9 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA FABIO HENRIQUE GONÇALVES SOUSA UM MUNDO À PARTE OU APARTADOS DO MUNDO? São Luís e os alienados mentais em fins do século XIX São Luís 2005 10 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA FABIO HENRIQUE GONÇALVES SOUSA UM MUNDO À PARTE OU APARTADOS DO MUNDO? São Luís e os alienados mentais em fins do século XIX Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciado em História. Orientador: Profo Ms. Marcelo Cheche Galves. São Luís 2005 11 Sousa, Fabio Henrique Gonçalves Um mundo à parte ou apartados do mundo? São Luís e os alienados mentais em fins do século XIX/ Fabio Henrique Gonçalves Sousa.- São Luís, 2005. 74 f. : il. Monografia (Graduação em História)-Universidade Estadual do Maranhão, 2005. 1.Loucura 2. Internação 3.Hospício I. Título CDU: 94 (812.1) “18”: 616.895 12 FABIO HENRIQUE GONÇALVES SOUSA UM MUNDO À PARTE OU APARTADOS DO MUNDO? São Luís e os alienados mentais em fins do século XIX Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciado em História. Orientador: Profo Ms. Marcelo Cheche Galves. Aprovada em ___/___/___ BANCA EXAMINADORA _______________________________ Profo Ms. Marcelo Cheche Galves (Orientador) _______________________________ (1 o Examinador) _______________________________ (2 o Examinador) 13 AGRADECIMENTOS A minha mãe Lourdes, por... simplesmente tudo. Desde a idéia, discutível é verdade, de trazer à luz este rebento, até todo o apoio e concentração de esforços para que eu me tornasse uma pessoa melhor. Logo, ela não tem culpa se isso não deu certo. Ao professor Marcelo, pela orientação, cuja importância se refletia quase sempre que, após conferir as observações sugeridas, eu indagava comigo mesmo: “Mas como eu não vi isso?”. Aos professores que contribuíram e fizeram diferença na minha formação durante esses anos de Universidade. Aos funcionários do Arquivo Público (só os bons e gentis), e a todos os que direta ou indiretamente auxiliaram para este resultado final. Àqueles que, por qualquer motivo, venham a empregar um pouco de seu tempo lendo este trabalho. Se esqueci alguém... bem, isso quer dizer que não é importante o suficiente. À absoluta força do acaso, que promoveu o encontro com uma temática inusitada e até mesmo esquisita, levando em consideração as várias gargalhadas provocadas todas as vezes que eu revelava o objeto de minha pesquisa. Alguns, perversamente, indagavam se eu estava a escrever uma autobiografia. O interesse e a fascinação pelos loucos e pela loucura não me levaram a esse estado, possibilidade considerada nos momentos de inquietação que acompanham um trabalho deste feitio. Permanece, entretanto, a imensa curiosidade de saber como é tudo isso, o que se passa na mente dessas pessoas. Talvez nunca venha a saber de fato (assim o espero). 14 “Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos” (Erasmo de Roterdã, em Elogio da Loucura). “Não é confinando o vizinho que nos convencemos de nosso próprio bom senso” (Dostoiévski). 15 RESUMO No Maranhão, nas últimas décadas do século XIX, a questão da loucura era encarada freqüentemente como um problema social, inserido à conservação de uma ordem e de um padrão de comportamento. Designados como alienados, vários indivíduos eram vistos sob o aspecto de um ser perigoso, e sobretudo indesejado, cuja circulação e permanência nas ruas e espaços públicos representava uma vergonha e uma afronta ao bom convívio social. Apesar da existência de um discurso pelo oferecimento de um tratamento mais cuidadoso a essas pessoas, este ficava eclipsado pela prática corrente do recolhimento nas dependências das delegacias ou na confusão instalada na Santa Casa de Misericórdia. Palavras-chave: loucura-internação-hospício. 16 ABSTRACT In Maranhão, in last decennaries of the century XIX, the madness was seen currently like a social problem, inserted to the maintenance of a order and pattern of behavior. Called madmen, many individuals was seen under the aspect of a dangerous being, and above all unwanted, whose circulation and stay on streets and public spaces represented a shame and a affront to the good social conviviality. Even though the existence of a discourse to the offering of a treatment more careful to that people, this was hidden by the current practice of imprisonment inside police stations or in the confusion installed in Santa Casa. Keywords: madness-internment-asylum. 17 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 9 2. O RECOLHIMENTO NAS CADEIAS PÚBLICAS 11 2.1 A LOUCURA COMO CASO DE POLÍCIA 14 2.2 DECIFRO-TE E DEVORO-TE: A RECORRÊNCIA AO OLHAR MÉDICO 16 2.3 OS INCÔMODOS QUE SEJAM RETIRADOS! 21 3. A INTERNAÇÃO NA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA 25 3.1 DESORDEM DAS IDÉIAS OU DOS ESPAÇOS? 28 3.2 O UNIVERSO DOS “INFELIZES” 35 4. O PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO HOSPÍCIO 41 4.1 A TRAJETÓRIA DA INSTITUIÇÃO ASILAR 43 4.2 QUANDO A HORA JÁ NÃO PARECIA TÃO BOA 55 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 68 ANEXO 70 FONTES CONSULTADAS 71 LISTA DE ILUSTRAÇÕES 72 REFERÊNCIAS 73 18 19 1. INTRODUÇÃO A dificuldade em se lidar com a loucura sempre esteve vinculada a contextos muito próprios, cada qual elaborando normas e expectativas em relação ao comportamento a ser socialmente aceito e desejado, a partir dos sistemas de valores cultuados: o trabalho, o tempo, o convívio social, as hierarquias, etc. Algo que está presente na própria discussão sobre os modos como determinados grupos sociais lidam com as diferenças, com aquilo que de alguma forma escapa aos padrões e às regras convencionalmente vistas como as mais adequadas. Sabemos que não raras vezes o incomum é rejeitado, estigmatizado ou até mesmo ocultado. Basta que os comportamentos ditos desviantes sejam encarados com desconfiança, isso quando não são vistos como aberrações. Neste trabalho pretendemos justamente enfocar como se via, no Maranhão em fins do século XIX, aqueles indivíduos designados como loucos ou alienados. Delimitamos nossa discussão ao período de 1880 a 1900, correspondentes à última década da Monarquia e ao primeiro decênio da República no Brasil. Este corte temporal é orientado pela intenção de identificar entre essas duas épocas as permanências e/ou alterações na maneira de se pensar e tratar a questão da alienação mental no Maranhão, mais precisamente na cidade de São Luís. No primeiro capítulo será abordado o recolhimento dos alienados nas cadeias públicas, prática muito comum no século XIX, não só no Maranhão como em todo o Brasil. Arrastados pelas autoridades policiais, acabavam equiparados àqueles indivíduos considerados delinqüentes e desordeiros. A partir de informações levantadas em registros da polícia, nas delegacias e subdelegacias, reconstituímos um pouco do perfil das personagens envolvidas, tentando mostrar alguns dos interesses presentes em muitas dessas reclusões. Uma outra alternativa para essas pessoas era a internação na Santa Casa de Misericórdia, da qual trataremos no segundo capítulo. Aparentemente um local mais ameno 20 que as cadeias, na realidade apresentava uma desorganização dos espaços, sendo frequentes os casos envolvendo violência e insegurança. A aplicação de um tratamento médico, que aliviasse os sofrimentos e reabilitasse efetivamente, era praticamente neutralizada pelo caos que marcava muitas vezes o interior do Hospital de Caridade. Baseados na leitura de documentação produzida pelas diversas instâncias administrativas da Santa Casa, e também em jornais da época, tentamos apontar algumas das técnicas dispensadas, os profissionais empregados, além de casos particulares que elucidem um pouco do cotidiano daquela instituição. Em seguida acompanharemos as iniciativas em torno da criação de um hospital para abrigar especialmente os indivíduos classificados como sofredores de alguma alienação mental. Através principalmente dos livros de atas das sessões da Santa Casa de Misericórdia, responsável pelas obras, podemos evidenciar as justificativas elaboradas para a inauguração de tal projeto, assim como os obstáculos com os quais teve que se deparar. A loucura podia se constituir como mais uma das modalidades de exclusão presentes no século XIX. Temos como significativa a discussão das estratégias empregadas na marginalização dos comportamentos vistos como inadequados e vergonhosos pelos padrões dominantes. São merecedoras de debate todas as tentativas de interpretar as soluções buscadas para os choques que marcam a sociedade, entre eles a loucura, em relação a qual parece ter sempre se privilegiado pelo seu escamoteamento, como uma moléstia social a ser apagada. Sem contar que esta é uma temática quase inexplorada nos estudos históricos sobre o Maranhão. 21 2. O RECOLHIMENTO NAS CADEIAS PÚBLICAS “... e se alguma coisa o preocupava naquela ocasião, se ele deixava correr pela multidão um olhar inquieto e policial, não era outra coisa mais do que a idéia de que algum demente podia achar-se ali misturado com a gente de juízo” (trecho de O Alienista, de Machado de Assis). São Luís, a contar da 2a metade do século XIX, e com mais intensidade a partir da inauguração do período republicano, assistiu a um aumento das preocupações em torno de sua configuração urbana e do provimento de determinados recursos que lhe conferissem um aspecto mais “moderno” e “civilizado”. Segundo PALHANO (1988, p.142), até então o Estado sempre se mostrara muito mais direcionado aos assuntos que envolvessem os setores produtivos, mais precisamente a agro-exportação, principal atividade da economia maranhense (e brasileira de uma forma geral): [...] até 1889 a questão dos serviços públicos se resumia na sua tremenda escassez, conseqüência de uma concepção de poder público, que não era apenas local, extraordinariamente tênue quanto às responsabilidades do Estado no que tange à produção e à gestão de serviços urbanos essenciais. Tentativas de organização do espaço urbano que no Brasil começaram a ganhar impulso ainda na 1a metade do século XIX, com a chamada Medicina Social, através do seu discurso da necessidade de intervir na constituição das cidades: a distribuição do seu espaço, suas características físicas e arquitetônicas, os hábitos de seus moradores, etc. Atacando aqueles lugares considerados potenciais geradores de doenças ou desordens, advogava a interferência na criação e no funcionamento de ruas, fábricas, cemitérios, escolas, bordéis, hospitais, etc1.Todas as questões que de alguma forma se relacionavam aos espaços públicos e 1 Revestido com poderes de autoridade, defendia-se que o médico deveria ter entre suas atribuições a capacidade de decidir, fiscalizar e punir. O que almejava a medicina era formar a constituição física e moral dos cidadãos (MACHADO, 1978). 22 à dinâmica das cidades (habitações, mobilidade de pessoas, higiene, saúde) passaram a estar cada vez mais associadas a um ideal de civilização a ser desejado e perseguido, espelhando-se geralmente nas sociedades européias, vistas como cultivadoras dos caminhos que deveriam ser trilhados (CHALHOUB, 1996). O Estado, na linha de frente dos processos de regularização dos cotidianos urbanos (através de leis, códigos de posturas ou por meio da esfera policial), passou a se valer mais da presença de técnicos e/ou especialistas: as transformações urbanas não podiam mais prescindir do parecer legitimador da ciência em suas diversas ramificações, em especial aqueles discursos mais intimamente ligados ao âmbito da salubridade pública2. De acordo com SCHWARCZ (1995, p.34), o objetivo era implantar uma “racionalidade científica para os abarrotados centros urbanos”, pretendendo-se “eliminar a doença, separar a loucura e a pobreza”. Na capital maranhense, as modificações no panorama urbano acabavam se concentrando nas áreas ocupadas pela elite econômica e social, notadamente o centro da cidade. Buscava-se organizar a distribuição de serviços públicos e disciplinar a existência dos indivíduos. Soluções são elaboradas para a carência do abastecimento de água, para a instalação de um sistema integrado de coleta e despejo do lixo, para o problema dos esgotos, dos transportes, da iluminação pública, do calçamento e abertura de ruas e estradas e do próprio trânsito a ser permitido ou não nas vias da cidade (PALHANO, 1988). No Brasil, desde a época colonial a vida social e econômica se mostrou sensivelmente polarizada: de um lado os senhores proprietários, os comerciantes, os funcionários da administração; de outro a massa trabalhadora escrava. Numa faixa intermediária, profissionais liberais, autônomos e um grupo numeroso daqueles sem ocupação alguma, ou que realizavam atividades esporádicas, muitas vezes receosos em não se submeterem a “trabalhos de negro”. Assim é que foi significativa, mesmo após o fim da 2 CHALHOUB (1996) considera que o século XIX assistiu ao surgimento da idéia de que uma cidade pode ser apenas “administrada”, isto é, gerida de acordo com critérios unicamente técnicos ou científicos. 23 escravidão e a proclamação da República, a quantidade de indivíduos colocados na situação de vadios, vagabundos e mendigos, bem como foram freqüentes as tentativas dos poderes oficiais em disciplinar tais comportamentos enquadrados como desviantes3. Foi neste contexto que a loucura veio engrossar as fileiras dos elementos incômodos, arrastada na “rede comum de repressão à desordem, à mendicância, à ociosidade” (RESENDE, 2000, p.35). Classificavam-se determinados indivíduos de alienados, agregando a isso expectativas de um perigo em potencial, alertando-se para a necessidade de seu recolhimento. A questão não era tanto de saúde, apesar da presença desse discurso em algumas ocasiões, quanto de manutenção da ordem, da moral e da tranqüilidade pública. Neste contexto, a retirada dos indivíduos considerados desordeiros, como bêbados, vadios, jogadores e alienados, figurava nos planos de construção de um espaço sanado. Em uma resolução municipal de 1892, o sugestivo título III (Polícia, comodidade e segurança) trazia no capítulo XV a não menos reveladora sentença Providências sobre loucos, bêbados e feras. Segundo essa resolução, aquele que pudesse ter em casa um louco, que o mantivesse detido em segurança, caso contrário o entregasse à “Intendência para que o faça recolher a algum estabelecimento ou casa para tal fim destinado”, prevendo-se uma multa em caso de infração. Medida que visava coibir “os loucos que andarem vagabundos pelas ruas e praças da cidade”, indicando assim como era fluente a transferência de uma situação a outra (Coleção de Leis e Resoluções Municipais 1892-1909). Como afirma JACCARD (1981, p.37): “O detentor do verbo possui o privilégio de definir e classificar”, exercendo através da palavra “um prolongamento ‘civilizado’ da coação física”. Legitimava-se de certo modo o encarceramento dessas pessoas nas cadeias públicas. 3 Segundo CARNEIRO (1993), ao lado das prisões, os manicômios e as instituições de caridade funcionavam como entidades normalizadoras, recolhendo em locais vistos como adequados os indivíduos classificados como desordeiros e perigosos à ordem estabelecida. 24 2.1 A LOUCURA COMO CASO DE POLÍCIA Distrito do Cutim, aproximadamente 11 horas da noite. Pela estrada são disparados vários tiros. Encontrado com uma pistola e aparentemente embriagado, César Augusto é recolhido pelo subdelegado Fernando Pereira de Castro. Este, contudo, é assaltado por uma dúvida: recebera informações de que César sofria de alienação mental, já tendo passagem inclusive pela Santa Casa de Misericórdia. Que procedimento tomar? Retê-lo na cadeia ou enviá-lo ao hospital? No fim, como era de praxe, o subdelegado levou a decisão a seu superior, para que desse o “destino que achar conveniente” (Subdelegacia de polícia do Cutim, 21-07-1885). No momento da reclusão de alguém identificado como alienado, as autoridades policiais poderiam demonstrar uma incerteza quanto ao verdadeiro estado daquele indivíduo, levando-o às cadeias publicas. O ato de prisão parecia por vezes muito mais condicionado pela percepção imediata dos gestos apresentados4, o que não significa que houvesse uma clareza absoluta quanto às causas que os encobririam, se bem que isso, de fato, talvez não importasse tanto quanto a constatação de que a paz pública estava sendo violada. Quintino José dos Santos, no curto período de vinte e dois dias, foi preso nada menos que três vezes: em 11 de junho de 1880 por sofrer de alienação mental; solto no dia 13, foi novamente recolhido no dia seguinte, agora por embriaguez; em 2 de julho lá estava mais uma vez, retornando à designação de alienado. As sucessivas prisões de Quintino não demonstram terem sido acompanhadas por uma observação mais minuciosa ou pela realização de um exame médico. O “diagnóstico” de alienação mental esteve neste caso subordinado às impressões do subdelegado de polícia, orientado por uma idéia de preservação da ordem, 4 Detendo-se no contexto do Rio de Janeiro, do Império às primeiras décadas da República, Magali Gouveia Engel (2001) enumera alguns itens através dos quais alguém poderia ser percebido como louco: palavras, gestos, trajes, atitudes, hábitos. 25 mesmo que somente momentânea, como se comprova pela rapidez com que são efetuadas as capturas/ solturas de Quintino e pelos motivos que o levaram à prisão (Secretaria de Polícia do Maranhão, 12/14/15 de junho e 03 de julho de 1880). Vinte e quatro horas foi o tempo estipulado para que Fernando Antonio da Silva Junior, preso em fevereiro de 1885, deixasse de cometer desatinos na povoação do Mocajutuba. O 1º suplente daquela subdelegacia considerou que para conter tão “grande turbulento”, só uma “correção” deste tipo (Subdelegacia de polícia da povoação do Mocajutuba, 23/02/1885). Cabe aqui a definição de CANGUILHEM (1990, p.211), para quem o ato de normalizar é sobretudo: [...] impor uma exigência a uma existência, a um dado, cuja variedade e disparidade se apresentam, em relação à exigência, como um indeterminado hostil, mais ainda do que estranho. Note-se que nesta situação, além de sequer cogitar um possível envio a uma instituição médica, no caso a Santa Casa de Misericórdia, ou mesmo a realização de um exame, o responsável pelo reconhecimento tomou para si o encargo não somente de atestar o problema, como também de prescrever a terapêutica que julgou ser mais eficiente e o tempo que deveria durar. Em abril de 1888, o professor público aposentado Luis Pereira d’ Almeida, após ter diversas vezes invadido algumas casas, quando teria insultado e ameaçado com um revólver a todos que ali se encontravam, foi recolhido ao 3º distrito por “embriaguez e desrespeito a moral publica”. Entretanto, diante de seu “constante estado de excitação”, o subdelegado começou a suscitar dúvidas a respeito das causas daquele comportamento, logo passando a crer que Luis d’ Almeida sofria de qualquer desarranjo mental. Diferente do que ocorrera com Quintino e Fernando Junior, recomendou-se que Luis fosse submetido a um exame (Subdelegacia do 3o distrito da capital, 10/04/1888). 26 Até que se realizassem as observações médicas, julgava-se conveniente e mesmo necessário que se mantivesse a prisão à espera do procedimento final a ser tomado. O alienado podia ser considerado potencialmente um perigo não só à sociedade como a si mesmo, o que se torna de certa maneira compreensível se imaginarmos o susto e a apreensão originados por alguém que saía às ruas de arma em riste. Foi através de uma justificativa semelhante que em agosto de 1880 o cearense Joaquim Lourenço se viu recluso na subdelegacia do Bacanga. Seu desarranjo mental foi avaliado possuidor de uma dupla conseqüência: 1) uma transgressão social através da prática de não especificados “atos indecentes” (que provavelmente tem ligação com o fato de Joaquim ter sido levado seminu à subdelegacia); 2) um estado de insegurança à sua própria vida, alvo que fora das intenções de maus tratos por parte dos que se sentiram ofendidos. Curioso notar que o subdelegado Lazaro Vieira mostrou-se um tanto decepcionado pelo fato de que mesmo preso, Joaquim “tem continuado com o mesmo desarranjo” (Subdelegacia de Polícia da freguesia de Sam Joaquim do Bacanga, 16/08/80). Seria absurdo supor que o subdelegado nutrisse a expectativa de algo que se avizinhasse a uma cura? Esta hipótese, por mais estranha que hoje possa nos parecer, talvez não devesse ser inteiramente ignorada. Pelo menos quando observamos, em 1893, o caso de Rufino Vieira, solto por achar-se “restabelecido de seus sofrimentos mentais” (Secretaria de Polícia do Estado do Maranhão, 07/01/1893). Somos levados a crer que possivelmente o restabelecer-se estava ligado a um arrefecimento dos ânimos, circunscrito novamente a uma percepção momentânea dos gestos apresentados, que influiria na decisão de manter-se ou não a reclusão. 2.2 DECIFRO-TE E DEVORO-TE: A RECORRÊNCIA AO OLHAR MÉDICO Se a prisão de um indivíduo como alienado baseava-se principalmente na captação de suas falas e sinais exteriores, abrindo portanto a possibilidade de uma certa 27 indistinção sobre o seu verdadeiro estado, isso não excluía, como vimos, que se admitissem as dúvidas e diante dos receios se procurasse o olhar considerado mais apurado da autoridade médica. Uma das bandeiras levantadas pela Psiquiatria desde o seu surgimento como especialidade médica em fins do século XVIII era justamente a retirada dos alienados das dependências de prisões, onde eram misturados a todo o gênero daqueles classificados como delinqüentes (prostitutas, mendigos, vagabundos, criminosos). A imagem do francês Philippe Pinel, libertando os loucos de correntes e grilhões, é marcada por toda uma simbologia que identifica a Psiquiatria a ideais essencialmente humanitários: a partir de então, o louco teria começado a ser visto como um doente, que precisa sobretudo de um tratamento (SILVA FILHO, 2000). Inserida no movimento pela hospitalização dos loucos, cujas vozes começaram a se organizar no Brasil a partir de 1830, principalmente através da atuação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, a Psiquiatria brasileira adquire maior legitimidade no início da década de 80, com a criação da cadeira de Doenças Nervosas e Mentais (COSTA, 1989), adquirindo um respaldo crescente nas intervenções acerca da observação, do diagnóstico e do destino a ser reservado aos alienados. A partir de então se intensificaram os debates sobre as competências necessárias na verificação de alguém enquanto alienado, e portanto incapaz de responder legalmente por infrações cometidas ou de gerir bens e até mesmo sua própria pessoa (ENGEL, 2001). Lembremos a propósito do médico maranhense, radicado na Bahia, Raimundo Nina Rodrigues. Em “Os alienados no direito civil brasileiro”, ele submeteu a inúmeras críticas o projeto de Código Civil elaborado por Clóvis Bevilaqua, apresentado em 1893. Produzido com certo rigor de detalhes (remetendo-se a vários códigos de outros países), o livro de Nina Rodrigues nos revela um pouco das discussões presentes na época: quais seriam os tipos de 28 alienação mental, os critérios que conferiam a alguém a qualificação de incapacitado civil, sugestões ao andamento dos processos de interdição e internamento, etc. Todos os seus argumentos, no fundo, vêm corroborar uma idéia principal, claramente expressa neste trecho: Ora, a função de julgar se reduz em ultima analyse a um problema de psychologia pratica; apurar e medir a responsabilidade do transgressor da lei. Mas sendo a insanidade mental a mais poderosa derimente da responsabilidade e da capacidade, e ao mesmo tempo, na sua qualidade de estado mórbido, da alçada immediata da apreciação medica, se comprehende que é a perícia psychiatrica aquella a que cabe a precedencia sobre todas as mais, - medicas ou outra, - porque é aquella que mais próxima está da função do juiz a quem toca reconhecer a existência de um crime ou a validade de um acto civil, affirmando a responsabilidade interior ou a plena capacidade do agente (RODRIGUES, 1901, p. 212-213). Em São Luís, talvez possamos medir a legitimidade do olhar médico sobre a loucura através de algumas recorrências das autoridades policiais à realização de exames. Contudo, independente da passagem do Império ao Regime Republicano, foi comum o encarceramento nas cadeias por alienação mental. Em junho de 1886, o marceneiro Constancio Correia Maia, morador da rua de S. Anna, foi chamado à presença do subdelegado Joaquim Alves para dar explicações acerca do “procedimento reprovado” que vinha apresentando. Segundo este, Constancio comparecera à subdelegacia armado de um compasso grande, que dizia trazer para enfrentar alguns inimigos e vingar-se de um individuo chamado Domingues. Recusando entregar a arma, teria procurado cravá-la em uma ordenança e em duas praças. Acabou sendo recolhido à cadeia. O subdelegado, atento a “algumas respostas que obtive e do aspecto que ele apresentava”, inclinou-se a acreditar que Constancio sofria de alienação mental. Porém, para dirimir quaisquer dúvidas, “não sendo seguro o juízo que faço me parece conveniente ser o dito indivíduo examinado por médicos que possam atestar com precisão”. 29 Submetido ao olhar médico, representado pelos doutores Marcelino da Silva Perdigão e Raimundo de Castro, constatou-se inicialmente que sofria de “delírios das perseguições”, uma espécie de “monomania”5. Segundo o que foi apurado, Constancio acreditava ser vítima de pessoas que desejavam propalar a sua invenção de um verniz especial para colorir cuias, e que o estariam perseguindo desde o Pará há cerca de oito anos. Os peritos, declarando a insuficiência de um único exame, acabariam por pedir a realização de um segundo. O objetivo era responder aos seguintes quesitos: 1-Se ele sofria de alienação mental; 2-Se seria contínua ou com intervalos lúcidos; 3-Se era geral ou parcial; 4Qual a sua espécie ou gênero; 5-Desde quando dela sofria; 6-Se o fato de correr ele armado atrás de diversas pessoas foi algo cometido em estado de loucura ou em intervalos lúcidos. Neste segundo exame o embasamento do diagnóstico de alienação consistiu na descrição dos traços físicos de Constantino, em acordo com as concepções que associavam a constituição física a uma espécie de espelho da alma: “o paciente apresenta o rosto vultozo, isto é cheio de vinculos injectados, olhar saliente e prespicás, maneira pouco delicada e tratamento e uma aparência geral de homem groceiro e malcriado”6. Concluíram sofrer ele de alucinações visuais e auditivas, o que confirmaria a “verdadeira monomania ou delírio parcial”, constatável também na observação de algumas falas e comportamentos: [...] assim que diz... também apresentarem se em seu quarto varias pessoas para prende-lo e faze-lo de novo escravo e é contra essas pessoas que ele tem se atirado procurando ferilas. [...] outros pontos que provão ainda o seu desarranjo mental, taes são andar constantemente com um pacote de gazetas velhas onde diz elle que existem artigos 5 Ao longo de sua história, a psiquiatria viu nascer inúmeras classificações sobre as origens, os sintomas e as variações da alienação mental. Conceito criado pelo francês Esquirol no início do século XIX, a monomania corresponderia ao delírio sobre somente um ou poucos objetos, marcado por uma paixão alegre e expansiva (PESSOTI, 1994). 6 A teoria da degenerescência ganhou força com Morel (1860), vinculando a loucura à hereditariedade, acreditando ser possível, através da observação de estigmas físicos, a identificação de um “degenerado” (ENGEL, 2001). 30 escriptos por artistas contra sua pessoa, o que não é verdade segundo a leitura que fizemos. [...] Revelou muito ciúme das gazetas velhas que traz e das quais não se separa nem na ocasião de dormir sendo muito difícil conseguir-se dele uma para ler se, não se fia de pessoa alguma por achar todos maus e assim não quis entregar ao subdelegado a chave de seu quarto ou estabelecimento. Não considera que os presos da cadeia sejam malvados, a custa de seus perseguidores que andão impunimente as ruas da cidade (Subdelegacia de Polícia do 1o distrito da capital, 01, 04, 14 e 17 de junho, 13 de julho e 24 de agosto de 1886). Diante dos fatos e da agressão da qual seriam vítimas as pessoas que encontrava na rua, foi colocado na categoria de monomania sem intervalos lúcidos. Pouco mais de um mês após sua prisão, Constancio foi transferido ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia, solicitando-se ainda que seus bens fossem arrolados7. Mesmo diante das conclusões dos peritos, o subdelegado Joaquim Alves não se mostrou totalmente convencido do estado de alienação, ou pelo menos somou a isso outras possíveis motivações quando afirmou não considerar “os actos de Constancio, filhos tão somente da perturbação de suas idéias, mas sim, também, por ser ele muito atrevido e insolente”. Podemos nos perguntar até que ponto ia a aceitação e a legitimidade do discurso médico na identificação e tratamento da loucura. O próprio encarregado pela enfermaria de medicina do hospital de caridade, Dr. Francisco Joaquim Ferreira Nina, diante da inexistência de uma “prisão própria para doidos furiosos”, não hesitaria em pedir, pouco mais de um ano depois, que Constancio retornasse à cadeia pública, visto ter se “tornado ultimamente o terror, não só dos empregados, como também de todos os doentes” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 13/10/1887). Pelo que se vê, uma possível 7 Até a promulgação do Código Civil Brasileiro, em janeiro de 1916, as interdições eram fundamentadas pelas leis civis do Império, que regia que um juiz de órfãos, logo que soubesse existir em sua jurisdição um demente que pudesse ser perigoso, deveria enviá-lo a um curador que administrasse sua pessoa e bens (ENGEL, 2001). 31 iniciativa de medicalização da loucura acabava não resistindo frente à falta de espaço, de organização racional e de segurança que marcava o interior da Santa Casa de Misericórdia. Esse era, como veremos, o principal argumento em defesa da construção de um hospício de alienados. 2.3 OS INCÔMODOS QUE SEJAM RETIRADOS! Não bastassem os alienados locais, as autoridades policiais vez por outra ainda tinham que se deparar com aqueles vindos de outras localidades. Francisco Borges, procedente de Santa Rita, foi recolhido à prisão em junho de 1893. Após dois dias foi posto em liberdade, com a condição, assumida por sua mãe, de mantê-lo fora da cidade (Secretaria de Polícia do Estado do Maranhão, 17/06/1893). A presença do louco nas ruas não era considerada um problema somente na capital. Nas vilas e povoados do interior também houve reivindicações a favor do recolhimento dos alienados, tendo como grande suporte a questão da tranqüilidade pública. Na igual ausência de um local específico, ou por meio de clamores quanto a insustentabilidade do caso, poderiam ser feitos pedidos de transferências para São Luís. Foi o que aconteceu em Cedral, em junho de 1895. Ao todo eram dezoito homens, que decidiram pôr um fim àquela situação por considerarem que ultrapassava todos os limites: Os abaixo assignados, vem respeitosamente, solicitar...a retirada de um doudo furioso Bernardino de Senna Passinho, que ultimamente tomou a mania de ser dono de todas as casas desta povoação, e sempre armado de um facão tem feito os donos dellas abandonal-as, e commetendo outros distúrbios, que se não for tomada as provedencias que o caso exigem teremos de lamentar algumas desgraças; neste sentido pedimos justiça (Abaixo assinado enviado ao delegado de polícia do distrito de N.S dos Remédios, 12/06/1895). 32 A última frase é reveladora quanto aos motivos que os levaram a acionar o delegado do distrito de N.S. dos Remédios. Sem entrarmos na discussão sobre a apreensão originada e muito menos em um julgamento precipitado da atitude tomada, cabe notar que Bernardino não foi visto nesse primeiro momento como um doente que necessita de ajuda, apesar de o reconhecerem como um alienado, mas sim como uma espécie de criminoso8. Lembremos que o abaixo assinado foi dirigido à instância policial, e não médica. A preocupação premente, a segurança, levou ao banimento do elemento considerado perturbador. Opção a qual se voltava, como vimos, mesmo a Santa Casa, temerosa e se julgando incapaz de conter a “fúria” de alguns internos. O primeiro suplente do distrito, preocupado com aquele “verdadeiro flagelo”, que teria intencionado “assassinar algumas pessoas em cujo número entra sua infeliz mãe!”, levaria a decisão ao chefe de polícia, Sebastião Braga. Bernardino de Senna acabaria por fim recolhido ao Hospital de Caridade em 24/07/1895. Thiago Gomes Salazar, identificado como autor de vários furtos, foi submetido a um interrogatório pelo delegado do 1º distrito da capital, Joaquim Alves, em agosto de 1886, que passou a nutrir algumas desconfianças em relação a seu comportamento: intrigado com suas respostas, pareceu-lhe que os crimes de Thiago Salazar não eram conseqüência senão da “alteração de suas idéias”. Suspeita confirmada pelo doutores Raymundo de Castro e Jansen de Melo, que afirmaram ser aquele um velho conhecido. Recolhido à Santa Casa de Misericórdia, evadiu-se quase imediatamente, sendo recapturado com a mesma rapidez. Entretanto, dessa vez Thiago não daria mais preocupações, pois “a expensas de alguns negociantes da nossa praça”, foi decidido que no dia seguinte ele partiria no vapor Espírito Santo, em direção ao Pará, tendo como companheiro de viagem um indivíduo de nome Manoel Odorico de Oliveira, cuja remoção era vista como “convindo a tranqüilidade publica”, 8 O criminoso como uma espécie de inimigo de todos, perseguindo e saindo dos acordos que regem a sociedade, desqualificando-se como cidadão e representando uma porção temida da natureza, aparecendo como celerado, 33 sem a especificação do porquê (Subdelegacia de Polícia do 1o distrito da capital, 27, 30 e 31 de agosto e 1o de setembro)9. Ao que parece o Pará era uma alternativa a qual se recorria vez por outra. Pelo menos assim somos levados a crer quando notamos a Mesa administrativa da Santa Casa aprovar um pedido do então Mordomo dos alienados, Monsenhor Mourão, que justificou a idéia através da observação de que os dois quartos destinados aos chamados loucos furiosos, na Santa Casa, estavam em péssimo estado. Logo, lembrando que o Pará “tem um hospicio bem montado, dirigido por irmãs de caridade”, e indicando possuir boas relações com tal instituição, sugeriu que para lá fosse enviado um ou outro alienado visto como mais agressivo. O único ônus que restaria à Santa Casa seriam as passagens e os gastos com um servente que exerceria a função de acompanhante (Ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 15/12/1893, p.125). Percebemos que a reclusão de pessoas vistas como alienadas estava imediatamente vinculada ao cotidiano das ruas e artérias da cidade, à mobilidade dos indivíduos nesse espaço de encontros, reconhecimento e representações, cenário precioso para a exposição de hábitos e “graus de civilidade”. De acordo com JACCARD (1984, p.10), o louco é encarado como uma afronta à racionalidade dominante, pois de maneira implícita ele “contesta nossas certezas e nos diz coisas inoportunas e escandalosas, que não queremos ouvir”. A maior parte dos casos encontrados na documentação relativa às delegacias de polícia, ao menos aqueles em que há mais detalhes sobre o momento das prisões, referem-se a pessoas abordadas e detidas justamente quando transitavam pelas vias da cidade. Podemos identificar esses indivíduos recolhidos como pertencentes aos extratos menos abastados da população de São Luís, aos quais se procurava dispersar dos ambientes monstro, louco e anormal (FOUCAULT, 1987). 9 Apesar das diferenças no contexto e na proporção, é difícil não lembrar aqui da Nau dos Loucos descrita por FOUCAULT (2002). Presentes na Renascença, essas embarcações, cheias de loucos escorraçados de suas regiões, transportavam-nos de uma cidade para outra. 34 públicos, evitando que depusessem contra a imagem de sociedade civilizada e organizada, principalmente quando não enquadrados nos padrões de comportamento esperados. Alguns exemplos corroboram essa constatação: os já citados Thiago (identificado como ladrão) e Constancio (ex-escravo); e ainda o preto livre Joaquim, natural da Costa d’África, que contaria “mais de um século de existência” e no qual o subdelegado ressaltou o estado de pobreza (Subdelegacia de polícia do Cutim, 03/02/1888). Ainda nas primeiras décadas do século XX são encontrados registros de pessoas consideradas loucas recolhidas em distritos policiais de São Luís. Neste aspecto, ao menos na capital maranhense, os anos iniciais do período republicano não diferiam substancialmente do que era observado sob o Império: apesar de algumas reclamações quanto a construção de um espaço exclusivo para o recolhimento dos alienados, persistia a prática de encarcerá-los nas cadeias10. Não se tratava de um destino inexorável, é verdade. As delegacias não exerciam por assim dizer uma espécie de monopólio sobre a guarda dos indivíduos classificados como loucos. Para alguns havia a possibilidade do envio à Santa Casa de Misericórdia. Entretanto fica uma pergunta: até que ponto esses últimos poderiam ser considerados mais afortunados? 10 RODRIGUES (1901) menciona que os cubículos da Penitenciária da Bahia, onde já no século XX ainda se colocavam alguns alienados, eram conhecidos popularmente como “Matadouro”. Em São Luís encontram-se registros de 1937 sobre a reclusão dessas pessoas nas cadeias (Relatório do Chefe de Polícia, José Faustino dos Santos, 1937). 35 3. A INTERNAÇÃO NA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA “Que dizer da loucura? Mergulhado no meio de quase duas dezenas de loucos, não se tem absolutamente uma impressão geral dela. Há, como em todas as manifestações da natureza, indivíduos, casos individuais, mas não há ou não se percebe entre eles uma relação de parentesco muito forte. Não há espécies, não há raças de loucos; há loucos só” (trecho de Diário do Hospício, de Lima Barreto). A chamada escolhida para aquela notícia prenunciava um fato grave e trágico: “Assassinato no hospital”. Foi assim que o jornal Pacotilha decidiu abrir a denúncia contra o ocorrido nas dependências da Santa Casa de Misericórdia no dia 1 o de Junho de 1892. Aquele título se repetiria por mais oito vezes, exatamente o número de edições nas quais se acompanhou o desenrolar do caso. Façamos aqui uma espécie de adaptação de tudo o que fora levantado pelo jornal nesse período. Tudo começa com o fato de que parte da vizinhança da Santa Casa teria ouvido alguns gritos, identificados como sendo do alienado Luiz Cunha. “Não me mate”, “Quem me acode?”, foram as expressões que algumas pessoas afirmam ter escutado naquela tarde. Um rapaz de nome Ernesto, que espiava pelas grades do hospital, e considerado pelo jornal como uma das principais testemunhas, afirmou ter visto um “homem vergado, a quem derribavam e davam bordoada ao mando d’um moço de bigodes que gritava: Dá-lhe, Dá-lhe, Deixa elle dansar”. Enquanto um homem desferia os golpes, uma mulher segurava a vítima. Ao fim do espancamento o alienado teria agarrado uma bacia e a jogado sobre o agressor, que enraivecido revidara dando-lhe na cabeça com um pedaço de pau. Logo o jornal lançou suas investidas, afirmando que todos puderam ouvir os gritos de agonia, menos os empregados do hospital, onde “não houve um eco simpático”. Indagava onde estava a enfermeira naquele instante, e por que as irmãs de caridade, “que deveriam ter o coração aberto a todo tipo de infortúnio”, ficaram inertes. Essas na verdade 36 eram apontadas quase que diretamente como espécies de mandantes do crime, aproveitandose a oportunidade para pôr em dúvida todo o sistema de caridade desempenhado pela Santa Casa. Afirmava que o murmurinho já correria solto entre o povo, ciente das péssimas condições com que eram tratados os loucos, citando-se uma outra ocasião em que “se fez d’um o simulacro de Christo, com a diferença de que em vez de uma cruz e cravos, deu-se-lhe um soalho e cordas”. Publicou-se inclusive que uma das irmãs do hospital, chamada Hilária, dera uma grande risada ao ver o cadáver de Luiz (Pacotilha, de 04 a 11 de Junho de 1892). A versão divulgada pela Santa Casa não nega que houve um assassinato, porém em sua narrativa era outro o culpado. Segundo os representantes daquela instituição, Luiz Cunha fora morto por um outro alienado, Domingos Fernandes Alves, “um preto velho com uma ferida em uma perna”. Segundo declarações do Mordomo dos Hospitais, Monsenhor Mourão, assim que chegou à Santa Casa Domingos foi mantido solto e, após uma noite em que teria começado a provocar muitos incômodos, “foi mettido em camisa de força, moderando depois a furia, e mostrando sempre calmo, foi mettido no xadrez com o infeliz Luiz Cunha”, com o qual passou a dividir a mesma célula. Depois de mais ou menos um dia sem problema algum, ter-se-ia dado a tragédia. Com um bacio de ferro Luiz teria sido agredido na cabeça, falecendo horas depois. Os representantes da Santa Casa faziam questão de isentar as irmãs de caridade, bem como os demais empregados, de quaisquer responsabilidades, já que casos desse tipo seriam naturais até mesmo nos hospícios mais apropriados. Quanto aos gritos que várias pessoas disseram ter ouvido, deu-se uma explicação que não deixa de provocar suspeitas: Luiz Cunha teria o costume de ficar sempre gritando e gemendo, e “quando se ia ver o que tinha, dizia que não era nada, o que é muito natural com alguns doudos”. Desse modo, como afirma toda a exposição do fato feita pela Santa Casa, não se trataria de negligência, e o único erro talvez tenha sido “acceitar esse louco [Luiz], si não havia mais logar para elle” (Ata da 37 sessão extraordinária da Mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, 06/06/1892, pg. 70). Entretanto a Pacotilha levantava algumas contestações. Uma pessoa que teria visto o corpo de Luiz Cunha no cemitério disse que este apresentava oito ferimentos na região frontal, e o pescoço todo golpeado e rodeado por uma meia ensangüentada. Questionava-se ademais se tudo isso poderia ter sido praticado por Domingos, que quase não conseguia se levantar devido a suas pernas “inchadas e fedorentas, por podridão”. À trama que o jornal considera ter sido perpetrada pelo pessoal da Santa Casa, somava-se ainda a acusação de que estariam sendo feitas ameaças a todos aqueles que intentassem testemunhar para a elucidação do caso. Ernesto, uma das principais fontes do jornal, segundo este teria mudado seu depoimento em virtude de algumas pressões que estaria sofrendo (Pacotilha, 03, 06 e 09 de Junho de 1892). Diante das acusações, a Mesa administrativa da Santa Casa decidiu então convocar o seu Procurador Geral para que o jornal fosse chamado à responsabilidade. Desejava-se ainda que o Chefe de Polícia exigisse que o redator da Pacotilha comparecesse a sua presença para declarar quem era o autor do assassinato de Luiz Cunha. E num artigo dirigido ao público, a ser publicado nos “jornaes mais conceituados desta Capital”, que se expusesse a verdade dos fatos. A partir da observação de algumas fontes, mais precisamente edições da Pacotilha e Atas das Sessões da Mesa da Santa Casa, o máximo de informações a respeito do desenrolar de toda essa querela nos dá conta de que a Promotoria Pública requereu uma investigação do caso, e que duas irmãs de caridade foram intimadas a depor na delegacia, o que após alguma insistência foi modificado: a inquisição seria praticada mesmo no hospital (Ata da sessão extraordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 06/06/1892, pg 71-72). 38 O essencial neste caso não é apontarmos um culpado ou ficar levantando hipóteses quanto a veracidade de cada discurso. Deixemos de lado argumentos que poderiam atestar o sensacionalismo do jornal (ou sua isenção), bem como a brutalidade do pessoal empregado no Hospital (ou suas intenções pias e caritativas). O importante é nos concentrarmos no fato de que o cotidiano da Santa Casa, aquilo que era praticado em seus interiores, parecia ser não raras vezes alvo de questionamentos, quando denúncias, com fundo de verdade ou não, deixavam as pessoas sempre alertas, considerando a possibilidade de sua comprovação. Devido às frequentes reclamações, parecia ter-se criado um clima em que nenhuma descompostura atribuída àquela instituição deveria ser simplesmente desconsiderada. E de acordo com o que extraímos de fontes produzidas pela própria Santa Casa, as quais discutiremos adiante, vemos que essa espécie de “pé atrás” era plenamente justificada. 3.1 DESORDEM DAS IDÉIAS OU DOS ESPAÇOS? Apesar da falta de algumas informações quanto aos seus primeiros tempos, registra-se no Dicionário Histórico-Geográfico que a Santa Casa de Misericórdia teve sua criação autorizada pelo Alvará de 3 de dezembro de 1622 (MARQUES, 1970). Ainda segundo este autor, a partir do que coletou da obra de João Lisboa, o padre Antônio Vieira teria passado a maior parte do ano de 1653 procurando construir um hospital, despertando para este objetivo as atenções da Irmandade da Misericórdia11. Contudo, em 1806, esta Irmandade continuava a falar da construção de um edifício próprio que atendesse aos doentes pobres. 11 As Irmandades teriam entre suas atribuições o culto a determinado santo, bem como o trabalho em obras de caridade e a ajuda recíproca entre seus membros. Pertencer a uma Irmandade poderia conferir ainda um certo respaldo social (MORAES, 1995). 39 De acordo com MEIRELES (1994, p.269), a Mesa administrativa daquela instituição teria escolhido: [...] o terreno e que seria um, de 24 braças (52m80) de frente para a Rua do Norte, dando os fundos para a do Passeio, que pertencia ao Cirurgião-Mor Manuel de Matos Sagunto, mas do qual só entraria na posse por morte do proprietário e doação de sua viúva, D. Rosa Helena Barbosa de Albuquerque e em troca de uma gratificação de Rs. 400$000. Terreno este, aliás, que foi antecipadamente ampliado, em 1821, com a aquisição [...] de um que lhe ficava pegado, medindo 8,5 braças (10m70) de frente, para a mesma Rua do Norte, e 18 braças e 2,5 palmos (30m20) para a Rua do Passeio, para a qual dava os fundos [...]. Em janeiro de 1815 a Câmara Municipal, em ofício enviado a sua Majestade, declarava ver “com prazer e alegria a conclusão em seu tempo do Hospital de São José da Santa Casa da Misericórdia” (MARQUES, 1970, p. 377). Esse estabelecimento foi administrado através de mesas eletivas até dezembro de 1850, quando a partir de então as mesas passaram a ser nomeadas pelo Presidente da Província, que exerceria também o cargo de Provedor da Santa Casa. Os membros da instituição estavam assim divididos: Provedor, Vice-Provedor, Secretário, Tesoureiro e mais alguns Mordomos - dos hospitais, da Casa dos expostos, dos presos, da Igreja, do Cemitério e dos Edifícios (MARQUES, 1970). O prédio localizado na Rua do Norte teria passado por três reformas, datadas de 1838, 1863 e 1874, e estava erigido em dois pavimentos, apresentando no térreo, do lado esquerdo do vestíbulo de entrada, “a dependência em que funcionavam a secretaria e mais serviços administrativos” e, do lado direito, “a farmácia, e enfermaria de Nossa Senhora dos Remédios, para mulheres” e, ao fundo um salão reservado aos alienados. No andar superior ficava a sala onde se reunia a Mesa, e próximo a ela estavam a “capela e clausura das freiras” e mais duas enfermarias destinadas aos homens: “a de São Filipe Bonifácio, com 24 leitos, para clínica geral, e a de São Cosme, com 22, para cirurgia” (MEIRELES, 1994, p. 281). 40 A Santa Casa de Misericórdia, ou Hospital de Caridade, sempre estivera a cargo dos cuidados aos doentes pobres, bem como se responsabilizava pelo tratamento das pessoas que sofriam de tuberculose, lepra (os chamados lázaros) e também dos ditos alienados. O atendimento desses últimos nas Santas Casas foi uma prática corrente em todo o Brasil, numa época em que inexistiam hospitais dedicados exclusivamente a estes casos. Frequentes também eram as críticas direcionadas a tal situação: As Santas Casas de Misericórdia incluem-nos entre seus hóspedes mas dá-lhes tratamento diferenciado dos demais, amontoando-os em porões, sem assistência médica, entregues a guardas e carcereiros, seus delírios e agitações reprimidos por espancamentos ou contenção em troncos, condenando-os literalmente à morte por maus tratos físicos, desnutrição e doenças infecciosas (RESENDE, 200, p. 35). Mesmo com a criação de estabelecimentos como o Hospital dos Lázaros, por exemplo, o ambiente dentro da Santa Casa do Maranhão era de intensa mistura entre os mais diversos tipos de internos, com as mais variadas enfermidades. O Mordomo Sardinha, tentando amenizar um pouco essa realidade, foi autorizado a mandar que se fizesse “uma cancella na enfermaria das mulheres, a fim de separar as alienadas das que não o forem”. Logo depois, reavaliando a situação, achou-se melhor que ao invés da cancela fosse colocado um portão de ferro (Sessão administrativa, 15/06/1886, pg.103). O dia 17 de Agosto de 1883, por exemplo, começou cheio de sobressaltos e aflições dentro do hospital. Logo às cinco da manhã, Lourenço de Oliveira Araújo, identificado como um alienado não furioso, avançou sobre o doente de caridade Thomaz de Araújo, que muito debilitado não teve como reagir quando aquele se prendera em seu pescoço. Quando os outros doentes pensaram em fazer alguma coisa já era tarde demais. Após a realização do corpo de delito, Lourenço, “visto como não havendo no hospital prisão segura”, acabou por ser recolhido à cadeia pública (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/08/1883). Passava assim da condição de doente para a de 41 criminoso, já que a preocupação se concentrava exclusivamente no afastamento do perigo que poderia representar e não nas condições mais apropriadas para tratar alguém na sua situação. Afinal de contas acreditava-se de fato que para Lourenço, sendo realmente um “alienado”, aquela seria a melhor solução? Exatamente um mês após essa ocorrência, um outro fato, envolto numa certa atmosfera de mistério, veio a dar mais algumas dores de cabeça ao pessoal da Santa Casa. É que se espalhou o comentário de que o doente de caridade chamado Marcolino José da Silva Driancourt havia sido espancado até a morte por um “doudo do hospital”. O almoxarife, incumbido pelo Mordomo dos Hospitais de averiguar a veracidade dos fatos, declarou que após ouvir o enfermeiro, o ajudante deste e mais alguns pacientes, concluía que não houve pancadas nem algo parecido, e que tudo isto talvez se devesse às: [...] inexactidões e calumnias que todos os dias apparecem noticiadas, já por jornaes que faltos de materias para encherem suas columnas, aceitão sem escrupulo, qualquer informação, e já por indivíduos que, querendo conseguirem seus fins, lançam mão de todos os recursos, inda mesmo os mais reprovados[...] (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/09/1883; Almoxarifado dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia, 18/09/1883). Soubemos depois que a denúncia a respeito deste espancamento foi formulada diretamente ao Presidente da Província, Carlos Fernandes Ribeiro, por Maria Henriqueta Driancourt, que certamente possuía algum grau de parentesco com o doente falecido. O certo é que o Mordomo dos Hospitais conclui o seu relatório com a afirmação de que “aquella mulher é dada ao uzo de bebidas espirituozas” e que nesse estado se prestaria “a representar todos os papeis ainda os mais ridiculos” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 19/09/1883). É necessário dizer que, se por um lado os jornais veiculavam algumas denúncias envolvendo a internação na Santa Casa, por outro poderiam servir também como espaço em 42 que se manifestavam as exigências em relação à retirada dos ditos alienados das ruas da cidade. Assim é que O Federalista (01/02/1899) trouxe um pedido em que se chamava a atenção das autoridades “para uma mulher louca, de nome Ritta”, que residindo entre a rua do Sol e a dos Afogados era acusada de ofender a “moralidade publica” e perturbar “a paz das familias visinhas com palavras obcenas, proferidas em altas vozes, durante o dia e a noite”. As famílias, quando possuíam algum doente internado no Hospital de Caridade, não ficavam plenamente tranqüilas a respeito do tipo de tratamento e atenções aos quais aquele seria submetido. Ao menos é o que somos levados a crer pelas desconfianças demonstradas em alguns casos diante da explicação oficial dada pela instituição. Raymundo Chrisostemo Frasão, vindo de Icatú, foi internado em Março de 1884. Apresentando no início um comportamento calmo, de uma hora para outra teria sido acometido por um acesso de fúria, chegando a espancar e “morder à diversos empregados e doentes que ajudarão a prendel-o na camiza de força”. Esta teria sido reduzida a tiras, e Raymundo, arrombando a porta do quarto em que fora recolhido, fugiu saltando uma janela do pavimento térreo, “sem que se tenha ate hoje podido descobrir o seu destino”. Toda essa narrativa feita pelo Mordomo não convenceu, entretanto, a um dos parentes daquele interno, convencido que estava de que Raymundo havia sido morto por pancadas dentro do hospital (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/06/1884). Mesmo incapazes de avaliar quem teria a razão nesta discussão, fica patente uma certa ausência de credibilidade nos serviços prestados pela Santa Casa, que obviamente não surgiu do nada, mas cuja origem se devia em grande parte à confusão de seus espaços. O desleixo que às vezes caracterizava o Hospital de Caridade pode ser medido em dois outros exemplos. No primeiro Maria Raymunda, aproveitando a desatenção da enfermeira, atiçou fogo no próprio corpo, pondo-se em seguida a correr pelo quintal, ficando em estado grave em decorrência das queimaduras sofridas. O outro fora protagonizado pelo 43 português José Pinto da Silva. Desde que perdera a razão ele teria, segundo foi declarado, alimentado a idéia fixa de se matar. A ocasião propícia teria surgido no momento em que, “fingindo ir tirar agua de um pote que estava junto a janella”, precipitou-se para o lado do quintal, ficando bastante machucado após a queda (Mordomia dos Alienados da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 05/08/1886 e 08/11/1886). Ilustração 1 - Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, em 1899. Abrigando em suas instalações os chamados alienados, muitas dúvidas e queixas recaíam sobre o tratamento que dispensava aos seus pacientes. O ambiente para os chamados alienados podia ser tão adverso que um indivíduo de nome João Martins do Rego Andrade não se fez de rogado ao pedir que fosse dado um “tratamento mais especial” a uma mulher chamada Virginia, responsabilizando-se ele por todos os gastos necessários. Seu desejo foi negado com a justificativa de que “não era possivel fazer excepção em favor desta” (Ata da Sessão da Mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, 15/12/1891, pg.56). Parece que ao menos os infortúnios eram democraticamente distribuídos. 44 Fazendo coro às denúncias veiculadas através dos jornais e às reclamações feitas por familiares dos pacientes internados, os próprios mesários e funcionários da Santa Casa não se cansavam de queixar-se quanto a insegurança e falta de organização que freqüentemente caracterizavam o dia-a-dia daquela instituição. As insatisfações iam das dificuldades financeiras ao estado de conservação apresentado pelo hospital: [...] a caridade não pode ser praticada, como fôra a desejar-se em estabelecimento d’essa ordem. As regras e preceitos hygienicos não são alli observados. O leito que acolhe o enfermo não é sanificado pela hygiene, sustentada pela caridade. A mordomia dos hospitais procura quanto possivel proporcionar os recursos de que carecem os doentes alli recolhidos e medicados, mas impede a bôa vontade com que presta-se para obtel-a a escassez dos meios de que dispõe a Santa Casa A cargo da Misericórdia está o hospital dos doudos. São manifestamente funestas essas aberrações [...] (Fala que o Exm.o Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu à Assembléia Legislativa Provincial por ocasião da instalação da 2a sessão da 25a Legislatura, 24/02/1885). Em alguns momentos as reclamações poderiam se transformar em ameaças. Após pedir uma subvenção maior para o projeto de construção do hospício, o Presidente da Província fez lembrar à Assembléia Legislativa que “a Santa Casa supporta alguns onus que de direito cabem à Municipalidade e ao Governo”. De forma bem mais direta, irritado com uma redução de verbas, o Mordomo dos Hospitais alertou que o tratamento dos alienados pertencia à Província, e que a Irmandade da Misericórdia “a seu turno pode libertar-se desse encargo, quando menos se espere, criando assim sérios embaraços a administração da provincia” (Relatório apresentado pelo Exmo. Sr. José Manoel de Freitas, Presidente da Província, à Assembléia Legislativa Provincial do Maranhão, 20/05/1883; Mordomia dos Alienados e Morféticos à cargo da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 20/01/1887). Reconhecia-se que naquelas condições esses indivíduos não recebiam e nem poderiam receber um tratamento regular. Porém, causa um certo espanto verificar que mesmo 45 assim, em determinadas ocasiões, um discurso de plena eficiência era produzido. É o que se constata diante de alguns balanços relativos ao movimento das enfermarias. Em 1882, por exemplo, das 49 pessoas que foram internadas como alienadas, declarou-se que 28 teriam saído curadas. Quanto a isso levantamos algumas hipóteses: talvez se considerasse cura a ausência de um estado maior de agitação, como sugerimos em determinada passagem do capítulo anterior; outra explicação seria um desejo de mostrar, apesar de todas as evidências, que um trabalho eficiente estava sendo realizado, calando possíveis desconfianças; há ainda a possibilidade de que se consideravam curados simplesmente todos aqueles que saíam vivos, visto não existir em algumas dessas estatísticas a contabilização dos que saíram sem cura. Este ponto nos permite adentrar em um outro questionamento: as concepções de loucura e os tipos de tratamento adotados na Santa Casa de Misericórdia. 3.2 O UNIVERSO DOS “INFELIZES” De acordo com PESSOTI (1999), ao longo de mais de vinte séculos, pelo menos desde a Antiguidade até o século XVII, a loucura foi dividida em um número restrito de grandes gêneros, basicamente mania e melancolia12. Para o grego Hipócrates (377 a.C.), o corpo humano abrigaria quatro humores essenciais: sangue, pituíta, bílis amarela e bílis verde. A loucura seria então um desarranjo em algum desses humores. Com Platão (427-348 a.C.) inaugura-se um critério mais filosófico de classificação dos tipos de insanidade mental, que obedeceriam a duas condições: que humor estava agindo, e em que parte da psiche (alma). Para Galeno (130-200 d.C.), a causa da loucura residiria numa alteração dos pneumas, concebidos como uma espécie de elemento intangível, que não seria físico nem espiritual, mais ou menos como um sopro ou exalação. Durante o período medieval 12 A mania designaria um delírio marcado pela excitação, enquanto a melancolia seria acompanhada por uma espécie de paixão triste (PESSOTI, 1994). 46 interpretava-se a loucura como sinal de possessão demoníaca (PESSOTI, 1994). Ainda segundo este autor, a partir do século XVII começaram a predominar teorias como a iatroquímica (alterações nos sais do corpo humano), a pneumática (circulação de espíritos animais no sistema nervoso) e a iatromecânica (deformações em fibras ou tecidos). Em fins do século XVIII ganha espaço a idéia segundo a qual a loucura era uma lesão do intelecto e da vontade, “produzida por causas morais... sempre definida nas suas relações com as normas sociais” (BIRMAN, 1980, p.43). Identificava-se o dito alienado a alguém com desvio de comportamento e portador de hábitos prejudiciais. Este modelo começou a ser rejeitado em meados do século XIX, em virtude de um redirecionamento a uma explicação mais organicista, que associava a loucura a uma lesão do encéfalo. Largamente influenciada pelas idéias de hereditariedade13 e degenerescência, o organicismo marcou presença na maior parte do pensamento sobre a loucura no final daquele século (PESSOTI, 1999). Igualmente expandiram-se as tentativas de se nomear os diversos graus e variedades nos quais a loucura se desdobraria. Surgiram assim inúmeras classificações, por vezes extensíssimas, e que diziam ter conseguido decifrar todo esse mundo que parecia sempre escapar a um domínio total14. Porém, de acordo com FOUCAULT (2002,p.196): Tudo se passa como se essa atividade classificadora tivesse operado no vazio, desenvolvendo-se na direção de um resultado nulo, retomando-se e corrigindo-se incessantemente para não chegar a nada; atividade incessante que nunca conseguiu 13 O século XIX foi cenário para o aparecimento de algumas teorias que pretendiam identificar possíveis características inerentes às diversas “raças” que comporiam o gênero humano. Esses estudos serviram muitas vezes como uma espécie de lastro científico para idéias como a da superioridade dos indivíduos de origem européia. Doutrinas como o darwinismo social tiveram significativa penetração no Brasil (SKIDMORE, 1976). 14 Apoiando-se em diversos estudiosos europeus, RODRIGUES (1901) apontou como estados correspondentes à alienação mental: embriaguez habitual, prodigalidade, oniomania (compulsão por compras), mania do jogo, entre outras. 47 tornar-se um trabalho real [...] Seus conceitos claros e explícitos permaneceram sem eficácia. Nas investigações realizadas na documentação referente à Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, infelizmente nada foi encontrado que pudesse ser chamado de diagnóstico, ou alguma espécie de acompanhamento da evolução dos quadros dos pacientes internados. Isso poderia ser um indício de que inexistia essa prática, contudo, atentando para indicações esparsas, estamos mais propensos a acreditar que esses documentos foram de alguma forma perdidos. Entretanto conseguimos extrair, uma vez ou outra, algumas declarações que talvez lancem uma luz sobre essa questão. Em Janeiro de 1885, no meio de um relatório enviado ao Presidente da Província, acha-se o seguinte comentário: A cura dos alienados não é absolutamente impossivel. Os clinicos que mais se teem dedicado ao estudo desta enfermidade cerebral dizem, que a curabilidade desta é tanto mais provavel, quanto a molestia é recente. Dizem mais ainda, que do acto do primeiro ataque ou pertubação da razão ate um anno, ha sempre esperança de obterse a cura; e só d’ahi por diante é que as esperanças e probabilidades do restabelecimento do enfermo vão desaparecendo progressivamente. Daqui deduzimos a necessidade de tratamento rapido que se deve dar aos infelizes que apresentarem os primeiros symptomas desse mal[...] (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883). Não sabemos se o Mordomo realmente acreditava em tudo o que disse, ou se o seu discurso tinha como intenção primordial convencer o Presidente da Província da necessidade de conclusão das obras do hospício em construção (assunto do próximo capítulo). O certo é que a concepção de loucura apresentada foi sobretudo genérica, sem as especificações e particularidades apontadas pelas classificações tão em voga. De maneira geral, nos documentos que encontramos classificavam-se essas pessoas ditas alienadas muito mais pelo comportamento do que por uma nomenclatura que as vinculasse a determinada espécie de 48 loucura. Assim é que, quando não eram designados simplesmente de “infelizes”, fazia-se uma divisão entre os “doudos furiozos” e aqueles que apresentavam um “caracter innofensivo” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 04/03/1884). Uma outra pista talvez possa ser encontrada em um relatório de autoria do próprio Presidente da Província, datado de 1877. Nossa discussão está delimitada ao período de 1880 a 1900. Porém, como aquele relatório foi escrito apenas três anos antes do corte temporal escolhido, é possível que tenham persistido ainda durante algum tempo as noções nele expressas: [...] já se contam por centenas os infelizes que perderão a razão, alguns por paixões desregradas, porém, o maior número, talvez, por sentimentos nobres[...] os momentos lúcidos destes infelizes são ordinariamente os prelúdios do maior auge de furor, de que são vítimas, quase sempre nas conjunções da lua (Relatório apresentado pelo Presidente da Província do Maranhão, José Manoel de Freitas, em 1877). As incertezas se prolongam quando o assunto é o tratamento colocado em prática. Ainda dentro daquela divisão entre calmos e furiosos, a estes últimos estavam destinadas as chamadas células, quartos fechados e isolados, e a utilização de camisas de força, feitas de lona ao que tudo indica (Ata da sessão da Mesa administrativa, 03/05/1889, pg.138). Acrescente-se a isso o emprego de medicamentos, infelizmente não especificados nos documentos da Santa Casa, exceção feita a uma lista de gêneros contratados para o mês de Abril de 1883. Nessa ocasião foram mencionadas sanguessugas, ventosas e sangrias. Não há uma indicação clara se elas seriam aplicadas nos alienados ou nos demais pacientes, porém aquelas técnicas faziam parte, por exemplo, do cotidiano do Hospício D. Pedro II, localizado no Rio de Janeiro e sobre o qual falaremos adiante. Percebe-se também que em algumas épocas foram frequentes as reclamações de farmacêuticos de São Luís exigindo que fossem pagos pelas drogas fornecidas (Ata das sessões de 30/04/1883, pg.51; 13/09/1883, pg.59 e 49 13/11/1883, pg.61). Em alguns jornais do final do século abundaram anúncios oferecendo os mais diversos produtos, de “sanguesugas hamburguezas” ao “xarope sedativo de casca de laranja”, passando pela “Solução Antinervosa de Laroyenne”, que prometia pôr um fim em moléstias nervosas e histerias15 (Publicador Maranhense, 04/09/1883 e 25/09/1883; Pacotilha, 02/01/1900). Segundo PORTELA (2000, p.35), em estudo sobre a realidade da Medicina maranhense, esta teve no século XIX um momento decisivo, pois a partir de então o médico teria adquirido uma importância significativa, concentrada no âmbito do hospital, detendo aí “o monopólio da definição legítima acerca do exercício do poder”. Entretanto, quanto ao debilitado serviço prestado pela Santa Casa de Misericórdia aos chamados alienados, o mesmo não era efetuado por um médico especialista na área. Afirmamos isso com base em uma deliberação da Mesa em que ficou decidido que os médicos que atendessem no Hospital de Caridade dividiriam “entre si o serviço medico e cirurgico dos estabellecimentos de caridade” (Ata da sessão de 09 de Abril de 1884). Dentro daquele ambiente, ao lado de alguns indivíduos designados como enfermeiros16, passaram a ter papel de destaque as irmãs de Santa Anna, vindas da Itália por meio de um acordo com a Santa Casa. Assinado em 1887, o contrato previa o seguinte: Art.o 1.o - As irmãs de Santa Anna em numero de quatro se ocuparão do serviço interno do hospital. Art.o 2.o - O numero de irmãs poderá ser augmentado si assim entender conveniente a Mesa administrativa da Santa Casa da Mizericordia [...]. 15 Incluída no rol das perturbações mentais desde fins do século XVIII, associava-se freqüentemente histeria e natureza feminina. Considerava-se a constituição anatômica da mulher como mais propensa a esse tipo de situação. A histeria também era entendida como decorrente de possíveis anomalias na sexualidade. Na passagem do século XIX para o XX, essas concepções teriam se aprofundado ainda mais (ENGEL, 2001). 16 No Brasil, a criação da Escola Profissional de Enfermeiros data de 1890. Porém, somente em 1926 seria oferecida uma disciplina voltada especificamente às doenças mentais (BELMONTE, 1998). 50 Anos depois, o Mordomo dos Hospitais mandaria vir de Roma mais duas irmãs, consideradas “muito necessarias para o serviço do hospital... visto que só quatro existentes não podem desempenhar todas as funcções”. Destas, uma ficaria responsável pelos alienados e a outra do “serviço da porta, revesando-se com as demais do Estabelecimento” (Ata da sessão da Mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, 16/08/1890, pg.29-30). Por mais que em determinados discursos parecesse haver uma tentativa de oferecer maiores e melhores cuidados às pessoas internadas por alienação, e não duvidamos que em alguns momentos essa intenção fosse realmente sincera, na realidade de cada dia diluíam-se em decorrência de uma falta de preparo, seja no aspecto da infra-estrutura ou na qualificação do pessoal empregado. A mudança de regime praticamente nada alterou nessa situação. Monarquia ou República, em ambas manifestava-se a precariedade no atendimento a esses indivíduos. A própria admissão de internos podia ser muito menos guiada por critérios médicos, que buscassem um tratamento que de fato reabilitasse, do que por pressões externas. De acordo com o Mordomo Mourão, naquele caso do alienado Luiz Cunha, que abriu este capítulo, a Santa Casa, por receber uma subvenção do Estado para este fim, “não podia recusar a remessa de um doudo que lhe era enviado pelo Dr. Chefe de Polícia” (Ata da sessão extraordinária da Mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia, 06/06/1892, pg. 70). A cascata de insatisfações levou a uma decisão que foi consagrada na época como a solução de todos os problemas: a separação definitiva entre as várias enfermidades que confusamente se misturavam no Hospital de Caridade. Desse modo, o recolhimento dos alienados teria que mudar de endereço, para que fossem finalmente postos num local distante, onde não mais pudessem exibir sua “infelicidade”. 51 4. O PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO HOSPÍCIO “Arrancaram o cadarço de teus sapatos, tuas facas, tuas casas, teus jardins. E como não bastava, perseguiram-te, acossaram-te: sobre tuas mãos, sobre teus pés, seus olhos se pousaram em busca do absurdo. E não foi bastante: fecharam-te portas sucessivas, e ainda isso não bastou, tomavas demasiado espaço, ouviam-te a voz, ouviam-te os passos. Vieram por trás, atacaram-te, cobriram teu corpo do pano do falso sono. Mas não bastava ainda, lançaram sobre ti a sombra e os muros que te haviam deixado. Teriam desejado murar-te os gritos, os olhos, teriam desejado que desaparecesses” (André Henry). Em uma das salas do Palácio do Governo tivera início mais uma sessão da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia. Era o dia 26 de julho de 1882. Estavam presentes, no habitual horário do meio-dia, o Presidente da Província e Provedor da Santa Casa, José Manoel de Freitas, e os demais mesários. Àquela ocasião somou-se uma nova personagem: Wenceslao Alexandrino Paes, tabelião interino. Sua missão era proceder à leitura de uma escritura, por ele elaborada, para a compra de uma quinta escolhida para abrigar um projeto que vinha há algum tempo sendo acalentado pela Irmandade da Misericórdia: a construção de um hospital destinado exclusivamente aos chamados alienados (Ata da sessão de 26/07/1882, pg.28). Meses antes desse encontro fora levantada pela Mesa a conveniência de se adquirir dois prédios que ficassem localizados nos subúrbios da cidade, aos quais se transfeririam os “infelizes morpheticos e alienados”, cujo tratamento ficava a cargo da Santa Casa. Alguns mesários foram logo encarregados de sair à procura de lugares que atendessem aquela exigência. Para que fossem recebidos os alienados considerou-se satisfatória a quinta pertencente ao indivíduo de nome José Rodrigues Vidal Junior, chamada sugestivamente de 52 Boa-Hora, que preenchia a condição de ser afastada das áreas movimentadas de São Luís, localizada na então distante Madre de Deus. Manoel Duarte Godinho e Américo Vespúcio dos Reis, respectivamente o Mordomo dos hospitais e o Mordomo dos edifícios da Irmandade da Misericórdia, foram convocados para estabelecer conversações com o proprietário da quinta, que declarou vendê-la pela quantia de nove contos de réis (9:000: 000). A proposta foi levada à discussão pelos mesários, alguns dos quais se expressaram sobre a necessidade de arrematar logo o negócio. Enfim tomou-se uma decisão: o engenheiro Candido Sonher Barbosa deu o seu aval após examinar as instalações oferecidas pela quinta, alertando, contudo, para a necessidade, devido aos objetivos que se tinham em mente, da realização de algumas obras e alterações (Atas das sessões de 24/04/1882, pg.22; 23/05/1882, pg.24; 06/06/1882, pg.25). Tudo isso parecia o alcance definitivo de um anseio longamente nutrido. A recepção a tal projeto foi marcada por júbilo e expectativas indisfarçáveis por parte da Irmandade da Misericórdia. O já citado Mordomo Godinho, que esteve à frente dos primeiros tempos das obras, demonstrava imensa confiança e entusiasmo, e chegou a declarar cheio de sentimentalismo que possuía “o coração repleto do mais vivo prazer”. Em um relatório que enviou ao Presidente/Provedor José Manoel de Freitas, temos uma idéia da importância atribuída, das justificativas elaboradas e dos objetivos que se pretendiam colocar em prática (ao menos os declarados) em relação a tal estabelecimento: Sim, o hospicio de alienados do Maranhão não é mais um mytho; é uma realidade: modesto em sua construção e tamanho; porem, grande e explendido, nos beneficios que vai prestar àquelles que perderão o que possuião de mais caro e necessário no mundo-a luz da razão-[...] Ora, sendo certo que no hospital de caridade, no meio de doentes de outras moléstias, não se encontrão os commodos apropriados à cura dos alienados; é fora de toda a duvida que o hospício que se esta fazendo preencherá esta falta, que tanto mais sencivel se tem tornado, quanto é certo que o numero de doudos tem augmentado consideravelmente (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883). 53 Este projeto de construção de um hospital exclusivo para alienados pode ser visto como uma espécie de eco de uma tendência que, desde as primeiras décadas do século XIX, vinha conquistando terreno no Brasil. 4.1 A TRAJETÓRIA DA INSTITUIÇÃO ASILAR “Aos loucos, o hospício”. Esse foi o brado que começou a ser ouvido no Brasil, principalmente na Corte Imperial, a partir dos anos de 1830. O que tem essa data de tão significativa e que relações mantém com aquela palavra de ordem? Essa década foi marcante e decisiva para a Medicina, e para a ciência brasileira de forma geral, pois assistiu ao início de um conhecimento e práticas médicas mais elaboradas e articuladas, sendo apontados como marcos de todo esse processo a criação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e a fundação das Faculdades de Medicina nesta cidade e em Salvador (ANTUNES, 1998). Como vimos no capítulo 1, nesta época a Medicina Social começou suas tentativas de colocar em prática um discurso que se propunha organizador dos ambientes e instituições das cidades. Um dos alvos preferidos eram os hospitais, e é aqui que se começa a discutir com mais profundidade a questão dos loucos. Considerava-se que estes, por sofrerem de uma doença específica, não poderiam dividir os mesmos espaços com enfermidades de outra natureza e muito menos serem encarcerados nas cadeias públicas. Somava-se a isso o fato de que muitos daqueles classificados como loucos circulavam pelas ruas da cidade, o que era visto com alarme ao se enxergar aí um foco de perigo não só à segurança física das pessoas que transitavam pelas vias públicas como à própria moralidade, quando seus atos eram interpretados como uma afronta e uma vergonha aos ideais de bons costumes (MACHADO, 1978). 54 Passa-se a fazer a defesa da construção de um local que fosse destinado exclusivamente ao abrigo desses indivíduos, que deveria ficar distante das áreas povoadas, buscando uma mútua preservação: aos loucos a tranqüilidade longe da agitação urbana; aos cidadãos um ambiente tranqüilo longe da agitação dos desatinados (ENGEL, 2001). Procurou-se reproduzir aqui algo que, desde o fim do século XVIII, vinha acontecendo principalmente na Europa, e que tradicionalmente tem a atuação do psiquiatra francês Philippe Pinel apontada como o grande marco, uma quebra no que até então predominava no pensamento e nas respectivas aplicações de “tratamento” (SILVA FILHO, 1987). Na Idade Média, considerava-se o louco de maneira um tanto quanto ambígua: ora poderia ser visto como um mensageiro divino cujo recado deveria ser decifrado, ora era encarado como alvo de alguma expiação de pecados, isso quando não era enquadrado na categoria “possuído pelo demônio”. Tudo conseqüência de uma total incompreensão, encarnada nas falas cujo sentido não se conseguia penetrar (PESSOTI, 1994). Apesar disso, não havia a prática de recolher os loucos, ou melhor, o confinamento existente era uma exceção em um ambiente marcado por uma quase indiferença em relação à loucura. Em alguns círculos, como nas artes, são encontrados até mesmo momentos de exaltação, ou pelo menos é percebida uma presença significativa da loucura em suas temáticas: do quadro “Nau dos Loucos”, de Jerônimo Bosch, ao Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdã, passando pela obra de William Shakespeare (FOUCAULT, 2002). A primeira mudança nesta atitude teria como marco originário a noção de que todos deveriam de alguma maneira ser úteis à produção. Passa-se a cobrar o trabalho e a perseguir qualquer postura considerada como vadia. Para aqueles postos à margem diante de tal classificação, uma possibilidade começa a ser aventada cada vez com mais intensidade: o encarceramento em edifícios para tal finalidade construídos ou reformados. Seu alvo 55 preferencial? Velhos e crianças abandonadas, mendicantes, aleijados, portadores de doenças venéreas, órfãos e loucos. Esses estabelecimentos funcionavam como depósitos humanos sem qualquer preocupação com uma futura reintegração desses indivíduos à sociedade, não se valendo, portanto, de nenhuma prática terapêutica ou pedagógica (Silva Filho, 1987). Predominou durante cerca de dois séculos aquilo que Foucault chamou de “Grande Internação”. Em toda a França, por exemplo, foram criados inúmeros Hospitais Gerais que, apesar do que o nome poderia indicar, não se constituíam em estabelecimentos médicos, mas apresentavam de fato “uma estrutura semijurídica, uma espécie de entidade administrativa que, ao lado dos poderes constituídos, e além dos tribunais, decide, julga e executa” (FOUCAULT, 2002, p.50). Este tipo de instituição logo adquiriu amplitudes maiores, espalhando-se por toda a Europa num verdadeiro pente fino sobre todos aqueles que compunham, segundo a visão da época, a escória da sociedade. Ainda de acordo com FOUCAULT (2002, p.78-83), esse é: [...] o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo, o momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade. O internamento aproximou, num campo unitário, personagens e valores entre os quais as culturas anteriores não tinham percebido nenhuma semelhança. Imperceptivelmente, estabeleceu uma gradação entre eles na direção da loucura, preparando uma experiência - a nossa - onde se farão notar como já integrados ao domínio pertencente à alienação mental. Apesar das diferentes situações, todos acabavam sendo igualados pela não adaptação aos padrões de comportamento vigentes, aos critérios de produtividade e inserção social. O louco, considerado um ser no qual a razão fora abolida, era até mesmo visto sob um estigma de animalidade. Uma desumanização que se refletia nos destinos que lhes eram dados: correntes de ferro, grilhões e grades (RESENDE, 2000). 56 A partir de fins do século XVIII uma mudança começou a ser operada. A assistência aos pobres foi revestida agora de um outro tipo de pensamento. O internamento passou a ser visto como um reforçador da miséria, influindo na sua proliferação. Houve então um redirecionamento no que diz respeito ao destino a ser dado àqueles considerados incapazes. Ao invés de enfiá-los indefinidamente em instituições que de fato não passavam de prisões, intentava-se agora “recuperá-los”, entendendo-se isto como tentativas de transformálos em mão de obra a ser absorvida pelo processo de industrialização em pleno curso. Via-se como desperdício muito maior o fato de ter de sustentá-los enquanto precisava-se de braços (SILVA FILHO, 1987). Desse modo, e sob essas condições, é que aqueles indivíduos foram postos em liberdade. E aí temos, em Paris no ano de 1793, a nomeação de Philippe Pinel na administração do Hospital de Bicêtre. A partir desse instante, todo aquele espaço que outrora estivera marcado por uma intensa confusão que reunia pessoas encarceradas pelos mais diferentes motivos, seria ocupado unicamente pela loucura, consolidado o seu caráter de doença, marcada por toda uma singularidade: não se tratava de qualquer enfermidade, mas sim doença mental. Uma doença “adjetivada, portanto específica, que requer um saber médico específico, técnicas e métodos também específicos” (SILVA FILHO, 1987, p.86). A partir da atuação de Pinel e de seus seguidores, o louco passaria a ser encarado como um doente que poderia ser resgatado a sua condição de cidadão. O passo essencial está dado: o internamento recebeu sua carta de nobreza médica, tornou-se lugar de cura, não mais o lugar onde a loucura espreitava e se conservava obscuramente até a morte, mas o lugar onde, por uma espécie de mecanismo autóctone, se supõe que ela acabe por suprimir a si mesma (FOUCAULT, 2002, p.433). Os instrumentos que foram então postos em prática eram determinados diretamente pelas explicações dominantes em relação às possíveis etiologias (causas) da 57 loucura. Vigorou até princípios do século XIX, tendo como principais representantes Pinel e seus seguidores, uma concepção de loucura que a identificava a desequilíbrios, a distorções na natureza do homem que deveriam ser corrigidas. Esses desvios teriam como origem exageros, falhas de comportamento, excesso nas paixões e nos sentimentos, desregramentos de costumes. Em suma, a loucura era um problema ligado principalmente a fissuras na estrutura moral e comportamental do indivíduo. Assim, nesse primeiro momento, recomendava-se aquilo que ficou conhecido como tratamento moral, cujos objetivos seriam principalmente corrigir os hábitos que estariam contribuindo para a alienação. Como salienta PESSOTI (1996, p.99), a pretensão era “enquadrar o comportamento desviante dentro de padrões éticos”, deixando visível que tais padrões seriam, necessariamente, “outros que os das classes sociais inferiores ou incultas”. Para tamanho empreendimento considerava-se que a cura estava diretamente ligada a uma minuciosa observação do paciente, a um acompanhamento detalhado de todas as suas atitudes e de suas variações de comportamento. É aí que entra o manicômio como instrumento essencial nesse processo: sem interferências externas, sem distrações que atrapalhem o “cara-a-cara” entre observador e observado. Um local que preparado para atender às necessidades prescritas pelo médico, se transformaria no ambiente ideal para a cura, quando esta fosse possível, ou para o recolhimento definitivo daqueles diagnosticados como incuráveis (PESSOTI, 1996). Para esses alienistas o principal era valer-se de estratégias que reeducassem os pacientes, que exterminassem suas idéias equivocadas e seus vícios. Desse modo, apesar de existente, o recurso a drogas e medicamentos ficava em segundo plano. A extinção de algemas e correntes, fato que se tornou emblemático na história da Psiquiatria, representava para os primeiros alienistas a necessidade de fazer com que os loucos tivessem liberdade de movimento e locomoção dentro dos manicômios, e assim pudessem exprimir os sintomas de 58 sua loucura, que seriam então observados e analisados pelos médicos. O que não significa que, naquelas situações de maior agitação, não se utilizassem outros instrumentos de contenção, como a camisa de força (PESSOTI, 1996). Assistiu-se então a uma proliferação desse tipo de estabelecimento, cuja intensidade foi tamanha no século XIX que PESSOTI a ele se referiu como sendo “o século dos manicômios” (ver Anexo na página 70). Ilustração 2 - Representação emblemática do significado conferido ao longo dos séculos à figura de Pinel: o homem que libertou os loucos de algemas e grilhões. Entretanto, se para muitos a atitude de Pinel deve ser encarada como o advento de um tratamento mais humanitário, para outros houve apenas a inauguração de uma nova modalidade de aprisionamento, cheia de preconceitos e de uma moralidade excludente e impositiva: Vigilância e julgamento: já se esboça uma nova personagem que será essencial no asilo do século XIX [...] Algo acaba de nascer que não é mais repressão, porém autoridade. Até o final do século XIX, o mundo dos loucos estivera povoado apenas pelo poder absoluto e sem rosto que os mantinha encerrados; e nesses limites estava vazio de tudo o que não era a própria loucura; os guardiães eram freqüentemente recrutados entre os próprios doentes [...] O espaço reservado pela sociedade à 59 alienação vai ser doravante assombrado pelos que estão “do outro lado”, e que representam ao mesmo tempo os prestígios da autoridade que interna e o rigor da razão que julga... a derrota do desatino está antecipadamente inscrita na situação concreta em que se defrontam o louco e o não louco. A ausência da coação nos asilos do século XIX não é desatino libertado, mas loucura há muito dominada” (FOUCAULT, 2002, p.482-483). Com o tempo, aquele tipo de instituição preconizada pelos primeiros alienistas foi se desvirtuando de sua concepção original. Em parte devido a uma série de inadequações relativas aos modos de se lidar com os internos. Houve cada vez mais uma espécie de naturalização das táticas repressivas, sendo frequentes os abusos. Se antes esses métodos mais duros estavam a serviço da correção dos vícios e dos erros de comportamentos, num segundo momento não passavam de meios para assegurar a disciplina dentro da instituição, “recursos que agora visavam ao bem da instituição e de quem a controlava; não mais ou não necessariamente, ao bem do paciente alienado” (PESSOTI, 1999, p.141-142). Outro fator que determinou uma mudança no caráter dos manicômios e principalmente nas formas de tratamento dispensadas foi a penetração cada vez mais intensa da interpretação organicista da loucura. Se anteriormente predominou a idéia segundo a qual a loucura era essencialmente uma afecção das paixões, um desvio de comportamentos e hábitos, a partir de meados do século XIX dava-se muito maior crédito às explicações que situavam o louco como alguém sofredor de uma lesão orgânica, localizada na maioria das vezes no encéfalo. Tal mudança na orientação teórica não deixaria de ter seus reflexos nos mecanismos de cura aplicados no interior dos estabelecimentos psiquiátricos. A ação não deveria mais se concentrar na correção dos costumes, mas sobre a região do corpo lesionada. Logo, pouco importava as instalações físicas oferecidas pelos manicômios, bem como as posturas e as constantes observações do olhar médico. 60 [...] para o médico que acredita na eficácia curativa de uma determinada droga, cuja ação se deve exercer sobre o encéfalo, independentemente de qualquer participação do paciente, sem qualquer relação com seus estados afetivos, a atuação médica pode esgotar-se na mera prescrição de um determinado fármaco. Mesmo à revelia do paciente. A ação terapêutica não é do médico: é do fármaco. O remédio precisa estar presente. Não o médico (PESSOTI, 1996, p.172-173). O tratamento físico é então aplicado à larga. Não que tenha sido uma invenção do organicismo. Banhos, dietas e medicamentos também foram utilizados pelos chamados “moralistas”. O que muda é a intensidade. Às camisas de força acrescentam-se objetos como a máscara de Autenricht, de couro rígido e utilizada para sufocar os gritos dos mais agitados, ou idéias como a das “doenças contrárias”, que pregava o tratamento da loucura através da aplicação de outras afecções físicas, acreditando-se impor assim ao louco a necessidade de manter-se consciente quanto a realidade a sua volta (PESSOTI, 1996). No Brasil, o primeiro local destinado a receber exclusivamente as pessoas portadoras de alguma enfermidade mental foi o Hospício de Pedro II, criado pelo decreto no 82, de 18/07/1841, e inaugurado em 05/12/1852, com a pretensão de abrigar os “alienados de ambos os sexos de todo o Império, sem distinção de condição, naturalidade e religião” (ENGEL, 2001, p.205). Localizado em uma região distante do centro do Rio de Janeiro, mais precisamente na Praia Vermelha, pretendia-se pôr fim ao vaguear dos loucos pelos espaços públicos da cidade, bem como dar início a um tipo de assistência diferente em relação a que era então praticada no interior da Santa Casa de Misericórdia, instituição responsável pelo atendimento desses casos17. 17 Inicialmente a capacidade do Hospício Pedro II era de 350 pacientes. Ao abrir, recebeu de imediato 144 doentes, atingindo a lotação completa pouco mais de um ano depois (RESENDE, 2000). 61 Além da defesa de um espaço específico e, portanto, mais organizado, argumentava-se da necessidade de um tratamento mais humanizado que evitasse a prática de expor os loucos como verdadeiros espetáculos ao divertimento público, conseqüência de uma falta de separação entre o ambiente interno do hospital e o mundo exterior a ele. Assim é que a criação do hospício obedeceu a uma espécie de “banimento dos limites urbanos” (ENGEL, 2001, p.194). Arquitetonicamente o edifício se apresentava [...] disposto em um grande retângulo, compreendendo quatro grandes pátios internos, separados pelo corpo central da construção, garantindo-se assim o distanciamento entre as alas masculinas e femininas do asilo. A existência de apenas uma entrada – localizada no bloco central – concretizava a perspectiva de isolar o mundo do asilo do mundo exterior, reforçada por sua localização num sítio relativamente afastado (ENGEL, 2001, p.203). Confiava-se que tal lugar abriria a possibilidade de um processo de medicalização da loucura, em que seus pacientes estariam sob o olhar, a vigilância e a competência dos médicos, impedindo a interferência de outros poderes, considerados despreparados e ineficazes para agir neste tipo de situação. A intenção era anular o máximo possível, após o ato da internação, influências como familiares e instâncias policiais e jurídicas. Durante décadas esse foi um anseio que ficou sem uma resposta completamente satisfatória, já que pelo menos até o início do período republicano o Hospício de Pedro II esteve sob a administração direta da Santa Casa, apesar de ser um prédio à parte (ENGEL, 2001). Os médicos constituíam um entre vários poderes que eram exercidos dentro do hospício, e pode-se dizer que com bastante freqüência estiveram longe de ser o mais forte, ocupando um papel até mesmo secundário se comparado ao desempenhado pelas irmãs de caridade ou pelos enfermeiros, cuja presença se mostrava muito mais habitual (RESENDE, 2000). O projeto de medicalização se via muito enfraquecido, impedido também pela falta da produção de um saber a partir da vivência nas dependências do hospício. 62 Os alvos que se tinham em mente eram aqueles indivíduos cuja liberdade, segundo o discurso médico, representava um grande perigo a toda a sociedade. Segundo ENGEL (2001), as pessoas com maiores condições materiais, quando possuíam na família alguém considerado louco, providenciavam geralmente um espaço separado em suas próprias residências. Logo, aqueles aos quais se pretendia internar pertenciam às camadas mais pobres da população da Corte18, eram aqueles vistos como “completamente sós e abandonados que sobreviviam mediante atividades consideradas inúteis ao progresso da sociedade”, e cuja única saída possível seria o recolhimento no hospício “para preservar aqueles que, em oposição, fariam falta não apenas às suas famílias, mas à própria sociedade” (ENGEL, 2001, p.197). Como ressalta RESENDE (2000, p.39): Remover, excluir, abrigar, alimentar, vestir, tratar. O peso relativo de cada um desses verbos na ideologia da nascente instituição psiquiátrica brasileira pendeu francamente para os dois primeiros da lista, os demais não entrando nem mesmo para legitimá-los. A função exclusivamente segregadora do hospital psiquiátrico nos seus primeiros quarenta anos de existência aparece, pois, na prática, sem véus ou disfarces de qualquer natureza. Internamente procurava-se aplicar no Hospício de Pedro II um sistema marcado por inúmeras divisões, como a separação entre os sexos e a diferenciação entre pacientes internados gratuitamente e aqueles que eram pensionistas (1 a, 2a e 3a classes). Contudo, mesmo utilizando tais classificações, persistiam problemas relacionados à intensa convivência entre internos que apresentavam as mais variadas modalidades de loucura, isso quando não havia a reclamação de que pessoas totalmente alheias ao hospício circulavam em suas dependências (ENGEL, 2001). 18 CARNEIRO (1993), analisando o Asilo de Alienados São João de Deus, na Bahia, constata o fato de que a maior parte dos internos era negro, mulato ou pardo, tendo sido encontrados vivendo em grande estado de mendicidade. 63 Confusão que também se fazia presente nas técnicas empregadas no tratamento das enfermidades, quando se apresentava como muito tênue a demarcação entre instrumentos terapêuticos e aquilo que poderia ser considerado simplesmente como um meio de repressão e violência, a exemplo da “hidroterapia ou balneoterapia” - que poderia incluir os mais diversos “tipos de banho, quentes ou frios, de imersão ou sob a forma de fortes duchas” - e da eletroterapia. Substâncias farmacológicas, aplicação de sangrias, através de sanguessugas ou de ventosas, e vesicatórios eram recursos disponíveis dentro do Hospício Pedro II. A esses se somavam também a “distração e a educação do corpo e da mente por intermédio da música, dos passeios e exercícios ao ar livre, da leitura etc” (ENGEL, 2001, p.310). Mesclavam-se assim meios terapêuticos característicos tanto da concepção organicista da loucura, quanto da interpretação mentalista divulgada por Pinel. No Brasil, essas duas noções combinavam-se em uma mesma experiência, “em que a exclusão do ‘louco’ deveria ser compartilhada com a prevenção social da loucura” (ANTUNES, 1998, p.45). Uma alternativa bastante utilizada foi a recorrência a atividades físicas, que teriam alcançado a preferência dos médicos e administradores se comparadas às atividades intelectuais, pelo menos no tratamento daqueles pacientes menos afortunados financeiramente, os quais eram postos para desempenhar alguns trabalhos que beneficiavam a própria instituição: seja produzindo algo para consumo no próprio hospício, ou vendendo parte do fruto desse trabalho, cujos rendimentos ajudavam nas despesas cotidianas. Nesse ponto, considerando a inserção de toda prática psiquiátrica em um contexto social, vê-se aí a distinção do normal e do patológico assimilando os mesmos valores da sociedade, havendo de certo modo o empenho em “devolver à comunidade indivíduos tratados e curados, aptos para o trabalho”, passando este a ser “ao mesmo tempo meio e fim do tratamento” (RESENDE, 2000, p.47). 64 Apesar da grande louvação com a qual fora recebido, o Hospício de Pedro II não deixava de demonstrar suas intensas limitações naquela que sempre foi a sua maior ambição: a realização de um espaço efetivamente medicalizado para a loucura. Durante os primeiros quarenta anos de sua existência abundaram as críticas quanto ao trabalho que ali estava sendo desenvolvido. Reclamações que tinham como origem não somente o ambiente extra-muro, mas que partiam mesmo daqueles que tomavam parte de sua administração, principalmente os médicos, insatisfeitos com as restrições com as quais tinham que se deparar nos corredores do hospital, às vezes sem autonomia para definir internações, permanências e tratamentos a serem aplicados (ENGEL, 2001). Com o início do regime republicano, algumas modificações começaram a ser operadas no âmbito da assistência à doença mental. Pode-se estabelecer grosseiramente o período imediatamente posterior à proclamação da República como o marco divisório entre a psiquiatria empírica do vice-reinado e a psiquiatria científica, a laicização do asilo, a ascensão dos representantes da classe médica ao controle das instituições e ao papel de portavozes legítimos do Estado, que avocara a si a atribuição da assistência ao doente mental [...] (RESENDE, 2000, p.43). Algumas amostras da maior sensibilidade do Estado em relação às reclamações do discurso psiquiátrico podem ser verificadas em medidas como a separação do Hospício de Pedro II (a partir de então Hospício Nacional de Alienados), da administração da Santa Casa de Misericórdia (11/02/1890) e a criação da Assistência Médica e Legal de Alienados (15/02/1890), composta pelo Hospício Nacional e mais as colônias de São Bento e Conde de Mesquita (ENGEL, 2001). Os ventos da República teriam soprado com mais força, arrastando um número maior de pessoas às portas do mundo do hospício, quando os psiquiatras estariam munidos da crença de que, ligado ao crescimento da população urbana, haveria necessariamente e em 65 igual proporção - ou até em proporções maiores – a elevação do número de doentes mentais. Teria-se assistido a uma espécie de alargamento dos limites da anormalidade. ENGEL (2001, p.279) cita inclusive o caso em que na categoria de doentes mentais poderiam ser colocados militantes de movimentos contestatórios à ordem estabelecida: [...] o Dr. Fernandes faria questão de frisar que o “tipo de louco moral no momento presente é o anarquista, que corresponde a um estado definitivo da loucura, nascendo da luta social, da desarmonia entre o capital e o trabalho”. Entretanto, mesmo com o aumento dos poderes médicos dentro do hospício, esse continuaria a ser alvo de duras críticas e insatisfações. As reformas que foram operadas em sua estrutura e administração, qualificadas muitas vezes como emblemáticas “de modernidade e de progresso” e guiadas “pelos mais avançados padrões e valores burgueses de civilização e de civilidade”, não passaram freqüentemente de uma carta de intenções, ou quando muito foram só parcialmente postas em prática (ENGEL, 2001, p.320). Causas para tais limitações são apontadas na superlotação e na insuficiência, numérica e qualitativa, dos profissionais responsáveis pelas atividades do hospício. A figura do enfermeiro não raramente se constituía de “um agente intermediário entre o guarda e o médico”, executando os meios repressivos prescritos por este último (BELMONTE, 1998, p.85). Isso quando não agia por iniciativa própria, respaldado pela certeza da distância de um olhar vigilante e punitivo. No Hospício Nacional de Alienados continuariam a existir aqueles instrumentos que primavam pela utilização da violência física, pela agressão ao corpo, de fácil aplicação e efeito, ao menos se considerarmos a conveniência de manter-se submissos aqueles alienados vistos como impertinentes em seus delírios, teimosos na permanência de sua loucura. O discurso presente nos primeiros anos do regime republicano, direcionado à assistência psiquiátrica, parece não ter passado mesmo disso. Palavras logo esquecidas e ignoradas, condizentes ao tratamento que sempre fora destinado aos chamados alienados. Comparando a 66 esse respeito os dois regimes, Monarquia e República, reproduzimos mais uma vez as palavras de ENGEL (2001, p.328), quando afirma que se as idéias eram muito parecidas, a prática de modo mais profundo foi essencialmente a mesma, pois “a exclusão reinava absoluta sobre qualquer objetivo de recuperação e/ou de reintegração”. 4.2 QUANDO A HORA JÁ NÃO PARECIA TÃO BOA É nesse contexto que deve ser entendida a preocupação em se levar a cabo a criação de um hospício também no Maranhão. As justificativas locais eram muito similares àquelas encontradas no caso do Rio de Janeiro. Quanto ao projeto a ser finalizado na quinta Boa Hora, não tardaram a aparecer os primeiros problemas envolvendo a carência de recursos considerados necessários ao bom andamento das obras. Os gastos com a construção do hospício se transformaram às vezes em objeto de vasta discussão entre os administradores da Irmandade da Misericórdia. O Mordomo dos Hospitais, Manoel Godinho, chegou a propor que ao engenheiro Candido S. Barbosa, que estava à frente dos trabalhos, fosse concedida uma “gratificação mensal”. Julgou razoável o valor de duzentos mil réis (200:000). Os mesários, entretanto, justificando-se com o argumento de que a Irmandade deveria fazer economias com as obras, determinaram que aquela quantia fosse reduzida pela metade. Não foi preciso esperar muito pela resposta: três dias se passaram quando o Provedor, convocando extraordinariamente uma sessão da Mesa, revelou que o engenheiro o procurara, considerando a última proposta incondizente com os seus serviços, “em vista do que se paga a qualquer operário”. A comissão responsável pela construção do hospício foi convocada para mediar um acordo, no qual a Irmandade obrigava-se, conforme suas posses, a dar a Candido Barbosa uma compensação. De nada adiantou. Em 1o de Agosto de 1882, menos de uma semana após ser 67 lavrada a escritura de compra da quinta, o engenheiro despediu-se19. Atitude que foi semanas depois acompanhada pela dissolução da própria comissão. Godinho, que pelo cargo que ocupava sempre se mostrou o mais presente, assumiu inteiramente a direção do projeto, ainda afirmando que “em pouco tempo se poderia fazer a inauguração d’aquele estabelecimento” (Atas das sessões de 26/07/1882, pg.28; 29/07/1882, pg.30; 23/08/1882, pg.31). Ledo engano. As restrições orçamentárias logo levaram a uma redução do número de trabalhadores, “ficando alli apenas quatro pedreiros e sete serventes” (Ata da sessão de 23/08/1882, pg.31). Em comunicação destinada ao Presidente da Província, e Provedor da Santa Casa da Misericórdia, Carlos Fernando Ribeiro, o Mordomo Godinho pede ajuda para solucionar uma greve recém começada: Não se tendo pago já quatro férias, com a que se venceu hontem, resolverão os carpinas, pedreiros e serventes da obra do hospicio de alienados suspender o trabalho ate serem pagos, ao menos da metade de seus jornais, visto como lhes faltão os recursos necessarios para viver[...] (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 01/08/1883). Nesse mesmo ano, de acordo com algumas indicações das fontes pesquisadas (sem, contudo, maior precisão quanto a exatidão da data), as obras foram paralisadas por falta de recursos. Decisão da Mesa administrativa “ate que melhorassem as finanças da Irmandade” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 31/01/1884). A estratégia de contenção de gastos chegou a ponto de resolver-se pelo fim do pagamento do feitor e servente da quinta Boa Hora, pois se considerava “que se pode encontrarem-se pessoas que somente com moradia gratuita na casa e o rendimento das frutas 19 Candido Barbosa não se manteria totalmente desligado das obras do hospício. Ainda em Agosto de 1882 esteve preparando a planta e o orçamento, tarefa pela qual receberia RS 200.000, assim que os entregasse à Irmandade. Ganharia também, do tesoureiro, uma gratificação correspondente à dívida que ele possuía relativa ao aluguel da casa em que vivia. Em Janeiro de 1885 assumiu o cargo de Mordomo dos Edifícios (Atas das sessões, 23/08/1882, pg.31; 07/01/1885, pg.76). 68 sujeitem-se a esse serviço” (Sessão administrativa de 15/04/1886, pg.97). Não sabemos se na ocasião a proposta foi aceita pelo dito feitor, porém anos depois a idéia, pelo que parece, continuava agradando, sendo acrescida de mais um item que pouparia as contas da Santa Casa: [...] que a quinta da Boa Hora ficasse sob a immediata inspecção do almoxarife, podendo elle n’ella morar, e sendo n’este caso obrigado a fazer os reparos indispensáveis a conservação[...] (Ata da sessão extraordinária, 09/03/1889, pg.133). Emblemático a este respeito é acompanhar as mudanças sofridas no discurso do Mordomo Godinho à medida que o tempo foi passando e as dificuldades se acumulando. Se num primeiro momento a inauguração do hospício seria um acontecimento para logo, posteriormente a construção se daria “pouco a pouco”, até que restou por fim um quase desabafo, uma espécie de apelo aos céus ou à Providência: “seja-me permettido dizer que não perdi ainda, antes tenho toda a esperança de ver concluido esse edificio...” (Mordomia dos Alienados e Morféticos a cargo da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 20/02/1887). A primeira menção que encontramos relativa aos recursos a serem destinados à construção do hospício data do dia 11 de Maio de 1882, quando foi criada a Lei Provincial no 1259, sancionada pelo então Presidente da Província José Manoel de Freitas. No seu Art. 1.o estabeleceu-se que: Ficam concedidas nove loterias de trinta contos de reis cada uma, conforme o plano approvado pelo presidente da provincia, sendo tres em beneficio da Santa Casa da Misericórdia d’esta provincia, tres para a acquisição de um novo asylo para os lazaros, e tres para um hospital destinado aos alienados (Collecção das Leis Provinciais do Maranhão 1882 Maranhão-Typ. Da Pacotilha 1882). Contudo, logo no mês seguinte, o Secretário da Santa Casa enviou uma comunicação ao Presidente da Província pedindo que entregasse ao Tesoureiro daquela 69 instituição a quantia de seis contos de reis (6.000.000) correspondentes aos recursos que seriam destinados à alimentação dos alienados durante o período de 1882-1883. Isso para que se efetuasse o pagamento da quinta Boa Hora, “por não haver nos cofres da Irmandade a quantia para isso precisa” (Ata da sessão de 30/06/1882, pg.7). Assim, diante de uma carência de dinheiro, a alternativa escolhida foi tirar daqueles pelos quais se estava fazendo tamanha benfeitoria. Os alienados davam, mesmo que forçosamente, a sua contrapartida. No princípio das obras a confiança era reforçada pelas expectativas de que o projeto não se constituiria em algo oneroso, utilizando-se como parâmetro o estabelecimento análogo construído na Bahia. Inaugurado em 1874, o hospício S. João de Deus levou cerca de cinco anos para ficar pronto, a um custo de pouco mais de trezentos contos de réis (304:069: 933). À parte a soma de 64:732: 000 que teria sido utilizada em apólices da divida publica, “destinada ao patrimonio do hospicio, vê-se que aquelle estabelecimento importou em 239.337:933 reis”. Porém, a Santa Casa daquela Província teria gasto “apenas 149.814.203 reis”, ficando o restante por conta do Governo e de particulares (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883). Contudo alertava-se para o fato de que a congênere baiana tivera de recorrer a um empréstimo, e que tal estratégia não seria aconselhável para a Santa Casa maranhense, “porque são escassos os rendimentos de que dispõe e mal chegam para... os seus encargos” (Relatório apresentado pelo Presidente da Província à Assembléia Legislativa do Maranhão, 20/05/1883). Em Abril de 1883 viu-se no patrimônio da Irmandade da Misericórdia uma boa oportunidade de arrecadação de fundos para levar a termo as obras do hospício. Tomou o Mordomo dos Hospitais a seguinte iniciativa: que a Mesa administrativa requeresse o mais rápido possível junto “ao Governo Imperial a permissão para applicar exclusivamente ao edificio do hospicio dos alienados” tudo o que fosse amealhado na venda de umas casas localizadas na rua da Paz. Lembrava-se, em tom compensatório, que se por um lado haveria 70 uma baixa nas posses da Irmandade, por outro incluiria ela em seu patrimônio “o novo edificio, com todas as suas obras e appendices, isto é, toda a quinta” (Ata da sessão de 07/04/1883, pg.50). A medida foi aprovada, mas o saneamento das contas do almejado hospício continuaria a ser uma espécie de tarefa de Sísifo: quanto mais se parecia estar perto de um final feliz, mais persistente se mostrava o problema. Segundo o orçamento feito pelos engenheiros Candido Barbosa e Manoel Jansen Pereira, o Hospício de Alienados do Maranhão seria concluído pela quantia aproximada de cinqüenta e um contos de réis (51:036: 620), incluindo aí todos as despesas com a compra, mão de obra e materiais necessários (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 27/03/1884). As loterias concedidas para a construção do hospício, estipuladas pela Lei Provincial no 1259, teriam deixado o benefício líquido de pouco mais de dez contos de reis (10:685: 000), insuficientes para cobrir os gastos já feitos até Maio de 1883, que, segundo o Presidente da Província José Manoel de Freitas, chegavam a 20:642: 122 réis. O mesmo, dirigindo-se à Assembléia Legislativa, cobrava desta a “consignação de um credito compativel com as rendas provinciaes para a coadjuvação d’aquelas obras”, além da concessão anual de mais quatro loterias para os custos com a manutenção do hospício após sua inauguração (Relatório apresentado pelo Presidente da Província à Assembléia Legislativa, 20/05/1883). Em Março de 1884, os gastos já realizados somavam a quantia de 39:115: 758 réis. Nesse mesmo ano foi sancionada, pelo vice-presidente da Província, Barão de Grajaú, a Lei Provincial no 1317, determinando que: Art.1.o Ao hospício de alienados desta cidade são concedidas seis loterias do mesmo valor das outras anteriores [...]. 71 Art.2.o O beneficio resultante destas loterias será applicado à continuação das obras do hospicio, e, si porventura restar ainda algum saldo, será destinado para patrimonio do mesmo hospicio (Leis do Maranhão, 1884-1886). No ano seguinte, a quantia com as despesas feitas nas obras atingiu a marca de 41:075: 973 réis, quando ainda algum entusiasmo traria a constatação de que “falta apenas 9:960: 647 reis” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 1885). Um “detalhe” que jamais se concretizaria. Ao que parece um dos problemas enfrentados estava no fato de que as loterias nem sempre rendiam o esperado, isso quando não chegavam sequer a ser extraídas. No documento acima citado encontramos referência a uma interrupção de loterias destinadas ao hospício, “por cauza da preferencia dada às loterias destinadas à libertação dos escravos, que estão sendo promovidas, por alguns particulares”. Cerca de dois anos depois, a paralisação das obras do hospício foi justificada pela interrupção da extração das loterias a esse fim destinado, em benefício de outras que o documento pesquisado não especifica (Mordomia dos Alienados e Morpheticos a cargo da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 20/01/1887). Fora as loterias, uma outra fonte de aquisição de recursos para a Irmandade da Misericórdia eram as doações de particulares. De acordo com MEIRELES (1994, p.285), após um período de baixa neste tipo de atividade, na segunda metade do século XIX a Santa Casa teria conseguido restabelecer “satisfatoriamente, no seio da comunidade, o bom conceito de que antes sempre gozara”, o que teria contribuído para os “não poucos legados que voltaram a ser-lhe deixados em testamento”. Em 19 de Novembro de 1887 o Barão de Penalva, dirigindo-se ao Provedor da Santa Casa, José Bento de Araujo, e representando um amigo que não desejava ter seu nome revelado, ofereceu àquela instituição quatro apólices da dívida pública geral “de conto de reis cada uma, para o patrimonio do Hospicio de alienados, que se acha em construção, com a 72 condição de ser inalienaveis”. Cinco meses depois, ainda por intermédio do Barão, o doador anônimo ofereceu mais quatro apólices, “de cento de reis cada uma”, exigindo que fossem respeitadas aquelas mesmas condições (Sessões administrativas, 22/12/1887, pg.120; 10/09/1888, pg.123). Muito pouco conseguimos averiguar em relação às características físicas do hospício, ou pelo menos aquilo que se pretendia realizar, tanto em termos arquitetônicos quanto das modalidades de terapêutica que seriam implantadas. Já afirmamos em outra ocasião que a escolha do local obedeceu ao critério de se construir estabelecimentos desse tipo em lugares mais afastados das áreas de maior movimento. Nesse ponto, segundo o Presidente da Província na época, João Capistrano Bandeira de Mello, o hospício estaria localizado “em excellente quinta, convindo a conclusão da obra”, que seria guiada a partir dos “preceitos aconselhados pela sciencia para estabelecimentos congeneres” (Sessão de 07/01/1885, pg. 76). De acordo com as fontes encontradas, a casa então existente na quinta Boa Hora, quando da sua compra, era pequena, não se prestando, “pela divisão e número de quartos, ao myster a que ia ser destinada”. As reformas consistiriam inicialmente em aumentar a capacidade desta casa, que contaria com “alojamentos isolados e separação para os sexos dos alienados” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 17/01/1883). Aqui se nota uma semelhança em relação ao que já vinha sendo praticado em outras instituições do gênero, como o Hospício Pedro II, visto anteriormente. O Hospício de Alienados do Maranhão deveria contar com “céllulas para 20 doudos” (Mordomia dos Hospitais da Santa Casa da Misericórdia, 27/03/1884). Quanto aos materiais empregados nas obras, encontramos poucos dados, referentes à compra de madeiras, figuras de gesso e pedras de cantaria (Atas das sessões de 26/07/1888, pg.28; 25/11/1882, pg.40). 73 Agora, se o prazo de entrega sempre foi uma incógnita, ao menos uma coisa parecia já estar definida, apesar de sua relevância para lá de discutível: é que o Mordomo Godinho, num imenso rasgo de bajulação, encomendara na Europa, a seu próprio custo, um retrato do então Presidente da Província, José Freitas, para colocá-lo “como prova de gratidão na sala de honra do hospital de alienados, no dia em que for este inaugurado” (Mordomia dos hospitais da Santa Casa da Misericórdia do Maranhão, 04/06/1883). À parte essas amenidades, com o passar do tempo marcaram presença as preocupações relativas ao estado de conservação da quinta. A Mordomia dos Hospitais, quando do comando de Manoel da Silva Sardinha, alertava para o fato de ter: [...] cahido uma parte do muro da quinta dos alienados, sendo precizo fazerem-se os concertos convenientes para evitar o ingresso de mal intencionados que ali vam dannificar as arvores e rapinar materiais e outros objectos pertencentes a quinta e às obras que ali se estam fasendo. Foi resolvido que, sendo impossivel erguer-se novo muro na actual estação invernosa... ficava autorizado a mandar faser ali uma cerca que vede toda a comunicação (Ata da Sessão administrativa em 1o de Abril de 1886, pg.96). Seis anos após esse ofício, um acontecimento praticamente idêntico veio a ocorrer: devido às chuvas, parte dos muros da quinta Boa Hora estava desmoronando. Contudo a solução sugerida simbolizava muito bem a mudança de pensamento operada nesse intervalo de tempo. Considerou-se então que a providência “mais acertada” seria não mais os reparos, e sim a venda da quinta (Ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 19/04/1892, pg.64-65). Na verdade, logo no início o projeto de construção do hospício mostrou não ser uma unanimidade entre os membros da Irmandade da Misericórdia. A esse respeito temos o depoimento de Antonio d’Almeida Braga, que mesmo reconhecendo os benefícios que seriam prestados pelo estabelecimento, posicionou-se contrário a sua construção, alegando os 74 grandes gastos já feitos e aqueles que ainda se teriam que fazer. Mesmo assim propôs a realização de um novo orçamento para a conclusão definitiva das obras (Ata da sessão de 15/08/1883, pg.57). Essa posição mais ou menos conciliatória seria progressivamente abandonada. Em Fevereiro de 1889 encontramos o primeiro registro de uma proposta de aluguel da quinta, quando um indivíduo de nome Cyro de Moraes Rego ofereceu a quantia de vinte e cinco mil réis mensais, “obrigando-se ainda a fazer os reparos precisos no referido predio, como sejam assentar as janellas e a porta do corredor” (Ata da Segunda Sessão administrativa em 08/021889, pg.129). Em Março de 1890 decidiu-se aceitar a proposta de Luiz de Almeida Parga, que oferecera cinqüenta mil réis por mês (50:000). O contrato previa que caso o arrendatário desejasse entregar a quinta e desistir do aluguel, deveria avisar a Mesa da Santa Casa com pelo menos sessenta dias de antecedência, e que esta teria que proceder do mesmo modo caso precisasse reaver aquele terreno (Ata da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 29/03/1890, pg.18). Entretanto, após reclamar do preço do aluguel, e alegando motivos de força maior para mudar-se da quinta, Luiz Parga pediu dispensa da obrigação acima referida (Ata da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 07/04/1891, pg.40; 29/05/1891, pg.42). Nesse mesmo ano chegaram duas propostas de compra, partindo de um só interessado. A diretoria da Companhia de Fiação de Tecidos de Cânhamo, fábrica que estava sendo construída ao lado da quinta Boa Hora, colocou assim as alternativas: ou o valor de “dez contos de reis pelo sitio, casas, materiaes e tudo quanto ali se achar actualmente”; ou então “oito contos de reis, podendo a Santa Casa retirar a sua custa os materiaes das casas novas”. Não se entrou em um acordo, pois os representantes da Santa Casa queriam a quantia de doze contos de réis, mais a faculdade de retirar os materiais das casas novas. 75 O que chama realmente a atenção é uma outra justificativa, dada pelo Mordomo Marques Rodrigues, segundo o qual devido às “circumstancias lisongeiras em que se acha hoje a Santa Casa, votava contra a venda da quinta” (Ata da sessão da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 15/09/1891, pg.49). Mas se as finanças estavam indo tão bem, por que então não dar continuidade ao projeto do Hospício de Alienados? Ou as contas não estavam tão favoráveis assim ou o desejo de se construir um estabelecimento daquele tipo já não despertava interesse e muito menos o discurso de urgência tão propalado nos primeiros tempos. Ou então uma coisa estava diretamente ligada à outra. Esta parece ser a explicação mais plausível. Ainda que algumas vozes levantassem dúvidas quanto à legalidade da venda da quinta, afinal fora adquirida “com o fim especial” de se levantar um hospício para alienados, “concedendo a Assemblea Provincial loterias p.a esse efeito”, a tônica passou a ser considerar aquela idéia um imenso equívoco: [...] a Santa Casa ficou empenhadíssima em querer erradamente levar a effeito a construcção de um hospicio de alienados na quinta Bôa Hora, gastando a somma de 30 ou 40 e tantos contos... inclusive a quantia despendida com a compra da mesma quinta e nada poude-se conseguir, ficando as obras paralisadas no pé em que as vemos. Que, nem que pudesse hoje a Santa Casa, achava em seu humilde conceito que não deviam ser concluidas essas obras, não só porque traria ainda muito dispendio com o emprego de grandes capitaes, como tambem uma enorme despesa de pessoal com a manutenção de um hospicio alli (Ata da sessão da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 21/10/1891, pg.50-51). Em Agosto de 1892 chegou oficialmente ao fim o desejo de se construir um hospital específico aos alienados. Aceitando a proposta da diretoria da Companhia de Fiação e Tecelagem S. Luiz20, a Mesa da Santa Casa vendeu a quinta pelo valor de 20:511: 000 réis. O 20 Contando com um capital de 300 contos, foi inaugurada em Setembro de 1894, em um prédio que ocupava 45x39 de área. Possuía um motor de 120 cavalos, acionando 55 teares que produziam 320.000 metros de pano de algodão. Empregava cerca de 55 operários (VIVEIROS, 1992). 76 Mordomo Marques Rodrigues ainda sugeriu que todo o produto arrecadado com a venda fosse empregado em um hospício de alienados, o que foi prontamente negado pelos demais membros (Ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 31/08/1892, pg.77-78). Entretanto, como já era de praxe, até o final a quinta foi motivadora de alguns problemas, desta vez relacionados ao processo de transferência do terreno, mais especificamente a alguns débitos que estariam pendentes. Em conseqüência disto, passados dois meses após a compra, a Companhia de Fiação ainda não havia pago a quantia determinada. Seu tesoureiro justificou-se dizendo que entregaria toda ou ao menos parte da importância “desde que lhe desse o Procurador Geral um recibo provisorio, em quanto não se pudesse passar as escripturas” (Ata da sessão da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 21/10/1892, pg.82). Apesar de todas as turbulências, a quinta Boa Hora parecia mesmo fazer parte do passado. A Irmandade da Misericórdia buscou para a questão dos alienados uma solução caseira, expressa primeiramente em uma declaração de Outubro de 1891: Que é de muito mais vantagem a construcção de um raio destinado n’este proprio edificio em que estamos, que tem capacidade para esse fim, sem grandes dispendios, trazendo alem disso o grande proveito de ser fiscalisado e dirigido pelas irmãs de caridade e pessoal aqui empregado (Ata da sessão da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 21/10/1891, pg.51). É curioso notar a discordância entre as medidas aqui aplicadas e aquelas preponderantes em outras partes do território brasileiro. Vimos em um momento anterior que com a Proclamação da República houve uma tendência em retirar das Santas Casas de Misericórdia o controle de instituições destinadas ao abrigo dos loucos, bem como anular a 77 influência que as irmãs de caridade possuíam nesses casos. Tudo isso de acordo com a separação entre Estado e Igreja, implementada pelo regime republicano. Em São Luís parece ter ocorrido justamente o contrário: a Santa Casa continuaria a ter a responsabilidade sobre os indivíduos portadores de alienação, e os cuidados seriam dispensados muito mais sob critérios caritativos, e não médicos. Somos levados a crer que isto se deve em grande parte ao fato de que a Psiquiatria, como especialidade médica, não era uma realidade no Maranhão, impossibilitando qualquer discurso efetivamente forte que pretendesse para si a legitimidade de ação sobre a loucura. Na planta elaborada pelo engenheiro Fabio Hostillio de Moraes Rego, ficou acertado que o apêndice a ser construído na Santa Casa contaria com “28 cubículos, sendo 14 para homens e 14 para mulheres”, resolvendo-se ainda que seriam “promptificados logo o andar terreo e o superior com os alojamentos necessarios, e por partes, segundo as forças da Santa Casa” (Ata da sessão ordinária da Mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia, 08/08/1892, pg.75; 31/08/1892, pg.77-78). O certo é que um espaço voltado exclusivamente ao tratamento (ou seria melhor reclusão, confinamento?) dos chamados alienados só foi de fato inaugurado no início dos anos 40 já do século XX, com a criação da Colônia de Psicopatas Nina Rodrigues, “no então subúrbio do Areal”, onde atualmente está o bairro do Monte Castelo (MEIRELES, 1994, p.289). Malogrado o projeto de construção de um hospital destinado exclusivamente aos alienados, caberiam ainda pequenas considerações sobre a natureza e motivações que teriam engendrado tal iniciativa. Pensamos que seria de todo precipitado e até mesmo maniqueísta que se ficasse com a idéia final de associar a defesa de tal estabelecimento como ligada única e exclusivamente a uma tentativa de perseguição e ocultamento daqueles indivíduos. Estaríamos procedendo de maneira inquisitorial, desconsiderando discursos que poderiam 78 realmente ser movidos por uma preocupação em relação aos destinos até então dados, em que predominava a insalubridade e a falta de cuidados. Por um outro lado, boas intenções nem sempre são acompanhadas por medidas efetivamente benéficas. Privar pessoas de sua liberdade, encerrá-las em um local distante e isolado, com internações que poderiam ser determinadas freqüentemente por uma autoridade policial, guiada por questões como manutenção da ordem e suscetível a reivindicações que primavam muito mais por uma comodidade imediata e pessoal do que com a qualidade de existência do outro, são atitudes seguramente discutíveis. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da defesa de um tratamento mais cuidadoso aos chamados alienados, pelo menos no nível de alguns discursos, essa questão no Maranhão, nas últimas décadas do século XIX, se constituía na prática menos enfática no âmbito da saúde do que no recolhimento de indivíduos encarados como transgressores da ordem. Freqüentemente fazia-se o possível para dar a eles uma espécie de inexistência, para que sumissem e poupassem a todos da inutilidade que representariam. Vimos que diante de uma situação considerada insustentável, a presença dos ditos alienados nas vias públicas da cidade, não se hesitava em encarcerá-los nas celas das cadeias, juntamente com indivíduos presos como criminosos. A loucura assumia um caráter de desrespeito e quebra das normas sociais. A Santa Casa de Misericórdia, que teoricamente deveria se constituir num espaço destinado a tratar da loucura, concebida já na época como doença mental, voltava-se muito mais a uma função de mera reclusão, talvez mais insalubre que as próprias cadeias, se levarmos em conta as inúmeras reclamações, casos de agressão e até mesmo assassinatos. 79 Cogitou-se na construção de um local reservado exclusivamente para abrigar as pessoas classificadas como alienadas. As obras foram iniciadas sob intensa expectativa, que se desvaneceu diante das dificuldades financeiras. É possível que tal projeto, se finalizado, não representasse uma alteração radical na maneira de ver e tratar a loucura, porém sua inconclusão contribuiu para a permanência das mesmas estratégias então praticadas. O fim do Império e o início do regime republicano não operaram praticamente mudança alguma naquela realidade. Ou melhor, o que houve foi uma espécie de retração na tentativa de organização de um espaço para os alienados. Se isso não se constituiria em garantia de um tratamento imune a despreparos e precariedades, seria algo que poderia ao menos restringir e combater a confusão reinante na Santa Casa de Misericórdia e nas cadeias públicas. Na verdade, até hoje a natureza dos tratamentos e instituições psiquiátricas são alvos de intensos debates e controvérsias. Se por um lado são encontradas iniciativas direcionadas à inserção e socialização dos pacientes, por outro ainda são comuns as denúncias aos métodos de internação, que às vezes parecem se aproximar muito mais de detenções e meros aprisionamentos. 80 ANEXO SEQUÊNCIA HISTÓRICA DO SURGIMENTO DE LOCAIS PARA INTERNAMENTO DE DOENTES MENTAIS NOS VÁRIOS PONTOS DO TERRITÓRIO NACIONAL ANO 1841 CIDADE Rio de Janeiro INSTITUIÇÃO Asilo Provisório (em casa situada no terreno onde se construía o Hospício de Pedro II). 1852 São Paulo Rio de Janeiro Hospício Provisório de Alienados Hospício de Pedro II 1860 Rio de Janeiro Casa de saúde Dr. Eiras 1864 São Paulo Olinda-Recife Hospício de Alienados (Ladeira de Tabatinguera) Hospício da Visitação de Santa Isabel 1865 Belém Enfermaria do Hospital de Caridade 1873 Belém Hospício de Alienados (Vizinhança do Hospital dos Lázaros) 1874 Salvador Asilo de S. João de Deus 1875 Paraíba Enfermaria do Hospital da Santa Casa de Misericórdia 1878 1883 Niterói Recife Enfermaria do Hospital de São João Batista Hospício de Alienados (Tamarineira) 1884 Porto Alegre 1886 Fortaleza Hospício S. Pedro Asilo de Alienados de S. Vicente de Paula (Porangaba) 81 1890 Rio de Janeiro Colônias S. Bento e Conde Mesquita (Ilha do Governador) 1891 Maceió Asilo Santa Leopoldina 1892 Belém Hospício de Alienados (Marco da Légua) 1893 Paraíba Asilo do Hospital Santa Ana (Cruz do Peixe) 1894 Manaus Hospício Eduardo Ribeiro 1895 Sorocaba (SP) Hospício de Alienados 1898 São Paulo Hospício do Juqueri Lista compilada por Tácito Medeiros e reproduzida por RESENDE (2000, p.48-49). FONTES CONSULTADAS • Almoxarifado dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia, 1883. Arquivo Público do Estado do Maranhão (APEM). • Coleção das Leis Provinciais do Maranhão, 1882. Maranhão - TYP. DA PACOTILHA - 1882. Biblioteca Pública Benedito Leite (BPBL). • Coleção de Leis e Resoluções Municipais, 1892-1909. Organizado por Augusto Porto. BPBL. • Fala que o Exm.o Sr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, Presidente da Província, dirigiu à Assembléia Legislativa Provincial por ocasião da instalação da 2a sessão da 25 a Legislatura em 24/02/1885 (Impressa). APEM. • Jornais: -Publicador Maranhense - 04, 05 e 25 de Setembro de 1883. BPBL. -Pacotilha - 03, 04, 06, 07, 08, 09, 10 e 11 de Junho de 1892; 02 e 03 de Janeiro de 1900. BPBL. • Leis do Maranhão, 1884-1886. BPBL. 82 • Livro de Ata das sessões da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, 1881-1889, no 263. APEM. • Livro de Ata das sessões da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, 1889-1894, no 264. APEM. • Mordomia dos Hospitais da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão - 1881, 1883, 1884, 1885, 1886, 1887. APEM. • Relatório apresentado pelo Exm.o Sr. José Manoel de Freitas, Presidente da Província à Assembléia Legislativa Provincial do Maranhão, no dia 20/05/1883, por ocasião da instalação de sua seção de abertura (Manuscrito). APEM. • Relatório do Presidente da Província do Maranhão, Sr. José Bento de Araújo, dirigido à Assembléia Legislativa em 18/03/1887. APEM. • Secretaria de Polícia do Estado do Maranhão - 1893. APEM. • Secretaria de Polícia do Maranhão, 1880. APEM. • Secretaria da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão - 1882, 1883. APEM. • Subdelegacias: -1o distrito da Capital - 1880, 1886. -2o distrito da Capital - 1883. -3o distrito da Capital - 1888. -Cutim - 1885, 1887, 1888, 1897. -Distrito de N.S. dos Remédios - 1895. -Freguesia de Sam Joaquim do Bacanga - 1880, 1881, 1882. -Povoação do Mocajutuba, 1885. -Vinhaez - 1882. • Tesouraria da Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, 1883. APEM. 83 LISTA DE ILUSTRAÇÕES ILUSTRAÇÃO 1- Santa Casa de Misericórdia do Maranhão, em 1899. Álbum fotográfico Maranhão ilustrado (São Luís, Tip. Teixeira, 1899). Imagem reproduzida em MORAES, Jomar. Guia de São Luís do Maranhão. 2a Edição Revista e Ampliada. Edições Legenda, 1995. p.79. ILUSTRAÇÃO 2- Pinel libérant les aliénés. Quadro de Tony Robert-Fleury, 1876. Imagem reproduzida em http://fr.encarta.msn.com/media. 84 REFERÊNCIAS ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição/ Mitsuko Aparecida Antunes. São Paulo: Unimarco Editora/Educ, 1998. BELMONTE, Pilar R. Temas de Saúde Mental. Textos Básicos do CBAD. Curso Básico de Acompanhamento Domiciliar, 1998. BIRMAN, Joel. ENFERMIDADE E LOUCURA: sobre a medicina das interrelações/Joel Birman.-Rio de Janeiro: Campus, 1980. CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico/ Georges Canguilhem; tradução de Thereza Redig de Carvalho e Luiz Octávio Ferreira Barreto Leite.-3.ed. rev. E aumentada.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990(Coleção Campo teórico). 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