quarto ou estabelecimento. Não considera que os presos da cadeia
sejam malvados, a custa de seus perseguidores que andão impunimente as ruas da
cidade (Subdelegacia de Polícia do 1o distrito da capital, 01, 04, 14 e 17 de junho, 13
de julho e 24 de agosto de 1886).
Diante dos fatos e da agressão da qual seriam vítimas as pessoas que encontrava na
rua, foi colocado na categoria de monomania sem intervalos lúcidos. Pouco mais de um mês
após sua prisão, Constancio foi transferido ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia,
solicitando-se ainda que seus bens fossem arrolados7. Mesmo diante das conclusões dos
peritos, o subdelegado Joaquim Alves não se mostrou totalmente convencido do estado de
alienação, ou pelo menos somou a isso outras possíveis motivações quando afirmou não
considerar “os actos de Constancio, filhos tão somente da perturbação de suas idéias, mas sim,
também, por ser ele muito atrevido e insolente”.
Podemos nos perguntar até que ponto ia a aceitação e a legitimidade do discurso
médico na identificação e tratamento da loucura. O próprio encarregado pela enfermaria de
medicina do hospital de caridade, Dr. Francisco Joaquim Ferreira Nina, diante da inexistência
de uma “prisão própria para doidos furiosos”, não hesitaria em pedir, pouco mais de um ano
depois, que Constancio retornasse à cadeia pública, visto ter se “tornado ultimamente o terror,
não só dos empregados, como também de todos os doentes” (Mordomia dos Hospitais da
Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 13/10/1887). Pelo que se vê, uma possível
7
Até a promulgação do Código Civil Brasileiro, em janeiro de 1916, as interdições eram fundamentadas pelas
leis civis do Império, que regia que um juiz de órfãos, logo que soubesse existir em sua jurisdição um demente
que pudesse ser perigoso, deveria enviá-lo a um curador que administrasse sua pessoa e bens (ENGEL, 2001).
31
iniciativa de medicalização da loucura acabava não resistindo frente à falta de espaço, de
organização racional e de segurança que marcava o interior da Santa Casa de Misericórdia.
Esse era, como veremos, o principal argumento em defesa da construção de um hospício de
alienados.
2.3 OS INCÔMODOS QUE SEJAM RETIRADOS!
Não bastassem os alienados locais, as autoridades policiais vez por outra ainda
tinham que se deparar com aqueles vindos de outras localidades. Francisco Borges,
procedente de Santa Rita, foi recolhido à prisão em junho de 1893. Após dois dias foi posto
em liberdade, com a condição, assumida por sua mãe, de mantê-lo fora da cidade (Secretaria
de Polícia do Estado do Maranhão, 17/06/1893).
A presença do louco nas ruas não era considerada um problema somente na
capital. Nas vilas e povoados do interior também houve reivindicações a favor do
recolhimento dos alienados, tendo como grande suporte a questão da tranqüilidade pública.
Na igual ausência de um local específico, ou por meio de clamores quanto a
insustentabilidade do caso, poderiam ser feitos pedidos de transferências para São Luís. Foi o
que aconteceu em Cedral, em junho de 1895. Ao todo eram dezoito homens, que decidiram
pôr um fim àquela situação por considerarem que ultrapassava todos os limites:
Os abaixo assignados, vem respeitosamente, solicitar...a retirada de um doudo
furioso Bernardino de Senna Passinho, que ultimamente tomou a mania de ser dono
de todas as casas desta povoação, e sempre armado de um facão tem feito os donos
dellas abandonal-as, e commetendo outros distúrbios, que se não for tomada as
provedencias que o caso exigem teremos de lamentar algumas desgraças; neste
sentido pedimos justiça (Abaixo assinado enviado ao delegado de polícia do distrito
de N.S dos Remédios, 12/06/1895).
32
A última frase é reveladora quanto aos motivos que os levaram a acionar o
delegado do distrito de N.S. dos Remédios. Sem entrarmos na discussão sobre a apreensão
originada e muito menos em um julgamento precipitado da atitude tomada, cabe notar que
Bernardino não foi visto nesse primeiro momento como um doente que necessita de ajuda,
apesar de o reconhecerem como um alienado, mas sim como uma espécie de criminoso8.
Lembremos que o abaixo assinado foi dirigido à instância policial, e não médica. A
preocupação premente, a segurança, levou ao banimento do elemento considerado
perturbador. Opção a qual se voltava, como vimos, mesmo a Santa Casa, temerosa e se
julgando incapaz de conter a “fúria” de alguns internos. O primeiro suplente do distrito,
preocupado com aquele “verdadeiro flagelo”, que teria intencionado “assassinar algumas
pessoas em cujo número entra sua infeliz mãe!”, levaria a decisão ao chefe de polícia,
Sebastião Braga. Bernardino de Senna acabaria por fim recolhido ao Hospital de Caridade em
24/07/1895.
Thiago Gomes Salazar, identificado como autor de vários furtos, foi submetido a
um interrogatório pelo delegado do 1º distrito da capital, Joaquim Alves, em agosto de 1886,
que passou a nutrir algumas desconfianças em relação a seu comportamento: intrigado com
suas respostas, pareceu-lhe que os crimes de Thiago Salazar não eram conseqüência senão da
“alteração de suas idéias”. Suspeita confirmada pelo doutores Raymundo de Castro e Jansen
de Melo, que afirmaram ser aquele um velho conhecido. Recolhido à Santa Casa de
Misericórdia, evadiu-se quase imediatamente, sendo recapturado com a mesma rapidez.
Entretanto, dessa vez Thiago não daria mais preocupações, pois “a expensas de alguns
negociantes da nossa praça”, foi decidido que no dia seguinte ele partiria no vapor Espírito
Santo, em direção ao Pará, tendo como companheiro de viagem um indivíduo de nome
Manoel Odorico de Oliveira, cuja remoção era vista como “convindo a tranqüilidade publica”,
8
O criminoso como uma espécie de inimigo de todos, perseguindo e saindo dos acordos que regem a sociedade,
desqualificando-se como cidadão e representando uma porção temida da natureza, aparecendo como celerado,
33
sem a especificação do porquê (Subdelegacia de Polícia do 1o distrito da capital, 27, 30 e 31
de agosto e 1o de setembro)9.
Ao que parece o Pará era uma alternativa a qual se recorria vez por outra. Pelo
menos assim somos levados a crer quando notamos a Mesa administrativa da Santa Casa
aprovar um pedido do então Mordomo dos alienados, Monsenhor Mourão, que justificou a
idéia através da observação de que os dois quartos destinados aos chamados loucos furiosos,
na Santa Casa, estavam em péssimo estado. Logo, lembrando que o Pará “tem um hospicio
bem montado, dirigido por irmãs de caridade”, e indicando possuir boas relações com tal
instituição, sugeriu que para lá fosse enviado um ou outro alienado visto como mais
agressivo. O único ônus que restaria à Santa Casa seriam as passagens e os gastos com um
servente que exerceria a função de acompanhante (Ata da sessão ordinária da Mesa
administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 15/12/1893, p.125).
Percebemos que a reclusão de pessoas vistas como alienadas estava
imediatamente vinculada ao cotidiano das ruas e artérias da cidade, à mobilidade dos
indivíduos nesse espaço de encontros, reconhecimento e representações, cenário precioso para
a exposição de hábitos e “graus de civilidade”. De acordo com JACCARD (1984, p.10), o
louco é encarado como uma afronta à racionalidade dominante, pois de maneira implícita ele
“contesta nossas certezas e nos diz coisas inoportunas e escandalosas, que não queremos
ouvir”. A maior parte dos casos encontrados na documentação relativa às delegacias de
polícia, ao menos aqueles em que há mais detalhes sobre o momento das prisões, referem-se a
pessoas abordadas e detidas justamente quando transitavam pelas vias da cidade.
Podemos identificar esses indivíduos recolhidos como pertencentes aos extratos
menos abastados da população de São Luís, aos quais se procurava dispersar dos ambientes
monstro, louco e anormal (FOUCAULT, 1987).
9
Apesar das diferenças no contexto e na proporção, é difícil não lembrar aqui da Nau dos Loucos descrita por
FOUCAULT (2002). Presentes na Renascença, essas embarcações, cheias de loucos escorraçados de suas
regiões, transportavam-nos de uma cidade para outra.
34
públicos, evitando que depusessem contra a imagem de sociedade civilizada e organizada,
principalmente quando não enquadrados nos padrões de comportamento esperados. Alguns
exemplos corroboram essa constatação: os já citados Thiago (identificado como ladrão) e
Constancio (ex-escravo); e ainda o preto livre Joaquim, natural da Costa d’África, que
contaria “mais de um século de existência” e no qual o subdelegado ressaltou o estado de
pobreza (Subdelegacia de polícia do Cutim, 03/02/1888).
Ainda nas primeiras décadas do século XX são encontrados registros de pessoas
consideradas loucas recolhidas em distritos policiais de São Luís. Neste aspecto, ao menos na
capital maranhense, os anos iniciais do período republicano não diferiam substancialmente do
que era observado sob o Império: apesar de algumas reclamações quanto a construção de um
espaço exclusivo para o recolhimento dos alienados, persistia a prática de encarcerá-los nas
cadeias10. Não se tratava de um destino inexorável, é verdade. As delegacias não exerciam por
assim dizer uma espécie de monopólio sobre a guarda dos indivíduos classificados como
loucos. Para alguns havia a possibilidade do envio à Santa Casa de Misericórdia. Entretanto
fica uma pergunta: até que ponto esses últimos poderiam ser considerados mais afortunados?
10
RODRIGUES (1901) menciona que os cubículos da Penitenciária da Bahia, onde já no século XX ainda se
colocavam alguns alienados, eram conhecidos popularmente como “Matadouro”. Em São Luís encontram-se
registros de 1937 sobre a reclusão dessas pessoas nas cadeias (Relatório do Chefe de Polícia, José Faustino dos
Santos, 1937).
35
3. A INTERNAÇÃO NA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA
“Que dizer da loucura? Mergulhado no meio de quase duas dezenas de loucos, não
se tem absolutamente uma impressão geral dela. Há, como em todas as
manifestações da natureza, indivíduos, casos individuais, mas não há ou não se
percebe entre eles uma relação de parentesco muito forte. Não há espécies, não há
raças de loucos; há loucos só” (trecho de Diário do Hospício, de Lima Barreto).
A chamada escolhida para aquela notícia prenunciava um fato grave e trágico:
“Assassinato no hospital”. Foi assim que o jornal Pacotilha decidiu abrir a denúncia contra o
ocorrido nas dependências da Santa Casa de Misericórdia no dia 1 o de Junho de 1892. Aquele
título se repetiria por mais oito vezes, exatamente o número de edições nas quais se
acompanhou o desenrolar do caso. Façamos aqui uma espécie de adaptação de tudo o que fora
levantado pelo jornal nesse período.
Tudo começa com o fato de que parte da vizinhança da Santa Casa teria ouvido
alguns gritos, identificados como sendo do alienado Luiz Cunha. “Não me mate”, “Quem me
acode?”, foram as expressões que algumas pessoas afirmam ter escutado naquela tarde. Um
rapaz de nome Ernesto, que espiava pelas grades do hospital, e considerado pelo jornal como
uma das principais testemunhas, afirmou ter visto um “homem vergado, a quem derribavam e
davam bordoada ao mando d’um moço de bigodes que gritava: Dá-lhe, Dá-lhe, Deixa elle
dansar”. Enquanto um homem desferia os golpes, uma mulher segurava a vítima. Ao fim do
espancamento o alienado teria agarrado uma bacia e a jogado sobre o agressor, que
enraivecido revidara dando-lhe na cabeça com um pedaço de pau.
Logo o jornal lançou suas investidas, afirmando que todos puderam ouvir os
gritos de agonia, menos os empregados do hospital, onde “não houve um eco simpático”.
Indagava onde estava a enfermeira naquele instante, e por que as irmãs de caridade, “que
deveriam ter o coração aberto a todo tipo de infortúnio”, ficaram inertes. Essas na verdade
36
eram apontadas quase que diretamente como espécies de mandantes do crime, aproveitandose a oportunidade para pôr em dúvida todo o sistema de caridade desempenhado pela Santa
Casa. Afirmava que o murmurinho já correria solto entre o povo, ciente das péssimas
condições com que eram tratados os loucos, citando-se uma outra ocasião em que “se fez
d’um o simulacro de Christo, com a diferença de que em vez de uma cruz e cravos, deu-se-lhe
um soalho e cordas”. Publicou-se inclusive que uma das irmãs do hospital, chamada Hilária,
dera uma grande risada ao ver o cadáver de Luiz (Pacotilha, de 04 a 11 de Junho de 1892).
A versão divulgada pela Santa Casa não nega que houve um assassinato, porém
em sua narrativa era outro o culpado. Segundo os representantes daquela instituição, Luiz
Cunha fora morto por um outro alienado, Domingos Fernandes Alves, “um preto velho com
uma ferida em uma perna”. Segundo declarações do Mordomo dos Hospitais, Monsenhor
Mourão, assim que chegou à Santa Casa Domingos foi mantido solto e, após uma noite em
que teria começado a provocar muitos incômodos, “foi mettido em camisa de força,
moderando depois a furia, e mostrando sempre calmo, foi mettido no xadrez com o infeliz
Luiz Cunha”, com o qual passou a dividir a mesma célula. Depois de mais ou menos um dia
sem problema algum, ter-se-ia dado a tragédia. Com um bacio de ferro Luiz teria sido
agredido na cabeça, falecendo horas depois.
Os representantes da Santa Casa faziam questão de isentar as irmãs de caridade,
bem como os demais empregados, de quaisquer responsabilidades, já que casos desse tipo
seriam naturais até mesmo nos hospícios mais apropriados. Quanto aos gritos que várias
pessoas disseram ter ouvido, deu-se uma explicação que não deixa de provocar suspeitas:
Luiz Cunha teria o costume de ficar sempre gritando e gemendo, e “quando se ia ver o que
tinha, dizia que não era nada, o que é muito natural com alguns doudos”. Desse modo, como
afirma toda a exposição do fato feita pela Santa Casa, não se trataria de negligência, e o único
erro talvez tenha sido “acceitar esse louco [Luiz], si não havia mais logar para elle” (Ata da
37
sessão extraordinária da Mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, 06/06/1892, pg.
70).
Entretanto a Pacotilha levantava algumas contestações. Uma pessoa que teria visto
o corpo de Luiz Cunha no cemitério disse que este apresentava oito ferimentos na região
frontal, e o pescoço todo golpeado e rodeado por uma meia ensangüentada. Questionava-se
ademais se tudo isso poderia ter sido praticado por Domingos, que quase não conseguia se
levantar devido a suas pernas “inchadas e fedorentas, por podridão”. À trama que o jornal
considera ter sido perpetrada pelo pessoal da Santa Casa, somava-se ainda a acusação de que
estariam sendo feitas ameaças a todos aqueles que intentassem testemunhar para a elucidação
do caso. Ernesto, uma das principais fontes do jornal, segundo este teria mudado seu
depoimento em virtude de algumas pressões que estaria sofrendo (Pacotilha, 03, 06 e 09 de
Junho de 1892).
Diante das acusações, a Mesa administrativa da Santa Casa decidiu então
convocar o seu Procurador Geral para que o jornal fosse chamado à responsabilidade.
Desejava-se ainda que o Chefe de Polícia exigisse que o redator da Pacotilha comparecesse a
sua presença para declarar quem era o autor do assassinato de Luiz Cunha. E num artigo
dirigido ao público, a ser publicado nos “jornaes mais conceituados desta Capital”, que se
expusesse a verdade dos fatos. A partir da observação de algumas fontes, mais precisamente
edições da Pacotilha e Atas das Sessões da Mesa da Santa Casa, o máximo de informações a
respeito do desenrolar de toda essa querela nos dá conta de que a Promotoria Pública requereu
uma investigação do caso, e que duas irmãs de caridade foram intimadas a depor na delegacia,
o que após alguma insistência foi modificado: a inquisição seria praticada mesmo no hospital
(Ata da sessão extraordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia,
06/06/1892, pg 71-72).
38
O essencial neste caso não é apontarmos um culpado ou ficar levantando hipóteses
quanto a veracidade de cada discurso. Deixemos de lado argumentos que poderiam atestar o
sensacionalismo do jornal (ou sua isenção), bem como a brutalidade do pessoal empregado no
Hospital (ou suas intenções pias e caritativas). O importante é nos concentrarmos no fato de
que o cotidiano da Santa Casa, aquilo que era praticado em seus interiores, parecia ser não
raras vezes alvo de questionamentos, quando denúncias, com fundo de verdade ou não,
deixavam as pessoas sempre alertas, considerando a possibilidade de sua comprovação.
Devido às frequentes reclamações, parecia ter-se criado um clima em que nenhuma
descompostura atribuída àquela instituição deveria ser simplesmente desconsiderada. E de
acordo com o que extraímos de fontes produzidas pela própria Santa Casa, as quais
discutiremos adiante, vemos que essa espécie de “pé atrás” era plenamente justificada.
3.1 DESORDEM DAS IDÉIAS OU DOS ESPAÇOS?
Apesar da falta de algumas informações quanto aos seus primeiros tempos,
registra-se no Dicionário Histórico-Geográfico que a Santa Casa de Misericórdia teve sua
criação autorizada pelo Alvará de 3 de dezembro de 1622 (MARQUES, 1970). Ainda
segundo este autor, a partir do que coletou da obra de João Lisboa, o padre Antônio Vieira
teria passado a maior parte do ano de 1653 procurando construir um hospital, despertando
para este objetivo as atenções da Irmandade da Misericórdia11. Contudo, em 1806, esta
Irmandade continuava a falar da construção de um edifício próprio que atendesse aos doentes
pobres.
11
As Irmandades teriam entre suas atribuições o culto a determinado santo, bem como o trabalho em obras de
caridade e a ajuda recíproca entre seus membros. Pertencer a uma Irmandade poderia conferir ainda um certo
respaldo social (MORAES, 1995).
39
De acordo com MEIRELES (1994, p.269), a Mesa administrativa daquela
instituição teria escolhido:
[...] o terreno e que seria um, de 24 braças (52m80) de frente para a Rua do Norte,
dando os fundos para a do Passeio, que pertencia ao Cirurgião-Mor Manuel de
Matos Sagunto, mas do qual só entraria na posse por morte do proprietário e doação
de sua viúva, D. Rosa Helena Barbosa de Albuquerque e em troca de uma
gratificação de Rs. 400$000. Terreno este, aliás, que foi antecipadamente ampliado,
em 1821, com a aquisição [...] de um que lhe ficava pegado, medindo 8,5 braças
(10m70) de frente, para a mesma Rua do Norte, e 18 braças e 2,5 palmos (30m20)
para a Rua do Passeio, para a qual dava os fundos [...].
Em janeiro de 1815 a Câmara Municipal, em ofício enviado a sua Majestade,
declarava ver “com prazer e alegria a conclusão em seu tempo do Hospital de São José da
Santa Casa da Misericórdia” (MARQUES, 1970, p. 377). Esse estabelecimento foi
administrado através de mesas eletivas até dezembro de 1850, quando a partir de então as
mesas passaram a ser nomeadas pelo Presidente da Província, que exerceria também o cargo
de Provedor da Santa Casa. Os membros da instituição estavam assim divididos: Provedor,
Vice-Provedor, Secretário, Tesoureiro e mais alguns Mordomos - dos hospitais, da Casa dos
expostos, dos presos, da Igreja, do Cemitério e dos Edifícios (MARQUES, 1970).
O prédio localizado na Rua do Norte teria passado por três reformas, datadas de
1838, 1863 e 1874, e estava erigido em dois pavimentos, apresentando no térreo, do lado
esquerdo do vestíbulo de entrada, “a dependência em que funcionavam a secretaria e mais
serviços administrativos” e, do lado direito, “a farmácia, e enfermaria de Nossa Senhora dos
Remédios, para mulheres” e, ao fundo um salão reservado aos alienados. No andar superior
ficava a sala onde se reunia a Mesa, e próximo a ela estavam a “capela e clausura das freiras”
e mais duas enfermarias destinadas aos homens: “a de São Filipe Bonifácio, com 24 leitos,
para clínica geral, e a de São Cosme, com 22, para cirurgia” (MEIRELES, 1994, p. 281).
40
A Santa Casa de Misericórdia, ou Hospital de Caridade, sempre estivera a cargo
dos cuidados aos doentes pobres, bem como se responsabilizava pelo tratamento das pessoas
que sofriam de tuberculose, lepra (os chamados lázaros) e também dos ditos alienados. O
atendimento desses últimos nas Santas Casas foi uma prática corrente em todo o Brasil, numa
época em que inexistiam hospitais dedicados exclusivamente a estes casos. Frequentes
também eram as críticas direcionadas a tal situação:
As Santas Casas de Misericórdia incluem-nos entre seus hóspedes mas dá-lhes
tratamento diferenciado dos demais, amontoando-os em porões, sem assistência
médica, entregues a guardas e carcereiros, seus delírios e agitações reprimidos por
espancamentos ou contenção em troncos, condenando-os literalmente à morte por
maus tratos físicos, desnutrição e doenças infecciosas (RESENDE, 200, p. 35).
Mesmo com a criação de estabelecimentos como o Hospital dos Lázaros, por
exemplo, o ambiente dentro da Santa Casa do Maranhão era de intensa mistura entre os mais
diversos tipos de internos, com as mais variadas enfermidades. O Mordomo Sardinha,
tentando amenizar um pouco essa realidade, foi autorizado a mandar que se fizesse “uma
cancella na enfermaria das mulheres, a fim de separar as alienadas das que não o forem”.
Logo depois, reavaliando a situação, achou-se melhor que ao invés da cancela fosse colocado
um portão de ferro (Sessão administrativa, 15/06/1886, pg.103).
O dia 17 de Agosto de 1883, por exemplo, começou cheio de sobressaltos e
aflições dentro do hospital. Logo às cinco da manhã, Lourenço de Oliveira Araújo,
identificado como um alienado não furioso, avançou sobre o doente de caridade Thomaz de
Araújo, que muito debilitado não teve como reagir quando aquele se prendera em seu
pescoço. Quando os outros doentes pensaram em fazer alguma coisa já era tarde demais. Após
a realização do corpo de delito, Lourenço, “visto como não havendo no hospital prisão
segura”, acabou por ser recolhido à cadeia pública (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da
Misericórdia do Maranhão, 17/08/1883). Passava assim da condição de doente para a de
41
criminoso, já que a preocupação se concentrava exclusivamente no afastamento do perigo que
poderia representar e não nas condições mais apropriadas para tratar alguém na sua situação.
Afinal de contas acreditava-se de fato que para Lourenço, sendo realmente um “alienado”,
aquela seria a melhor solução?
Exatamente um mês após essa ocorrência, um outro fato, envolto numa certa
atmosfera de mistério, veio a dar mais algumas dores de cabeça ao pessoal da Santa Casa. É
que se espalhou o comentário de que o doente de caridade chamado Marcolino José da Silva
Driancourt havia sido espancado até a morte por um “doudo do hospital”. O almoxarife,
incumbido pelo Mordomo dos Hospitais de averiguar a veracidade dos fatos, declarou que
após ouvir o enfermeiro, o ajudante deste e mais alguns pacientes, concluía que não houve
pancadas nem algo parecido, e que tudo isto talvez se devesse às:
[...] inexactidões e calumnias que todos os dias apparecem noticiadas, já por jornaes
que faltos de materias para encherem suas columnas, aceitão sem escrupulo,
qualquer informação, e já por indivíduos que, querendo conseguirem seus fins,
lançam mão de todos os recursos, inda mesmo os mais reprovados[...] (Mordomia
dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/09/1883;
Almoxarifado dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia, 18/09/1883).
Soubemos depois que a denúncia a respeito deste espancamento foi formulada
diretamente ao Presidente da Província, Carlos Fernandes Ribeiro, por Maria Henriqueta
Driancourt, que certamente possuía algum grau de parentesco com o doente falecido. O certo
é que o Mordomo dos Hospitais conclui o seu relatório com a afirmação de que “aquella
mulher é dada ao uzo de bebidas espirituozas” e que nesse estado se prestaria “a representar
todos os papeis ainda os mais ridiculos” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da
Misericórdia do Maranhão, 19/09/1883).
É necessário dizer que, se por um lado os jornais veiculavam algumas denúncias
envolvendo a internação na Santa Casa, por outro poderiam servir também como espaço em
42
que se manifestavam as exigências em relação à retirada dos ditos alienados das ruas da
cidade. Assim é que O Federalista (01/02/1899) trouxe um pedido em que se chamava a
atenção das autoridades “para uma mulher louca, de nome Ritta”, que residindo entre a rua do
Sol e a dos Afogados era acusada de ofender a “moralidade publica” e perturbar “a paz das
familias visinhas com palavras obcenas, proferidas em altas vozes, durante o dia e a noite”.
As famílias, quando possuíam algum doente internado no Hospital de Caridade,
não ficavam plenamente tranqüilas a respeito do tipo de tratamento e atenções aos quais
aquele seria submetido. Ao menos é o que somos levados a crer pelas desconfianças
demonstradas em alguns casos diante da explicação oficial dada pela instituição.
Raymundo Chrisostemo Frasão, vindo de Icatú, foi internado em Março de 1884.
Apresentando no início um comportamento calmo, de uma hora para outra teria sido
acometido por um acesso de fúria, chegando a espancar e “morder à diversos empregados e
doentes que ajudarão a prendel-o na camiza de força”. Esta teria sido reduzida a tiras, e
Raymundo, arrombando a porta do quarto em que fora recolhido, fugiu saltando uma janela
do pavimento térreo, “sem que se tenha ate hoje podido descobrir o seu destino”. Toda essa
narrativa feita pelo Mordomo não convenceu, entretanto, a um dos parentes daquele interno,
convencido que estava de que Raymundo havia sido morto por pancadas dentro do hospital
(Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/06/1884). Mesmo
incapazes de avaliar quem teria a razão nesta discussão, fica patente uma certa ausência de
credibilidade nos serviços prestados pela Santa Casa, que obviamente não surgiu do nada, mas
cuja origem se devia em grande parte à confusão de seus espaços.
O desleixo que às vezes caracterizava o Hospital de Caridade pode ser medido em
dois outros exemplos. No primeiro Maria Raymunda, aproveitando a desatenção da
enfermeira, atiçou fogo no próprio corpo, pondo-se em seguida a correr pelo quintal, ficando
em estado grave em decorrência das queimaduras sofridas. O outro fora protagonizado pelo
43
português José Pinto da Silva. Desde que perdera a razão ele teria, segundo foi declarado,
alimentado a idéia fixa de se matar. A ocasião propícia teria surgido no momento em que,
“fingindo ir tirar agua de um pote que estava junto a janella”, precipitou-se para o lado do
quintal, ficando bastante machucado após a queda (Mordomia dos Alienados da Santa Casa
da Misericórdia do Maranhão, 05/08/1886 e 08/11/1886).
Ilustração 1 - Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, em 1899. Abrigando em suas instalações os
chamados alienados, muitas dúvidas e queixas recaíam sobre o tratamento que dispensava aos seus
pacientes.
O ambiente para os chamados alienados podia ser tão adverso que um indivíduo
de nome João Martins do Rego Andrade não se fez de rogado ao pedir que fosse dado um
“tratamento mais especial” a uma mulher chamada Virginia, responsabilizando-se ele por
todos os gastos necessários. Seu desejo foi negado com a justificativa de que “não era
possivel fazer excepção em favor desta” (Ata da Sessão da Mesa administrativa da Santa Casa
de Misericórdia, 15/12/1891, pg.56). Parece que ao menos os infortúnios eram
democraticamente distribuídos.
44
Fazendo coro às denúncias veiculadas através dos jornais e às reclamações feitas
por familiares dos pacientes internados, os próprios mesários e funcionários da Santa Casa
não se cansavam de queixar-se quanto a insegurança e falta de organização que
freqüentemente caracterizavam o dia-a-dia daquela instituição. As insatisfações iam das
dificuldades financeiras ao estado de conservação apresentado pelo hospital:
[...] a caridade não pode ser praticada, como fôra a desejar-se em estabelecimento
d’essa ordem. As regras e preceitos hygienicos não são alli observados. O leito que
acolhe o enfermo não é sanificado pela hygiene, sustentada pela caridade.
A mordomia dos hospitais procura quanto possivel proporcionar os recursos de que
carecem os doentes alli recolhidos e medicados, mas impede a bôa vontade com
que presta-se para obtel-a a escassez dos meios de que dispõe a Santa Casa
A cargo da Misericórdia está o hospital dos doudos. São manifestamente funestas
essas aberrações [...] (Fala que o Exm.o Sr. Dr. José Leandro de Godoy e
Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu à Assembléia Legislativa Provincial
por ocasião da instalação da 2a sessão da 25a Legislatura, 24/02/1885).
Em alguns momentos as reclamações poderiam se transformar em ameaças. Após
pedir uma subvenção maior para o projeto de construção do hospício, o Presidente da
Província fez lembrar à Assembléia Legislativa que “a Santa Casa supporta alguns onus que
de direito cabem à Municipalidade e ao Governo”. De forma bem mais direta, irritado com
uma redução de verbas, o Mordomo dos Hospitais alertou que o tratamento dos alienados
pertencia à Província, e que a Irmandade da Misericórdia “a seu turno pode libertar-se desse
encargo, quando menos se espere, criando assim sérios embaraços a administração da
provincia” (Relatório apresentado pelo Exmo. Sr. José Manoel de Freitas, Presidente da
Província, à Assembléia Legislativa Provincial do Maranhão, 20/05/1883; Mordomia dos
Alienados e Morféticos à cargo da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 20/01/1887).
Reconhecia-se que naquelas condições esses indivíduos não recebiam e nem
poderiam receber um tratamento regular. Porém, causa um certo espanto verificar que mesmo
45
assim, em determinadas ocasiões, um discurso de plena eficiência era produzido. É o que se
constata diante de alguns balanços relativos ao movimento das enfermarias. Em 1882, por
exemplo, das 49 pessoas que foram internadas como alienadas, declarou-se que 28 teriam
saído curadas. Quanto a isso levantamos algumas hipóteses: talvez se considerasse cura a
ausência de um estado maior de agitação, como sugerimos em determinada passagem do
capítulo anterior; outra explicação seria um desejo de mostrar, apesar de todas as evidências,
que um trabalho eficiente estava sendo realizado, calando possíveis desconfianças; há ainda a
possibilidade de que se consideravam curados simplesmente todos aqueles que saíam vivos,
visto não existir em algumas dessas estatísticas a contabilização dos que saíram sem cura.
Este ponto nos permite adentrar em um outro questionamento: as concepções de loucura e os
tipos de tratamento adotados na Santa Casa de Misericórdia.
3.2 O UNIVERSO DOS “INFELIZES”
De acordo com PESSOTI (1999), ao longo de mais de vinte séculos, pelo menos
desde a Antiguidade até o século XVII, a loucura foi dividida em um número restrito de
grandes gêneros, basicamente mania e melancolia12. Para o grego Hipócrates (377 a.C.), o
corpo humano abrigaria quatro humores essenciais: sangue, pituíta, bílis amarela e bílis verde.
A loucura seria então um desarranjo em algum desses humores. Com Platão (427-348 a.C.)
inaugura-se um critério mais filosófico de classificação dos tipos de insanidade mental, que
obedeceriam a duas condições: que humor estava agindo, e em que parte da psiche (alma).
Para Galeno (130-200 d.C.), a causa da loucura residiria numa alteração dos
pneumas, concebidos como uma espécie de elemento intangível, que não seria físico nem
espiritual, mais ou menos como um sopro ou exalação. Durante o período medieval
12
A mania designaria um delírio marcado pela excitação, enquanto a melancolia seria acompanhada por uma
espécie de paixão triste (PESSOTI, 1994).
46
interpretava-se a loucura como sinal de possessão demoníaca (PESSOTI, 1994). Ainda
segundo este autor, a partir do século XVII começaram a predominar teorias como a
iatroquímica (alterações nos sais do corpo humano), a pneumática (circulação de espíritos
animais no sistema nervoso) e a iatromecânica (deformações em fibras ou tecidos).
Em fins do século XVIII ganha espaço a idéia segundo a qual a loucura era uma
lesão do intelecto e da vontade, “produzida por causas morais... sempre definida nas suas
relações com as normas sociais” (BIRMAN, 1980, p.43). Identificava-se o dito alienado a
alguém com desvio de comportamento e portador de hábitos prejudiciais. Este modelo
começou a ser rejeitado em meados do século XIX, em virtude de um redirecionamento a uma
explicação mais organicista, que associava a loucura a uma lesão do encéfalo. Largamente
influenciada pelas idéias de hereditariedade13 e degenerescência, o organicismo marcou
presença na maior parte do pensamento sobre a loucura no final daquele século (PESSOTI,
1999).
Igualmente expandiram-se as tentativas de se nomear os diversos graus e
variedades nos quais a loucura se desdobraria. Surgiram assim inúmeras classificações, por
vezes extensíssimas, e que diziam ter conseguido decifrar todo esse mundo que parecia
sempre escapar a um domínio total14. Porém, de acordo com FOUCAULT (2002,p.196):
Tudo se passa como se essa atividade classificadora tivesse operado no vazio,
desenvolvendo-se na direção de um resultado nulo, retomando-se e corrigindo-se
incessantemente para não chegar a nada; atividade incessante que nunca conseguiu
13
O século XIX foi cenário para o aparecimento de algumas teorias que pretendiam identificar possíveis
características inerentes às diversas “raças” que comporiam o gênero humano. Esses estudos serviram muitas
vezes como uma espécie de lastro científico para idéias como a da superioridade dos indivíduos de origem
européia. Doutrinas como o darwinismo social tiveram significativa penetração no Brasil (SKIDMORE, 1976).
14
Apoiando-se em diversos estudiosos europeus, RODRIGUES (1901) apontou como estados correspondentes à
alienação mental: embriaguez habitual, prodigalidade, oniomania (compulsão por compras), mania do jogo, entre
outras.
47
tornar-se um trabalho real [...] Seus conceitos claros e explícitos permaneceram sem
eficácia.
Nas investigações realizadas na documentação referente à Santa Casa de
Misericórdia do Maranhão, infelizmente nada foi encontrado que pudesse ser chamado de
diagnóstico, ou alguma espécie de acompanhamento da evolução dos quadros dos pacientes
internados. Isso poderia ser um indício de que inexistia essa prática, contudo, atentando para
indicações esparsas, estamos mais propensos a acreditar que esses documentos foram de
alguma forma perdidos.
Entretanto conseguimos extrair, uma vez ou outra, algumas
declarações que talvez lancem uma luz sobre essa questão. Em Janeiro de 1885, no meio de
um relatório enviado ao Presidente da Província, acha-se o seguinte comentário:
A cura dos alienados não é absolutamente impossivel. Os clinicos que mais se teem
dedicado ao estudo desta enfermidade cerebral dizem, que a curabilidade desta é
tanto mais provavel, quanto a molestia é recente. Dizem mais ainda, que do acto do
primeiro ataque ou pertubação da razão ate um anno, ha sempre esperança de obterse a cura; e só d’ahi por diante é que as esperanças e probabilidades do
restabelecimento do enfermo vão desaparecendo progressivamente.
Daqui deduzimos a necessidade de tratamento rapido que se deve dar aos infelizes
que apresentarem os primeiros symptomas desse mal[...] (Mordomia dos Hospitais
da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883).
Não sabemos se o Mordomo realmente acreditava em tudo o que disse, ou se o seu
discurso tinha como intenção primordial convencer o Presidente da Província da necessidade
de conclusão das obras do hospício em construção (assunto do próximo capítulo). O certo é
que a concepção de loucura apresentada foi sobretudo genérica, sem as especificações e
particularidades apontadas pelas classificações tão em voga. De maneira geral, nos
documentos que encontramos classificavam-se essas pessoas ditas alienadas muito mais pelo
comportamento do que por uma nomenclatura que as vinculasse a determinada espécie de
48
loucura. Assim é que, quando não eram designados simplesmente de “infelizes”, fazia-se uma
divisão entre os “doudos furiozos” e aqueles que apresentavam um “caracter innofensivo”
(Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 04/03/1884).
Uma outra pista talvez possa ser encontrada em um relatório de autoria do próprio
Presidente da Província, datado de 1877. Nossa discussão está delimitada ao período de 1880
a 1900. Porém, como aquele relatório foi escrito apenas três anos antes do corte temporal
escolhido, é possível que tenham persistido ainda durante algum tempo as noções nele
expressas:
[...] já se contam por centenas os infelizes que perderão a razão, alguns por paixões
desregradas, porém, o maior número, talvez, por sentimentos nobres[...] os
momentos lúcidos destes infelizes são ordinariamente os prelúdios do maior auge
de furor, de que são vítimas, quase sempre nas conjunções da lua (Relatório
apresentado pelo Presidente da Província do Maranhão, José Manoel de Freitas, em
1877).
As incertezas se prolongam quando o assunto é o tratamento colocado em prática.
Ainda dentro daquela divisão entre calmos e furiosos, a estes últimos estavam destinadas as
chamadas células, quartos fechados e isolados, e a utilização de camisas de força, feitas de
lona ao que tudo indica (Ata da sessão da Mesa administrativa, 03/05/1889, pg.138).
Acrescente-se a isso o emprego de medicamentos, infelizmente não especificados nos
documentos da Santa Casa, exceção feita a uma lista de gêneros contratados para o mês de
Abril de 1883. Nessa ocasião foram mencionadas sanguessugas, ventosas e sangrias. Não há
uma indicação clara se elas seriam aplicadas nos alienados ou nos demais pacientes, porém
aquelas técnicas faziam parte, por exemplo, do cotidiano do Hospício D. Pedro II, localizado
no Rio de Janeiro e sobre o qual falaremos adiante. Percebe-se também que em algumas
épocas foram frequentes as reclamações de farmacêuticos de São Luís exigindo que fossem
pagos pelas drogas fornecidas (Ata das sessões de 30/04/1883, pg.51; 13/09/1883, pg.59 e
49
13/11/1883, pg.61). Em alguns jornais do final do século abundaram anúncios oferecendo os
mais diversos produtos, de “sanguesugas hamburguezas” ao “xarope sedativo de casca de
laranja”, passando pela “Solução Antinervosa de Laroyenne”, que prometia pôr um fim em
moléstias nervosas e histerias15 (Publicador Maranhense, 04/09/1883 e 25/09/1883; Pacotilha,
02/01/1900).
Segundo PORTELA (2000, p.35), em estudo sobre a realidade da Medicina
maranhense, esta teve no século XIX um momento decisivo, pois a partir de então o médico
teria adquirido uma importância significativa, concentrada no âmbito do hospital, detendo aí
“o monopólio da definição legítima acerca do exercício do poder”. Entretanto, quanto ao
debilitado serviço prestado pela Santa Casa de Misericórdia aos chamados alienados, o
mesmo não era efetuado por um médico especialista na área. Afirmamos isso com base em
uma deliberação da Mesa em que ficou decidido que os médicos que atendessem no Hospital
de Caridade dividiriam “entre si o serviço medico e cirurgico dos estabellecimentos de
caridade” (Ata da sessão de 09 de Abril de 1884). Dentro daquele ambiente, ao lado de alguns
indivíduos designados como enfermeiros16, passaram a ter papel de destaque as irmãs de
Santa Anna, vindas da Itália por meio de um acordo com a Santa Casa. Assinado em 1887, o
contrato previa o seguinte:
Art.o 1.o - As irmãs de Santa Anna em numero de quatro se ocuparão do serviço
interno do hospital.
Art.o 2.o - O numero de irmãs poderá ser augmentado si assim entender conveniente
a Mesa administrativa da Santa Casa da Mizericordia [...].
15
Incluída no rol das perturbações mentais desde fins do século XVIII, associava-se freqüentemente histeria e
natureza feminina. Considerava-se a constituição anatômica da mulher como mais propensa a esse tipo de
situação. A histeria também era entendida como decorrente de possíveis anomalias na sexualidade. Na passagem
do século XIX para o XX, essas concepções teriam se aprofundado ainda mais (ENGEL, 2001).
16
No Brasil, a criação da Escola Profissional de Enfermeiros data de 1890. Porém, somente em 1926 seria
oferecida uma disciplina voltada especificamente às doenças mentais (BELMONTE, 1998).
50
Anos depois, o Mordomo dos Hospitais mandaria vir de Roma mais duas irmãs,
consideradas “muito necessarias para o serviço do hospital... visto que só quatro existentes
não podem desempenhar todas as funcções”. Destas, uma ficaria responsável pelos alienados
e a outra do “serviço da porta, revesando-se com as demais do Estabelecimento” (Ata da
sessão da Mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, 16/08/1890, pg.29-30).
Por mais que em determinados discursos parecesse haver uma tentativa de
oferecer maiores e melhores cuidados às pessoas internadas por alienação, e não duvidamos
que em alguns momentos essa intenção fosse realmente sincera, na realidade de cada dia
diluíam-se em decorrência de uma falta de preparo, seja no aspecto da infra-estrutura ou na
qualificação do pessoal empregado. A mudança de regime praticamente nada alterou nessa
situação. Monarquia ou República, em ambas manifestava-se a precariedade no atendimento a
esses indivíduos. A própria admissão de internos podia ser muito menos guiada por critérios
médicos, que buscassem um tratamento que de fato reabilitasse, do que por pressões externas.
De acordo com o Mordomo Mourão, naquele caso do alienado Luiz Cunha, que abriu este
capítulo, a Santa Casa, por receber uma subvenção do Estado para este fim, “não podia
recusar a remessa de um doudo que lhe era enviado pelo Dr. Chefe de Polícia” (Ata da sessão
extraordinária da Mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, 06/06/1892, pg. 70).
A cascata de insatisfações levou a uma decisão que foi consagrada na época como
a solução de todos os problemas: a separação definitiva entre as várias enfermidades que
confusamente se misturavam no Hospital de Caridade. Desse modo, o recolhimento dos
alienados teria que mudar de endereço, para que fossem finalmente postos num local distante,
onde não mais pudessem exibir sua “infelicidade”.
51
4. O PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO HOSPÍCIO
“Arrancaram o cadarço de teus sapatos, tuas facas, tuas casas, teus jardins. E como
não bastava, perseguiram-te, acossaram-te: sobre tuas mãos, sobre teus pés, seus
olhos se pousaram em busca do absurdo. E não foi bastante: fecharam-te portas
sucessivas, e ainda isso não bastou, tomavas demasiado espaço, ouviam-te a voz,
ouviam-te os passos. Vieram por trás, atacaram-te, cobriram teu corpo do pano do
falso sono. Mas não bastava ainda, lançaram sobre ti a sombra e os muros que te
haviam deixado. Teriam desejado murar-te os gritos, os olhos, teriam desejado que
desaparecesses” (André Henry).
Em uma das salas do Palácio do Governo tivera início mais uma sessão da Mesa
Administrativa da Santa Casa de Misericórdia. Era o dia 26 de julho de 1882. Estavam
presentes, no habitual horário do meio-dia, o Presidente da Província e Provedor da Santa
Casa, José Manoel de Freitas, e os demais mesários. Àquela ocasião somou-se uma nova
personagem: Wenceslao Alexandrino Paes, tabelião interino. Sua missão era proceder à
leitura de uma escritura, por ele elaborada, para a compra de uma quinta escolhida para
abrigar um projeto que vinha há algum tempo sendo acalentado pela Irmandade da
Misericórdia: a construção de um hospital destinado exclusivamente aos chamados alienados
(Ata da sessão de 26/07/1882, pg.28).
Meses antes desse encontro fora levantada pela Mesa a conveniência de se
adquirir dois prédios que ficassem localizados nos subúrbios da cidade, aos quais se
transfeririam os “infelizes morpheticos e alienados”, cujo tratamento ficava a cargo da Santa
Casa. Alguns mesários foram logo encarregados de sair à procura de lugares que atendessem
aquela exigência.
Para que fossem recebidos os alienados considerou-se satisfatória a quinta
pertencente ao indivíduo de nome José Rodrigues Vidal Junior, chamada sugestivamente de
52
Boa-Hora, que preenchia a condição de ser afastada das áreas movimentadas de São Luís,
localizada na então distante Madre de Deus. Manoel Duarte Godinho e Américo Vespúcio dos
Reis, respectivamente o Mordomo dos hospitais e o Mordomo dos edifícios da Irmandade da
Misericórdia, foram convocados para estabelecer conversações com o proprietário da quinta,
que declarou vendê-la pela quantia de nove contos de réis (9:000: 000). A proposta foi levada
à discussão pelos mesários, alguns dos quais se expressaram sobre a necessidade de arrematar
logo o negócio. Enfim tomou-se uma decisão: o engenheiro Candido Sonher Barbosa deu o
seu aval após examinar as instalações oferecidas pela quinta, alertando, contudo, para a
necessidade, devido aos objetivos que se tinham em mente, da realização de algumas obras e
alterações (Atas das sessões de 24/04/1882, pg.22; 23/05/1882, pg.24; 06/06/1882, pg.25).
Tudo isso parecia o alcance definitivo de um anseio longamente nutrido. A
recepção a tal projeto foi marcada por júbilo e expectativas indisfarçáveis por parte da
Irmandade da Misericórdia. O já citado Mordomo Godinho, que esteve à frente dos primeiros
tempos das obras, demonstrava imensa confiança e entusiasmo, e chegou a declarar cheio de
sentimentalismo que possuía “o coração repleto do mais vivo prazer”. Em um relatório que
enviou ao Presidente/Provedor José Manoel de Freitas, temos uma idéia da importância
atribuída, das justificativas elaboradas e dos objetivos que se pretendiam colocar em prática
(ao menos os declarados) em relação a tal estabelecimento:
Sim, o hospicio de alienados do Maranhão não é mais um mytho; é uma realidade:
modesto em sua construção e tamanho; porem, grande e explendido, nos beneficios
que vai prestar àquelles que perderão o que possuião de mais caro e necessário no
mundo-a luz da razão-[...] Ora, sendo certo que no hospital de caridade, no meio de
doentes de outras moléstias, não se encontrão os commodos apropriados à cura dos
alienados; é fora de toda a duvida que o hospício que se esta fazendo preencherá
esta falta, que tanto mais sencivel se tem tornado, quanto é certo que o numero de
doudos tem augmentado consideravelmente (Mordomia dos Hospitais da Santa
Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883).
53
Este projeto de construção de um hospital exclusivo para alienados pode ser visto
como uma espécie de eco de uma tendência que, desde as primeiras décadas do século XIX,
vinha conquistando terreno no Brasil.
4.1 A TRAJETÓRIA DA INSTITUIÇÃO ASILAR
“Aos loucos, o hospício”. Esse foi o brado que começou a ser ouvido no Brasil,
principalmente na Corte Imperial, a partir dos anos de 1830. O que tem essa data de tão
significativa e que relações mantém com aquela palavra de ordem? Essa década foi marcante
e decisiva para a Medicina, e para a ciência brasileira de forma geral, pois assistiu ao início de
um conhecimento e práticas médicas mais elaboradas e articuladas, sendo apontados como
marcos de todo esse processo a criação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e a
fundação das Faculdades de Medicina nesta cidade e em Salvador (ANTUNES, 1998).
Como vimos no capítulo 1, nesta época a Medicina Social começou suas
tentativas de colocar em prática um discurso que se propunha organizador dos ambientes e
instituições das cidades. Um dos alvos preferidos eram os hospitais, e é aqui que se começa a
discutir com mais profundidade a questão dos loucos. Considerava-se que estes, por sofrerem
de uma doença específica, não poderiam dividir os mesmos espaços com enfermidades de
outra natureza e muito menos serem encarcerados nas cadeias públicas. Somava-se a isso o
fato de que muitos daqueles classificados como loucos circulavam pelas ruas da cidade, o que
era visto com alarme ao se enxergar aí um foco de perigo não só à segurança física das
pessoas que transitavam pelas vias públicas como à própria moralidade, quando seus atos
eram interpretados como uma afronta e uma vergonha aos ideais de bons costumes
(MACHADO, 1978).
54
Passa-se a fazer a defesa da construção de um local que fosse destinado
exclusivamente ao abrigo desses indivíduos, que deveria ficar distante das áreas povoadas,
buscando uma mútua preservação: aos loucos a tranqüilidade longe da agitação urbana; aos
cidadãos um ambiente tranqüilo longe da agitação dos desatinados (ENGEL, 2001).
Procurou-se reproduzir aqui algo que, desde o fim do século XVIII, vinha
acontecendo principalmente na Europa, e que tradicionalmente tem a atuação do psiquiatra
francês Philippe Pinel apontada como o grande marco, uma quebra no que até então
predominava no pensamento e nas respectivas aplicações de “tratamento” (SILVA FILHO,
1987).
Na Idade Média, considerava-se o louco de maneira um tanto quanto ambígua: ora
poderia ser visto como um mensageiro divino cujo recado deveria ser decifrado, ora era
encarado como alvo de alguma expiação de pecados, isso quando não era enquadrado na
categoria “possuído pelo demônio”. Tudo conseqüência de uma total incompreensão,
encarnada nas falas cujo sentido não se conseguia penetrar (PESSOTI, 1994). Apesar disso,
não havia a prática de recolher os loucos, ou melhor, o confinamento existente era uma
exceção em um ambiente marcado por uma quase indiferença em relação à loucura. Em
alguns círculos, como nas artes, são encontrados até mesmo momentos de exaltação, ou pelo
menos é percebida uma presença significativa da loucura em suas temáticas: do quadro “Nau
dos Loucos”, de Jerônimo Bosch, ao Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdã, passando pela
obra de William Shakespeare (FOUCAULT, 2002).
A primeira mudança nesta atitude teria como marco originário a noção de que
todos deveriam de alguma maneira ser úteis à produção. Passa-se a cobrar o trabalho e a
perseguir qualquer postura considerada como vadia. Para aqueles postos à margem diante de
tal classificação, uma possibilidade começa a ser aventada cada vez com mais intensidade: o
encarceramento em edifícios para tal finalidade construídos ou reformados. Seu alvo
55
preferencial? Velhos e crianças abandonadas, mendicantes, aleijados, portadores de doenças
venéreas, órfãos e loucos.
Esses estabelecimentos funcionavam como depósitos humanos sem qualquer
preocupação com uma futura reintegração desses indivíduos à sociedade, não se valendo,
portanto, de nenhuma prática terapêutica ou pedagógica (Silva Filho, 1987). Predominou
durante cerca de dois séculos aquilo que Foucault chamou de “Grande Internação”. Em toda a
França, por exemplo, foram criados inúmeros Hospitais Gerais que, apesar do que o nome
poderia indicar, não se constituíam em estabelecimentos médicos, mas apresentavam de fato
“uma estrutura semijurídica, uma espécie de entidade administrativa que, ao lado dos poderes
constituídos, e além dos tribunais, decide, julga e executa” (FOUCAULT, 2002, p.50). Este
tipo de instituição logo adquiriu amplitudes maiores, espalhando-se por toda a Europa num
verdadeiro pente fino sobre todos aqueles que compunham, segundo a visão da época, a
escória da sociedade. Ainda de acordo com FOUCAULT (2002, p.78-83), esse é:
[...] o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da
incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo, o
momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade.
O internamento aproximou, num campo unitário, personagens e valores entre os
quais as culturas anteriores não tinham percebido nenhuma semelhança.
Imperceptivelmente, estabeleceu uma gradação entre eles na direção da loucura,
preparando uma experiência - a nossa - onde se farão notar como já integrados ao
domínio pertencente à alienação mental.
Apesar das diferentes situações, todos acabavam sendo igualados pela não
adaptação aos padrões de comportamento vigentes, aos critérios de produtividade e inserção
social. O louco, considerado um ser no qual a razão fora abolida, era até mesmo visto sob um
estigma de animalidade. Uma desumanização que se refletia nos destinos que lhes eram
dados: correntes de ferro, grilhões e grades (RESENDE, 2000).
56
A partir de fins do século XVIII uma mudança começou a ser operada. A
assistência aos pobres foi revestida agora de um outro tipo de pensamento. O internamento
passou a ser visto como um reforçador da miséria, influindo na sua proliferação. Houve então
um redirecionamento no que diz respeito ao destino a ser dado àqueles considerados
incapazes. Ao invés de enfiá-los indefinidamente em instituições que de fato não passavam de
prisões, intentava-se agora “recuperá-los”, entendendo-se isto como tentativas de transformálos em mão de obra a ser absorvida pelo processo de industrialização em pleno curso. Via-se
como desperdício muito maior o fato de ter de sustentá-los enquanto precisava-se de braços
(SILVA FILHO, 1987). Desse modo, e sob essas condições, é que aqueles indivíduos foram
postos em liberdade.
E aí temos, em Paris no ano de 1793, a nomeação de Philippe Pinel na
administração do Hospital de Bicêtre. A partir desse instante, todo aquele espaço que outrora
estivera marcado por uma intensa confusão que reunia pessoas encarceradas pelos mais
diferentes motivos, seria ocupado unicamente pela loucura, consolidado o seu caráter de
doença, marcada por toda uma singularidade: não se tratava de qualquer enfermidade, mas
sim doença mental. Uma doença “adjetivada, portanto específica, que requer um saber médico
específico, técnicas e métodos também específicos” (SILVA FILHO, 1987, p.86). A partir da
atuação de Pinel e de seus seguidores, o louco passaria a ser encarado como um doente que
poderia ser resgatado a sua condição de cidadão.
O passo essencial está dado: o internamento recebeu sua carta de nobreza médica,
tornou-se lugar de cura, não mais o lugar onde a loucura espreitava e se conservava
obscuramente até a morte, mas o lugar onde, por uma espécie de mecanismo
autóctone, se supõe que ela acabe por suprimir a si mesma (FOUCAULT, 2002,
p.433).
Os instrumentos que foram então postos em prática eram determinados
diretamente pelas explicações dominantes em relação às possíveis etiologias (causas) da
57
loucura. Vigorou até princípios do século XIX, tendo como principais representantes Pinel e
seus seguidores, uma concepção de loucura que a identificava a desequilíbrios, a distorções na
natureza do homem que deveriam ser corrigidas. Esses desvios teriam como origem exageros,
falhas de comportamento, excesso nas paixões e nos sentimentos, desregramentos de
costumes. Em suma, a loucura era um problema ligado principalmente a fissuras na estrutura
moral e comportamental do indivíduo.
Assim, nesse primeiro momento, recomendava-se aquilo que ficou conhecido
como tratamento moral, cujos objetivos seriam principalmente corrigir os hábitos que
estariam contribuindo para a alienação. Como salienta PESSOTI (1996, p.99), a pretensão era
“enquadrar o comportamento desviante dentro de padrões éticos”, deixando visível que tais
padrões seriam, necessariamente, “outros que os das classes sociais inferiores ou incultas”.
Para tamanho empreendimento considerava-se que a cura estava diretamente
ligada a uma minuciosa observação do paciente, a um acompanhamento detalhado de todas as
suas atitudes e de suas variações de comportamento. É aí que entra o manicômio como
instrumento essencial nesse processo: sem interferências externas, sem distrações que
atrapalhem o “cara-a-cara” entre observador e observado. Um local que preparado para
atender às necessidades prescritas pelo médico, se transformaria no ambiente ideal para a
cura, quando esta fosse possível, ou para o recolhimento definitivo daqueles diagnosticados
como incuráveis (PESSOTI, 1996).
Para esses alienistas o principal era valer-se de estratégias que reeducassem os
pacientes, que exterminassem suas idéias equivocadas e seus vícios. Desse modo, apesar de
existente, o recurso a drogas e medicamentos ficava em segundo plano. A extinção de
algemas e correntes, fato que se tornou emblemático na história da Psiquiatria, representava
para os primeiros alienistas a necessidade de fazer com que os loucos tivessem liberdade de
movimento e locomoção dentro dos manicômios, e assim pudessem exprimir os sintomas de
58
sua loucura, que seriam então observados e analisados pelos médicos. O que não significa
que, naquelas situações de maior agitação, não se utilizassem outros instrumentos de
contenção, como a camisa de força (PESSOTI, 1996). Assistiu-se então a uma proliferação
desse tipo de estabelecimento, cuja intensidade foi tamanha no século XIX que PESSOTI a
ele se referiu como sendo “o século dos manicômios” (ver Anexo na página 70).
Ilustração 2 - Representação emblemática do significado conferido ao longo dos séculos à figura de Pinel:
o homem que libertou os loucos de algemas e grilhões.
Entretanto, se para muitos a atitude de Pinel deve ser encarada como o advento de
um tratamento mais humanitário, para outros houve apenas a inauguração de uma nova
modalidade de aprisionamento, cheia de preconceitos e de uma moralidade excludente e
impositiva:
Vigilância e julgamento: já se esboça uma nova personagem que será essencial no
asilo do século XIX [...] Algo acaba de nascer que não é mais repressão, porém
autoridade. Até o final do século XIX, o mundo dos loucos estivera povoado apenas
pelo poder absoluto e sem rosto que os mantinha encerrados; e nesses limites estava
vazio de tudo o que não era a própria loucura; os guardiães eram freqüentemente
recrutados entre os próprios doentes [...] O espaço reservado pela sociedade à
59
alienação vai ser doravante assombrado pelos que estão “do outro lado”, e que
representam ao mesmo tempo os prestígios da autoridade que interna e o rigor da
razão que julga... a derrota do desatino está antecipadamente inscrita na situação
concreta em que se defrontam o louco e o não louco. A ausência da coação nos
asilos do século XIX não é desatino libertado, mas loucura há muito dominada”
(FOUCAULT, 2002, p.482-483).
Com o tempo, aquele tipo de instituição preconizada pelos primeiros alienistas foi
se desvirtuando de sua concepção original. Em parte devido a uma série de inadequações
relativas aos modos de se lidar com os internos. Houve cada vez mais uma espécie de
naturalização das táticas repressivas, sendo frequentes os abusos. Se antes esses métodos mais
duros estavam a serviço da correção dos vícios e dos erros de comportamentos, num segundo
momento não passavam de meios para assegurar a disciplina dentro da instituição, “recursos
que agora visavam ao bem da instituição e de quem a controlava; não mais ou não
necessariamente, ao bem do paciente alienado” (PESSOTI, 1999, p.141-142).
Outro fator que determinou uma mudança no caráter dos manicômios e
principalmente nas formas de tratamento dispensadas foi a penetração cada vez mais intensa
da interpretação organicista da loucura. Se anteriormente predominou a idéia segundo a qual a
loucura era essencialmente uma afecção das paixões, um desvio de comportamentos e hábitos,
a partir de meados do século XIX dava-se muito maior crédito às explicações que situavam o
louco como alguém sofredor de uma lesão orgânica, localizada na maioria das vezes no
encéfalo.
Tal mudança na orientação teórica não deixaria de ter seus reflexos nos
mecanismos de cura aplicados no interior dos estabelecimentos psiquiátricos. A ação não
deveria mais se concentrar na correção dos costumes, mas sobre a região do corpo lesionada.
Logo, pouco importava as instalações físicas oferecidas pelos manicômios, bem como as
posturas e as constantes observações do olhar médico.
60
[...] para o médico que acredita na eficácia curativa de uma determinada droga, cuja
ação se deve exercer sobre o encéfalo, independentemente de qualquer participação
do paciente, sem qualquer relação com seus estados afetivos, a atuação médica
pode esgotar-se na mera prescrição de um determinado fármaco. Mesmo à revelia
do paciente. A ação terapêutica não é do médico: é do fármaco. O remédio precisa
estar presente. Não o médico (PESSOTI, 1996, p.172-173).
O tratamento físico é então aplicado à larga. Não que tenha sido uma invenção do
organicismo. Banhos, dietas e medicamentos também foram utilizados pelos chamados
“moralistas”. O que muda é a intensidade. Às camisas de força acrescentam-se objetos como a
máscara de Autenricht, de couro rígido e utilizada para sufocar os gritos dos mais agitados, ou
idéias como a das “doenças contrárias”, que pregava o tratamento da loucura através da
aplicação de outras afecções físicas, acreditando-se impor assim ao louco a necessidade de
manter-se consciente quanto a realidade a sua volta (PESSOTI, 1996).
No Brasil, o primeiro local destinado a receber exclusivamente as pessoas
portadoras de alguma enfermidade mental foi o Hospício de Pedro II, criado pelo decreto no
82, de 18/07/1841, e inaugurado em 05/12/1852, com a pretensão de abrigar os “alienados de
ambos os sexos de todo o Império, sem distinção de condição, naturalidade e religião”
(ENGEL, 2001, p.205). Localizado em uma região distante do centro do Rio de Janeiro, mais
precisamente na Praia Vermelha, pretendia-se pôr fim ao vaguear dos loucos pelos espaços
públicos da cidade, bem como dar início a um tipo de assistência diferente em relação a que
era então praticada no interior da Santa Casa de Misericórdia, instituição responsável pelo
atendimento desses casos17.
17
Inicialmente a capacidade do Hospício Pedro II era de 350 pacientes. Ao abrir, recebeu de imediato 144
doentes, atingindo a lotação completa pouco mais de um ano depois (RESENDE, 2000).
61
Além da defesa de um espaço específico e, portanto, mais organizado,
argumentava-se da necessidade de um tratamento mais humanizado que evitasse a prática de
expor os loucos como verdadeiros espetáculos ao divertimento público, conseqüência de uma
falta de separação entre o ambiente interno do hospital e o mundo exterior a ele. Assim é que
a criação do hospício obedeceu a uma espécie de “banimento dos limites urbanos” (ENGEL,
2001, p.194). Arquitetonicamente o edifício se apresentava
[...] disposto em um grande retângulo, compreendendo quatro grandes pátios
internos, separados pelo corpo central da construção, garantindo-se assim o
distanciamento entre as alas masculinas e femininas do asilo. A existência de
apenas uma entrada – localizada no bloco central – concretizava a perspectiva de
isolar o mundo do asilo do mundo exterior, reforçada por sua localização num sítio
relativamente afastado (ENGEL, 2001, p.203).
Confiava-se que tal lugar abriria a possibilidade de um processo de medicalização
da loucura, em que seus pacientes estariam sob o olhar, a vigilância e a competência dos
médicos, impedindo a interferência de outros poderes, considerados despreparados e
ineficazes para agir neste tipo de situação. A intenção era anular o máximo possível, após o
ato da internação, influências como familiares e instâncias policiais e jurídicas. Durante
décadas esse foi um anseio que ficou sem uma resposta completamente satisfatória, já que
pelo menos até o início do período republicano o Hospício de Pedro II esteve sob a
administração direta da Santa Casa, apesar de ser um prédio à parte (ENGEL, 2001).
Os médicos constituíam um entre vários poderes que eram exercidos dentro do
hospício, e pode-se dizer que com bastante freqüência estiveram longe de ser o mais forte,
ocupando um papel até mesmo secundário se comparado ao desempenhado pelas irmãs de
caridade ou pelos enfermeiros, cuja presença se mostrava muito mais habitual (RESENDE,
2000). O projeto de medicalização se via muito enfraquecido, impedido também pela falta da
produção de um saber a partir da vivência nas dependências do hospício.
62
Os alvos que se tinham em mente eram aqueles indivíduos cuja liberdade, segundo
o discurso médico, representava um grande perigo a toda a sociedade. Segundo ENGEL
(2001), as pessoas com maiores condições materiais, quando possuíam na família alguém
considerado louco, providenciavam geralmente um espaço separado em suas próprias
residências. Logo, aqueles aos quais se pretendia internar pertenciam às camadas mais pobres
da população da Corte18, eram aqueles vistos como “completamente sós e abandonados que
sobreviviam mediante atividades consideradas inúteis ao progresso da sociedade”, e cuja
única saída possível seria o recolhimento no hospício “para preservar aqueles que, em
oposição, fariam falta não apenas às suas famílias, mas à própria sociedade” (ENGEL, 2001,
p.197). Como ressalta RESENDE (2000, p.39):
Remover, excluir, abrigar, alimentar, vestir, tratar. O peso relativo de cada um
desses verbos na ideologia da nascente instituição psiquiátrica brasileira pendeu
francamente para os dois primeiros da lista, os demais não entrando nem mesmo
para legitimá-los. A função exclusivamente segregadora do hospital psiquiátrico
nos seus primeiros quarenta anos de existência aparece, pois, na prática, sem véus
ou disfarces de qualquer natureza.
Internamente procurava-se aplicar no Hospício de Pedro II um sistema marcado
por inúmeras divisões, como a separação entre os sexos e a diferenciação entre pacientes
internados gratuitamente e aqueles que eram pensionistas (1 a, 2a e 3a classes). Contudo,
mesmo utilizando tais classificações, persistiam problemas relacionados à intensa convivência
entre internos que apresentavam as mais variadas modalidades de loucura, isso quando não
havia a reclamação de que pessoas totalmente alheias ao hospício circulavam em suas
dependências (ENGEL, 2001).
18
CARNEIRO (1993), analisando o Asilo de Alienados São João de Deus, na Bahia, constata o fato de que a
maior parte dos internos era negro, mulato ou pardo, tendo sido encontrados vivendo em grande estado de
mendicidade.
63
Confusão que também se fazia presente nas técnicas empregadas no tratamento das
enfermidades, quando se apresentava como muito tênue a demarcação entre instrumentos
terapêuticos e aquilo que poderia ser considerado simplesmente como um meio de repressão e
violência, a exemplo da “hidroterapia ou balneoterapia” - que poderia incluir os mais diversos
“tipos de banho, quentes ou frios, de imersão ou sob a forma de fortes duchas” - e da
eletroterapia. Substâncias farmacológicas, aplicação de sangrias, através de sanguessugas ou
de ventosas, e vesicatórios eram recursos disponíveis dentro do Hospício Pedro II. A esses se
somavam também a “distração e a educação do corpo e da mente por intermédio da música,
dos passeios e exercícios ao ar livre, da leitura etc” (ENGEL, 2001, p.310). Mesclavam-se
assim meios terapêuticos característicos tanto da concepção organicista da loucura, quanto da
interpretação mentalista divulgada por Pinel.
No Brasil, essas duas noções combinavam-se em uma mesma experiência, “em
que a exclusão do ‘louco’ deveria ser compartilhada com a prevenção social da loucura”
(ANTUNES, 1998, p.45). Uma alternativa bastante utilizada foi a recorrência a atividades
físicas, que teriam alcançado a preferência dos médicos e administradores se comparadas às
atividades intelectuais, pelo menos no tratamento daqueles pacientes menos afortunados
financeiramente, os quais eram postos para desempenhar alguns trabalhos que beneficiavam a
própria instituição: seja produzindo algo para consumo no próprio hospício, ou vendendo
parte do fruto desse trabalho, cujos rendimentos ajudavam nas despesas cotidianas. Nesse
ponto, considerando a inserção de toda prática psiquiátrica em um contexto social, vê-se aí a
distinção do normal e do patológico assimilando os mesmos valores da sociedade, havendo de
certo modo o empenho em “devolver à comunidade indivíduos tratados e curados, aptos para
o trabalho”, passando este a ser “ao mesmo tempo meio e fim do tratamento” (RESENDE,
2000, p.47).
64
Apesar da grande louvação com a qual fora recebido, o Hospício de Pedro II não
deixava de demonstrar suas intensas limitações naquela que sempre foi a sua maior ambição:
a realização de um espaço efetivamente medicalizado para a loucura. Durante os primeiros
quarenta anos de sua existência abundaram as críticas quanto ao trabalho que ali estava sendo
desenvolvido. Reclamações que tinham como origem não somente o ambiente extra-muro,
mas que partiam mesmo daqueles que tomavam parte de sua administração, principalmente os
médicos, insatisfeitos com as restrições com as quais tinham que se deparar nos corredores do
hospital, às vezes sem autonomia para definir internações, permanências e tratamentos a
serem aplicados (ENGEL, 2001).
Com o início do regime republicano, algumas modificações começaram a ser
operadas no âmbito da assistência à doença mental.
Pode-se estabelecer grosseiramente o período imediatamente posterior à
proclamação da República como o marco divisório entre a psiquiatria empírica do
vice-reinado e a psiquiatria científica, a laicização do asilo, a ascensão dos
representantes da classe médica ao controle das instituições e ao papel de portavozes legítimos do Estado, que avocara a si a atribuição da assistência ao doente
mental [...] (RESENDE, 2000, p.43).
Algumas amostras da maior sensibilidade do Estado em relação às reclamações do
discurso psiquiátrico podem ser verificadas em medidas como a separação do Hospício de
Pedro II (a partir de então Hospício Nacional de Alienados), da administração da Santa Casa
de Misericórdia (11/02/1890) e a criação da Assistência Médica e Legal de Alienados
(15/02/1890), composta pelo Hospício Nacional e mais as colônias de São Bento e Conde de
Mesquita (ENGEL, 2001).
Os ventos da República teriam soprado com mais força, arrastando um número
maior de pessoas às portas do mundo do hospício, quando os psiquiatras estariam munidos da
crença de que, ligado ao crescimento da população urbana, haveria necessariamente e em
65
igual proporção - ou até em proporções maiores – a elevação do número de doentes mentais.
Teria-se assistido a uma espécie de alargamento dos limites da anormalidade. ENGEL (2001,
p.279) cita inclusive o caso em que na categoria de doentes mentais poderiam ser colocados
militantes de movimentos contestatórios à ordem estabelecida:
[...] o Dr. Fernandes faria questão de frisar que o “tipo de louco moral no momento
presente é o anarquista, que corresponde a um estado definitivo da loucura,
nascendo da luta social, da desarmonia entre o capital e o trabalho”.
Entretanto, mesmo com o aumento dos poderes médicos dentro do hospício, esse
continuaria a ser alvo de duras críticas e insatisfações. As reformas que foram operadas em
sua estrutura e administração, qualificadas muitas vezes como emblemáticas “de modernidade
e de progresso” e guiadas “pelos mais avançados padrões e valores burgueses de civilização e
de civilidade”, não passaram freqüentemente de uma carta de intenções, ou quando muito
foram só parcialmente postas em prática (ENGEL, 2001, p.320). Causas para tais limitações
são apontadas na superlotação e na insuficiência, numérica e qualitativa, dos profissionais
responsáveis pelas atividades do hospício. A figura do enfermeiro não raramente se constituía
de “um agente intermediário entre o guarda e o médico”, executando os meios repressivos
prescritos por este último (BELMONTE, 1998, p.85). Isso quando não agia por iniciativa
própria, respaldado pela certeza da distância de um olhar vigilante e punitivo.
No Hospício Nacional de Alienados continuariam a existir aqueles instrumentos
que primavam pela utilização da violência física, pela agressão ao corpo, de fácil aplicação e
efeito, ao menos se considerarmos a conveniência de manter-se submissos aqueles alienados
vistos como impertinentes em seus delírios, teimosos na permanência de sua loucura. O
discurso presente nos primeiros anos do regime republicano, direcionado à assistência
psiquiátrica, parece não ter passado mesmo disso. Palavras logo esquecidas e ignoradas,
condizentes ao tratamento que sempre fora destinado aos chamados alienados. Comparando a
66
esse respeito os dois regimes, Monarquia e República, reproduzimos mais uma vez as
palavras de ENGEL (2001, p.328), quando afirma que se as idéias eram muito parecidas, a
prática de modo mais profundo foi essencialmente a mesma, pois “a exclusão reinava absoluta
sobre qualquer objetivo de recuperação e/ou de reintegração”.
4.2 QUANDO A HORA JÁ NÃO PARECIA TÃO BOA
É nesse contexto que deve ser entendida a preocupação em se levar a cabo a
criação de um hospício também no Maranhão. As justificativas locais eram muito similares
àquelas encontradas no caso do Rio de Janeiro.
Quanto ao projeto a ser finalizado na quinta Boa Hora, não tardaram a aparecer os
primeiros problemas envolvendo a carência de recursos considerados necessários ao bom
andamento das obras. Os gastos com a construção do hospício se transformaram às vezes em
objeto de vasta discussão entre os administradores da Irmandade da Misericórdia.
O Mordomo dos Hospitais, Manoel Godinho, chegou a propor que ao engenheiro
Candido S. Barbosa, que estava à frente dos trabalhos, fosse concedida uma “gratificação
mensal”. Julgou razoável o valor de duzentos mil réis (200:000). Os mesários, entretanto,
justificando-se com o argumento de que a Irmandade deveria fazer economias com as obras,
determinaram que aquela quantia fosse reduzida pela metade. Não foi preciso esperar muito
pela resposta: três dias se passaram quando o Provedor, convocando extraordinariamente uma
sessão da Mesa, revelou que o engenheiro o procurara, considerando a última proposta
incondizente com os seus serviços, “em vista do que se paga a qualquer operário”. A
comissão responsável pela construção do hospício foi convocada para mediar um acordo, no
qual a Irmandade obrigava-se, conforme suas posses, a dar a Candido Barbosa uma
compensação. De nada adiantou. Em 1o de Agosto de 1882, menos de uma semana após ser
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lavrada a escritura de compra da quinta, o engenheiro despediu-se19. Atitude que foi semanas
depois acompanhada pela dissolução da própria comissão. Godinho, que pelo cargo que
ocupava sempre se mostrou o mais presente, assumiu inteiramente a direção do projeto, ainda
afirmando que “em pouco tempo se poderia fazer a inauguração d’aquele estabelecimento”
(Atas das sessões de 26/07/1882, pg.28; 29/07/1882, pg.30; 23/08/1882, pg.31). Ledo engano.
As restrições orçamentárias logo levaram a uma redução do número de
trabalhadores, “ficando alli apenas quatro pedreiros e sete serventes” (Ata da sessão de
23/08/1882, pg.31). Em comunicação destinada ao Presidente da Província, e Provedor da
Santa Casa da Misericórdia, Carlos Fernando Ribeiro, o Mordomo Godinho pede ajuda para
solucionar uma greve recém começada:
Não se tendo pago já quatro férias, com a que se venceu hontem, resolverão os
carpinas, pedreiros e serventes da obra do hospicio de alienados suspender o
trabalho ate serem pagos, ao menos da metade de seus jornais, visto como lhes
faltão os recursos necessarios para viver[...] (Mordomia dos Hospitais da Santa
Casa da Misericórdia do Maranhão, 01/08/1883).
Nesse mesmo ano, de acordo com algumas indicações das fontes pesquisadas
(sem, contudo, maior precisão quanto a exatidão da data), as obras foram paralisadas por falta
de recursos. Decisão da Mesa administrativa “ate que melhorassem as finanças da Irmandade”
(Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 31/01/1884).
A estratégia de contenção de gastos chegou a ponto de resolver-se pelo fim do
pagamento do feitor e servente da quinta Boa Hora, pois se considerava “que se pode
encontrarem-se pessoas que somente com moradia gratuita na casa e o rendimento das frutas
19
Candido Barbosa não se manteria totalmente desligado das obras do hospício. Ainda em Agosto de 1882
esteve preparando a planta e o orçamento, tarefa pela qual receberia RS 200.000, assim que os entregasse à
Irmandade. Ganharia também, do tesoureiro, uma gratificação correspondente à dívida que ele possuía relativa
ao aluguel da casa em que vivia. Em Janeiro de 1885 assumiu o cargo de Mordomo dos Edifícios (Atas das
sessões, 23/08/1882, pg.31; 07/01/1885, pg.76).
68
sujeitem-se a esse serviço” (Sessão administrativa de 15/04/1886, pg.97). Não sabemos se na
ocasião a proposta foi aceita pelo dito feitor, porém anos depois a idéia, pelo que parece,
continuava agradando, sendo acrescida de mais um item que pouparia as contas da Santa
Casa:
[...] que a quinta da Boa Hora ficasse sob a immediata inspecção do almoxarife,
podendo elle n’ella morar, e sendo n’este caso obrigado a fazer os reparos
indispensáveis a conservação[...] (Ata da sessão extraordinária, 09/03/1889,
pg.133).
Emblemático a este respeito é acompanhar as mudanças sofridas no discurso do
Mordomo Godinho à medida que o tempo foi passando e as dificuldades se acumulando. Se
num primeiro momento a inauguração do hospício seria um acontecimento para logo,
posteriormente a construção se daria “pouco a pouco”, até que restou por fim um quase
desabafo, uma espécie de apelo aos céus ou à Providência: “seja-me permettido dizer que não
perdi ainda, antes tenho toda a esperança de ver concluido esse edificio...” (Mordomia dos
Alienados e Morféticos a cargo da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 20/02/1887).
A primeira menção que encontramos relativa aos recursos a serem destinados à
construção do hospício data do dia 11 de Maio de 1882, quando foi criada a Lei Provincial no
1259, sancionada pelo então Presidente da Província José Manoel de Freitas. No seu Art. 1.o
estabeleceu-se que:
Ficam concedidas nove loterias de trinta contos de reis cada uma, conforme o plano
approvado pelo presidente da provincia, sendo tres em beneficio da Santa Casa da
Misericórdia d’esta provincia, tres para a acquisição de um novo asylo para os
lazaros, e tres para um hospital destinado aos alienados (Collecção das Leis
Provinciais do Maranhão 1882 Maranhão-Typ. Da Pacotilha 1882).
Contudo, logo no mês seguinte, o Secretário da Santa Casa enviou uma
comunicação ao Presidente da Província pedindo que entregasse ao Tesoureiro daquela
69
instituição a quantia de seis contos de reis (6.000.000) correspondentes aos recursos que
seriam destinados à alimentação dos alienados durante o período de 1882-1883. Isso para que
se efetuasse o pagamento da quinta Boa Hora, “por não haver nos cofres da Irmandade a
quantia para isso precisa” (Ata da sessão de 30/06/1882, pg.7). Assim, diante de uma carência
de dinheiro, a alternativa escolhida foi tirar daqueles pelos quais se estava fazendo tamanha
benfeitoria. Os alienados davam, mesmo que forçosamente, a sua contrapartida.
No princípio das obras a confiança era reforçada pelas expectativas de que o
projeto não se constituiria em algo oneroso, utilizando-se como parâmetro o estabelecimento
análogo construído na Bahia. Inaugurado em 1874, o hospício S. João de Deus levou cerca de
cinco anos para ficar pronto, a um custo de pouco mais de trezentos contos de réis (304:069:
933). À parte a soma de 64:732: 000 que teria sido utilizada em apólices da divida publica,
“destinada ao patrimonio do hospicio, vê-se que aquelle estabelecimento importou em
239.337:933 reis”. Porém, a Santa Casa daquela Província teria gasto “apenas 149.814.203
reis”, ficando o restante por conta do Governo e de particulares (Mordomia dos Hospitais da
Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883). Contudo alertava-se para o fato de
que a congênere baiana tivera de recorrer a um empréstimo, e que tal estratégia não seria
aconselhável para a Santa Casa maranhense, “porque são escassos os rendimentos de que
dispõe e mal chegam para... os seus encargos” (Relatório apresentado pelo Presidente da
Província à Assembléia Legislativa do Maranhão, 20/05/1883).
Em Abril de 1883 viu-se no patrimônio da Irmandade da Misericórdia uma boa
oportunidade de arrecadação de fundos para levar a termo as obras do hospício. Tomou o
Mordomo dos Hospitais a seguinte iniciativa: que a Mesa administrativa requeresse o mais
rápido possível junto “ao Governo Imperial a permissão para applicar exclusivamente ao
edificio do hospicio dos alienados” tudo o que fosse amealhado na venda de umas casas
localizadas na rua da Paz. Lembrava-se, em tom compensatório, que se por um lado haveria
70
uma baixa nas posses da Irmandade, por outro incluiria ela em seu patrimônio “o novo
edificio, com todas as suas obras e appendices, isto é, toda a quinta” (Ata da sessão de
07/04/1883, pg.50). A medida foi aprovada, mas o saneamento das contas do almejado
hospício continuaria a ser uma espécie de tarefa de Sísifo: quanto mais se parecia estar perto
de um final feliz, mais persistente se mostrava o problema.
Segundo o orçamento feito pelos engenheiros Candido Barbosa e Manoel Jansen
Pereira, o Hospício de Alienados do Maranhão seria concluído pela quantia aproximada de
cinqüenta e um contos de réis (51:036: 620), incluindo aí todos as despesas com a compra,
mão de obra e materiais necessários (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia
do Maranhão, 27/03/1884).
As loterias concedidas para a construção do hospício, estipuladas pela Lei
Provincial no 1259, teriam deixado o benefício líquido de pouco mais de dez contos de reis
(10:685: 000), insuficientes para cobrir os gastos já feitos até Maio de 1883, que, segundo o
Presidente da Província José Manoel de Freitas, chegavam a 20:642: 122 réis. O mesmo,
dirigindo-se à Assembléia Legislativa, cobrava desta a “consignação de um credito
compativel com as rendas provinciaes para a coadjuvação d’aquelas obras”, além da
concessão anual de mais quatro loterias para os custos com a manutenção do hospício após
sua inauguração (Relatório apresentado pelo Presidente da Província à Assembléia
Legislativa, 20/05/1883).
Em Março de 1884, os gastos já realizados somavam a quantia de 39:115: 758 réis.
Nesse mesmo ano foi sancionada, pelo vice-presidente da Província, Barão de Grajaú, a Lei
Provincial no 1317, determinando que:
Art.1.o Ao hospício de alienados desta cidade são concedidas seis loterias do
mesmo valor das outras anteriores [...].
71
Art.2.o O beneficio resultante destas loterias será applicado à continuação das obras
do hospicio, e, si porventura restar ainda algum saldo, será destinado para
patrimonio do mesmo hospicio (Leis do Maranhão, 1884-1886).
No ano seguinte, a quantia com as despesas feitas nas obras atingiu a marca de
41:075: 973 réis, quando ainda algum entusiasmo traria a constatação de que “falta apenas
9:960: 647 reis” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão,
1885). Um “detalhe” que jamais se concretizaria.
Ao que parece um dos problemas enfrentados estava no fato de que as loterias nem
sempre rendiam o esperado, isso quando não chegavam sequer a ser extraídas. No documento
acima citado encontramos referência a uma interrupção de loterias destinadas ao hospício,
“por cauza da preferencia dada às loterias destinadas à libertação dos escravos, que estão
sendo promovidas, por alguns particulares”. Cerca de dois anos depois, a paralisação das
obras do hospício foi justificada pela interrupção da extração das loterias a esse fim destinado,
em benefício de outras que o documento pesquisado não especifica (Mordomia dos Alienados
e Morpheticos a cargo da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 20/01/1887).
Fora as loterias, uma outra fonte de aquisição de recursos para a Irmandade da
Misericórdia eram as doações de particulares. De acordo com MEIRELES (1994, p.285), após
um período de baixa neste tipo de atividade, na segunda metade do século XIX a Santa Casa
teria conseguido restabelecer “satisfatoriamente, no seio da comunidade, o bom conceito de
que antes sempre gozara”, o que teria contribuído para os “não poucos legados que voltaram a
ser-lhe deixados em testamento”.
Em 19 de Novembro de 1887 o Barão de Penalva, dirigindo-se ao Provedor da
Santa Casa, José Bento de Araujo, e representando um amigo que não desejava ter seu nome
revelado, ofereceu àquela instituição quatro apólices da dívida pública geral “de conto de reis
cada uma, para o patrimonio do Hospicio de alienados, que se acha em construção, com a
72
condição de ser inalienaveis”. Cinco meses depois, ainda por intermédio do Barão, o doador
anônimo ofereceu mais quatro apólices, “de cento de reis cada uma”, exigindo que fossem
respeitadas aquelas mesmas condições (Sessões administrativas, 22/12/1887, pg.120;
10/09/1888, pg.123).
Muito pouco conseguimos averiguar em relação às características físicas do
hospício, ou pelo menos aquilo que se pretendia realizar, tanto em termos arquitetônicos
quanto das modalidades de terapêutica que seriam implantadas. Já afirmamos em outra
ocasião que a escolha do local obedeceu ao critério de se construir estabelecimentos desse
tipo em lugares mais afastados das áreas de maior movimento. Nesse ponto, segundo o
Presidente da Província na época, João Capistrano Bandeira de Mello, o hospício estaria
localizado “em excellente quinta, convindo a conclusão da obra”, que seria guiada a partir dos
“preceitos aconselhados pela sciencia para estabelecimentos congeneres” (Sessão de
07/01/1885, pg. 76). De acordo com as fontes encontradas, a casa então existente na quinta
Boa Hora, quando da sua compra, era pequena, não se prestando, “pela divisão e número de
quartos, ao myster a que ia ser destinada”.
As reformas consistiriam inicialmente em aumentar a capacidade desta casa, que
contaria com “alojamentos isolados e separação para os sexos dos alienados” (Mordomia dos
Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883). Aqui se nota uma
semelhança em relação ao que já vinha sendo praticado em outras instituições do gênero,
como o Hospício Pedro II, visto anteriormente. O Hospício de Alienados do Maranhão
deveria contar com “céllulas para 20 doudos” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da
Misericórdia, 27/03/1884). Quanto aos materiais empregados nas obras, encontramos poucos
dados, referentes à compra de madeiras, figuras de gesso e pedras de cantaria (Atas das
sessões de 26/07/1888, pg.28; 25/11/1882, pg.40).
73
Agora, se o prazo de entrega sempre foi uma incógnita, ao menos uma coisa
parecia já estar definida, apesar de sua relevância para lá de discutível: é que o Mordomo
Godinho, num imenso rasgo de bajulação, encomendara na Europa, a seu próprio custo, um
retrato do então Presidente da Província, José Freitas, para colocá-lo “como prova de gratidão
na sala de honra do hospital de alienados, no dia em que for este inaugurado” (Mordomia dos
hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 04/06/1883). À parte essas
amenidades, com o passar do tempo marcaram presença as preocupações relativas ao estado
de conservação da quinta. A Mordomia dos Hospitais, quando do comando de Manoel da
Silva Sardinha, alertava para o fato de ter:
[...] cahido uma parte do muro da quinta dos alienados, sendo precizo fazerem-se os
concertos convenientes para evitar o ingresso de mal intencionados que ali vam
dannificar as arvores e rapinar materiais e outros objectos pertencentes a quinta e às
obras que ali se estam fasendo. Foi resolvido que, sendo impossivel erguer-se novo
muro na actual estação invernosa... ficava autorizado a mandar faser ali uma cerca
que vede toda a comunicação (Ata da Sessão administrativa em 1o de Abril de 1886,
pg.96).
Seis anos após esse ofício, um acontecimento praticamente idêntico veio a ocorrer:
devido às chuvas, parte dos muros da quinta Boa Hora estava desmoronando. Contudo a
solução sugerida simbolizava muito bem a mudança de pensamento operada nesse intervalo
de tempo. Considerou-se então que a providência “mais acertada” seria não mais os reparos, e
sim a venda da quinta (Ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da
Misericórdia, 19/04/1892, pg.64-65).
Na verdade, logo no início o projeto de construção do hospício mostrou não ser
uma unanimidade entre os membros da Irmandade da Misericórdia. A esse respeito temos o
depoimento de Antonio d’Almeida Braga, que mesmo reconhecendo os benefícios que seriam
prestados pelo estabelecimento, posicionou-se contrário a sua construção, alegando os
74
grandes gastos já feitos e aqueles que ainda se teriam que fazer. Mesmo assim propôs a
realização de um novo orçamento para a conclusão definitiva das obras (Ata da sessão de
15/08/1883, pg.57).
Essa posição mais ou menos conciliatória seria progressivamente abandonada. Em
Fevereiro de 1889 encontramos o primeiro registro de uma proposta de aluguel da quinta,
quando um indivíduo de nome Cyro de Moraes Rego ofereceu a quantia de vinte e cinco mil
réis mensais, “obrigando-se ainda a fazer os reparos precisos no referido predio, como sejam
assentar as janellas e a porta do corredor” (Ata da Segunda Sessão administrativa em
08/021889, pg.129). Em Março de 1890 decidiu-se aceitar a proposta de Luiz de Almeida
Parga, que oferecera cinqüenta mil réis por mês (50:000). O contrato previa que caso o
arrendatário desejasse entregar a quinta e desistir do aluguel, deveria avisar a Mesa da Santa
Casa com pelo menos sessenta dias de antecedência, e que esta teria que proceder do mesmo
modo caso precisasse reaver aquele terreno (Ata da Mesa administrativa da Santa Casa da
Misericórdia, 29/03/1890, pg.18). Entretanto, após reclamar do preço do aluguel, e alegando
motivos de força maior para mudar-se da quinta, Luiz Parga pediu dispensa da obrigação
acima referida (Ata da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 07/04/1891,
pg.40; 29/05/1891, pg.42).
Nesse mesmo ano chegaram duas propostas de compra, partindo de um só
interessado. A diretoria da Companhia de Fiação de Tecidos de Cânhamo, fábrica que estava
sendo construída ao lado da quinta Boa Hora, colocou assim as alternativas: ou o valor de
“dez contos de reis pelo sitio, casas, materiaes e tudo quanto ali se achar actualmente”; ou
então “oito contos de reis, podendo a Santa Casa retirar a sua custa os materiaes das casas
novas”. Não se entrou em um acordo, pois os representantes da Santa Casa queriam a quantia
de doze contos de réis, mais a faculdade de retirar os materiais das casas novas.
75
O que chama realmente a atenção é uma outra justificativa, dada pelo Mordomo
Marques Rodrigues, segundo o qual devido às “circumstancias lisongeiras em que se acha
hoje a Santa Casa, votava contra a venda da quinta” (Ata da sessão da Mesa administrativa da
Santa Casa da Misericórdia, 15/09/1891, pg.49). Mas se as finanças estavam indo tão bem,
por que então não dar continuidade ao projeto do Hospício de Alienados? Ou as contas não
estavam tão favoráveis assim ou o desejo de se construir um estabelecimento daquele tipo já
não despertava interesse e muito menos o discurso de urgência tão propalado nos primeiros
tempos. Ou então uma coisa estava diretamente ligada à outra. Esta parece ser a explicação
mais plausível. Ainda que algumas vozes levantassem dúvidas quanto à legalidade da venda
da quinta, afinal fora adquirida “com o fim especial” de se levantar um hospício para
alienados, “concedendo a Assemblea Provincial loterias p.a esse efeito”, a tônica passou a ser
considerar aquela idéia um imenso equívoco:
[...] a Santa Casa ficou empenhadíssima em querer erradamente levar a effeito a
construcção de um hospicio de alienados na quinta Bôa Hora, gastando a somma de
30 ou 40 e tantos contos... inclusive a quantia despendida com a compra da mesma
quinta e nada poude-se conseguir, ficando as obras paralisadas no pé em que as
vemos. Que, nem que pudesse hoje a Santa Casa, achava em seu humilde conceito
que não deviam ser concluidas essas obras, não só porque traria ainda muito
dispendio com o emprego de grandes capitaes, como tambem uma enorme despesa
de pessoal com a manutenção de um hospicio alli (Ata da sessão da Mesa
administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 21/10/1891, pg.50-51).
Em Agosto de 1892 chegou oficialmente ao fim o desejo de se construir um
hospital específico aos alienados. Aceitando a proposta da diretoria da Companhia de Fiação e
Tecelagem S. Luiz20, a Mesa da Santa Casa vendeu a quinta pelo valor de 20:511: 000 réis. O
20
Contando com um capital de 300 contos, foi inaugurada em Setembro de 1894, em um prédio que ocupava
45x39 de área. Possuía um motor de 120 cavalos, acionando 55 teares que produziam 320.000 metros de pano de
algodão. Empregava cerca de 55 operários (VIVEIROS, 1992).
76
Mordomo Marques Rodrigues ainda sugeriu que todo o produto arrecadado com a venda fosse
empregado em um hospício de alienados, o que foi prontamente negado pelos demais
membros (Ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia,
31/08/1892, pg.77-78).
Entretanto, como já era de praxe, até o final a quinta foi motivadora de alguns
problemas, desta vez relacionados ao processo de transferência do terreno, mais
especificamente a alguns débitos que estariam pendentes. Em conseqüência disto, passados
dois meses após a compra, a Companhia de Fiação ainda não havia pago a quantia
determinada. Seu tesoureiro justificou-se dizendo que entregaria toda ou ao menos parte da
importância “desde que lhe desse o Procurador Geral um recibo provisorio, em quanto não se
pudesse passar as escripturas” (Ata da sessão da Mesa administrativa da Santa Casa da
Misericórdia, 21/10/1892, pg.82).
Apesar de todas as turbulências, a quinta Boa Hora parecia mesmo fazer parte do
passado. A Irmandade da Misericórdia buscou para a questão dos alienados uma solução
caseira, expressa primeiramente em uma declaração de Outubro de 1891:
Que é de muito mais vantagem a construcção de um raio destinado n’este proprio
edificio em que estamos, que tem capacidade para esse fim, sem grandes
dispendios, trazendo alem disso o grande proveito de ser fiscalisado e dirigido pelas
irmãs de caridade e pessoal aqui empregado (Ata da sessão da Mesa administrativa
da Santa Casa da Misericórdia, 21/10/1891, pg.51).
É curioso notar a discordância entre as medidas aqui aplicadas e aquelas
preponderantes em outras partes do território brasileiro. Vimos em um momento anterior que
com a Proclamação da República houve uma tendência em retirar das Santas Casas de
Misericórdia o controle de instituições destinadas ao abrigo dos loucos, bem como anular a
77
influência que as irmãs de caridade possuíam nesses casos. Tudo isso de acordo com a
separação entre Estado e Igreja, implementada pelo regime republicano.
Em São Luís parece ter ocorrido justamente o contrário: a Santa Casa continuaria a
ter a responsabilidade sobre os indivíduos portadores de alienação, e os cuidados seriam
dispensados muito mais sob critérios caritativos, e não médicos. Somos levados a crer que isto
se deve em grande parte ao fato de que a Psiquiatria, como especialidade médica, não era uma
realidade no Maranhão, impossibilitando qualquer discurso efetivamente forte que
pretendesse para si a legitimidade de ação sobre a loucura.
Na planta elaborada pelo engenheiro Fabio Hostillio de Moraes Rego, ficou
acertado que o apêndice a ser construído na Santa Casa contaria com “28 cubículos, sendo 14
para homens e 14 para mulheres”, resolvendo-se ainda que seriam “promptificados logo o
andar terreo e o superior com os alojamentos necessarios, e por partes, segundo as forças da
Santa Casa” (Ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia,
08/08/1892, pg.75; 31/08/1892, pg.77-78). O certo é que um espaço voltado exclusivamente
ao tratamento (ou seria melhor reclusão, confinamento?) dos chamados alienados só foi de
fato inaugurado no início dos anos 40 já do século XX, com a criação da Colônia de
Psicopatas Nina Rodrigues, “no então subúrbio do Areal”, onde atualmente está o bairro do
Monte Castelo (MEIRELES, 1994, p.289).
Malogrado o projeto de construção de um hospital destinado exclusivamente aos
alienados, caberiam ainda pequenas considerações sobre a natureza e motivações que teriam
engendrado tal iniciativa. Pensamos que seria de todo precipitado e até mesmo maniqueísta
que se ficasse com a idéia final de associar a defesa de tal estabelecimento como ligada única
e exclusivamente a uma tentativa de perseguição e ocultamento daqueles indivíduos.
Estaríamos procedendo de maneira inquisitorial, desconsiderando discursos que poderiam
78
realmente ser movidos por uma preocupação em relação aos destinos até então dados, em que
predominava a insalubridade e a falta de cuidados.
Por um outro lado, boas intenções nem sempre são acompanhadas por medidas
efetivamente benéficas. Privar pessoas de sua liberdade, encerrá-las em um local distante e
isolado, com internações que poderiam ser determinadas freqüentemente por uma autoridade
policial, guiada por questões como manutenção da ordem e suscetível a reivindicações que
primavam muito mais por uma comodidade imediata e pessoal do que com a qualidade de
existência do outro, são atitudes seguramente discutíveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da defesa de um tratamento mais cuidadoso aos chamados alienados, pelo
menos no nível de alguns discursos, essa questão no Maranhão, nas últimas décadas do século
XIX, se constituía na prática menos enfática no âmbito da saúde do que no recolhimento de
indivíduos encarados como transgressores da ordem. Freqüentemente fazia-se o possível para
dar a eles uma espécie de inexistência, para que sumissem e poupassem a todos da inutilidade
que representariam.
Vimos que diante de uma situação considerada insustentável, a presença dos ditos
alienados nas vias públicas da cidade, não se hesitava em encarcerá-los nas celas das cadeias,
juntamente com indivíduos presos como criminosos. A loucura assumia um caráter de
desrespeito e quebra das normas sociais.
A Santa Casa de Misericórdia, que teoricamente deveria se constituir num espaço
destinado a tratar da loucura, concebida já na época como doença mental, voltava-se muito
mais a uma função de mera reclusão, talvez mais insalubre que as próprias cadeias, se
levarmos em conta as inúmeras reclamações, casos de agressão e até mesmo assassinatos.
79
Cogitou-se na construção de um local reservado exclusivamente para abrigar as
pessoas classificadas como alienadas. As obras foram iniciadas sob intensa expectativa, que
se desvaneceu diante das dificuldades financeiras. É possível que tal projeto, se finalizado,
não representasse uma alteração radical na maneira de ver e tratar a loucura, porém sua
inconclusão contribuiu para a permanência das mesmas estratégias então praticadas.
O fim do Império e o início do regime republicano não operaram praticamente
mudança alguma naquela realidade. Ou melhor, o que houve foi uma espécie de retração na
tentativa de organização de um espaço para os alienados. Se isso não se constituiria em
garantia de um tratamento imune a despreparos e precariedades, seria algo que poderia ao
menos restringir e combater a confusão reinante na Santa Casa de Misericórdia e nas cadeias
públicas.
Na verdade, até hoje a natureza dos tratamentos e instituições psiquiátricas são
alvos de intensos debates e controvérsias. Se por um lado são encontradas iniciativas
direcionadas à inserção e socialização dos pacientes, por outro ainda são comuns as denúncias
aos métodos de internação, que às vezes parecem se aproximar muito mais de detenções e
meros aprisionamentos.
80
ANEXO
SEQUÊNCIA HISTÓRICA DO SURGIMENTO DE LOCAIS PARA INTERNAMENTO
DE DOENTES MENTAIS NOS VÁRIOS PONTOS DO TERRITÓRIO NACIONAL
ANO
1841
CIDADE
Rio de Janeiro
INSTITUIÇÃO
Asilo Provisório (em casa situada no terreno onde se
construía o Hospício de Pedro II).
1852
São Paulo
Rio de Janeiro
Hospício Provisório de Alienados
Hospício de Pedro II
1860
Rio de Janeiro
Casa de saúde Dr. Eiras
1864
São Paulo
Olinda-Recife
Hospício de Alienados (Ladeira de Tabatinguera)
Hospício da Visitação de Santa Isabel
1865
Belém
Enfermaria do Hospital de Caridade
1873
Belém
Hospício de Alienados (Vizinhança do Hospital dos
Lázaros)
1874
Salvador
Asilo de S. João de Deus
1875
Paraíba
Enfermaria do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
1878
1883
Niterói
Recife
Enfermaria do Hospital de São João Batista
Hospício de Alienados (Tamarineira)
1884
Porto Alegre
1886
Fortaleza
Hospício S. Pedro
Asilo de Alienados de S. Vicente de Paula (Porangaba)
81
1890
Rio de Janeiro
Colônias S. Bento e Conde Mesquita (Ilha do
Governador)
1891
Maceió
Asilo Santa Leopoldina
1892
Belém
Hospício de Alienados (Marco da Légua)
1893
Paraíba
Asilo do Hospital Santa Ana (Cruz do Peixe)
1894
Manaus
Hospício Eduardo Ribeiro
1895
Sorocaba (SP)
Hospício de Alienados
1898
São Paulo
Hospício do Juqueri
Lista compilada por Tácito Medeiros e reproduzida por RESENDE (2000, p.48-49).
FONTES CONSULTADAS
•
Almoxarifado dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia, 1883. Arquivo Público do
Estado do Maranhão (APEM).
•
Coleção das Leis Provinciais do Maranhão, 1882. Maranhão - TYP. DA PACOTILHA
- 1882. Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL).
•
Coleção de Leis e Resoluções Municipais, 1892-1909. Organizado por Augusto Porto.
BPBL.
•
Fala que o Exm.o Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, Presidente da
Província, dirigiu à Assembléia Legislativa Provincial por ocasião da instalação da 2a
sessão da 25 a Legislatura em 24/02/1885 (Impressa). APEM.
•
Jornais:
-Publicador Maranhense - 04, 05 e 25 de Setembro de 1883. BPBL.
-Pacotilha - 03, 04, 06, 07, 08, 09, 10 e 11 de Junho de 1892; 02 e 03 de Janeiro de
1900. BPBL.
•
Leis do Maranhão, 1884-1886. BPBL.
82
•
Livro de Ata das sessões da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, 1881-1889, no
263. APEM.
•
Livro de Ata das sessões da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, 1889-1894, no
264. APEM.
•
Mordomia dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão - 1881, 1883,
1884, 1885, 1886, 1887. APEM.
•
Relatório apresentado pelo Exm.o Sr. José Manoel de Freitas, Presidente da Província
à Assembléia Legislativa Provincial do Maranhão, no dia 20/05/1883, por ocasião da
instalação de sua seção de abertura (Manuscrito). APEM.
•
Relatório do Presidente da Província do Maranhão, Sr. José Bento de Araújo, dirigido
à Assembléia Legislativa em 18/03/1887. APEM.
•
Secretaria de Polícia do Estado do Maranhão - 1893. APEM.
•
Secretaria de Polícia do Maranhão, 1880. APEM.
•
Secretaria da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão - 1882, 1883. APEM.
•
Subdelegacias:
-1o distrito da Capital - 1880, 1886.
-2o distrito da Capital - 1883.
-3o distrito da Capital - 1888.
-Cutim - 1885, 1887, 1888, 1897.
-Distrito de N.S. dos Remédios - 1895.
-Freguesia de Sam Joaquim do Bacanga - 1880, 1881, 1882.
-Povoação do Mocajutuba, 1885.
-Vinhaez - 1882.
•
Tesouraria da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, 1883. APEM.
83
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ILUSTRAÇÃO 1- Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, em 1899. Álbum
fotográfico Maranhão ilustrado (São Luís, Tip. Teixeira, 1899). Imagem reproduzida em
MORAES, Jomar. Guia de São Luís do Maranhão. 2a Edição Revista e Ampliada. Edições
Legenda, 1995. p.79.
ILUSTRAÇÃO 2- Pinel libérant les aliénés. Quadro de Tony Robert-Fleury,
1876. Imagem reproduzida em http://fr.encarta.msn.com/media.
84
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86
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Fabio Henrique Gonçalves Sousa